Panen nostrum quotidianum : Um ensaio sobre o trigo nos primeiros tempos na mesa dos paulistas \'

May 30, 2017 | Autor: Rafaela Basso | Categoria: Portuguese History, Colonial America, Colonialism, Food History, Agriculture and Food Studies
Share Embed


Descrição do Produto

Panen nostrum quotidianum : Um ensaio sobre o trigo nos primeiros tempos na mesa dos paulistas RAFAELA BASSO 1

Neste ensaio, buscaremos refletir acerca da presença do trigo na alimentação dos paulistas durante o período colonial.

A região de São Paulo foi escolhida como palco

privilegiado de nossa atenção, pois teria sido um dos locais, nos primeiros anos após os descobrimentos, onde os portugueses obtiveram grande êxito na transferência de sua cultura alimentar. Através da análise da documentação das Atas da Câmara Municipal e dos Inventários e Testamentos - fontes por excelência do estudo da vida material - como também dos Relatos de Viagens pôde-se perceber o constante esforço dos colonos em manter seus hábitos alimentares. Sobre esta questão, é sobejamente conhecido que em uma situação de encontro cultural, os hábitos alimentares são aqueles que mais resistem as mudanças. Acreditamos que o apego, empreendido pelos colonos, às suas tradições alimentares, pode ser visto como uma estratégia de recomposição identitária, desfacelada pela experiência do degredo e do contato com uma realidade que lhes parecia tão estranha. Neste sentido, é importante levarmos em consideração que desde os primeiros tempos de ocupação portuguesa no Planalto do Piratininga, quando os primeiros colonos enfrentaram as escabrosidades da Serra do Mar e por lá se estabeleceram, eles já buscaram recriar os costumes e valores aos quais estavam acostumados no Além-mar. (BASSO, 2012: 109) No âmbito da vida doméstica, podemos imaginar os esforços feitos por estes indivíduos com o intuito de organizar o seu cotidiano de modo com que este lhes parecesse o mais familiar possível. Logo após a chegada das primeiras naus, nota-se o empenho dos adventícios em promover a translocação de seu repertório culinário, que incluía além de uma série de utensílios e práticas culinárias, também os alimentos, (as carnes, o trigo, o sal e o vinho). A transposição deles chamou a atenção dos europeus que estiveram em São Paulo como sugere o relato do padre Fernão de Cardim: É terra de grandes campos e muitos semelhantes ao sítio de Évora na boa graça e campinas que trazem cheias de vacas, que é formosura de ver. Tem muitas vinhas, e

1

Doutoranda em História pela Universidade Estadual de Campinas, na área de Política, Memória e Cidade. Mestre em História pela mesma Instituição (2012). Atualmente, é historiadora no Centro de Memória e Arquivo da FCM/UNICAMP.

2 fazem vinho, e o bebem antes de ferver de todo: nunca vi em Portugal tantas uvas juntas, como vi nestas vinhas: tem grandes figueiras de toda a sorte de figos, bersaçotes, beberas e outras castas, muitos marmeleiros, que dão quatro camadas, uma após outra, e há homem que colhe doze mil marmelos (...) dá-se trigo e cevadas nos campos: um homem semeou uma quarta de cevada e colheu sessenta alqueires: é terra fertilíssima, muito abastada.”( CARDIM, 1997: 274)

Para além do caráter laudatório desta descrição, deve-se ressaltar que tal relato nos dá subsídios para pensarmos a bem sucedida aclimatação de várias espécies europeias em Piratininga como a vinha, o marmelo, as figueiras, dentre tantas outras frutas e legumes. No entanto, uma em especial, mereceu os esforços dos colonos, devido ao papel central que ocupava dentro do sistema alimentar da civilização europeia: o trigo. Na Antiguidade, este cereal já estava presente na alimentação dos habitantes do Velho Mundo, sendo seu consumo encarado praticamente como uma condição intrínseca à humanidade, principalmente após a ascensão do Cristianismo. Nas palavras de Fernand Braudel, o trigo representava, antes de tudo, o próprio Ocidente. (BRAUDEL, 1995: 85) Porém, antes que imaginemos a existência de uma dada universalidade no consumo deste cereal, temos que atentar para o fato de que ele foi um luxo reservado a poucos, não estando nas mesas de grande parte dos homens comuns que viviam “tiranizados pelo consumo diário de pães ignóbeis, onde a mistura de cereais de má qualidade, muitas vezes podres ou deteriorados por uma má conservação ou, como acontecia frequentemente, misturados (também dolosamente) com vegetais e trigo tóxico e estupefaciente.”(CAMPORESI,1980: 11) Em terras paulistas, igualmente, a dificuldade de obtenção do pão de trigo, teria sido uma constante desde os primeiros anos de ocupação portuguesa. No entanto, apesar das inúmeras dificuldades encontradas na aclimatação dos primeiros grãos, já encontramos menções a semeadura de trigo nas propriedades paulistas ainda no XVI. De acordo com Alcântara Machado, os campos circunvizinhos a vila, estavam cobertos de trigais. Não existindo nenhum sítio em que não se encontra pelo menos um pequeno de trigo. (MACHADO, 1943: 54) Mas, diferentemente do que argumentam os principais representantes da historiografia econômica sobre São Paulo colonial, que “defendem que a produção dos trigais se destinava apenas para as áreas litorâneas, acreditamos que o trigo nunca tenha deixado de marcar sua presença, se não nas mesas, pelos menos nos desejos dos moradores daquela

