PAN-AMAZÔNIA Visão Histórica, Perspectivas de Integração e Crescimento

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PAN-AMAZÔNIA Visão Histórica, Perspectivas de Integração e Crescimento

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Osiris M. Araújo da Silva e Alfredo Kingo Oyama Homma (Organizadores)

PAN-AMAZÔNIA Visão Histórica, Perspectivas de Integração e Crescimento

1ª Edição

Manaus Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM) 2015

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Projeto gráfico e diagramação Júlio César da Silva Delfino

Prefixo Editorial: 69887 ISBN: 978-85-69887-00-3

Os conceitos e opiniões emitidos são de inteira responsabilidade dos autores e não expressam o ponto de vista das instituições vinculadas.

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Os autores Alfredo Kingo Oyama Homma Doutor em Economia Rural pela Universidade Federal de Viçosa, Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental. Antônio José Mendonça de Toledo Lobato Major Brigadeiro do Ar, Comandante do Sétimo Comando Aéreo Regional (VII Comar), recebeu inúmeras condecorações, incluindo Ordem do Mérito Aeronáutico, grau “Grande-Oficial”. Augusto César Barreto Rocha Doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor da Universidade Federal do Amazonas. Bertha K. Becker (1930-2013) Pós-doutora pelo Massachusetts Institute of Technology, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atuou como pesquisadora na área de geopolítica do Brasil, particularmente da Amazônia. Carlos Gilberto Zárate Botía Doctor en Historia Comparada de América Latina, Profesor Asociado da Universidad Nacional de Colombia e pesquisador do Instituto Amazónico de Investigaciones. Carlos Ariel Salazar Cardona Máster en Desarrollo Rural, sociólogo en el Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas, Coordinador do Programa Dinámicas Socioambientales. Daniel Borges Nava Mestre em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Atua em geologia ambiental, recursos minerais e recursos hídricos. Domingos Savio Almeida Nogueira Vice-Almirante, Comandante do 9° Distrito Naval, comandou o Navio-Varredor Abrolhos, o Rebocador de Alto-Mar Triunfo, o 6º Distrito Naval e a Força de Superfície.

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Ennio Candotti Físico ítalo-brasileiro, professor da Universidade Federal do Espírito Santo. Presidente de Honra da SBPC desde 2001. Diretor do Museu da Amazônia e professor voluntário da UFAM. Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira General-de-Exército do Exército Brasileiro, Comandante Militar da Amazônia, Doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior de Exército. Ima Célia Guimarães Vieira Doutora em Ecologia pela University of Stirling, pesquisadora do Museu Paraense Emilio Goeldi, coordena o INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia. José Alberto Machado da Costa Doutor em Desenvolvimento Socioambiental, Professor da UFAM, Coordenador de Pesquisa em Sociedade, Ambiente e Saúde, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. José Maria Cardoso da Silva Doutor em Biologia pela Universidade de Copenhagen, Professor do Departamento de Geografia da Universidade de Miami e do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do Amapá. Lillian Alvares Doutora em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília e pela Université du Sud Toulon-Var, Professora da Faculdade de Ciência da Informação da Universidade de Brasília. Luis Campos Baca Profesor de la Universidad Nacional de la Amazonia Peruana, Director del Programa de Investigación en Información de la Biodiversidad Amazónica. Luz Marina Mantilla Cárdenas Maestría en Gobierno y Políticas Públicas en la Universidad Externado de Colombia. Directora General Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas da Colômbia.

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Márcio Souza Escritor, com diversas obras dedicadas ao ambiente sociocultural da Amazônia, tais como Mad Maria, Plácido de Castro contra o Bolivian Syndicate, Zona Franca, meu amor, entre outras. Osiris M. Araújo da Silva Economista, especialista em desenvolvimento, ocupou vários cargos públicos de relevo nos últimos anos. Assina a Coluna semanal Visão Integrada publicada no Caderno de Economia do jornal A Crítica, de Manaus. Peter Mann de Toledo Doutor em Geology pela University of Colorado, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Atua em políticas públicas em ciência e tecnologia na Amazônia e Paleontologia. Ricardo Nogueira Doutor pela Universidade de São Paulo, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Amazonas e do Programa de Pós-graduaçao em Geografia. Roberto Araújo O. Santos Junior Doutor em Ethnologie pela Université de Paris X, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, atua em ocupação humana da Amazônia, antropologia rural e mudança social. Rogério Guedes Soares Graduado em Administração de Empresas, diretor-geral do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam). Rosa Oliveira de Pontes Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba, área de concentração em Direito Econômico. Exerceu vários cargos na administração pública estadual do Amazonas. Rosalía Arteaga Serrano Ex Presidenta y Vicepresidenta del Ecuador. Ex Secretaria General de la OTCA. Presidenta Ejecutiva Fundación Fidal do Ecuador.

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Rubem Cesar Rodrigues Souza Doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp, Professor do Curso de Engenharia Elétrica da Ufam, Diretor do Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico. Salomón Jaya Quezada Profesor Principal y Director del Centro de Excelencia en Transporte Intermodal y Fluvial, de la Universidad Central del Ecuador. Thiago Oliveira Neto Bolsista de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, alocado em projeto da Universidade Federal do Amazonas. Violeta Refkalefsky Loureiro Doutora em Sociologia pela Universidade Paris III e professora da Universidade Federal do Pará, onde atua nos programas de pós-graduação em Sociologia, Antropologia e Direito.

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Epígrafe

Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. João Guimarães Rosa (1908-1967) (Grande Sertão: Veredas)

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DEDICATÓRIA Dedico esta obra à minha mulher, Arabi Amed e Silva; aos meus filhos Sérgio Augusto, Celso Henrique e Claudia; aos genros Shan Valério, Ana Lúcia e Claudia Pruner; aos netos Luís Felipe, Francesca, Victoria, Guilherme, Ana Beatriz, Clara, Carolina e Isabella; e aos meus pais, Osvaldo Medeiros da Silva e Maria Araújo da Silva (in memoriam).

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Agradecimentos Agradecemos o decisivo apoio, a crença e o entusiasmo ao projeto deste livro, demonstrados por amigos, professores, pesquisadores e autoridades que decisivamente, mesmo nos momentos mais difíceis, não deixaram de acreditar na obra que com tanto amor e entusiasmo planejamos e executamos. Destacamos os seguintes: –– Prof. Freddy Orlando Espinoza Cárdenas, da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Campus de Tabatinga e da Universidad Nacional de Colombia, Sede Letícia, conselheiro e guia nas visitas por ele organizadas à Universidad Nacional de Colombia e ao Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI, em Letícia. –– Prof. Alvaro Gomez, da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Campus de Tabatinga. –– Dom Alcimar Magalhães, da Diocese do Alto Solimões. –– Ao Engenheiro Aluizio Barbosa Ferreira, diretor-presidente da Companhia de Desenvolvimento do Estado do Amazonas (Ciama) e ao Sr. Jaime Soares dos Santos, gerente local da empresa pelo apoio logístico dispensado em Tabatinga (AM) e Letícia (Colômbia). –– Ao Sr. Alcélio Castello Branco, Secretário de Ação Social da Prefeitura Municipal de Tabatinga (AM). –– Professores e pesquisadores da Universidad Nacional de Colombia, Sede Letícia, nas pessoas dos professores Carlos Gilberto Zarate Botia e Germán Alfonso Palacio Castañeda. –– Pesquisadores do Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI (Colombia), Departamento de Letícia, e à sua diretora geral, Dra. Luz Marina Mantilla, que com tanta dedicação, boa vontade e cooperação nos recebeu em Bogotá. –– Dr. José Giraldo Gallo, da Universidad Nacional de Colombia, e ao seu filho, o jornalista Felipe Giraldo, pelo importante apoio logístico que nos proporcionaram em Bogotá. –– Prof. Fernando Urbina, da Universidad Nacional de Colombia. –– Prof. Fernando Franco, da Universidad Nacional de Colombia. –– Dra. Rosalia Arteaga Serrano e à sua irmã Claudia Arteaga Serrano, da Fundación para la Integración y Desarrollo de América Latina (Fidal), em Quito.

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–– Prof. Salomón Jaya Quezada, da Universidade Central de Equador (UCE). –– Dr. Franklin Eduardo Soria, Director General del Instituto Eco Nómada, em Quito, por seu importante apoio logístico e a oportunidade da visita à Amazônia Equatoriana. –– Prof. Fernando Estensoro, do Instituto de Estudios Americanos da Universidade de Santiago de Chile. –– Amigos e entusiastas do projeto deste livro desde os primeiros momentos: –– Marcio Souza, escritor. –– Dr. José Alberto da Costa Machado, da Universidade Federal do Amazonas. –– Empresário Jaime Benchimol. –– Dra. Lillian Alvares, entusiástica coordenadora da produção editorial do livro, autora do capítulo sobre o Prof. Samuel Benchimol e a sua equipe (Margaret Palermo, Júlio César Delfino, Anderson Moraes, Carmen Chaves). –– Dra. Ima Célia Guimarães Vieira, pesquisadora titular do Museu Paraense Emilio Goeldi. –– Dr. Sergio Melo de Oliveira, Chefe de Gabinete Corporativo da Fieam. –– Dr. Paulo Pereira, diretor de Comunicação e Marketing da Fieam. –– Dr. Belisário Arce, presidente da Associação Pan-Amazônia, pelo suporte propiciado à programação de viagem aos países da Amazônia Sul-Americana. Agradecimentos especiais à Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), na pessoa do seu presidente, empresário Antônio Carlos da Silva, que não mediu esforços, como autêntico Caio Mecenas (68-8a.C) da época contemporânea, para a concretização deste livro. E, com destaque, os nossos imorredouros e especiais agrade­ cimentos a cada um dos autores dos capítulos, por acreditarem desde o primeiro momento em nosso projeto e pela qualidade dos estudos produzidos, responsáveis máximos pela qualidade deste livro. Osiris M. Araújo da Silva Alfredo Kingo Oyama Homma Organizadores

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A concretização deste livro decorreu da força de vontade do economista Osiris M. Araújo da Silva, que não mediu esforços em alcançar este objetivo, com a colaboração de uma rede de pessoas do seu relacionamento. Alfredo Kingo Oyama Homma, Co-organizador.

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A presentação Este livro nos traz uma excelente coletânea de 23 artigos sobre a Amazônia, cuidadosamente escolhidos por Osiris M. Araújo da Silva e Alfredo Kingo Oyama Homma. Os textos apresentam um quadro atual e amplo sobre a região, abrangendo as áreas da geografia, história, cultura, tecnologia, política, segurança nacional, logística e meio ambiente não apenas no Brasil, mas também em outros países amazônicos, como Colômbia, Peru e Equador. Acredito que, ao concluir a leitura do livro, o leitor terá melhor compreensão das transformações e impactos que as mudanças recentes na ciência, na política e no clima estão trazendo para a Região Amazônica. Terá aprendido, como aconteceu comigo, sobre numerosas ações de desenvolvimento que tem sido implementadas e sobre pesquisas científicas que têm sido realizadas por estudiosos da região para entender nossas potencialidades. O leitor testemunhará também as dificuldades em conceber políticas públicas para um território tão vasto e heterogêneo. Contudo, perceberá como o interesse e o valor da região crescem como uma das últimas fronteiras do planeta a ser estudada e compreendida. Faço a seguir breves comentários sobre aspectos interessantes que me chamaram a atenção em cada um dos artigos. Rosalía Arteaga propõe a necessidade de fortalecer as instituições conjuntas dos oito países (Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname) que compõem a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) como única forma de responder adequadamente aos grandes desafios ambientais que temos. Osiris M. Araújo da Silva apresenta a simbiose homem-floresta através da emocionante narrativa do poeta Thiago de Mello, que transformou geografia em poesia no trajeto desde os Andes até o Atlântico. Osiris faz também um completo passeio pelas nossas potencialidades econômicas, incluindo a Zona Franca de Manaus, petróleo e gás, turismo, biodiversidade, agricultura, produtos regionais, transporte e precificação do meio ambiente. Lembra que, com a dificuldade em definir políticas públicas para a região, a preservação tem sido a única opinião comum. Bertha Becker, em o “Futuro e a Amazônia”, aborda o imperativo da inovação científica e lembra que o desenvolvimento sustentável

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não é um produto acabado, pois envolve um processo contínuo de mudança e adaptação. Assim, Becker questiona aqueles que desejam manter a floresta improdutiva e argumenta que a Amazônia já é predominantemente verde e urbanizada, porém precisa de uma base econômica que a mantenha assim. Marcio Souza traz uma visão histórica das correntes migratórias da população e da integração da região com o Brasil. Ele nos mostra como, contrariamente à percepção comum, a Amazônia foi e é acostumada com a modernidade. Violeta Refkalesfsky Loureiro argumenta que o modelo econômico de desenvolvimento adotado nas últimas décadas foi concentrador de renda e produtor de commodities de baixo valor agregado tendo se esquecido das populações regionais. Ela propõe cenários alternativos. José Maria Cardoso da Silva estuda a divisão biogeográfica da Amazônia em nove sub-regiões que se comportam como ilhas na floresta, separadas por grandes rios e abrangendo um conjunto único de espécies. Desenha um cenário possível que inclui florestas produtivas, paisagens e cidades sustentáveis. O General Guilherme Cals de Oliveira mostra a relevância das ações do Exército Brasileiro para a defesa e proteção da região, enfatizando os esforços logísticos realizados pelo Comando Militar da Amazônia, que também apoia os municípios da região e contribui para atividades de combate ao narcotráfico. O Vice-Almirante Domingos Sávio Noqueira destaca a característica hídrica da Amazônia e explica que é possível conciliar o desenvolvimento econômico com a proteção ao meio ambiente. Demonstra ainda que o transporte fluvial – subutilizado no Brasil – é o mais apropriado meio de transporte do ponto de vista da eficiência energética e da emissão de carbono. O Major-Brigadeiro do Ar Antônio José Lobato apresenta a atuação da Força Aérea Brasileira e em especial do 7º Comando Aéreo Regional (Comar) nas ações de defesa e proteção da Amazônia, que frequentemente incluem também apoio à saúde e combate ao tráfico de drogas. Rogério Guedes Soares descreve a atuação do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) no monitoramento climático, na hidrologia, na cartografia e no combate ao desmatamento. Essas pesquisas e informações apoiam também

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outras importantes instituições como a Funai, o Ibama, a Polícia Federal, a Abin etc. Ennio Candotti escreve sobre o status da ciência e tecnologia na Amazônia, lembrando que a despeito dos mais de R$80 bilhões de faturamento do Polo Industrial de Manaus e dos mais de R$25 bilhões de renúncia fiscal, faltam conhecimento científico e centros de estudo na região. Constata, por exemplo, que apenas 0,3% das patentes nacionais são concedidas para institutos de pesquisa no Norte do Brasil. Jose Alberto Machado e Rosa Pontes analisam as circunstâncias econômicas e políticas que produziram o atual modelo da Zona Franca de Manaus. Tecem considerações sobre as políticas de incentivos no âmbito federal, estadual e municipal, e destacam os êxitos, contradições e entraves ao nosso crescimento, dentre esses a instabilidade jurídica e a complexidade tributária. Demonstram que, na última década, houve perda de dinamismo no crescimento do Amazonas relativamente aos demais estados do Norte, e propõem uma agenda de aperfeiçoamento do modelo para os próximos 50 anos. Alfredo Kingo Oyama Homma faz uma revisão histórica da agricultura na região através da saga das famílias de imigrantes japoneses, inclusive da própria família. Destaca o papel central dessa imigração e de seus pioneiros nas culturas de juta e pimenta-doreino, e argumenta pela necessidade de aprimoramento genético e domesticação de plantas extrativas que apresentam problema na oferta. Defende maior atenção para as áreas já desmatadas da Amazônia com atividades produtivas mais adequadas, como a solução para reduzir os impactos ambientais e do desenvolvimento de uma agricultura mais sustentável. Propõe maior papel para a piscicultura, que atualmente responde pelo equivalente a apenas 10% da produção de carne bovina e frango no país, e preocupa-se com a dificuldade de atrair jovens para o setor agrícola. Maiores investimentos em tecnologia agrícola e no capital social em todas as Unidades Federativas da região como medidas importantes para o contexto geopolítico da Amazônia Legal, que sempre é colocado numa perspectiva abstrata, prejudicando a busca de um desenvolvimento concreto. Rubem Cesar Souza oferece um cenário sobre a produção de energia elétrica na região, com ênfase na hidroeletricidade, apresentando marcos da produção, transmissão e distribuição de energia bem como da interligação do nosso sistema com o grid nacional. Discute os atrasos que sofremos por conta dos processos

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de licenciamento e inclui a energia solar como uma alternativa a ser considerada no futuro. Daniel Nava fala do potencial mineral da Amazônia, que ainda é pouco estudado e conhecido representado juntamente com a Antártida e o Oceano Ártico, as últimas fronteiras minerais do planeta. Discorre sobre os conflitos a atrasos na exploração mineral pela ausência de uma regulamentação clara para exploração nas áreas de conservação da biodiversidade e reservas indígenas, que atualmente representam cerca de 50% da região. Discute a necessidade de formalização dos garimpos e o potencial de produção de potássio a partir das reservas já prospectadas no Amazonas, nos municípios de Autazes e Nova Olinda. Lillian Alvares apresenta o que considero ser a melhor síntese da obra de Samuel Benchimol, segmentando-a cronologicamente de modo a facilitar a compreensão e a contextualização histórica. Dentre os principais conceitos de Benchimol, estão os quatro paradigmas para um desenvolvimento sustentável; a preocupação em manter o homem no centro da equação de nossas políticas; a necessidade de a Amazônia ser recompensada pela renúncia que fazemos ao uso de nossos recursos naturais; a compreensão de que a região é heterogênea e que as políticas públicas frequentemente erram ao não considerar essas diferenças; e finalmente os Estatutos do Amazônida, uma proposta de direitos e deveres para os habitantes da região. Ima Célia Guimarães Vieira, Roberto Araújo O. Santos Jr, Peter Mann de Toledo fazem uma homenagem e uma reflexão sobre a obra de Bertha Becker, destacando algumas de suas propostas e contribuições para a Amazônia, dentre elas o reconhecimento da diversidade regional, a importância das cidades, o aproveitamento da revolução científico-tecnológica, a necessidade de resolução da questão fundiária. Becker recomenda a associação entre a preservação ambiental e o desenvolvimento para evitar o que chamou de “fronteira de pobreza”, e, com relação à floresta, afirma que “o cerne do novo padrão de desenvolvimento é superar o falso dilema entre a conservação, entendida como preservação intocável, e a utilização, compreendida como destruição”. Augusto César Barreto Rocha trata dos desafios da logística de transporte na integração da Amazônia ao Brasil. Nesse contexto destaca as dimensões continentais de uma região com baixíssima densidade populacional e os parcos investimentos realizados em infraestrutura nos últimos 20 anos, que se traduzem em índices mínimos de rodovias

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por área territorial ou por habitante. Rocha convoca as futuras gerações a corrigir os erros do passado de subinvestimento em logística e subaproveitamento de nosso potencial econômico. Carlos Gilberto Zárate Botía descreve os caminhos incertos da integração fronteiriça na Amazônia e seu histórico de conflitos envolvendo principalmente Peru, Colômbia, Equador e Bolívia. Relata os desafios de fragmentação espacial, política e social da região, bem como as dificuldades administrativas de monitoramento e controle das extensas fronteiras. Explica a existência de sub-regiões transnacionais, como, por exemplo, a que abrange Tabatinga no Brasil, Letícia na Colômbia e Santa Rosa no Peru, e argumenta a favor da criação de ferramentas de ação conjunta. Luis Campos Baca apresenta estudo do impacto de possíveis mudanças climáticas sobre as áreas inundáveis e igapós, que são a zona de maior riqueza de espécies e que vêm sendo colonizadas há cerca de 12 mil anos. Alerta que a diferença de temperatura entre o Equador e os polos é uma das principais forças que atuam sobre a circulação atmosférica, e que o aquecimento global poderá alterar essa diferença. Salomón Jaya Quezada demonstra as possibilidades de utilizarmos logística de transporte intermodal do Pacífico equatoriano até os portos de Manaus e Belém. A conexão seria rodoviária a partir dos portos marítimos de Esmeralda, Manta, Guayaquil e Porto Bolívar via Quito até Porto Itaya. A partir daí pelo Rio Napo seria possível navegar com barcaças durante a maior parte do ano (exceto durante a estiagem) através do Peru até Tabatinga e – seguindo o Rio Solimões/ Amazonas – até Manaus e Belém. Luz Marina Mantilla Cárdenas e Carlos Ariel Salazar Cardona descrevem a realidade atual das regiões noroeste e sudeste da Amazônia colombiana, apresentando suas estruturas econômicas, geossociais e culturais. Relatam os avanços das pastagens bovinas sobre essas regiões, mas constatam que as plantações de coca foram reduzidas em mais de 70% como resultado das ações de combate ao narcotráfico e às FARCs, nos últimos 15 anos. Destacam a contribuição do Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI no estudo da região e propõem que a biodiversidade seja considerada um vetor de desenvolvimento sustentável. Citam exemplos das indústrias de cosméticos e higiene pessoal na Colômbia, que utilizam bioativos como ingredientes e insumos.

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Ricardo José Nogueira faz uma abordagem escalar da tríplice fronteira entre Tabatinga no Estado do Amazonas no Brasil, Letícia no Departamento do Amazonas na Colômbia e a Vila de Santa Rosa no Departamento de Loreto no Peru. Essa região, acessível apenas por via fluvial ou aérea, está situada quase no centro de um polígono que compreende cerca de 500.000 km2 de áreas do Brasil, Peru, Colômbia e Venezuela em que não há estradas pavimentadas. Nogueira explica que, em razão do isolamento geográfico e político, a conexão entre essas cidades é maior do com os seus respectivos centros nacionais. Com esses rápidos – e incompletos – comentários sobre cada artigo espero ter aguçado sua curiosidade em continuar a ler para conhecer o conteúdo integral dos textos a seguir e, através deles, alcançar melhor compreensão da Amazônia. Jaime Benchimol Economista e empresário

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Prefácio A Amazônia é mais complexa do que a visão do simples desafio imposto pelas suas características únicas, a nortear ao longo da história políticas públicas e iniciativas empreendedoras equivocadas, ao contrário da necessária compreensão desta região repleta de oportunidades diferenciadas. Para alcançarmos o desenvolvimento sustentável, é imperioso conhecê-la em suas particularidades, com as diferenças de cada macrorregião e, não menos importante, compreendermos como a atuação humana nessas áreas tem se mostrado em equilíbrio com o meio ambiente e, ao mesmo tempo, gerando riquezas. A iniciativa de produção do livro Pan-Amazônia: Visão Histórica, Perspectivas de Integração e Crescimento, de responsabilidade do economista Osiris M. Araújo da Silva e do pesquisador da Embrapa Alfredo Kingo Oyama Homma, que obteve apoio generalizado pela sua importância, é louvável por abrigar as mais amplas perspectivas sobre a Amazônia e indicar os desafios a serem enfrentados. Há necessidade estratégica do estreitamento das alianças institucionais, de políticas públicas adaptadas e de arranjos produtivos possíveis de serem consolidados, a despeito das dificuldades logísticas e de infraestrutura. Aliada à manutenção das vantagens comparativas do projeto de desenvolvimento da Zona Franca de Manaus, inegável pela preservação da cobertura vegetal e da biodiversidade do Estado do Amazonas, com a geração de renda e de empregos, a melhoria das condições socioeconômicas se faz necessária para além das fronteiras que abrigam os incentivos fiscais. Além da integração e da necessária descentralização dos investimentos, temos as enormes potencialidades minerais a se apresentarem como primordiais para a autossuficiência do país e da região em diversas commodities. É vital, ainda, a exploração da rica biodiversidade e da profissionalização do entretenimento baseado em produtos do turismo de natureza. A exploração das potencialidades com investimentos que proporcionem alto valor agregado e recursos humanos qualificados são respostas que a própria história da atuação humana na Amazônia tem nos mostrado como mais adequadas. Ou mesmo, as únicas a serem

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seguidas para alcançarmos o desenvolvimento sustentável, capazes de melhorar, com baixo impacto ambiental, a qualidade de vida de uma população que ajudou a preservar a Amazônia para o mundo. O livro Pan-Amazônia: Visão Histórica, Perspectivas de Inte­ gração e Crescimento, dada a respeitabilidade e idoneidade técnica de seus organizadores e colaboradores, oferece importantes contribuições a uma análise prospectiva das potencialidades econômicas oferecidas pela Bacia Amazônica do ponto de vista do conjunto dos países que a integram. A obra, portanto, constitui passo fundamental para a ampliação das discussões em torno do alcance desse extraordinário desafio: conhecer e integrar para poder fazer crescer de forma harmônica uma das regiões economicamente mais importantes do planeta, a partir da exploração sustentável das potencialidades de sua biodiversidade, do turismo ecológico e dos serviços ambientais avançados. Antonio Carlos da Silva Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam)

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Por uma urgente integração da A mazÔnia O futuro da Amazônia, o maior conjunto contínuo de florestas tropicais do mundo, interessa a nós, habitantes dos países que têm a sorte de compartilhá-la, mas também a toda a humanidade. Em seu seio, ela concentra 25% de todas as espécies vivas, constituindo o espaço máximo de diversidade biológica do planeta. Quase 20% das reservas mundiais de água doce pertencem à região, 400 grupos indígenas portadores de extraordinário tesouro cultural habitam a floresta. Mas tanta riqueza nos confronta com desafios proporcionais. Ela ainda não favoreceu aqueles que deveriam ser os primeiros beneficiários: os povos da bacia. Sob o predomínio de uma ideia de progresso “para” a Amazônia, foi relegada a necessidade de um progresso “da” Amazônia, com o paradigma de desenvolvimento sustentável como eixo. Um exame da realidade mostra que, embora tenham sido registrados avanços nacionais em alguns aspectos, uma visão fragmentada da bacia tem poucas oportunidades reais de atingir o desenvolvimento que pretendemos. Lembremos que a Amazônia é compartilhada por oito países e um território. Ocupa mais de 40% da superfície da América do Sul, com 7,5 milhões de quilômetros quadrados, habitados por 30 milhões de pessoas. Sabemos que no imaginário mundial é recorrente pensar na Amazônia como sinônimo de Brasil. Essa associação tem origem, entre outros, no fato de que 68% da bacia amazônica e das florestas tropicais se encontram no território brasileiro. Mas no Peru, dono de 13% da bacia, 74% do território é amazônico. Na Bolívia, conhecida mundo afora pelas belezas andinas, 75% das terras são amazônicas, representando 11,2% da bacia. Metade do território equatoriano é amazônico. Diante dessa realidade, a integração vai deixando de ser discurso abstrato de boas intenções e vai se transformando em um eixo de fortalecimento de nossas nações. Hoje, os governos do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, países que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), trabalham com o objetivo de responder de forma conjunta aos desafios comuns. O fortalecimento dessa união é requisito fundamental para alcançar condições de vida mais igualitárias para nossos povos e para

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evitar a destruição de nossas florestas. Com a vontade política dos governos dos oito países, a bacia pode se transformar, assim, num caminho excepcionalmente favorável para a integração regional, com base nos ideais e nos sonhos de visionários de unidade sul-americana. A OTCA e sua Secretaria Permanente vêm assumir essa missão. O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), firmado pelos oito países em 1978 com o objetivo de promover ações conjuntas para o desenvolvimento harmônico da região, continua atual. Os preceitos do TCA – de preservar o meio ambiente e assegurar o uso racional dos recursos naturais – nos guiam, hoje, unidos à certeza de que há muito trabalho pela frente, pois foi dessa consciência que a OTCA nasceu e se estabeleceu em Brasília, em 2003. Para implementar esses compromissos, a Secretaria Permanente tem se empenhado em construir, junto aos países-membros, uma agenda comum, avançando com firmeza no desafio histórico da integração sul-americana. Pretendemos, como diriam os amazônicos brasileiros, “amazonizar” o mundo. A atuação conjunta é imperiosa. Eventos como a recente seca que atingiu o Brasil, a Bolívia e o Peru e deixou milhares de pessoas isoladas, sem comida nem medicamentos, ratificam a necessidade de uma reflexão coletiva urgente e da adoção de medidas concretas conjuntas. A mesma apreensão temos diante da advertência dos pesquisadores sobre a possibilidade de “savanização” ou desertificação da floresta pelos efeitos do desmatamento. Por isso, trabalhamos para que a Secretaria Permanente se torne um guarda-chuva que envolva e harmonize as iniciativas regionais e obtenha recursos para desenvolver programas de amplo alcance. Na cúpula de Manaus, em setembro de 2004, os chanceleres aprovaram o plano estratégico da OTCA e tomaram uma série de decisões inéditas, entre elas, a de convocar reuniões ministeriais para discutir e tomar medidas de acordo com as especificidades da Amazônia. Duas reuniões de alto nível foram organizadas sobre temas vitais, como propriedade intelectual e industrial e ciência e tecnologia. Em outubro, iniciamos o Programa de Gestão Integrada e Sustentável dos Recursos Hídricos Transfronteiriços do Rio Amazonas. A atividade tem sido intensa, e a 9º Reunião de Ministros das Relações Exteriores dos Estados-Membros, a ser realizada hoje, em Iquitos, no Peru, será a oportunidade para refletirmos sobre nossas realizações e definirmos quais devem ser os próximos passos.

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Neste momento histórico, esperamos o engajamento e a mobilização de todos os setores para responder aos desafios e realizarmos nossos sonhos. Com a assinatura da Declaração de Iquitos na próxima semana, em que reafirmaremos nosso compromisso com essa tarefa comum, estaremos dando mais um passo para proteger a Amazônia como fonte estratégica da vida. Rosalía Arteaga Serrano Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 25 de novembro de 2005.

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Sumário Introdução........................................................................................ 35 Capítulo 1 | Pan-Amazônia: cooperação e integração para o desenvolvimento Osiris M. Araújo da Silva.................................................................... 37 Capítulo 2 | Amazônia já é verde: precisa é de uma base econômica que assim a mantenha Bertha K. Becker................................................................................. 85 Capítulo 3 | Amazônia, população e modernidade Márcio Souza..................................................................................... 93 Capítulo 4 | O novo modelo colonial amazônico: reflexões sobre cenários possíveis Violeta Refkalefsky Loureiro................................................................. 109 Capítulo 5 | A conservação da biodiversidade como estratégia competitiva para a Amazônia no antropoceno José Maria Cardoso da Silva................................................................ 139 Capítulo 6 | A logística e a defesa da Amazônia Ocidental Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira....................................... 157 Capítulo 7 | A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e desenvolvimento sustentável da região Domingos Savio Almeida Nogueira...................................................... 175 Capítulo 8 | A atuação da Força Aérea na Amazônia Ocidental José Mendonça de Toledo Lobato........................................................... 199 Capítulo 9 | Sistema de proteção da Amazônia: modelo de governança singular do território amazônico brasileiro Rogério Guedes Soares......................................................................... 207 Capítulo 10 | Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo e agenda de aperfeiçoamento José Alberto Machado da Costa e Rosa Oliveira de Pontes....................... 221

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Capítulo 11 | Caminhos da agropecuária amazônica como instrumento de desenvolvimento Alfredo Kingo Oyama Homma.............................................................. 267 Capítulo 12 | Logística de transporte na Amazônia Integrada ao Sistema Nacional Augusto César Barreto Rocha............................................................... 307 Capítulo 13 | Energia na Amazônia: qual o nosso futuro? Rubem Cesar Rodrigues Souza............................................................. 335 Capítulo 14 | A questão mineral na Amazônia Daniel Borges Nava............................................................................ 363 Capítulo 15 | Ciência e tecnologia no Amazonas Ennio Candotti................................................................................... 385 Capítulo 16 | Imensidão amazônica: ciência e vida de Samuel Benchimol Lillian Alvares e Jaime Benchimol........................................................ 403 Capítulo 17 | Ciência e políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia: homenagem à Bertha K. Becker Ima Célia Guimarães Vieira, Roberto Araújo O. Santos Junior e Peter Mann de Toledo....................................................................... 419 Capítulo 18 | Una realidad incontrastable: lo andino-amazónico Rosalía Arteaga Serrano...................................................................... 425 Capítulo 19 | El largo e incierto camino de la integración fronteriza en la Amazonia Carlos Gilberto Zárate Botía................................................................ 435 Capítulo 20 | El cambio climatico y sus efectos en las areas inundables de la Amazonía Luis Campos Baca.............................................................................. 449 Capítulo 21 | Logistica de transporte Ecuador-Manaos: Red Amazónica de Información Socioambiental Georreferenciada (RAISG-2012) Salomón Jaya Quezada........................................................................ 459

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Capítulo 22 | Tecnología amazónica: realidad en Colombia: Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI+-32 Luz Marina Mantilla Cárdenas e Carlos Ariel Salazar Cardona............. 481 Capítulo 23 | Abordagem escalar da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colombia Ricardo Jose B. Nogueira e Thiago Oliveira Neto.................................. 501

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Introdução O livro Pan-Amazônia: Visão Histórica, Perspectivas de Integração e Crescimento, além de procurar mostrar a Amazônia de um ponto de vista multifacetado em relação aos pilares fundamentais de sua complexidade sociocultural, econômica e ambiental, procurará responder à grande questão sobre o que Brasil e os países da Pan-Amazônia esperam da região no futuro próximo. Um futuro que tem de pronto enorme desafio: como alimentar 9 bilhões de pessoas, a população que o mundo terá em 2050, e que exigirá um crescimento na produção de alimentos de no mínimo 60% em relação aos níveis atuais. E, mais particularmente, como gerar emprego e renda para 25 milhões de habitantes que vivem nesta região. Uma região que é brasileira, graças, sobretudo, ao espírito forte e fiel que os brasileiros daqui sustentam com denodo e orgulho no que tange à integridade territorial do país. Uma Amazônia, entretanto, que pouco recebe do governo federal, plantado em Brasília, sem a dimensão geográfica plena do país. Queremos discutir as assimetrias da região e deixar claro que o Brasil não se restringe à região Centro-Sul. Precisamos discutir essa Amazônia, procurar encontrar seus rumos de acordo com as vocações econômicas e sua biodiversidade. E assim, demonstrar que em vez de problema, a Amazônia é ‘a’ solução para a complexidade dos problemas que fazem nossa economia derrapar e deixar-se prender a armadilhas que distanciam o Brasil cada vez mais de seus principais competidores e da Pan-Amazônia. A questão básica proposta pelos autores em seus capítulos diz respeito à reflexão sobre as transformações que se processarão no século XXI e quais os caminhos, com base na experiência de cada um, a serem trilhados pela Amazônia, tendo em vista, de acordo com suas vocações naturais ou induzidas, promover o desenvolvimento da região. Não se trata de mais um livro de história da Amazônia, mas uma coletânea, editada por temas, exibindo enfoques diversos sobre a região. Com isso, os organizadores pretendem mostrar a diversidade de abordagens e os caminhos pensados do ângulo do observador e do analista em relação à biodiversidade e às potencialidades de desenvolvimento.

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O objetivo da obra é também o de colocar ao alcance de potenciais leitores informações sobre nossa região que se encontram dispersas e confusas no imaginário popular. Por exemplo, quantas pessoas têm a compreensão do que seja biodiversidade, sequestro de carbono, manejo florestal, efeito estufa, que, jogados no cotidiano das informações, transformaram-se em adjetivo, tal como aconteceu com a ideia do “eldorado”. Como organizadores da obra, o Dr. Alfredo Kingo Oyama Homma, da Embrapa Amazônia Oriental, e eu, definimos como alvo principal do livro, em grande medida, o estudante do segundo grau e do ensino universitário, além de professores e profissionais da imprensa, técnicos, pesquisadores e interessados outros em conhecer aspectos básicos da Pan-Amazônia. Com efeito, a linguagem escolhida pelos autores é acessível, acompanhada de ilustrações (fotos e gráficos coloridos) capazes de chamar a atenção dessa classe de leitores em relação à história e aos diversos aspectos de nossa biodiversidade. Ou seja, trata-se de um livro de conteúdo técnico, porém exposto em linguagem de fácil compreensão. Cada capítulo foi desenvolvido, por conseguinte, buscando-se uma linguagem despojada, na qual o rigor da metodologia científica e tecnológica se mistura à linguagem do senso comum. De igual modo são abordados os desafios permanentes encarados por aqueles que sempre viveram neste lugar e estão relacionados com a existência da própria vida no planeta Terra. Em síntese, o livro pretende dimensionar a Amazônia de um ângulo multiabrangente, isto é, a partir do ponto de vista alguns dos países que a integram: além do Brasil, Colômbia, Equador e Peru. O conjunto dos capítulos tem narrativa dinâmica. A obra mostra o todo da Amazônia sob óticas variadas, especialmente em relação às suas belezas naturais, sua história, seu ecossistema, sua economia, suas relações políticas, sociais, educacionais, culturais e diplomáticas, conectando-as às idiossincrasias dos diversos países que a compõem. O livro com certeza despertará o interesse não só dos jovens e potenciais leitores regionais, mas também dos visitantes nacionais e estrangeiros que desejam compreender como é o presente, o passado e o futuro desta região e dos povos que aqui vivem. Manaus, agosto de 2015 Osiris M. Araújo da Silva

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Lendo o magnífico e emocionante livro Amazônia, pátria das águas, do poeta amazonense Thiago de Mello (MELLO, 2007), compreendi que falar de Amazônia, ou particularmente da Pan-Amazônia, pressupõe, antes de mais nada, procurar manter bem de perto visão aguçada e a sentir a mensagem ecológica do poeta sobre as particularidades socioambientais de nossa região. Mello (2007), em perfeita combinação de prosa e poesia, conta a história do Rio Amazonas, enfatizando sua caudalosa extensão geográfica e em volume d’água, e sobre o quanto nossa flora e fauna, como também o homem da floresta, dele dependem para sua subsistência. A simbiose homem-floresta constitui o elo mais importante da natureza. Nem sempre de forma pacífica, muitas vezes, porém conflituosa decorre esta relação. Independentemente dos percalços, contudo, vem assegurando sua subsistência, mesmo a despeito de que, ao longo dos séculos, não haja se forjado ainda uma consciência sobre a noção exata de uso com preservação do ecossistema. Há de se ter plena consciência do quão fundamental se constitui esta condição para a pavimentação da senda que haverá de conduzir o ser humano, enquanto agente de preservação dos meios ambientais, em direção à garantia de sua própria sobrevivência. Mello (2007) é pródigo ao analisar esses caminhos e a mostrar ao homem a extrema complexidade do universo amazônico, suas idiossincrasias e os abissais desafios que se oferecem ao Brasil e ao mundo no que pertine à necessidade da formação de elo indestrutível que possa garantir, em última análise, o pleno desfrute e os meios de preservação da biodiversidade amazônica. A seguir cito alguns trechos da obra do poeta, ao instante em que telúrica, é também profética (MELO, 2007, grifo do autor): Da altura extrema da cordilheira, onde as neves são eternas, a água se desprende, e traça trêmula um risco na pele antiga da pedra: o Amazonas acaba de nascer. A cada instante ele nasce. Descende devagar, para crescer no chão. Varando verdes, faz o seu caminho e se acrescenta. Águas subterrâneas afloram para abraçar-se com a água que desceu dos Andes. De mais alto ainda, desce a água celeste. Reunidas elas avançam, multiplicadas em infinitos caminhos, banhando a imensa planície cortada pela linha do Equador.

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Planície que ocupa a vigésima parte da superfície terrestre. O verde universo equatorial que abrange nove países da América Latina e ocupa quase a metade do território brasileiro. Aqui está a maior reserva mundial de água doce, ramificada em milhares de caminhos de água, que atravessam milhões de quilômetros quadrados de chão verde. É a Amazônia, a pátria da água. É a Grande Amazônia, toda ela no trópico úmido, com a sua floresta compacta e atordoante, onde ainda palpita, intocada pelo homem, a vida que se foi urdindo em verdes desde o amanhecer do Terciário. Intocada e desconhecida em muito de sua extensão e de sua verdade, a Amazônia ainda está sendo descoberta. Iniciado há quatro séculos, o seu descobrimento ainda não terminou. E, no entanto, pelo que já se conhece da vida na Amazônia, desde que o homem a habita, ergue-se das funduras das suas águas e dos altos centros de sua selva um terrível temor: a de que essa vida esteja, devagarinho, tomando o rumo do fim. Pois então vamos remando na água negra transparente. Vem comigo descobrir as fontes verdes da vida. Mas contigo travo amor, para com dor aprender. Como no Gênesis flutuava a cara de Deus, hoje é a esperança que paira sobre a face das águas do meu rio. Que ainda paira. Apesar de tudo. Apesar da destruição, do saque de suas riquezas, do desflorestamento impiedoso, da fauna ameaçada, do desamparo do homem ribeirinho – a esperança amazônica resiste. O coração do homem não se cansa. Se, de tão malferida, a floresta se cansa, este o nosso grande temor. Vem ver comigo o rio e suas leis. Vem aprender a ciência dos rebojos, vem escutar o canto dos banzeiros, o mágico silêncio do igapó Mar Dulce, o rio de Orellana, Marañon. O Guieni dos índios aruaques. Parauaçu dos tupis. O Grande rio das Amazonas.

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Rio Amazonas, que percorre mais de seis mil quilômetros, desde o fio de água que desce do lago Lauri, Lauricocha, na cabeça dos Andes, desce também de Vilcanota, e logo se engrossa no Urubamba, transforma-se no Ucayali, depois já é o caudal do Solimões na selva peruana, encontra a sua calha principal entrando no Brasil levando o mesmo nome até encontrar-se com o Negro e então fazer-se Amazonas propriamente dito, impetuoso, varando profundo o Estreito de Breves, e encontrar-se com o Atlântico e empurrar para trás as águas do mar até enormes distâncias. É verdade que o mar se vinga. Reúne as suas forças salgadas e retorna com fúria, em ondas de muitos metros de altura, que rolam grossas e com grande estrondo sobre as águas do rio, derrubando margens, afundando batelões e até navios. Vem ver comigo o rio e suas leis. Vem aprender a ciência dos rebojos, vem escutar o canto dos banzeiros, o mágico silêncio do igapó coberto por estrelas de esmeralda. O saque começou pelas drogas do sertão. E continua, até os dias de hoje, cada vez mais impiedoso. De suas essências, a principal delas a do pau-rosa, o privilegiado fixador de perfumes. Os seus produtos medicinais, extraídos de folhas, raíles e cascas de árvores. A andiroba, a copaíba, o sumo da casca de mungubeira, o curare milagroso e maligno, e a extraordinária quina, nativa do nosso chão. Os alucinógenos: ipadu, iagé, paricá, o caapi dos sonhos telepáticos. O guaraná estimulante que os índios descobriram e até hoje cultivam. O alimento generoso de suas frutas inumeráveis. O mundo inteiro consome a chamada “castanha-do-pará”, tão rica de proteína e gordura e sais minerais. O cacau é originário da Amazônia. Não cabe aqui a louvação nem resumida das virtudes da nossa floresta. Mas como não gravar aqui, mesmo de relance, a marca funda, conquanto suja, que deixou na vida da Amazônia as qualidades das seivas e gomas elásticas da selva. A borracha – a famosa Hevea brasiliensis– é o fundamento de todo um período histórico da vida social e econômica da região, durante o qual a Amazônia conheceu extremos de opulência e de miséria. Milhares de homens se adentram pela

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mata para extrair o leite das seringueiras. A Amazônia entre 1895 e 1909 exporta mais de 400 mil toneladas de borracha, pagas pelos europeus a preço de ouro. Em Manaus, Belém e Iquitos vivia-se a grande vida, erguiamse palácios. Sucede que em 1876, as sementes da Hevea brasiliensis, levadas pelos ingleses em sacas escondidas, e plantadas na Malásia, frutificaram em Singapura. Depois em Java, e na Sumatra. Em 1911 o Amazonas produz 45 mil toneladas, enquanto as seringueiras da Malásia apenas 8 mil. Mas em 1920, a asiática alcançava 360 mil toneladas e a do Amazonas descia a 8 mil, vendidas a preços aviltados. Era o fim do Ciclo da Borracha. E um saldo de milhões de seringueiras murchas.

