Palavras e coisas: anotações sobre cultura, identidade cultural e Design Gráfico

July 23, 2017 | Autor: Alexandre Oliveira | Categoria: Identidade cultural, Design gráfico, Villas Boas
Share Embed


Descrição do Produto

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas

Palavras e coisas: anotações sobre cultura, identidade cultural e Design Gráfico Words and things: notes on culture, cultural identity and Grafic Design

Alexandre Santos de Oliveira [email protected] PUC-Rio/FUCAPI/FAPEAM/CAPES

Resumo Este artigo é resultado de uma pesquisa bibliográfica sobre o tema identidade cultural no campo do Design e tem como objetivo apresentar uma síntese das principais ideias discutidas por André Villas-Boas, contribuindo para uma reflexão sobre as tendências teóricas que têm permeado o campo do Design no Brasil, no tocante à relação entre cultura, identidade cultural e Design Gráfico.

Palavras-chave: identidade cultural, Villas-Boas, Design Gráfico

Abstract This article is the result of a literature on the subject of cultural identity in the field of Design and aims to present a sinopsys of the main ideas discussed by Andre Villas-Boas, contributing to a reflection on the theoretical trends that have permeated the field of Design in Brazil, concerning the relationship between culture, cultural identity and graphic design.

Keywords: Cultural identity, Villas-Boas, Grafic Design

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas

André Villas-Boas, as palavras Villas-Boas apresenta-se como um pesquisador que abraçou o discurso do Design Gráfico, vertente esta que ocupa boa parte, senão a maior, dos investimentos que realizou em sua primeira fase enquanto pesquisador. Sua vinculação ao Design Gráfico pode ser observada tanto no âmbito da produção científica e acadêmica, como no que respeita a sua inserção em instâncias do mercado, atuando como designer gráfico. Com formação em Comunicação, a despeito da produção de Villas-Boas envolver áreas tais como o jornalismo, a editoração e a comunicação visual, interessa-me nesta investigação as reflexões do autor no tocante aos fenômenos da cultura e da identidade cultural no âmbito do Design. Para tanto, selecionei um conjunto de publicações suas, circunscritas entre os anos de 1997 a 2003, período este que se apresenta como um dos mais produtivos no que se refere à discussão das categorias de investigação deste estudo. É importante observar ainda que o período assinalado coincide com a defesa da Dissertação de Mestrado (Villas-Boas, 1997) e realização do Doutorado (1998-2002) na UFRJ1, ambos sob a orientação de Heloisa Buarque de Holanda. O autor adota o Design Gráfico como seu objeto de investigação e, a partir deste recorte de interesse e atuação, efetua reflexões no tocante à cultura, discussões estas que já vinham sendo anunciadas através de questões por ele trabalhadas, tais como a preocupação com as tendências não-canônicas, o fenômeno da hegemonia no campo do Design e, em particular, no Design Gráfico (Villas-Boas, 1994; 1996).

1

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas

A opção pelos Estudos Culturais, além das palavras Em seus escritos, foi possível identificar uma forte tendência e utilização dos Estudos Culturais como linha de ação teórica ,sob a qual Villas-Boas construiu a sua argumentação sobre o fenômeno da cultura e da identidade cultural. As razões para esta opção são explicitadas em sua dissertação de Mestrado (Villas-Boas, 1997), bem como em trabalhos subsequentes (Villas-Boas, 1999 e 2002a). A justificativa se dá pela enunciação dos pressupostos que norteiam os Estudos Culturais, qual seja: a) a “promiscuidade metodológica” inerente ao campo dos estudos culturais que, segundo ele, estabelecem eco com o caráter interdisciplinar do Design Gráfico; b) a identificação da cultura como produto da sociedade industrial envolta em relações de poder c) o posicionamento político através de uma visão da academia como prática social. Ao refletir sobre a aplicação dos Estudos Culturais ao campo do Design, Villas-Boas (1999) vê a possibilidade de articulação ou mesmo a interdependência entre os elementos técnicos, manejados pelo campo do Design e a multiplicidade da cultura contemporânea como um todo, tendo em vista que considera, apoiado em Jamenson (1994), que os Estudos Culturais se constituem numa forma de olhar a partir de uma disciplina acadêmica específica. Tal abordagem pode ser lida como estando alinhada com o Design e especificamente com o Design Gráfico, tal como propõe Villas-Boas, pela atualidade da produção do campo, pela sua inserção na contemporaneidade com vistas à solução de problemas, bem como pela tradução de ideias, conceitos, e formas de ser, pensar e agir, presentes no cotidiano, constituindo-se assim num fenômeno cultural. Por outro lado e na tentativa de conciliar o posicionamento político dos Estudos Culturais e a capacidade do Design Gráfico em comunicar ideias, Villas-Boas (1999, 2002a) antevê a possibilidade de reposicionar o discurso sobre o Design, partindo de uma prática de totalização para uma prática que tenha como princípio a diversidade. Reposicionamento este que, segundo o autor, é fruto de uma dupla visão da cultura; uma, como produto das

