Paleoparasitologia Molecular e Paleogenética para o Estudo das Doenças Infecto-Parasitarias do Passado: Princípios, Metodologia e Agravos

July 4, 2017 | Autor: Alena Mayo Iñiguez | Categoria: Paleoparasitology, Paleogenetics
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CAPÍTULO 14 Paleoparasitologia Molecular e Paleogenética para o Estudo das Doenças Infecto-Parasitarias do Passado: Princípios, Metodologia e Agravos Alena Mayo Iñiguez

PALEOPARASITOLOGIA MOLECULAR E PALEOGENÉTICA Conceitos Básicos

As doenças que acometeram as civilizações no passado, assim como seus agentes etiológicos, podem ser estudadas através da recuperação do material genético dos microorganismos em remanescentes humanos. A disciplina Paleoparasitologia Molecular ou Paleogenética surgiu com o propósito de responder questões históricas sobre a presença de infecção por diferentes patógenos através da aplicação de ferramentas moleculares para detecção de DNA antigo (aDNA) (Iñiguez 2011). Há quase de três décadas, técnicas de biologia molecular têm sido utilizadas para a recuperação e análise de DNA de vários materiais biológicos preservados do passado recente ou distante, estabelecendo assim a linha de aDNA antigo ou ancestral. O termo DNA antigo foi inicialmente usado para designar fragmentos de DNA encontrados em algum tipo de material biológico preservado ou fossilizado (Brown e Brown 1994), como ossos, dentes, tecidos, cabelos e coprólitos (fezes dessecadas ou fossilizadas), de origem humana ou animal, insetos em âmbar, e por último de origem vegetal, sementes, material de herbários e de permafrost (o permafrost, pergelissolo na língua portuguesa, é o tipo de solo constituído por terra, gelo e rochas que estão permanentemente congelados). Um conceito mais abrangente de aDNA refere-se a qualquer vestígio ou traço de DNA proveniente de um organismo morto ou partes deste, assim como DNA extracorpóreo (Herrmann e Hummel 1994). Outras denominações que envolvem o estudo de aDNA também são usadas como Paleogenética ou Paleontologia Molecular (Marota e Rollo 2002; Loreille e Bouchet 2003) ou mesmo Paleoparasitologia Molecular e Paleomicrobiologia (Ferreira et al. 2000; Drancourt e Raoult 2005; Ferreira et al. 2011). A diferença entre Paleoparasitologia Molecular e Paleogenética é que a primeira Avances Recientes de la Bioarqueología Latinoamericana, 2014. Editado por L. Luna, C. Aranda y J. Suby: 285-319. Buenos Aires, GIB. ISBN XXX-XXX-XXXX-X-X.

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Figura 1. Interfases da Paleogenética: desde a coleta paleogenética de material arqueológico até a análise genética. A: coleta paleogenética conduzida pela arqueóloga no sítio arqueológico Igreja Nossa Senhora do Carmo, Rio de Janeiro, seguindo os critérios para autenticar o aDNA (Iñiguez 2011); B-D: ovos de helmintos isolados através da análise paleoparasitológica em sedimentos recuperados de indivíduos do Cemitério da Praça XV, Rio de Janeiro (Jaeger et al. 2013a); B: Trichuris sp.; C: Ascaris sp., D: Taenia sp.; E: alinhamento de fragmentos de sequências de haplotipos de DNA mitocondrial humano de indivíduos enterrados no sítio arqueológico Igreja Nossa Senhora do Carmo, Rio de Janeiro (Iñiguez 2008); F: resultado da hibridação de aDNA de coprólitos pré-colombianos com sonda universal de DNA ribossomal (Iñiguez et al. 2003); G: estrutura secundária do gene SL1 de E. vermicularis estimada de aDNA de coprólitos pre-colombianos da América (Iñiguez et al. 2006).