Introdução Ao menos três fatos marcantes redefiniram a geopolítica mundial no quarto final do século XX: a unificação da Europa, a emergência da China como potência econômica e a crise mundial de 2008. A partir desses eventos, o mundo deixou de ser unipolar e sem perspectiva de se tornar bipolar, a partir da recusa chinesa em covalidar essa via. O novo formato geopolítico capaz de suportar interesses econômicos, políticos e diplomáticos a partir do século XXI é multipolar, tendência prevalente e que aponta a necessidade irremediável de integração dos interesses comerciais, logísticos e de intercâmbios econômicos processados ao redor da Terra. A América do Sul segue a tendência ao constituir blocos econômicos sub-regionais, como Mercosul, restrito, e Aliança do Pacífico, mais aberta pois integrada ao México, e, por extensão, aos Estados Unidos e ao resto do mundo. Há um “sub-bloco” localizado no coração de nosso continente que busca espaço e significância geopolítica e econômica, a Amazônia multinacional, a Grande Amazônia ou PanAmazônia, formada, como se verá adiante, por expressivas porções territoriais de Brasil, Venezuela, Guiana, Suriname, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. O que nós, sul-americanos, sabemos a respeito desse extenso território, praticamente perdido no interior dos países que o formam e mantêm, mas que relativamente pouco se ocupam em priorizar ações de governo voltadas à promoção do seu desenvolvimento econômico e social? Não o suficiente, é certo, embora esforços governamentais, da

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universidade, da pesquisa e diplomáticos venham se processando nessa direção. Agrupar-se em blocos econômicos foi uma resposta à unipolaridade advinda do modelo econômico capitalista herdado de Adam Smith, segundo o qual a mão invisível seria capaz de regular os mercados e equilibrar economias interdependentes. Sem dúvida, o laissez faire, laisser passez smithtoniano não cabe mais no mundo contemporâneo, em que os países romperam isolamentos históricos e geopolíticos e aderiram a sistemas de governo e econômicos interdependentes. Certamente, transformações de tal magnitude afetam direta­ mente nosso continente. Daí a necessidade do aprofundamento dos estudos e tratados que lastreiam as inter-relações de troca e a cooperação econômica como forma de superar a pobreza e o isolamento que ainda pairam sobre o continente sul-americano e a Amazônia em particular. Um passo basilar deve contemplar a visão ambiental sobre a região de sorte a refletir mais a preservação do ser humano como bem mais importante da natureza, não o inverso. Com efeito, proporcionar ao homem meios de sobrevivência com dignidade deve pressupor necessariamente assegurar-lhe emprego e renda em atividades sustentáveis, que garantam, sob qualquer condição, o equilíbrio do bioma e a preservação do ecossistema. Ocorre que o desenvolvimento sustentável com base no extrati­ vismo puro não oferece ao ser humano essa condição, isto é, de manter-se e à sua família confortavelmente. Até pode, mantendo-o, porém, ad aeternum na mesma condição. Sem meios de evoluir, crescer e avançar em conquistas humanas fundamentais, como educação, saúde, segurança, emprego e geração de riqueza. Alcançar o estágio de desenvolvimento sustentável, segundo visões mais benevolentes dos meios científicos, pressupõe, no mínimo, satisfazer três condições: geração de atividades viáveis economicamente, preservação do ecossistema e redução da pobreza humana. Mesmo assim, segundo o Banco Mundial, o maior incentivador desse modelo, garantir sustentabilidade a atividades em biomas complexos, dificilmente venha a ser bem-sucedido. Isto, contudo, não significa que a meta não deva ser perseguida à exaustão. Reportagem da revista Veja, de 20 de fevereiro de 2013, página 107, informa que a conclusão do Banco Mundial baseou-se em trabalho que realizou “para avaliar os efeitos dos US 2,6 bilhões gastos em

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289 projetos em florestas de 75 países, entre 2002 e 2011. O investimento serviu para aumentar a área de reservas ao redor do mundo, mas, de maneira geral, não conseguiu evitar a degradação da biodiversidade e de pouco ou nada adiantou para elevar o padrão de vida da população”. O diagnóstico abrangeu igualmente o Brasil, onde, segundo Veja, “a instituição financiou a demarcação de 45 milhões de hectares de terras indígenas e outros 26 milhões em reservas ambientais”. O Banco chegou a esses resultados não por meio de dados estatísticos sobre “renda ou desenvolvimento humano”. As conclusões levaram em conta levantamentos de campo efetuados por especialistas da instituição “em visitas às comunidades que deveriam ser beneficiadas”. Desta forma, foi possível realizar “análise muito mais próxima da realidade, pois são raros os países com indicadores sociais confiáveis para grupos populacionais tão pequenos quanto aqueles formados pelos que vivem dentro ou ao redor de reservas”, destacou o relato de Veja. Uma das causas desse fracasso, segundo o relatório do Banco Mundial,consistiu “na insistência de ONGs e governos em considerar que as atividades de subsistência e extrativas são a melhor opção para o desenvolvimento das comunidades pobres”. Os auditores do banco observaram que “pescar o peixe que se come ou catar coquinhos para vender a um preço simbólico não deveria ser o objeto final dos projetos, apenas um meio para as pessoas sobreviverem enquanto se organizam para uma atividade econômica capaz de produzir mais riqueza”. Essas comunidades – estimadas pelos estudos do Banco Mundial em 70 milhões de pessoas estabelecidas nas florestas e outras 735 milhões em áreas rurais próximas – não obstante obterem um mínimo para sobreviver, não conseguem melhorar de vida, e assim livrar-se da pobreza. Portanto, seguem dependentes de ajudas de ONGs e de governos locais. Muitas vezes submetidas a programas populistas de governo que induzem a manter extensas faixas populacionais carentes de bolsas e subsídios sociais diversos, que não lhes oferecem uma saída a essa condição de dependência de favores públicos. E assim, o que seriam subsídios eventuais, transitórios, perpetuam-se em nome de interesses eleitoreiros não exatamente compatíveis com a necessidade da promoção do desenvolvimento. Este sim, o objetivo maior a ser perseguido e alcançado, pois, no lugar de dar o peixe, oferecer a vara e ensina a pescar. Única via de erradicar

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a pobreza e garantir dignidade, por meio de emprego e renda, às camadas sociais carentes. Esta uma realidade, em maior ou menor escala, comum aos pobres da Amazônia. Uma região deficiente em políticas públicas e altamente carente em infraestrutura de comunicação e transporte, em educação ajustada às assimetrias locais, em mão de obra especializada, e que não promove regularização fundiária. Há muitos outros problemas comuns que vão desde a insegurança jurídica, a conflitos eternos com populações indígenas, carência de assistência à saúde e previdência social, como também, por falta de Zoneamentos Ecológicos Econômicos (ZEE), tornando mais difícil a recuperação de terras degradadas com vocação produtiva, e, em última instância, canalizar investimentos para o interior da Amazônia.

Amazônia em perspectiva A fronteira da Amazônia é muito porosa. Os povos das fronteiras não são apenas brasileiros. Os índios do Alto Rio Negro, por exemplo, também são colombianos. Falam o tucano, a língua geral, falam português, e alguns falam espanhol. Você ouve muitos reacionários dizerem: “Não tem que dar terra para os índios, eles já têm muita terra”. Isso é uma coisa de louco. O que não pode é proibir o Estado de entrar em terras indígenas. E, de fato, elas são usufruto, não são propriedade dos índios. Por isso foi decidido que eles podem ficar na Raposa Serra do Sol, e que os arrozeiros têm que sair. Eles invadiram terras indígenas. A presença do Estado é importante, até mesmo para expulsar os missionários. Sou contra a presença de evangélicos, de tudo que é missionário. Saiam da Amazônia! Se a terra foi garantida para os índios, que a cultura deles também seja garantida. Sou a favor de uma ocupação das fronteiras pelo Exército e pela Marinha. É uma questão de soberania, porque ninguém calcula a riqueza da Amazônia. Ninguém sabe. (...), mas acredito que o manejo florestal é totalmente possível. A Amazônia possibilita muitas opções econômicas, de perfumes e cosméticos a plantas medicinais e uma variedade enorme de frutas. Mas você tem que envolver os pesquisadores que moram na região. Gente do Museu Goeldi, do Inpa, da Embrapa, das universidades. Infelizmente, essas pessoas não são ouvidas (MILTON HATOUM, 2009).

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Figura 1. Amazônia sul-americana, a Pan-Amazônia. Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

A Amazônia sul-americana assume forma continental capaz de englobar em seu território toda a Europa Ocidental. O comparativo é válido apenas do ponto de vista geopolítico, posto que economicamente a região distancia-se daquele continente em dimensões abissais. Enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) amazônico não ultrapassa US$ 100 bilhões, o europeu é da ordem de US$ 14,5 trilhões (valores de 2010), superior ao dos Estados Unidos, a maior potência mundial. Becker (2004) resume as dimensões da região: corresponde a 1/20 da superfície terrestre e 2/5 (40%) da América do Sul, 3/5 do Brasil; contém um quinto da disponibilidade mundial de água doce e um terço das florestas mundiais latifoliadas, mas somente 3,5 milésimos da população planetária. Por esses dados, cientistas a consideram o coração ecológico do planeta – heartland. Nesse contexto, explica, alterou-se o significado da Amazônia, com “uma variação ecológica de dupla face: a da sobrevivência humana e a do capital natural, sobretudo a megadiversidade e a água”. Em sua descrição, Becker (2004) salienta que o conceito de heartland se aplica devido à extensão da massa terrestre e florestal – que historicamente dificultou a ocupação -, constituindo autodefesa que envolve hoje a Amazônia sul-americana; à posição geográfica estratégica entre os blocos regionais e à conectividade, que atualmente permite maior mobilidade interna acrescentando valor à biodiversidade, base da fronteira da ciência com a biotecnologia molecular.

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Figura 2. Limites amazônicos e cobertura da terra. Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

Souza (2009, p. 21), assim define os marcos geopolíticos da região: A bacia do Rio Amazonas abrange as altas montanhas dos Andes, os geologicamente mais antigos altiplanos do Brasil Central e do Escudo Guianense, e imensas terras baixas que formam a zona de aluvião e as terras baixas da Amazônia. Estas zonas determinam a composição química dos afluentes

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amazônicos e servem de ambiente para o processo evolutivo dos seres vivos. Como a Cordilheira dos Andes continua subindo, esta tem sido a parte que mais sofreu transformações durante a recente era geológica. Ocupando mais de 6 milhões e 800 mil quilômetros quadrados, a bacia do Rio Amazonas é a maior bacia fluvial do mundo, superando, em duas vezes, a segunda bacia fluvial, a do rio Congo, na África. A bacia do rio Madeira é a maior dentre os afluentes e se estende por mais de 1 milhão e 400 mil quilômetros quadrados, ocupando partes do território do Brasil, da Bolívia e do Peru. As florestas cobrem a maior parte da bacia do Rio Amazonas e os biólogos e geógrafos a denominam floresta amazônica, embora existam savanas e outros nichos ecológicos diversificados.

A Bacia Amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo, com mais de 7 milhões de km², e o Rio Amazonas é o maior rio do mundo, com 7.062 km. É reconhecido internacionalmente o rio de maior comprimento, além do mais caudaloso, mais largo e mais profundo. Ele nasce a 5.170m de altitude nos Andes peruanos, e depois de passar por vasta planície, deságua no Oceano Atlântico, onde despeja o volume de 220.000 m³ por segundo de água doce (15,47% de toda a água doce descarregada nos oceanos por dia). Sozinho transporta mais água do que os rios Missouri, Mississipi, Nilo e Yangtzé juntos. Atualmente, essa imensa bacia banha os territórios de sete países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Venezuela. É, pois, classificada como uma bacia internacional, ou transfronteiriça. Tal compartilhamento é fruto da história que levou à formação das fronteiras políticas e que teve início com a conquista e colonização das Américas, segundo Sant’Anna. A área da chamada Grande Amazônia, segundo Aragon (2007), é da ordem de 7.430.785 Km2, número esse resultando da junção dos dados apresentados nos estudos das Amazônias nacionais. Representa mais de 54% da área total dos países amazônicos. Prossegue Aragon (2007): Excetuando-se as Guianas, onde 100% do seu território foi considerado amazônico, nos demais países a Amazônia também representa uma parte considerável de seu território, especialmente nos dois maiores países, Brasil e Peru, onde a Amazônia representa cerca de 60% de seus respectivos territórios nacionais.

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Figura 3. Bacias e sub-bacias pan-amazônicas. Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

A proporção de ecossistema amazônico em relação à totalidade do território de cada país é a seguinte, conforme Souza (2009) (Tabela 1): Tabela 1. Percentual do ecossiste­ ma amazônico nos países. País

Percentual

Bolívia

70

Peru

65

Brasil

55

Equador

50

Colômbia

35

Venezuela

 8

Guianas

 3

Fonte: Souza, 2009.

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Não obstante a imensa extensão territorial, a região é pouco povoada. Os oito países que compõem a Grande Amazônia têm população de cerca de 38 milhões de habitantes, dos quais 25 milhões, 65,78 %, na Amazônia brasileira. A Grande Amazônia, como citado no estudo de Simões (2011), estimativamente dispõe de um 1/3 do estoque genético planetário. Resumidamente: 60.000 espécies de plantas (10% do total mundial), 2,5 milhões de artrópodes (insetos, aracnídeos, crustáceos, etc.), 2.000 de peixes (quantidade superior à encontrada em todo o Oceano Atlântico). O gigantismo da Amazônia sul-americana – a Pan-Amazônia – acarreta vantagens e desvantagens. De um lado, o culto ao mítico, ao lendário, seus encantos e belezas despertam curiosidades e desejos de conhecê-la e senti-la de perto ao redor do planeta. De outro, a complexidade geopolítica, da biodiversidade e ecossistemas que encerra tornam-se gigantescos desafios no encontro de soluções econômicas e ambientalmente sustentáveis para as mais diversas questões suscitadas aos meios universitários, à pesquisa e ao governo.

Cooperação científica Toda essa complexidade é ainda agravada pelo distanciamento estabelecido entre os diversos países que compõem a Pan-Amazônia. O nível de diálogo e cooperação técnica e diplomática é tênue, distanciado e ineficaz. Difícil de crer, porém os diversos órgãos de pesquisa da região, como o Instituto Amazónico de Investigaciones Científicas SINCHI, da Colômbia, o Instituto de Investigación de la Amazonia Peruana (IIAP) e o Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) não mantêm vínculos explícitos e agendas compartidas em setores da pesquisas com objetivos e metas comuns. De igual modo ocorre em relação às universidades. Evidentemente, em muitos pontos seria ideal estabelecer currículos comuns, possibilitando, assim, maior troca de informações e resultados de pesquisa de interesses recíprocos. A Universidade Nacional da Colômbia, Sede Amazônia (Letícia), a Universidade Central do Equador ou a Universidade Federal do Amazonas, do Acre, de Rondônia, do Pará, etc., poderiam estudar e certamente encontrar resultados mais rápidos e eficazes para diversos problemas da região, caso interagissem ações em áreas de

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interesses e metodologias comuns. Como as pesquisas sobre a malária e outras doenças tropicais, a construção naval, a navegação fluvial e o aproveitamento da madeira para produção de etanol, o estudo de princípios ativos para a indústria de cosmético ou de produtos medicinais. A universidade e a pesquisa desdobram-se para superar adversidades e, em certos casos, a indiferença de governos. Por isso, dificilmente Letícia acompanha o Inpa, o IIAP, o Museu Goeldi, e esses a Universidade Central do Equador. E assim por diante. Esse ciclo perverso precisa ser quebrado em favor de uma Pan-Amazônia forte e integrada, que, dessa forma, possa compartilhar esforços e o bem comum da população amazônica.

Cooperação econômica Machado (2009, p. 3), professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), escreveu: A população que vive na parte amazônica dos diversos países que participam do bioma é estimada em torno de 28 milhões de pessoas. Juntando-se a população dos estados da Amazônia brasileira com a totalidade da população dos demais países da Amazônia Continental, essa estimativa aproxima-se de 140 milhões (ARAGÓN, 2005). Trata-se, pois, de um mercado significativo, mas muito pouco dinamizado.

De acordo com Machado (2009), os dados de comércio exterior desse mercado, referentes a 2008 (MDIC, 2009), indicam que: a) os estados da Região Norte do Brasil exportaram aproximadamente 7% (US$ 825 milhões) do total das exportações do Brasil para os países amazônicos (US$11.825 milhões). As importações têm menor expressão ainda, pois representaram apenas 4% (US$ 225 milhões) do total das importações feitas pelo Brasil desses países (US$ 5.253 milhões). Além de irrisória, gera imenso déficit comercial contra esses países, o que se converte em foco de desconforto nas relações deles com o Brasil; b) além de diminutos, esses fluxos comerciais concentramse, basicamente, entre dois estados brasileiros e três países

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(Venezuela, Peru e Colômbia), cujo intercâmbio representa mais de 90% das exportações e mais de 95% das importações. As exportações do Amazonas representaram US$ 392 milhões e do Pará US$ 353 milhões. As importações centradas no Amazonas, US$ 131 milhões e no Pará, US$ 88 milhões; c) um outro aspecto é que esse comércio centra-se em apenas alguns itens. Das exportações, 80,4% feitas pelo Amazonas concentram-se em celulares, concentrados de bebidas, derivados de petróleo, televisores e motocicletas; e 96,5% feitas pelo Pará concentram-se em bovinos vivos, manganês e subprodutos bovinos. Das importações, 90,1% feitas pelo Amazonas concentram-se em prata, ligas e resíduos de alumínio, policroreto de vinila, laminados de ferro e poliestireno; e 99,6% feitas pelo Pará concentram-se em hulha e produtos relacionados e em coque de petróleo. Entretanto, existe uma grande lista de produtos que a região compra do Sul-Sudeste brasileiro ou de outras regiões do mundo que poderia ser suprida por esses países, com preços muito mais baixos, como é o caso de adubos e insumos para fabricá-los, artesanatos de têxteis, de pedrase de metais, calcário, cerâmica, cobre, zinco, derivados de petróleo, enlatados (atum, sardinha, etc.), enxofre, flores, frutas (morangos, uvas, etc.), frutos do mar, pedras ornamentais, material de construção e outros. Por outro lado, esses países compram de outras regiões do mundo produtos que poderiam ser supridos pelo Brasil por preços certamente menores, como é o caso de artigos de pesca, de telefonia, esportivos, náuticos, autopeças, bebidas em geral, motocicletas e bicicletas; exportaram apenas 7% (US$ 825 milhões) do total das carnes e frangos, eletroeletrônicos, em geral, ferramentas, instrumentos musicais, minérios, material elétrico, peças de maquinas, peças de motores, sucos e concentrados, temperos e muito mais. Por essas considerações, um objetivo da política externa em relação a esse tema seria ampliar o comércio e diminuir os desequilíbrios da balança comercial com esses países, a partir do estímulo à complementaridade econômica entre eles e os estados amazônicos, através da facilitação do comércio com redução de barreiras alfandegárias, fitossanitárias e logísticas.

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Polos alternativos Há certamente longo caminho a percorrer em busca de efetiva integração dos países pan-amazônicos. Benchimol (2003) acreditava que o ponto de partida para a promoção da integração e do crescimento econômico da região advém da necessidade de incentivar fortemente alguns projetos e criar novos polos, alguns históricos e outros inovadores. Considerava fundamental a necessidade de repensar e fazer uma releitura do passado. Salienta, no documento, que muitas das produções florestais podem ser reativadas, desde que modernizadas com introdução de tecnologias modernas, eficientes e autossustentáveis. Dentre os polos considerados, ele cita, adicionalmente: o de especiarias, de essências aromáticas, de produção de óleos de dendê (palm oil), coco, babaçu, andiroba, patauá e outras palmáceas; heveicultura, biotecnológico, varzeano agrícola, frutícola, floricultura e plantas ornamentais, palmiteiro, pesca e piscicultura, pasta química de celulose e papel, polo madeireiro e moveleiro, pecuário e criatório. Destaque especial ao polo gás-petroquímico a partir das reservas do Equador, Colômbia, Bolívia, Venezuela e do Norte do Brasil. Aproximadamente uma dezena de bacias sedimentares estão situadas na Amazônia Legal brasileira, perfazendo quase 2/3 dessa área territorial. Três delas – bacias do Solimões, Amazonas e Paranaíba – são as mais importantes, não só pelo tamanho ( juntas ocupam aproximadamente 1,5 milhão de Km²), mas principalmente pelo seu potencial. A Bacia do Solimões (Urucu, Coari) é a terceira bacia sedimentar em produção de óleo no Brasil, com reserva de 132 milhões de barris de petróleo. Em segundo lugar vem o Estado do Espírito Santo, com produção de 169 milhões barris de petróleo e gás/dia, e do Rio de Janeiro – maior polo brasileiro de produção petrolífera, com cerca de 1,8 milhão barris de petróleo e gás por dia – o equivalente a pouco mais de 84% de toda a produção dos campos nacionais. No entanto, a principal vocação da Amazônia é o gás natural. Informes da Petrobras indicam que o Estado do Amazonas tem a segunda maior reserva brasileira de gás natural do país, com total de 44,5 bilhões de metros cúbicos. Nas outras duas bacias também têm sido encontradas acumulações de gás.

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Os campos são bem amplos. O principal passo a ser dado relaciona-se à crença dos governos locais nessas potencialidades, e com efeito realizar os investimentos que a integração da região exige.

Figura 4. Derrame do oleoduto de crudos pesados (OCP) nos rios Santa Rosa, Quijos e Coca, na Amazônia equatoriana, 2009. Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

Turismo Outros campos de negócios – como se verá mais adiante – cabem nesse raciocínio. Um dos mais importantes diz respeito à indústria do turismo. O brasileiro comum não tem ideia do que sejam o Equador, a Colômbia, o Peru, a Bolívia. Muitos vão a Miami ou ao Caribe sem a noção do que estão perdendo ao não conhecer cidades extraordinárias como Bogotá, Lima e Quito, a belíssima e civilizada Medellin e as históricas Cartagena, Cuzco, Machu Picchu, o Lago Titicaca, Guayaquil, Cuenca, as belas praias do Pacífico ou as Ilhas Galápagos, Caracas, Maracaibo, e muitas outras. Há muitas ilhas caribenhas pouco visitadas por turistas da região. Enorme potencial à espera de um planejamento estratégico que privilegie a implantação de infraestruturas locais, voos acessíveis

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e programas especiais que ofereçam comodidade e preços acessíveis. Isto poderia causar uma explosão de visitantes aos belíssimos sítios ecológicos da região. Entretanto, para chegar a Bogotá, Lima, Quito, Caracas ou La Paz, um turista de Manaus, de Belém ou de Boa Vista terá que viajar via Panamá, ou via Mato Grosso do Sul, Santa Cruz de La Sierra, La Paz e assim por diante. Para Bogotá, há alternativa de voo via Letícia, mas o custo da viagem é alto. O turismo integra e gera emprego e renda ao redor do mundo. Contudo, o turista de poder aquisitivo elevado opta por destinos consolidados, como Aruba, Miami, Orlando, Cancún, República Dominicana, Curaçao. Visitar Manaus, Belém, Rio Branco, Porto Velho ou Boa Vista, para um peruano, um colombiano, um boliviano, um equatoriano ou um venezuelano é muito difícil. Tornam-se destinos praticamente inacessíveis, seja por acesso deficiente ou devido a custos de viagens normalmente fora do alcance de um turista comum. Quando viajei pela Amazônia sul-americana em outubro/ novembro de 2013, ao conversar com diversas pessoas, gente comum em táxis, feiras, lanchonetes, shoppings, praças, lugares turísticos em diferentes localidades, ao me apresentar como nativo de Manaus, praticamente ninguém tinha a menor noção a que cidade me referia. O inverso é verdadeiro. O professor Ochoa (2008) afirma que o potencial da Amazônia para implementar atividades turísticas, principalmente em relação às modalidades baseadas no turismo ecológico, étnico ou cultural, vem sendo estudado por diversos agentes e em múltiplos espaços. Diversos autores consideram o turismo uma forma de aproveitar os atributos culturais e ecossistêmicos da região, assim como uma via de geração de renda para as populações locais. Por sua vez, essas “poblaciones locales” buscam múltiplas maneiras de articular-se à sua dinâmica, seja vendendo sua força de trabalho como guias, intérpretes, empregados, organizando-se em grupos associativos, criando pequenas empresas, adquirindo novas habilidades, gerenciando projetos para construção de infraestrutura e buscando mais apoio institucional. Independentemente de alguns pontos negativos, perfeitamente contornáveis, a Amazônia se posiciona cada vez mais como produto e destino turístico na cadeia global. Conforme salientam Ochoa e Palácio (2008), na exploração inicial da Amazônia e em seu posicionamento como produto turístico pesou bastante a imagem que a sociedade

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ocidental formou a respeito da região. Estes, prosseguem os autores, como as crescentes expectativas sobre o setor, tem consolidado a ideia de que o turismo configura alternativa para o desenvolvimento da região. Destaco ainda na obra de Ochoa (2008) que, assim como produto turístico amazônico pode ser proporcionado quase que em qualquer lugar, significa que os amazônidas que se inserem em sua dinâmica passam a competir com diversos agentes da cadeia global. A vantagem para as populações locais poderia estar em que, ao tratar-se de um produto inovador – selva e rio, experiências com culturas indígenas – a mesma comunidade pode desenhar produtos mais integrados e avançar até os setores de maior interesse em países emissores. Não há qualquer dúvida que o segmento, conquanto ofereça amplas perspectivas mercadológicas e culturais, demanda fortes investimentos em infraestrutura não só voltados à atração do turista local (sul-americano) ou estrangeiro, como no sentido de transformar a Pan-Amazônia em destino turístico internacional. Como ocorre com o Caribe, a Indonésia, a Namíbia, a África do Sul, a Austrália, a Flórida, etc.

Relações de troca O intercâmbio comercial da Pan-Amazônia é ainda incipiente, embora vastos os campos de possibilidades. Segundo Machado (2009) através dos estados do Pará e Amazonas e, mais recentemente, o Estado de Rondônia, tem ampliado seu comércio com os países pan-amazônicos. Mas ele se dá com poucos países e com uma pauta de produtos bastante aquém do potencial. Em relação à América do Sul, esse potencial se amplia para uma escala que propiciaria aos estados amazônicos do Brasil um mercado de grandes dimensões, próximo territorialmente, com similaridade cultural e com facilidades aduaneiras em construção. Machado (2009) salienta que, com acesso aos mercados da costa leste do Pacífico, a chegada à Ásia se torna o passo seguinte natural. E então, esse grande e rico mercado passaria a ter conexão célere com a Amazônia, beneficiando-a em vários aspectos. Exemplos de fluxos comerciais capazes de trazer efeito virtuoso para a região podem ser citados: a) componentes eletrônicos fabricados na Ásia e importados em grandes volumes pelo Polo Industrial de Manaus;

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b) manufaturados eletroeletrônicos, duas rodas, peças plásticas, equipamentos médicos, computadores, celulares e outros destinados a abastecer toda a costa leste do Pacífico, hoje atendida pelos Estados Unidos, México ou Ásia; c) carnes, peixes, polpa de frutos, aves e similares, óleos nativos, extratos regionais, ervas; d) medicinais e conexos, produtos fabricados com insumos da biodiversidade regional, todos demandados em grandes quantidades pela Ásia; e) soja e seus derivados, sobretudo óleo, escoado do norte do Mato Grosso, tanto para os países latinos do Pacífico quanto para os países asiáticos; f) minérios em diversos estágios de processamento oriundos de diversos estados brasileiros e países amazônicos, inclusive alguns estratégicos, como nióbio-tantalitax; g) turismo massivo e integrado, pelo qual os asiáticos entrariam no continente através de um dos muitos atrativos existentes nos países da costa leste (Machu Picchu no Peru, Galápagos no Equador), chegariam à selva amazônica e suas belezas tropicais, se deslocariam para o estuário amazônico e depois demandariam o Nordeste brasileiro. Outras possibilidades dizem respeito à integração do Polo Industrial da Zona Franca de Manaus (PIM) com os mercados da Pan-Amazônia. Ocorre que, por erros grosseiros da diplomacia e do próprio governo brasileiro, Equador, Peru, Bolívia e Colômbia, principalmente, avançaram outras áreas de interesse com Coreia do Sul, Japão e Rússia em setores fundamentais, como os da indústria automobilística, cimento, armas e munições, petróleo e gás. O Brasil perdeu espaços preciosos que talvez possam, presumivelmente, em alguns casos, serem retomados a partir da integração social, política e econômica da Amazônia sul-americana.

Expansão comercial A propósito, esteve em visita a Manaus, capital do estado brasileiro do Amazonas, no mês de maio de 2014, comitiva empresarial da província peruana de Loreto, chefiada pelo governador Yván Vásquez Valera, e assessores. Na oportunidade foram realizados encontros

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oficiais com o governo e lideranças empresariais locais. Importantes interesses comerciais aguardam ser explorados a partir da região da tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia. As cidades brasileiras de Tabatinga, Benjamin Constant e Atalaia do Norte mantêm convivência histórica com Iquitos e Letícia, que, no entanto, pouco evolui do ponto de vista de negócios e da infraestrutura. Trata-se de região muito rica, que esbarra na praticamente impensável ausência de um sistema que permita maior fluidez cultural e econômica entre as cidades aproveitando as vantagens comparativas que sustentam. “Temos muitos pontos em comum, o mesmo rio e a necessidade de abrir mercado, não só do norte do Peru para o norte do Brasil, quanto do Pacífico. Podemos enfrentar os problemas de eficiência dessa rota juntos. Por isso, pedimos aqui o esforço e o apoio do governador nesse sentido. Uma via alternativa que atravessaria o Pacífico mais rápido que a rota do Panamá”, afirmou o governador Yván Vásquez Valera à imprensa amazonense. No encontro, realizado na sede do Governo do Amazonas, do qual participaram o governador José Melo e o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, discutiu-se a possibilidade de criação de uma rota comercial com área aduaneira compartilhada entre as cidades peruanas vizinhas e o Amazonas, bem como a criação futura de uma nova rota comercial alternativa da Ásia até Manaus, via Peru usando a Carretera Transoceânica. Somando-se à logística de transporte fluvial, a abertura para o Pacífico, na prática, significa a integração total da bacia amazônica aos países asiáticos. Comissão especializada foi elaborada para formular os projetos técnicos requeridos por essa operação.

Biodiversidade exótica Homma (2013), pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, procede à extensa análise do quadro da produção agropecuária na Amazônia e das potencialidades que podem se confirmar como produto da biodiversidade. Suas análises levam em conta que A despeito da ênfase na biodiversidade nativa, grande parte da agropecuária amazônica está apoiada em plantas e animais de outros continentes ou de outras áreas extraAmazônia, podendo-se destacar a soja, algodão, milho, arroz, feijão, juta, pimenta-do-reino, bananeira, laranjeira,

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cafeeiro, coqueiro, abacaxi, dendezeiro, mamoeiro, meloeiro, aceroleira, bovinos e bubalinos, frangos etc. Para muitas destas culturas, a Região Amazônica tornou-se a maior produtora nacional, concentrando um terço da produção de soja, metade da produção de algodão, a totalidade de pimentado-reino, juta e malva e do rebanho bubalino, abacaxi, dendezeiro etc. No contexto nacional, o Brasil tornou-se um dos maiores produtores e exportadores mundiais de carne bovina e frango, café, suco de laranja, soja, açúcar, fumo, álcool, milho, carne suína etc.

Perda e ocupação de mercados A Amazônia, entretanto, prossegue Homma (2013), ao longo do tempo, tem sido prejudicada pela perda de mercado de produtos da sua biodiversidade, como ocorreu com a cinchona, cacau, borracha, guaraná, pupunha, jambu, açaí, cupuaçu, que foram e estão sendo transplantados para outras partes do país e do mundo. Outras culturas exóticas, como o cafeeiro, mamoeiro, meloeiro, que tiveram seu desenvolvimento inicial no Estado do Pará, perderam competitividade para outras áreas do país. Movimento inverso também ocorreu, como a expansão da pecuária, soja e algodão, em que Mato Grosso é o maior produtor; dendezeiro, em que o Pará é o maior produtor; e coqueiro, maior plantio do país. A partir de 2003, o Estado do Pará iniciou a exportação de boi vivo, e a extração de madeira de floresta nativa foi reduzida drasticamente. O estado possui o maior rebanho bubalino, que se integrou à paisagem marajoara e à Amazônia Legal, e responde por quase um quinto das exportações brasileiras de pescado. Quanto à questão da sustentabilidade, ele deixa muito a desejar.

É possível uma nova agricultura na Amazônia? No mesmo estudo, Homma (2013) observa: Defende-se a importância de desenvolver uma agricultura mais sustentável e gerar renda e emprego na Região Amazônica. A questão ambiental na Amazônia precisa sair da fantasia e buscar resultados concretos ao invés do culto ao atraso e de atender os interesses de determinadas ONGs, de instituições internacionais e de países desenvolvidos.

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Entende-se que a reduzida oferta de tecnologias agrícolas e ambientais, associada ao baixo nível de capital social, tem sido a causa e o efeito das atividades altamente dependentes da depredação dos recursos naturais na Amazônia. As pragas e doenças que afetam os cultivos na Amazônia constituem grandes desafios atuais e futuros (HOMMA, 2010). A despeito da exaltação da magnitude da biodiversidade futurística, os grandes mercados e a sobrevivência da população regional ainda vão depender dos atuais produtos tradicionais, representados pela biodiversidade exótica, como o rebanho bovino e bubalino, cultivos como cafeeiro, dendezeiro, soja, milho, algodão, pimenta-doreino, bananeira, procurar o pragmatismo, juta, coqueiro, laranjeira, entre os principais. A biodiversidade nativa ainda não ocupou parte relevante do seu potencial, que pode aliar a preservação ambiental, renda e qualidade de vida para os agricultores da Amazônia. A experiência da introdução das lavouras de juta e pimentado-reino pela imigração japonesa na Amazônia, duas plantas exóticas do sudeste asiático, na década de 1930, foi rapidamente absorvida pelos agricultores brasileiros. Essa e outras experiências indicam que os pequenos agricultores da Amazônia não são avessos a inovações, desde que preço e mercado sejam satisfatórios, mesmo em se tratando de cultivos de grande complexidade e, no caso citado, numa época em que não existia serviço de extensão rural. Por outro lado, a valorização e o crescimento do mercado do fruto de açaí incentivaram a conservação de açaizeiros, enquanto a Lei no 6.576/1978, proibindo a derrubada para obtenção de palmito, assinado pelo presidente Ernesto Geisel (1907-1996), não teve nenhum efeito.

Infraestrutura, base da integração regional A esta altura, cumpre questionar: qual o maior problema da Amazônia sul-americana? Grave deficiência de infraestrutura de transportes, portos, aeroportos, de comunicações. A integração das bacias fluviais permanece com seus projetos paralisados há décadas. Como destaca Machado (2009), para que esse imenso potencial venha a ser explorado há necessidade de infraestruturas de logística, especialmente as que possibilitam a conexão intermodal.

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Nesse sentido, acrescenta, como parte do grande programa referencial expressado pela IIRSA (Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana), já há em andamento várias iniciativas, como o Eixo Multimodal entre Manta (no Equador) e Manaus (no Amazonas); o projeto de conexão do porto fluvial no Rio Madeira (Porto Velho, Rondônia) com Bolívia e depois os portos marítimos do Chile; a rodovia de conexão de porto-aeroporto na costa pacífica do Peru (Paita-Piura) com Iquitos na região de Loreto, já na Bacia Amazônica; e outros. A Estrada do Pacífico, também conhecida como Rodovia Interoceânica, é uma estrada binacional ligando o noroeste do Brasil ao litoral sul do Peru, através do estado brasileiro do Acre. A parte da Estrada do Pacífico que fica dentro do território brasileiro é identificada como BR-317, enquanto no Peru é chamada apenas de Carretera Interoceanica.

Figura 5. Estradas na Pan-Amazônia. Fonte: Red Amazónica de Información Georreferenciada, 2012.

A Estrada do Pacífico é uma das diversas obras que fazem parte do “Eixo Peru-Bolívia-Brasil” da Iniciativa de Integração Regional Sul-

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Americana (IIRSA), que tem o objetivo de integrar a infraestrutura dos países do continente sul-americano. Além de rodovias, o eixo tem por objetivo construir uma infraestrutura de ferrovias e hidrovias que integre os sistemas de transporte do Brasil, Peru e Bolívia, com a conexão das estradas até a infraestrutura portuária peruana no Oceano Pacífico, permitindo a expansão do comércio desses países com a região da Ásia-Pacífico.

Figura 6. Rodovia do Pacífico (Carretera Interoceânica) desde Iñapari (Peru) com destino final a Lima.

No Brasil, tem início na BR-364, em Porto Velho (RO). No Estado do Acre prossegue pela rodovia BR-317, que passa por Rio Branco e vai até a tríplice fronteira com o Peru e Bolívia, cruzando as cidades de Assis Brasil, no Acre, e Iñapari, no Peru. No território peruano a Estrada do Pacífico se divide inicialmente em duas, uma em direção a oeste, que no Peru segue pela rodovia PE-030, desde Nazca, passando por Cuzco, até o porto de San Juan de Marcona. A outra rota, em direção ao sul, se subdivide em duas na região próxima ao Lago Titicaca, e segue pela PE-034 até o porto de Matarani, e pela PE-036 até o porto de Ilo.

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Figura 7. Rodovia do Pacífico (Carretera Inte­ roceânica): transporte rodoviário promovendo a integração Peru-Bolívia-Brasil.

A Carretera Interoceanica é, na realidade, a primeira etapa de um conjunto de rodovias ligando o Brasil aos portos peruanos do Oceano Pacífico, atravessando trechos do território peruano e boliviano no chamado “Eixo Peru-Bolívia-Brasil” de integração. Estão previstos ainda mais de 2.600 quilômetros de estradas, incluindo rotas que partem dos estados de Rondônia, Mato Grosso e Acre. Esse é um dos projetos mais ambiciosos da IIRSA e irá requerer investimento de mais de US$ 1,6 bilhão, dos quais parte significativa deverá ser financiada pelo Brasil.

Figura 8. Trechos sinuosos da Rodovia do Pacífico (Carretera Interoceânica) cruzando os Andes peruanos.

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Transcrevo a seguir algumas observações que, a meu pedido, o médico amazonense Horlando Araújo da Silva escreveu a respeito do estado da arte da “carretera del Pacifico”. Hoje aposentado, encontra-se residindo em Lima, e, portanto, descreve com propriedade e isenção a respeito dos pontos de estrangulamento apresentados pela rodovia que vem prejudicando muito seu uso comercial. Graves problemas emperram a rodovia do Pacífico Em final de dezembro de 2014 refiz a viagem pela Interoceânica no sentido Lima- Rio Branco (AC), que havia empreendido 6 anos antes quando a rodovia encontrava-se ainda em construção. Confesso que ao final da primeira jornada me enchi de entusiasmo com a perspectiva do novo caminho na rota Brasil/ Perú. Era um alento para nós da Região Amazônica podermos finalmente contar com uma saída terrestre para o Pacífico, uma vez que a Interoceânica criaria a necessidade de revitalizar nossa única ligação rodoviária (Manaus-Porto Velho), para fora dos limites manauenses. Além disso, seriam reabertos nossos caminhos para o resto do Brasil e finalmente o ganho que o país teria na abertura de Novas Fronteiras de Exportação de produtos agrícolas e demais commodities, fugindo da rota do Canal do Panamá. Infelizmente não foram essas realidades as que encontrei ao longo do trajeto percorrido atualmente. A solidez que aparentava na edificação do leito da rodovia revelou-se um somatório de trechos danificados, apesar do pouco tempo de uso da estrada. Verificam-se vários pontos de reconstrução das margens próximas a abismos. O que deveria ter sido prevenido, só agora está sendo “remendando”. Tais falhas ocasionam prolongadas interrupções no caminho dos viajantes e o aumento do tempo do percurso em proporções incalculáveis. Na realidade o que se nota é que a inauguração da estrada foi precipitada, imprudente e descabida. Deveriam ter observado o impacto que um empreendimento de tal monta causaria ao precário solo rochoso e frágil da Cordilheira Andina. Hoje a estrada apresenta diversos pontos de “derrumbles” (queda de rochas), que ocasionam interrupções na navegabilidade da rodovia. Outro aspecto observado, após sua inauguração, foi a “ favelização” das margens da rodovia. Ao invés de trazer progresso à região ao longo do leito da rodovia, o que se observa é o crescimento invasivo de favelas que estão se transformando em pequenas cidades,

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sem a menor infraestrutura para o apoio das populações que para lá vem se deslocando. Na verdade o que se vê é a aglutinação da miséria no interior dos núcleos populacionais em formação. Manaus, 15 de janeiro de 2015. Horlando Araújo da Silva, médico.

O cientista Djalma Batista, em “O Complexo da Amazônia – Análise do Processo de Desenvolvimento”, de 1976, aponta alternativas de ligações hidrorodoviárias capazes de contribuir fortemente para a integração da Amazônia sul-americana, como segue: a) com o oeste boliviano, através da rodovia Porto VelhoGuajará Mirim, que substituiu a decadente Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, e se prolonga até Manaus, através da BR-319, recém-construída; b) com a Bolívia e o Peru, na fronteira acreana, através da estrada que vai de Rio Branco a Brasileia (defronte de Cobija) e Assis Brasil (na tríplice fronteira); c) com o Peru, com a construção da estrada Cruzeiro do SulPucalpa, que completará a ligação rodoviária AtlânticoPacífico, pela Transamazônica (do lado brasileiro) e a Transandina peruana; d) através de via interoceânica, que deverá completar a ligação do Equador, da cidade de Puerto San Lorenzo, no Pacífico (já unida com a capital equatoriana por ferrocarril), até a cidade de Puerto Putumayo, à margem do rio do mesmo nome (que é o nosso Içá); esse projeto está aprovado, dependendo da construção de uma rodovia partindo de Quito até Putumayo (400 e tantos quilômetros) permitindo a ligação, pelo citado rio, afluente do Solimões, até Manaus (onde está a Zona Franca, aberta aos países limítrofes) e daí ao Atlântico. Não esquecer que a Amazônia equatoriana é produtora de petróleo que poderá ser refinado em Manaus; e) com a Colômbia, pela Perimetral Norte, de onde partiria um ramal até Mitu, agora suspenso, para se articular com a projetada Bogotá- Mitu. A Perimetral Norte se acercará de Letícia, no trecho que deverá alcançar Benjamin Constant; f) com a República da Guiana, completando a rodovia Boa Vista-Bonfim e de Lethem até Georgetown;

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g) com o Suriname, através do prolongamento da CuiabáSantarém, na margem esquerda do Amazonas, de Almeirim até Tiriós, na fralda do Tumucumaque, e da estrada de serviço, já em tráfego entre Oriximiná e o Alto Cuminá; h) com a Guiana Francesa, cuja fronteira já foi alcançada pela estrada Macapá-Oiapoque. Batista (2007) observa que tais projetos induzem à “intensificação dos trabalhos de aproximação diplomática, uma vez que as ligações hidrorodoviárias estão se estabelecendo aceleradamente, e é preciso continuar os estudos iniciados na Reunião dos Embaixadores Brasileiros nos países amazônicos (Manaus, 1966)”, precursora, portanto, do Tratado de Cooperação Amazônia (TCA), firmado em 1978, com o fim de promover ações conjuntas para o desenvolvimento harmônico da região. As ações conjuntas e a necessidade do estabelecimento das bases de um intercâmbio cultural e econômico, segundo Batista (2007), teriam como objetivos centrais: a) aproximar, da melhor maneira, os povos amazônicos; b) criar uma política de fronteiras que supere o problema de transferência de produtos brasileiros para os países vizinhos, e vice-versa, quebrando o mecanismo de contrabando que vigora intensamente e a todos prejudica; c) estudar questões em comum, especialmente de medicina e ecologia, para que se estabeleçam normas preservadoras da natureza de toda a Pan-Amazônia, evitando que se repitam os erros anteriores. Agora mesmo surgiu um problema médico-sanitário de importância para a Venezuela e o Brasil, a oncocercose, que se soma aos outros temas comuns; d) estabelecer, nos diversos países, mercado livre para os produtos próprios das várias Amazônias, estimulando, inclusive, a substituição de produtos de outra procedência pelos similares amazônicos; e) apoio à navegação fluvial e aérea, uma vez que embarcações e aviões brasileiros ligam diversas localidades fronteiriças e são elemento decisivo de aproximação e entendimento; f) atrair estudantes dos países vizinhos para as universidades do norte brasileiro e enviar os nossos para as universidades da Amazônia sul-americana;

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g) incentivar uma política de cooperação que conduza, tão cedo quanto possível, à formação de consciência amazônica. Extremamente importante que surja para que possamos progredir lado a lado. Como se pode observar, os ideais do cientista Batista, de desenvolvimento integrado da Pan-Amazônia, expressos em sua obra aqui analisada, de 1976, continuam vivos hoje, 2014, quase 40 anos depois. Renan Freitas Pinto, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), na apresentação da edição de 2007, salienta que Batista “procura destacar a relevância da questão ambiental buscando reunir argumentos, no passado e no presente, para demonstrar que continuaremos a pagar caro se as experiências visando o desenvolvimento regional não estiverem apoiadas em sólidos conhecimentos de sua diversidade natural e sociocultural”. Renan Freitas ressalta, a propósito, o papel insubstituível que reconhece nas instituições de ensino e pesquisa, em especial o papel reservado ao desenvolvimento das universidades regionais como principais agentes para uma mudança no modo de percebermos o papel do conhecimento e de sua difusão e aplicação. Não é possível, como insistia sempre Djalma Batista, modificar aquilo que não se conhece em profundidade.

Ações estruturantes Em seguida ao encontro da missão da província de Loreto mantido com o governo do Estado do Amazonas, ocorreu uma rodada de negociações com as classes empresariais na Federação das Indústrias do Amazonas (Fieam). Na ocasião, procedeu-se a uma análise crítica das ações comprometidas pelos países e ainda não implementadas. Iniciativas que precisam de esforços conjuntos de peso, tendo em vista torná-las efetivas ao esforço de integração da região. Dentre os pontos abordados, salientam-se os seguintes: a) ligação aérea e fluvial com Iquitos, com o estabelecimento de condições de navegabilidade com Tabatinga; b) modernização das instalações portuárias de Iquitos – Implantação do Terminal Alfandegário na cidade sob responsabilidade da iniciativa privada; c) por meio de acordo de governo, estabelecer política de subsídios ao custo de combustíveis de Manaus a Iquitos;

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d) avançar negociações entre os governos do Peru, Equador e Brasil com vistas às obras de implantação de uma eclusa e assim permitir condições de navegabilidade Rio Napo/Rio Amazonas, e a construção da Central Hidroelétrica de MazánIquitos com capacidade instalada de produção estimada em 540 MW (Iquitos consome 60 MW).

Rota Interoceânica com Marco Zero em Manaus De acordo com Maria (2014), a rota interoceânica projetada para interligar o Brasil ao Peru e Equador, e abrindo caminho direto para a Europa e Ásia, voltou à pauta do dia. Empresários do setor de transportes e logística, aliados à Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam) e autoridades peruanas articularam uma estratégia específica para fortalecer o projeto de implantação dessa rota interoceânica, com marco zero no Porto de Manaus, passando pelo Porto de Iquitos, no Peru, até chegar ao outro extremo, Porto de Manta no Equador. Maria (2014) destaca, por fim, que, segundo a Câmara Interamericana de Transportes, uma comitiva de peruanos do governo de Loreto, junto com a Fieam, mantém tratativas para abrir uma rota internacional, ligando pelo lado brasileiro os nossos interesses pelo Porto de Iquitos, no Peru, e de lá para a frente o transporte feito pelos nacionais do Equador, ligando Iquitos a Manta, e do Peru ligando Iquitos aos três portos peruanos. A rota em referência está representada no mapa a seguir (Figura 9):

Figura 9. Rota Interoceânica Marco Zero Manaus. Fonte: Maria, 2014.

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De outra parte, o empresário Antonio Silva, presidente da Federação das Indústrias do Amazonas, em editorial da revista Fieam Notícias (maio/junho de 2014), dá conta de que a ampliação dos laços comerciais do país é vital para o aumento da competitividade e a consequente melhoria do ambiente produtivo em um mundo globalizado. Para o Amazonas, que possui um parque industrial com produção de padrão mundial, a possibilidade de atingir novos mercados é um passo gigantesco a ser dado diante dos grandes desafios logísticos a serem enfrentados. O interesse da Confederação Nacional da Indústria em estabelecer um acordo entre o Mercosul e a União Europeia é compartilhado com o governo brasileiro, de modo a abrir novas oportunidades com a derrubada de barreiras comerciais para facilitar o intercâmbio de produtos e serviços. A despeito das dificuldades enfrentadas na integração do próprio Mercosul, prossegue Silva (2014), a iniciativa é um caminho sem volta, ainda que com a lentidão característica desses acordos internacionais. O estreitamento do intercâmbio entre países vizinhos, como a Venezuela, que passou a integrar o bloco econômico, além do Peru e da Argentina, é positivo para a economia do Amazonas, especialmente a indústria, que tem nesses países os principais destinos das exportações das empresas do Polo Industrial de Manaus. O editorial de Silva informa ainda que, para a indústria implantada no Amazonas conseguir ampliar o destino dos seus produtos para além das fronteiras brasileiras, é necessário que os projetos de infraestrutura avancem, especialmente aqueles voltados a facilitar o escoamento dos produtos. De fato, a Fieam tem feito esforços no sentido de abrir os horizontes da indústria local, ao receber as missões de países com grande potencial para os negócios. Um dos exemplos foi a visita a Manaus de uma delegação de empresários do Peru, que resultou em outra missão de representantes da indústria e do comércio local àquele país, por ser importante canal de acesso a outros países da América do Sul e uma ponte para a rota da Ásia, através do Pacífico. A vinda de uma comitiva de empresários peruanos para a Transpo Amazônia foi mais um passo para que as negociações bilaterais avancem no estabelecimento da rota comercial fluvial entre Manaus e Iquitos, com vista a ampliar a atividade econômica do Amazonas estimulada pela indústria. A Transpo Amazônia – Feira e Congresso Internacional de Transporte e Logística, com 106 estandes, realizou-se em Manaus

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no período de 21 a 23 de maio de 2014. Teve por objetivo discutir alternativas aos entraves logísticos, facilitando a realização de negócios na região pan-amazônica. Em evento ocorrido na sexta-feira (24), a Fetramaz (Federação das Empresas de Logística, Transporte e Agenciamento de Cargas da Amazônia) lançou as bases da feira, que a exemplo do realizado em 2012, será voltada à cadeia de transportes e de logística: rodoviário, aquaviário e aéreo. Na edição 2014, a feira contou com maior participação e no quesito transporte rodoviário, as apostas do setor recaíram sobre a BR-163 (Santarém-Cuiabá) e o pleno funcionamento do entreposto da ZFM na cidade paraense de Santarém. Todas as ações se processam na direção de reduzir riscos e custos, beneficiando toda a cadeia produtiva da região. Em relação ao transporte aéreo, os organizadores da feira esperam diminuir alguns entraves burocráticos, como a redução dos custos operacionais. Embora mais caro, o transporte aéreo é mais funcional. Os organizadores da feira consideram que o setor terá dado importante passo rumo ao seu fortalecimento, conseguindo reduzir custos e a burocracia.