3

região.”(BASSO, 2012:198) O consumo do trigo integrava uma série de esforços para a manutenção dos hábitos alimentares dos colonos, atendendo a necessidade de recomposição de seu sistema de vida deixado para trás. No caso deste produto, seu consumo pelos habitantes da região de São Paulo, pode ser sugerido, através da frequência com que os utensílios e equipamentos ligados

ao seu cultivo e processamento aparecerem na

documentação dos Inventários e Testamentos, tais como a foice de segar trigo e o moinho. Com relação ao último, mesmo estando localizado nas propriedades, cuja produção extrapolava a mera subsistência doméstica, ele era substituído, no âmbito das necessidades caseiras, pelas pequenas moendas braçais. Encontramos inventariados também utensílios de cobre empregados na confecção de pão, como bacias, gral de pão e fornos para fazer pão, que os colonos mandavam vir da Europa, como fez Francisco Dias Velho que declarou em seu testamento, que mandara vir num carregamento 1 forno destes, só que de ferro.2 A farinha de trigo aparece nesta documentação constantemente arrolada na descrição dos negócios, na cobrança ou no pagamento das dívidas advindas de seu comércio, mormente com outras regiões da América Portuguesa. Embora isso seja um fato, não negligenciamos a existência, mesmo que diminuta, de seu comércio em esfera local, voltado para atender a demanda do consumo doméstico dos paulistas. O inventário de Margarida de Rodrigues, entre tantos outros, é elucidativo da presença deste gênero no mercado interno, pois encontramos discriminados no rol de dividas, um crédito pendente a outro morador da vila, Pedro Dias, referente a compra de 8 alqueires de farinha de trigo.3 Já Henrique da Cunha Lobo também parece ter contraído dívidas da compra deste produto, uma vez que declara em seu testamento “ dever aos herdeiros de Diogo Mendes 1 alqueire e meio de farinha de trigo que mando lhe pagar”.4 Sua importância no sustento da população pode ser inferido através das recorrentes reclamações de sua falta pelos moradores, como transcorrido no dia 18/07/1722, em que o procurador da Câmara expôs a notícia, (...) de que se atravessavam farinhas de trigo com o pretexto de as levarem para fora da capitania como são para as Minas Gerais o que leva em grande prejuízo aos moradores desta cidade por não se achar já nela pão algum de venda por falta 2

Inventário e Testamento de Francisco Dias Velho vol 22 in Inventários e Testamentos: Documentos da seção do Arquivo Histórico. São Paulo: Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo. p. 245 3 Inventário de Margarida Rodrigues. vol.13 in Inventários e Testamentos. Op.Cit. p. 48 4 Inventário de Henrique da Cunha Lobo. vol. 17 in Inventários e Testamentos. Op.Cit. p. 65

4 das ditas farinhas (...) pelo que requereu que fossem notificados assim os lavradores das ditas farinhas nas ditas freguesias e nas mais donde se costumavam lavrar não vendam para fora desta capitania sob pena que eles ditos vereadores lhes parecer adequado(...)5

Tal requerimento, além de indicar como a população perecia com a escassez desse mantimento, demonstra o empenho da Câmara, visando garantir seu fornecimento à população, através da imposição de licenças restritivas à saída do cereal dos limites da região. Entretanto, o controle da saída deste gênero não foi a única medida reguladora visando garantir que não faltasse farinha de trigo nas despensas dos moradores de São Paulo. Ao lado desta, são recorrentes as reuniões em que oficiais da Câmara deliberam pela almotaçaria de seu preço - como a transcorrida no dia 11/11/17306 - ou mesmo decidem pela obrigatoriedade de alguns produtores abastecerem a população com tal gênero, como ocorrido um século antes, nas dependências da Câmara, onde os oficiais decidiram que “se fizesse uma lista dos homens que nessa vila tivessem trigo para se fintarem quinhentos ou seiscentos alqueires de trigo para sustento deste povo”.7 Independentemente da medida reguladora tomada, elas podem nos fornecer indícios de que a farinha de trigo integrava o repertório culinário dos paulistas. E podia ser utilizada pelos colonos para os mais diversos fins culinários: na confecção de tortas, caldos, papas, doces, bolos, entre tantos outros acepipes lusitanos.