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se refere à detecção molecular, e outras analises genéticas, como genotipagem e analise filogenética, apenas de parasitos. Enquanto que a Paleogenética inclui também a busca por outras informações como a natureza do hospedeiro (animal ou humano), o haplogrupo de ancestralidade humana (matrilinear, patrilinear ou total) a que pertence um indivíduo, as relações de parentesco, o sexo, assim como a dieta (ultima refeição antes da morte), a flora intestinal e externa, e do entorno ambiental (figura 1). A denominação Paleomicrobiologia é utilizada especificamente para o estudo de aDNA de micro-parasitos, bactérias e protozoários, causadores de doenças humanas e animais. Por último, a Paleogenômica (Poinar et al. 2006), na qual envolve a determinação e análise de extensos segmentos de aDNA nuclear na ordem de milhões de pares de bases (pb) ou mesmo genomas mitocondriais completos, denominada de Mitogenômica (Cooper et al. 2001). Até o presente momento, pelo menos 124 mitogenomas parciais ou completos têm sido disponibilizados, representando de 21 a 27 espécies de animais extintos, dependendo do conceito de espécie assumido (Paijmans et al. 2013). Através dos avanços nas técnicas de sequenciamento nucleotídico de alta vazão, que permitem recuperar a informação genética total da amostra biológica, e na Paleogenômica, temse contribuído para um maior conhecimento da história das epidemias de peste (Bos et al. 2011) e de tuberculose (Bouwman et al. 2012).

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DNA antigo: O começo

Os primeiros relatos da recuperação de biomoléculas provenientes de restos arqueológicos compreenderam especificamente proteínas. Resíduos proteicos foram identificados pela primeira vez em diferentes restos fósseis, como conchas, instrumentos de pedra e ossos (Loy 1983; Ascenzi et al. 1985). A partir da década dos 1980, com o uso de técnicas imunológicas, surgiram as pioneiras evidências na detecção de proteínas ancestrais (Lowenstein 1980). Na atualidade, técnicas imunológicas são aplicadas no diagnóstico de patógenos através do uso de kits comerciais. A aplicação da técnica de ELISA detectou antígenos de Giardia duodenalis em 3 amostras com datações de 1200, 1600 e 1700 A.D., se mostrando superior á observação direta através da microscopia de luz, que somente detectou uma amostra positiva (Gonçalves et al. 2002). G. intestinalis foi detectada em uma amostra arqueológica do Velho Mundo datada de 1000 A.D. com o uso de duas técnicas imunológicas, o ELISA e a IFA (Imunofluorescência). Tais técnicas oferecem importantes perspectivas em relação à detecção e identificação de protozoários em materiais antigos (Le Bailly et al. 2008). Na revisão de Herrmann e Hummel (1994), o primeiro livro publicado sobre aDNA, é descrito o primeiro relato (1980) da recuperação de aDNA e aRNA a partir da cartilagem da costela de uma múmia de Mawangtui, preservada por quase 2000 anos. Mas a primeira demonstração convincente da recuperação de sequências de aDNA foi a de um animal extinto na época a mais de 150 anos, em 1984. Higuchi et al. (1984) realizaram a clonagem de um fragmento de 229 pb de DNA mitocondrial (mtDNA) de um espécime de museu Equus quagga. Este é um grandioso trabalho do ponto de vista metodológico: 25000 colônias analisadas para obter somente dois fragmentos de mtDNA de E. quagga, significou um marco no estudo de aDNA, demonstrando pela primeira vez o longo período de sobrevida do DNA depois da morte do individuo. Pouco tempo depois, surge o primeiro resultado com aDNA humano, na qual foi recuperado de uma múmia egípcia datada de aproximadamente 2600 anos A.C. O estudo, publicado em uma das melhores revistas científicas de todos os tempos, mostrou a clonagem de um fragmento de aDNA nuclear de 3400 pb e a identificação de sequências repetitivas de DNA humano (Pääbo 1985). Até esse momento, os estudos de aDNA estavam restritos a extração de DNA de material extraordinariamente preservado.