Peru oferece alternativa para transporte de cargas na rota Amazonas-Ásia1 A perspectiva de que o Peru venha a se tornar uma das rotas preferenciais entre a Ásia e a Zona Franca de Manaus tem-se tornado cada dia mais viável. Estudos do Consulado Geral peruano em Manaus indicam que, pelas rotas em teste é possível baixar o valor do frete de um container, que custa US$ 5,9 mil para US$ 5 mil, e também diminuir o tempo de 45 dias para 30 dias, no transporte de cargas da China para Manaus, através de portos peruanos, com a utilização da Carretera Interoceânica e rotas fluviais. De acordo com o cônsul geral do Peru, Eduardo Rivoldi, a rota permite o aprimoramento das relações comerciais bilaterais entre o Brasil e Peru, através de uma logística eficaz pelo Pacífico, para viabilizar as relações comerciais entre o Amazonas e a Ásia, continente onde estão localizados os maiores fornecedores de insumos industriais para a Zona Franca de Manaus (ZFM). A estrada Matéria publicada no Jornal do Commercio, de Manaus (AM) em 17/08/2014.

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interoceânica é o primeiro eixo multimodal Atlântico-Pacífico na América do Sul. Além de favorecer a integração sul-americana, a circulação de pessoas, o turismo e o comércio bilateral entre o Brasil e o Peru, garante o acesso dos produtos peruanos ao Oceano Atlântico e o acesso dos produtos brasileiros, inclusive os produzidos no Polo Industrial de Manaus (PIM) ao Oceano Pacífico. Segundo Rivoldi, o intercâmbio entre Brasil e Peru caiu 10,8% entre janeiro e abril de 2014 por conta de restrições comerciais. As exportações peruanas para o Brasil somaram US$ 487,6 milhões no primeiro quadrimestre, valor inferior ao registrado no mesmo período de 2013. De acordo com a Associação Peruana de Exportadores (Adex), por problemas criados pelo Brasil. A Adex observou que a exportação de cobre para o mercado brasileiro diminuiu significativamente, e ela representa 34% do total das exportações do Peru para o Brasil. No entanto, houve retrocesso também em setores como a pesca tradicional e não tradicional, mineração e no setor metal-mecânico. Os peruanos reclamam ainda que o Brasil mantém medidas paratarifárias que freiam o livre comércio com outros países. Segundo o Trade Alert das Nações Unidas, o Brasil adota 251 barreiras comerciais. Alguns importantes entraves respondem pela dificuldade de decolar o resultado comercial proporcionado pela Interoceânica. A primeira é que não há acordos para que o cruzamento de fronteira seja mais organizado. Transportadoras alegam que para cruzar a borderline é necessário apresentar certificado de febre amarela, além de proceder à imigração na fronteira Peru-Brasil e logo em seguida de novo em Rio Branco, capital acreana, além dos registros da alfândega. “O trâmite é complexo, oneroso e demorado. Às vezes, argumentam razões fitossanitárias e somos impedidos de cruzar a fronteira com a mercadoria. Aqui, o único beneficiado é o narcotráfico, que agora ficou com a estrada expressa”, desabafou o transportador. A segunda razão alegada é que, na teoria, fica barato levar a carga do Brasil aos portos peruanos, mas como o veículo que leva a carga ostuma retornar vazio, pois o país vizinho exporta bem menos, o frete torna-se caro. A Adex informou que a balança comercial foi negativa para o Peru em cerca de US$ 153 milhões, no primeiro quadrimestre de 2014. Por último, os motoristas brasileiros enfrentam dificuldades em dirigir seus caminhões e carretas pelas estreitas estradas andinas

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peruanas no trecho que vai para Juliaca, no sul do país, onde algumas curvas são tão estreitas, que até os ônibus de passageiros enfrentam dificuldades em passar. Apesar da contração no primeiro quadrimestre de 2014, o Brasil segue como sexto principal destino das exportações peruanas, depois da China, Estados Unidos, Suíça, Canadá e Japão. O país concentra 4% do total das exportações peruanas. No ranking de produtos exportados para o Brasil, depois do cobre, seguem a gasolina, minérios em geral, carburadores, azeitonas, e algodão com destaque para camisetas T-shirts. Para a Adex, o potencial comercial entre Brasil e Peru poderia ultrapassar US$ 1 bilhão. A instituição acredita que ainda há muito para se aproveitar emrelação aos subsetores químico, agropecuário, agroindustrial, mineração não metálica, siderurgia, pesca, têxtil e madeiras. Os produtos que o Brasil mais importa do Peru são medicamentos, pneus para caminhões, polipropileno, preparações alimentícias, feijão, perfumes e preparações para maquiagem.

Organização produtiva São frágeis os laços que impulsionam as relações produtivas na Pan-Amazônia. Por isso mesmo a região, repetindo erros e omissões do passado, não avança, mantém-se presa a relações comerciais pouco significativas. E assim não constrói uma agenda desenvolvimentista, nem consegue promover a integração econômica e social plena das nações que a integram. Sabe-se o quanto são ricos os territórios no que pertine à potencialidade de sua biodiversidade, como mencionado em diversos capítulos desta obra. Riquezas essas que, contraditoriamente, não conseguem se transformar em produtos de aceitação internacional, avidamente demandados por mercados os mais diversos, posto que fortemente valorizados caso viessem a aplicar em suas embalagens o selo Amazônia. Segundo Becker (2011), desprovida que é de cadeias produtivas completas e de uma rede de cidades que impulsionem a economia e a integração, nela dominam ainda os processos de expansão da fronteira móvel destruindo a natureza. Contrapondo-se ao “modo de uso” tradicional, que se baseia na exploração indiscriminada de seus recursos, Becker acredita numa mudança de paradigma em substituição

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aos modos de uso do território baseado em formas de produção e ecossistemas distintos. Um uso atual comandado por grandes conglomerados internacionais e nacionais, baseados em poderosa logística que visa expandir continuamente a produção reduzindo os custos de transporte. Em sua contraposição, o uso que aponta para o futuro, com um modelo capaz de gerar renda e trabalho sem destruir a floresta, o que só poderá ser conseguido com o adequado uso de CT/I e de instituições de fins ajustados a esses desafios. Corrigir os déficits estruturais da Pan-Amazônia depende fundamentalmente do tripé: mais pesquisas, mais cooperação, mais conhecimento. Um dos caminhos apontados pelo embaixador brasileiro João Clemente Baena Soares, durante o Encontro da OTCA (novembro de 2011) em Manaus (SOARES, 2011), pressupõe a implantação com amplas e modernas condições operacionais da Universidade Amazônica. Teria a função primordial de promover a governabilidade do sistema de pesquisa, desenvolvimento e inovação (CT/I) e a integração dos trabalhos das universidades de todos os países em operação na área. O ex-secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) foi mais além ao observar que o tempo amazônico é próprio, particular e único. Nesse sentido, precisa ser acelerado tendo em vista que nesta região tudo é urgente, muito embora o tempo continue passando plácida e preguiçosamente, ao que tudo leva a crer. Exemplo expressivo desse marasmo: a navegabilidade dos rios amazônicos que prossegue sem avanços de expressão, prejudicando fortemente o processo de integração da região. Como solucionar o problema? A universidade pode dar as respostas. Enquanto não se investe seriamente no conhecimento e na pesquisa, avultam problemas como os relacionados à baixa eficiência do preparo de gerações para pensar e equacionar o futuro da região. Não se tem noção precisa de qual o modelo mais apropriado institucionalmente e exequível economicamente capaz de promover o desenvolvimento regional. Um desafio comum a todos os países da Amazônia sul-americana. As carências abrangem desde a fragilidade dos sistemas políticos, que por isso mesmo mantêm frágil comprometimento com a governança social, econômica e tecnológica dos organismos multinacionais aqui atuantes. Exemplos citados em documentos do Inpa: A Amazônia brasileira abriga aproximados 4.000 doutores fixados na região, contudo, mais de 50% das pesquisas publicadas no mundo sobre a região não são elaboradas por autores brasileiros.

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A Pan-Amazônia, tendo em vista promover sua plena integração, necessita enfim de que, paralelamente à Universidade, seja criado órgão de cooperação para o meio ambiente nos moldes do IPCC, da ONU, acreditam diplomatas do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Tal organismo se encarregaria de estudar profundamente a questão e que, desta forma, seja capaz de prever evoluções e impactos ao meio ambiente. Por conseguinte, a visão de Amazônia tem de ser da unidade regional como um todo. Globalizada a partir de estudos dos cientistas em conjunto e o estabelecimento de posições coletivas, o que pressupõe efetivo processo de capilaridade no tocante a informações e ações entre as entidades de ensino e pesquisa da região.

Valor econômico da Amazônia Creio pertinente, a essa altura, ocupar-se desse aspecto, na verdade muito pouco explorado academicamente. Mário Ramos Ribeiro2 foi fundo na análise de qual efetivamente seria a grandeza econômica e ambiental da região. Ele escreveu importante artigo a respeito, no qual informa que, desde o Congresso Internacional para a Proteção da Natureza, realizado em Paris em 1923, que a questão de como medir o valor dos serviços ambientais tem preocupado cientistas e autoridades públicas. Entretanto, pondera, muito pouco se avançou política e institucionalmente no assunto desde então, “o que deu margem para que o tema passasse a ser visto como esquisitice de visionários ou de desocupados anarquistas” (RIBEIRO, 2013). Ribeiro (2013) considera que a ineficiência do debate gerou resultados científicos voltados exclusivamente para o enfrentamento apenas das externalidades negativas de projetos poluidores (toda a legislação brasileira e parte considerável da literatura ainda hoje utilizada nos cursos de economia ambiental se limitam a questões como poluição e degradação de recursos ambientais renováveis); os projetos exaustores, basicamente aqueles que atuam no extrativismo dos recursos naturais não renováveis, sequer foram corretamente positivados em lei ou mesmo adequadamente contabilizados, seja social, seja corporativamente. Com muita propriedade, Ribeiro (2013) joga no ar a questão: qual é o Produto Interno Bruto da Amazônia Ambientalmente Ajustado, ou simplesmente o nosso “PIB verde”? Vai mais adiante: Seria ao Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), docente da Universidade da Amazônia (Unama) e da Universidade Federal do Pará (UFPA), consultor em Economia e Finanças Empresarias.

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menos calculado? E se o for, com que periodicidade mensal, anual? E para que serve? Alguém sabe informar qual é o melhor indicador de desenvolvimento economicamente sustentável? O problema é mais grave do que parece. Ribeiro (2013) é enfático ao afirmar, em sua análise: a) não calculamos o nosso PIB verde nem mesmo sabemos dizer qual o melhor critério para medir o bem-estar social de uma região dependente da extração de recursos naturais finitos: renda (fluxo) ou riqueza (estoque); b) qual o valor dos serviços prestados pelos nossos ecossistemas? Aliás, quais são mesmo os nossos ecossistemas? Se já foram mapeados, então como devemos precificá-los? c) nossa microeconomia ambiental é razoável, mas não temos uma macroeconomia do meio ambiente. Mais ainda. Segundo o professor da UFPA (RIBEIRO, 2013), Não distinguimos o particular do coletivo: contemplamos a árvore, mas nada sabemos sobre a floresta. O exemplo clássico vem da atividade mineradora: um projeto pode estar aderente ao texto legal positivado, porém, como não temos nenhum método para precificar o ativo meio ambiente, existe sempre a possibilidade de que, uma vez exaurida a mina – ‘o’ insumo por excelência mineração – a renda da região venha a desabar! No singular podemos até tentar falar, mas no plural, a nossa gramática é paupérrima!

A análise de Ribeiro (2013) é ainda mais abrangente quando ele ressalta: A lerdeza é grande, pois o Banco Mundial, a OCDE e diversas universidades no mundo inteiro já estão resolvendo estas três questões desde o início dos anos 90: inicialmente através da Contabilidade Econômica Ambiental (EEA – da sigla em inglês) para cada país, feita em 1993; e a partir de 2003 passando a usar uma tecnologia especial da matriz-insumo produto que incorpora o conceito de sustentabilidade: a Contabilidade Econômica Ambientalmente Sustentável (SEEA – da sigla em inglês), cujo principal subproduto é justamente o cálculo do indicador de sustentabilidade ambiental, a taxa poupança genuína, ou poupança líquida ajustada (PLA).

Segundo Ribeiro (2013),

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a PLA é o termômetro do crescimento sustentável, pois mede e precifica o valor dos recursos não renováveis que estão sendo exauridos. No caso da Região Amazônica, a PLA nos diria se a exploração do nosso capital natural (digamos, uma mina) está gerando ou não outros ativos que possam substituir, no futuro, o capital natural consumido hoje, garantindo assim que a renda social da economia dependente da atividade mineradora não venha a desaparecer no amanhã, como na fábula da cigarra e da formiga.

Ao concluir a análise desse importantíssimo aspecto da economia amazônica, assegura Ribeiro (2013): Na questão ambiental amazônica, precificar o ativo meio ambiente é um imperativo ético de equidade entre gerações de hoje e do futuro, um desafio à nossa capacidade de enfrentar um futuro pouco auspicioso e a melhor alternativa técnica – hoje já disponível – para escapar da maldição dos recursos naturais.

Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) Segundo o embaixador Patriota (2011), ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil, em 1978, quase 10 anos antes de o relatório Nosso Futuro Comum da ONU consagrar o conceito de desenvolvimento sustentável, oito países sul-americanos reuniam-se, por iniciativa brasileira, com o objetivo de promover o desenvolvimento harmônico da Amazônia e de suas populações. Desse encontro, resultou a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA). Vinte anos depois, era criada a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), única organização internacional multilateral sediada no Brasil, buscando fortalecer a implementação dos propósitos do TCA. A Amazônia é, assim, a única região do planeta a contar com uma organização internacional própria, formada pelos Estados que partilham seu território (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) e dedicada à sua conservação e ao bem-estar de suas populações. É um exemplo de grupo regional que, desde a origem, firmou-se como bloco socioambiental (PATRIOTA, 2011).

A Região Amazônica, portanto,

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é peça-chave na criação de um modelo próprio de integração e desenvolvimento na América do Sul. O gigantismo inerente à Amazônia – a maior floresta megadiversa do mundo, ocupando 40% do território sul-americano e habitat de 20% de todas as espécies de fauna e flora existentes – nos coloca diante de desafios e oportunidades que requerem renovado sentido de responsabilidade (PATRIOTA, 2011).

Salienta Patriota (2011) que a população amazônica permanece dispersa, cercada de recursos naturais de alto valor econômico e ambiental, mas vivendo, ainda, em precárias condições de saúde, educação e trabalho. Apesar de progressos na redução do desmatamento, é necessário intensificar esforços nessa direção, bem como em relação à proteção da biodiversidade e à repartição dos benefícios advindos de seu uso. Cientes de que desafios compartilhados exigem soluções conjuntas e imbuídos do sentido de urgência de proteger o patrimônio biogenético e social da Amazônia, os presidentes amazônicos, reunidos em Manaus em 2009, anunciaram o relançamento da OTCA. Desde então, foi aprovada nova agenda estratégica para a cooperação amazônica e o aumento das contribuições anuais à organização, o que lhe dará maior capacidade de financiar projetos em áreas como meio ambiente, assuntos indígenas, saúde e turismo. No dia 22 de novembro de 2011 foi realizada, novamente em Manaus, a XI Reunião de Chanceleres da OTCA com o objetivo de dar “mais um passo para conferir maior dinamismo e autoridade política à organização”. E desta maneira buscar formas de contribuição ao êxito da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), levada a efeito em 2012, e sobre a possibilidade de que o Fundo Amazônia possa financiar projetos de monitoramento. Outra proposta analisada em Manaus consistiu da “criação do Observatório Amazônico, para fomentar a produção e o uso social do conhecimento científico sobre a biodiversidade da região. Esse esforço de concertação é exemplo de contribuição que a OTCA tem a oferecer à governança ambiental global”. Motivando todas essas iniciativas, de acordo com o ministro está a crença de que o conhecimento compartilhado e a inclusão tecnológica e ambiental das populações amazônicas são o caminho para a concepção de um novo padrão regional de desenvolvimento – sustentável e inclusivo. O compromisso com o desenvolvimento sustentável e a solida­ riedade, na visão do Itamaraty, configura as bases do relacionamento

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do Brasil com os países vizinhos em relação a projetos de cooperação amazônica. É com o fortalecimento da OTCA que será viabilizada uma Amazônia mais desenvolvida e justa, que dará ao mundo exemplo de sustentabilidade e de solidariedade na cooperação entre países irmãos, conclui o embaixador Patriota (2011). O Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), segundo estudos publicados pelo Itamaraty e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), reforça o conceito de nacional e explicita a necessidade de que a Amazônia seja integrada à economia dos países-membros. Datam dessa época, por exemplo, políticas e programas do Brasil para incrementar a migração interna em direção a essa região. Mas também, em certa medida, o documento ecoa os resultados da Conferência de Estocolmo, de 1972. A Amazônia, com efeito, já era vista, vale dizer, como uma das regiões privilegiadas em matéria de política ambiental. Hoje, prossegue o documento do Itamaraty, estão em execução relevantes programas como o Sistema de Vigilância Ambiental da Amazônia e o Programas, OTCA Biodiversidade, ambos com apoio do BID, e o Programa Regional Amazônia com financiamento das Agências de Fomento da Alemanha e da Holanda. Outros projetos prioritários estão sendo elaborados, como o de Gestão de Recursos Hídricos, com financiamento do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF)3, e o de Monitoramento da Cobertura Florestal, que conta com apoio da Organização Internacional de Madeiras Tropicais (OIMT), e consiste na capacitação de técnicos de todos os países para a implementação dos sistemas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de monitoramento de desmatamento, incluindo a transferência da tecnologia brasileira, como o sistema de informática denominado TerraAmazon. Enfim, conforme Becker (2011), está na hora de implementar uma revolução científico-tecnológica na Amazônia que estabeleça cadeias tecnoprodutivas com base na biodiversidade, desde as comunidades da floresta até os centros de tecnologia avançadas. Esse é o desafio fundamental hoje, que será maior com a integração da Amazônia sul-americana. Ainda de acordo com estudos da OTCA, a verdadeira riqueza representada pela biodiversidade e pelos recursos hídricos configura ativo estratégico para o desenvolvimento dos países amazônicos. No entanto, essa riqueza somente será plenamente colocada a serviço dos países da região, se souberem utilizá-la como Global Environmental Facility.

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alavanca para conectar-se à economia do conhecimento, o que passa necessariamente pelo desenvolvimento científico, tecnológico e pela inovação. Igualmente, segundo o perfil traçado pela OTCA no documento anteriormente citado, a proteção dos conhecimentos tradicionais dos povos amazônicos, o estímulo à pesquisa local e à inovação, a geração de uma massa crítica de centros de investigação sobre biodiversidade e seus usos em processos produtivos em diversas indústrias, melhor sistema de incentivo no registro de patentes amazônicas e de gestão e proteção do conhecimento gerado localmente deveriam ser foco de atenção prioritária da cooperação no âmbito da OTCA, com efetiva e integral participação dos países membros.

Desafios e oportunidades para a cooperação amazônica No período de 23 a 24 de novembro de 2011, realizou-se em Manaus o seminário Desafios e Oportunidades da Cooperação Amazônica, ocasião em foram discutidos assuntos de importância central para o futuro da OTCA. Dentre os temas constantes da agenda: o valor estratégico da Amazônia, a participação da sociedade amazônica, a Amazônia no cenário internacional e a organização de um modelo econômico sustentável para a região. Esteve presente a cúpula do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MME) ligada à OTCA, além de especialistas que se ocupam da temática Amazônia. O seminário apresentou algumas falhas que certamente comprometeram sua eficácia. A primeira delas, rara presença de ministros das Relações Exteriores ou diplomatas representantes dos países integrantes da OTCA. Igualmente, a sociedade tão-pouco tomou conhecimento do evento, daí sua razoavelmente baixa afluência. A concepção de um evento fechado, restrito à comunidade oficial do Tratado, pode ser um sinal de distanciamento bastante prejudicial. Evidentemente, não creio que esse seja a política, porém a realidade é que pouca gente tem uma noção precisa da existência da OTCA. Ora, como então pretender que a entidade represente anseios e expectativas da sociedade amazônica? Síntese do quadro ora apontado foi apresentado pela jornalista Vieira (2011), do jornal A Crítica, de Manaus, em primoroso artigo “O Que Quer a OTCA?” publicado em sua coluna semanal. Sua análise

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parte da premissa de que a reunião de Manaus constituiu um teste para o governo do Brasil de levar adiante compromissos firmados em anos anteriores, mas colocados, segundo escreveu, na gaveta do esquecimento. Uma espécie de fazer de conta “que questões sérias estão sendo vistas, avaliadas e decisões sobre elas estão sendo tomadas pelos governos dos oito países amazônicos”, avalia Vieira. A matéria é complexa, pois não se tem noção exata das ações da OTCA em cada um dos países membros (Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Guiana, Suriname e Venezuela). As observações de Vieira (2011) são procedentes quando questiona que, até agora, os ensaios feitos na região tiveram como ênfase articulada internacionalmente o combate ao narcotráfico, e em nome dele organizadas gigantescas operações. O narcotráfico, pondera, é um dos dados da realidade panamazônica, mas não pode ser apenas ele. A OTCA tem possibilidades de promoção da ciência e tecnologia nesses países para ser mais um instrumento de impulsão de uma política – ainda não percebida – nas áreas de educação, da saúde, dos transportes, a respeito da promoção das culturas dos povos desse imenso território. Se o motor da criação da OTCA, observa Vieira (2011), é o desenvolvimento sustentável da região, então é preciso valer esse princípio. Nas diferenças e divergências que marcam os oito países membros do tratado, um ponto em comum é a urgência do reposicionamento geopolítico. Os números dos bolsões de miseráveis, de mulheres e crianças exploradas é traço marcado nessa realidade pan-amazônica. A lógica do desenvolvimento posta em prática tem se revelado uma violação dos direitos dos povos originários e precisa ser superada. Esses problemas foram debatidos em profundidade. Não se questiona o nível dos expositores e debatedores, evidentemente. Porém, quando se constata, conforme discutido no seminário, que um dos maiores desafios da OTCA diz respeito à criação de soluções para o combate à pobreza e à desigualdade social, e que esses mesmos problemas, em vez de se reduzirem recrudescem, ampliam-se, exacerbam-se, ressalta-se, com efeito, a necessidade de questionar a eficácia do trabalho da organização nesse campo. O ministro das Relações Exteriores do Brasil (PATRIOTA, 2011) anunciou na ocasião a realização de estudos que levem em conta formas de financiamento de ações voltadas à inclusão social, combate à fome e à pobreza. Igualmente, o Itamaraty defendeu a produção de

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capital intelectual nativo. Torna-se imprescindível nesse sentido que se criem mecanismos integrados em todos os países para a produção de conhecimento sobre a biodiversidade amazônica, com o fortalecimento da Coordenadoria de Ciência e Tecnologia da OTCA. Tal ação significa, na prática, promover a governança do sistema de Ensino e de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) da região. Como já observado no início deste estudo, é inconcebível o distanciamento existente entre a universidade e as entidades de pesquisa da região. Enorme e inadiável responsabilidade a ser assumida. De fato, ou os governos trabalham nessa direção, ou a desejável integração regional jamais passará de sonho de uma noite de verão, conduzindo ao fracasso, com efeito, um dos pilares basilares do Tratado. A XI Reunião de Ministros das Relações Exteriores dos países Membros da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), reunida no dia 22 de agosto de 2011, durante o seminário, tomou uma série de decisões importantes. Assim, dentre outros, considerando os a seguir relacionados: conscientes de que o atual processo de cooperação entre os países da Região Amazônica e de seus povos deve levar em conta os aspectos econômicos, sociais e ambientais do desenvolvimento sustentável; ou o que, convencidos da necessidade de promover maiores avanços nas áreas de ciência, tecnologia e inovação, a fim de viabilizar a conservação e o uso sustentável da biodiversidade amazônica; ou ainda, seguros da importância de adotar medidas que impulsionem o papel renovado da OTCA como instrumento de cooperação, de intercâmbio e de projeção conjunta dos países membros, para fazer frente aos novos desafios internacionais, o Foro dos Ministros se comprometeu a adotar um elenco de 28 medidas operacionais. Dada a extensão do documento, não será possível reproduzi-lo aqui. Pode, no entanto, facilmente ser acessado na página eletrônica da OTCA via Google. Há outras contradições importantes no modo de operacionalização das ações que moveram a criação da OTCA. A definição de sua sede em Brasília é uma delas. Por que na capital federal do Brasil e não em Manaus, Belém, Rio Branco, Porto Velho ou Boa Vista, Letícia, Iquitos ou Quito? Certamente, esse fator geográfico dá a noção de que a organização pode vir a ser vítima do aparato burocrático que sufoca e aprisiona órgãos públicos. Seja no Brasil, no Peru, no Suriname ou na Venezuela. A realidade é uma só. Sediada na Amazônia, a sociedade

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local poderia dela tomar conhecimento, participar de maneira mais próxima e efetiva e assim conhecer seus propósitos, objetivos e metas de curto, médio e longo prazo. Se levada a efeito pesquisa junto aos peruanos, guianenses, equatorianos, colombianos, bolivianos, venezuelanos ou brasileiros, mais de 95% certamente informarão não dispor da mínima noção da existência da OTCA. A semelhante resultado provavelmente se chegará formulando essa consulta junto à imprensa, à universidade ou aos centros de pesquisa. É bem relevante o grau de desconhe­cimento sobre a entidade. A realidade aponta de modo inequívoco a necessidade de serem dados passos nessa direção como condição básica para tornar visível, realista e eficaz a ação da OTCA. Provavelmente, todos temos consciência de que a ausência dessa precondição vai manter a entidade e seus propósitos rodando em círculos, impossibilitada de encontrar a porta de saída para os problemas que mantêm na pobreza este imenso e rico território.

Considerações finais A Amazônia sul-americana é, sem dúvida, o desafio maior do mundo contemporâneo. No século XXI, semelhante ao contorno do Cabo da Boa Esperança, à consolidação da circunavegação e ao estabelecimento de relações comerciais com o Oriente, que se processaram no século XVI. Diante das questões levantadas neste estudo, pode-se concluir o seguinte: a) A Pan-Amazônia deve aproveitar as sinergias proporcionadas por cada país membro e promover a plena integração cultural, social, técnico-científica, educacional e econômica. b) Somente esse relacionamento compartido vai proporcionar meios de cooperação e avanços nos diversos campos de atividades. c) O alcance desse objetivo pressupõe o desenvolvimento de esforços máximos visando à integração do ensino, das universidades e dos centros de pesquisa em busca de soluções comuns que digam respeito às expectativas da região em relação à saúde pública, biotecnologia, nanotecnologia, a produtos em geral de nossa biodiversidade, e ao turismo ecológico.

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d) Mais ainda, conforme salienta o professor Zarate Botía (2013), “nos últimos anos têm surgido várias propostas para a implantação de uma Universidade Pan-Amazônica, criando novas instituições de ensino superior na fronteira ou a possibilidade de fortalecer as existentes”. e) O estado brasileiro do Amazonas tem a grande responsabilidade de cooperar mais intensamente nessa direção por meio da reformulação curricular e implantação de centros de pesquisa e desenvolvimento nas unidades fronteiriças da UEA – Universidade do Estado do Amazonas e a Ufam – Universidade Federal do Amazonas, de sorte a fazer face às assimetrias da região de forma integrada com as demais universidades da Pan-Amazônia. f) Torna-se inadiável a promoção dos investimentos governamentais e oriundos de parcerias público privadas com vistas a solucionar a logística de transporte, e assim promover a integração da Bacia Amazônica unindo Equador, Peru e Brasil. g) A comunidade pan-amazônica insta os governos dos oito países signatários do Tratado de Cooperação Pan-Amazônica (TCA) a dar conta dos 28 pontos do Compromisso de Manaus, resultante da XI Reunião de Ministros das Relações Exteriores dos países membros da OTCA realizada em Manaus, Amazonas, em 22 de novembro de 2011, especialmente no que concerne aos seguintes compromissos: i. Ponto 7 – Promover a mobilidade acadêmica entre estudantes e docentes de instituições educativas da Região Amazônica, estabelecendo um Programa Regional de Intercâmbio, para fortalecer a cooperação no âmbito educacional entre os países membros. Nesse sentido instruem a Secretaria Permanente da OTCA a elaborar, em 2012, um Guia de Oferta Acadêmica da Região Amazônica. ii. Ponto 8 – Apoiar a criação da Universidade Pan-Amazônica. iii. Ponto 9 – Intensificar ações de cooperação nas áreas de inovação e tecnologia e, de conformidade com o estabelecido na Reunião Regional de Puyo, Equador, em junho de 2011, desenvolver um sistema de informação que sobre a Amazônia realizam as instituições nacionais

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e regionais; e promover a inclusão dos conhecimentos ancestrais e as práticas comunitárias e locais dos povos indígenas. iv. iii.1 – Nesse contexto, instruem a Secretaria Permanente a proceder à implementação do “Observatório Amazônico”, foro permanente que reunirá instituições e autoridades relacionadas ao tema, com ênfase no estudo da biodiversidade amazônica. v. Ponto 10 – Instruir a Secretaria Permanente a realizar ações necessárias ao lançamento simultâneo dos três circuitos de turismo amazônicos: “Amazon – Pacífico – Andes Route”, “Amazon Caribbean Tourismo Trail” e “Amazon Water Route”, que deveriam ter sido apresentados na Feira Internacional de Turismo em Berlim e a participação na Feira de Turismo em Santa Cruz de la Sierra, em 2012, respectivamente, conforme aprovado na II Reunião Regional de Países Amazônicos de Turismo, efetuada em Zamora, Equador, em setembro de 2011. h) Por consenso entre os países membros, transferir a sede da OTCA de Brasília para Manaus, Amazonas.

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Amazônia já é verde: precisa é de uma base econômica que assim a mantenha1 Bertha K. Becker

Original publicado disponível em: . Acesso em: 10 out. 2014.

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Abordar o futuro é uma ousadia, ainda mais tratando-se da Amazônia, o que compõe duas temáticas que são foco de grandes controvérsias. O futuro, assim como a Amazônia e os conceitos em geral, ganham novos significados ao longo da história. Quais seus significados atuais? Há que entendê-los para definir a orientação da pesquisa que se quer, ressalvando que se trata de um significado dentre muitos que podem existir.

Premissas: sobre o futuro e sobre a Amazônia Assume-se aqui a definição de futuro proposta por David Harvey em seu livro “A Condição Pós-Moderna” (1980). Futuro é uma construção humana baseada em um poderoso recurso estratégico que é a imaginação; imaginação que permite entrelaçar a rigidez do racionalestratégico com a flexibilidade do emocional-aleatório; imaginação que não se reduz a exercícios de devaneio mas, sim, constitui uma forma de consciência espacial. Pensar o futuro é tomar consciência da delicada e complexa relação entre o espaço, o tempo, e a sensibilidade humana. No caso, a Amazônia e seu futuro são filtrados, incorporados, concebidos por meio de nossa consciência espacial (BECKER; STENNER, 2008). Nesse contexto, vale lembrar que o espaço geográfico é produto e condicionante das relações sociais de tal sorte que o modo pelo qual o espaço é apropriado e gerido, e o conhecimento desse processo são expressão e condição das relações de poder. Torna-se patente que não se trata aqui de uma C&T positivista, neutra e reificadora da técnica, mas sim de avançar no conhecimento integrado da região visando alcançar melhores condições de vida para a sociedade, aí incluindo o bem-estar da natureza e do meio ambiente. Nessa ótica, as ciências humanas e sociais têm papel tão importante quanto as ciências exatas e naturais. E tal C&T inclui mas não se resume a P&D; é mais ampla envolvendo nexos com toda a população, suas atividades e prática do cotidiano e seus territórios, enfim, capturando e disseminando suas técnicas. É com esses filtros que se encara o significado atual da Amazônia. Historicamente, e até hoje, a Amazônia tem sido parte do imaginário sobre o qual inúmeros mitos foram construídos. E sempre,

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paralelamente, a região tem sido também foco de intensa exploração de seus recursos naturais desde o processo de colonização. Atualmente, o significado da região está condicionado à centralidade que assumiu a sustentabilidade da Terra, manifestando-se mais uma vez com sua dupla face. Por um lado, Gaia, salvação do planeta, espaço privilegiado para o “desenvolvimento sustentável”; por outro lado fronteira do capital natural, precioso ante a percepção de que a natureza torna-se um recurso escasso.

Que revelações são trazidas por nossa consciência espacial? A Amazônia é extensa e ainda muito pouco povoada – apenas 25 milhões de habitantes e 70% concentrados em núcleos urbanos. No novo Atlas do IBGE, é patente o reduzido número de estabelecimentos agropecuários na Região Norte, contrastando com a grande e despro­porcional expansão do desmatamento. São poucas as cadeias produtivas e geralmente incompletas, pois que a agregação de valor se dá fora da região; enfim, não há uma base econômica organizada, mas sim uma destruição dos recursos naturais sem trazer benefícios para a população. Para o futuro é, portanto, lícito reconhecer que a Amazônia já é verde – o que ela necessita é de uma base econômica organizada capaz de assim mantê-la.

Com que pesquisa se conta? Através dos séculos, tem sido rica a pesquisa na Amazônia, mas sempre atrelada a olhares e interesses externos e jamais tratando a região com respeito às demandas de suas populações. As ciências naturais dominaram. Foram o deleite dos naturalistas muitas vezes enviados pela realeza europeia, bem demonstrando seus interesses econômicos. Caracterizou-se, assim, a ciência na Amazônia por uma cultura de inventário, em que se pesquisa espécie por espécie e se efetua sua classificação taxonômica. Inventários da flora, da fauna e também de grupos indígenas foram se realizando com crescente detalhe à medida que a ciência avançava nos grandes centros europeus e depois norte-americanos. Inventários, diga-se, que contribuíram para a formação de importantes acervos na região, bem como para

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a presença de pouco numerosas mas de boa qualidade instituições de pesquisa. Inventários que são imprescindíveis ante o ainda amplo desconhecimento sobre a região. Um intenso choque na cultura científica vem abalando a região nas últimas décadas: trata-se do desafio de passar da cultura de inventário para a cultura de pesquisa e desenvolvimento (P&D). O governo vem tentando introduzir a nova cultura científica na região a partir de meados da década de 1990, diante da importância assumida pela Amazônia no cenário internacional e da pressão por sua preservação. A estratégia para modernização da pesquisa tem duas âncoras principais que causaram grande impacto na região: (i) estímulo à formação de redes de pesquisadores regionais, nacionais, internacionais através da criação de grandes projetos científicos, tais como o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG7) e sobretudo aqueles implementados pelo MCTI através de sua Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped): LBA, Geoma e PPBIO; (ii) criação de grande centro para pesquisa e aproveitamento industrial da biodiversidade, o Centro de Biodiversidade da Amazônia (CBA), fruto de parcerias e disputas entre o MDIC, o MI e o MMA. A biodiversidade torna-se a menina dos olhos da ciência por codificar a vida abrindo novas fronteiras na biologia. Por sua vez, ciência e tecnologia abrem amplas possibilidade para aproveitamento da biodiversidade em novos patamares atendendo à multiplicação das demandas sociais nos últimos 25 anos. É o caso dos fármacos, essenciais à saúde pública, que têm no mercado internacional forte demanda para seu desenvolvimento: é o caso dos fitoterápicos, da dermocosmética, e da nutracêutica que utiliza elementos naturais para gerar bemestar e hoje vem se expandindo notavelmente com as terapias para a longevidade. Mais recentemente a bioenergia tem sua produção estimulada nas áreas alteradas tanto do cerrado como da floresta ante a demanda por energias renováveis. O intenso potencial em água exige sua utilização responsável. A associação da biodiversidade com a indústria eletrônica rumo à nanotecnologia já não é mais futuro no mundo. E a economia da floresta, correspondendo ao aproveitamento de todo o espectro dos elementos do ecossistema é hoje possível com um mínimo de destruição. Lamentavelmente, contudo, tais potencialidades não se desenvolveram com expressão na Amazônia. Os projetos da Secretaria

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de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento-Seped/MCTI constituem significativo avanço para o conhecimento sobre a região, mas o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) até hoje não deslanchou e são poucas as pequenas e médias empresas locais voltadas à utilização industrial da biodiversidade. A cultura de P&D não chegou ainda a se desenvolver, sobretudo em sua aplicabilidade, e parece já estar passando por transformação – um novo choque? Diante das duas crises – energética/climática e econômica – maior importância assumem as florestas tropicais, pois que estão visceralmente ligadas ao clima, podendo influir no aquecimento global. A ciência busca aprofundar o conhecimento da natureza, agora com foco na dinâmica da biomassa, na lógica da natureza, ou seja, no seu funcionamento – como crescem, como são impactadas pelo clima, etc. Procura-se conhecer a dinâmica espacializada dos diferentes tipos de vegetação – florestas de terra firme, florestas de várzea, mangues – verdadeiro zoneamento que pode alterar a política de conservação. Por exemplo, os mangues vêm tendo sua importância reconhecida por sua resistência, tanto a variações climáticas como à erosão marinha. A partir desse conhecimento espacializado, visa-se construir cenários para a gestão territorial. Avança também a face econômica quanto à utilização do capital natural da Amazônia. Se há séculos os homens mercantilizam os elementos das funções dos ecossistemas, a novidade histórica é a mercantilização das funções dos ecossistemas, como serviços ambientais (BECKER, 2001; 2009a; 2009b). Mercantilização expressa sobretudo no mercado do carbono, que se tornou o principal instrumento das políticas ambientais, ultrapassando largamente o âmbito da mudança climática. Ou seja, articula-se a floresta ao clima e passa-se dos recursos genéticos aos serviços ambientais.

Pesquisa para o desenvolvimento sustentável responsável A incrível aceitação e difusão do “desenvolvimento sustentável” deve-se ao fato de que a expressão não tem até hoje um conceito claro. É importante, assim, esclarecer dois pontos no que se entende por desenvolvimento sustentável: (i) um desenvolvimento que inclui

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a dimensão ambiental, junto com a social, a econômica e a política; (ii) como desenvolvimento que é, não constitui uma situação acabada, é um processo contínuo de mudança, e um processo que pode seguir caminhos diferenciados segundo as sociedades histórica e geograficamente forjadas. Segundo essa concepção, o desenvolvimento da Amazônia requer inovação. Grosso modo, é possível distinguir duas grandes abordagens inovadoras em estratégias para o desenvolvimento regional. Uma delas corresponde às estratégias preservacionistas com foco nos biomas. A mais difundida delas é a Redução de Emissões por Desflorestamento e Degradação (REDD), em que um pagamento é feito para não desmatar a floresta em troca da possibilidade de continuar emitindo em outro lugar. A proposta é extremamente sedutora tanto para quem recebe o pagamento como para quem paga (pode manter suas emissões) e ademais, ainda permite usufruir do mercado do carbono. Trata-se de manter as florestas, mas florestas improdutivas; reduz a imensa potencialidade da floresta ao mercado do carbono; não se sabe quem se beneficia do pagamento – os habitantes da floresta? O proprietário das terras? O governo federal ou estadual? Sobretudo, a proposta do REDD não envolve as causas do desflorestamento e sua contenção, que é o principal desafio a enfrentar na região (BECKER, 2010). Propostas para o Cerrado enfatizam a contenção do agronegócio, o reflorestamento, maior produtividade da pecuária, e alguns apontam também para a necessidade de apoiar os produtores familiares. O Macrozoneamento Ecológico-Econômico para a Amazônia Legal, aprovado pelo MMA em 2010 após intensa consulta pública, lembra muito oportunamente a necessidade de pressionar o agronegócio rumo à formação de uma efetiva agroindústria, com a agregação de valor à produção localmente. Outra abordagem de desenvolvimento propõe uma estratégia produtiva e com foco em regiões. Os biomas são muito importantes e precisam ser profundamente pesquisados. O mesmo deve ser entendido quanto às regiões; sobretudo quando se trata de desenvolvimento, a região é a unidade básica de análise e atuação. Por várias razões: (i) porque nela se reconhecem as formas de organização – ou desorganização – do espaço estabelecidas pelas populações com base em suas culturas e equipamentos, bem como o resultado das relações sociais e da interação sociedade-natureza; (ii) porque os biomas estão articulados. Há muito a geopolítica já reconhecera essa articulação ao planejar a “ocupação” da Amazônia a partir do Planalto Central;

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Capítulo 2 • Amazônia já é verde: precisa é de uma base econômica que assim a mantenha

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(iii) e, importante, porque a região permite identificar espaços para atividades complementares. A proposta nessa abordagem parte assim da Amazônia Legal que, como região de planejamento que é, constitui a escala estratégica para ações (BECKER, 2009b). A estratégia proposta é produtiva e não apenas a de conservação. Alguns princípios orientam essa estratégia. O primeiro deles é atribuir valor econômico à floresta em pé para que ela possa competir com as commodities e permanecer em pé. Segue-se a organização da base econômica regional mediante o reconhecimento do zoneamento da própria natureza que dispõe de norte a sul diferentes tipos de florestas e cerrado, a recuperação das cidades como nós logísticos das redes tangíveis e intangíveis e a criação de cadeias produtivas completas. Finalmente, para cada uma dessas “zonas” que, segundo suas formas de apropriação e uso transformam-se em sub-regiões, definem-se atividades e práticas a elas adequadas com apoio da C&T&I, sempre tendo em vista a sua complementaridade. Redes de cidades localizadas no contato dessas sub-regiões devem ser equipadas para processar e agregar valor aos produtos, sediar laboratórios de pesquisa e assegurar a convergência das redes e de cadeias produtivas. Eis uma reflexão para uma revolução científico-tecnológica que não exclui modalidade alguma de pesquisa – pelo contrário as integra – das inovações nos grandes centros às inovações locais e ao conhecimento tradicional, do inventário de biodiversidade às mais complexas interações moleculares, pesquisas que sejam capazes de, enfim, permitir o desenvolvimento da Amazônia.

Referências BECKER, B. K. Amazonian frontiers at the beginning of 21th century. In: HOGAN, D. J; TOLMASQUIN, M. T. (Org.). Human dimensions of global environmenal change: brazilian perspectives. Rio de Janeiro: ABC, 2001. v. 1. p. 301-323. BECKER, B. K; STENNER, C. Um futuro para a Amazônia. São Paulo: Oficina de Textos, 2008. BECKER, B. K. Problematizando os serviços ambientais para o desenvolvimento da Amazônia: uma interpretação geográfica. In: BECKER, B. K; COSTA, F. A.; COSTA, W. M. (Org.). Um projeto pra a Amazônia no século 21: desafios e contribuições. Brasília: CGEE, 2009a. v. 1. p. 87-120.

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BECKER, B. K. Articulando o complexo urbano e o complexo verde na Amazônia. In: BECKER, B. K; COSTA, F. A.; COSTA, W. M. (Org.). Um projeto para a Amazônia no século 21: desafios e contribuições. 1 ed. Brasília, DF: CGEE, 2009b. v. 1. p. 39-86. BECKER, B. K. Ciência, tecnologia e inovação: condição do desenvolvimento sustentável da Amazônia. In: CNCTI: 1 Desenvolvimento Sustentável, 4., 2010, Brasília. Sessão Plenária... Brasília: Ministério de Ciência e Tecnologia, 2010. HARVEY, D. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1980.