Mas, entre todos estes, o pão foi sem dúvida

nenhuma, se não o usual, o mais desejado. Podemos também encontrar indícios de sua presença, através das crônicas de época, como a escrita por Manoel da Fonseca, sobre a vida e os feitos do padre Belchior de Pontes, que viveu em fins do XVII e inícios do XVIII. Como o religioso assistia aos moradores da vila em suas necessidades materiais e espirituais, notamos que era costume da população, como uma forma de agradecimento, oferecer refeições, com o que tinham de melhor em sua despensa. Em uma dessas ocasiões, foi servido ao padre um caldo acompanhado por uma fatia de pão de ló. A tentação que isto parece lhe ter representado é sugerida pelas palavras de seu memorialista:

5

Actas da Camara Municipal de São Paulo. vol. 9. São Paulo: Publicação official do Archivo Municipal de S. Paulo. 1915. p. 186. 6 Actas da Câmara vol. 10 Op. Cit. p. 95 7 Actas da Camara. vol. 4 Op.Cit. p. 89

5 Ao achar uma talhada de pão de ló, como o apetite o instigasse a comê-la, fez uma tal mistura, que ao mesmo tempo, em que condescendeu com ela, o deixou bem castigado. Foi naquele dia o jantar de peixe, lhe puseram salgado, junto com uma tigela de caldo, em que se tinha cozido. Tanto que ele o viu, julgando que se oferecia ocasião oportuna a seus desígnios, lançou o pão de ló no caldo, e misturando o doce com salgado o comeu. (FONSECA, s/d: 56)

Com relação ao pão, acreditamos que ele tenha sido um dos principais alvos das preocupações da população, tendo em vista a atenção que lhe é reservada pelos camaristas que se reúnem constantemente para sanar as irregularidades em torno de seu abastecimento altos preços, escassez e problemas em relação aos pesos e medidas. Após receber sucessivas queixas sobre tais irregularidades, os oficiais se reúnem no dia 12/04/1659, nas dependências da Câmara, onde o procurador declarou que, “havia muita queixa por não haver pão nesta vila, porquanto os almotacéis entendiam com as pessoas que mandavam pão dizendo que era pequeno pelo qual dizem que passavam mal os moradores pelo que se requereria que mandassem fixar um quartel que todos que tenham mandem pão, farinha e todos os mais legumes da terra e que cada um vendesse como pudesse( ...).”8

Tais como essas, as reclamações se sucedem ao longo dos dois primeiros séculos de existência da vila de São Paulo. Mesmo as iminentes punições impostas pelos oficiais da Câmara, não impediram que o problema da carestia deste produto persistisse durante todo período colonial. Podemos supor que os produtos produzidos localmente adquiriam melhores preços ao serem comercializados, sobretudo com as regiões litorâneas, compensando os riscos corridos. A procura pelo trigo e seus derivados era potencializada nestas localidades, nas quais não eram produzidos, o que possibilitava aos comerciantes paulistas além de auferirem maiores ganhos, ao mesmo tempo fugir das medidas reguladoras do comércio. (MARANHO, 2006:95) Os moradores, não tendo como fazer frente ao contexto inflacionário gerado pela comercialização com outras regiões, não tiveram outra saída se não criar alternativas para substituir a farinha de trigo na confecção de pães e quitutes. Deve-se salientar que mesmo no Velho Mundo, o preço do pão era constantemente inflacionado pelos períodos de crise 8