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas relações de poder e outra, que advém da diversidade como elemento/engrenagem de construção da cultura. Em síntese, foi possível observar nos escritos que Villas-Boas, após posicionar a cultura como um locus de reflexão privilegiado para o Design Gráfico, ressalta a situação dos países periféricos e os interesses dos Estudos Culturais, pois este campo de estudos tende à observação da cultura sob uma perspectiva não fragmentada, “ao constatar a imbricação da alta cultura, da cultura popular e da cultura de massa” (Villas-Boas, 2002a. p. 33; 1997) como condição necessária para pensar o objeto de estudo, ao tempo que orienta a questão do Design Gráfico para além do viés formalista de observação e manipulação dos elementos concretos, caminhando em direção a uma análise dos constructos a partir destes elementos, levando-nos a entender o Design Gráfico como artefato da cultura.

Design Gráfico como cultura = as coisas O que para alguns parece óbvio, para Villas-Boas é questão central no que respeita à posição do Design Gráfico como artefato da cultura, uma vez que, em suas reflexões, fica claro um posicionamento e esforço em demarcar o Design Gráfico como campo cultural, ou seja, para ele “o design gráfico tem uma dimensão tão visceralmente cultural e contemporânea que se confunde com a própria cultura e com a própria contemporaneidade” (Villas-Boas, 2002a p.18; 2000a; 2000b). No passeio que Villas-Boas (1997) faz pela história do Design Gráfico em sua dissertação de Mestrado, discute as contradições presentes na constituição do campo, tal como o conhecemos hoje. Um dos pontos altos é a identificação da relação entre o Design e o projeto modernista (Villas-Boas, 1994; 1997), a dualidade entre os cânones adotados na sua constituição e as posturas não-canônicas como formas de ruptura com o “paradigma funcionalista” (Villas-Boas, 1994 p.11). Neste sentido, a noção de cânone é vista pelo autor como “oportuna para a compreensão cultural do design gráfico e de sua inserção no processo social como um todo” (Villas-

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas Boas, 1998a; 2002a p.100). O autor utiliza em seu discurso o conceito de cânone para demonstrar as relações de poder presentes no âmbito das contradições culturais nas quais o Design Gráfico está imerso, como reflexo da cultura que ele representa enquanto instância cultural, explicitando e reforçando o seu entendimento da cultura como “produto de relações de poder” (Villas-Boas, 1999 p.65). Ao analisar o Design Gráfico sob a perspectiva das nações periféricas, esta concepção fica mais clara, pois, para Villas-Boas, o Design Gráfico vive em “contradição permanente”: “empurrado a uma preocupação nacionalista por conta da tradição cultural mas, ao mesmo tempo preso ao internacionalismo próprio de sua natureza” (Villas-Boas, 2000a; 2000b; 2002a p.47). No entanto, esta constatação não o desanima, pois remete ao conflito sob o qual o Design Gráfico é concebido que “produz, realimenta e transforma a sua condição cultural” uma vez que, na concepção do autor, o Design Gráfico é ao mesmo tempo, sujeito e objeto da cultura. Esta noção de pertença do Design Gráfico é trabalhada por Villas-Boas (1994, 1998a; 2002a) a partir de duas instâncias legitimadoras às quais o autor recorre em muitos momentos de sua discussão: a relação do Design com a alta cultura, justificada pelas bases do seu surgimento no ambiente das vanguardas históricas e a associação do Design Gráfico à cultura popular, através de uma formulação ligada à nacionalidade e às raízes populares. Insatisfeito com estas duas instâncias e por considerá-las por demais limitadas para pensar a atividade do Design na contemporaneidade, Villas-Boas considera como inevitável reposicionar o Design Gráfico como estando fortemente vinculado à cultura de massas. Este vínculo/aproximação é justificado(a) pelo autor em decorrência da natureza do Design Gráfico, enquanto ligado à industrialização, à sociedade de massas e à representação visual de valores simbólicos (Villas-Boas, 2000c; 2002a p.47). A aproximação do Design Gráfico com o conceito de cultura de massa, tal como proposto por Villas-Boas (1998b; 2002a), constitui-se num caminho para refletir sobre o papel do Design e do designer no âmbito das sociedades periféricas. Para o pesquisador, a necessidade de relativizar a ideia de repertório, por conta da capacidade das sociedades

