Panorama das Unidades de Conservação na Faixa de Fronteira Brasileira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS MATEMÁTICAS E DA NATUREZA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PANORAMA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA FAIXA DE FRONTEIRA BRASILEIRA

Letícia Nascimento Vimeney

Orientadora: Profª. Drª. Rebeca Steiman

Rio de Janeiro 2014

LETÍCIA NASCIMENTO VIMENEY

PANORAMA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA FAIXA DE FRONTEIRA BRASILEIRA

Monografia apresentada ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção de título de Bacharel em Geografia.

Orientador: Profª. Drª. Rebeca Steiman

DEZEMBRO/2014 ii

FICHA CATALOGRÁFICA

VIMENEY, LETÍCIA NASCIMENTO

Panorama das Unidades de Conservação na Faixa de Fronteira Brasileira. Rio de Janeiro, dezembro de 2014. Orientador: Profª. Drª. Rebeca Steiman Monografia (Bacharel em Geografia), Departamento de Geografia, Instituto de Geociências (IGEO), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2014. Monografia – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Geociências. 1. Unidades de Conservação; 2. Faixa de Fronteira; 3. Conservação Ambiental

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LETÍCIA NASCIMENTO VIMENEY

PANORAMA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA FAIXA DE FRONTEIRA BRASILEIRA

Monografia apresentada ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção de título de Bacharel em Geografia.

Data da aprovação: __/__/____ Banca examinadora: Profª. Drª. __________________________________ - Orientadora Rebeca Steiman Prof. Dr. __________________________________ - Avaliador Paulo Pereira de Gusmão

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AGRADECIMENTOS A conclusão da primeira etapa da minha formação acadêmica deve ser dedicada inteiramente aos meus pais, meus primeiros professores, maiores responsáveis por todos os degraus que eu subi com sucesso até aqui. Um agradecimento por cada letra de cada livro que eu fui incentivada a ler desde que aprendi a juntar as palavras. Obrigada também Àquele que me permitiu nascer nessa família. Agradeço aos meus professores do CMRJ que despertaram em mim a admiração pela Geografia: ao Prof. Flavio Bartoly, pelos dois anos de aulas que foram determinantes para o início da minha trajetória geográfica; e ao Prof. Gabriel Vogt, pela ajuda essencial na escolha do Curso em um ano que eu já quase havia esquecido como a Geografia muda nossa percepção do mundo. À Prof. Dra. Telma Mendes da Silva, minha primeira orientadora na UFRJ, por toda a paciência no meu momento de indecisão geográfica, pela imensa colaboração na minha formação e por todo o carinho nesses anos. À minha orientadora, Prof. Dra. Rebeca Steiman, pela oportunidade que fez com que eu me reencontrasse na Geografia e pela orientação sempre presente e dedicada à nossa Pesquisa. A todos aqueles que contribuíram diretamente para esse trabalho: à Prof. Msc. Letícia Parente Ribeiro, pelas aulas de metodologia científica que deram origem à sistematização do meu banco de dados e pelas sugestões dadas na Jornada de Iniciação Científica; aos colegas Nikolas Zanette, Renata Marques e Sarah Oliveira pelas entrevistas coletadas para nosso trabalho de Estágio de Campo que serviram a esse aqui; ao Pedro Aguiar, pela companhia no laboratório para finalizar todos os mapas até a hora de o CCMN fechar e por ajeitar simetricamente todas as retas das legendas. Aos colegas do Grupo Retis, por tornarem tão agradável nosso ambiente de trabalho. Aos amigos da Geografia - aos que começaram comigo e aos que foram se somando ao longo dos anos- pela contribuição crucial no meu “sentimento de lugar” com a Ilha do Fundão: metade da minha alegria com essa faculdade não existiria se não fosse compartilhada cotidianamente. Ao Léo, pela companhia silenciosa em todos os dias em que eu precisei me dedicar aos trabalhos e provas ao longo desses quatro anos de Graduação, e por compartilhar comigo tantos objetivos que me deram o foco necessário pra chegar até o final dessa etapa.