DNA Antigo na Era Pós-PCR

As dificuldades técnicas enfrentadas na técnica de clonagem de DNA proveniente de restos de organismos ancestrais foram minimizadas pelo advento da técnica de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) (Saiki et al. 1985; Mullis e

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Fallona 1987), onde teoricamente uma única fita intacta de DNA alvo é suficiente para que sejam produzidos milhares de cópias deste segmento. Por este motivo, esta uma ferramenta seria ideal para estudos com aDNA. Na primeira década de pesquisa com aDNA, o interesse de diversos grupos de pesquisa e a frequência de relatos de recuperação de aDNA foram aumentando, explorando diferentes tipos de materiais biológicos preservados, principalmente ossos e tecidos de múmias (Hagelberg et al. 1991; Handt et al. 1996), insetos em âmbar (De Salle et al. 1992; Cano et al. 1993) e plantas fossilizadas (Golemberg et al. 1990; Brown et al. 1994). A partir deste momento foram elaborados numerosos trabalhos para adaptar a técnica de PCR ao estudo do aDNA, e entre os principais trabalhos publicados destacam-se os do grupo liderado pelo Dr. Svante Pääbo, que foi uma das figuras mais proeminentes nesta área de investigação (Pääbo et al. 1988, 1990, 2004; Pääbo 1989). Seus trabalhos de extração de aDNA, amplificação enzimática, clonagem e análise filogenética das sequências mostraram as particularidades na manipulação e possibilidade de obter sequências gênicas comprovadamente ancestrais. Igualmente foi pioneiro na caracterização de aDNA de tecidos de espécimes de uma extensa variedade de regiões geográficas e diferentes períodos de tempo (Handt et al. 1994; Hofreiter et al. 2002; Fu et al. 2013). Destaca-se uma das pesquisas mais relevantes em evolução humana, que são os estudos de aDNA do homem de Neanderthal, que demonstra que esta espécie não é o ancestral direto da espécie Homo sapiens como considerado anteriormente (Krings et al. 1997; Krause et al. 2007; Green et al. 2010).

Princípios Metodológicos no DNA Antigo

A partir do momento em que um organismo morre, seu DNA começa a ser degradado por nucleases endógenas, reduzindo a molécula de DNA de polinucleotídeos para mononucleotídeos. Já que as enzimas catabólicas não estão mais restritas a compartimentos celulares, e os processos de reparo do DNA não estão mais atuando na preservação do mesmo. A integridade do DNA é também afetada pelo ataque de organismos que se alimentam ou degradam macromoléculas, tais como bactérias, fungos e insetos. Estas ações post-mortem podem ser estacionadas em condições especiais de rápida dessecação, baixas temperaturas e altas concentrações de sal (Lindahl 1993; Hofreiter et al. 2001). Outros processos que lentamente afetam o DNA, tais como a oxidação, a depurinação, a deaminação, entre outros, que modificam bases nitrogenadas e o açúcar fosfato da cadeia de DNA, e/ou desestabilizam e quebram a molécula de DNA. A degradação em pequenos fragmentos, geralmente 100-500pb, é o tipo de dano mais evidente ao aDNA (Pääbo et al. 2004). Contudo, hoje se sabe que a extensão da degradação não depende só da antiguidade dos espécimes, e que as condições e

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o tempo em que estes foram preservados depois da escavação e coleta são fundamentais no processo de degradação de aDNA (Pruvost et al. 2007). As pesquisas com material proveniente de ambientes temperados ou de permafrost têm demonstrado a possibilidade de estender o limite de antiguidade da recuperação e tamanhos de sequências aDNA. Análises paleogenéticas de material de permafrost revelou que aDNA de origem vegetal e animal podem ser preservados por longos períodos de tempo, mesmo na ausência de macro-fósseis. Johnson et al. (2007) revelaram a sobrevivência de uma Actinobacteria isolada de material de permafrost, demonstrando atividade metabólica da bactéria ancestral. Validando os Resultados de DNA Antigo

