Palestra Sesc (Agenda Parada) Sorocaba tem Orgulho de Amar/Ser Lésbica

June 28, 2017 | Autor: V. Melo de Mendonça | Categoria: Gender and Sexuality, Lesbian Studies, LGBT Issues
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SOROCABA TEM ORGULHO DE SER/AMAR LÉSBICA

Viviane Melo de Mendonça Professora da Universidade Federal de São Carlos – Sorocaba Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Diversidade Sexual- NEGDS-UFSCar. Palestra apresentada na mesa de debate “Sorocaba tem Orgulho de Ser/Amar Lésbica” da Agenda da 10ª. Parada do Orgulho LGBT de Sorocaba, realizada em 16 de Junho de 2015, no SESC-Sorocaba

Começo parabenizando a organização deste evento e da Parada LGBT de Sorocaba, para quem agradeço o convite para participar desta mesa de debate. Há uma programação interessante até o dia da Parada, que mobiliza as questões políticas necessárias para participação nesta manifestação. É para que este evento seja de festa, mas de uma festapolítica-combativa-de-resistência, tão necessária nestes tempos difíceis que nós estamos vivendo, quando o fascismo, conservadorismo e uma cruzada dos “homens de bem, que se dizem cristãos” mostram a sua cara e apontam o dedo para as nossas, pessoas que desafiamos a heterossexualidade normativa, compulsória, e desafiamos a ordem binária de gênero, que estruturam a sociedade e produzem hierarquias com base no desejo afetivosexual e identidades de gênero. Sabemos que a heteronormatividade e o binarismo de gênero para se manterem como a ideologia hegemônica em nossa sociedade, utilizam-se de ações violentas e agressivas nos mais diversos espaços sociais, como escola, família, igrejas, partidos, movimentos sociais, sindicatos, rua e nos parlamentos, e, assim, nos mantém também para fora do campo dos direitos, cortando na carne (com muita dor) diariamente nossa dignidade como gente, como pessoa. Vemos isto quando acontecem discriminações, exclusões, agressões físicas e verbais, assassinatos, e também - aquilo que dói no mais profundo de nós - a complacência e o silêncio de camaradas de luta, familiares e amigos diante destas violências. Esta violência é chamada de homofobia, transfobia, lesbofobia, bifobia e etc, e até querem fazer acreditar que ela não existe. De um amor que não pode dizer seu nome, também uma violência que não quer dizer seu nome, não quer ser vista, não quer ser explicitada, e que tem sido negada, ou colocada como de segunda categoria, menos importante, menos violenta por aqueles que não a sofrem. Existem dois exemplos disso que falo: um menino de 14 anos nesta semana foi assassinado pelo jeito de falar, de andar, de ser e de sonhar a sua vida (queria ser estilista). Rafael foi assassinado porque era “afeminado”. Um assassinato que não querem (policiais, mídia) tipificar como homofobia, mas como certo “abuso sexual” do tio! Outro exemplo é o processo de construção do Plano Municipal

de Educação em Sorocaba. Tiraram quaisquer ações/metas relacionadas a gênero e sexualidade que tinham por finalidade combater nas escolas e na sociedade a violência de gênero e aquelas violências contra as identidades não-heterossexuais. Isso aconteceu seja por interesses de religiosos, seja por interesses políticos de vereadores e educadores (mesmo aqueles nossos camaradas e colegas). Silenciamento, exclusão e hierarquização de pautas de direitos não fazem parte de uma sociedade democrática, nem de uma educação democrática, nem podem, deste modo, a sociedade e educação se tornarem igualitárias e justas. É assim no mundo, é assim no Brasil, e é assim em Sorocaba. Com isto, gostaria de entrar no tema desta mesa: Sorocaba tem orgulho de ser/amar Lésbica. Obviamente Sorocaba não é livre da discriminação ou lesbofobia, não é um bom lugar para as lésbicas viverem, um lugar de aceitação e um lugar de livre manifestação de afetos lesbianos no âmbito privado ou público. Apenas podemos entender, e é assim que quero entender, este tema como ironia. A ironia a que me refiro aqui é a de uma ironia política, potente, e até revolucionária. Falo isto inspirada em uma filósofa chamada Donna Haraway. Uma ironia que faz oposição, que aponta para a utopia do presente e que não é nada inocente, porque provoca, ao trazer para este tempo histórico, o “agora”, um possibilidade de vida e de existência, quando nada parece nos fazer mais sonhar. Dizer, nestes tempos difíceis para quem é lésbica no Brasil e em Sorocaba, momento de violência e ataques, que “Sorocaba tem orgulho de ser/amar Lésbica” é acreditar na utopia do presente, aquilo que nos faz lutar para que esta cidade onde vivemos, amamos/temos e fazemos nossas famílias e nossas vidas possa ser um lugar de orgulho e respeito àquilo que somos, uma Sorocaba com orgulho, uma cidade que nos faz ter orgulho de ser/amar lésbica. Esta é a ironia como política, como potência, como tática de luta. Mas agora queria ir para as partes do tema desta fala. A palavra orgulho. Falamos de orgulho quando nos referimos à dignidade de uma pessoa ou ao sentimento positivo em relação a outro indivíduo. Quando esta dignidade não é respeitada, dizemos que o orgulho foi ferido. Ou seja, foi provocado dor e sofrimento. Orgulho também é uma palavra que faz oposição à palavra vergonha. Vergonha é sentimento também de sofrimento, penoso, por se ter cometido alguma falta ou pelo temor da desonra, de ter sido humilhado e desonrado. Este paradoxo de sentimentos - orgulho e vergonha - constitui a história do ser/amar lesbiano, da própria história de vida de lésbicas, como mulheres e lésbicas, como mulheres