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas periféricas de dessemantizar os elementos comunicacionais que lhes são propostos, se constitui numa oportunidade que, segundo ele, os designers ainda tem dificuldade para perceber. Assim, argumenta que, para lidar com o Design Gráfico como expressão cultural, “as soluções projetuais têm de levar em conta os padrões culturais em jogo na situação de projeto” (Villas-Boas, 2000c p.69, grifo meu). Embora reconheça as dificuldades e entraves para dar conta deste projeto, no âmbito do Design Gráfico, Villas-Boas (2002a p.79) considera que “é factível e desejável que cheguemos a um design gráfico eminentemente brasileiro”. Contudo, ressalta que esta ação não se dará por meio daquilo que ele chama de “visualidade singular” e sim pelo reconhecimento do caráter híbrido enquanto elemento distintivo, singular e identitário da cultura brasileira.

Identidades, subculturas e hibridismo + coisas É no P&D2 de 2000 que Villas-Boas (2000a p.809; 2002a) levantará a seguinte questão que optei por transformar em interrogação: Por que a identidade nacional voltou a ser uma questão importante? Neste trabalho, o autor apresenta as questões que levaram a um relativo arrefecimento no tocante ao tema da identidade nas décadas de 80 e 90 no Brasil, a saber: a) por tratar-se de um tema ultrapassado, tendo em vista o seu vínculo com uma pauta política igualmente ultrapassada; b) a constatação de que o desenvolvimento do país havia superado a necessidade de tal discussão; c) a questão se tornara inoportuna, face o movimento da globalização em curso. Não obstante as justificativas para o silêncio com relação à questão da identidade cultural, o tema volta a ser discutido não apenas no campo do Design no Brasil, como ressalta VillasBoas, mas em outros campos de conhecimento e no âmbito das sociedades periféricas como um todo. No entanto, é importante pontuar as bases teóricas sob as quais o autor se apoia para a compreensão do conceito de identidade cultural. 2