A necessidade de autenticar os resultados de recuperação de aDNA começou a ser patente, em meados da década de 1990, quando uma série de estudos relevantes na área se mostraram irreproduzíveis. Adicionalmente, resultados de aDNA de espécimes datados de mais de 100 milhões de anos, ou de extensas sequências de aDNA, foram indícios de contaminação por DNA moderno. Hoje sabemos que os relatos de falsa recuperação de aDNA vêm sendo publicados desde o inicio desta linha de pesquisa (Iñiguez 2011). Os primeiros critérios de autenticidade para o trabalho com aDNA foram determinados por Pääbo (1989), que basicamente ressaltava: 1) o uso de controles negativos de extração de DNA, 2) a observação de correlação inversa na eficiência de amplificação e o tamanho do fragmento amplificado e 3) a reprodução dos resultados em um segundo extrato da mesma amostra. Atualmente, as duas últimas medidas não são mais estritamente consideradas, pois não é necessária a aplicação de alvos moleculares de grandes tamanhos para autenticar resultados, uma vez que fragmentos maiores de 300pb não amplificariam e nem recomendável, pois aumenta da manipulação do aDNA, e consequentemente a possibilidade de contaminação. E ainda, sabemos que a conservação, assim como a distribuição do DNA na amostra biológica não é uniforme, especialmente DNA de parasitos. Uma seleção atualizada de critérios de autenticidade de aDNA, que foram definidos pelos principais grupos de investigação (Cooper e Poinar 2000; Pääbo et al. 2004; Roberts e Ingham 2008; Iñiguez 2011; Knapp et al. 2012) e com base na nossa experiência apresento a seguir com foco principal na Paleoparasitologia Molecular. Ensaios de Infecção e Dessecação Experimental

Uma vez estabelecido o alvo de diagnóstico molecular, leia-se o trecho de aDNA a ser detectado na amostra e amplificado enzimaticamente, o ideal é avaliá-lo/testá-lo em uma abordagem de infecção e dessecação experimental. A

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Alena Mayo Iñiguez Figura 2. Ensaios de infecção e dessecação experimental. Projeto FAPERJ e Dissertação de Mestrado “Análise paleogenética de Treponemas em remanescentes humanos do período histórico brasileiro (séculos XVII ao XIX)” (Guedes 2014). Fonte: Iñiguez, AM.

abordagem experimental pode utilizar como amostra ossos, tecidos ou coprólitos positivos ou inoculados com o parasito alvo e posteriormente dessecados artificialmente, mimetizando uma amostra arqueológica (figura 2). Abordagens experimentais são premissas na investigação em paleoparasitologia molecular, pois nos permitem observar os efeitos da dessecação e aprimorar a metodologia de diagnóstico paleoparasitológico e paleoparasitológico molecular (Iñiguez 1998). O pioneiro nesta abordagem foi Adamson (1976) ao analisar fragmentos artificialmente dessecados de tecidos com ovos de Schistossoma sp. com o objetivo de entender como as mumificações praticadas pelos antigos egípcios destruíam os ovos destes helmintos. Estudos de dessecação experimental avaliaram questões como, a cor e a forma das fezes (Araújo 1988; Chame et al. 1989), assim como o tamanho e o formato de ovos e larvas de diferentes helmintos (Confalonieri et al. 1985; Reinhard e Bryant 1992), a fim de esclarecer a origem das amostras de coprólitos. Diferentes tecidos de camundongos artificialmente dessecados foram analisados através da PCR para a recuperação de DNA de Trypanosoma cruzi (Bastos et al. 1996), metodologia posteriormente usada na primeira recuperação de aDNA de T. cruzi em múmias sulamericanas (Guhl et al. 1999). A análise molecular de coprólitos experimentais, previamente inoculados com Vibrio cholera e Bacillus sphaericus, proporcionou informações básicas na definição de protocolos para a recuperação de aDNA de bactérias (Iñiguez 1998; Iñiguez et al. 2002). Com esta perspectiva, coprólitos experimentais positivos para E. vermicularis e Ascaris sp. foram elaborados e o efeito da dessecação avaliado molecularmente (Iñiguez et al. 2006; Leles 2010). Estes estudos permitiram a padronização e o aperfeiçoamento das técnicas moleculares para a detecção destes parasitos, recomendável quando há carências de estudos paleogenéticos prévios. Ensaios de infecção e dessecação experimental de Treponemas estão sendo conduzidos pelo nosso grupo. O estudo experimental compreende na inoculação de DNA das cepas Nichols de T. p. pallidum e CDC2 de T. p. pertenue

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em fêmures de hamster, da espécie Mesocricetus auratus (figura 2). Uma série de ossos inoculados foi mantida de forma estéril em 37°C em estufa durante sete semanas e uma segunda foi preservada -20°C como controle da dessecação. A dessecação foi controlada semanalmente mediante pesagem dos fêmures em balança analítica (figura 3). Aproximadamente 30% (29,9-31,0%) do peso ósseo foram perdidos no processo de dessecação.