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Capítulo 3

Amazônia, população e modernidade Márcio Souza

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Certamente a Amazônia, como prova sua própria história, é uma região acostumada com a modernidade. Nos 500 anos de presença da cultura europeia, experimentou os métodos mais modernos de exploração. Cada uma das fases da história regional mostra a modernidade das experiências que foram se sucedendo: agricultura capitalista de pequenos proprietários em 1760 com o Marquês de Pombal, economia extrativista exportadora em 1890 com a borracha, e estrutura industrial eletroeletrônica em 1970 com a Zona Franca de Manaus. Os habitantes da Amazônia, portanto, não se assustam facilmente com problemas de modernidade. O que vem provar que a região é bem mais surpreendente, complexa e senhora de um perfil civilizatório que o falatório internacional faz crer. Não é por outro motivo que a Amazônia continua um conveniente mistério para os brasileiros. Afastando-se os entulhos promocionais, as falácias da publicidade e a manipulação dos noticiários de acordo com os interesses econômicos, nota-se que a Amazônia vem sendo quase sempre vítima, repetidamente abatida pelas simplificações, pela esterilização de suas lutas e neutralização das vozes regionais. Sem a necessária serenidade e visão crítica da questão a partir de um projeto de sociedade nacional, os brasileiros deixam-se levar pela perplexidade, quando não sucumbem definitivamente à propaganda. A questão da Região Amazônica é sem dúvida fundamental para entendermos bem a diversidade do Brasil. Mas nem sempre foi possível o acesso ao passado da grande planície. Por isso, chamo a atenção para o trabalho de reestruturação dos arquivos públicos brasileiros. Como o que foi feito em Belém, permitindo que os pesquisadores tivessem acesso a informações até então inéditas, o que foi muito importante para o estudo da formação do Brasil e da integração da Amazônia ao Estado brasileiro. O Brasil é fruto de um conjunto de paradoxos, entre pobreza e riqueza, modernidade e arcaísmo. É necessário analisá-los para entender a formação do país. É preciso levar em conta também as particularidades do modelo colonial português. Não podemos esquecer que, na origem, a Amazônia não pertencia ao Brasil. Na verdade, os portugueses tinham duas colônias na América do Sul, uma descoberta por Cabral em 1.500, governada pelo vice-rei do Brasil, a outra, o Grão-Pará e Rio Negro, descoberto por Vicente Iañes Pinzon em 1498, logo após a terceira viagem de

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Colombo à América, quando batizou o Rio Amazonas de Mar Dulce, mas efetivamente ocupada pelos portugueses a partir de 1630. Esses dois Estados se desenvolveram distintamente até 1823, data em que o Império do Brasil começou a anexar o seu vizinho. A violência era naquela altura a única via possível, tão diferentes eram as estratégias, a cultura e a economia dessas duas colônias. A Amazônia então não era uma fronteira: é um conceito que foi inventando pelo Império e retomado pela República. No Grão-Pará e Rio Negro, a economia era fundada na produção manufaturada, a partir das transformações do látex. Era uma indústria florescente, produzindo objetos de fama mundial, como sapatos e galochas, capas impermeáveis, molas e instrumentos cirúrgicos, destinados à exportação ou ao consumo interno. Baseava-se também na indústria naval e numa agricultura de pequenos proprietários. O marquês de Pombal nomeara seu próprio irmão para dirigir o país, com o intento de reter o processo de decadência do Império Português, que dava mostras de ser incapaz de acompanhar o desenvolvimento capitalista. Nesse contexto, os escravos tinham uma importância menor do que nos outros lugares. O país desfruta, além disso, de uma cultura urbana bastante desenvolvida, com Belém, construída para ser a capital administrativa. Ou a sede da Capitania do Rio Negro, Barcelos, que conheceu importante desenvolvimento antes de Manaus, e para a qual recorrera-se ao arquiteto e urbanista de Bolonha Antônio José Landi. Em compensação, a colônia chamada Brasil dependia amplamente da agricultura e da agroindústria, tendo, portanto, forte proporção de mão de obra escrava. Em meados do século XVIII, tanto o Grão-Pará quanto o Brasil conseguem criar forte classe de comerciantes, bastante ligados à importação e exportação, senhores de grandes fortunas e bastantes autônomos em relação à Metrópole. Mas enquanto os comerciantes do Rio de Janeiro deliberadamente optaram pela agricultura de trabalho intensivo, como o café, baseando-se no regime da escravidão, os empresários do Grão-Pará intensificaram seus investimentos na indústria naval e nas primeiras fábricas de beneficiamento de produtos extrativos, especialmente o tabaco e a castanha-do-pará. A anexação da Amazônia marcou o começo de novo processo e provavelmente, aos olhos das elites do Rio de Janeiro, só poderia ser à força. Para as elites do Grão-Pará, o incidente das Cortes, liberais internamente, mas recolonizadoras para fora, e a intimidade com as ideias da Revolução Francesa adquirida na tomada e ocupação de Caiena, fez perceber que a via da república era mais adaptada

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à América que um regime monárquico. Os ministros do jovem e impetuoso imperador brasileiro não podiam admitir tal coisa. E entre 1823 e 1840, o que vai se ver é um processo de provocação deliberada, seguida por severa convulsão social e a consequente repressão. Se me permitem a comparação um tanto audaciosa, foi de certa modo como se o Sul tivesse ganhado a Guerra de Secessão nos Estados Unidos. Com a repressão, a Amazônia perdeu 40% dos seus habitantes. A anexação destruiu todos os focos de modernidade. Entre o Império e as oligarquias locais, nenhum diálogo era então possível. Com o Ciclo da Borracha, a face da Amazônia se transformou completamente. A economia do látex quebrou o isolamento e buscou integrar a região ao mercado internacional. Um dos principais fatores desta transformação foi a mudança do perfil populacional, provocado pelas inúmeras levas de imigrantes que chegaram atraídos pelas riquezas do látex e pela necessidade de mão de obra. Em 1870, quando a borracha começa a dar sinais de valorização, a Amazônia era quase um deserto demográfico, com suas populações tradicionais dizimadas por séculos de escravização, práticas predatórias e pela política repressiva do Império no combate à Cabanagem. A conjugação de períodos de seca e depressão econômica levaram o Nordeste brasileiro, especialmente o Estado do Ceará, a participar com o maior número de imigrantes, que a partir de 1877 foram chegando em levas desordenadas, para a seguir se transformar numa rotina perversa, resultando num quadro terrível de exploração humana. Milhares de lavradores pobres, iludidos por contratadores, deixaram suas terras áridas pelas selvas do alto Purus, Madeira e Acre, vivendo sob o domínio do sistema de aviamento. Alem do choque cultural, do isolamento e dos perigos da selva tropical, os nordestinos trabalhavam sob os regime da coerção, típico do sistema do aviamento, que só podia existir baseado no débito permanente do seringueiro. De qualquer modo, os nordestinos mostraram sua tenacidade e capacidade de sobreviver, se mesclaram com as populações tradicionais e enriqueceram a cultura regional, interpretando o grande vale através de seu colorido folclore, da música, da culinária e da literatura de cordel. Um pouco antes do Ciclo da Borracha, empurrados pelas perseguições, fome e discriminação, judeus sefaraditas-marroquinos, bem como de outros grupos culturais da Europa e do Oriente Médio, aportam na Amazônia a partir de 1810, a maioria procedente de Tanger, Tetuan, Fez, Rabat, Sale e Marrakesh. Em Belém, fundam em

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1824 a sinagoga Essel Abraham, a primeira do Brasil depois de mais de 200 anos. Era uma imigração bem preparada, com homens e mulheres educados para o trabalho, que logo ocupariam importantes nichos empresariais, especialmente no comércio, na exportação e importação, na indústria e na cultura. Outra corrente migratória importante foi a dos sírios-libaneses. No final do século XIX, com o crescimento da economia do látex, levas inteiras de homens e mulheres deixaram suas cidades e aldeias, como Baalbeck, Ghazir, Dimen, Beirute, no Líbano, e Ayo, Hamma e Damasco, na Síria, para reconstruir sua existência na Amazônia. Gente persistente, apegada ao sentido de família, sóbria e inteligente, logo estava concorrendo com os outros imigrantes, superando as barreiras do preconceito, formando novos costumes e introduzindo novos valores culturais. Foram os sírios-libaneses que trouxeram para a região o sistema do crediário, trazendo para um mercado elitista a população pobre. Outros grupos étnicos e culturais também vieram contribuir para a formação da Amazônia moderna. Em 1867, com a derrota da Guerra da Secessão, centenas de confederados, sob a liderança do major Warren Lansford Hasting, deslocam-se para a cidade de Santarém, ocupando depois outras localidades do Baixo Amazonas. Da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré, restou o extraordinário legado dos trabalhadores de Barbados e Jamaica, que ficaram em Rondônia e ali imprimiram fortes sinais de sua presença. Dos europeus, além da constante e ininterrupta imigração portuguesa, há que se destacar a presença dos italianos. Oriundos em sua maioria de cidades e vilas do sul da Itália, especialmente das empobrecidas províncias do Mezzo Giorno, Potenza e da Sicília, os italianos se destacaram na Amazônia nos campos da educação, arquitetura, música, comércio e indústria, artes cênicas e na introdução, junto com os espanhóis, dos primeiros movimentos operários organizados. Os últimos grupos de migrantes estrangeiros a chegar à região foram os japoneses, que a partir de 1928 começaram a se instalar nos municípios de Monte Alegre, Marabá, Bragança e Conceição do Araguaia, Estado do Pará. Até o final da década de 30 do século passado, quase 500 famílias chegaram à região, com o intuito de introduzir o cultivo da pimenta-do-reino e da juta, mas tiveram importante papel na introdução de novas variedades de plantas e hortaliças, além da difusão de técnicas avançadas de produção agrícola. Com a crise e o fim da economia da juta, muitas famílias japonesas decidiram mudar para

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as cidades de Manaus e Belém, onde se integraram e contribuíram com seus valores culturais, seu cultivo pela cortesia, respeito à hierarquia e sensibilidade estética. Com os projetos econômicos do regime militar de 1964, e a abertura de faixas de terra para a colonização, levas de trabalhadores sem terra, vindos do Paraná e Rio Grande do Sul, entraram na Amazônia, trazendo seus costumes e tradições. Todos esses contingentes humanos, tangidos pela miséria e armados do desejo de sobreviver, vieram reconstruir suas vidas atribuladas – e alguns tiveram sucesso, numa prova de que a Amazônia era um território das Américas, território de esperanças. Tomemos um período redondo: 1965 – 2000. Nesses 35 anos a Amazônia foi aberta à expansão do capitalismo, de acordo com as diretrizes de uma economia política elaborada por uma série de governos militares, seguida fielmente pelos governos civis da Nova República e posteriores, que pretendiam promover na região um modelo de desenvolvimento modernizante. O predomínio de investimentos e a presença do governo federal na região se tornaram cada vez mais extravagantes na proporção de seus resultados. Meio milênio de distintas economias extrativistas apenas enriqueceram brevemente uma parcela das oligarquias locais, deixando para trás uma terra mais empobrecida. Se a História da Amazônia tem sido um permanente desafio às noções de progresso, natureza e homem, tão caros ao pensamento europeu e que serviram para sustentar conceitos como os de desenvolvimento e subdesenvolvimento, os 35 anos que fecharam o milênio representaram grande teste para esse desafio. Infelizmente o que se vê é o autodenominado moderno Estado brasileiro demonstrando diariamente sua incapacidade de dar um basta em tantos absurdos, em impedir a deterioração do meio ambiente e barrar os projetos econômicos que tornam a vida dos camponeses, índios e trabalhadores um exercício de horror. Em 1966, seguindo a lógica de argumentos geopolíticos, os militares e seus tecnocratas decidiram ocupar e integrar a Região Amazônica através de nova estratégia de desenvolvimento regional, instituindo a «Operação Amazônia». Para os militares, a Amazônia era um vazio demográfico, perigoso de ser controlado e alvo da cobiça de outras nações, se não fosse urgentemente ocupado pelo Brasil. Além da cobiça internacional, a Amazônia era um cenário ideal para movimentos subversivos, como indicavam alguns exemplos bem visíveis do outro lado da fronteira colombiana.

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Para evitar qualquer reação das forças tradicionais da Amazônia, esse modelo de desenvolvimento autoritário retalhou politicamente a região, pondo as novas instituições para fazer essa divisão na prática. Além de usurpar a autoridade dos estados regionais sobre os seus territórios, a ponto de o governo do Pará exercer seus poderes apenas sobre 20% do estado, órgãos como a Sudam, por exemplo, exercitando a política financeira de incentivos fiscais, canalizaram os grandes projetos agropecuários, minerais e energéticos para a Amazônia Oriental, enquanto a Suframa, usando os incentivos fiscais para instalar um enclave exportador, fez de Manaus e da Amazônia Ocidental um nicho de projetos industriais eletroeletrônicos e projetos agropecuários de menor porte. Nos primeiros anos da «Operação Amazônia», o governo de Brasília tentou atrair investidores para projetos agropecuários através de doações financeiras e renúncia fiscal. A partir do presidente Médici, o governo passou a investir diretamente em megaprojetos, criando novas fontes de recursos através de orgãos como o PIN, Proterra e Polamazônia. No início da década de 70, em plena época do chamado Milagre Econômico, a Amazônia era então não mais uma região de economia extrativa, mas basicamente uma área de agropecuária, mineração, metalurgia e siderurgia. Já no final de 1966, mais de mil investidores tinham instalado projetos de criação de gado ao longo da estrada Belém-Brasília. A agropecuária seria, no início, o principal atrativo. A partir de 1967, um decreto presidencial transformou Manaus em Zona Franca, imediatamente instalando uma série de indústrias e anunciando uma oferta de 40 mil empregos. No que toca à divisão do trabalho, as indústrias da Zona Franca operavam as fases finais de montagem e acabamento do produto. Fases que exigiam um número maior de mão de obra. Aproveitando a legislação, essas indústrias se estabeleceram numa área da cidade de Manaus, no chamado Distrito Industrial, onde receberam terrenos a preços irrisórios, totalmente urbanizados, como nenhum conjunto habitacional supostamente para pessoas de baixa renda recebeu. E, assim, entrou em atividade um parque industrial de «beneficiamento» produzindo em toda sua capacidade e operando numa área onde as facilidades eram, na verdade, uma conjuntura favorável. Para completar, como extensões de grandes complexos, as indústrias da Zona Franca são administradas de maneira direta e seu

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capital pouco é afetado pela disponibilidade local. A participação de capital oriundo do tradicional extrativismo foi mínima e era possível notar, por volta do final da década de 70, grandes comerciantes do extrativismo, de outrora, hoje atrelados como sócios minoritários, com cargos simbólicos nas empresas altamente subsidiadas instaladas em Manaus. Eram indústrias que tudo trouxeram de fora, da tecnologia ao capital majoritário, e que do Amazonas somente aproveitaram a mão de obra barata e os privilégios institucionais. Com estrutura industrial altamente artificial, a Amazônia Ocidental teve o seu quinhão da política de integração nacional. A promessa de 40 mil empregos não se cumpriu, mas ajudou a provocar uma explosão demográfica em Manaus. De cerca de 150 mil habitantes em 1968, a cidade pulou para 600 mil em 1975. As transformações sociais e culturais da Zona Franca em Manaus são bastante distintas daquelas que aconteceram durante o Ciclo da Borracha. Enquanto a cidade era a capital mundial da borracha, Manaus rapidamente se consolidou como centro urbano, e desenvolveu os primeiros sistemas de serviços públicos, como eletricidade, distribuição de água e esgotos. Naquele período a cidade teve suas ruas pavimentadas, o seu crescimento planejado, viu crescer o número de hospitais e abriu-se para as influências culturais cosmopolitas. Criou uma universidade e construiu uma casa de óperas. É claro que todas aquelas vantagens eram direcionadas aos ricos, àqueles que lucravam com o comércio do látex. No entanto, o desenvolvimento de Manaus durante o ciclo acompanhou o crescimento populacional, sem degradação dos serviços. O oposto ocorreu com a Zona Franca de Manaus. O aceno de 50 mil empregos atraiu uma população de migrantes que nunca mais cessou de aportar em Manaus. A rápida instalação de empresas comerciais, as lojas de artigos importados que pululavam pelo centro histórico da cidade, a chegada de empresas multinacionais no distrito industrial, as firmas de consultoria, os institutos de pesquisas, as novas sucursais de instituições públicas, a horda de turistas em busca de aparelhos eletrônicos baratos e a vaga de migrantes em busca de novas oportunidades transformaram a cidade num inferno. Especialmente porque tal demanda chegava num momento em que a estrutura urbana estava decadente. Em 1960 ainda conseguia acomodar seus 200 mil habitantes, embora tudo estivesse à beira do colapso. As telecomunicações era impraticáveis, a distribuição de luz e água

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precária, e os prédios públicos estavam quase em ruínas. Em 1984, a cidade continuava com a mesma infraestrutura apodrecida e começava a inchar, com inúmeras favelas surgindo por todos os lados. O fenômeno do crescimento desordenado de Manaus faz parte dos problemas gerados pelos programas de desenvolvimento postos em práticas pelo governo federal, desde 1964. Um dos problemas óbvios é o aumento da população urbana na Amazônia, configurando uma das maiores fronteiras urbanas do mundo. O censo de 1980 mostrava que metade da população amazônica vivia em cidades. Dez anos depois, 58% da população estava urbanizada. Capitais como Manaus, Belém e Porto Velho sofreram declínios de importância regional, à medida que certos aglomerados urbanos espalhados pelo interior se organizaram e estabeleceram ligações diretas com os centros econômicos nacionais e internacionais. Mas as capitais tradicionais da região continuam a desempenhar seu papel local, por sediarem as sucursais das agências federais, controlarem os orçamentos públicos estaduais e manterem as máquinas administrativas e burocráticas. No entanto, enfrentam novos desafios, como as massivas imigrações, criação de favelas e crescimento do setor informal na periferia urbana. A partir dos anos 90 a região assistiu a uma mudança urbana bastante dramática, que foi o declínio da cidade de Belém em relação a Manaus. A cidade de Belém, que representava 43,9% da população regional em 1950, caiu para 23,0% em 1990, enquanto Manaus experimentava verdadeira explosão demográfica. A vitória da capital amazonense na velha competição entre as duas cidades foi apenas aparente. Mesmo com todo o capital nacional e internacional chegando em Manaus, enquanto as elites de Belém não conseguiam reverter o processo, a capital do Amazonas saiu perdendo como centro urbano. Belém pôde se dar ao luxo de preservar seu patrimônio urbano, sua arquitetura eclética, seus parques neoclássicos e suas avenidas sobreadas pelas mangueiras, enquanto Manaus se deixou atacar pela especulação imobiliária e viu muitos de seus marcos arquitetônicos desaparecerem, em troca de uma arquitetura medíocre. Enquanto a capital paraense soube impor sua cultura e as tradições de sua civilização, a cidade de Manaus foi culturalmente colonizada pela massa de imigrantes, oriunda das partes mais atrasadas do país, pessoas originárias do mundo rural, onde não havia nenhuma mobilidade social, nenhuma escola, nenhuma esperança. É impossível prever o que vai ser culturalmente a cidade de Manaus no futuro, depois que o processo da Zona Franca passar.

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Belém ainda tem sua importância regional, embora não mais exerça liderança e tenha perdido o posto de portão da Amazônia. É em Belém que ainda estão algumas das agências governamentais importantes, enquanto a cidade de Manaus tende a se transformar num polo tecnológico, num centro de biodiversidade de alta tecnologia. Para que isto aconteça, a capital do Amazonas deve superar a tentação populista, oferecer rápida integração das massas de migrantes através de processos educacionais e culturais, acumulando ao lado do capital financeiro um capital intelectual com massa suficiente para fazer de sua população mais do que reserva de mão de obra e energia humana escravizada à expansão global do capitalismo. O modelo de desenvolvimento regional baseado em grandes projetos, imposto por um regime autoritário, acabou por trazer graves consequências para a Amazônia e seu povo. As principais distorções hoje são bastante óbvias, mas o cerceamento da liberdade de expressão, a repressão e o sistemático assassinato de lideranças populares impediram que fossem denunciadas e combatidas na época. O problema mais em evidência hoje, produzido diretamente por tal modelo imposto pelo regime militar, é o da degradação ambiental em processo acelerado. Segundo os mais conservadores levantamentos, aproximadamente 11% da cobertura vegetal da região foi destruída irremediavelmente até o ano de 2001, apenas na Amazônia brasileira. A pecuária e o uso do solo predominam nessas áreas por toda a região. Entre 1990 e 2003, o rebanho bovino na Amazônia cresceu de 26 milhões e 600 mil cabeças para 64 milhões de cabeças, um aumento de 140%, segundo fontes do IBGE. Mas as sociedades nacionais que possuem a Amazônia ainda não se deram conta dos conflitos de interesses que se desenvolvem na região, e os danos irreversíveis que foram causados ao meio ambiente. Entre 1965 e 1970, a Amazônia foi a rota final de milhares de imigrantes do sul do Brasil. O governo militar tratava de resolver o problema agrário que crescia no extremo sul do Brasil, num momento em que as tradicionais fronteiras de São Paulo e Paraná estavam esgotadas. O sistema agrário do Sul passava por um processo de modernização das práticas agrícolas acompanhadas de créditos e incentivos fiscais, levando grande número de pequenos proprietários rurais a venderem suas terras. No começo dos anos 60, o Sul estava expelindo mais gente do que podia absorver. O Pará, o Maranhão e Rondônia foram os estados que receberam grande número de colonos. Numa única década a fronteira deslocou e ampurrou para a Amazônia 10 milhões de pessoas.

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Sobre essa questão deve-se ter uma visão correta, evitando cair no catastrofismo de certos defensores de nossa integridade, que não foram convidados por nós a fazer nossa defesa, mas que insistem em soluções salvacionistas, sem nenhuma base científica que reduzem a Amazônia, da mesma forma que os militares o fizeram, a um território sem tradição cultural ou história, que precisa ser ocupado por suas boas intenções. O ambientalista Fatheuer (1993, p. 233) observa que: a ecologização total da Amazônia esvazia a região de suas características sociais. É fácil de compreender porque, no modelo de equilíbrio ecológico todas as intervenções humanas são classificadas como prejudiciais. Exagerando: o homem aparece, a não ser que seja índio, como destruidor, como predador. Ele nem poderia deixar de sê-lo. A crítica ao desenvolvimento da Amazônia se volta assim não contra um modelo histórico, econômico e socialmente determinado de apropriação, mas contra todo e qualquer aproveitamento humano.

Mas a pressão humana está totalmente estabelecida e consolidada pelos projetos de colonização e as investidas dos grupos agropecuários. Os impactos ambientais nessas áreas são mais intensos que nas fronteiras de ocupação por causa da maior fragmentação da floresta e das atividades industriais urbanas. No final dos anos 70, a fronteira amazônica já se encontrava fechada, com as melhores terras ocupadas, extensos latifúndios em mãos de especuladores e grupos agropecuários gozando dos incentivos fiscais. Com o fim da ditadura, o governo da Nova República poderia ter realizado a Reforma Agrária, expropriando as terras das mãos dos especuladores, na maioria sem titulação legal ou até mesmo falsa. Mantém-se a velha omissão e o oportunismo do poder público brasileiro, que não cuidou de evitar o caráter destrutivo da expansão agrícola, se absteve de realizar efetivo controle social permitindo que os desmatamentos prosseguissem. Provavelmente a mais séria das omissões foi a falta de controle sobre o processo de ocupação. Já no começo dos anos 80 as melhores terras estavam registradas em nome dos latifundiários e dos especuladores. Para as terras restantes, os colonos precisavam ter à disposição novas tecnologias que impactassem menos o meio ambiente, porém o governo brasileiro não apenas foi negligente, quanto em muitos casos, foi contrário às novas medidas. Se o Brasil é geralmente dado no exterior como um país de emoções, de irracionalidade, um país primitivo ou até folclórico,

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não podemos esquecer, no entanto, que ele herdou da colonização portuguesa grande capacidade de organização e de planejamento, assim como uma preocupação afirmada com os detalhes. Os portugueses sempre fixaram objetivos para si mesmos. Previam cada um de seus passos no continente latino-americano. Não consta na crônica da conquista a existência de portugueses em busca da fonte da juventude, tampouco puseram um pé na água para declarar, como fizeram os espanhóis, que se tinham apossado do Oceano Atlântico inteiro. Se o Império não tivesse tido que se haver com a Amazônia, ou, como disse José Honório Rodrigues, se não tivesse passado o tempo inteiro reprimindo revoltas populares, podemos estar certos de que o processo de expansão territorial do Brasil teria atingido as margens do Pacífico. A Amazônia passou, portanto a ser uma fronteira entre uma zona de cultura brasileira predominante e um subcontinente onde se fala francês, holandês, espanhol, português. Além disso, 32 idiomas são praticados no Rio Negro, idiomas esses que são verdadeiras línguas e não dialetos. Temos de um lado dessa fronteira uma cultura brasileira em plena expansão, e do outro, culturas originais, pré-colombianas, vivas até hoje, culturas essas que, vale lembrar, estiveram muito tempo na frente das outras, em particular do ponto de vista da técnica, antes de serem submersas pelo processo de integração. Mas a tragédia da região não poderá ser também a sua redenção? A oposição arcaísmo-modernidade não estaria sendo vista ao avesso? A experiência da modernidade já foi feita na região. Mas os tecnocratas e o governo central foram incapazes de favorecer a aceitação de experiências locais no processo de integrarão econômica. Isso aparece claramente com o exemplo da criação de gado: a chegada do boi só foi uma tal catástrofe para a Amazônia porque o modelo agropecuário foi imposto a um estado, o Acre, onde não havia tradição de criação de gado, e que por causa disso perdeu sua cobertura florestal tradicional. Por que não usaram em vez disso as zonas tradicionais de pasto, como as existentes no Baixo Amazonas, na região de Óbidos, Alemquer e Oriximiná, ou em Roraima, cuia superfície é superior à de todos os pastos europeus reunidos? Esse é exatamente um caso em que a integração econômica foi feita em detrimento da história e da tradição locais. E, no entanto, a arrogância não ficou apenas com os tecnocratas do governo militar, um contingente imenso de salvadores da Amazônia estabeleceu suas agendas baseadas em conclusões apressadas. Por exemplo, as soluções de neoextrativismo propostas por Chico Mendes destinavam-se apenas a dois ou três municípios. Alguns

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quilômetros além, não serviam mais. Era portanto absurdo focalizar-se nelas e apresentá-las como soluções de uso geral na região, como fizeram alguns ecologistas e certos movimentos de defesa da região. Nos parâmetros políticos de 1985, quando a ideia foi gerada, a luta por tais reservas extrativistas estava perfeitamente explicada. No entanto, esse é um conceito que foi muito foi alargado desde então, a ponto de se tornar uma das mais usadas medidas “de preservação” do governo Sarney e, em termos políticos amplos, como espécie de proposta geral para a região, pois o “futuro” da Amazônia estaria em sua total regressão à economia extrativista. Se o extrativismo imprimiu a face econômica da Amazônia, ele foi capaz de formar uma sociedade peculiar e uma cultura, determinando uma estrutura social com interesses bem definidos. Estou convencido de que Chico Mendes, meditando sobre o caráter desta sociedade, especialmente sobre a decadência do proprietário extrativista, desenvolveu as primeiras ideias sobre o projeto tático das reservas extrativistas. Era uma forma de mobilizar os seringueiros para a defesa da propriedade extrativista, já que os proprietários estavam enfraquecidos, postos à margem pelo modelo econômico agropecuário e especulador. Os proprietários extrativistas, entre eles os seringalistas, raramente se preocupavam com a terra. Eles controlavam a produção extrativa, financiavam a safra. Não eram exatamente senhores da terra, ou fazendeiros, mas apenas “dominadores” das áreas de matériaprima, como a castanha, a piaçava, madeira, a balata, a sorva e a borracha. Era, por certo, uma classe com características rurais no trato das relações de trabalho, mas a sua criatividade estava na capacidade de dinamizar a produção extrativa. Esta classe estabeleceu o controle da terra, abrangendo grandes áreas produtivas. O seu controle dos meios de produção limitava-se, basicamente, ao controle das áreas extrativas, já que no relacionamento com a natureza o proprietário extrativista não avançava o seu controle, não havia a preocupação do cultivo, da pesquisa, e a mão de obra era apenas considerada força de trabalho. Esta característica especial do proprietário extrativista deu ao trabalhador da frente extrativista algumas peculiaridades que o fizeram, por exemplo, diferente do camponês do latifúndio nordestino, ainda que este tenha sido a matriz humana daquele. No extrativismo a produção assumia um interesse vital, não durava o ano todo, e ao trabalhador era exigido não apenas uma massa de produto produzido, mas era necessário arrancar esse produto pelo

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trabalho. É que no extrativismo, como forma arcaica de produção, o valor de troca estava muito próximo do valor de uso. O cálculo do salário, portanto, estava intimamente ligado à quantidade da produção do trabalhador. Era uma força de trabalho que valia quanto pesava, determinada inclusive pela necessidade de ser mantida na produção à custa de abusos sociais, como a obrigatoriedade do consumo no comércio do proprietário e a sistemática estrutura policialesca do patrão impedindo o trabalhador de abandonar a produção. Uma economia como a extrativista, que sequer formou uma oligarquia firme em seus propósitos, não poderia servir de modelo de restauração salvadora. Os proprietários extrativistas foram saindo de cena, consumindo o melhor de sua energia e capacidade criadora no exercício de sobreviver a qualquer custo. Durante o tempo em que estiveram parasitando a natureza da região, os extrativistas relacionaram-se com os grupos hegemônicos do país através de lamentável sublimação política. Fingiam que tinham o poder, encenavam os seus desejos e, no final, acabavam por conciliar, seguindo a reboque com a sensação do dever cumprido. Chico Mendes não estava fazendo nenhum tipo de apologia restauradora de uma página negra da história regional, ao propor a luta pela transformação dos seringais acreanos em reservas. Ele sabia que tais reservas eram soluções muito localizadas, que não respondiam sequer ao problema do Acre, quanto mais de uma área continental, diversificada, como a Amazônia brasileira. Tratava-se, como era de se esperar, de um objeto tático, que visava barrar a invasão da economia especulativa e promover um alerta para a destruição de uma região cujos recursos biológicos sequer estão plenamente conhecidos. Falar, portanto, que o destino da Amazônia é a regressão ao extrativismo, mesmo a um extrativismo idílico, socializado e místico, é mais uma vez atropelar a própria Amazônia. De qualquer modo, vamos supor que fosse possível fazer da Amazônia uma imensa reserva extrativista, um enorme playground para todos os diversos pirados da terra. Bem, este é o sonho nada pirado da poderosa indústria farmacêutica internacional, dos grupos econômicos que trabalham com a biotecnologia, com a engenharia genética e a etnobiologia. Assim, mais uma vez deseja-se que a Amazônia ofereça o que tem, mas que fique em seu lugar, como território primitivo, de gente primitiva, que não deve jamais ter acesso a essas tecnologias e ao controle econômico de seus produtos.

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O certo é que se o extrativismo na Amazônia não está morto, deve ser definitivamente erradicado por qualquer plano que respeite o processo histórico e a vontade regional. Mesmo porque a Amazônia não deve ser reserva de nada, nem celeiro, nem estoque genético ou espaço do rústico para deleite dos turistas pós-industriais. Se o modelo econômico brasileiro insiste em destruir riquezas que sequer foram computadas movido por puro imediatismo econômico, não se deve agravar mais a região impondo-se soluções aparentemente ditadas pelo espírito da solidariedade. Especialmente porque contra os abusos é possível resistir, mas não há nada que se possa fazer contra a solidariedade. Na realidade, a Amazônia foi reinventada pelo Brasil, que propôs para ela a sua própria imagem. Os moradores da Amazônia sempre se espantam ao ver que, talvez para melhor vendê-la e explorá-la, ainda apresentam sua região como habitada essencialmente por tribos indígenas, enquanto existem há muito tempo cidades, uma verdadeira vida urbana, e uma população erudita que teceu laços estreitos com a Europa desde o século XIX. Aliás, nisso residem as maiores possibilidades de resistência e de sobrevivência dessa região. Com efeito, os povos indígenas da Amazônia nada conseguirão se não se apoiarem nessa população urbana, que é a única que se expressa nas eleições e exerce pressão sobre a cena política. É pelo jogo das forças democráticas que o problema da exploração econômica da Amazônia poderá encontrar uma solução. Portanto é preciso reforçar as estruturas políticas regionais. A Amazônia conta com população de 20 milhões de pessoas e com nove milhões de eleitores, o que não é pouca coisa. Embora o Brasil se orgulhe de ter ‹absorvido› a Amazônia, não aniquilou suas peculiaridades. Continua havendo uma cozinha, uma literatura, uma música da Amazônia. As trocas entre ambas as culturas são muitas, e isso é bom. A exploração da Amazônia pode esclarecer com proveito o projeto de modernidade do Brasil. As favelas, a má distribuição de renda e a desigualdade social decorrem menos da pobreza de certas regiões que obriga seus moradores a emigrar, do que das opções políticas adotadas pelos grandes latifundiários e pelos donos das grandes empresas, ou seja, por aqueles que detêm o capital, os donos do império brasileiro. Em mais de um século de existência, a revista Punch jamais se dignou a falar do Brasil. Somente o tremendo alarido em torno dos problemas ambientais na Região Amazônica seria capaz de atrair

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a atenção deste bastião de sarcasmo britânico. Na única citação brasileira, uma espécie de editorial deliciosamente desabusado, a revista congratulava-se com o cinismo dos ambientalistas europeus e norte-americanos por finalmente terem encontrado o Brasil, bizarro país tropical em acelerado processo de autodestruição, mestiço e pobre, um perfeito substituto em termos de saco de pancadas para o Japão, o país que mais sistematicamente tem agredido o meio ambiente, mas que por ser rico e tecnologicamente avançado, não pode ficar na alça de mira dos bem-pensantes. O texto de Punch é mais que um sintoma, é um claro reflexo do grande fenômeno promocional em que se transformou o ecologismo, um típico produto das aceleradas mudanças políticas que estão ocorrendo no mundo. Os agressivos efeitos de um modelo econômico imposto à Amazônia nos anos 60, com resultados desastrosos especialmente para as populações tradicionais, ganharam sons exacerbados nos últimos anos, produzindo uma multiplicidade de vozes, de denúncias, de ameaças, de propostas, sempre envergando o escudo da solidariedade, que acabou por obscurecer ainda mais o problema brasileiro da Amazônia.

Referências FATHEUER, T. W. Wer zerstoert, wersttet Amazonien? Lateinamerika Nachricthen, p. 233, 1993.

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Introdução Este texto tem por objetivo resumir algumas reflexões sobre a Amazônia que tenho desenvolvido mais aprofundadamente em trabalhos de pesquisa nas últimas décadas. O primeiro ponto que desejo frisar é que o modelo primárioexportador que vinha marcando a Amazônia desde o período colonial mudou recentemente seu perfil, e converteu-se numa forma de neocolonialismo em que a região se vê hoje tão enredada quanto esteve no passado. O segundo é que, apesar de outras regiões brasileiras que tiveram um passado similar terem conseguido combinar o modelo primárioexportador com modelos mais avançados de organização da economia e da vida social, tal não aconteceu com a Amazônia. Ao contrário disso, tem havido uma reestruturação e aprofundamento do modelo primário-exportador que, de agroexportador baseado em produtos florestais que vinha sendo desde o período colonial, tem agora suas bases fincadas no subsolo da região – na mineração e na siderurgia. O terceiro ponto é que até os anos 70 a região representava a última fronteira de expansão do extrativismo e do campesinato; entretanto, em apenas duas décadas (80/90) converteu-se numa fronteira de commodities. Sobre a nova fase – como fronteira de commodities -, em que a hidrelétrica de Tucuruí se apresenta como ato inaugural, pelo menos duas considerações parecem se fazer necessárias: a) diferentemente do que ocorria no período colonial, em que a Metrópole decidia a forma de ocupação e exploração da região, a nova fase da região como fronteira de commodities tem tido o governo federal como importante estimulador; ou seja, apesar de o mundo estar hoje muito mais globalizado do que em qualquer momento da história, tanto a estruturação dos componentes da nova fase quanto sua vinculação com o mercado mundial têm dependido mais de decisões internas do país do que das condições externas, como ocorria no passado; b) o papel do Estado brasileiro como estimulador e indutor do aprofundamento do modelo primário-exportador é algo paradoxal porque o modelo somente tem aumentado as desigualdades regionais, em desfavor da região; e porque coloca a região numa tripla dependência – do mercado

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global e suas oscilações, das definições políticas do centro nacional de poder e das necessidades do Centro-Sul mais desenvolvido. O quarto ponto é que na nova fase os chamados grandes projetos, que nos anos 70/80 foram amplamente estudados como fatos novos no cenário amazônico, tornaram-se atualmente tão frequentes que perderam a consistência como objeto privilegiado de estudo de que gozavam até recentemente e deixaram de surpreender, pela habitualidade como agora polvilham o espaço amazônico em todos os pontos cardeais. O quinto ponto que desejo marcar, e que venho frisando há alguns anos, é que a forma como vem sendo tentado o “desenvolvimento” da Amazônia, por ser centralizadora de renda e voltada prioritariamente para o mercado externo, virou as costas para as populações regionais, desinteressada de seu destino; e não distribui com elas os frutos das novas atividades econômicas implantadas, nem melhora o padrão de vida dessas populações. Trata-se, portanto, de uma modernização às avessas. Embora seja indiscutível que o presente de qualquer sociedade tem suas bases fincadas no passado, o caso amazônico é singular porque o conjunto dessas condições torna o futuro da Amazônia mais incerto e inquietante que o de outras regiões brasileiras. Diante disso, é inevitável se inquirir se estaria a região natural mais rica do planeta presa nas malhas de sua história e fadada a um destino desigual e inferior ao das demais regiões? Não me parece ser este o caso, e é disso que este artigo trata. Iniciativas e experiências recentes vêm indicando que há outros cenários possíveis para a região, capazes de proporcionar o engajamento de suas populações, distribuir melhor a renda, elevar o padrão de vida local – enfim, proporcionar condições para promover uma sociedade mais igualitária, que goze de maior justiça social.

A Amazônia enredada no neocolonialismo e numa tripla dependência Dos tempos coloniais aos dias atuais a Amazônia brasileira tem sido um locus de exploração de matérias-primas de toda a ordem. No passado remoto foi o lugar de onde os colonos portugueses e exploradores capturavam índios para transformar em escravos,

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pondo-os para trabalhar como guias, mateiros, remeiros, para construir casas, fortificações, engenhos de açúcar ou para trabalhos na caça ou na pesca. Posteriormente, começaram a ser exploradas as chamadas “drogas do sertão” (matérias-primas extraídas de árvores da floresta nativa, usadas como tempero, material para fazer remédios, alimentos ou tinturas). Os portugueses e bandeirantes não encontraram ouro na Amazônia, mas as drogas do sertão acabaram sendo um equivalente dele. Em meados do século XIX, as drogas do sertão perdem importância e inicia-se o Ciclo da Borracha1. A borracha robustecia os cofres do governo federal, os bancos estrangeiros e uma parte do reduzidíssimo contingente da elite regional, enquanto milhares de nordestinos se embrenhavam na mata na expectativa de melhorar de vida; mas, o que lá encontravam era a exploração, a doença e, não poucas vezes, a morte. Naquela fase o governo brasileiro ignorou e abandonou a nascente e ainda frágil fabricação de artefatos de borracha que começava a surgir na região e que poderia ter-se desenvolvido, se estimulada. Em vez disso, concentrou seus incentivos e ações na produção de bolas de látex para exportação. Fazendo esta opção, deixou de aproveitar o impulso para instalar, desde aquela época, uma economia relativamente estável, que exportaria produtos industrializados de valor comercial mais alto que aquele obtido com o simples comércio de bolas de látex. O governo central privilegiou a fácil acumulação de capital com uma atividade produtiva rudimentar, que beneficiava reduzida elite e os cofres da União. Desestruturados o artesanato de borracha e a indústria, a região retrocedeu e assumiu plenamente, pela ação do governo federal, sua antiga e persistente condição de exportadora de produtos extrativos, da qual ensaiava sair. Os livros de história registram a exploração das drogas do sertão como um exemplo da economia própria do antigo sistema colonial e o chamado Ciclo da Borracha como um acontecimento passageiro na vida amazônica. No entanto, a formação social e a vida econômica da região demonstram que a exploração das drogas do sertão está longe de ter ficado cristalizada na história passada do Brasil Colônia ou o Ciclo da Borracha como breve acontecimento preso entre dois séculos. Na verdade, ambos os casos são apenas exemplos de um meio de exploração que se tornou modelar e que persiste até os dias atuais com Embora já não fossem chamadas de drogas do sertão e sim de produtos extrativos ou do extrativismo, boa parte dos produtos consistia, tal como antes, de óleos vegetais, sementes, temperos, etc.

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vigor crescente. Trata-se de nova forma de colonialismo na qual a região foi engajada, tendo o governo federal como principal estimulador do processo. Mesmo no caso da Zona Franca de Manaus – que poderia ser analisada como uma ruptura no modelo primário-exportador predominante na região, não é a sociedade amazonense que mais se beneficia; a ela foram destinados os empregos manuais e os cargos de menor importância. Nem mesmo a elite local usufrui de ganhos consideráveis, e sim as montadoras multinacionais que lá se instalaram (parte delas com sede no Sul do Brasil) (CARVALHO, 2013). O modelo primário-exportador da Amazônia apresenta características bastante claras: é persistente, concentrador de renda, voltado para fora (o mercado externo e do Centro-Sul do Brasil), de costas para as populações regionais, e tem tido desde fins do século XIX o governo federal e as grandes corporações como orquestradores do processo. Disso resultam algumas consequências graves: a Amazônia tem servido mais a outros países e a outras regiões do que às suas próprias populações, sejam elas seus povos originais, sejam os que para ela se dirigiram escolhendo-a como lugar de destino. E, à medida que a indústria mundial e as corporações econômicas se desenvolvem e se articulam, têm ficado cada vez mais restritas as possibilidades da região se valer de sua própria riqueza para a melhoria das condições de vida de suas populações. Tornou-se difícil para a Amazônia brasileira construir sua própria história, que tem sido definida a partir de fatores externos à sua natureza e à sua gente.

O início das transformações recentes Discutir as possibilidades futuras da Amazônia e suas implicações sobre as populações locais impõe, necessariamente, uma retrospectiva envolvendo alguns elementos importantes ocorridos nas últimas décadas. As transformações pelas quais a Região Amazônica vem passando nos anos recentes podem ser mais bem entendidas se analisadas sob dois momentos, como os que a seguir proponho: o primeiro, abrangendo os anos 70 e 80, e o segundo dos anos 90 aos dias atuais. Cada um deles apresenta determinadas características que se destacam sobre as demais, embora algumas delas persistam com maior ou menor ênfase em uma das duas fases, embora ainda subsista na outra; ou seja, as fases e suas caraterísticas se interpenetram mas,

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de toda a forma, não é possível escapar do estabelecimento de alguns marcos temporais minimamente balizadores. A partir dos anos 70, a Amazônia como fronteira tornou-se um tema importante e constante na pauta de estudos e debates acadêmicos e políticos do país. As frentes humanas que desde os anos 60 se dirigiam para a região eram formadas, predominantemente, por pequenos produtores rurais que nela desenvolviam seu trabalho com base na agricultura familiar. A fronteira era, assim, o lugar onde tradicionalmente a existência de condições concretas de terra e trabalho possibilitava a permanente expansão do campesinato no país. Dessa forma, o campesinato e o capital avançavam sobre as fronteiras alargando-as incessantemente, enquanto houvesse caminhos para alcançar novas terras. Na Amazônia, o processo vinha acontecendo desde os anos 60 e, mais acentuadamente, a partir dos anos 70. Nos anos 60/70/80, a Amazônia desempenhava algumas funções muito peculiares: era o lugar para onde o governo federal procurava desviar (pela via da migração estimulada) as tensões sociais decorrentes da falta de emprego, da insatisfação social, das crises regionais, como a seca e da ausência de políticas de distribuição de renda; para o mercado nacional e internacional, atuava como fora desde o período colonial – uma das muitas regiões de economia primário-exportadora. Para os migrantes que para a região se dirigiam, era o lugar onde se processava a tentativa utópica de construção ou reconstrução da história familiar, sob condições melhores que nos lugares de onde se originavam, embora para eles fosse também o lugar de conflito – o lugar da luta entre a terra como lugar de trabalho e a terra como lugar de negócios e reserva de capital. Os conflitos de terra nas décadas de 60/70/80, quando os grandes projetos e as grandes estradas estreavam na região decorreram, no meu entendimento, da incapacidade histórica do Estado, quando acionado, de se posicionar eticamente ante os interesses antagônicos dos distintos grupos sociais, em especial quando na fronteira, zona distante do poder central e mesmo dos governos estaduais. E de dar conta, através de seus sistemas institucionalizados, de questões que colocam frente à frente os interesses das camadas pobres e das populações tradicionais (índios, caboclos, quilombolas e outras) e os privilégios de que o capital e seus detentores usufruem historicamente. E, embora poucos autores tenham feito um registro explícito sobre este ponto, parece ter havido sempre um consenso entre os estudiosos de que a Amazônia era a última fronteira de expansão do capital do país.

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Entre 1950 e 1980 as condições da economia global não afetavam a região da forma como passam a impactar a partir dos anos 80. Isto porque, depois da falência da economia da borracha, a inserção da região no mundo globalizado tornou-se mais fraca e a articulação externa menos intensa. Isto porque os produtos que compunham a pauta de exportação eram de menor valor e em menor quantidade, de modo que as oscilações do mercado externo não afetavam a economia regional como antes.

As opções desastradas do governo brasileiro e o aprofundamento do modelo primário-exportador As grandes alterações que se registram na região a partir dos anos 80 estavam sendo gestadas desde o início da década de 70, em nível mundial. Em 1973 deu-se a primeira crise do petróleo, quando os países árabes decidiram aumentar o preço do barril em quase 400%. Naquela primeira crise, o Brasil encontrava-se na fase mais pesada da ditadura militar – eram os chamados “anos de chumbo”. Assim, o governo resolveu manter inalterado o projeto de criar um “Brasil Grande”, líder da América Latina. A falta de recursos para investimentos levou o governo da ditadura a tomar empréstimos para a implantação de obras gigantescas, que demonstrassem a solidez do modelo econômico, o arrojo do poder militar e o alcance do projeto “Brasil Potência”, como país hegemônico na América Latina. Na expectativa de que a crise de 1973 fosse passageira, o governo brasileiro não contava com a possibilidade de uma 2ª crise do petróleo (1979), mais grave que a primeira e depois da qual o petróleo não mais voltou aos preços originais. As políticas públicas que na década foram desencadeadas na região, gerando o ciclo das estradas, da colonização, da pecuária estimulada por incentivos fiscais, da concessão de grandes lotes de terra, e com elas, dos conflitos de terra que caracterizaram a década, não apenas se revelaram desastradas na maneira como foram conduzidas, mas também apresentaram poucos resultados econômicos e sociais. Nesse caso, tratou-se de uma opção interna, que não teve origem em pressões ou conjunturas internacionais. Ainda internamente, outras opções igualmente desastradas foram assumidas, tais como uma reforma do ensino (LDB/Lei Nº 5.692/71), que colocou o país pelo menos duas décadas em atraso em relação à educação básica dos países centrais, a migração desordenada que apenas agravou a questão

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regional amazônica, sem equacionar os problemas de outras regiões das quais a população migrante havia saído2. Os empréstimos tomados nos anos 70 geraram a crise da dívida nos anos 80 resultaram em crescimento do PIB igual a zero ou próximo disso, acompanhado de inflação acelerada durante toda a década de 80, que se estendeu até a metade da década seguinte3. Devido às duas crises do petróleo, os países centrais imprimiram mudanças profundas em suas economias, reorganizando-as com o objetivo imediato de poupar petróleo e energia elétrica. Não bastava mais importar matéria-prima e semielaborados para processar internamente e revender nos mercados interno e internacional, como faziam desde o período colonial. Era preciso retirar de seus territórios, o mais rapidamente possível, indústrias altamente consumidoras de petróleo e outras formas de geração de energia, para dedicarem-se à indústria de ponta, baseada na avançada tecnologia microeletrônica. Apesar do quadro social e econômico nacional já por si só ser bastante negativo, o governo brasileiro optou por aceitar a transferência dessas empresas para a Amazônia, tendo conhecimento que se implantariam sob a forma de enclaves. Para os países centrais a Amazônia afigurou-se como um locus privilegiado: dotada de enorme potencial hidrológico, com uma floresta densa altamente produtora de biomassa, mão de obra pobre e por isto facilmente mobilizável a baixos salários, e de uma sociedade cuja cultura pouco valorizava a floresta, sendo por isto, um bem facilmente aproveitável como insumo na produção siderúrgica. Além desses erros e equívocos do governo central, há aqueles de fundo cultural que vêm de longa data, como a ideia de que a natureza amazônica é superabundante, resistente, inesgotável e autorregenerável; por isto, empresários e aventureiros de toda ordem, desprezando o fato ou ignorando que a Amazônia é o maior banco genético do mundo, separam a floresta (que exploram exaustivamente), da biodiversidade (tomada como um tema exclusivo e restrito aos estudos científicos); entendem que índios e caboclos (especialmente os extrativistas) vivem O crescimento populacional dos estados da Região Norte (englobando os 7 estados totalmente amazônicos: Amapá, Acre, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins) entre os anos 1960 /2010 foi o mais vertiginoso do país, passando de apenas 2,5 milhões de habitantes em 1960 para quase 16 milhões em apenas 50 anos: 1960 – 2.579.442; 1970 – 3.603.860; 1980 – 5.880.268 ; 1991 – 10.030.556; 2000 – 12.911.170; 2010 – 15.864.402. Fonte: IBGE (1960; 1970;1980; 1991; 2000; 2010). 3 Entre 1981 e 1990 o crescimento máximo do PIB foi de 1,6%, enquanto a população crescia num ritmo veloz. A inflação em 1984 foi de 224% e, apesar dos diversos planos econômicos, ela persitiu durante o regime democrático que teve início em 1985. A inflação seguiu descontrolada até 1994, quando foi implantado o Plano Real (GUEDES FILHO, 2007). 2

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em terras excessivamente vastas e que as ocupam em atividades pouco rentáveis para o Estado e de modo incompatível com a economia e a sociedade contemporâneas; suas atividades produtivas – o extrativismo vegetal em especial – são consideradas como primitivas, arcaicas, antieconômicas e não merecedoras de apoio e aperfeiçoamento. Daí porque as políticas públicas não estimulam o enriquecimento da floresta para um aproveitamento mais vantajoso, apesar de milhares de pessoas na região viverem de atividades extrativas. E apesar de tais enclaves serem tão extrativistas quanto os tradicionais da região, eles rejeitam tal designação e, assim, acabaram impondo-se nacionalmente como se fossem “indústrias”, de fato. Entendo, como Santos (2003, p. 18), que a forma atual e predo­ minante como se estabeleceu nos últimos séculos o contrato social nas sociedades ocidentais, imposto pelo sistema democrático-liberal, visando apenas a reprodução do capital, gerou grave crise no sistemamundo4. A crise reside no fato de que predominam cada vez mais fortemente os processos de exclusão social sobre os processos de inclusão. Na Amazônia, o impacto maior dessa exclusão e repulsa ao modo de vida recai sobre as populações regionais, as tradicionais e os índios. São concebidos como povos atrasados, primitivos, portadores de uma cultura inferior, que criam obstáculos ao desenvolvimento e que só têm a ganhar integrando-se à sociedade urbana e “civilizada”, devendo por isto desocupar suas terras para destiná-las a atividades ditas “modernas”. Sob a ótica integracionista, as terras indígenas seriam situações provisórias que tenderiam a desaparecer à medida que os índios fossem sendo assimilados – pelas mais diversas vias – à sociedade nacional, desaparecendo dentro dela, diluindo assim, “o atraso” e o “primitivismo” que os tornam diferentes e os afastam dos padrões civilizados da sociedade moderna; daí porque boa parte das elites e segmentos dos governos consideram “natural” e inevitável incorporar terras de índios e caboclos ao processo econômico em curso. Esses grupos sociais são concebidos como negadores do desenvolvimento e da modernidade (mas, os enclaves não são considerados da mesma forma!).

