Palestra_Alguns personagens femininos no romance Belém do Grão Pará.pdf

May 27, 2017 | Autor: R. Oliveira Gimenes | Categoria: História e Literatura, Gênero, Literatura Brasileira Contemporânea, Dalcídio Jurandir
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Personagens femininos em Belém do Grão-Pará, de Dalcídio Jurandir: uma (possível) leitura de gênero. Prof. MSC Renato A. de Oliveira Gimenes DPHAC/SECULT - UEPA

Gênero

Trata-se de tomar o Feminino não como objeto histórico pronto, mas inscrever Masculino e Feminino como problematizações históricas que dependem, fundamentalmente, de relações sociais, políticas e culturais. Margareth Rago, (1995, 88) nota que ao se “pensar as relações de gênero enquanto relações de poder, e nesse sentido a dominação não se localiza num ponto fixo, num “outro” masculino, mas se constitui nos jogos relacionais e de linguagem”. Gênero, desta forma, não deve ser compreendido como “identidade” ou como essência; ao contrário, deve ser pensado como uma condição histórica mutável e que emerge ao se analisar relações de poder historicamente localizadas em uma memória.

Literatura e memória





Literatura como um Sistema de criação / circulação /consumo de obras que são apropriadas por um público leitor; Neste circuito circulam textos que portam uma mémória de práticas sociais por meio de uma seleção de materiais e de situações feitas pelo escritor: ○ ○ ○



Vocabulário A escolha dos personagens, suas ações em um cenário; Suas sensações e expressão de seus sentimentos.

Neste sentido, tomamos a escrita e a composição ficcional dos personagens como um processo em que o escritor colhe materiais do mundo por meio da linguagem e os reorganiza em uma narrativa ficcional, interferindo na percepção que os leitores tem do mundo (Iser, 1991)

Trechos:D. Inácia / D. Amélia

— Fique sabendo, minha amiga, que ser de boa natureza não tem valido à maior parte das pessoas deste mundo. A cabeça, sim, de tutano cheia. A natureza? Má. Insistia: Alfredo, nas quatro operações, ladino, era? Pois o estudo dos algarismos era próprio de homem. Sabia afiar a língua na leitura como devia afiar o vidro e o cerol no rabo do seu papagaio para cortar o alheio? Aqui d. Amélia informava que empinar papagaio era habilidade que Alfredo não tinha. Argüiu d. Inácia: mau sinal, prova de pouca má natureza do homem que havia de sair do menino. (...) — Patetinha me embrulha o estômago. Hein, d. Amélia, me mostre os podres do rapaz. Diga o que ele tem de fogo nas ventas, que isso recomenda. Solte, que desta boca só sai amém a tudo que o pequeno herdou do diabo, de que Nosso Senhor me salve. (1960, 7-8)

Trechos:D. Inácia / D. Amélia

D. Amélia ia rir, sorriu, fazendo-se, por um repentino cálculo, misteriosa a respeito do gênio do filho. Estava certa de que Alfredo havia de se divertir com d. Inácia ou detestá-la inteiramente. Seria mesmo de má natureza aquela mulher? D. Amélia, confiada, tinha de deixar o filho estudando, corresse os riscos que corresse. — Engana-se, minha amiga, se quer fazer passar o seu filho por anjo ou fazer dele um anjo. Não é de um anjo que se faz um homem. (1960, p. 08)

Trechos: D. Inácia

— Me abre teu coração, Virgílio Alcântara. Ou é saia ou rato sentindo que o navio vai afundar? Mede o que te digo, meu marido: prefiro saia. Seu Virgílio pulou da rede pra responder, e engoliu a resposta como se tivesse engolido jerimum quente. Uma e outra vez, vendo Inácia no auge do fervor lemista, temeu pela fidelidade da mulher, pelo menos por sua reputação. Não ouvia o que se falava das senhoras ao pé do Senador, e senhoras que podiam desonrar-se impunemente e até mesmo obrigatoriamente por serem da sociedade? Inácia, esta, havia se exposto nas febris demonstrações da Liga, empenhara-se pela nomeação do Mercado... Não escondia o gosto, o ar despachado. de ter podido entrar na sociedade, valer alguma coisa na Liga Feminina com a certeza de que o merecia. Era por isso grata ao Senador. Vindo de uma família de retirantes do Ceará. enraizada na Estrada de Ferro de Bragança, onde a fora buscar Virgílio Alcântara, Inácia não perdeu tempo quando se viu à porta que lhe abria o lemismo.