lésbicas, e que se tornam mais intensos, tensos ou conflituosos se estão presentes outros marcadores sociais e identitários, como a transexualidade, classe, regionalidade, religiosidade e raça/etnia. Em nossa história social, a vergonha predominou como hegemônica na constituição da identidade lésbica. Esta hegemonia da vergonha é demonstrada pelo silenciamento e esquecimento das mulheres de modo geral, e das mulheres lésbicas de modo específico, na história da humanidade. Pouco se sabe sobre as mulheres que amavam mulheres, pouco se diz sobre suas vidas, sobre seus desafios, lutas e alegrias. Talvez a mais conhecida das histórias seja a da Ilha de Lesbos e da poetisa Safo. O nome da ilha, Lesbos, fez com que se originasse a palavra “lésbica”. O nome da poetisa, Safo, dizem alguns, originou a palavra “safadeza”, visto que os poemas desta celebravam amor erótico, sexual, entre mulheres. Mas o que vemos é o apagamento ou aparecimento rasurado da história da experiência, identidade e amor lésbico. Este, um amor que não se pode dizer o nome. Esta invisibilidade ou rasura, que distorce e coloca o amor lésbico como “safadeza” (que tem como uma de suas consequências a representação dele como pornografia masculina, feita para o phalus, para o homem) não poderia provocar outra coisa, senão a vergonha, o rubor na face, daquelas mulheres que sentem desejo, amam outras mulheres, e se desvelam como uma lésbica. Uma vergonha e uma aprendizagem como mulheres primeiramente, e, em seguida, como lésbicas, de que seu lugar é o silenciamento, o apagamento, a rasura, o privado, o armário. E isto é vivido em muitas condições como desonra, culpa e a sensação de se ter na vida cometido uma falta, e que a punição é este aprisionamento no armário ou numa forma de muitas vezes (não todas, claro) de expiação ou correção deste erro, que é seguir para aquilo para o qual toda mulher nesta sociedade deve ser destinada, o casamento heteronormativo. Na história recente da sociedade brasileira, na mídia, vimos muitas lésbicas “sendo explodidas” em novelas, morrendo, deixando de manifestar seus afetos publicamente, e, mesmo quando o fazem, torna-se uma grande polêmica, alvo de xingamentos e palavras machistas. Na academia, inclusive nas universidades, pesquisas e trabalhos sobre lesbianidade ou lésbicas, especificamente, são os que menos são realizados no campo dos estudos de gênero e diversidade sexual. Primeiramente os homens gays, seguido de mulheres trans, e depois sobre lésbicas, são temas de estudos acadêmicos. Qualquer saída do armário de mulheres lésbicas, às vezes sutil, novamente alguém grita: “Volta! Vocês já estão exagerando, já estão obrigando a sociedade a serem como vocês querem. Sejam esposas, mães e santas, mulheres honradas

em um casamento heteronormativo!”. A vergonha, como constituidora do armário, é reguladora da vida social das lésbicas, como bem pode ser entendido no livro Epistemologia do Armário da teórica de gênero Eve Sedgwick. A vergonha de ser/amar lésbica é resultado de uma sociedade misógina, machista e heteronormativa. A vergonha é nossa primeira violência lesbofóbica. Por esta razão, o outro lado do jogo, o orgulho, é uma atitude desafiadora, política, que revela nada mais do que a nossa vergonha constituinte, que faz parte da regulação social do armário. Revelar pelo orgulho esta vergonha de ser/amar Lésbica em nós e em Sorocaba, e que é fundante de todas as violências lesbofóbicas, é uma estratégia de superação deste conflito, é transformador, é ressignificar a máxima feminista de que o “pessoal é político”. Para que em algum momento, e que seja breve, não tenhamos nem vergonha ou orgulho de ser, simplesmente sejamos! Mas para que isto aconteça precisamos do nosso orgulho e, junto com ele, a explicitação das vergonhas e violências que nos são introjetadas e direcionadas durante toda a vida. Portanto, Sorocaba, sim, tem orgulho de ser/amar Lésbicas! Obrigada.

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