A nova fase: a Amazônia como fronteira de commodities A chamada “decada perdida” (anos 80) resultou, em nível nacional, de opções internas impulsionadas pelo projeto do “Brasil Potência”; e A expressão sistema-mundo ficou amplamente conhecida após seu uso por Wallerstein (1980).

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no que concerne à Amazônia, de decisões tomadas voluntariamente pelo governo central em desfavor da região – a opção por aprofundar o modelo primário-exportador, ao estimular a transferência de enclaves mineradores e siderúrgicos para a região, como a siderurgia do ferro, alumínio, celulose, cobre e outros minérios. Curiosamente, o governo brasileiro aceitou de bom grado que essas usinas siderúrgicas se instalassem na Amazônia; e ainda fez mais – comprometeu-se a construir as infraestruturas necessárias para que elas pudessem se instalar na região (aeroportos, estradas de rodagem e de ferro, vilas para funcionários, hospitais etc). Uma grave lacuna interpretativa nas ciências sociais que se dedicam à região é a ausência de estudos capazes de esclarecer porque o Brasil aceitou negócio tão desvantajoso. Qualquer estudante de economia, ao iniciar sua graduação, aprende que esse tipo de empreendimento faz crescer o Produto Interno Bruto (PIB), mas não internaliza benefícios, por várias razões combinadas: em primeiro lugar porque são enclaves econômicos e, portanto, empresas não enraizadas na economia local, que não formam uma cadeia produtiva até a produção de bens finais (HIRSCHMAN, 1976); por isto, geram parcos empregos e não internalizam riqueza. Em segundo lugar, como todos os enclaves, produzem apenas matérias-primas e semielaborados e portanto, bens que apresentam baixo valor no mercado (somente grandes quantidades produzidas tornam-se vantajosas para as empresas). Em terceiro lugar, porque os produtos minerais são exportados com isenção do imposto sobre a exportação, em virtude da chamada Lei Kandir, que desde os anos 90 tem trazido tantos prejuízos para a região. Assim, para os estados produtores de matérias-primas e semielaborados, ter um PIB elevado não representa riqueza, já que ela não é internalizada nem distribuída socialmente, indo os valores gerados diretamente para os conglomerados econômicos aos quais as empresas pertencem. Os casos mais graves na Amazônia Legal são o do Pará e do Maranhão, estados mineradores do complexo Carajás. A Vale produziu em 2012 somente no primeiro trimestre 83,9 mil toneladas, o que multiplicado por 4 trimestres/ano resulta numa média de 340 mil toneladas/ano, tendo exportado 1,5 bilhão de reais em 2012 somente com o ferro. Além do ferro, a Vale é a maior produtora de ouro na América Latina, com 18 toneladas/ ano. Apesar de sua riqueza mineral o Pará apresenta-se entre os estados de piores PIBs per capita do país, com um valor que representa menos da metade do PIB per capita brasileiro. Dos 144 municípios do Pará, apenas 5 têm PIB per capita

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superior à média brasileira (IBGE, 2011a). Tanto no Maranhão quanto no Pará, a pobreza é visível por toda a parte. A concentração da renda do modelo primário-exportador, em especial dos novos enclaves e o mecanismo extorsivo do governo federal (imposto pela já referida Lei Kandir), estão entre os mais graves impedimentos à melhoria da qualidade de vida das populações regionais. As teorias que explicam a condição de economias primárioexportadoras são altamente repetitivas no argumento simplista de que a divisão internacional do trabalho relegou os países periféricos à condição de exportadores de matérias-primas e semielaborados. No caso amazônico, mesmo depois das experiências malsucedidas com a borracha, o manganês, as madeiras e outros produtos, o governo federal insistiu em impor à região o modelo exportador de produção “in natura” ou semielaborada. Omitem-se, neste tipo de análise, as condições, injunções e decisões das políticas públicas internas dos países, dentre as quais os interesses de grupos nacionais e suas alianças com corporações estrangeiras e a corrupção são alguns dos fatores explicativos, mas não os únicos. No Brasil, a cultura da corrupção e a má utilização de recursos públicos enraizadas na tecnoburocracia são elementos que exaurem a vitalidade das políticas públicas minimizando seus possíveis efeitos positivos. A opção pela consolidação e pelo aprofundamento do modelo primário-exportador (pelo menos em sua forma recente), foi tomada voluntariamente pelo governo brasileiro – que chegou a financiar sozinho a construção da hidrelétrica de Tucuruí, dispensando o governo japonês desse ônus. Ora, em contrato assinado anteriormente pelas partes interessadas, o Japão arcaria com parte dos custos das infraestruturas. A dispensa é ainda mais absurda, uma vez que o fato se deu numa década (a dos anos 80), em que a situação econômica nacional era crítica diante da elevada inflação, da estagnação econômica e do alto endividamento público, o que levou os economistas a designá-la “a década perdida”; a inserção da região como secundária, periférica e primário-exportadora no contexto global intensificou sua dependência aos mercados externos e enfraqueceu a já frágil margem de autonomia de que a região gozava. É esta a maneira como analiso a segunda fase de expansão do capital na região – a Amazônia torna-se uma fronteira de commodities (que a inclui como exportadora de energia elétrica para o sistema nacional). Esta fase, que vinha sendo gestada desde os anos 70 em nível mundial, começa a se estruturar na Amazônia a partir de 1985 com a

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hidrelétrica de Tucuruí – marco fundador, monumento inaugural da segunda fase de expansão recente do capital e das novas transformações que se dão entre as duas fases (na passagem da Amazônia de fronteira do campesinato para fronteira de commodities), uma vez que os empreendimentos mineradores foram a principal motivação para sua implantação. Após sua instalação, 50% da energia gerada destinava-se (altamente subsidiada) às empresas mineradoras do Pará e Maranhão; somente após a expansão da capacidade de geração da usina, a distribuição começou a se dar de modo diferente: agora 1/3 se destina às mineradoras, 1/3 é integrado ao sistema nacional e abastece outras regiões brasileiras e 1/3 destina-se à região, especialmente ao Pará. Porém, enquanto a energia gerada era menor, a prioridade era das siderúrgicas e não das populações locais. Na fase atual, não mais as estradas definem a entrada de capitais ou de migrantes no espaço amazônico, mas sim, a prospecção mineral, as obras governamentais de suporte ao modelo primário-exportador (como as hidrovias para transporte da soja e outros) e as oportunidades que se apresentam para os capitais de grande porte. Também as atividades econômicas se alteraram e todas elas, sejam as das primeiras fases (anos 70/80) – a extração da madeira, a pecuária, a colonização e a pesca “industrial”, seja as da segunda – a mineração, a siderurgia, os grãos e os óleos (como o de palma), todas elas apresentam características comuns: nada têm a ver com as populações locais, envolvem grandes volumes de capital e têm irrestrito apoio governamental. Além do que, a ruptura no bojo da qual se desenha o novo perfil da Amazônia tem elementos propulsores de caráter interno – as políticas públicas internas que vêm consolidando e aprofundando sua condição de região dependente primário-exportadora.

Os novos grandes projetos tornaram-se frequentes e rotineiros na paisagem amazônica No novo contexto em que a Amazônia se encontra, destaca-se não apenas o ângulo econômico – ele se revela como um modelo que vira as costas para as populações amazônicas, indiferente à melhoria das formas de vida das populações regionais, aos seus saberes e suas culturas. A natureza em geral, e em especial a floresta, são tomadas como expressão de primitivismo e de atraso, por contrastar com o plantio de culturas ditas “racionais” – porque organizadas sob o formato de monoculturas, homogêneas e “modernas”, que caracterizam a

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agricultura dos países centrais, e são imitadas pelos países periféricos, num processo de “mimetismo colonial”, no dizer de Bhabha (2009). Consolida-se o parque siderúrgico com novos empreendimentos: a produção de grãos e óleos adentra nos espaços amazônicos por cima de florestas densas e, geralmente, de modo irregular. Por sua vez, a chamada “economia verde” que se instala em áreas que foram desmatadas nas décadas passadas volta-se para a produção sob a forma de monoculturas onde predominam diversas espécies de eucalipto; são florestas comerciais que descaracterizam a biodiversidade regional, em vez de recuperá-la com culturas economicamente rentáveis, endógenas à região e respeitando minimamente uma diversidade de espécies, tal como se espera que seja a recuperação de áreas degradadas do espaço amazônico. Os chamados “municípios verdes” de que hoje alguns prefeitos se orgulham, violentam uma das características fundamentais da natureza da região – ser um precioso e abundante sistema natural biodiverso. Os novos espaços alterados pelo plantio de florestas comerciais de eucalipto esvaziam a Amazônia de um dos seus elementos naturais mais importantes – a biodiversidade. E a região vai deixando, paulatinamente, de ser o que se conhece mundialmente como Amazônia – o sistema natural flúvio-florestal5 mais biodiverso do planeta (VIEIRA, 2001). A indiferença ou a incompreensão da dimensão do desastre persiste em segmentos da área técnica e da pesquisa, o que se constata quando em 2015 a Embrapa sugere a plantação de eucalipto e soja em áreas já degradadas pelas pastagens como forma de recuperá-las (BRAGA, 2015). Outra característica visível nas transformações recentes é que os antigos “grandes projetos” são hoje bastante numerosos mas, excetuando o complexo Carajás (no sudeste do Pará) e o de alumínio, próximo a Belém/Pará, todos os demais empreendimentos acham-se encravados, situados isoladamente, em meio ao espaço amazônico – indicando, visivelmente, sua desarticulação com a economia e a sociedade regionais. Ao todo, as mineradoras vão investir cerca de US$ 24 bilhões entre 2012 e 2016 para aumentar a produção de minério de ferro, bauxita e outros metais encontrados na Bacia do Amazonas, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração. O Brasil já recebe hoje um quinto dos investimentos em mineração no mundo, e a Amazônia representa para muitos o maior potencial ainda inexplorado do país. “A Amazônia será a nossa Califórnia” (COURA, apud LYONS; KIERNAN, 2012). Definição não escrita, formulada oralmente pelo geógrafo Orlando Valverde e registrada pela autora.

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A ruptura se completa com o despovoamento crescente das populações interioranas que têm na migração sua principal causa. Os Censos Demográficos de 1960, 1970, 1980, 1991, 2000, 2010 (Tabela 1) exibem claramente esse despovoamento e explicam, em grande parte, porque as periferias urbanas das cidades da região apresentam indicadores sociais dos mais baixos do Brasil, em alguns casos mesmo em relação à Região Nordeste, que sempre apresentou problemas crônicos como a seca, o que por si só já explica em grande parte a pobreza e a migração campo-cidade daquela região. Tabela 1. Crescimento da população urbana da Região Norte/1960-2010. Situação

1960

1970

1980

1991

2000

2010

Urbana

1.041.213

1.784.223 3.398.897

5.931.567

9.002.962 11.664.509

Rural

1.888.792

2.404.090 3.368.352

4.325.699

3.890.599

Total

2.930.005

4.188.313 6.767.249 10.257.266 12.893.561 15.864.454

4.199.945

Fonte: IBGE (1960; 1970; 1980; 1991; 2000; 2010).

Uma consequência inevitável: o aumento das desigualdades Com esse cenário não é de espantar que o Atlas do Desenvolvi­ mento Humano (PNUD, 2013) aponte que, dos 48 municípios brasileiros com os mais baixos padrões de vida, apenas 13 estão fora da Amazônia (são da Região Nordeste) e mesmo, que o município com o pior padrão de vida entre os 5.565 municípios brasileiros investigados esteja justamente no Pará. Tal situação já era muito grave em 1990, quando o Atlas do Desenvolvimento Humano (PNUD, 1990) mostrava que os estados amazônicos integravam o grupo de menor renda per capita no país. Somando-se os percentuais da população vivendo na faixa da extrema pobreza (renda mensal abaixo de ¼ de salário mínimo) com os da faixa de pobreza (renda mensal per capita entre ¼ e ½ salário mínimo), o que se tem é que em 1990 eram pobres ou muito pobres 45% da população da região; em 2002 eram 44%. Em 2009 a situação permanecia, praticamente, idêntica: os estados da Amazônia Legal apresentavam elevadíssimos índices de pessoas vivendo na pobreza e em extrema

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pobreza. As duas categorias – pobreza e extrema pobreza – somavam 53% das pessoas no Maranhão, 40% no Acre, 45% no Pará, 40% no Amapá, 42% no Amazonas, 37% no Tocantins, 39% em Roraima, 30% em Rondônia e 24% em Mato Grosso; a média de pessoas vivendo na pobreza e extrema pobreza na Amazônia Legal era de 42%, enquanto no Brasil a média era de 29% (IBGE, 2011b). Portanto, nas três situações observadas (2000, 2002, 2009) quase metade da população tinha renda mensal de menos de metade do salário mínimo! Se em 20 anos (1990/2009) o padrão de vida da população melhorou apenas 3%, estando muitíssimo abaixo da média nacional, quanto tempo levará para melhorar ao menos 50%? Os dados a seguir indicam, claramente, as precárias condições de vida das populações regionais amazônicas, em quase todos os itens piores que as do Brasil e do Nordeste. Tabela 2. Algumas características dos domicílios permanentes, segundo Grandes Regiões 2011. Percentual de domicílios particulares permanentes

Algumas características existentes

Brasil

Abastecimento de água pela rede geral

84,6

55,9

79,9

91,1

86,8

86,0

Rede de esgoto

54,9

13,0

35,1

82,4

35,7

43,1

Iluminação elétrica

99,3

96,2

98,8

99,9

99,8

99,7

Telefone fixo

89,9

81,6

81,8

94,0

93,8

93,6

Tel. móvel celular

49,7

63,6

61,6

38,5

51,3

57,4

Filtro de água

53,2

29,3

52,1

66,3

24,0

62,4

Geladeira

95,8

86,8

91,0

98,6

98,8

98,2

Rádio

83,4

65,0

78,1

87,7

90,7

80,1

Televisão

96,9

91,7

95,4

98,3

97,8

96,9

Microcomputador

42,9

26,7

25,5

52,8

50,8

45,8

Com acesso à Internet

36,5

20,2

21,3

46,1

42,0

38,6

Carro

40,9

20,3

20,4

49,0

59,3

47,8

Grandes Regiões Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: IBGE (2011).

Do ponto de vista da educação e da cultura, a situação dos estados da Região Norte é a mais grave do Brasil. O Pará, estado

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onde têm sido feitos os maiores investimentos privados em mineração e hidreletricidade, por exemplo, no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica 2013 (IDEB/INEP/MEC), teve o pior desempenho do Brasil no ensino médio (2,9) de todo o Brasil e o segundo pior no ensino fundamental (2,7), o que demonstra que os grandes empreendimentos econômicos não vêm se traduzindo em benefícios sociais; embora os demais estados amazônicos apresentassem indicadores ligeiramente melhores que os do Pará, ainda assim situavam-se entre os mais baixos indicadores do Brasil, ao lado de alguns dos estados do Nordeste (na média, esta região apresentava desempenho melhor que o da Região Norte). Com esse nível de renda, não é de espantar que no questionário da Prova Brasil 2011, os professores das redes de ensino fundamental e médio de Belém, ao responderem à pergunta: – lê livros em seu tempo livre? – as respostas tenham sido: nunca lêem ou quase nunca – 83%; eventualmente – 16%; sempre ou quase sempre – apenas 1% (INEP/ MEC/Prova Brasil6 2011/Perfil do Professor/Pergunta 34).

Uma modernização às avessas7 Vale a pena ter empreendimentos desse tipo na Amazônia? Mais que uma resposta, a pergunta pede uma reflexão. Em primeiro lugar, é inegável que o governo federal fez pesados investimentos na região durante quase cinco décadas. Contudo, a forma equivocada como eles foram aplicados – afrontando as culturas, rejeitando os conhecimentos locais, destruindo a natureza e fazendo opções equivocadas – foram anulando os efeitos positivos dos investimentos e potencializando os negativos. Em consequência, os resultados não corresponderam e continuam não correspondendo às expectativas esperadas. Em segundo lugar, não houve uma modernização, no sentido de melhoria das condições de vida das populações. Isto se deu por um conjunto de razões encadeadas, algumas das quais já referidas mais de uma vez neste texto. A produção e exportação dos produtos gerados pelas grandes empresas é feita com os produtos in natura ou semielaborados (minérios, gado, grãos, energia); não há diversificação de produtos e apenas algumas dezenas de grandes empresas, A Prova Brasil é um exame nacional aplicado a estudantes da 5º e 9º séries (antigas 4ª e 8ª séries) do Ensino Fundamental de escolas da rede pública; objetiva avaliar o domínio dos alunos em língua portuguesa e matemática. 7 Loureiro (1993), Loureiro (2001). 6

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constituídas sob a forma de “modernos enclaves” controlam toda a produção e a comercialização. São tidos como modernos porque se utilizam de máquinas e equipamentos eficientes e sofisticados, que elevam a produção e a produtividade; mas não beneficiam os ganhos do trabalho. Como essas empresas não processam internamente os produtos nem fazem sua finalização in loco, não desencadeiam o surgimento de médios e pequenos negócios decorrentes dos grandes empreedimentos e assim, não desenvolvem a economia regional; nem distribuem renda, ao contrário, aumentam sua concentração. A geração de emprego tem sido irrisória e os salários pagos são baixos. E finalmente, os governos continuam a investir os recursos disponíveis no sentido de reforçar esse modelo visivelmente perverso. A “modernização às avessas” não eliminou o trabalho árduo, degradante e escravo; ao contrário, o desmatamento para o plantio ou a formação de pastos e a produção de carvão vegetal da mata nativa para as indústrias siderúrgicas e outras atividades novas na região reviveram formas duras e arcaicas de trabalho (GUIMARÃES, 2005). No ano de 2004, em face das insistentes denúncias de trabalho escravo pela mídia e por instituições de defesa dos trabalhadores nas siderúrgicas do Pará e do Maranhão, o Ministério Público Federal e o Ministério do Trabalho reuniram-se com as empresas e instituições representantes dos trabalhadores para firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pelo qual as siderúrgicas se comprometiam a não manter trabalho escravo na produção de carvão vegetal. Mas, em 2012 a situação pouco havia se alterado. A revista Época (CALIXTO, 2012) publicava uma reportagem sobre as práticas ilegais das siderúrgicas do Pará e do Maranhão, com base em levantamento feito pelo Instituto Observatório Social. Na ocasião ainda foram identificadas várias siderúrgicas usando carvão vegetal, valendo-se do trabalho escravo e estimulando colonos pobres a desmatarem seus pequenos lotes para garantir a elas o fornecimento barato do carvão vegetal de que precisam. Em terceiro lugar, os programas nacionais para a Amazônia têm demonstrado a incapacidade do Estado brasileiro de compreender, articular e desenvolver as potencialidades da região. A complexidade da Amazônia foi subestimada durante o período autoritário e, em muitos casos, continua sendo. E sempre que a região é olhada de modo simplista, ela afoga a capacidade governativa do Estado brasileiro. Um dos maiores sociólogos do Brasil, o professor Octávio Ianni, em conversa informal sobre a região disse, certa vez, para esta autora: A Amazônia é para os brasileiros um enigma que ainda precisa ser decifrado.

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Em quarto lugar, os governos e as elites econômicas têm encarado historicamente as populações regionais, que há séculos vêm cuidando da região, conservando-a e protegendo-a, como entraves ao desenvolvimento. Interpretam os interesses dessas populações unicamente com base numa lógica de mercado, o que cria frequentes conflitos; mas o mesmo não acontece quando projetos gigantescos dilapidam recursos nacionais e bens coletivos, como a natureza amazônica. Em quinto lugar, o projeto modernizador do governo federal para a Amazônia (no período autoritário e mesmo em fase posterior a ele até os dias atuais), padeceu de uma fratura interna que rompeu o elo entre a modernização e a generalização social dos benefícios, que caracterizou a modernização nos países centrais. Daí porque a democracia real e a justiça social, no caso amazônico, convertem-se apenas em ideias difusas e abstratas de democracia, que jazem confinadas nos programas e projetos, mas permanecem distantes ou ausentes da vida de suas populações. E reforçam um paradoxo bem conhecido da sociedade regional – de que o governo federal vem há décadas propondo uma modernização que não materializa, no cotidiano, uma justiça social mais inclusiva e plural, capaz de realizar os anseios dos pobres, dos excluídos sociais e dos culturalmente diferentes. Em sexto lugar, é preciso mostrar que os fundamentos nos quais o modelo de desenvolvimento vigente na Amazônia se ancora – entre os quais se destaca a busca incessante do progresso e da modernização – revela as contradições do Estado brasileiro diante da questão amazônica. Ela ultrapassou há muito tempo a condição de simples questão regional; converteu-se em questão nacional e mesmo internacional. Além do que, trata-se de falsa modernização ou, como tenho mencionado desde os anos 90 em vários trabalhos, como uma “modernização às avessas”. Vários programas recentes consolidam, voluntariamente, a “pseudovocação” da região como primário-exportadora. Quando me refiro à questão, mencionando a opção voluntária dos grupos no poder, não desconheço a existência de um mercado global altamente competitivo em que as economias centrais operam com tecnologias de ponta e as periféricas com exportação de produtos primários. O que desejo frisar é que, embora seja este o contexto mundial, há opções internas que são completamente ignoradas e desprezadas pelos governos, seja o central, sejam os regionais. Em cinco décadas as ações governamentais têm dado clara demonstração de que o potencial

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amazônico não tem sido aproveitado de forma verdadeiramente moderna e racional. Os governos fizeram opções equivocadas em muitos casos; noutros, simplesmente, houve cooptação pelo capital internacional visando vantagens de grupos. E nos últimos anos o processo de exploração da região tem sido intensificado. Além dos minérios a União decidiu explorar a energia hidráulica nos rios amazônicos, sem levar em consideração que, correndo sobre planície é preciso construir grandes lagos para reter a água necessária para a produção de energia para o resto do país. E aí também, a produção/ exportação se faz sem ganhos financeiros para a região e com enormes problemas sociais e ambientais. A produção de energia elétrica para o restante do país foi definida desde o Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010, mais conhecido como Plano Energético-2010, depois reajustado pelo Plano Energético-2015, sem grandes alterações em relação ao primeiro, ambos conhecidos como Plano-2010 (Ministério de Minas e Energia/ Eletrobras). Várias usinas já foram construídas e outras seis estão em execução. O Plano 2010 partiu de um princípio básico – a opção preferencial pela energia hidráulica para o país; e um pressuposto (equivocado) – o Brasil somente poderá se desenvolver se contar com a energia gerada na Amazônia. Esta é a razão pela qual o governo central planejou executar 68 hidrelétricas (sem prazos de execução definidos), nos caudalosos rios amazônicos, com a finalidade de gerar energia suficiente para as mineradoras e siderúrgicas instaladas ou planejadas na região, e para garantir a necessidade crescente de energia pelo Centro-Sul mais desenvolvido do país. A partir dessa decisão, a Amazônia deixou de ser uma razão em si mesma, para se converter em capital mobilizável em favor do país; sua bacia hidrográfica e sua natureza em geral saíram dos livros de geografia e da paisagem humana para se converter em matéria-prima, com preço e valor em bolsas internacionais. Assim, os novos grandes projetos em curso na região destinam-se, tais como os anteriores, à sustentação do desenvolvimento de outras regiões (o que seria ótimo, caso não fossem executados em detrimento da Região Amazônica), ou a assegurar as bases infraestruturais da produção de outras regiões. É este o objetivo dos portos e de hidrovias que pretendem escoar pelo Rio Amazonas a produção de grãos do Centro-Oeste, das rodovias de integração em execução e com o mesmo objetivo; ou das 23 hidrelétricas das quais seis em construção que integrarão o sistema energético nacional. Em todos esses casos, as

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populações locais não foram ouvidas, apesar da legislação obrigando a fazê-lo, ou manifestaram-se aberta e clamorosamente contra. Mas a surdez das elites econômicas e no poder em quase nada alterou os projetos originais para atendê-las em seus justos pleitos. Não há dúvidas quanto à posição neocolonial imposta à Amazônia no contexto nacional. Hoje os grandes projetos tornaram-se rotineiros na paisagem amazônica e perderam essa designação, que lhes havia sido dada por se apresentarem como eventos novos em uma região que primava antes pelos pequenos e médios negócios. Dar-se um voto de confiança aos planejadores e governantes dos anos 70, 80, justificando-os pelo desconhecimento científico da fragilidade dos ecossistemas amazônicos, é ser excessivamente condescendente. O menosprezo pelo valor intrínseco da natureza não dependia de qualquer conhecimento científico, seja econômico, seja relativo às ciências naturais. A atribuição de valor zero à mais rica e biodiversa floresta do mundo (como foram as práticas da Sudam, Incra e dos órgãos estaduais quando da concessão de terras e incentivos fiscais federais e estaduais), deveu-se a um elemento cultural das elites – o preconceito das elites contra “a mata” – selvagem, indomável, prova inconteste de nossa condição como sociedade primitiva! O que dizer daqueles que os sucederam nas demais décadas? A racionalidade de mercado e a ideologia do progresso produziram uma maneira de visualizar as populações regionais como estando na contramão da história. A suposta racionalidade de mercado e a ideologia do progresso forjaram um modo de ver como opostos e inconciliáveis – o crescimento econômico, o “desenvolvimento” ou o “progresso”, de um lado; e do outro lado – as minorias, os pobres, os semvoz na sociedade, todos aqueles considerados inferiores, indesejáveis, inexpressivos ou “obstaculizantes”. Nos últimos anos, as violações de direitos e os efeitos danosos do modelo sobre as populações locais têm ficado secundarizados pela questão ambiental. Curiosamente, se é evidente e consensual que o sistema colonial clássico era ultrapassado e “antigo”, estranhamente, o atual é tido como “moderno”, embora em sua essência seja idêntico ao primeiro: tal como o primeiro, trata-se agora de um tipo de colonialismo. Um aspecto importante diferencia o colonialismo histórico e o neocolonialismo atual: enquanto o antigo sistema colonial era impositivo, no modelo neocolonial atual descobre-se, estranhamente, uma boa dose de

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opção voluntária dos governos pelo mesmo modelo primárioexportador, tão criticado nos compêndios de história e economia de escolas e universidades. Essa opção voluntária pode ser patenteada pelos numerosos incentivos, atrativos, facilitações, consorciamento e compartilhamento nos empreendimentos do governo e outras ações visando atrair novos empreendimentos primário-exportadores para a região.

Cenários possíveis: duas considerações Cenário 1: Permanência do modelo “de desenvolvimento” primário-exportador8 A primeira possibilidade, embora indesejável, é prosseguir na via que estimula a produção de commodities com vistas ao equilíbrio das contas nacionais, mas à custa do sacrifício das populações e da natureza da região, processo que só vem aumentando a desigualdade regional. Isto significa que o modelo de exclusão social que sempre caracterizou a sociedade brasileira se aprofunda no coração da Amazônia, com a violência e o caráter predatório que a desimportância da região tem para o país, que a considera, tal como no passado, apenas fonte de recursos e como via de superação de déficits das contas nacionais. Diante da questão, tanto o Executivo quanto o Legislativo não têm buscado novos caminhos de harmonia social. Embora exista atualmente ampla e inconfundível legislação de proteção às minorias e à natureza, ela entra choque com as políticas nacionais que se materializam no cotidiano quando se trata de realizar grandes obras, como hidrelétricas, estradas nacionais ou a concessões de exploração mineral sob a forma de enclaves. Nesse processo, a União usufrui de benefícios quando consegue equilibrar suas contas pela contribuição superavitária que os estados amazônicos possibilitam. Mas, isto se dá à custa do empobrecimento da região (que perde expressivos recursos), e do consequente aumento das desigualdades entre as diversas regiões brasileiras. O que vem ocorrendo na Amazônia nada mais é do que uma “modernização às avessas”. Numa única atividade dita “moderna” – a siderurgia, por exemplo – não se encontra qualquer traço da moderna cultura ocidental civilizada. Ao contrário, o que se pode registrar nela é trabalho-escravo, carvão de floresta nativa, degradação do meio Loureiro (2009).

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ambiente, desobediência à legislação vigente, indiferença em relação ao bem-estar coletivo, evasão de riqueza. Portanto, trata-se do velho modelo econômico travestido no novo; continuam sendo enclaves econômicos, mas são tidos como “modernos” porque se utilizam de máquinas e equipamentos eficientes e sofisticados que elevam a produção e a produtividade, mas que mantêm as velhas formas de exploração do trabalhador e de desrespeito à natureza. Quando se analisa a pauta de exportações da Amazônia, cons­ tata-se que a condição originária como produtora de matérias-primas permanece inalterada. Dados de exportação do final dos anos 50 permitem apreender a persistência do traço fundamental da economia da região – a condição histórica de produtora de semielaborados e produtos in natura para o mercado internacional. Nos anos 50, dois únicos produtos constituíam-se nos grandes destaques da pauta de exportação – o manganês (do Amapá) e a castanha-do-brasil (castanhado-pará) somavam 89,8% da pauta de exportação (BRASIL, 1959 apud BASA; UFPa, 1967, p. 233). Dos demais produtos (madeira serrada, pimenta-do-reino, borracha, pescado, óleo de pau-rosa, couros e peles, resinas e outros) nenhum alcançava, sequer, 3% do valor da pauta. Era, portanto, uma economia baseada em produtos in natura e semielaborados, e pouco variada. A pauta de exportações do estado da Amazônia mais rentável e superavitário da região– o Pará/2013, mostra a necessidade de profunda mudança em sua estrutura produtiva e na dos demais estados amazônicos, já que, nos 50 anos que separam as duas situações, o quadro praticamente não se alterou. Os minerais semielaborados ou in natura (ferro-gusa, hematita, alumínio, alumina, bauxita, ouro, manganês, caulim e silício) constituem 77,38 % dos recursos gerados; a madeira (igualmente semielaborada) corresponde a 14,57 %; assim, dois produtos apenas já somam 91,95% da pauta. Portanto, em 60 anos a pauta de exportação revela a persistência da condição de exportadora de matérias-primas e semielaborados, o que é incompatível com a busca de um desenvolvimento estável e sustentado; e, por ser representada por enclaves, é um modelo excludente das populações regionais. Quando os governos e as empresas apontam as políticas de desenvolvimento, os financiamentos e as obras gigantescas como símbolos do progresso, da modernização da região e da melhoria futura da vida na região, omitem esses elementos econômicos de fundo – que o aumento do PIB vem ocorrendo por meio de enclaves econômicos e

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de relações degradantes do trabalho. Um ponto a ser questionado é o que se refere à finalidade do desenvolvimento. Embora os ganhos materiais estejam implícitos no conceito de desenvolvimento, ele não pode se reduzir a resultados econômicos que, quando traduzidos em números, são tomados como ícones e únicas expressões de progresso e modernização. É ressaltando apenas o valor das exportações ou apontando uma crise futura de energia elétrica que os governos mobilizam o sentimento nacional em nome do progresso e da melhoria futura das condições de vida das populações do país. Trata-se de estranha política pública que não computa os danos ambientais nem as demais práticas ilegais, como a violação aos direitos humanos das pessoas pobres que são obrigadas a se sujeitar a condições de vida degradantes. O presente tem, teimosamente, desmentido a promessa de melhoria dos padrões de vida das populações da região; e o faz no cotidiano dessas populações, registrando as más condições de vida em dados estatísticos. Portanto, no meu entendimento, não se pode falar em desenvolvimento ou modernização nos moldes como os órgãos oficiais costumam tratar a questão: apresentando apenas os resultados numéricos positivos da exportação, que resultam de um modelo econômico socialmente perverso. O primeiro cenário está, portanto, desenhado – é o presente se projetando no futuro, sem alterações.

Cenário 2: Alternativas mais democráticas e mais equitativas poderiam se instalar, ao lado do modelo hegemônico em curso?9 Diferentemente dos autores que entendem que o poder das corporações econômicas e das multinacionais inviabilizou a possibilidade de os países periféricos construírem um projeto nacional de desenvolvimento, entendo que, mais do que nunca é preciso projetar e executar um projeto próprio, decorrente de novo pacto social. É evidente que hoje não se cogita mais, como pensavam os teóricos dos anos 50 (que formularam o nacional desenvolvimentismo), de construir um projeto de um capitalismo autônomo para o Brasil, e muito menos para uma região; não foi possível naquele momento e menos ainda hoje, dada expansão e a densidade da globalização em todos os campos; mas, é possível construir um modelo que caminhe Loureiro (2009).

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paralelamente ao hegemônico. Paralelamente a ele os governos podem se empenhar em corrigir os efeitos danosos do modelo hegemônico (já bastante conhecidos), minorar seus efeitos negativos e tentar potencializar os ângulos positivos deles. Além disso, não se pode imaginar nos dias atuais, que o desenvolvimento de que trato aqui seja idêntico àquele que os países desenvolvidos alcançaram ao longo de uma trajetória de vários séculos. Não é possível refazer o mesmo caminho deles, porque nosso trajeto histórico foi diferente; e porque as circunstâncias atuais do mundo são outras. E, ainda que isto fosse possível, tampouco seria desejável fazê-lo. E não apenas porque a história não se repete, ou porque a conjuntura mundial é outra; e sim porque os valores que norteiam as relações entre os países do mundo ocidental se alteraram para melhor. Os países centrais construíram a maior parte de suas riquezas a partir de alguns mecanismos hoje rejeitados mundialmente, – o saque, as guerras, a escravidão e o sistema colonial. Portanto, quando trato de desenvolvimento não me refiro propriamente ao modelo euro-norteamericano, e sim a um modelo próprio, que se implante paralelamente ao hegemônico (a ser corrigido, pelo menos em seus pontos críticos). Apesar das condições adversas, a Amazônia apresenta possibilidades concretas de estruturar formas de organização da produção que resultem na melhoria das condições de vida de suas populações, de construir um desenvolvimento mais equitativo, no que concerne à justiça social e menos predatório. Não se trata de declarar um combate fanático ao modelo hegemônico. O novo modelo pode se estruturar paralelamente a ele porque – nunca é demais relembrar – a Amazônia constitui a região natural mais rica em biodiversidade e o maior banco genético do planeta, o que lhe confere infinitas possibilidades; e o modelo hegemônico pode ser alterado, tal como ele se apresenta nos muitos países em que a sociedade civil e os governos se empenham, juntos e firmemente, na promoção de mais justiça social. Citarei algumas ações que poderiam materializar um cenário futuro bem mais justo e democrático. a) Promover a mudança da base produtiva regional (hoje apoiada na exportação de produtos semielaborados) num extremo ; e no outro extremo atividades tradicionais extrativas e agrícolas de baixa produtividade, por meio de políticas que visem completar as cadeias produtivas, através do setor industrial, até chegar a produtos finais capazes de gerar emprego e renda; esta iniciativa depende de

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articulações políticas dos governos federal e locais, incluindo a fiscalização do cumprimento da legislação existente e a criação de leis que estimulem a complementação das cadeias produtivas, tanto no caso de produtos tradicionais, como a criação de gado, quanto nos mais novos, como aqueles vinculados à siderurgia. b) Intensificar a implantação de incubadoras de empresas por universidades e institutos. Os resultados havidos até agora são tímidos pela falta de articulação dessas instituições com bancos de desenvolvimento, federações de indústria e comércio; além disso, tem havido raros estudos de mercado para os produtos novos criados; como também não há estudos de conservação, embalagem dos produtos, identificação de mercados possíveis e a formação de gestores para os pequenos negócios. c) Intensificar, por meio da pesquisa, o estudo do aproveitamento de espécies florestais e animais da Amazônia, reforçando as equipes de pesquisa e os laboratórios de universidades e institutos da região, especialmente nas áreas de estudos florestais, da química e da biotecnologia, integrando-os com equipes e laboratórios dos centros mais desenvolvidos do país. Assim se poderá desenvolver um modelo econômico que propicie real aproveitamento do patrimônio natural, em favor da sociedade brasileira. A pesquisa beneficiará a economia, já que ela permite aumentar a produção de espécies nativas atualmente com baixa rentabilidade, encurtar o ciclo de cultivos de longa duração, adensar e enriquecer a floresta com as espécies mais demandadas pelo mercado, etc. d) Disseminar, por meio de políticas tecnicamente bem orientadas e financeiramente viáveis, viveiros de espécies florestais, desenvolver bancos de células de espécies em risco de extinção e o criatório de espécies animais naturais da região – sempre respeitando certa biodiversidade, já que, como se tem constatado historicamente, os ecossistemas amazônicos não toleram a homogeneidade que o mercado quer exigir deles. e) Desenvolver a parceria de empreendimentos locais com os governos estaduais, federais ou entidades estrangeiras para a criação de novos produtos derivados da biodiversidade e

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explorando o marketing “made in Amazônia” para os produtos gerados. As experiências desse tipo têm sido numerosas em todo o espaço amazônico, mas ao mesmo tempo têm sido modestas pela falta de apoio governamental, o que reduz suas chances de sucesso; delas, apenas a produção e a exportação do açaí vem sendo totalmente exitosa. f) A recuperação do desgaste ambiental causado pelo emprego de práticas danosas à natureza oferece grandes possibilidades; o reflorestamento é não só desejável mas, imperativo, já que o descumprimento da Reserva Legal na região é de 80% e de 50% para propriedades que não desmataram mais desde 2001. g) Melhor aproveitamento dos pastos existentes. Na região a média é de 1 ou menos cabeça de gado por hectare; noutras regiões são duas cabeças; com a adubação do pasto pode-se chegar a duas cabeças na Amazônia; com a rotação de pastagens pode-se ter seis cabeças por hectare noutras regiões, liberando parte das terras amazônicas para melhor uso. h) Revogação da Lei Kandir (que isenta da cobrança do imposto estadual na exportação de semielaborados e matérias-primas de estados exportadores), medida que vem provocando enormes perdas para os estados da Amazônia e aumentando a desigualdade regional, quando a Constitutição/88 estabelece como uma das obrigações do Estado brasileiro justamente o oposto – o empenho na redução das desigualdades regionais. i) A criação de novas oportunidades sob a forma de pequenos empreendimentos ancorados nos saberes locais não dispensa o incentivo do Estado e as redes de apoio, seja com a finalidade de oferecer assessoria financeira, administrativa ou técnico-científica aos produtores por meio de suas várias instituições. É preciso, entretanto, passar de um apoio assistencialista do Estado a uma política pública ampla e duradoura. Destacam-se aqui as assessorias relativas à garantia de qualidade dos produtos (inclusive sanitária), durabilidade, formas de conservação e armazenamento, embalagens, tipos de beneficiamento mais apropriados e outros itens que, se não são complexos e onerosos, requerem, entretanto, assistência e assessoramento especializado, pelos menos em suas fases iniciais. Tais experiências inovadoras

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se desenvolvem aproveitando os saberes populares e as potencialidades que esses produtores enxergam como acessíveis e viáveis. São modestas na sua maioria, mas geram emprego e renda; incluem socialmente as pessoas e elevam a autoestima dos que nelas se envolvem, tiram-nas das margens da sociedade, engajando-as ativamente na reprodução da vida social. Mas, são também experiências que, se de um lado apontam caminhos, de outro exibem fragilidades de diversos tipos. Daí porque não dispensam o apoio do Estado e de segmentos mais estruturados da sociedade, como universidades, institutos, fundações e outros, sob pena de sucumbirem. E o Estado não precisa inventar novos processos; basta ajustar a eles os apoios e facilidades que concedeu sempre aos empreendimentos convencionais e para os quais os sistemas econômico e financeiro estiveram sempre voltados. j) Além dos pequenos empreendimentos experimentais mencionados, o incentivo por meio de políticas públicas a empresas que mesmo tendo perfil convencional, pelo simples fato de lançarem no mercado produtos novos, inaugurando linhas de aproveitamento e valorização da biodiversidade e por não serem simples exportadoras de produtos primários, já contribuem com inserção social maior de pessoas e internalização maior de benefícios nas localidades onde se instalam. E em relação à natureza, elas não só estabelecem uma articulação mais saudável, porque se interessam por sua sobrevivência, como revertem o jogo perverso da destruição, substituindo-o pelo da valorização e da conservação.

Considerações finais O passado deve servir de reflexão e aprendizado, e não como sina ou destino futuro. É preciso considerar que o futuro é construído sobre utopias formuladas no presente e não, necessariamente, como uma continuidade do passado. E que, entre o passado e o futuro, há um presente que nos chama à razão e nos incita a uma ruptura com o passado e à projeção de um futuro melhor e mais solidário. Estabelecer uma ruptura com o passado significa experimentar novos caminhos, testar possibilidades e aproveitar oportunidades com base nas riquezas regionais e nos saberes locais mas, fazê-lo com o

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apoio conferido por suportes técnicos e científicos. A ruptura exige a coragem de inventar formas de produção e de convivência social menos excludentes e mais solidárias. Trata-se, sem dúvida, de um risco, como é arriscado tudo o que é novo. Mas, perpetuar o passado e projetá-lo para o futuro significa cumprir um destino de desigualdade e violência crescentes que conhecemos e rejeitamos, sem contudo esforçar-nos suficientemente em mudá-lo. Nenhuma utopia, seja a do progresso ou do desenvolvimento, justifica a violação aos direitos dos pobres e das minorias étnicas, que são grupos sociais sabidamente hipossuficientes ante aos grupos econômicos e o Estado. Um Estado moderno é tanto mais democrático quanto mais serve ao interesse público, quando protege os pobres e as minorias contra a violência social, resguarda a natureza contra a predação desmedida (como a que ocorre na região), e quando concilia o real desenvolvimento com o respeito aos direitos humanos. Projetar outro futuro requer o reconhecimento de que, ao lado dos saberes científicos e das ideologias que se consagraram como únicas (que prometem o progresso, o desenvolvimento e a modernização) e que se impuseram pela força da dominação econômica, há os saberes locais, que foram validados por séculos de convívio com a natureza. E como se trata de uma natureza ímpar, não é conhecida pelos cientistas dos países centrais como o é pelas sociedades locais; e assim, não podem ser aplicados a ela, pelo menos mecanicamente, os conhecimentos e os modelos formulados para outras naturezas, menos ricas, menos complexas e, por isto mesmo, mais conhecidas dos países centrais. Há, portanto, que conjugar saberes e esforços, aliar vontades e, respeitando as diferenças, construir um futuro comum, onde haja lugar para todos, seja melhor para todos e não para alguns apenas. Este é o cenário a que aspiramos!

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A conservação da biodiversidade como estratégia competitiva para a Amazônia no antropoceno José Maria Cardoso da Silva

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Biodiversidade é toda a variação de espécies e ecossistemas que existe no planeta. Ela inclui a variedade dentro das espécies, entre as espécies, dentro de ecossistemas e entre os ecossistemas. É esta enorme variação, resultado de bilhões de anos de evolução, que permite a nossa sobrevivência. Sem ela, não seríamos o que somos e sem ela não poderemos realizar todo o nosso potencial. A conexão homem-natureza é muito fácil de entender, pois basta um pouco de senso comum para compreender que o ar puro que ainda respiramos, a água que bebemos, parte da energia que consumimos e o alimento que comemos dependem inteiramente dos ecossistemas naturais que nos cercam. Em síntese, não é possível haver humanidade sem biodiversidade. Apesar de nossa dependência em relação à biodiversidade ser tão grande, continuamos a destruí-la a uma taxa nunca antes vista na história do planeta. A história da vida sobre a Terra é marcada por períodos de grande diversificação seguidos por períodos de extinção em massa. O estudo dos fósseis registra pelo menos cinco grandes períodos de extinção em massa (JABLONSKI, 1994). O último ocorreu há cerca de 65 milhões de anos, possivelmente causado pela queda de enorme meteoro, que afetou, entre outros, os grandes dinossauros que então povoavam o nosso planeta. Infelizmente, há fortes evidências que estamos promovendo a sexta grande onda de extinção, muito mais rápida e destrutiva que todas as outras (BARNOSKY et al., 2011). Nunca antes na história do planeta uma espécie sozinha conseguiu influenciar negativamente tantas espécies de uma vez só. Desta vez, o meteoro somos nós! Diariamente, extensas áreas de ecossistemas naturais são convertidas em áreas antropizadas. Atualmente, cerca de 38% da superfície terrestre está ocupada por paisagens agrícolas (FOLEY et al., 2011) e o processo de antropização parece não ter fim. Entre 2000 e 2012 foram convertidos mais de 2 milhões de km2 de florestas ao redor do planeta, sendo que 48% na região tropical (HANSEN et al., 2013). Uma das consequências mais visíveis da transformação na paisagem é a extinção de espécies. Contando com o apoio de cientistas de vários lugares do mundo, a União Internacional para a Conservação da Natureza avaliou a situação de 74.106 espécies de vários tipos de organismos. Destas, 30% podem ser consideradas como ameaçadas de extinção. As espécies ameaçadas têm os seus valores intrínsecos e do ponto de vista moral nunca deveriam ser perdidas. Do ponto de vista puramente utilitário, representam os nossos canários na mina, sinalizando que algo precisa ser feito urgentemente para recuperar a saúde do planeta.