Trechos: D. Inácia

Eram as festas em Palácio, pagas regaladamente com a borracha e os empréstimos do Estado no estrangeiro, as cerimônias cívicas e escolares do parque Batista Campos, em que se cobria de flores, discursos e mulheres, o Senador. (BGP, 15-16)

D. Inácia: ● ●



Associação com a memória do Lemismo - ascensão política e social permitido tanto pela participação política como pela ligação com Virgílio Alcântara Papel político: participante ativa da Liga Feminina Lemista. - Formação participação das mulheres na arregimentação de um eleitorado em torno de Antônio Lemos, em oposição à ação da Liga Feminina Lauro Sodré (ÁLVARES, 2014) Negociação de poder e afirmação de condição em relação à d. Amélia, mãe do personagem Alfredo: a questão da cor; a questão das ambições do menino;

D. Amélia: ●

Negociação com d. Inácia; necessidade de contar com o “favor” para dar ao filho mestiço a possibilidade de estudo e de ascensão social reservada aos homens.

Trechos: Libânia

Libânia, entre os caranguejos no chão, que avançavam para o comércio, sacudia a lama das mãos. Alfredo olhava. Libânia pôs-se a lavar as mãos na água da rua, o bonde passou, os caranguejos embaixo. Um caixeiro de botequim acercou-se de Libânia. lhe estendeu um copo d’água, ela aceitou, permitindo que ele lhe fosse derramando o copo nas mãos. Então se fazia cuidadosa de seu asseio. Outro caixeiro lhe deu o lenço. Libânia não agradeceu, mais por perturbação. Agora os caixeiros, entre as peças suspensas à porta das lojas, entre rendas sujas e fitas roçando o chão, chamavam a Libânia. Nos vestidos de lamê e nas brilhosas meias de seda, os olhos dela se esqueciam. Os caixeiros chamavam. Vendedores de perfume e espelhinhos vinham atrás da rapariquinha, passavam-lhe a loção pelo nariz, assustando-a, salpicavam-lhe as mãos, o cabelo, as costas, por dentro da blusa.

Trechos: Libânia

Ela se desviava, praguejando, arrepiada. Fingia cara feia, sobrancelha fechada, agora segurando a mão de Alfredo como para se proteger. (...) [Alfredo] Nunca tão de perto vira homens assim em torno de uma mulher. E em Libânia descobria, sim, uma mulher. Carregados de latas d’água, trazidas da torneira do largo do Palácio, tripulantes paravam para soltar uma graça no ouvido da rainha. Um deles meteu o dedo na lata e se benzeu como em pia de igreja. Foi então que Libânia deu um salto, deu as costas, se enrolou em si mesma, abrindo-se num riso. E o caboclo carregando a lata, gritava: A senhora é, sim, merecendente disto, sim, querendo que eu me benza, é só mandar, me benzo. Ai Libânia engoliu o riso, apanhou a mão de Alfredo, escureceu o rosto e caminhou. (BGP, 70-71)

LIbânia: ● ●

Criada da casa da família Alcântara; Ao mesmo tempo: Apenas Libânia era quem trazia a rua nos olhos, nos pés, no fio de pó em volta do pescoço. Via-lhe as maçãs do rosto avermelhando sobre o fogão, o olhar rápido, meio desdenhoso o riso, e aquele conhecimento de Belém que parecia a sua glória. Isso sem ao menos lhe tirar um traço da selvagem nela, intacta, com os seus sumos (BGP, 56)



Libânia é a empregada, mas é também o ponto de ligação entre a casa e a rua, entre o espaço da intimidade doméstica da ordem dos Alcântara e do mundo diversificado, por vezes agressivo e desconhecido para o menino Alfredo, mas que ela domina bem.



Libânia é igualmente a personagem que conduz Alfredo pelas ruas da cidade, pelo Ver-O-Peso, e é ela quem apresenta ao menino, involuntariamente, o que é o desejo dos homens por uma mulher.



Libânia é interessante, neste sentido, porque ela partilha tanto códigos de subserviência doméstica como de domínio dos mercados, de escapar dos homens mas, ao mesmo tempo, de saber que é desejada.

Referências ÁLVARES, Maria Luzia Miranda. Entre eleitoras e elegíveis: as mulheres e a formação do eleitorado na democracia brasileira – quem vota? quem se candidata? Cadernos Pagu (43), julho-dezembro de 2014:119-167. ISER, Wolfgang. O fictício e o imaginário: perspectivas de uma antropologia literária. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1991. JURANDIR, Dalcídio. Belém do Grão Pará. São Paulo: Martins Fontes, 1960 RAGO, Margareth. As Mulheres na Historiografia Brasileira. SILVA, Zélia Lopes (Org.). Cultura Histórica em Debate. São Paulo: UNESP, 1995.

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