Ensaios Macromoleculares

Devido ao fato de que a preservação dos aminoácidos é compatível com a preservação do DNA, a realização de ensaios bioquímicos em amostras do estudo de aDNA nos permite acessar o estado de preservação do material, especialmente para estudos de DNA humano. Mas a correlação da preservação macromolecular detectada por estas técnicas e a preservação do aDNA ainda não é conclusiva. Outros métodos utilizados são pirólise-gás-cromatografia, espectrofotometria de massa, análise histológica e microscopia eletrônica de transmissão. Em paleoparasitologia molecular de parasitos intestinais, consideramos que aplicação da análise paleoparasitológica com base na microscopia de luz previa

Figura 3. Curva de controle da desidratação de amostras submetidas à dessecação experimental e inoculadas com Treponemas. A dessecação das amostras (TP) foi conduzida à 370C e amostras controles foram mantidas á -200C. Referencias: TP1-TP2: Amostras inoculadas com a cepa Nichols de T. p. pallidum; TP3-TP4: Amostras inoculadas com a cepa CDC2 de T. p. pertenue. Projeto FAPERJ e Dissertação de Mestrado “Análise paleogenética de Treponemas em remanescentes humanos do período histórico brasileiro (séculos XVII ao XIX)” (Guedes 2014). Fonte: Iñiguez, AM.

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á analise genética é recomendável, apesar de ter uma correlação direta. Estudos do parasito Enterobius vermicularis em coprólitos humanos de populações précolombianas demonstraram a detecção de aDNA do parasito em amostras sem a prévia observação dos ovos do oxiúro pela microscopia, assim como, o oposto, amostras positivas pela microscopia de luz não geraram sequências de aDNA (Iñiguez et al. 2006). Isto se explica porque os ovos de helmintos quebrados/degradados pelas ações tafonômicas podem não ser observados pela microscopia, mas fragmentos de aDNA podem ser amplificados. Da mesma maneira, ovos ou seus fragmentos, podem ser observados, mas sem conteúdo ou com o DNA vastamente degradado, o que impossibilita sua recuperação (figura 4). Neste sentido a análise de aDNA humano, ou de outros hospedeiros é fundamental, primeiramente como indício da qualidade/quantidade de aDNA da amostra, para corroborar e/ou auxiliar os dados bioantropológicos dos indivíduos e históricos das populações no período, e por último, gerando informação básica para discutir os cenários epidemiológicos das infecções em estudo. Em resumo ensaios macromoleculares são essenciais para corroborar com os resultados obtidos e obter um panorama epidemiológico mais completo da infecção. Outros métodos são a aplicação de técnicas histológicas, imunológicas e outros tipos de microscopia.

Coleta Paleogenética

A denominação de coleta paleogenética (figura 5) foi construída/estabelecida por nós a partir do projeto de escavação da Igreja Nossa Senhora do Carmo, Rio de Janeiro, em 2007, quando foi gerada a primeira oportunidade de acompanhar um salvamento arqueológico, uma escavação com os arqueólogos e a equipe. A partir deste cenário, foi possível realizar a coleta do material arqueológico nas condições ideias para evitar a deterioração pós-escavação das

Figura 4. Ovos de Trichuris sp. isolados de sedimentos dos forames do sacro de indivíduos enterrados no Cemitério da Praça XV, Rio de Janeiro. Projeto FAPERJ e Tese de Doutorado “Análise paleogenética da Tuberculose no Rio de Janeiro” (Jaeger 2014).

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Figura 5. Coleta paleogenética conduzida pela arqueóloga Laura da Piedade Ribeiro da Silva do Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB) e pela equipe de Iñiguez, AM (IOC/Fiocruz) em um enterramento primário do sítio arqueológico da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, Rio de Janeiro. Projeto FAPERJ “Análise paleogenética dos remanescentes da Antiga Catedral da Sé do Rio de Janeiro”. Fonte: Iñiguez, AM.