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Já estamos em uma nova era geológica -- Antropoceno -- marcada pelo impacto significativo das atividades humanas sobre todos os processos biofísicos do planeta (CRUTZEN; STOERMER, 2000). A nossa espécie se tornou uma força de tal magnitude, que as mudanças causadas por nós já começaram a ser escritas no registro fóssil. Desde a Revolução Industrial do final do século XVIII até agora, a humanidade conseguiu mudar de forma irreversível o ciclo do carbono, o ciclo do nitrogênio e a taxa da extinção de espécies (STEFFEN et al., 2011). O avanço tecnológico possibilitou a criação de novas substâncias que podem persistir por milhões de anos. A facilidade de transporte permitiu que deslocássemos – de modo intencional ou não – várias espécies ao redor do mundo. Estamos freneticamente criando novos tipos de ecossistemas – antromas – em todos os lugares. Infelizmente, os antromas são ecossistemas simples, biologicamente empobrecidos e pouco resilientes para proteger a humanidade dos eventos climáticos extremos que estão por vir (ELLIS, 2011). Em um mundo dominado por antromas, qual será o papel da biodiversidade e dos serviços ambientais das últimas grandes áreas naturais? Deveriam elas seguir a trajetória de uso e simplificação ocorrida em outras regiões? Deveriam ser elas conservadas integralmente? Neste capítulo, o papel da Amazônia – a maior região de florestas tropicais do planeta – no Antropoceno é discutido. Primeiro, descreve-se a biodiversidade da região e os seus serviços ambientais globais. Depois, defende-se a noção de que a população amazônica deveria optar por um desenvolvimento social e econômico baseado na conservação e no uso sustentável da biodiversidade. Por fim, são descritos três grandes programas regionais que podem ajudar a posicionar a região como o epicentro global do desenvolvimento sustentável.

O que é a Amazônia? A Amazônia estende-se por uma área de cerca de sete milhões de quilômetros quadrados. Comparado com os outros dois maiores blocos de floresta tropical do planeta, a Amazônia é três vezes maior do que as florestas do Congo, na região central da África, e oito vezes maior do que as florestas da ilha de Nova Guiné. Como único e contínuo bloco de floresta, somente as florestas boreais da Rússia são maiores, mas são muito mais pobres do que a Amazônia em termos de biodiversidade (MITTERMEIER et al., 2002). Atualmente, a Amazônia representa 53% do que resta das florestas tropicais existentes no planeta (MITTERMEIER et al., 2003).

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Apesar da sua natureza florestal, a Amazônia não é somente floresta. Vários outros ecossistemas únicos existem na região, desde imensos campos sazonalmente alagados, até os mais bem protegidos manguezais do planeta. A região também abriga o maior e mais volumoso rio da terra. O Amazonas possui entre 6.500 e 6.800 km de extensão, drena cerca de 38% da América do Sul e é responsável por 15 a 16% da água doce que chega aos oceanos do mundo. A descarga média do Amazonas é estimada em 214 milhões de litros por segundo, ou seja, cinco vezes mais que a do Congo e 12 vezes mais que a do Mississipi (GOULDING, 1980).

Figura 1. Do ponto de vista biogeográfico. Fonte: Borges e Silva (2012).

Independentemente do ponto de vista que se adote, a Amazônia não é uma, mas várias. Por exemplo, do ponto de vista político, a Amazônia inclui territórios de nove países: Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Guiana, Suriname, França (representada pela Guiana Francesa) e Equador. Do ponto de vista biogeográfico, a Amazônia é composta de nove sub-regiões, ou áreas de endemismo,

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muito distantas: Guiana, Imeri, Jaú, Napo, Inambari, Rondônia, Tapajós, Xingu e Belém (BORGES; SILVA, 2012). As sub-regiões são como enormes “ilhas” de floresta separadas pelos grandes rios da região, cada qual abrigando um conjunto único de espécies (SILVA; RYLANDS; FONSECA, 2005; WALLACE, 1852). Do ponto de vista biogeográfico, a Amazônia não é uma região só, mas um mosaico de áreas cada qual com um conjunto único de espécies endêmicas, ou seja, não encontradas em nenhum outro lugar do planeta. Para aves, são reconhecidas nove áreas de endemismo (BORGES; SILVA, 2012) Cerca de 34 milhões de pessoas vivem na Amazônia, ou seja, 10% da população da América do Sul (ARA, 2011). A maioria (65%) habita núcleos urbanos, por isso Becker (2005) denomina a Amazônia “a floresta urbanizada”. A Amazônia é muito diversa culturalmente, com mistura das influências indígenas, africanas e europeias. A cultura indígena é a mais forte na Amazônia rural. Cerca de 375 povos indígenas, que falam 240 línguas, vivem na região. A densidade demográfica média da região é baixa, com 4,5 habitantes por km2. A população abaixo da linha da pobreza na região varia de 27%, na Guiana Francesa, até 60%, na Bolívia (ARA, 2011).

A biodiversidade amazônica e seus benefícios A Amazônia apresenta forte diversidade tanto dentro e entre espécies, como dentro e entre ecossistemas. A vasta heterogeneidade ambiental existente sob a aparente uniforme cobertura florestal ainda surpreende os cientistas. É esta grande variação em solo, topografia e clima que permite a manutenção de tantas espécies e ecossistemas. A heterogeneidade ambiental não é e nunca foi estática, mas varia ao longo do tempo, ao sabor das inúmeras mudanças geológicas que ocorreram e que ainda ocorrem no planeta. É o permanente estado de fluxo que fez com que a Amazônia se tornasse uma das mais poderosas fábricas de espécies e novidades evolutivas já existentes na história da Terra. O mecanismo mais comum de formação de espécies na região é muito simples. Espécies ancestrais amplamente distribuídas têm suas populações separadas pelo aparecimento de barreiras geográficas, tal como rios, devido à dinâmica geomorfológica da região. Em isolamento, as populações se diferenciam geneticamente ao longo do tempo, dando origem a espécies distintas. Após alguns milhares ou

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milhões de anos, as barreiras tendem a desaparecer e as espécies-irmãs formadas durante o isolamento geográfico se dispersam pela região, passando a conviver lado a lado.O repetido processo de isolamento geográfico devido à formação de barreiras seguido por dispersão gerou e continua gerando o alto número de espécies encontradas na região (GARDA; SILVA; BAIÃO, 2010). Não temos certeza de quantas espécies vivem na região. Há ainda extensas áreas não exploradas por cientistas. Mesmo se cobríssemos toda a região com amostragens adequadas, o número de cientistas existentes hoje para processar e identificar todas as amostragens seria insuficiente. Para complicar mais, análises moleculares recentes demonstram que mesmo as espécies que pensávamos conhecer tão bem são, na verdade, formadas por duas ou mais espécies. Apesar de todas as limitações, sempre é possível fazer uma estimativa modesta da riqueza de espécies na região. Para isto um cálculo bem simples pode ser útil. Para os grupos mais conhecidos de vertebrados, sabemos que a Amazônia abriga ao redor de 10% das espécies existentes. Se esta proporção for extrapolada para outros grupos de animais e plantas e se assumirmos que o número de espécies não-marinhas do planeta é de 6,5 milhões (MORA et al., 2011), então podemos predizer que a Amazônia pode abrigar pelo menos 650.000 espécies. Nenhuma região do planeta acumula tanta biodiversidade. A biodiversidade amazônica contribui com serviços ambientais críticos para a região, para o continente e para o planeta. Oferta abundante de água, alimentação, madeira, transporte, energia, turismo e inspiração para novos produtos são alguns dos serviços mais facilmente reconhecidos pela população da região. Do ponto de vista global, além da importância da Amazônia para a proteção de parcela significativa da biodiversidade do planeta, a região também é importante para dois serviços essenciais: carbono e água. Os ecossistemas amazônicos estocam grande quantidade de carbono, o elemento que compõe 50% do peso seco das árvores. O carbono também é estocado no solo sob as florestas. Estima-se que a Amazônia tenha estoque entre 100-120 bilhões de toneladas de carbono. Quando a floresta é desmatada, muito do carbono estocado é emitido para a atmosfera. As emissões de carbono geradas pelo homem são consideradas a principal causa das mudanças climáticas no planeta. Enquanto a maioria (cerca de 70%) do carbono emitido globalmente é proveniente dos combustíveis fósseis, os 30% restantes são provenientes das mudanças de uso da terra, incluindo aí o desmatamento. Portanto,

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manter o carbono existente nas florestas amazônicas estocado é de interesse estratégico global, pois já há consenso que precisamos reduzir significativamente as emissões de carbono para a atmosfera. A Amazônia também é uma complexa máquina que recicla e exporta água para outras regiões da América do Sul. Devido à rotação da terra, os ventos entram na região a partir do Nordeste, trazendo água do Oceano Atlântico. A água cai em forma de chuvas. Uma porção da água da chuva é reciclada pelas árvores via evapotranspiração e volta para a atmosfera. A água pode cair na região em forma de chuvas ou pode ser carregada para outras regiões (SALATI, 2001). Sabe-se hoje que parte importante desta água alimenta, com chuvas, o CentroSul do Brasil e os países platinos, onde grande parte da população e da produção agrícola e industrial da América do Sul está concentrada. Se a floresta amazônica for convertida em pastagens, essa complexa máquina produtora de chuvas pode reduzir significativamente sua produção e causar, entre outras coisas, graves crises na oferta de água para consumo e produção de energia em megacidades como Rio de Janeiro e São Paulo (FEARNSIDE, 2004).

A Amazônia no Antropoceno A Amazônia já perdeu cerca de 20% de sua vegetação original. Importante parte da conversão da floresta está concentrada no Brasil, principalmente nos Estados do Pará, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia e Acre. Os 80% restantes estão divididos em dois grandes grupos: (a) as áreas protegidas (cerca de 50%) que incluem todas as unidades de conservação de uso direto e indireto, terras indígenas e outros espaços legalmente dedicados à conservação; (b) as áreas florestais não protegidas (cerca de 30%), que são as áreas de floresta, geralmente públicas, cujo destino ainda não foi estabelecido pelos governos nacionais. Assumindo um cenário muito otimista no qual as áreas protegidas serão efetivamente implementadas e as populações tradicionais da região receberão apoio para manejar e manter a integridade de suas extensas terras, então o futuro da Amazônia como gigantesco sistema ecológico funcional será decidido pela alocação dos 30% de florestas ainda não protegidas. Se os 30% forem mantidos como florestas intactas ou sob algum tipo de manejo sustentável, então a Amazônia poderá continuar prestando os serviços ambientais que todos nós estamos acostumados a ver. Se os 30% forem convertidos em ecossistemas simplificados,

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corre-se o risco de que a região entre em colapso por meio das sinergias criadas entre mudanças climáticas globais, desmatamento e incêndios florestais, com consequências desastrosas para bilhões de pessoas ao redor do planeta (VERGARA; SCHOLZ, 2011). A América do Sul e o mundo precisam que entre 70 e 80% da Amazônia continuem sendo floresta (SAMPAIO ET AL., 2007). No Antropoceno, extensas áreas de florestas serão a exceção. Elas serão oásis de recursos naturais abundantes e disponíveis que sustentarão amplo conjunto de bens e serviços de alto valor agregado e indispensáveis para a porção da humanidade que viverá distante de tais áreas. Como qualquer recurso escasso, o valor destas áreas naturais intactas para a humanidade aumentará significativamente (BECKER, 2005). Assumindo que as tendências de uso dos recursos naturais ao redor do mundo não mudem significativamente nos próximos 50-100 anos, então é possível predizer que a melhor opção para os países amazônicos é fazer um esforço concreto para promover o desenvolvimento socioeconômico da população atual mantendo seus estoques atuais de recursos naturais renováveis intactos. Se fizerem isso, estes países terão uma vantagem competitiva enorme no futuro. Eles poderão se tornar as próximas lideranças globais.

Amazônia: o epicentro do desenvolvimento sustentável global O conceito de proteger a Amazônia agora para garantir uma liderança global no futuro não é novo (BECKER, 2005). Ele já faz parte das políticas nacionais de vários países sul-americanos. países como Colômbia e Peru já adotam como política nacional a conservação total dos seus setores amazônicos. Países como Guiana, por exemplo, estão adotando políticas de desenvolvimento de baixo carbono. A França continua mantendo os altos subsídios econômicos para garantir a integridade florestal da sua Guiana. Apesar dos avanços nas suas políticas nacionais para conter o desmatamento, os maiores vilões regionais do desmatamento continuam sendo Brasil e Bolívia. Na Bolívia, grande parte do desmatamento é gerada a partir da expansão da agricultura brasileira rumo ao país vizinho. No caso do Brasil, o desmatamento é causado pela expansão da pecuária e da agricultura, seguindo o estabelecimento de estradas e outras obras de infraestrutura. Mesmo que não haja nenhuma justificativa racional para continuar substituindo a floresta amazônica por ecossistemas

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antrópicos de baixa diversidade e baixa resiliência ecológica (VIEIRA; SILVA; TOLEDO, 2005), a falta de incentivos e governança na escala local limita o alcance das boas políticas públicas nacionais. Para posicionar a Amazônia como epicentro do desenvolvimento sustentável global, os governos dos nove países da região precisam desenvolver uma política integrada de desenvolvimento baseada em três programas básicos, que correspondem aos maiores tipos de uso de terra da região: (a) florestas produtivas, (b) paisagens antrópicas sustentáveis; (c) cidades sustentáveis.

Floresta produtiva O programa floresta produtiva é um programa moderno de desenvolvimento rural para áreas florestais, cujos objetivos principais de curto prazo são reduzir o desmatamento bruto a quase zero e retirar da miséria extrema todas as populações rurais vivendo dentro ou fora de áreas protegidas. O programa deve ter três amplos subprogramas: (a) criação e consolidação de áreas protegidas; (b) programa de transferência de renda e (c) planos locais de desenvolvimento sustentável. O componente de áreas protegidas tem como objetivo principal proteger 80% da Amazônia com a criação de unidades de conservação, sejam elas públicas ou privadas, terras indígenas e outros mecanismos de conservação, tais como reservas de água ou reservas de carbono. A fundamentação lógica para esse argumento é a evidência histórica de que as áreas protegidas são ainda a forma mais efetiva de conter o desmatamento na região (VIEIRA; SILVA; TOLEDO, 2005; RAISG, 2012). A criação de áreas protegidas retira terra pública do mercado e diminui significativamente as expectativas de ganhos futuros pelos atores sociais que vivem da especulação fundiária. Além disso, ela transfere para as populações locais os direitos de uso de seus territórios tradicionais, diminuindo assim a concentração de poder nas mãos de poucos. Assim, as áreas protegidas ajudam também a reduzir conflitos e trazer paz à região. Já que a maioria das áreas cobertas por floresta ainda são públicas, a criação formal de áreas protegidas permitiria também maior controle público sobre seu manejo e a criação de mecanismos de parceria público-privadas para mantê-las dentro dos melhores critérios globais de sustentabilidade. Como a moderna ecologia sugere, as áreas protegidas não devem ser manejadas de maneira isolada, mas sim gerenciadas como partes de extensos corredores de biodiversidade, visando garantir a conectividade de

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parcelas significativas dos ecossistemas regionais, aumentar sinergias e reduzir os custos de gestão (GARDA; SILVA; BAIÃO, 2010). O componente de transferência de renda é essencial para que as populações rurais tenham apoio para sair da pobreza extrema e recebam incentivos para continuar ajudando a manter a floresta em pé. Programas socioambientais financiados pelo orçamento público, tais como o Bolsa-Floresta (Amazonas), Bolsa-Verde (Governo do Brasil), e Socio-Bosque (Ecuador), são bons modelos que podem ser adaptados e replicados na região. Esses programas não custam muito, produzem resultados sociais rápidos e são politicamente aceitáveis. Há duas fortes críticas aos programas de transferência de renda. O primeiro é que eles podem ser usados como instrumentos de manipulação política visando à preservação de grupos políticos atualmente no poder. O segundo é que eles podem aumentar a dependência das populações rurais em relação aos governos centrais, ao reduzir suas capacidades intrínsecas de empreendedorismo e inovação. Para contornar a primeira crítica é preciso que todos os partidos políticos concordem que este é um mecanismo de redistribuição de renda que gera resultados socioambientais concretos e que as ações devem ser vistas como programas de Estado, e não de governos. Para responder à segunda crítica, é necessário criar planos locais de desenvolvimento sustentável para os municípios com extensa cobertura florestal e altos índices de pobreza extrema. O componente dos planos locais de desenvolvimento sustentável é o primeiro passo essencial para garantir a boa governança dos municípios amazônicos. Os governos locais da Amazônia têm capacidade muito limitada de prover serviços para seus cidadãos e capacidade praticamente nula de planejar o uso sustentável dos territórios e de fazer pressão junto aos governos centrais para atrair mais recursos. Como consequência, os municípios que possuem a maior cobertura florestal na região são também os mais pobres e estão em permanente crise de governança. Historicamente, os municípios amazônicos são alvos de projetos setoriais dos governos centrais, que são geralmente concebidos bem distantes da realidade. Muitas vezes os projetos não conversam entre si, possuem objetivos conflitantes e são, portanto, propensos ao fracasso. Os municípios são vistos como agentes passivos da boa vontade dos governos centrais. Para resolver isso, é preciso voltar ao básico. O desenvolvimento deve ser compreendido como um fenômeno local e é nessa escala que a capacidade de planejamento e execução deve estar. Nesta ótica, os governos centrais deveriam atuar

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como facilitadores e apoiadores dos governos municipais em sua busca por um desenvolvimento justo e sustentável. Um mecanismo de se fazer isso é com planos locais de desenvolvimento sustentável, elaborados de forma participativa com todos os atores sociais, para alinhar os planos setoriais dos governos centrais com as prioridades locais e criar mecanismos de execução mais efetiva. Os planos devem ser compostos basicamente do seguinte: (a) uma aliança local formal entre governo e agentes da sociedade visando à construção de um plano integrado de desenvolvimento sustentável; (b) um diagnóstico contendo a linha de base do desenvolvimento socioambiental do município; (c) um plano contendo visão e metas socioambientais concretas a serem atingidas em quatro anos; (d) um processo participativo de seleção de projetos prioritários para execução; (e) uma rede de parceiros e recursos financeiros para a execução dos projetos prioritários; (f) um sistema de comunicação, monitoramento, avaliação. O processo de planejar, priorizar e concentrar esforços para atingir metas socioambientais relevantes exige dos governos locais disciplina e capacidade de alavancagem de recursos via a formação de alianças e parcerias estratégicas. As duas qualidades é que vão estimular o empreendedorismo local e aumentar a qualidade dos serviços públicos. Com tempo, educação, investimentos pequenos, mas permanentes, e paciência, os municípios poderão inventar novas atividades econômicas utilizando-se da combinação de conhecimento tradicional e tecnologias apropriadas ao manejo sustentável da floresta, que vão além do extrativismo primário. A sequência de intervenções para cada município deve ser cuidadosamente planejada e cocriada junto com a sociedade local e parceiros. O procedimento busca evitar o mais comum erro do passado, que era a proliferação de um conjunto de projetos-piloto setoriais de vida curta espalhados pela região e sem qualquer poder de transformação social. O financiamento desse imenso programa socioambiental deve vir dos orçamentos nacionais e da comunidade internacional, pois os benefícios ambientais advindos do esforço irão muito além das fronteiras dos países amazônicos. Fearnside (1997) tinha já apontado que o desenvolvimento sustentável na Amazônia deveria ser baseado nas contribuições globais para a manutenção dos serviços ambientais que a região presta ao mundo: biodiversidade, carbono e água. O modelo mais utilizado pela comunidade internacional para apoiar o desenvolvimento da Amazônia tem sido via projetos estratégicos. Os recursos destes projetos são canalizados por diferentes

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fontes, desde bancos regionais de desenvolvimento até organizações não governamentais. Geralmente os recursos são pouco flexíveis e têm duração limitada. Esse tipo de recurso foi importante para aumentar o conhecimento e a proteção da Amazônia e apoiar a criação de uma sociedade civil regional vibrante. Entretanto, o momento é outro. A região precisa de parceria internacional para ir além do conceito de projetos estratégicos, pouco flexíveis e de curta duração. É necessário criar fluxos financeiros flexíveis e permanentes em troca de avanços socioambientais concretos. Os mais interessantes e inovadores de todos os mecanismos recentes de colaboração internacional são os acordos bilaterais entre Noruega e alguns países amazônicos, tal como Guiana e Brasil. O governo norueguês dedicou recursos consideráveis (US$ 250 milhões para a Guiana e US$ 1 bilhão para o Brasil) cujo desembolso é condicionado, entre outras coisas, a metas claras de redução do desmatamento. Esse modelo de apoio baseado em performance poderia ser seguido por outros países e também por corporações que emitem grandes quantidades de carbono para a atmosfera. O mecanismo ainda não está livre de problemas. O maior deles é a falta de agilidade para fazer que recursos tão essencias cheguem à ponta, aos que mais precisam, aos verdadeiros agentes do desenvolvimento regional. Há também a possibilidade de que o setor financeiro internacional, que pouco ou nada contribui para a sustentabilidade do planeta, volte a se interessar pelo mercado de carbono. Entretanto, o interesse depende tanto de um consenso global sobre a viabilidade política e financeira desse instrumento de mitigação das mudanças climáticas globais, como da criação de políticas nacionais que regulem e incentivem esses mercados (BECKER, 2005). Há muitas barreiras políticas à adoção de mecanismos de mercado para serviços ambientais em toda a Amazônia. Países importantes, tais como Bolívia e Venezuela, opõem-se a um mercado global de carbono, pois ideologicamente eles são contrários à mercantilização dos serviços ambientais.

Paisagens antrópicas sustentáveis O fim da expansão da fronteira amazônica vai se dar pela transformação das áreas já desmatadas em paisagens antrópicas sustentáveis (BECKER, 2005; VIEIRA; SILVA; TOLEDO, 2005). Uma paisagem antrópica sustentável pode ser definida como um espaço geográfico cuja matriz é dominada por ecossistemas antrópicos

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e no qual a sociedade faz o melhor uso dos serviços ecossistêmicos, tecnologias e práticas para melhorar a vida da população com o aumento da produtividade econômica, a proteção da biodiversidade e serviços ecossistêmicos, a redução da poluição e emissões de gás estufa, assim como pelo aumento da resiliência da paisagem contra mudanças climáticas. O objetivo principal do programa de paisagens antrópicas sustentáveis seria o de encerrar o desperdício de recursos naturais existente na região e promover ampla mobilização de esforços e recursos para que os quase 700.000 km2 – área maior do que Minas Gerais – que já foram desflorestadas na Amazônia possam ter destinação social e produtiva adequada. Cerca de 60% das áreas desmatadas na Amazônia são ocupadas hoje por pastagens, geralmente pouco produtivas. Já há tecnologias que permitem a redução significativa das áreas de pastagem mantendo o mesmo tamanho do rebanho (BARRETO et al., 2013). Muitas áreas poderiam ser ocupadas por sistemas agroflorestais, que são formas de uso e manejo da terra nos quais árvores ou arbustos são utilizadas em associação com cultivos agrícolas e/ou com animais, no mesmo espaço, de maneira simultânea ou em uma sequência temporal (VIANA; DUBOIS; ANDERSON, 1996). Os sistemas agroflorestais são muito mais resilientes às mudanças do clima do que pastagens ou monoculturas. Além disso, eles permitem o uso prolongado da terra, mantendo sua capacidade produtiva, e contribuem para a segurança alimentar de agricultores, principalmente os que praticam agricultura familiar. Um dos maiores problemas para a ampla adoção de sistemas agroflorestais na região é que a sua implantação e manejo nos primeiros anos exigem forte demanda de trabalho, a qual somente será compensada a partir do quarto ou quinto ano. Entretanto, em longo prazo, os sistemas agroflorestais são mais vantajosos do ponto de vista econômico, pois eles podem oferecer diversos produtos durante o ano e seus custos de manutenção são relativamente baixos, quando comparados com outros usos da terra (VIANA; DUBOIS; ANDERSON, 1996). Florestas secundárias altas precisam ser protegidas pois elas ainda conseguem manter populações de animais e plantas ameaçados de extinção (VIEIRA; SILVA; TOLEDO, 2005). Florestas ao longo dos rios e nas áreas com grande declive precisam ser restauradas para manter a qualidade da água e evitar erosão, respectivamente. As poucas florestas ainda intactas dessa enorme região precisam ser protegidas. No caso do Brasil, a implementação efetiva do código

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florestal permitirá a conexão das florestas originais remanescentes com o manejo adequado das reservas legais e áreas de proteção permanente. Incentivos fiscais poderiam ser criados para fomentar programas de reflorestamento nas áreas importantes para a biodiversidade e serviços ambientais visando garantir a resiliência do sistema. Planos de gestão de bacias hidrográficas que possuem forte pressão de atividades econômicas poderiam servir de mecanismo legal para acordos locais de pagamentos de serviços ambientais. Os planos municipais de desenvolvimento sustentável deveriam seguir o mesmo processo descrito anteriormente para os municípios cuja paisagem é predominantemente florestal, apesar de os objetivos serem bem distintos (GUIMARÃES et al., 2011). O maior desafio dos municípios amazônicos dominados por paisagens antrópicas é operacionalizar as boas políticas estruturadas pelos governos centrais. O Brasil, por exemplo, possui excelentes políticas nacionais fomentando agricultura de baixo carbono, agricultura orgânica e sistemas agroflorestais. Entretanto, estas políticas não são consolidadas e implementadas de modo consistente na escala do município por falta de capacidade local de execução. Há extensas áreas na Amazônia que podem ter alto valor para atividades de mineração, exploração de óleo e gás, e estabelecimento de hidroelétricas (RAISG, 2012). Algumas estão em áreas cobertas por florestas, mas outras estão em áreas já desmatadas. Os governos nacionais da região deveriam ser estratégicos na concessão de direitos de acesso a estes recursos ao setor privado. Duas regras básicas podem ajudar os governos a utilizar o potencial minerário e hidroelétrico da região de modo consistente: a regra do sequenciamento espacial das concessões e a regra dos investimentos sustentáveis. A regra do sequenciamento sugere que as concessões deveriam ser dadas prioritariamente para áreas que já foram desmatadas e que já passam por processo de consolidação das atividades econômicas. Somente quando os estoques minerários e hidroelétricos das áreas de consolidação já estivessem sido esgotados é que autorizações para áreas ainda cobertas por florestas poderiam ser emitidas. Este procedimento simples facilitaria a concentração das atividades econômicas nos espaços já consolidados, diminuindo o impacto sobre a floresta e levando à formação de clusters produtivos regionais. A regra dos investimentos sustentáveis é bem simples também. Ela sugere que larga parte dos recursos gerados pelos empreendimentos minerários e hidroelétricos na região deveriam ser obrigatoriamente

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investidas na proteção do capital natural e no fortalecimento dos capitais humano e sociais da região, em vez de serem aplicados em outras partes do país ou do planeta. O reinvestimento obrigatório ajudaria a região a consolidar seu desenvolvimento, deixando de ser apenas uma fornecedora de produtos naturais brutos para ter uma economia mais sofisticada, baseada na inovação, com indústrias e serviços tendo papel preponderante.

Cidades sustentáveis Cidades sustentáveis são clara necessidade da Amazônia, pois cerca de 65% da população regional é urbana (ARA, 2011). A tendência futura é que as populações das cidades da região continuem crescendo cada vez mais. Infelizmente a maioria das cidades amazônicas possui qualidade de vida muito baixa, com carências enormes na infraestrutura e serviços públicos de qualidade, tais como educação, saneamento e saúde (SANTOS et al., 2014). Além disso, a diversificação econômica dos centros urbanos é reduzida e muitas dependem totalmente de repasses dos governos centrais para pagar suas contas. Infelizmente, mesmo as maiores cidades amazônicas, que possuem orçamentos significativos e melhor governança, estão longe de atingir patamares adequados de sustentabilidade (PARANAGUÁ et al., 2003). Portanto, há a necessidade de se desenhar extenso programa regional de investimentos estratégicos nas cidades amazônicas para torná-las lugares aprazíveis para viver e ao mesmo tempo criar modelos de convivência integrada com as vastas florestas e rios da região. Os centros urbanos devem se tornar importantes polos de desenvolvimento tecnológico e produção sustentável. Investimentos públicos para criar e manter universidades e institutos de pesquisa científica e tecnológica que formem novos recursos humanos e gerem inovação contínua são indispensáveis. O conceito de agrupar as cidades em clusters estratégicos voltados para o beneficiamento dos produtos da região e prestação de serviços poderá criar a sinergia necessária para gerar emprego, renda e dinamismo econômico. Essencial é que os clusters de produção adotem o conceito de economia circular (WORLD ECONOMIC FORUM, 2014) desde o seu design, criando cedo uma marca forte de sustentabilidade para os produtos da região. Os países poderiam trabalhar juntos para dinamizar as cidades-irmãs nas fronteiras (e.g., Letícia-Tabatinga, Bonfim-Lethem, etc.) e assim aumentar a sinergia positiva dos seus investimentos.

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Não é possível fazer tais transformações nos centros urbanos amazônicos somente com recurso público dos países da região. Há a necessidade de atrair investidores internacionais interessados em retornos financeiros significativos de longo prazo por meio de parcerias público-privadas para serviços essenciais. Isso significa que os governos locais deveriam ser mais ousados e competitivos na criação de um ambiente que permitisse a atração de novos investimentos sustentáveis para a região. Redução de taxas e impostos em setores e áreas específicas deveria ser a norma, e não a exceção. Agentes financeiros públicos, tais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (ADB), a Cooperação Andina de Fomento (CAF), o Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) e o Banco da Amazônia (BASA) poderiam juntar forças para alavancar as parcerias públicoprivadas, ajudando na construção da infraestrutura necessária para torná-las atraentes do ponto de vista financeiro.

Liderando a transformação regional Qualquer programa ousado de desenvolvimento regional requer lideranças políticas visionárias e comprometidas. Felizmente, o conceito de sustentabilidade já é parte do discurso da nova geração de líderes regionais, mas há ainda profunda lacuna técnica e financeira para transformar os discursos em ações concretas. A Amazônia é uma área enorme, complexa e logisticamente desafiadora. Ela certamente não é para fracos. Duas mudanças de comportamento são essenciais. A primeira requer que a comunidade nacional e internacional interessada no futuro da região deixe de empurrar soluções artificiais desenhadas nos gabinetes fora da região. Em vez disso, eles deveriam empoderar os próprios amazônidas para desenvolverem e implementarem os próprios modelos endógenos de desenvolvimento, que são, por concepção, bem diferentes dos modelos adotados pela sociedades em outras partes do mundo. A segunda mudança requer que os amazônidas se globalizem, que deixem a timidez de lado e coloquem suas visões e sabedorias locais à disposição da humanidade para guiar o mundo em direção a um planeta mais sustentável e justo.

Referências ARTICULAÇÃO REGIONAL AMAZÔNICA – ARA. A Amazônia e os objetivos do milênio. Quito, 2011.

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A logística e a defesa da Amazônia Ocidental Guilherme Cals Theophilo Gaspar de Oliveira

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Introdução O valor estratégico da Amazônia brasileira para o Brasil e o mundo é inconteste e explícito. Entre outros atributos, a região abriga uma biodiversidade ímpar, razão pela qual é o epicentro da agenda mundial do debate sobre a preservação do meio ambiente. É detentora de abundantes recursos hídricos, tais como a maior bacia hidrográfica do mundo, o que a torna a maior reserva de água doce do planeta. Detém invejáveis recursos energéticos e fontes alternativas, motivo pelo qual é considerada a nova fronteira energética. Possui incalculáveis riquezas minerais, tais como ouro, diamante, minério de ferro e minerais estratégicos, as chamadas “terras raras”1, as quais possuem uma infinidade de aplicações.

Figura 1. Amazônia Ocidental. Fonte: Acervo pessoal, 2015 Nome dado a 17 elementos químicos da tabela periódica que ganham cada vez mais destaque nas evoluções tecnológicas da atualidade. Isso porque, pelas características eletrônicas, magnéticas, ópticas e catalíticas, melhoram o desempenho de materiais que integram lâmpadas, telas de celulares ou motores e baterias.

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Diante dessa abundância, os 4,2 milhões de quilômetros quadrados da Floresta Amazônica brasileira causam admiração e temor. Admiração porque essas riquezas, caso exploradas sob o controle de brasileiros e em benefício dos brasileiros, podem contribuir para o fortalecimento do poder nacional, e temor porque essas riquezas são objeto do desejo de alguns dos mais influentes atores no mapa geopolítico. Ao longo das décadas, são muitos os exemplos de movimentos e declarações feitas por alguns dos mais importantes líderes mundiais acerca do “interesse internacional” pela área que ocupa 45% do território nacional. Além disso, há que se destacar que a floresta abriga também grande diversidade cultural, representada por centenas de povos indígenas, inúmeras comunidades remanescentes de antigos quilombos e milhares de comunidades de seringueiros, castanheiros, ribeirinhos, entre outras. Contudo, o mencionado valor estratégico da Amazônia brasileira não se limita a esses aspectos. Segundo Villas Boas2 (2013), esse é apenas um de seus três papéis, o qual decorre das condições e da vocação que a Amazônia ostenta de proporcionar solução para os principais problemas que afligem a humanidade e que já adquirem dimensões de verdadeiras crises mundiais: mudança climática, meio ambiente, energia e água. Nesse sentido, o segundo papel da Amazônia deriva da vocação natural brasileira de liderança continental e repousa na condição de plataforma física em cujo entorno se consolidará a integração sulamericana. Essa região faz fronteira com sete países, tem acesso a três oceanos – Atlântico, Mar do Caribe e, dentro em pouco, ao Pacífico – e conecta-se com o Altiplano Boliviano e, no Brasil, com as Regiões Nordeste e Centro-Oeste (VILLAS BOAS, 2013). O terceiro papel, destaca Villas Boas (2013), será o de provocar a elevação, em escala exponencial, do poder nacional a partir do momento em que o país tiver consolidado sua expansão interna, trazendo a Amazônia ao contexto da vida nacional e efetuando a exploração racional de seus recursos naturais, que ainda aguardam completa identificação, delimitação e quantificação. Diante disso, comprova-se o papel integrador da Amazônia, seja internamente, seja com o Brasil, seja com a América do Sul ou com os demais continentes, o que torna verdadeiramente representativo o lema “A selva nos une”. General-de-Exército do Exército Brasileiro. Comandante de Operações Terrestres do Exército Brasileiro. Ex-Comandante Militar da Amazônia.

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Ao guardar a mais cobiçada porção de nosso território e contribuir para o seu desenvolvimento, o Comando Militar da Amazônia atua para impedir que a soberania brasileira na região seja maculada por objetivos escusos, volta e meia propalados no seio da opinião pública internacional. No cumprimento de tão nobres missões, a cada dia faz soar a quantos possam ouvir que ‘A selva nos une; a Amazônia nos pertence’ (VERDE OLIVA, 2002, p. 40).

Este trabalho tem o propósito de mostrar a relevância das ações de defesa e de proteção da Amazônia para o uso sustentável de suas riquezas pelas próximas gerações. De modo consequente, tem também o objetivo de apresentar os desafios e os esforços empreendidos pela logística militar terrestre no Comando Militar da Amazônia (CMA), que se transforma no verdadeiro elo entre a estratégia de defesa e a estratégia de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

A defesa e proteção da Amazônia brasileira O Comando Militar da Amazônia (CMA) é singular entre os Comandos Militares de Área e trabalha diuturnamente na coordenação das ações operacionais e logísticas na sua área de atuação, a qual abrange os estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, provendo as condições necessárias para o bom cumprimento da missão pelos seus escalões subordinados. Dentro dessa área de atuação, merece destaque a faixa de 150 quilômetros ao longo da linha de fronteira terrestre, denominada Faixa de Fronteira, que é constitucionalmente definida como de especial interesse para a defesa nacional. A Lei Complementar 136, de 25 de agosto de 2010, que alterou a Lei Complementar 97, de 9 de junho de 99, fazendo alusão ao texto constitucional e atribuindo caráter subsidiário ao emprego das Forças Armadas na atividade de preservação da segurança pública, destinou às Forças Armadas o poder de polícia para atuar na Faixa de Fronteira, demonstrando como deve atuar neste sentido (MARINHO, 2010). Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preser­ vadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade

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ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de: I - patrulhamento; II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e III‑prisões em flagrante delito. (BRASIL, 1999)

Na Amazônia Ocidental, essa faixa envolve áreas fronteiriças com cinco países e tem cerca de 9 mil Km de extensão. Nela, a população é ainda mais esparsa do que no conjunto da Amazônia, e ali diversos grupos indígenas, como os Ianomamis3, têm suas terras. Tendo uma situação periférica com relação aos centros urbanos maiores e portanto também com relação à modernidade, essas áreas apenas ocasionalmente foram atingidas pelo processo histórico de ocupação regional. São marcadas por uma realidade socioeconômica deprimida, refletindo a marginalidade acentuada pelas grandes distâncias. Para essa área específica, o Exército Brasileiro recebeu o poder de polícia para atuar contra os crimes transfronteiriços e ambientais, atuando por meio de ações preventivas e repressivas, podendo realizar uma série de atividades típicas de polícia, tais como realizar patrulhamentos, revistas de pessoas, veículos, embarcações e aeronaves. Importante destacar que na Região Amazônica esse trabalho é dificultado por diversos fatores, dentre eles a imensidão do território amazônico aliado à ausência da maior parte dos poderes públicos nesta parte do Brasil. Em 2011, a fim de garantir o fortalecimento da prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços e dos delitos praticados na Faixa de Fronteira brasileira, por meio da atuação integrada dos órgãos de segurança pública, da Secretaria da Receita Federal do Brasil e das Forças Armadas, o governo federal criou o Plano Estratégico de Fronteiras, para prevenir e combater crimes praticados em pontos estratégicos do território nacional. Os ianomâmis são índios que habitam o Brasil e a Venezuela. A noroeste de Roraima estão situadas 197 aldeias que somam 9.506 pessoas, e ao norte do Amazonas estão situadas 58 aldeias que somam 6.510 pessoas. Na Venezuela somam cerca de 12.000 pessoas residentes no sul dos Estados Bolívar e Amazonas.

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No contexto dessa iniciativa, destaca-se a Operação Ágata, por meio do qual os militares das Forças Armadas e agentes civis atuam para proteger as fronteiras brasileiras. A Operação Ágata é uma ação militar, de natureza episódica, conduzida pelas Forças Armadas em pontos estratégicos da fronteira terrestre brasileira. Durante sua realização, militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica realizam missões táticas destinadas a coibir delitos como narcotráfico, contrabando e descaminho, tráfico de armas e munições, crimes ambientais, imigração e garimpo ilegais. Coordenadas pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA), as ações abrangem desde a vigilância do espaço aéreo, até operações de patrulha e inspeção nos principais rios e estradas que dão acesso ao país. Além da Defesa, a Ágata envolve a participação de 12 ministérios e 20 agências governamentais. O planejamento e a mobilização são feitos de forma integrada, com articulação contínua entre militares das Forças Armadas e agentes de segurança pública nos níveis federal, estadual e municipal. Para dar conta da extensa área coberta, a operação mobiliza significativo aparato militar, com emprego regular de embarcações, caças de ataque leve, helicópteros e viaturas de reconhecimento e transporte de tropas, entre outros.

Figura 2. Momento da Operação Ágata. Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015

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Até mesmo pelo porte dessa movimentação, cada edição da Ágata é comunicada previamente aos países que fazem fronteira com o Brasil. Na oportunidade, as Forças Armadas de países vizinhos são convidadas a participar da operação, seja com apoio de tropas em seus próprios territórios, seja por meio do envio de observadores militares. Todas essas ações, relevantes para a região, obedecem às diretrizes pautadas na Estratégia Nacional de Defesa (END), destacadamente a de “dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras terrestres” (BRASIL, 2008) e a de “desenvolver a capacidade de se fazer presente, sempre que necessário” (BRASIL, 2008). De forma positiva, elas aperfeiçoam a capacidade de alternar a concentração e a desconcentração de forças, com o propósito de dissuadir e combater as ameaças. E essa possibilidade de se deslocar, com rapidez, tropas diversas para a região, em face de eventuais ameaças, representa o conceito definido como ser capaz de estar presente, sempre que necessário, a fim de reforçar o poderio bélico aqui disponível de imediato. Todavia, apesar dos resultados positivos, até aqui conquistados, não se deve abrir mão do esforço da presença constante de tropas na Amazônia, sobretudo ao longo das fronteiras e nas partes mais estratégicas. A presença permanente das tropas subordinadas ao CMA nos mais afastados recantos da região, além dos aspectos relacionados com as atividades de Defesa e Segurança, constitui importante instrumento a serviço da ocupação e do desenvolvimento regionais. Quanto mais unidades militares especializadas e adestradas a Força possuir na região, mais efetiva será a contribuição nesse sentido. Essa situação caracteriza o conceito entendido como estar presente. Na concepção da Estratégia da Presença, o protagonista é o Pelotão Especial de Fronteira (PEF). O PEF é a vanguarda avançada do Exército Brasileiro no Comando Militar da Amazônia (CMA). É uma unidade militar com efetivo variável de 30 a 70 militares, localizados em pontos estratégicos da Faixa de Fronteira da Floresta Amazônica. Atualmente, existem 24 PEF na Amazônia Ocidental, os quais possuem o valoroso lema: “Vida, Combate, Trabalho e Proteção” (THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, 2013a). O pilar Vida representa as atividades do dia a dia dos quartéis, particularmente os localizados na faixa de fronteira: atividades agrí­ colas, criação de animais, satisfação das necessidades da família militar residente, atendimento ao calendário de obrigações administrativas, execução de tarefas logísticas, etc. Trata-se da busca e da manutenção das melhores condições para o cumprimento das missões.

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O pilar Combate consiste na execução da atividade-fim das tropas militares e está voltado para o campo operacional. Concretiza-se por intermédio do adestramento, da vigilância, do patrulhamento e de outras ações necessárias à defesa da Pátria e à manutenção da soberania e da integridade territorial. Para as tropas instaladas na faixa de fronteira, estão também incluídas as missões voltadas para a prevenção e para a repressão dos crimes transfronteiriços e ambientais. O pilar Trabalho sustenta, entre outras, atividades diversas de manutenção, de reparos, de construção, de apoio a iniciativas das diversas agências do Estado brasileiro na região. Aqui também se incluem, principalmente diante da celebração de instrumentos legais, as ações de assistência direta às comunidades existentes no interior da área de responsabilidade de cada unidade.

Figura 3. Exercícios Militares. Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015

A sinergia dos conceitos contidos na trindade naturalmente nos remete à Proteção por ela fomentada. Assim, esse novo pilar é entendido não somente no que se refere à soberania e à manutenção da integridade territorial, mas também no que diz respeito à vocação socioambiental natural do CMA no cumprimento de suas missões na Amazônia Ocidental.

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Nunca é demais lembrar que o PEF não atua isolado. Integrado à selva e às comunidades locais do seu entorno, transforma exponen­ cialmente suas capacidades de combate e deve estar preparado para atuar no contexto da Estratégia da Resistência. Segundo essa estratégia, dentro das ameaças potenciais, a cobiça internacional por nossas riquezas poderá levar a uma ingerência militar estrangeira, configurando um quadro de conflito agravado pela imensidão da área, pela baixa densidade demográfica, pelo afastamento do centro político nacional, pela precariedade de infraestrutura local e pela dificuldade de controle das organizações não governamentais (ONG). Dessa forma, torna-se difícil o controle sobre a circulação de estrangeiros e ilícitos transfronteiriços, associados a grupos armados de Estados vizinhos ou a facções do crime organizado. Diante dessa ameaça e esgotados todos os esforços da Expressão Política do Poder Nacional para o estabelecimento da estratégia da aliança, e também depois de esgotados os recursos dissuasórios e aplicada a Estratégia da Defensiva, aplicar-se-á, como último recurso, a Estratégia da Resistência para desgastar moral e materialmente o invasor, com previsão de combate prolongado. De acordo com os fundamentos dessa estratégia, a presença de uma força invasora no território nacional, com poder militar incontes­ tavelmente superior, poderá se efetivar em decorrência de diplomas de organismos internacionais ou de decisão unilateral de potência estrangeira ou coalizão de países com ou sem aval desses organismos internacionais. Nesse contexto, a Força Terrestre, para condução exitosa no Combate de Resistência, orienta-se por algumas condições, das quais se destacam duas: 1) ver a nação identificada com a causa da defesa; e 2) construir e manter, mesmo sob condições adversas e extremas, o poder de apoio logístico às forças combatentes.

A logística na Amazônia Ocidental No atual cenário mundial, caracterizado por intensas transfor­ mações impulsionadas pelos avanços tecnológicos, as integrações comerciais e financeiras e a acirrada concorrência mundial, o tema logística vem se tornando uma das áreas centrais para as organizações. Este reconhecimento decorre do potencial da logística para agregar valores aos clientes e criar vantagens competitivas às empresas, na medida em que os custos logísticos, principalmente os relativos aos meios de transportes, representam uma parcela expressiva no custo total das mercadorias.

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Para a logística militar, esses aspectos não são diferentes. A logística e a estratégia sempre foram atividades valorizadas no meio militar, uma vez que o uso adequado de ambas tem sido fator decisivo para a obtenção de vantajoso poder de combate. Além do mais, existe uma interdependência entre estratégia, tática e logística militares, imprescindível para o sucesso das operações em campo de batalha, seja em exercício ou em situação real. No caso específico do Comando Militar da Amazônia, em decorrência do valor estratégico da Região Amazônica para o Brasil e o mundo, a execução de uma logística eficaz e efetiva é fator determinante para a presença e a atuação das Forças Armadas, vitais para resguardar a soberania nacional (THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, 2014b, p. 50). A Amazônia Ocidental, região fronteiriça com cinco países e formada pelos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, caracteriza-se pelos extensos vazios demográficos, pelo afastamento dos grandes centros produtores nacionais, por possuir a maior bacia fluvial e a maior floresta tropical do mundo, pelo clima equatorial, quente e úmido, pela constância de chuvas abundantes ao longo do ano, pelas grandes distâncias entre centros urbanos, pela inexistência do modal ferroviário e escassa malha rodoviária, e pelo número reduzido de fornecedores, dentre outros aspectos.