Actas da Câmara vol. 6. Op. Cit. p. 127

6

produtiva, além de outras intempéries, o que fez os europeus aprenderem a se adaptar a situações de penúria. A falta do trigo os fazia recorrer a uma gama de cereais sucedâneos, muitas vezes intragáveis e não raro tóxicos, para substituí-lo. Porém, para não ficar à mercê dos perigos que isto podia representar à saúde, o europeu organizou sua lida agrária por meio de um sistema de rotação das culturas, cultivando o trigo, sempre associado a outro cereal panificável, como a cevada, a aveia ou o centeio. Este procedimento era a garantia de não lhe faltar matéria-prima para a confecção do pão, alimento cuja existência dependia suas vidas. E se na Europa havia pães e pães, o que não teria se sucedido em terras brasílicas, mais especificamente no Planalto Paulista? Conforme podemos presenciar no excerto abaixo, a população além de sofrer com a constante carestia do pão, também padecia com a má qualidade do produto disponível no mercado, consumindo dificilmente o pão branco, feito de farinha de trigo peneirada. Tal situação suscitava o descontentamento dos moradores, como ocorreu no dia 26/02/1735, em que o procurador do senado requereu aos oficiais (...) que se ouvissem as pessoas desta cidade sobre a postura do pão para saber o preço em que se há de vender e seu peso e sendo ouvidas as pessoas que ora se achavam neste senado sobre tal matéria e propondo-lhe o quanto era necessário ao bem comum que houvesse pão na terra ainda que fosse de menor peso, já constava não haver farinhas nela.9

Percebe-se que população, perecendo com a escassez desse mantimento, vem ao procurador reclamar e requerer que ele fosse vendido mesmo que por um tamanho menor. No entanto, as reclamações prosseguem nesta secção, pois havia o problema da baixa qualidade do pão, que era fabricado com misturas e outras farinhas. Para amenizar a situação, os oficiais acordam que os almotacéis: façam exames do pão que seja de farinha de trigo, pura e sem mistura de raspas de madeira ou de outras farinhas de outro gênero que não seja trigo, com pena de 6.000 réis e 30 dias de cadeia e o pão tomado para os pesos, cuja condenação será feita sem apelação, nem agravo que assim o executarão os almotacéis e se levará edital para vir a noticia de todos.10

9

Actas da Câmara vol. 10. Op.Cit. p. 410 Idem p. 411

10

7

Se a dificuldade para ter acesso aos gêneros aos quais estavam acostumados foi uma constante durante os primeiros anos de vivência dos colonos no Novo Mundo, a imposição de muitos ajustes se fez necessária e, neste processo, o modelo europeu sempre era almejado. Não podemos deixar de lado o fato de que havia critérios de substituição dos alimentos, sobretudo, aqueles que tinham papel estratégico na reprodução do sistema de vida no alémmar e que eram os pilares da cultura cristã, como por exemplo, o pão. Desta forma, no âmbito das apropriações que se fizeram dos gêneros nativos, foi dada bastante atenção especial àqueles que podiam ser utilizados como possíveis substitutivos do trigo na fabricação do pão, e, que de fato, o eram. Não raro encontramos os cronistas Seiscentistas devotando parte de seus relatos às discussões acerca dos critérios de substituição dos alimentos. A mandioca é a que mais merece atenção neste contexto, devido a presença majoritária que ocupava na culinária local e por conta do aproveitamento que os europeus faziam dela, principalmente de sua farinha. Em 1554, José de Anchieta em carta ao padre Manoel da Nóbrega já chamava atenção para o papel estratégico ocupado pela mandioca, tomando o lugar do trigo na alimentação dos paulistas: O principal alimento desta terra é a farinha de pau que se faz de certas raízes que se plantam e chamam de mandioca, as quais – quando comidas cruas, assadas ou cozidas – apodrecidas, desfazem-se em farinha, que se come, depois de torrada em vasos

de

barro

bastante

grandes.

Isto

substitui

entre

nós

o

trigo.

(ANCHIETA,1954:12)

Nas crônicas da época, é dada muita atenção aos vários usos culinários que se podiam fazer da mandioca, em especial, a produção dos alimentos que se aproximavam dos já conhecidos na ementa portuguesa. Neste sentido, temos a farinha d’água ou puba que por ter uma aparecia fina e ser mais alva foi bem aceita pelos portugueses, sendo com frequência substituta da farinha de trigo na confecção de muitas receitas, inclusive os doces. Com os indígenas, os portugueses também aprenderam a fabricar os beijus ou goma de mandioca que, se assemelhavam e muito com os filhós das cozinheiras portuguesas, não só na aparência como no gosto.” (SILVA,2001:93) O beiju também teria agradado os paladares lusitanos, na medida em que dele se podia fazer uns bolos que se pareciam muito com os pães frescos do Reino. Sobre este pitéu,