amostras, visando uma posterior a análise paleogenética de sucesso. A ideia teve como base, principalmente as pesquisas de Pruvost et al. (2007), que demonstram que as condições e o tempo de preservação depois da escavação e coleta, são fatores primordiais na preservação do aDNA, inclusive até mais decisivos do que a própria antiguidade da amostra biológica. O estudo demonstra que amostras arqueológicas escavadas recentemente tem uma maior conservação de aDNA que amostras com datação mais recente, mas que foram escavados e estocados em acervo museológico durante muito tempo, sem qualquer condição de proteção de material. Desta maneira, entendemos necessária a preservação da amostra imediatamente após a escavação, em materiais estéreis e inertes, protegidas da luz, e em baixas temperaturas. O segundo aspecto a ser seguido é evitar ao máximo o contato da amostra pelo operador durante a coleta. Neste protocolo é essencial que, o arqueólogo ou o geneticista, faça uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs) como luvas, jaleco, máscaras, touca e sapatilhas, mas o propósito é de evitar a contaminação/perturbação do sítio, indivíduos ou amostras (figura 5). Tendo em consideração estes dois aspectos, um protocolo de coleta paleogenética incrementa a qualidade e a garantia de autenticidade dos resultados de aDNA nos estudos paleogenéticos. Durante a coleta de amostras diretamente nos sítios arqueológicos ou em acervos de museus é imprescindível registrar todas as informações possíveis (desenhos, registros fotográficos e anotações) para a interpretação dos resultados. São importantes o número e tipo de enterramento (primários ou secundários), o número de indivíduos (enterramento individual ou múltiplo), o gênero, o grupo etário, o contexto cultural, as evidências paleopatológicas, assim como outras observações feitas pelo arqueólogo que acompanha a escavação (tipo de ossos/ tecidos encontrados, qualidade e condições do enterramento). Para a pesquisa de parasitos intestinais, não só coprólitos devem ser considerados na hora da

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Alena Mayo Iñiguez Figura 6. Projeto da Unidade de Paleogenética. IOCFiocruz. Referencias: I: Sala de paramentação; II: Laboratório Central de aDNA, para preparação e processamento de amostras arqueológicas; III: Sala de extração de aDNA; VI: Sala de montagem de PCR; V: Laboratório Central, analise pós-PCR. Escala 1:75. Fonte: Iñiguez, AM.

coleta, mas também sedimentos da região pélvica e/ou dentro dos forâmenes do sacro são fontes importantes de pesquisa. No procedimento da coleta paleogenética é essencial que se tomem todas as medidas de precaução para evitar a contaminação pelo DNA moderno do manipulador e da equipe que acompanha a escavação. Materiais estéreis e descartáveis devem ser utilizados individualmente a cada amostra, e ainda os EPIs utilizados pelo manipulador trocados a cada indivíduo/enterramento analisado. Por último, é crucial a preservação da amostra arqueológica imediatamente após a coleta. Elas devem ser conservadas no gelo e protegidas da luz durante transporte até o laboratório ou unidade de Paleogenética, onde deverá ser mantido a -200C até o momento de seu processamento.

Ambiente de Trabalho de DNA Antigo

A área de trabalho de aDNA deve ser fisicamente isolada de estudos com DNA moderno. Antes da PCR é essencial que o trabalho com aDNA seja em áreas ou laboratórios restritos a este fim. A separação física e/ou temporária das etapas da pré-PCR e pós-PCR são fundamentais para reduzir os riscos de contaminação exógena. Evidentemente é inapropriado um ambiente onde rotineiramente se trabalha com DNA do parasito em amostras modernas. Assim sendo, muitos estudos paleogenéticos desenvolvidos por grupos de pesquisa especialistas em genética de determinado parasito/microrganismo em populações atuais (ou realizando cultura de parasitos), são questionáveis. Neste sentido é sempre recomendável a adequação de um ambiente exclusivo para estudos de aDNA, uma sala ou unidade de Paleogénetica ou Paleoparasitologia Molecular onde a entrada/manipulação de amostras modernas não é permitida. O projeto de nossa Unidade de Paleogenética é apresentado e sugerido a seguir (figura 6).