P&D – Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas O lastro de sua discussão está calcado nas ideias de Stuart Hall, Frederic Jamenson e Boaventura de Souza Santos. Para Hall (1992 apud Villas-Boas 2002a p. 98), o desencanto com a sociedade moderna está na impossibilidade de concretização das expectativas de emancipação social. Jamenson (1991, apud Villas-Boas 2002a p. 98-99) chama a atenção para a emergência do discurso do Terceiro Mundo que fratura a base identitária moderna e europeia das minorias étnicas e culturais e agrava os conflitos, no que respeita à descolonização e divisão internacional do trabalho. Santos (1995, apud Villas-Boas 2002a p. 99), ao refletir sobre esse cenário, aponta para o surgimento de novas vozes que passam a se constituir forças políticas, culturais e econômicas. O desencanto, a emergência do Terceiro Mundo bem como as novas vozes são apresentadas por Villas-Boas (2000a; 2002a p.46) como tendo reflexos no Brasil. Para ele as discussões sobre as especificidades de uma identidade cultural, em terreno brasileiro, remontam a José de Alencar, aos modernistas, à Poesia Concreta, aos filmes do Ciclo de Cataguases, à Atlântida, ao Cinema Novo, ao ISEB, ao Teatro de Opinião, dentre outros movimentos e instituições e eu acrescento o CNRC – Centro Nacional de Referência Cultural idealizado por Aloísio Magalhães (Magalhães, 1985 e Anastassakis, 2008). Nesta perspectiva, tratamse de movimento e instituições que, desencantadas ou não, colocaram em questão o tema da identidade nacional. No entanto, Villas-Boas (2000a, 2002a, 2000b) não vê o modelo da identidade nacional como único e legítimo, pois para ele o modelo de construção da identidade nacional esteve baseado eminentemente na exclusão das diferenças, criando um padrão hegemônico de identidade cultural a serviço da ideia de nação. Para Villas-Boas (2002a p.59), a nação não se constitui elemento natural “a nação não é natural nem convergente, mas artificial e divergente”, ressalta ele. A nação é homogeneizadora, o que não pressupõe desconsiderar sua face heterogênea. A nação constrói uma identidade única e dominante ao custo de suprimir identidades dissonantes, ressaltando, no entanto, que a noção de unicidade é fraturada com a emergência de vozes dissonantes, quais sejam a emergência das subculturas.

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas Villas-Boas (2002a p. 95-96) situa o conceito de subcultura como uma tendência sociológica norte-americana vinculada à Escola de Chicago3. Num primeiro momento, a categoria foi estudada sob uma perspectiva funcionalista, vista como desvio em relação aos padrões sociais vigentes. Na década de 1970, o Centre for Contemporary Cultural Studies, na Inglaterra, insere o termo em novas bases, ao discutir a perspectiva das subculturas como uma cultura própria das classes sociais. No entanto, o entendimento das subculturas como instâncias difusas, miscigenadas e dinâmicas, nas quais os significados são permanentemente reconstruídos, contendo códigos e situações comunicacionais com uma lógica interna singular, conferindo, segundo VillasBoas (1998a; 2002a p. 97), um status próprio a este conceito. Neste sentido, ele declara que “o conceito conserva a noção original de Birmingham4 de que as subculturas representam estratégias de contra-hegemonia”. Explicita-se, a partir do conceito de subcultura, tal como trabalhado pelo autor, o entendimento da relação particular desta com a realidade brasileira, composta por identidades culturais híbridas e mestiças. No caso brasileiro, a ambiguidade de mestiços e híbridos se constitui problemática como ressalta Villas-Boas (2002a p. 43), pois a condição de mestiços, de ex-colônia e a permanência como país periférico suscita a seguinte pergunta sobre a identidade cultural, formulada pelo autor: “quem somos nós?”. Por outro lado, o autor argumenta ainda que a posição da periferia aguça o deslocamento da relação espaço-tempo, pois o fato de sermos híbridos e a consciência sobre este estado acentua a “obsessão por uma identidade segura” (idem, p.44). Neste sentido, os recorrentes empreendimentos levados a termo pela intelectualidade brasileira no sentido de imprimir 3

Corrente sociológica surgida nos Estados Unidos, na década de 1910, por iniciativa de sociólogos americanos, professores do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, dedicada à investigação de comunidades singulares no universo urbano, estudados pela primeira vez sob uma perspectiva etnográfica. 4

Em se tratando de Estudos Culturais os autores normalmente fazem referência à Universidade de Birmingham, local onde foi fundado em 1964 o Centre for Contemporary Cultural Studies dirigido por Richard Hoggart.