Figura 4 – Parte da 12ª Região Militar. Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015

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Isso posto, percebe-se que as inúmeras peculiaridades da Amazônia Ocidental se convertem em sérios óbices à logística, motivando o desenvolvimento de diversos estudos, investimentos e inovações sustentáveis para aprimorar a gestão do fluxo físico do suprimento dos fornecedores aos clientes finais. Nesse contexto, surge o importante papel da 12ª Região Militar, “Região Mendonça Furtado”, Comando Territorial subordinado ao Comando Militar da Amazônia e com sede em Manaus, responsável pelo apoio logístico do Exército Brasileiro na Amazônia Ocidental. Dentre outras atribuições, a 12ª RM planeja, coordena, executa, integra e controla as funções logísticas de transporte, suprimento, manutenção, salvamento, engenharia, saúde e recursos humanos, beneficiando diretamente os quase 20 mil militares do Exército Brasileiro existentes nos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima, os quais são alvos de substanciais benefícios indiretos. Para exemplificar, em 2013, foram alistados exatos 70.412 jovens, dos quais 4.540 foram incorporados, sendo 107 indígenas. Anualmente, a 12ª RM investe cerca de R$ 32 milhões exclusivamente em alimentação, transporta em torno de 1.500.000 t de carga só no modal fluvial, investe valores superiores a R$ 800 mil em empresas aéreas regionais e quantias de dezenas de milhões em obras da construção civil e serviços de saúde. Destaca-se, ainda, no contexto da integração regional, sobretudo em sua vertente social, a regularização das áreas das comunidades ribeirinhas tradicionais existentes na Área de Instrução do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) com a Concessão do Direito Real de Uso Resolúvel (CDRUR), atendendo 141 famílias, solucionando, assim, uma demanda de 49 anos. Verdadeiramente, a Logística Militar da Amazônia Ocidental vivencia marcante fase de sua história. Alinhada com o Processo de Transformação do Exército ora em curso, busca aperfeiçoar sua capacidade de ajustar-se à multiplicidade de situações de emprego do Exército Brasileiro com suas nuances e especificidades nesta região de valor estratégico. O objetivo dessa transformação logística é prever e prover de forma eficaz, eficiente e efetiva o apoio em materiais e serviços necessários para assegurar à Força Terrestre liberdade de ação, amplitude do alcance operativo e capacidade de durar na ação. O seu delineamento deseja vocacioná-la para o apoio às Operações no Amplo Espectro, em

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situações de guerra e não guerra, dispondo de estrutura compatível capaz de evoluir, rapidamente e com o mínimo de adaptações, de uma situação de paz para a de guerra ou conflito armado. O mais recente exemplo prático e real que reafirma a necessidade dessa logística na medida certa foi o auxílio nas diversas tarefas de socorro prestado aos atingidos pelas enchentes nos Estados de Rondônia e Acre, durante o mês de fevereiro de 2014. Além do apoio no transporte de mantimentos e dos desabrigados, no qual foram empregados 243 militares, 24 caminhões de 5 toneladas, 21 embarcações, uma ambulância, um helicóptero HM2 Black Hawk e um avião C-130 Hércules, foi também prestado o apoio no tratamento e purificação da água para o consumo, e na instalação de bases de comunicações, nas quais foram empregadas rádios tipo Yaesu System 600 e equipes de operadores especializados.

Figura 5. Apoio Logístico Militar em Situações Emergenciais. Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015.

É evidente que para garantir o sucesso do apoio logístico militar em situações emergenciais como essa, bem como em qualquer outra missão constitucional, é imprescindível a concepção de uma organização pautada pela flexibilidade, adaptabilidade, modularidade, elasticidade, sustentabilidade e resiliência.

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Nesse contexto, por meio da 12ª RM, o CMA vem adotando uma série de ações voltadas para a mencionada transformação logística, das quais se destaca o Campo de Prova da 12ª RM. Resultante do I Simpósio de Logística Interagências da Amazônia Ocidental, realizado em 2013, pelo Comando da 12ª RM, o Campo de Prova da 12ª RM tem dois claros objetivos. O primeiro é o de inserir, indubitavelmente, a logística militar na era do conhecimento, na qual estamos expostos a velocidade das inovações tecnológicas, por meio de estudos e pesquisas voltadas para ferramentas e produtos inovadores. O segundo é o de avaliar produtos e serviços destacados e sabidamente aprovados, antecipando-se a possíveis aquisições futuras a fim de garantir a eficiência no emprego dos recursos, evitando interrupções de projetos já em andamento causadas por falhas técnicas ou pela inadequabilidade de emprego na Região Amazônica. Diante das premissas fundamentais do CMA, o Comando da 12ª Região Militar elencou um stakeholder4 prioritário, para o qual todas as ações deveriam estar direta ou indiretamente voltadas. O stakeholder prioritário é o Pelotão Especial de Fronteira (PEF). Relevante ressaltar que os 24 PEF situados na Amazônia Ocidental enfrentam inúmeros óbices em seu cotidiano em decorrência de vários fatores, sobretudo pelo isolamento e pela falta de infraestrutura de toda ordem, pois estão localizados em áreas inóspitas da selva amazônica brasileira, o que limita substancialmente a operacionalidade dessas unidades. Dentre esses contratempos, quatro temas merecem destaques, quais sejam: água, energia, comunicação e dignidade (THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, 2013a). A água potável é considerada por integrantes dos PEF como o problema prioritário a ser resolvido, pois a inexistência de um sistema que garanta o fornecimento de água potável de forma efetiva contribui para a disseminação de doenças, ocasionando danos à saúde dos militares e de seus dependentes. Atualmente, os recursos utilizados são a captação de água dos rios, de poços artesianos e da chuva, sendo feitos de maneira improvisada e sem o adequado tratamento. Destarte, o Campo de Prova da 12ª RM realizou avaliações em produtos voltados para o tratamento de água para o consumo humano, tais como o equipamento portátil do Instituto Amazônia e a Estação de Stakeholder é a terminologia utilizada para indicar um público de interesse, grupos ou indivíduos que afetam e são significativamente afetados pelas atividades da organização: clientes, colaboradores, acionistas, fornecedores, distribuidores, imprensa, governo, comunidade, entre outros (HARRISON, 2005. p. 31.).

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Tratamento de Água Super H2Life, esta já utilizada de modo satisfatório em Xerém, distrito de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, por ocasião da enchente ocorrida em janeiro de 2013. Outrossim, um dos mais visíveis contratempos evidenciados é a extrema dificuldade em fornecer energia elétrica firme para a totalidade dessas unidades militares. Embora, atualmente, existam três meios de fornecimento desse importante bem de consumo (pela concessionária, por grupos geradores a diesel e por microusinas hidroelétricas), tem sido recorrente a solução de continuidade, o que tem afetado inclusive a segurança daquelas instalações militares e causado desconforto aos que ali residem. Para essa problemática, o Campo de Prova da 12ª RM também realiza estudos, dos quais distinguem-se as fontes alternativas, tal como o sistema de energia solar fotovoltaica da empresa alemã AIC, formado por quatro componentes básicos: painéis solares, controladores de carga, inversores e baterias. Capaz de gerar energia elétrica através da radiação solar, o sistema possui baterias com vida útil superior a 20 anos e surpreendente capacidade de armazenamento. No tema comunicação, no qual estão incluídos telecomunicações e transportes, foi comprovado a carência de infraestrutura básica de telecomunicações que atenda as necessidades mínimas de coordenação e controle dos escalões superiores e dos habitantes daquelas instalações militares. De fato, estabelecer projetos na Floresta Amazônica tem sido enorme desafio também para as concessionárias de telecomunicações. Os obstáculos passam não apenas pelas dificuldades de acesso e falta de investimentos, mas também por restrições ambientais de toda ordem. Ademais, a continuidade do fluxo logístico na Amazônia Ocidental encontra sérios obstáculos, dos quais se destaca o limitado sistema de transportes da região, considerado inadequado e obsoleto, por não ter a capacidade de atender à demanda das organizações militares situadas na faixa de fronteira de modo eficaz, o que vem causando atrasos e encarecimento de produtos, destacadamente para os de Classe I (alimentos)5. Observa-se que o modal fluvial é o mais utilizado, tendo em vista a grande quantidade de rios navegáveis. Contudo, com o tempo de percurso considerado muito longo, além das restrições de calado de Para facilitar a coordenação, o controle e a distribuição, o suprimento militar terrestre é organizado em classes, sendo a primeira delas a Classe I – Artigos de subsistência (alimentação).

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embarcações, dos regimes dos rios e das condições climáticas, apresenta inúmeras restrições à logística militar. O modal terrestre, por sua vez, é extremamente limitado em razão da escassez de vias rodoviárias, inexistência de vias ferroviárias e da fraca manutenção das existentes. Já o modal aéreo tradicional, que apresenta expressiva vantagem pelo reduzido tempo de deslocamento, caracteriza-se pelo limitado número de localidades com infraestrutura instalada e, sobretudo, pelo elevado custo. Tais aspectos geram forte dependência da 12ª RM no atendimento do Plano de Apoio à Amazônia (PAA)6, realizado pela FAB. Quanto aos estudos do Campo de Prova da 12ª RM relacionados ao transporte, ganha proeminência a terceirização de serviços com a contratação de aeronaves civis, tais como o avião de carga russo Antonov An-225, com capacidade de carga reconhecida mundialmente, ou as pesquisas com aeronaves híbridas, a exemplo do Airlander, lançado neste ano pela Hybrid Air Vehicles (HAV) na Grã-Bretanha e com impacto ambiental 70% menor do que o de um avião de carga. Com relação ao quesito dignidade, este tem sido o objetivo maior de todas as ações mencionadas. De fato, garantir a dignidade ao militar e à sua família residentes no PEF é um dever de todos os Comandantes, em todos os níveis, no âmbito do CMA. Desse modo, percebe-se que o caminho adotado pela 12ª RM, otimizando a gestão e a aplicação de recursos diretamente na logística militar, contribui efetivamente para o desenvolvimento sustentável, econômico e social da região, o que a faz ser o verdadeiro elo entre a Estratégia Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Desenvolvimento.

Considerações finais Este artigo procurou, no primeiro momento, mostrar a relevância das ações de defesa e de proteção da Amazônia para o uso sustentável de suas riquezas pelas gerações futuras. Nessa mostra, destacou o poder de polícia concedido ao Exército Brasileiro para atuar contra os crimes transfronteiriços e ambientais, atuando por meio de ações preventivas e repressivas. Acentuou o Por intermédio do Plano de Apoio à Amazônia, o CMA, a 12ª RM e o VII Comando Aéreo Regional (VII Comar) desencadeiam, um planejamento para o transporte de suprimento, com prioridade para gêneros frigorificados, com a finalidade de suprir as organizações militares mais isoladas.

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conceito definido como ser capaz de estar presente, sempre que necessário, pautado na Estratégia Nacional de Defesa. Ainda no contexto das ações de defesa, distinguiu a relevância da Estratégia da Presença, na qual a presença permanente das tropas nos mais afastados recantos da região é um importante instrumento a serviço da ocupação e do desenvolvimento regionais, caracterizando o conceito entendido como estar presente. Em seguida, enfatizou o protagonismo do Pelotão Especial de Fronteira no contexto da Estratégia da Resistência, a qual possui condições essenciais, tais como a nação identificada com a causa da defesa e a de construir e manter, mesmo sob condições adversas e extremas, o poder de apoio logístico às forças combatentes. Em um segundo momento, de modo consequente, relatou os principais desafios e os esforços empreendidos pela logística militar terrestre no Comando Militar da Amazônia. Nessa apresentação, apontou a relevância da logística no atual cenário mundial, a qual vem se tornando uma das áreas centrais para as organizações. Frisou que logística e estratégia sempre foram atividades valorizadas pelo meio militar, uma vez que o uso adequado de ambas tem sido fator decisivo para a obtenção de vantajoso poder de combate. Nesse encadeamento, destacou, no contexto da integração regional, sobretudo em sua vertente social, a regularização das áreas das comunidades ribeirinhas tradicionais existentes na Área de Instrução do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) com a Concessão do Direito Real de Uso Resolúvel (CDRUR), que beneficiou centenas de famílias. Apresentou, também, os esforços empreendidos a fim de aperfeiçoar sua capacidade de ajustar-se à multiplicidade de situações de emprego do Exército Brasileiro nesta região estratégica, o que vem caracterizando uma verdadeira transformação logística alinhada com o Processo de Transformação do Exército ora em curso. Além disso, foram ressaltados os principais contratempos vivenciados pelos PEF da Amazônia Ocidental, quais sejam: água, energia e comunicação. Na sequência, foram mencionados os principais estudos com seus respectivos produtos avaliados no Campo de Prova da 12ª RM. Tudo com a finalidade de garantir a dignidade aos militares e familiares residentes nos PEF.

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Figura 6. Militares e familiares residentes. Fonte: Acervo do Exército Brasileiro, 2015

Por fim, conclui-se que as Forças Armadas e em particular o Exército Brasileiro, presente na região desde quando da formação da nação, tem mantido o seu compromisso secular de protegê-la, defendê-la e desenvolvê-la, ampliando sua atuação e sua presença na área. Entretanto, as potencialidades da Amazônia permanecem despertando cobiça em todos os cantos do planeta, de onde se depreende que as “Ações de Defesa” da região devem ser uma prioridade e, consequentemente, a logística militar da Amazônia Ocidental também deve receber atenção especial, sobretudo, por sua capacidade de contribuir efetivamente para o desenvolvimento sustentável, econômico e social da região, o que a faz ser o verdadeiro elo entre a Estratégia Nacional de Defesa e a Estratégia Nacional de Desenvolvimento. Por essas razões é que “servir na Amazônia é um privilégio. Lutar pelo seu desenvolvimento sustentável, uma obrigação” (THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, 2013b).

Referências BRASIL. Lei Complementar nº 117, de 02 de setembro de 2004. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 set. 2004. Disponível em: . Acesso em: 04 maio 2010.

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BRASIL. Lei Complementar nº 97, de 09 de junho de 1999. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jun. 1999. Disponível em: . Acesso em: 04 jul. 2014. BRASIL. Ministério da Defesa. Estratégia nacional de defesa. Brasília, 2008. Disponível em: . Acesso em: 23 jun. 2014. Aprovada pelo Decreto Nº 6.703, de 18/dez/2008. HARRISON, Jefrey S. Administração estratégica de recursos e relacionamentos. Porto Alegre: Bookman, 2005. p. 31. MARINHO, Bruno Costa. Mudanças trazidas ao poder de polícia das Forças Armadas por intermédio da Lei Complementar 136, de 25 de agosto de 2010. Revista Âmbito Jurídico. Revista Jurídica Eletrônica, v. 13, n. 81, out. 2010. THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, Guilherme Calls. A 12ª região militar e a logística na Amazônia. Palestra do Comandante da 12ª Região Militar, ministrada ao Comandante do Exército Brasileiro, Gen Enzo Peri, set. 2013. Manaus, 2013a. THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, Guilherme Calls. A logística da modernidade. Revista Floresta Brasil Amazônia, v. 3, n. 8, mar./maio 2014a. THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, Guilherme Calls. A logística na Amazônia ocidental. Palestra minstrada aos alunos da ECEME, ago. 2013. Manaus, 2013b. THEOPHILO GASPAR DE OLIVEIRA, Guilherme Calls. O complexo caminho da logística na amazônia. Revista Floresta Brasil Amazônia, v. 3, n. 8, mar./ maio 2014b. VERDE OLIVA. Nossa força na Amazônia. Verde Oliva, v. 30, n. 176, out./dez. 2002. Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2014. VILLAS BOAS, Eduardo Dias da Costa. Amazônia: desafios e soluções. Manaus: Comando Militar da Amazônia, 2013. Disponível em: . Acesso em: 28 jun. 2014.

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Capítulo 7

A Marinha na Amazônia Ocidental e sua contribuição para a defesa e desenvolvimento sustentável da região Domingos Savio Almeida Nogueira

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“Quem cuida da Amazônia brasileira, a serviço da humanidade e de si mesmo, é o Brasil” (Diretriz no 10, sob o título “Priorizar a Região Amazônica”, da Estratégia Nacional de Defesa)

Figura 1. Presença da Marinha do Brasil nos rincões mais afastados da Amazônia. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015

Rica por natureza e pela sua imensidão, a Amazônia guarda inúmeros contrastes em decorrência de suas necessidades básicas ainda não atendidas, carentes de uma priorização para a região. É composta por uma população valente que busca a sobrevivência pelo que a terra lhe proporciona. Não só isso, adapta-se à realidade das grandes distâncias e dos empecilhos gerados pela dificuldade de locomoção até os municípios mais próximos. Aqui, as cores se misturam e tornam a região no que há de mais rico e exuberante no mundo, a Amazônia, definida pelo poeta da terra como “A Pátria das Águas”, onde “o rio comanda a vida”. Para Euclides da Cunha, o rio se converteu em ‘‘mundo maravilhoso’’, que estimulava a imaginação e a expressão artística: ‘‘A própria superfície lisa e barrenta era mui outra. Porque o que se me abria às vistas desatadas naquele excesso de céus por cima de um

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excesso de águas, lembrava [...] uma página inédita e contemporânea do Gênesis». É nesse cenário que a Marinha do Brasil oferece a seus militares uma profícua convivência com natureza, gerando a eles aprimoramento profissional, motivações e novos desafios na missão de cuidar de suas hidrovias interiores, numa região com características muito peculiares, onde: o transporte fluvial é dominante; as populações e cidades são concentradas às margens dos rios; a inexistência de apoio logístico é latente realidade; os regimes de vazão e cheia dos rios determinam o ritmo da navegação; as dificuldades de comunicação por meios radioelétricos convencionais obrigam o uso de satélites para tal; o clima é inóspito; a instabilidade atmosférica para operações é frequente; os rios são sinuosos e de geografia variável ao longo do ano; além da existência de múltiplas fronteiras pouco habitadas. Essas características específicas, somente ao ambiente amazônico, conferem à Força Naval brasileira um papel da mais alta relevância, na monitorização e controle da área fluvial, pelo emprego de seus meios navais, aeronavais e de fuzileiros navais, capazes de operar, por longos períodos de tempo, afastados de suas bases, assegurando assim eficaz controle dos rios e de suas margens.

Figura 2. O Navio Patrulha Fluvial Amapá em atividade nos rios da Amazônia. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015

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Figura 3. Hidrovia, o caminho da Amazônia. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Para se conhecer a Amazônia de verdade é preciso entender sua posição estratégica para o país. E os rios são a chave para esse conhecimento. Um dos principais desafios para o Brasil é conhecer a Amazônia. Sua característica eminentemente hídrica provocou, ao longo dos séculos, a necessidade do deslocamento de seus habitantes através dos rios. Muito antes da chegada dos colonizadores na Amazônia, os nativos já utilizavam canoas. Ainda hoje, grande parte da população amazônica vive da pesca, além disso, o deslocamento do ribeirinho se dá através da infinidade de rios que retalham a grandeza territorial. Mas, para conhecer a Amazônia de verdade é preciso entender sua posição estratégica para o país. E os rios são a chave para esse conhecimento. São as estradas que a natureza construiu, em cujas margens se desenvolveram inúmeras populações. Nos dias de hoje, é quase impossível imaginar o imenso sacrifício dos primeiros aventureiros que adentraram o Rio Amazonas, sofrendo com doenças, ataques de índios e todo o tipo de dificuldades que dizimavam suas tripulações. Mas esses aventureiros foram os

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responsáveis pelas instalações dos muitos fortes ao longo dos diversos rios, hoje transformados em comunidades. Portanto, é impossível se pensar em Amazônia sem associar a importância que os rios têm para o desenvolvimento sustentável da região, econômico e social. Eles devem ser vistos como a grande solução logística do transporte de cargas e passageiros desse imenso teatro de operações, com total vocação fluvial, pois lá não há rodovias nem ferrovias. Hoje, a grande questão é: em que medida é possível conciliar-se o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente? A resposta está nas hidrovias. Hidrovia é uma rota predeterminada para o tráfego aquaviário. Há muito tempo o homem utiliza as rotas d’água como estradas, e a Amazônia é o maior exemplo disso. O transporte por hidrovias apresenta ampla capacidade de movimentação de cargas a grandes distâncias, com baixo consumo de combustível, além de propiciar uma oferta de produtos a preços competitivos. A ampliação da utilização da hidrovia é uma tendência mundial por uma questão ambiental. Mais cedo ou mais tarde, ela se tornará obrigatória. Para tal, há, ainda, que se fazer um esforço para melhorar essa malha. Com isso, teremos uma vantagem logística excepcional. A viabilização de uma navegação segura no Rio Madeira, por exemplo, permite o escoamento da produção de grãos de Rondônia e Mato Grosso para o Amazonas e, daí, para o Atlântico. Isso cria um corredor de desenvolvimento integrado, com transporte de alta capacidade e baixo custo para grandes distâncias, elimina grave problema estrutural do setor primário com a redução significativa da dependência do modal rodoviário até os portos do Sudeste e representa mais uma opção de integração nacional, com a redução de trânsito pesado nas rodovias da região Centro-Sul. Contudo, segundo a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), o transporte rodoviário, diferentemente da maioria dos países desenvolvidos, é preponderante do Brasil, representando 61% do movimento de cargas. Vem a seguir o ferroviário, com 20,7%, e o aquaviário, que representa em torno de 14% do total da carga transportada. Em muito menor escala segue-se o dutoviário (4,2%) e o aéreo, que corresponde a apenas 0,4% do movimento de cargas no país. Esta distribuição relativa, embora se refira ao ano de 2004, é até

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hoje divulgada no Boletim Estatístico da CNT (Confederação Nacional dos Transportes). A Marinha do Brasil tem papel fundamental no desenvolvimento do modal hidroviário, tanto com a produção de conhecimento, através dos levantamentos hidrográficos, quanto com a formação do profissional para atuar nessas hidrovias. Em 2013, por intermédio do Comando do 9º Distrito Naval, a Marinha avançou com vários projetos voltados para a importância do tema. Inaugurou o Centro Técnico de Formação de Fluviários da Amazônia Ocidental (CTFFAO); promoveu o seminário “O Futuro Amazônico: Hidrovias 2014 a 2031”, na cidade de Manaus, com a participação de mais de 300 empresários do ramo da navegação; e iniciou a construção do Serviço de Sinalização Náutica do Noroeste (SSN-9), com previsão de inauguração ainda em 2014.

Figura 4. Centro de Formação de Fluviários da Amazônia Ocidental (CTFFAO). Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Outra etapa importante do trabalho da Marinha, feita em parceria com o Ministério dos Transportes, é a sinalização dessas hidrovias, de modo que os condutores saibam por onde navegar. No entanto, para que isso ocorra, é necessário ao navegante uma boa formação profissional. Daí a necessidade da criação do CTFFAO. Nele são oferecidos diversos cursos, das varias categorias subalternas das carreiras da Marinha Mercante. Essa mão de obra formada pela Marinha também garante que as normas de segurança sejam compreendidas e respeitadas.

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Figura 5. Ativação do SSN. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

A criação do SSN-9 vai garantir o aumento na capacidade de atualização cartográfica na região. Para isso, a Marinha do Brasil, em parceria com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), adquiriu dois novos navios para realização de levantamentos hidrográficos, e um terceiro está sendo construído especificamente para a tarefa de cobrir os vazios cartográficos da Região Amazônica. Os navios são dotados de equipamentos e mão de obra qualificada para a realização de sondagens dos rios com o objetivo de produzir e manter constantemente atualizadas as cartas náuticas da Região Amazônica, garantindo assim a segurança da navegação pelos seus 22 mil km de vias navegáveis.

Vantagens das hidrovias para a Região Amazônica A Amazônia é um rico conjunto de tesouros. Além de abrigar a maior floresta do mundo, reúne a mais expressiva biodiversidade do planeta e a maior concentração de água doce do mundo. Além de grandiosos, os rios possuem excelentes condições de navegabilidade, o que transforma a Amazônia em uma terra com vocação nata para o transporte fluvial. É impossível se pensar em Amazônia sem associar a importância que seus rios têm para o desenvolvimento econômico e social. Eles devem ser vistos como o grande propulsor do desenvolvimento sustentável da região.

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Porém, a realidade é repleta de desafios. As mudanças climáticas obrigam a população local a viver em função do regime das cheias e vazantes, uma verdadeira dança das águas, que impacta diretamente na realidade ribeirinha. Na cheia, as embarcações alcançam as localidades mais longínquas, quando chegam alimentos, medicamentos e serviços básicos para a população mais distante. Além disso, há a ameaça das inundações dos lares, para desespero das comunidades. Durante os seis meses da vazante, o verão torrencial se soma à falta d›água e à dificuldade de percorrer alguns caminhos, tornando tudo ainda mais cheio de obstáculos. Nesse contexto, o autor paraense Leandro Tocantins, um dos mais importantes intérpretes da Amazônia, escreveu a obra “O Rio Comanda a Vida”, que retrata, dentre outros aspectos, o protagonismo do rio na realidade amazônica. São os rios que comandam as atitudes do ribeirinho e é por meio das hidrovias que o caboclo se locomove, trabalha e sustenta a família. Na Amazônia, é possível afirmar que os rios são as estradas que a natureza construiu, em cujas margens se desenvolveram inúmeras populações. Além da importância para a população local, as hidrovias amazônicas possuem um potencial logístico inestimável, com possibilidade de transportar volumes expressivos de mercadoria para grandes distâncias, a baixo custo. Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq)1, divulgados em 2012, o transporte de cargas por hidrovias no Brasil movimentou 80,9 milhões de toneladas, crescimento de 1,4% ante o ano anterior, quando passaram pelas hidrovias 79,8 milhões de toneladas. “É um volume expressivo, mas há potencial para uma utilização bem mais intensa das hidrovias, desde que se façam os investimentos necessários”, afirmou Adalberto Tokarski, diretor da Antaq. Dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT)2 e do Boletim Estatístico da Confederação Nacional dos Transportes (CNT)3 dão conta de que os modais de transporte no Brasil, em relação ao volume de cargas transportado, apresentam a seguinte configuração: Portal da Antaq. Disponível em . Acesso em: 17 jun. 2015. 2 Portal da ANTT. Disponível em . Acesso em 17 jun. 2015. 3 Portal da CNT. Disponível em . Acesso em 17 jun. 2015. 1

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Quadro 1. Volume de cargas transportado por modal. Modal

Volume de cargas transportado

Transporte Rodoviário

61,1%

Transporte Ferroviário

20,7%

Transporte Aquaviário

13,6%

Transporte Dutoviário

4,,2%

Transporte Aéreo

0,4%

Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015

Quando comparado aos demais modais de transporte, o sistema hidroviário reúne uma série de benefícios. Inicialmente, há vantagens financeiras pelo menor consumo de combustível quando comparado aos automóveis e aeronaves. Para o meio ambiente, trata-se de uma alternativa inteligente, pois o transporte fluvial emite menos poluentes, o que impacta nas alterações climáticas e o no efeito estufa. Outro ponto positivo é a capacidade de concentração de cargas muito superior a outros meios de transporte. Impossível deixar de considerar a falta de congestionamentos nos rios, que permitem que a embarcação flua continuamente e planeje suas rotas independente do trânsito. Há também menor número de acidentes, além do menor custo por unidade transportada, visto que o custo operacional e estrutural são reduzidos. O gráfico a seguir ilustra a situação por modal de transporte:

Figura 6. Situação por modal de transporte. Fonte: Agência Nacional de Transportes Aquaviários, 2015.

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Um exemplo da utilização das hidrovias na Região Amazônica é a viabilização de uma navegação segura no Rio Madeira, permitindo o escoamento da produção de grãos de Rondônia e Mato Grosso para o Amazonas e, daí, para o Atlântico. Isso cria um corredor de desenvolvimento integrado, com transporte de alta capacidade e baixo custo para grandes distâncias, e elimina grave problema estrutural do setor primário com a redução significativa da dependência do modal rodoviário até os portos do Sudeste e representa mais uma opção de integração nacional, com a redução de trânsito pesado nas rodovias da região Centro-Sul. Esse comentário pode ser observado no texto publicado no jornal A Crítica, edição de 12 de novembro de 2013, reproduzido a seguir:

Figura 7. Entrevista Hélio Diniz. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Não há dúvidas, portanto, que as hidrovias são a alternativa mais viável para o escoamento da produção. Entretanto, para que o sistema hidroviário se desenvolva, são necessários investimentos públicos como obras portuárias e adequações nas hidrovias. Os grandes freios que impedem este desenvolvimento são as questões burocráticas, a falta de planejamento e a demora nos licenciamentos ambientais.

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A perspectiva para o futuro é que as autoridades enxerguem esse potencial e invistam no transporte fluvial. Com o incremento do setor a ideia é fomentar o Polo Naval, estimular a produção dos estaleiros, investir na construção de embarcações e principalmente na formação de mão de obra especializada para o setor. Fica fácil então concluir que a Amazônia tem vocação fluvial. A região ganharia na geração de emprego e renda, além de se mostrar uma alternativa para o desenvolvimento econômico do Amazonas, por exemplo, que há tempos busca outra fonte de desenvolvimento extra indústria. O investimento no setor proporcionaria ainda o incremento nas possibilidades do setor do turismo, visto que a infraestrutura portuária estimularia os passeios turísticos pela encantadora Região Amazônica, a bordo de embarcações regionais ou até mesmo internacionais. E onde há turismo, há geração de renda. Um verdadeiro ciclo vantajoso para a Região Amazônica. Uma estratégia vencedora, na qual a política do ganha-ganha impera. Ganha o ribeirinho em transitar por hidrovias sinalizadas e mais seguras para a navegação, além de oportunizar empregos e renda; ganha o empresário que enviará sua produção a custo menor; ganham as capitais que ficarão menos abarrotadas de contêineres, que, além de perigosos no trânsito, geram engarrafamentos quilométricos, afetando a qualidade de vida do cidadão; ganha a Amazônia por poder ser mais desbravada pelos turistas; e ganha, finalmente, o planeta, pela geração de menores impactos ambientais.

Figura 8. Porto privado em Manaus. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

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A quantidade de contêineres que circulam nos portos de Manaus chega hoje a 500.000 TEUS/ano (equivalente a 500.000 contêineres de 20 pés/ano).

A atuação da Marinha do Brasil em águas amazônicas Na Amazônia Ocidental, a Marinha do Brasil (MB) iniciou suas atividades em 1728, quando foi criada a Divisão Naval do Norte, sediada em Belém do Grão-Pará, de onde passou a ser exercido o controle do acesso de navios ao Rio Amazonas, necessário, em face da abertura desse rio à navegação internacional. Desde então, surgiram os primeiros indícios de uma futura e perene amizade entre os três países lindeiros ao mesmo rio. A partir de 2005, com a transformação do antigo Comando Naval da Amazônia Ocidental (CNAO), sediado em Manaus, em Comando do 9º Distrito Naval (Com9ºDN), incrementou-se ainda mais o controle de áreas ribeirinhas brasileiras nessa vasta região, acentuando o papel da Marinha como essencial, devido ao império exercido pelas águas. Para a MB, a partir dessa data, outras conquistas foram somando-se, como a aquisição de novos meios operativos e a criação de novas Organizações Militares (OM), distribuídas por quatro estados: Amazonas, Roraima, Rondônia e Acre; fato que potencializou a atuação da Força Naval quanto à Segurança do Tráfego Aquaviário, em uma região onde a malha hidroviária navegável alcança cerca de 22 mil Km de extensão e por onde trafegam mais de 35 mil embarcações.

Figura 9. Comando do 9º Distrito Naval. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

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Tão grande quanto as dimensões amazônicas é o desafio da Marinha do Brasil (MB) nesta região. O Comando do 9º Distrito Naval (Com9ºDN), criado em 2005, tem a missão de fiscalizar e garantir a segurança da navegação nos Estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima. A Amazônia é um verdadeiro teatro de operações navais, visto que expressiva parcela de nosso território é constituído por águas. E onde há um rio navegável há uma embarcação, portanto, há necessidade da Marinha atuar para garantir a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana e a proteção à poluição hídrica. Dentre as bandeiras que a Marinha levanta na Região Amazônica, destacam-se o desenvolvimento do modal hidroviário, a necessidade de sinalização náutica e a capacitação e formação de aquaviários para atuação no setor fluvial. Dentre as ações desenvolvidas pelo Com9ºDN em sua área de jurisdição, são realizadas ainda: a Busca e Salvamento, sob responsabilidade do Salvamar Noroeste (acessado em todo o Estado do Amazonas pelo telefone 185, para chamadas de socorro nos rios); a Garantia da Lei e da Ordem, em que a Força Naval poderá atuar de forma isolada ou em cooperação com as demais Forças e realizar as seguintes ações: controle de áreas marítimas litorâneas; manutenção da integridade de instalações marítimas, costeiras e fluviais, bem como de pontos sensíveis de interesse; controle de áreas ribeirinhas; transporte e desembarque administrativo de contingente e suprimentos militares; controle de áreas de dimensões limitadas em terra; segurança de autoridades em eventos específicos; e, em situações excepcionais, operações especiais de retomada e resgate; e o Apoio Cívico-Social e Assistência Hospitalar prestado às comunidades ribeirinhas em decorrência de desastres ambientais e calamidades públicas. Ao Com9ºDN estão diretamente subordinadas nove organizações militares, que atuam no Comando, no Controle, na Segurança do Tráfego Aquaviário e no Apoio Logístico: Comando da Flotilha do Amazonas (ComFlotAM); Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental (CFAOC); Estação Naval do Rio Negro (ENRN); Batalhão de Operações Ribeirinhas (BtlOpRib); Centro de Intendência da Marinha em Manaus (CeIMMa); Capitania Fluvial de Tabatinga (CFT); 3º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral (EsqdHU-3); Policlínica Naval de Manaus (PNMa); e o Serviço de Sinalização Náutica do Noroeste (SSN9), previsto para ser inaugurado em outubro de 2014.

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Figura 10. Fuzileiros Navais possuem importante papel nas patrulhas e inspeções navais. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015

Figura 11. Navios do ComFlotAM perfilados durante Desfile Naval na praia de Ponta Negra em Manaus. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

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Subordinados ao ComFlotAM estão os Navios-Patrulha Fluvial (NPaFlu) Pedro Teixeira, Raposo Tavares, Roraima, Rondônia, e Amapá; os Navios de Assistência Hospitalar (NAsH) Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Dr. Montenegro e Soares de Meirelles; os Avisos Hidroceanográficos Fluviais Rio Negro e Rio Solimões, os quais serão transferidos ao SSN-9, após inauguração de sua sede; e duas Lanchas Patrulha de Rio (LPR) entregues no dia 11 de março de 2014, após contrato firmado, em 26 de dezembro de 2012, entre a empresa Corporación de Ciencia y Tecnologia para El Desarrollo de La Industria Naval Marítima e Fluvial (COTECMAR) – Colômbia, e a Marinha do Brasil, pelo qual foram projetadas e construídas em Cartagena (Colômbia), com base em embarcações semelhantes empregadas naquele país, em situações de conflito real. Durante a Patrulha Naval (PatNav), realizada por Navio do ComFlotAM com a participação de Fuzileiros Navais do BtlOpRib, são fiscalizadas e implementadas a legislação nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), na Plataforma Continental e no alto mar, respeitados os tratados, convenções e atos internacionais ratificados pelo Brasil. A PatNav contribui para a consecução dos seguintes propósitos: salvaguarda da vida humana; segurança da navegação aquaviária; assistência cívico-social; assistência hospitalar; fiscalização do direito de passagem inocente de embarcações estrangeiras, inclusive de navios de guerra e de Estado; fiscalização das atividades de pesquisa científica, de levantamento hidrográfico, de aquisição de dados relacionados à atividade de exploração e explotação de recursos naturais, do patrimônio genético nas AJB; e apoio aos órgãos federais ou estaduais, que atuarão dentro de suas competências. À CFAOC estão subordinadas: a Delegacia Fluvial de Porto Velho, futura Capitania Fluvial Madeira Mamoré; as Agências Fluviais de Boca do Acre, Eirunepé, Guajará-Mirim, Humaitá, Itacoatiara, Parintins, Tefé, Cruzeiro do Sul, inaugurada em 2013, e em breve, Caracaraí, primeira representação da MB no Estado de Roraima; além do Destacamento de Inspeção Naval de São Gabriel da Cachoeira. A Capitania dos Portos em Manaus (CFAOC), responsável pelo Sistema de Segurança do Tráfego Aquaviário, na área de sua jurisdição (toda a Amazônia Ocidental, exceto a área sob jurisdição de Tabatinga) presta atendimentos, também, por telefone, no “Disque Segurança à Navegação”, através do número 0800 280 7200, pelo qual podem ser informadas denúncias e riscos à Segurança da Navegação, além de solicitações de informações diversas.

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Figura 12. Capitania Fluvial da Amazônia Ocidental, Manaus e suas agências fluviais. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

O Com9ºDN, utilizando-se dos seus meios navais, aeronavais e de Fuzileiros Navais, tem como principais tarefas a execução de Operações Ribeirinhas, atividades de Patrulha e Inspeção Navais, Assistências Hospitalar e Cívico Sociais (ACISO) às comunidades ribeirinhas, em uma malha hidroviária de 22 mil Km de extensão, onde trafegam cerca de 35 mil embarcações.

Figura 13. Inspeção Naval. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

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A Inspeção Naval tem cunho administrativo, que consiste na fiscalização do cumprimento da Lei nº 9537, de 11/12/97 (LESTA), das normas e regulamentos dela decorrentes, e dos atos e resoluções internacionais ratificados pelo Brasil, no que se refere exclusivamente à salvaguarda da vida humana e à segurança da navegação, no mar aberto e em hidrovias interiores; e prevenção da poluição hídrica por parte de embarcações, plataformas fixas ou suas instalações de apoio.

Figura 14. Tarifas básicas das OM do SSTA. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Com a inauguração do SSN-9, o Com9ºDN contribuirá para a orientação e a coordenação do planejamento, controle e execução das atividades da sinalização náutica sob responsabilidade de entidade extra-MB, propondo modificações nos sinais náuticos sempre que forem necessárias, em função de alterações de batimetria ou das características do tráfego fluvial ou quaisquer outras que visem ao seu aperfeiçoamento. A carta náutica é o documento orientador para as embarcações que navegam pelos rios da Amazônia. Os navios hidroceanográficos fluviais têm a missão de executar os levantamentos hidroceanográficos (LH) em águas interiores na Bacia Amazônica, com a finalidade da atualização contínua da cartografia náutica das principais hidrovias na região, sendo de fundamental importância o conhecimento preciso e atualizado do canal de navegação dos rios amazônicos. Para isso, a Marinha do Brasil adquiriu dois novos navios para realização de

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levantamentos hidrográficos e um terceiro está sendo construído especificamente para a tarefa de cobrir os vazios cartográficos da Região Amazônica. Os navios são dotados de equipamentos e mão de obra qualificada para a realização de sondagens dos rios com o objetivo de produzir e manter constantemente atualizadas as cartas náuticas da Região Amazônica, garantindo assim a segurança da navegação pelos seus 22 mil km de hidrovias. Vale ressaltar a relação de amizade entre os países vizinhos reforçada pelas operações, quer sejam realizadas somente pela MB, como a BRAColper ou Braper, entre a Colômbia e o Peru; ou conjuntas com a participação do Exército Brasileiro (EB), Força Aérea Brasileira (FAB) e órgãos estaduais e federais que compõem a Força Nacional.

Figura 15. Apoio logístico de helicópteros para assistência médica. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Deve-se falar nos resultados esperados com a criação do Centro Técnico de Formação de Fluviários da Amazônia Ocidental (CTFFAO), em 2013. A meta inicial era entregar às empresas de navegação local, anualmente, cerca de 600 aquaviários preparados para atuar dentro das realidades e características regionais. O ano ainda não acabou e os dados do centro superam mais de 1.000 aquaviários formados

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em Manaus e nas comunidades próximas à capital amazonense, em diversas categorias e especialidades. O centro oferece cursos de marinheiro auxiliar fluvial; marinheiro fluvial de convés; contra-mestre fluvial; mestre fluvial; piloto fluvial; e capitão fluvial, todos na carreira de convés. Já na carreira de máquinas, o estudante pode se formar como marinheiro fluvial de máquinas; condutor maquinista e supervisor de máquinas fluvial. Os cursos são gratuitos e a instituição vem firmando parcerias para alavancar a formação dos estudantes.

Figura 16. Ensino Profissional Marítimo (CTFFAO). Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Marinha e a saúde na Amazônia A alimentação do ribeirinho, apesar de farta, especialmente em relação a peixes e farinha, é restrita em termos de variedade. Suas plantações, quando possíveis, sofrem influência direta da época do ano, chuvosa ou não, e a ausência de energia elétrica na maioria das comunidades impede a estocagem de alimentos. Suas pequenas embarcações são o único meio de transporte, o que os distancia, por vezes, dias de viagem até a sede municipal mais próxima. Esses fatores, somados à falta de noções de higiene pessoal e de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; e a precariedade da estrutura sanitária, de tratamento de água e de controle do lixo tornam essa população necessitada de especial atenção básica à saúde.

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A presença dos navios da Marinha do Brasil nos mais de 20 mil quilômetros de águas navegáveis na Amazônia, vivenciando diariamente as necessidades dos ribeirinhos, fez com que houvesse a tentativa de apoiar de alguma forma a população em suas maiores carências. Essa história teve início há mais de 40 anos, época em que as corvetas realizavam Inspeção Naval, quando a Marinha não media esforços para prestar assistência à saúde das famílias ribeirinhas, principalmente daqueles que necessitavam de atendimento de urgência. No início da década de 1970, com a chegada dos Navios-Patrulha Fluviais, essa assistência passou a ser programada, com a entrega de alimentos às comunidades, além da assistência médica de urgência que por ora fosse necessária. Ao final da década de 1970, surgiu a ideia de prover uma assistência à saúde dos ribeirinhos mais completa, planejada e que abrangesse os princípios básicos de saúde, prevenção e higiene sanitária, bem como ter condições de atender casos de urgência e emergência. Assim, no início da década seguinte, foi autorizada a construção no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro de dois navios de assistência hospitalar (NAsH), cuja realização recebera apoio do Ministério da Saúde. Dotados de consultório médico, consultórios odontológicos, laboratório de análises bioquímicas, farmácia, sala de vacina e curativos, sala de Raio-X e sala cirúrgica, além de duas lanchas e um convés para pouso de helicópteros (convoo), os NAsH Carlos Chagas e Oswaldo Cruz completam no presente ano três décadas de atividade nos Rios da Amazônia. Recentemente, para ampliar a capacidade de atendimento, incorporaram ao Comando do 9º Distrito Naval os NAsH Dr. Montenegro, cuja estrutura detém, além do citado na Classe Oswaldo Cruz, exceto o convoo, um mamógrafo; e Soares de Meirelles, dotado de farmácia, consultório médico e consultório odontológico, cujo planejamento prevê o aumento da capacidade de atendimento e a instalação de um convoo. Dessa forma, hoje, a Marinha do Brasil, por meio de seus quatro navios de assistência hospitalar, realiza operações de assistência hospitalar (ASSHOP), que são planejadas para atender no decorrer do ano os 12 polos fluviais dos rios da Amazônia Ocidental. As ASSHOP promovem, além do atendimento médico-odontológico, a distribuição gratuita de kits de higiene bucal, medicamentos e preservativos, realização de palestras com diversos temas em saúde e higiene pessoal e orientações quanto à segurança da navegação.

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Figura 17. NAsH Oswaldo Cruz navegando em rio da Amazônia. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Figura 18. NASH Soares de Meirelles abarrancado no alto Rio Madeira, promovendo atendimento médico e odontológico aos ribeirinhos, durante o período de cheia, fevereiro de 2014. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

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Figura 19. NAsH Oswaldo Cruz abarrancado em comunidade para a realização de atendimentos médicos e hospitalares. Fonte: Acervo da Marinha do Brasil, 2015.

Com o passar do tempo, a assistência e a atenção que a Marinha promove aos ribeirinhos fez com que os NAsH passassem a ser chamados de “Navios da Esperança”, levando não apenas assistência à saúde das pessoas e sim assistência à vida dessas famílias, mesmo na mais longínqua comunidade.

Conclusão Por fim, vale ressaltar que urge a destinação de recursos, visando atender necessidades imediatas de melhoramentos da infraestrutura dos rios amazônicos, a fim de garantir eficaz aplicação do Poder Naval na Amazônia Ocidental; garantir a segurança da navegação; fomentar o comércio via modal hidroviário, mais barato e menos poluente; fomentar a indústria naval, para a geração de portos organizados e seguros; além de fomentar a ciência, a tecnologia e a inovação, tanto das atividades navais, quanto na sustentabilidade necessária à Bacia Amazônica (meio ambiente, aquicultura, pesca, e outros). Com isso, poderemos afiançar que a Amazônia será desenvolvida sustentavelmente, em prol do bemestar de sua população, sem impactos à sua pujante natureza.

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A Marinha do Brasil vê-se completamente inserida no contexto e tem expertise suficiente para contribuir com esse intento, cumprindo seu papel de “irrigadora de recursos na economia do país”.

Referências BRASIL. Lei nº 9.537, de 11 de Dezembro de 1997. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 dez. 1997. Seção 1, p. 29510.

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A atuação da Força Aérea na Amazônia Ocidental José Mendonça de Toledo Lobato

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Na rica região da Amazônia, mais precisamente em sua área ocidental, atua o Sétimo Comando Aéreo Regional (VII Comar). Representando a Força Aérea Brasileira (FAB) nesta porção do país, esta organização militar (OM) cumpre a missão da Aeronáutica nos Estados do Acre, Amazonas, Rondônia e Roraima. O nobre trabalho tem relevância nacional, bem como peculia­ ridades que, talvez, muitos brasileiros desconheçam. Na parte do território em que atua, o VII Comar possui 21 Unidades Aéreas e de Aeronáutica, subordinadas e jurisdicionadas a ele, que trabalham na proteção das fronteiras e na defesa aérea da região.

Figura 1. Vista Aérea do Sétimo Comando Aéreo Regional (VII Comar). Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015

Criado em março de 1983 e sediado em Manaus, capital do Estado do Amazonas, o VII Comar precisa se adaptar às particulares características do extremo norte do Brasil para cumprir a sua missão. O desafio é grande! Para começar, há quem diga que esta é a “região dos superlativos”. Isso porque as realidades locais apresentam números altos e de forte intensidade: as distâncias são enormes, as mudanças climáticas são bruscas e a sazonalidade dos rios é intensa. A Amazônia Ocidental ainda tem outro ponto que chama a atenção, que é o fato de ser uma área muito rica e com baixa densidade demográfica. Dentro desse contexto, o VII Comar realiza atividades huma­ nitárias, logísticas, bem como de defesa em toda a região. As iniciativas de cunho social são representadas pelas Ações Cívico-Sociais (Aciso) e

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pelas Evacuações Aeromédicas (Evam). No primeiro caso, equipes de médicos e de dentistas levam saúde e esperança para o interior, através de atendimentos médicos e odontológicos oferecidos a indígenas, a caboclos e a ribeirinhos. Somente em 2013, foram realizadas seis Aciso, com aproximadamente 3.500 atendimentos. Já as chamadas Evam são missões em que cidadãos de diferentes localidades, com os mais variados problemas de saúde, são transportados para os grandes centros, onde possam receber tratamento mais específico. Nesses tipos de missão a integração entre as diferentes organizações militares da FAB, sediadas na Amazônia Ocidental, é fundamental. Isso porque, para que as missões aconteçam, o VII Comar, representado pelo Sétimo Serviço Regional de Saúde (Sersa-7) e pelas seções de logística, as unidades aéreas e o Hospital de Aeronáutica de Manaus (HAMN) trabalham juntos para que os objetivos sejam cumpridos e a população seja assistida.