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Neste se apresenta uma área de paramentação, para vestimenta de EPI como jaleco, touca, máscara, sapatilhas, e luvas, antes da entrada ao laboratório de aDNA. Os ambientes de preparação/descontaminação das amostras arqueológicas, de extração de aDNA e montagem de PCR estão fisicamente isoladas entre si e do Laboratório Central onde se conduz a etapa de pós-PCR (Figuras 6 e 7). Múltiplos Controles Paleogenéticos Os controles a serem utilizados nos estudos de aDNA devem começar na coleta do material, seja no sítio arqueológico, ou no museu ou acervo. Amostras de sedimento entre ou fora 7. Fluxo de trabalho na Unidade de dos enterramentos, ou em sítios não Figura Paleogenética IOC-Fiocruz. A: operador paraespecíficos á infecção devem ser to- mentado durante a preparação/descontaminamadas e analisadas em paralelo, para ção de amostras arqueológicas; B-C: limpeza de material ósseo, B: dente; C: vértebra; D-E: excluir a possibilidade de contamina- maceração de material ósseo; D: automática ção do sítio com DNA moderno ou com o uso de moinho analítico; E: manual; F: contaminação ambiental. Medidas extração de aDNA; G: montagem de PCR; H: Manipulador colocando a reação de PCR no para evitar a contaminação pelo DNA Termociclador. Fonte: Iñiguez, AM. moderno e garantir a preservação do material biológico devem ser tomadas desde o início da coleta, a chamada Coleta Paleogenética (veja acima). Já no laboratório, controles negativos da extração de DNA e da amplificação por PCR devem obrigatoriamente ser realizados a cada experimento. O controle negativo da extração (onde a amostra é substituída por H2O MilliQ autoclavada) detecta contaminação do procedimento, dos reagentes utilizados e/ou das instalações do laboratório. Uma vez detectada a contaminação, o fluxo de trabalho deve ser redesenhado, incluindo a esterilização química e física e os reagentes desprezados. Os controles da PCR detectam a contaminação na capela de PCR, e/ou de primers. Controles positivos não são recomendados, se necessários a amplificação deve acontecer em paralelo, mas fora do ambiente ou unidade de Paleogenética. Finalmente, mas não menos importante, os estudos em paleoparasitologia molecular que analisam a origem e ancestralidade do hospedeiro, como a ancestralidade matrilinear através do mtDNA humano, devem comparar os resultados das populações antigas, com os dos arqueólogos

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e o staff do laboratório que participa do estudo como controle para a autenticação de resultados.

Abordagens Moleculares adaptadas ao DNA Antigo

A degradação molecular do aDNA e contaminação pelo DNA moderno são aspectos essenciais a serem considerados durante todas as etapas da pesquisa com aDNA. Estes dois aspectos modulam o desenho e aplicação das técnicas moleculares: desde a escolha do alvo, considerando o tamanho, número de cópias no genoma e sua especificidade, até a etapa de análise de resultados onde sequências de DNA com incorporação de bases errôneas, assim como produtos da contaminação com DNA contemporâneo, devem ser identificadas e excluídas. A quantificação e avaliação da qualidade do aDNA deve ser estimada pelo cálculo tradicional de absorbância em 260nm (nanômetros) medidos em espectrofotômetro, na qual resulta em valores geralmente baixos (figura 8). Assim como, a relação com a absorbância em 280nm, para considerar a presença de proteínas contaminantes no extrato de aDNA. Com a medida da absorbância em 320nm, podese aferir a fragmentação do aDNA, que normalmente demonstra valores altos em aDNA (Iñiguez 2002). A análise quantitativa de extratos de aDNA de material ósseo de indivíduos do sítio arqueológico Cemitério da Praça XV mostrou valores de concentração inferiores a 45ng/μL (figura 8).

Figura 8. A quantificação do aDNA estimada pela absorbância observada em amostras ósseas de indivíduos do Sítio Arqueológico Cemitério da Praça XV (séculos XVIII-XIX), Rio de Janeiro. Projeto FAPERJ e Dissertação de Mestrado “Análise paleogenética de Treponemas em remanescentes humanos do período histórico brasileiro (séculos XVII ao XIX)” (Iñiguez 2010; Guedes 2014).

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A relação inversa entre o tamanho e a intensidade do produto da PCR é característica do aDNA. A recuperação de fragmentos entre 500-1.000 pb é incomum, e geralmente pequenos fragmentos
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