8

Pero de Magalhães Gandavo nos fornece uma rica descrição: “desta mesma mandioca, fazem outra maneira de mantimentos que se chamam beijus os quais são de feição de obreias, mas mais grossos e alvos, e alguns deles estendidos da feição de filhós. Destes usam muito os moradores da terra, porque são mais saborosos e de melhor digestão que a farinha”.(GANDAVO, 2008: 87-88 ) Em nosso entender, a mandioca apresentava-se como mais panificável aos olhos europeus, principalmente devido à transferência de técnicas europeias em seu processamento, como a prensa de lagar e a roda . (SCHMIDT, 1958: 42) Tanto um quanto o outro foram utensílios europeus que passaram a ser utilizadas no processamento da mandioca. A prensa já era uma velha conhecida dos europeus desde a Antiguidade, mas em terras nativas teve seu uso adaptado para a extração o veneno tóxico da raiz brava. Já a roda de ralar foi uma adaptação portuguesa usada na substituição dos raladores Tupis. Porém, deve-se acrescentar que apesar das adaptações, ainda se mantinham na confecção da raiz as técnicas apreendidas com os nativos, que possuíam domínio sobre a

tecnologia complexa exigida no

processamento da mandioca. No entanto, sabe-se que a farinha de trigo nunca poderia ser totalmente substituída, principalmente porque dela se confeccionava as hóstias para celebrações religiosas, sendo revestida de um intenso significado religioso. Isso justifica o fato de sempre nos relatos de época se destacar o uso que os europeus faziam da mandioca e do milho, senão quando inevitável. Mesmo diante da impossibilidade de achar um substituto à altura, a necessidade falava mais alto, fazendo os colonos ajustarem o seu paladar ao que a terra oferecia, selecionado dentre as opções disponíveis as espécies que mais lhe fossem convenientes. Assim, uma coisa era a vontade e outro o consumo e neste âmbito acreditamos que o uso dos gêneros nativos tenha sido uma constante ao longo de todo período colonial. Em suma, o que podemos concluir, neste breve trabalho é que, durante o período colonial, a dificuldade de acesso aos produtos portugueses e as necessidades de sobrevivência fizeram com que houvesse a adoção dos hábitos alimentares dos naturais da terra.No entanto, em momento algum os europeus os abandonaram, mantendo-os sempre que possível. Isto porque comer não se resume à mera questão de sobrevivência, sendo também uma fonte de prazer e de busca por saciação do paladar, que no caso dos colonos, era ditado pelo apreço às comidas da sua terra, entre as quais destacamos neste breve ensaio, o trigo. Sob este ponto de

9

vista, tornam-se mais elucidativos as inúmeras tentativas – algumas malogradas outras nem tanto - de transferência, no início da colonização, da cultura deste cereal para o Brasil.

Referências Bibliográficas

Fontes Impressas Atas da Câmara Municipal da villa de S. Paulo (1650-1750). Vols. de 6 a 13.

São Paulo:

Typographia Piratininga; publicação official do Archivo Municipal de São Paulo, 1916- 1917. Inventários e Testamentos: Papéis que pertencem ao 1° cartório de órfãos da capital. Vols. 13 a 45 referentes aos séculos XVII e XVIII. São Paulo: Secretaria do Estado de São Paulo; Arquivo do Estado de São Paulo, 1920-1999.

Correspondências, Crônicas, Roteiros e Notícias de Viagens CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil. LEITE, Serafim. (Org.) São Paulo: Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954-1958. (1538-1558) (Carta de José de Anchieta para o Padre Inácio de Loyola). FONSECA, Manuel da. Vida do Venerável padre Belchior de Pontes da Companhia de Jesus. São Paulo. Melhoramentos. s/d. (1752) GANDAVO, Pero de Magalhães. História da província de Santa Cruz. São Paulo: Hedra, 2008. (1576)

Livros, Teses e Artigos

10 BASSO, Rafaela. A cultura alimentar paulista: uma civilização do milho? (1650-1750). Dissertação de Mestrado. IFCH/UNICAMP: Campinas, 2012.

BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo. (séculos XV – XVIII). Trad. Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1995. CAMPORESI, Piero. O pão selvagem. Lisboa: Editorial Estampa, 1980. MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1943. MARANHO, Milena Fernandes. O Moinho e o engenho: São Paulo e Pernambuco em diferentes contextos e atribuições no império colonial português (1580-1720). Tese de Doutorado – FFLCH – USP, São Paulo, 2006. SILVA, Paula Pinto. Entre tampas e panelas: por uma etnografia da cozinha do Brasil. Dissertação de Mestrado. Departamento de Antropologia - USP, São Paulo, 2001. SCHMIDT, Carlos Borges. Lavoura Caiçara, Rio de Janeiro, Serviço de Informação Agrícola, 1958.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.