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas uma noção de identidade apresentam-se, segundo o autor, como consequência desta obsessão. Assim, instâncias tais como o Design Gráfico são chamadas a produzir, representar e disseminar tal perspectiva de identidade. No entanto, Villas-Boas (2002a) reconhece que, em decorrência da contradição permanente entre tradição cultural nacional e internacionalismo, a questão da identidade nacional parece incômoda para o Design Gráfico. Por outro lado, constata que, em função do seu caráter híbrido, a identidade não pode representar, para o Design Gráfico, “a adoção unitária e permanente de um estilo, sob pena de por em jogo sua própria soberania” (Villas-Boas, 2002a p.72). Assim, o autor vai posicionar-se em defesa do discurso da identidade cultural no âmbito do Design Gráfico, ao afirmar que tal discurso incentiva ou requer do campo “soluções projetuais originais eminentemente autóctones” (Idem, 2002a p.51), sinalizando seu compromisso com um discurso de identidade cultural como ruptura com perspectivas homogeneizadoras e hegemônicas.

Cultura, identidade cultural e Design Gráfico: palavras e coisas Diante do conjunto de reflexões, a partir dos escritos de André Villas-Boas, é possível constatar que o autor trabalha com três planos dicotômicos bem definidos e que representam seu posicionamento diante das questões que envolvem o Design Gráfico e sua inserção cultural, a saber: hegemonia/contra-hegemonia; canônico/não canônico; centro/periferia. Os temas trabalhados são controversos e a abordagem do autor não poderia ser outra, ao combinar um posicionamento histórico, social e crítico do Design Gráfico. Nem sempre o distanciamento do objeto e a reflexão sobre a prática constituem-se em uma equação fácil de resolver. No entanto, ele consegue demarcar os principais aspectos que norteiam o seu

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas posicionamento e o aprofundamento teórico conceitual necessário a uma compreensão do objeto através de uma exaustiva reflexão. A preocupação com o Design Gráfico como elemento/instância da cultura é ponto pacífico, no entanto, Villas-Boas entende a dupla inserção da atividade no âmbito da cultura contemporânea, ao considerar as relações entre hegemonia e contra-hegemonia, como categorias em conflito que regulam as relações, tanto no âmbito da cultura, como no Design Gráfico. Assim, utilizando-se do Design Gráfico para entender a dinâmica da cultura e vice-versa, Villas-Boas entende o trânsito e até a complementaridade entre ambos, sem desconsiderar as diferenças internas, os elementos geradores e as relações de poder que as regula. Esse posicionamento leva o autor a identificar no âmbito e na natureza do Design Gráfico a presença de uma tradição canônica, precedida por outra não-canônica que, segundo ele, é parte intrínseca à natureza do Design Gráfico. Partindo da noção de hegemonia cultural, o autor relaciona a ideia de alta cultura como instância de poder com feições homogeneizantes e de aculturação que ressoam no campo do Design como de tradição funcionalista e internacional, ligadas a um projeto de modernidade exógeno e distante da realidade brasileira. Numa outra instância, não muito distante desta, o autor sinaliza como constituinte da natureza do Design Gráfico a existência de uma tradição contra-hegemônica que ele denomina de não canônica e precursora da atividade do Design Gráfico; ressalta que tal tradição constitui-se uma herança da ruptura com as vanguardas estéticas modernistas, das quais o Design Gráfico se afasta, quando de sua inserção na esfera produtiva e daí a sua canonização, dada a sua associação com o funcionalismo. Assim, o autor defende que, no plano da cultura e em sua constituição, o Design Gráfico apresenta os elementos de uma essência transgressora contra hegemônica e por extensão não canônica, o que justificaria aquilo que Villas-Boas denomina de “crise paradigmática”, evidenciada pela emergência de propostas não-canônicas no âmbito do Design Gráfico, a partir da década de 1970.

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas Nesta perspectiva, o Design Gráfico reflete a crise paradigmática pela qual passa a cultura contemporânea, a crise das grandes narrativas. Villas-Boas apresenta, na instância contra hegemônica, o discurso da periferia e os referenciais culturais que começam a ser reposicionados diante da globalização. Identifica ainda os conflitos e as relações de poder que envolvem o jogo da cultura, bem como a posição dos países periféricos, portadores de uma estrutura cultural em constante ressemantização e de um hibridismo para quem, a questão do reconhecimento da identidade cultural, constitui-se como contraponto à onda homogeneizante, capitaneada pela globalização. Em síntese, posso ler, a partir de Villas-Boas, mesmo que provisoriamente, a presença de dois conceitos de cultura, quais sejam: um conceito hegemônico, enquanto comprometido com os cânones da alta cultura e com uma ação homogeneizadora; numa outra instância, um conceito de cultura como resistência, contra-hegemônico, não canônico, que tem origem em periferias híbridas e mestiças, tais como o Brasil. No que respeita à identidade cultural, o conceito é tratado como instância de mediação em contraponto à onda homogeneizante no âmbito do capitalismo mundial, apesar da identidade cultural se constituir um problema para o Design Gráfico, conforme ressalta o autor, ele parece identificar nesta categoria uma oportunidade para que o campo desenvolva uma autonomia projetual rumo a um Design Gráfico que seja capaz de lidar com os signos da periferia.