Figura 2. Momento de Ações Cívico-Sociais. Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015

O VII Comar planeja as operações, os esquadrões aéreos transportam pessoas e materiais e os militares da área da saúde do HAMN fazem atendimentos. O trabalho sinérgico garante resultados expressivos para a saúde nessa porção norte do país. Para garantir agilidade, velocidade e sucesso no cumprimento de sua missão, o VII Comar conta com três bases aéreas, localizadas

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em Boa Vista (RR), Manaus (AM) e Porto Velho (RO). Essas unidades militares são importantes pontos logísticos para a Aeronáutica e sediam esquadrões aéreos que possuem aeronaves que decolam todos os dias com o intuito de garantir a soberania brasileira. Ao todo são sete esquadrões aéreoas, que operam com oito aeronaves diferentes. Na extensa relação estão as aeronaves F-5EM Tiger, C-97 Brasília, C-95 Bandeirante, C-98 Caravan, C-105 Amazonas, H-60L Black Hawk, A-29 Super Tucano e AH-2 Sabre, que realizam variadas operações que contribuem para o apoio e a defesa da região. A Base Aérea de Manaus (BAMN), tida por muitos militares da FAB como a mais operacional da Aeronáutica, possui mais de 40 anos de história e evolui conforme sua crescente responsabilidade e importância no cenário nacional, visto que, cada vez mais, a Amazônia ganha destaque nos contextos nacionais e internacionais. Sua principal função é apoiar as unidades sediadas. Esta organização é sede de quatro unidades aéreas, uma de infantaria, uma de artilharia antiaérea e uma de suprimento da Força Aérea Brasileira, tornando-se a principal base logística da FAB na Amazônia e uma das mais importantes do Brasil. Uma das unidades aéreas instalada na BAMN é o Primeiro Esquadrão do Quarto Grupo de Aviação (1°/4° GAv), o Esquadrão Pacau. Criado em julho de 1947, inicialmente com sede na Base Aérea de Fortaleza (CE), foi, em 2002, transferido para a Base Aérea de Natal (RN). Sua instalação na Base Aérea de Manaus ocorreu apenas em 2010, com o objetivo de atender à Estratégia Nacional de Defesa. Esquadrão de caça, o Pacau cumpre a missão de resguardar o espaço aéreo na Amazônia Ocidental. Nesse sentido, operando a aeronave F-5EM, está em alerta 24 horas por dia, durante os 365 dias do ano, para resguardar a fronteira norte do Brasil. A dedicação e o profissionalismo de seus militares renderam ao Esquadrão o título de “A Sorbonne da Caça”. A Força Aérea possui mais dois esquadrões aéreos de caça na região. Um sediado na Base Aérea de Boa Vista (BABV), o Primeiro esquadrão do terceiro Grupo de Aviação (1°/3° GAv), e outro operando na Base Aérea de Porto Velho (BAPV), o Segundo Esquadrão do Terceiro Grupo de Aviação (2°/3° GAv). Ambos atuam com a aeronave A-29 Super Tucano. A Base Aérea de Manaus também sedia dois esquadrões voltados para a aviação de transporte. O Sétimo Esquadrão de Transporte Aéreo (7° ETA), Esquadrão Cobra, foi criado em julho de 1983.

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Figura 3. Unidade do esquadrão aéreo. Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

Desenvolvendo suas atividades de transporte através de suas três aeronaves – C-97 Brasília, C-95 Bandeirante e C-98 Caravan -, leva suporte e esperança para as regiões distantes da Amazônia. O 7° ETA trabalha, por exemplo, com o VII Comar na concretização das Evam e das Aciso, realiza diversas missões de apoio aos pelotões de fronteira do Exército Brasileiro (EB) e a outras organizações públicas. Com mais de 80.000 horas de voo, o Esquadrão Cobra impacta positivamente toda a região, o que lhe rendeu o título de “Anjos da Amazônia”. O Cobra tem em sua história missões bem características da região, como o transporte, em 2013, de uma jovem índia que teve fraturas na perna e no braço, após ter caído de uma árvore onde brincava. A menina foi resgatada próximo à fronteira do Brasil com a Colômbia e levada para Manaus para receber tratamento especializado. No mesmo ano, o 7° ETA colocou dentro do C-95 Bandeirante uma onça parda que precisou ser transportada de Tefé para Manaus. Sansão, como é chamada a onça, chegou bem à capital do Amazonas e recebeu cuidados do Ibama. O Primeiro Esquadrão do Nono Grupo de Aviação (1°/9° GAv), Esquadrão Arara, apoia a Amazônia Ocidental há mais de 40 anos. Primeiro esquadrão a ser instalado na Base Aérea de Manaus, o Arara cumpre suas missões com a utilização da moderna aeronave

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Figura 4. Transporte Aéreo Médico de Residentes. Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

espanhola C-105 Amazonas. O 1°/9° GAv realiza importantes missões aerologísticas, transportando, por exemplo, combustíveis, insumos para a outras Forças Armadas e uma série de outras cargas, como provas do Enem, urnas eleitorais, alimentos e remédios. Esse esquadrão também realiza Evam, sendo responsável por várias vidas salvas na região.

Figura 5. Base do Esquadrão Arara. Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

A missão da Aeronáutica, na última fronteira brasileira, também é cumprida com o apoio das aeronaves de asas rotativas, os helicópteros. Na BAMN, opera o Sétimo Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação

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(7°/8° GAv), Esquadrão Harpia, unidade operacional da nossa Força Aérea que utiliza os famosos helicópteros Black Hawk (ou H-60L) para atuar de maneira única e quase que exclusiva na Região Norte deste Brasil continental. Somente uma máquina com a capacidade de pousar e decolar dentro de uma comunidade ribeirinha e até mesmo de aldeias indígenas é capaz de abranger toda a Amazônia prestando serviço de Alerta SAR (busca e salvamento), transporte de tropas (infiltração e exfiltração) e de agentes das mais diversas esferas do setor público e, ainda, missões de Evacuação Aeromédica e transporte presidencial na área do VII Comar.

Figura 6. Unidade do Esquadrão Harpia. Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

Na Base Aérea de Porto Velho, a Aeronáutica também conta com um esquadrão de helicópteros, o Segundo Esquadrão do Oitavo Grupo de Aviação (2°/8° GAv), Esquadrão Poti. A unidade atua em missões de interceptação, ataque, escolta e patrulha aérea de combate. A Base Aérea de Manaus conta, ainda, com duas organizações voltadas para a área de infantaria, o Batalhão de Infantaria de Aeronáutica Especial de Manaus (Binfae-MN), Batalhão Uiruuetê, e o Segundo Grupo de Defesa Antiaérea (2° GDAAE), Grupo Ajuricaba. Oriundo da junção das unidades de infantaria do VII Comar e da BAMN, o batalhão é responsável pela segurança orgânica das unidades

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sediadas em Manaus e das demais atividades que envolvem emprego de tropas terrestres na área do Comar. Já o 2° GDAAE realiza a defesa antiaérea e tem por finalidade capacitar suas equipes de manutenção para o emprego de combate ou em apoio ao combate, em período de conflito, e de adestrar para o cumprimento das missões atribuídas, em tempo de paz. Para controlar os voos das aeronaves no espaço aéreo brasileiro, na área da Amazônia, trabalha o Quarto Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta IV), organização do Comando da Aeronáutica (Comaer). A unidade tem por finalidade a defesa do espaço aéreo e o controle do tráfego de aeronaves em uma área de 5,5 milhões de quilômetros quadrados, que abrange os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e parte do Mato Grosso e do Tocantins. Esta organização militar gerencia 20% dos voos realizados no Brasil, em mais de 60 % do território nacional. A Força Aérea Brasileira (FAB), representada pelo Sétimo Comando Aéreo Regional na Amazônia Ocidental, utiliza diferentes meios e trabalha 24 horas por dia, durante os 365 dias do ano, para garantir a soberania do espaço aéreo brasileiro e a defesa da pátria.

Figura 7. Imagem da Força Aérea Brasileira integrada ao país. Fonte: Acervo da Força Aérea Brasileira, 2015.

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Sistema de Proteção da Amazônia: modelo de governança singular do território amazônico brasileiro Rogério Guedes Soares

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Introdução A Amazônia é o maior bioma do Brasil: num território de 4,196.943 milhões de km2 (IBGE, 2004), crescem 2.500 espécies de árvores (ou um terço de toda a madeira tropical do mundo) e 30 mil espécies de plantas (das 100 mil da América do Sul). A Bacia Amazônica é a maior bacia hidrográfica do mundo: cobre cerca de 6 milhões de km2 e tem 1.100 afluentes. Seu principal rio, o Amazonas, corta a região para desaguar no Oceano Atlântico, lançando ao mar cerca de 175 milhões de litros d’água a cada segundo. As estimativas situam a região como a maior reserva de madeira tropical do mundo. Seus recursos naturais, que, além da madeira, incluem enormes estoques de borracha, castanha, peixe e minérios, por exemplo, representam abundante fonte de riqueza natural. A região abriga também grande riqueza cultural, incluindo o conhecimento tradicional sobre os usos e a forma de explorar esses recursos naturais sem esgotá-los nem destruir o habitat natural. Toda essa grandeza não esconde a fragilidade do ecossistema local, porém, a floresta vive a partir de seu próprio material orgânico, e seu delicado equilíbrio é extremamente sensível a quaisquer interferências. Os danos causados pela ação antrópica são muitas vezes irreversíveis. A Amazônia brasileira, denominada Amazônia Legal, abrange os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão, perfazendo uma superfície de mais de cinco milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a 60% do território brasileiro. São 763 municípios, com população que, em 2007, já somava quase 25 milhões de pessoas, sendo que mais de 70% vivem nas áreas urbanas (IBGE, 2007). O contingente populacional indígena tem crescido nos últimos anos, sendo estimado em 400 mil, distribuído principalmente nas terras indígenas (1,02 milhões de km) (IBGE, 2007). A diversidade étnica é outra característica da região. Estimam-se em 200 os grupos étnicos, que falam cerca de 170 línguas e dialetos diferentes. Quase 200 milhões de hectares na Amazônia Legal (40% do território) constituem-se de área protegidas ou de destinação específica (unidades de conservação, terras indígenas, terras quilombolas e áreas militares). O PIB regional de 2006 foi da ordem de R$ 175 bilhões (8% do total nacional) resultando num PIB per capita de R$ 6,5 mil,

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40% inferior à média nacional. A população urbana está ocupada principalmente em atividades de serviços e comércio, tendo a indústria relevância apenas em Manaus (AM) e Belém (PA). A atividade agrícola ocupa cerca de 13 milhões de hectares na região (2,5 do território total), tendo produzido em 2007, 29,2 milhões de toneladas de grãos, 22% da produção nacional. A pecuária bovina compreendia, em 2005, rebanho de 75 milhões de cabeças (40% do efetivo nacional), distribuído em cerca de 70 milhões de pastagens naturais e plantadas (13,5 % do território). Desde 1990, a Amazônia Legal é responsável por mais de 80% do crescimento do rebanho bovino nacional. As atividades produtivas ocupam, assim, menos de 20% do território da Amazônia Legal. As áreas de expansão são bem conhecidas e podem ser monitoradas. As áreas mais sensíveis hoje correspondem à parte sul do Estado do Amazonas e à área conhecida como Arco do Desmatamento, que vai do sul do Pará, Mato Grosso, Rondônia e que expressa a pressão antrópica do sul para o norte do país. Os cenários futuros indicam uma provável estabilização das áreas desflorestadas. Ante a complexidade deste vasto território, o governo brasileiro vislumbrou a perspectiva de atuar de forma integrada entre os vários órgãos governamentais e com forte aporte tecnológico para dar sustentação a essa atuação.

Histórico Na década de 90, o governo brasileiro, em reconhecimento a uma série de problemas diagnosticados na região, como a deficiente infraestrutura de apoio às decisões governamentais, a atuação ineficaz das instituições públicas, a falta de atuação multidisciplinar integrada, a reconhecida dificuldade de proteger o ecossistema, a quase inexistência de sistema de controle, fiscalização, monitoramento e vigilância, aliadas à complexidade das questões socioeconômicas, ecológicas e culturais, e, mais ainda, a existência de pressões externas para a internacionalização da Amazônia, concebe dois movimentos: a criação de um sistema nacional de coordenação que propicie a atuação integrada e coordenada de seus órgãos na Amazônia, e outro, a viabilização de meios tecnológicos para a vigilância e monitoramento sistemático que produza informações para o planejamento e a execução das ações finalísticas, em resposta aos problemas de gestão e controle da região. Constituem-se, então, o Sistema de Proteção da Amazônia

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(Sipam), coordenado pelo Conselho Deliberativo do Sistema de Proteção da Amazônia (Consipam), composto pelos secretários executivos da Casa Civil da Presidência da República (que o preside), do Ministério da Integração Nacional, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, do Ministério do Meio Ambiente, do Ministério da Justiça, do secretário de Organização do Ministério da Defesa, do secretáriogeral das Relações Exteriores do Ministério das Relações Exteriores e do subchefe militar do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (Decreto de 18 de outubro de 1999). Inicia-se, paralelamente a concepção do Sipam, a configuração e a execução do projeto do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam). O Ministério da Aeronáutica assumiu o desenvolvimento do programa de implantação da proposta. Além de estudos sobre as potencialidades e limitações da região, foram levantadas e sistematizadas as informações sobre atividades ilícitas e lesivas aos interesses nacionais, como a exploração predatória, o narcotráfico, a agressão ao ecossistema e a produção de reservas indígenas. De setembro de 1990 a dezembro de 1992, o governo trabalhou na concepção do Sivam. Concluída essa fase, iniciaram-se os ajustes e preparação dos procedimentos para a seleção das empresas que ficariam responsáveis pela implantação do projeto, tendo o governo iniciado em agosto de 1993 o processo de consultas públicas para esse fim. Além dos custos, foram avaliadas as condições técnicas, como transferência de tecnologia, e de financiamento na seleção das empresas, conforme o Decreto nº 892, de 12 de agosto de 1993. Com a seleção da proposta, o Congresso Nacional aprovou, em dezembro de 1994, financiamento externo no valor de 1, 395 bilhão de dólares, viabilizando a continuidade do programa. Em 27 de maio de 1995, a Presidência da República autorizou assinatura do contrato comercial com a empresa Raytheon para o fornecimento de bens e serviços, ficando o governo federal responsável pelas tarefas de integração e realização das obras civis. A configuração do Sivam, que despontava naquele momento, compreendia basicamente um conjunto de infraestruturas e equipamentos, e uma complexa plataforma tecnológica com seu sistema operacional, destinados tanto ao processamento dos dados coletados pelos sensores quanto à gestão do sistema. Essa complexa rede tecnológica conta uma rede cativa de teleco­ municações e de sensores terrestres e aerotransportados, compostos por radares de controle do espaço aéreo, meteorológicos, monitoramento do espectro eletromagnético, destinada à aquisição

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e processamento de dados e à visualização e difusão de imagens, mapas, previsões e outras informações. Esses meios abrangem o sensoriamento remoto, o monitoramento ambiental e meteorológico, a exploração de comunicações, a vigilância por radares, recursos computacionais. As aplicações desses meios técnicos e a associação dos dados obtidos, a partir dos diversos sensores, proporcionam informações detalhadas e adequadas às necessidades operacionais de cada órgão parceiro do sistema e de seus usuários. Caracteriza-se assim como um sistema estruturado para a gestão de riscos climáticos, ambientais e para a integridade territorial, na perspectiva de auxiliar na ação governamental na Amazônia. Porém, a efetiva implantação e funcionamento do Sipam, como mencionado anteriormente, foi dada com a publicação do Decreto nº 4.200, de 17 de abril (BRASIL, 2002), que instituiu o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), e ocorreu a inauguração do Centro Regional de Manaus em julho do mesmo ano. No mesmo decreto fica então definido que o Censipam passa a ser a Secretaria Executiva do Consipam, e que lhe cabe ainda propor, acompanhar, implementar e executar as políticas, diretrizes e ações voltadas ao Sipam, aprovadas e definidas pelo Conselho Deliberativo do Sistema de Proteção da Amazônia (Consipam). A liderança do sistema encontra-se hoje na Casa Civil da Presidência da República, e mais recentemente, com a transferência do Censipam para o Ministério da Defesa em janeiro de 2011, o sistema passa a receber diretrizes dadas pelo Ministério da Defesa. A partir do Planejamento Estratégico, o Censipam define a sua missão como: “Promover a proteção da Amazônia Legal por meio da sinergia das ações de governo, da articulação, do planejamento, da integração de informações e da geração de conhecimento”. Para potencializar e descentralizar suas ações, o Censipam possui o Centro de Coordenação Geral (CCG), localizado em Brasília, e três Centros Regionais (CRs) em Manaus, Belém e Porto Velho (Figura 1). Os CRs integram informações, realizando estudos de inteligência, agregando dados gerados pelo próprio sistema, em conjunção com outros órgãos parceiros, tais como: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Agência Nacional de Águas (ANA), Departamento de Polícia Federal (DPF), Fundação Nacional do Índio (Funai), Receita Federal, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Defesa Civil, e órgãos estaduais e municipais de meio ambiente. Dessa forma,

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cabe enfatizar que a atuação governamental conjunta é necessária para o desenvolvimento da região.

Figura 1. Localização do Centro de Coordenação Geral e dos três Centros Regionais do Sipam. Fonte: Acervo do Censipam, 2015.

Atividades permanentes O trabalho do Sipam tem funcionado de forma sistemática, e o valor que agrega decorre da sua capacidade em implantar e harmonizar diversos subsistemas de gestão tendo como finalidade a manutenção e atualização da infraestrutura tecnológica, a produção de conhecimento e, para a realização destas, a coordenação/integração dos mecanismos organizacionais e institucionais envolvidos, na busca de prover informação e conhecimento da Região Amazônica. Foram estruturados quatro programas permanentes:

Programa de Monitoramento de Áreas Especiais (ProAE) O Programa de Monitoramento de Áreas Especiais (ProAE) realiza, por meio da análise de imagens de satélite, o monitoramento de áreas desmatadas, campos de pouso e vias de acesso, tais como estradas, vicinais e trilhas. Esse monitoramento é realizado prioritariamente

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em terras indígenas, unidades de conservação estaduais e federais (figura 2) e demais áreas que venham a ser definidas como especiais pelo Censipam e/ou órgãos parceiros. O resultado subsidia as ações preventivas do governo contra o desmatamento e demais ilícitos que ocorrem na Região Amazônica. As informações são repassadas aos órgãos parceiros para tomada de decisão. Os órgãos que recebem tais informações são: Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Funai, Secretaria de Desenvolvimento Sustentável (SDS), Ibama, DPF, Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e demais órgãos ambientais e de combate a ilícitos.

Figura 2. Terras Indígenas e Unidades de Conservação Estaduais e Federais, áreas prioritárias de monitoramento do ProAE. Fonte: Acervo do Censipam, 2015.

SIPAMCidade O Programa SIPAMCidade tem como objetivo capacitar, gratui­ tamente, os municípios da Amazônia Legal no uso de geotecnologias para apoiar as ações de planejamento e ordenamento territorial. Durante a capacitação, os técnicos recebem um CD-Rom, contendo uma base de dados digital, recortada por município, composta por dados raster (imagens de satélite) e dados vetoriais (mapas temáticos, tais como vegetação, hidrografia, solo, dentre outros), disponíveis

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no Sipam. O software utilizado é o Quantum GIS, por meio do qual são repassadas as principais ferramentas inerentes ao manuseio dos dados vetoriais e dados raster. As informações obtidas a partir do uso da geotecnologia, possibilitam melhorias sociais, econômicas e ambientais ao município. Tais informações podem ser integradas com outras disponíveis na administração municipal para a elaboração de novos mapas temáticos que poderão subsidiar o planejamento regional e auxiliar na execução de políticas de desenvolvimento urbano, como por exemplo, seleção de áreas para a implantação de aterro sanitário, elaboração de mapas e cadastros fundiários, mapas de uso do solo, dentre outros. Considerando a dificuldade encontrada para a implementação do programa de modo presencial, em toda a Amazônia, e levando em consideração a relevância do SIPAMCidade para o desenvolvimento ordenado do território, o Censipam está reestruturando o programa por meio do ensino a distância. Essa atualização possibilitará maior abrangência, contemplando os demais órgãos parceiros que compõem o Sipam.

Meteorologia para Defesa Civil Por meio da observação de imagens do satélite e radares meteorológicos, é feito o monitoramento meteorológico para geração de alertas de eventos extremos e previsões meteorológicas para 24, 48 e 72 horas, que são encaminhadas para a Defesa Civil e demais órgãos parceiros. Mensalmente são elaborados Boletins Climáticos da Amazônia, em parceria com instituições que trabalham com informações meteorológicas, com o objetivo de gerar prognósticos de temperatura e precipitação para três meses consecutivos. Também são gerados boletins especiais para órgãos parceiros do Sipam, quando da realização de operações que necessitam desta informação, subsidiando o deslocamento das equipes em campo e das aeronaves. Além dos boletins, são divulgadas diariamente previsões meteorológicas para os meios de comunicação (televisão, rádio, mídia impressa e digital). As informações inerentes aos satélites e radares meteorológicos são divulgadas em tempo real, por meio do Sistema SOS Amazônia,

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desenvolvido em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), disponível no endereço: http://sosamazonia.sipam. gov.br (figura 3).

Figura 3. Sistema SOS Amazônia. Fonte: Acervo do Censipam, 2015.

Telecomunicação satelital Atualmente o Sipam conta com uma rede de comunicações composta por cerca de 700 terminais de usuários remotos, com tecnologia VSAT (Very Small Aperture Terminal), possibilitando acesso à internet e telefonia; são instalados em pontos isolados e estratégicos da região, e em alguns casos significam o único meio de comunicação da população. Os terminais são cedidos, mantidos e instalados pelo Censipam na Amazônia para os diversos órgãos parceiros, como prefeituras, Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Defesa Civil, ICMBio, DPF, Exército, Aeronáutica, Marinha, Funai e governos dos Estados (figura 4). Como exemplo do uso desses terminais, podemos citar: (i) Instalação de VSAT em todas as Comarcas do Amazonas para atender ao Programa Projudi, desenvolvido pelo Tribunal de Justiça

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do Amazonas, com o objetivo de oferecer celeridade aos processos judiciais, em benefício da sociedade e, (ii) Parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), com o objetivo de realizar o cadastramento de famílias que vivem em situação de pobreza ou de extrema pobreza nos programas sociais do governo federal na Amazônia.

Figura 4. Localização dos terminais de comunicação instalados na Amazônia Legal. Fonte: Acervo do Censipam, 2015.

Atividades especiais Estas atividades correspondem às demandas específicas que são encaminhadas pelos órgãos parceiros a partir da integração das políticas públicas prioritárias para região.

Arco Verde O Sipam realizou o trabalho de monitoramento dos 43 muni­ cípios embargados, prioritários para as ações de prevenção e combate ao desmatamento, conforme a Portaria 102, de 24 de março de 2009 (BRASIL, 2009), do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Foram coletadas imagens R99/SAR, pelo sensor de Radar de Abertura

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Sintética (SAR), acoplado nas aeronaves de Sensoriamento Remoto R-99B, do Sipam, correspondente a 816 mil quilômetros quadrados dos referidos municípios. Elas foram processadas e analisadas pelo Centro Regional de Manaus, gerando informações sobre a dinâmica do desmatamento, que são fundamentais para ações de fiscalização, controle e prevenção, além de subsidiar os municípios no planejamento da gestão territorial.

Terra Legal Programa Terra Legal, criado pelo governo federal pela Lei nº 11.952 (BRASIL, 2009), para titular a propriedade de terras públicas de até 15 módulos fiscais, localizadas na Amazônia. As áreas regularizadas são monitoradas por meio de imagens de satélite. O resultado desse monitoramento é a ação imediata e pontual sobre as propriedades que não estiverem cumprindo as cláusulas contratuais de preservação do meio ambiente e sustentabilidade. Nesta parceria, o trabalho do Sipam é gerar informações sobre o monitoramento, e repassá-las à Coordenação Nacional do Terra Legal. Anualmente é gerado um levantamento que permite o mapea­ mento atualizado das terras públicas federais, sua destinação e a evolução das ocupações, garantindo assim o cumprimento da cláusula ambiental dessas áreas. Além disso, o Sipam vem utilizando seus meios de inteligência tecnológica, como a mineração de dados, para identificar possíveis fraudes.

Arco de Fogo O Censipam apoia as operações de combate e controle do desmatamento e outros ilícitos, por meio do trabalho de inteligência tecnológica, com ações integradas com a Polícia Federal, o Ibama, a Força Nacional de segurança e a Polícia Rodoviária Federal, além de participar da Comissão Interministerial de Combate aos Crimes e Infrações Ambientais (CICCIA). Para essas ações, fornece material cartográfico de apoio (cartas imagens, imagens de satélite, mapas temáticos, croquis de operação) e relatórios para o direcionamento de ações, ambientação das equipes de campo e otimização de recursos. Também gera relatórios de inteligência resultantes de um trabalho de auditoria nos Documentos de Origem Florestal (DOFs) e Guias

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Florestais (GFs) com o propósito de levantar os principais envolvidos no processo de esquentamento de madeira de desmatamentos ilegais.

Cartografia da Amazônia O Projeto da Cartografia da Amazônia tem com o principal objetivo mapear, em escala mais detalhada (1:100.000), os vazios cartográficos na região, que equivalem a cerca de 1,8 milhão de quilômetros quadrados da Amazônia que não possui informações cartográficas na referida escala. O Censipam é o gestor do projeto, e os executores são Exército Brasileiro, Marinha do Brasil, Força Aérea Brasileira e Serviço Geológico do Brasil (CPRM), que realizam as cartografias náuticas, terrestre e geológica. Até a conclusão do projeto, vários produtos cartográficos intermediários serão divulgados para subsidiar pesquisadores ou mesmo auxiliar na gestão pública. Durante a execução, o governo federal investe R$ 350 milhões. O projeto permitirá melhor conhecimento da Amazônia brasileira, geração de informações estratégicas para o monitoramento de segurança e defesa nacional, em especial nas fronteiras e maior segurança a navegação. A cartografia auxiliará ainda no planejamento e execução dos projetos de infraestrutura, como rodovias, ferrovias, gasodutos e hidrelétricas, além da demarcação de áreas de assentamento, áreas de mineração, agronegócios, elaboração de zoneamento ecológico, econômico e de ordenamento territorial, segurança territorial, escoamento da produção e desenvolvimento regional.

Considerações finais O tema Amazônia é tratado com alta importância, não somente pela sociedade brasileira, mas também pela comunidade internacional. O investimento feito pelo governo brasileiro na implantação do Sipam vem demonstrando resultados satisfatórios, por exemplo, o uso de geotecnologias é fundamental para se conhecer e fortalecer a gestão do território amazônico, que abriga 30% da diversidade biológica do planeta, tem a maior bacia de água doce da terra, um terço das florestas tropicais úmidas do planeta e gigantescas reservas minerais. Para proteger toda essa riqueza e desenvolver econômica e socialmente a Amazônia, que abrange 60% do território brasileiro, é necessário um

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trabalho sistemático de monitoramento, com a produção de informação e conhecimento. Nesse sentido, o Sipam tem trabalhado em parceria com os diversos órgãos governamentais, na busca de proteger e contribuir para o desenvolvimento sustentável de um dos maiores patrimônios da nação brasileira. Nos 12 anos de atuação do Sipam na Amazônia, o órgão tem se consolidado como uma instituição parceira importante, tem participado de diversos grupos de trabalho, desenvolvendo projetos próprios e executando trabalhos específicos para os órgãos parceiros. Portanto, é no trabalho integrado que o Sipam tem contribuído para preservar, proteger e fomentar um desenvolvimento sustentável.

Referências BRASIL. Decreto 4.200 de 17 de abril de 2002. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 18 abr. 2002. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2011. BRASIL. Decreto de 18 de outubro de 1999. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 out. 1999. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2011. BRASIL. Lei 11.952, de 25 de junho de 2009. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2011. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria MMA nº 102, de 24 de março. Legislação Federal. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2011. IBGE. Mapa de biomas do Brasil. Rio de Janeiro, 2004 Escala 1:5.000.000. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2011. IBGE. Síntese dos indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira. Rio de Janeiro, 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2011.

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Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo e agenda de aperfeiçoamento José Alberto Machado da Costa Rosa Oliveira de Pontes

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Antecedentes propiciadores As características do desenvolvimento implantado no Brasil a partir da década de 30 do século XX decorreram de ideologias que dominavam alguns países, especialmente na América Latina, e que tinham como premissas o crescimento econômico, com perfil nacionalista, pautado na promoção e proteção da indústria, utilizando-se de mecanismos de substituição de importação, visando modificar o perfil de países eminentemente agroexportadores. Tais perspectivas foram estimuladas pelo crescente mercado interno nacional e o anseio da sociedade brasileira pela industrialização, circunstâncias que criaram as condições para o fomento da estrutura industrial (BRUM, 2005), com o Estado assumindo o papel de indutor e atuando como principal agente das políticas implementadas. O desenvolvimentismo, como ficou denominada essa fase, esteve presente no Brasil com fortes traços até os anos 80 do século XX, com predominância para o período de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e primeiros anos dos governos militares, foi determinante para a concepção do modelo de desenvolvimento proposto para a Região Amazônica – especialmente para a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM). Ele acabou assimilando as matrizes teóricas do desenvolvimentismo, que dava ênfase às ideias keynesianas com seu modelo de estado regulador da economia, à teoria estruturalista ou cepalina do subdesenvolvimento1, à teoria de polos de desenvolvimento baseada nos estudos de François Perroux, aperfeiçoada por Albert Hischman e mais tarde ampliada por Michel Porter, por meio de sua teoria dos aglomerados. Em síntese, essa teoria considera os polos como sendo “complexos industriais com identificação geográfica, sendo liderados por indústrias motrizes com atividades ligadas nas relações insumo-produto”. Quando esses polos passam a provocar transformações estruturais e expansão do produto e do emprego no meio que estão inseridos, tornam-se polos de desenvolvimento (SOUSA, 2005, p. 180). O desenvolvimentismo adotava ainda como instrumento os processos de substituição de importação e de redução ou eliminação de encargos fiscais, que foram defendidos por Maria da Conceição Tavares, dentre outros pensadores, para quem o modelo de substituição A partir de estudos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) que questionava a especialização das economias latino-americanas voltadas à exportação, condenando-as ao subdesenvolvimento, tendo como sua principal referência os estudos de Raúl Prebisch e Celso Furtado.

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de importações representa um movimento interno e externo no país, em que uma restrição interna induz o setor industrial a produzir internamente determinado grupo de bens, deslocando a demanda de importações para outros produtos (TAVARES, 2000, p. 228). O desenvolvimento da Amazônia já tinha sido objeto de interesse ainda no período colonial com as iniciativas do Marquês de Pombal, entre 1750-1777, considerada a primeira tentativa organizada de valorização regional da Amazônia (LOPES, 1978, p. 37). Elas visavam consolidar a soberania militar e diplomática de Portugal sobre a área e se fundavam, entre outras providências, na busca de solução para os conflitos entre colonos e jesuítas e destes com os habitantes nativos; na organização da produção; no inventário das possibilidades produtivas; na organização da estrutura de importação e exportação. Tais medidas chegaram a ensejar uma base agrícola, inaugurando o que é considerado o início de um ciclo de desenvolvimento da região, encerrado, entretanto, com a saída de Pombal do poder em Portugal. Entre 1880 e 1912, o êxito da exploração da borracha propiciou um ciclo de riqueza e a Amazônia tornou-se, de súbito, uma das regiões mais rentáveis do mundo, mas a renda da borracha esteve sempre canalizada para setores econômicos muito específicos e restritos (LOUREIRO, 2009, p. 40). A chegada no mercado da produção da Malásia, obtida de cultivos racionais e sistemáticos (MAHAR, 1978, p. 40) e, por isso, com menores preços, encerrou esse período, apesar de intenções pouco efetivas de revigorá-lo, com o Plano de Defesa da Borracha. Entre 1942-1947, em razão do bloqueio às fontes asiáticas durante a Segunda Guerra Mundial, e tendo por suporte os chamados Acordos de Washington, novo surto produtivo baseado na borracha veio à tona, mas logo encerrado com o fim do conflito. Na fase do desenvolvimentismo getulista (1930-1945 e 19511954), há eventos de preocupação política do governo com a região, porém com pouca efetividade. Com a reconstitucionalização do país, houve a inclusão do artigo 199 na Constituição Federal de 1946 sobre o programa de desenvolvimento para a Amazônia, com recursos originários de impostos federais durante 20 anos, além de parcelas iguais dos estados e municípios da região. Em 1953, sete anos após a diretriz constitucional, criou-se a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que não teve atuação expressiva, mas estabeleceu um “marco teórico-metodológico” para outras experiências de planejamento regional, conforme enfatiza Oliveira Jr. (OLIVEIRA JR., 2009, p. 73).

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O desenvolvimentismo do período de Juscelino (1956-1960) pouco considerou a Amazônia como área representativa nas grandes obras e metas nacionais, e o órgão gestor regional, recém-criado, perdeu importância (OLIVEIRA JR., 2009, p. 70). A única grande obra desenvolvida foi a rodovia Belém-Brasília, feita à revelia da SPVEA, e não teve a intenção de promover o desenvolvimento regional e sim de ligar Brasília, ao norte, fazendo um elo entre as regiões Centro-Sul e Norte do país. A ZFM, cuja primeira experiência de institucionalização foi efetuada no governo JK, não frutificou, conforme será demonstrado posteriormente. A utilização de estratégias desenvolvimentistas somente chegou à Amazônia a partir da segunda metade da década de 60, do século XX, quando as políticas adotadas no plano nacional foram reproduzidas na região com a mesma ênfase e com destaque à preocupação estratégicomilitar de ocupação do espaço como elemento de segurança nacional, dentro do slogan de “Integrar para não entregar”, e considerava a pouca politização da população, a possível influência ideológica “indesejada” de países limítrofes, o potencial econômico dos recursos naturais e a cobiça internacional (RAMOS, 1971, p. 25). O governo federal, com a chamada Operação Amazônia2, realizou estudos e fixou a nova política, que visava: estabelecer polos de desenvolvimento e grupos de populações estáveis e autossuficientes (especialmente nas áreas de fronteira); estimular a imigração; ensejar incentivos ao capital privado; desenvolver a infraestrutura; pesquisar o potencial de recursos naturais. A reboque desses propósitos efetivaram-se modernizações institucionais, entre as quais destacam-se: o Banco de Crédito da Borracha foi transformado em Banco da Amazônia S/A (Basa); a SPVEA foi alterada para Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam); e em 1967, é criada efetivamente a ZFM (BECKER, 2005, p. 25) e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), com foco especial para a Amazônia Ocidental.

Mudanças no tempo Ótica federal O projeto do deputado federal Francisco Pereira da Silva (AM), emendado pelo deputado Maurício Joppert, relator da matéria, constituiu o marco legislativo, em 1957, para a implantação de um “porto livre” Trata-se de operação criada pela Lei n.° 5.173, de 27 de outubro de 1966.

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na cidade de Manaus, Estado do Amazonas, como empreendimento coordenado pela SPVEA. A Lei n.° 3.173, em 06 de junho de 1957, foi sancionada pelo presidente Juscelino Kubitscheck, mas permaneceu sem regulamentação e sem aplicação até 1960 (BRASIL, 1960). Foi prevista a desoneração de tributos federais, estaduais e municipais ou direitos alfandegários para as mercadorias originárias do exterior e desembarcadas nesse local, com possibilidade de beneficiamento e posterior internação para o mercado nacional mediante tributação regular. Sua instalação foi feita de forma provisória e não surtiu os efeitos esperados, porque os incentivos não se revelaram suficientes para atrair investidores e por causa da falta de infraestrutura que dependia de vultosos investimentos do governo federal, os quais não foram contemplados no planejamento governamental (GARCIA, 2008). Outras tentativas de estímulo econômico regional foram propostas em 19623, mas somente no início dos governos militares (1964), mais especialmente em 1966, várias ações foram desencadeadas para a Amazônia, o que redundaria na reformulação da ZFM e de outros organismos existentes. Assim, dez anos depois da criação da ZFM como porto livre, a sua base legal foi reformulada em 28 de fevereiro de 1967, pelo presidente Humberto de Alencar Castello Branco, através do Decreto-Lei n.° 288, que estabelecia em seu art. 1º: A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam o seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância a que se encontram os centros consumidores de seus produtos (BRASIL, 1967a).

A abrangência espacial da ZFM ficou definida para área contínua de dez mil quilômetros quadrados, incluindo a cidade de Manaus e seus arredores, dotada, originalmente, dos seguintes incentivos fiscais: (i) isenção de imposto de importação e imposto sobre produtos industrializados para a entrada de mercadorias estrangeiras destinadas Lei n.° 4.069-B, de 12 de junho de 1962, assegurava a isenção de imposto de renda para empresas localizadas na Amazônia que atuassem no beneficiamento ou manufatura de matériaprima regional (borracha, juta e similares ou sementes oleaginosas). Tal regra se tornaria a base dos incentivos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), quatro anos depois (BRASIL, 1962).

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ao consumo interno, industrialização em qualquer grau, inclusive beneficiamento de qualquer natureza e estocagem para reexportação; (ii) ingresso de mercadorias nacionais para consumo, industrialização ou reexportação, equiparado, para fins fiscais, à exportação para o estrangeiro, contando, portanto, com os incentivos aplicáveis a qualquer exportação, além de ser isento do imposto de exportação, para permitir competitividade da produção local com a estrangeira; (iii) incidência do imposto de importação nas mercadorias industrializadas na ZFM, se destinadas a outros pontos do território nacional, apenas sobre insumos importados, com redução do percentual do valor adicionado no processo de industrialização local em relação ao custo total da mercadoria; (iv) isenção de imposto sobre produtos industrializados para as mercadorias produzidas na ZFM, independentemente da destinação (consumo, venda para o mercado nacional ou exportação). Destaque-se que algumas mercadorias, por sua natureza econômica, foram excluídas dos benefícios: armas e munições, perfumes, fumo, bebidas alcoólicas e automóveis de passageiros. Em suma, os bens produzidos na ZFM seriam sujeitos somente ao pagamento de ICM (hoje ICMS), se não tivessem componentes importados e, quando os tivessem, sofreriam a tributação também do imposto de importação, porém com redução. A legislação definiu que a administração da ZFM seria exercida pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), cuja criação se deu por ato próprio,4 vinculada à época ao Ministério do Interior5 e desvinculada do organismo federal de desenvolvimento sediado no Pará, a Sudam. Na época, houve ampliação da abrangência geográfica dos benefícios estabelecidos por outro decreto-lei (BRASIL, 1967b), incentivos baseados na não incidência do Imposto de Renda (IR) para os empreendimentos localizados na Amazônia Ocidental e faixa de fronteira abrangida pela Amazônia. O mesmo ato definia a Amazônia Ocidental como a região integrada pelos Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia, os últimos ainda na condição de Territórios Federais. Um ano depois, nova legislação (BRASIL, 1968) ampliou os incentivos do Decreto-Lei n.° 288/67 para a Amazônia Ocidental, em relação aos bens recebidos, oriundos, beneficiados ou fabricados na ZFM, para consumo interno, enumerando os bens de produção e consumo e Decreto n.° 61.244, de 28 de agosto de 1967 (BRASIL, 1967b), regulamentando o Decreto-Lei n.° 288/67. 5 Na atualidade a Suframa é vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). 4

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gêneros de primeira necessidade como objeto das isenções. Além disso, foram definidos os mecanismos necessários para a implantação do Distrito Industrial da ZFM6, em 30 de setembro de 19687. A legislação federal alcançou tributos de competência estadual e municipal, condicionando sua própria vigência às concessões dos demais entes. Assim, fixou para o Estado do Amazonas o estabelecimento de crédito do Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM, hoje ICMS) para as mercadorias remetidas para área incentivada, em igual montante ao que seria devido se aquelas remessas não tivessem sido consideradas pelo decreto-lei como exportações (crédito presumido). De igual modo, dispôs sobre a isenção do Imposto Sobre Serviços (ISS) a ser concedido pelos municípios na área da ZFM. Essas condicionantes foram cumpridas pelos governos estadual e municipal. O Decreto-Lei n.° 288/67 estabeleceu prazo de vigência dos incen­ tivos fiscais por 30 anos, com término em 1997, mas em 1986 ocorreu a primeira prorrogação8, por 10 anos, dilatando-o até 2007. Em 1988, com a inclusão do art. 40 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da atual Constituição da República, a ZFM foi novamente prorrogada por mais 25 anos a contar da data da promulgação, logo, até 2013. Ao final de 2003, pela Emenda Constitucional n.° 42, ocorreu nova prorrogação com a inclusão do art. 92 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que acresceu aquele prazo em mais dez anos, ou seja, até 2023. Agora, por meio da Emenda Constitucional n.° 83/14, e publicada no Diário Oficial da União de 06/08/2014, a ZFM foi mais uma vez prorrogada, desta feita por mais 50 anos, ou seja, até 2073. Ao longo desse tempo, o conjunto de incentivos originais e também os critérios balizadores da ZFM foram sendo alterados. Uma retrospectiva das alterações mais significativas encontra-se a seguir: i. Em 1975, o Governo Geisel (1974-1979), por necessidades de ajustes do balanço de pagamentos e na balança comercial, estabeleceu medidas de fechamento do mercado brasileiro às importações. A ZFM foi atingida em seu sistema de liberdade de importação, passando a cumprir índices mínimos de nacionalização, permitida apenas a importação de peças, componentes e insumos em geral não produzidos no mercado Decreto n.° 63.105, de 15 de agosto de 1968 (GARCIA, 2008, p. 61). O primeiro projeto industrial com os estímulos do DL 288/67 foi aprovado em 1968 da empresa Beta S.A,Indústria e Comércio, empresa produtora de joias, titular do certificado n.° 01. (GARCIA, 2008, p. 59). Empresa não mais existente. 8 Decreto n° 92.560, de 19 de abril de 1986. (GARCIA, 2008, p. 104). 6 7

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nacional. O Conselho de Administração da Suframa (CAS) fixava anualmente os índices a serem cumpridos por todos os segmentos industriais; ii. Em abril de 1976 (BRASIL, 1976) foi estendida a isenção de IPI à Amazônia Ocidental e estabelecida regra limitadora à ZFM, passando a ser exigida a elaboração de guia de importação, procedimento burocrático antes inexistente. Por outro lado, passaram a ser fixadas as quotas globais de importação (com a primeira sendo definida em maio de 19769) que foram instrumentos de regulação e restrição das importações da ZFM durante 15 anos, procedimento revogado em 1991 (BRASIL, 1991a); iii. Tendo sido idealizada sob a premissa de livre importação de insumos para produção destinada ao mercado interno, na chamada política de substituição de importações, a partir de 1978 incentivos para exportação passaram também a ser concedidos (BRASIL, 1978), e foi definido crédito-prêmio para as empresas, como quota adicional sobre o saldo líquido de divisas geradas, por meio do Programa Especial de Exportação- Proex (FERREIRA, 2000); iv. No período de 1975 a 1990, estimulou-se o advento de fornecedores nacionais de insumos e componentes para as cadeias produtivas já operantes, assim como buscou-se a especialização do PIM, focada em segmentos específicos, como o eletroeletrônico, relojoeiro, ótico, de motociclos e bicicletas, etc.. Também procurou-se estimular a verticalização e a regionalização da produção; v. No ano de 1990, o Plano Collor ou Plano Brasil Novo implantou Nova Política Industrial e de Comércio Exterior, com medidas de abertura da economia e ações liberalizantes para as importações. Tal circunstância expôs toda indústria nacional à competição com os similares importados, com efeitos danosos para as empresas sediadas no PIM, as quais vinham, desde 1976, nacionalizando insumos, embora em condições pouco competitivas de preço e de tecnologia ante os de origem estrangeira; vi. O Decreto-Lei n.° 288/67 foi modificado (BRASIL, 1991a) e a nova legislação extinguiu o sistema de fixação de quotas Decreto n.º 77.657, de 24 de maio de 1976 (GARCIA, 2008, p. 86).

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de importação na ZFM (BRASIL, 1991a), estabelecendo nova sistemática de cálculo para o coeficiente de redução do imposto de importação e definindo coeficiente fixo para produtos objeto de projetos já aprovados10, também aplicável para os projetos posteriores mas dedicados à produção de bens similares ou congêneres aos já em produção11; vii. A mesma legislação que extinguiu a política de índices de mínimos de nacionalização instituiu o Processo Produtivo Básico (PPB), que por definição legal “é o conjunto mínimo de operações no estabelecimento fabril, que caracteriza a efetiva industrialização de determinado produto” a ser disposto por decreto (BRASIL, 1993), assim como os critérios de revisão12. Também dispôs sobre a obrigatoriedade de adoção de normas para gestão da qualidade em toda a cadeia produtiva; viii. Em 1991, a Lei n.° 8.248, de 23 de outubro de 1991, conhecida como Lei de Informática, estabeleceu isenções tributárias para todo o território nacional, similares às já existentes no PIM, além da preferência na aquisição dos bens e serviços produzidos no mercado nacional pelos órgãos e entidades da administração pública federal. Esse fato causou perda de competitividade das empresas produtoras de bens de informática sediadas no PIM, que somente amenizou-se em 2001 com a alteração normativa (BRASIL, 2001) que passou abranger a ZFM; ix. No período entre 1989 e 1994 foram criadas sete Áreas de Livre Comércio (ALCs)13 na Amazônia brasileira, garantindolhes benefícios fiscais semelhantes aos da ZFM, com algumas restrições14. Até 31 de março de 1991. Ressalte-se que os bens de informática, veículos automotores, tratores e outros veículos terrestres, bem como suas partes e peças, foram excluídos dos benefícios. 12 A lém de autorizar futuras definições por meio de portaria interministerial, da parte dos Ministérios da Integração Regional, da Indústria, Comércio e Turismo e da Ciência e Tecnologia. 13 A LCs criadas e já implantadas: Tabatinga, Estado do Amazonas; Boa Vista e Bonfim, Estado de Roraima; Macapá-Santana, Estado do Amapá; e Guajará-Mirim, Estado de Rondônia. ALCs criadas e não implantadas: Paracaima e Bonfim, Estado de Roraima; e Brasileia e Cruzeiro do Sul, no Estado do Acre. Disponível em: . Acesso: em 7 mar. 2011. 14 Suspensão do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Importação (II), que somente são concedidos na entrada de produtos específicos que visem ao beneficiamento de produtos regionais e à industrialização de acordo com projeto aprovado que leve em conta a vocação regional. 10 11

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Na atualidade, a legislação federal que rege a matéria assegura os seguintes incentivos fiscais: redução de até 88% do Imposto de Importação (II) sobre os insumos destinados à industrialização ou proporcional ao valor agregado nacional quando se tratar de bens de informática; isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); redução de 75% do IRPJ, inclusive adicionais não restituíveis, com fruição por 10 anos, para projetos de implantação, modernização ou diversificação de empreendimentos, protocolizados na Sudam até 31/12/2018; e alíquota zero da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins nas operações internas na ZFM e incidentes sobre as receitas de vendas de mercadorias destinadas ao consumo ou à industrialização na Zona Franca de Manaus (ZFM), por pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM15.

Ótica estadual Em 1968, a política já existente de incentivos fiscais no Estado do Amazonas foi adaptada ao cenário decorrente da efetiva entrada em funcionamento da ZFM. A partir de então, vigoraram várias leis que se sucederam, governo a governo16, visando estabelecer mecanismos indutores do desenvolvimento do Estado pela via da renúncia fiscal. Os incentivos fiscais estaduais basearam-se, essencialmente, em concessões associadas ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte e de Comunicações (ICMS), visando contribuir com o aumento das vantagens comparativas na atração de projetos industriais para o PIM. A princípio, ocorria o efetivo recolhimento integral do tributo, no prazo regular, e a restituição do valor pago se dava após 60 dias do ingresso dos recursos nos cofres públicos, com devolução integral ou parcial17. Posteriormente, apesar de mantida a expressão restituição, passou a ocorrer a devolução imediatamente após o seu recolhimento. Na atualidade18, a denominação do “incentivo” passou a ser “crédito estímulo”, e além desse são asseguradas outras modalidades de benefícios com a Suframa. Incentivos. Disponível em:
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