Referências ANASTASSAKIS, Z Um projeto de design nacional: Aloisio Magalhães e o Centro Nacional de Referência Cultural. In: Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - Associação de Ensino e Pesquisa de Nível Superior de Design do Brasil (AEND|Brasil). São Paulo, 2008(b).

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas MAGALHÃES, A. E Triunfo?: a questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Nacional Pró-Memória, 1985. VILLAS-BOAS. A. Modernismo e funcionalismo: o caminho do design gráfico não é um só. In: Estudos em Design - Anais do 1º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D Design - Associação de Ensino de Design do Brasil; ano II, vol III, n.3 Rio de Janeiro, 1994. VILLAS-BOAS. A. Van Gogh gostava de amarelo porque só enxergava amarelo? In: Estudos em Design - Anais do 2º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D Design - Associação de Ensino de Design do Brasil; Rio de Janeiro, 1996. VILLAS-BOAS. A. Utopia e disciplina: O design gráfico como síntese do imaginário modernista. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura), Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro; Rio de Janeiro: ECO/UFRJ, 1997. VILLAS-BOAS. A. Subcultura. In: Estudos em Design - Anais do 3º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D Design - Associação de Ensino de Design do Brasil; Rio de Janeiro, 1998a. VILLAS-BOAS. A. X-design, ou a periferia no poder. In: Estudos em Design - Anais do 3º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D Design Associação de Ensino de Design do Brasil; Rio de Janeiro, 1998b. VILLAS-BOAS. A. Utopia e disciplina. Rio de Janeiro: 2AB, 1998c. VILLAS-BOAS. A. O design gráfico como objeto dos estudos culturais. In: Estudos em Design. V. 7, n. 1 (abril) 1999, Associação de Ensino de Design do Brasil, Rio de Janeiro, 1999. (p. 55 – 65). VILLAS-BOAS. A. Por que a identidade nacional voltou a ser uma questão importante. In: Estudos em Design - Anais do 4º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D Design - Associação de Ensino e Pesquisa de Nível Superior em Design no Brasil; Novo Hamburgo, RS, 2000a.

Alexandre Santos de Oliveira

9º Simpósio Interdisciplinar do LaRS: palavras e coisas VILLAS-BOAS. A. Identidade nacional é invenção. In: Estudos em Design - Anais do 4º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D Design Associação de Ensino e Pesquisa de Nível Superior em Design no Brasil; Novo Hamburgo, RS, 2000b. VILLAS-BOAS. A. Autonomia projetual: aprendendo com arquitetos e funqueiros. In: Estudos em Design - Anais do 4º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D Design - Associação de Ensino e Pesquisa de Nível Superior em Design no Brasil; Novo Hamburgo, RS, 2000c. VILLAS-BOAS. A. Identidade e Cultura. Rio de Janeiro: 2AB, 2002a. VILLAS-BOAS. A. As mudanças nos anos 1990: impressões de viagem. In: Anais do 5º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D Design/I Congresso Internacional de Pesquisa em Design - Associação de Ensino e Pesquisa de Nível Superior em Design no Brasil; Brasília, 2002b. VILLAS-BOAS. A. Sobre a efetividade de uma teoria do design a partir das sociedades periféricas. Conferência proferida no III Congresso Internacional de Pesquisa em Design, versão impressa distribuída pelo autor. Rio de Janeiro, outubro de ANPED, 2005.

Alexandre Santos de Oliveira

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.