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RESUMO A criação de áreas protegidas dedicadas à conservação da natureza intensificouse à medida que uma gama de questões ambientais cresceu em importância nas pautas internacionais e na agenda nacional. Sua implantação na região de fronteira brasileira em particular segue controversa para diversos atores da sociedade civil, dos governos, forças armadas e organizações ambientalistas. Sua incidência na faixa de fronteira brasileira é continuamente apresentada como um fator de vulnerabilidade para a soberania nacional entre os setores mais nacionalistas ou como uma interdição de acesso aos recursos naturais por atores locais e regionais. Mas esse conjunto tão diverso de unidades de conservação é muito pouco conhecido de fato. Assim, o presente trabalho pretende preencher esta lacuna traçando um panorama das Unidades de Conservação situadas na Faixa de Fronteira brasileira. Para isso, foi construído um banco de dados com informações relativas aos aspectos biogeográficos, institucionais e socioambientais desse conjunto de unidades, incluindo o levantamento das pressões. Esses dados foram coletados a partir de diferentes bases, incluindo o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação, os sites institucionais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o banco de dados disponibilizado online pelo Instituto Socioambiental, as instituições estaduais e municipais responsáveis pela gestão das unidades, além de notícias publicadas pela mídia local e nacional. Os resultados apontam para a existência de 203 unidades de conservação na Faixa de Fronteira, que representam cerca de 10% do universo de unidades de conservação no Brasil. Dessas unidades, 57% são de gestão federal, enquanto 40% são geridas por órgãos estaduais e apenas 3% por órgãos municipais. Em relação aos grupos classificados pelo SNUC, a maioria das UCs é de Uso Sustentável (65%, enquanto 35% são de Proteção Integral). A Amazônia é protegida por mais da metade dessas áreas (57% das unidades), enquanto a outra metade abrange unidades no Cerrado, Pantanal, Pampa e Mata Atlântica. Mais de 70% delas não contam com Plano de Manejo, o que aponta uma falha bastante significativa nas estratégias de gestão dessas áreas. Em relação às pressões levantadas, o desmatamento é a mais recorrente. Em sequência ao desmatamento aparecem incidências de incêndios/queimadas, extração ilegal de madeira, caça e pesca ilegal e ainda mineração/garimpo (pressões essas que se enquadram também como ilícitos ambientais). vi

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1

1.

A QUESTÃO DAS ÁREAS PROTEGIDAS ........................................................... 6 1.2 A internacionalização da questão ambiental ........................................................... 6 1.2 A questão ambiental e a criação de áreas protegidas no Brasil ............................ 10

2. PANORAMA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA FAIXA DE FRONTEIRA BRASILEIRA ......................................................................................... 24 2.1 Distribuição espacial e aspectos físico-naturais .................................................... 24 2.2 Aspectos institucionais: efetividade de gestão e manejo ...................................... 29 2.2.1 Aspectos institucionais – Legislação.............................................................. 30 2.2.2 Aspectos institucionais – Implementação e Gestão ....................................... 38 2.3 Aspectos socioambientais: pressões e ilícitos ambientais .................................... 45

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 62

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 65

ANEXO I ........................................................................................................................ 68

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ÍNDICE DE QUADROS Quadro i - Exemplo do Banco de Dados .......................................................................... 4 Quadro 1.1 - Comparação entre as diretrizes das UCs de Proteção Integral .................. 20 Quadro 1.2 - Comparação entre as diretrizes das UCs de Uso Sustentável ................... 21 Quadro 2.1 – Número e área total das UCs por Arcos da Faixa de Fronteira ................ 26 Quadro 2.2 – Número e área total das UCs por Biomas na Faixa de Fronteira ............. 26 Quadro 2.3 – UCs por Bioma na Faixa de Fronteira segundo Categoria e Grupo (nº) .. 34 Quadro 2.4 – Área média e área total das UCs da Faixa de Fronteira por esfera de gestão ........................................................................................................................................ 39 Quadro 2.5 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Plano de Manejo por Grupo e Categoria (%) ............................................................................................................... 40 Quadro 2.6 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Plano de Manejo por Bioma (%) .................................................................................................................................. 41 Quadro 2.7 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Plano de Manejo por Esfera de Gestão (%) ................................................................................................................. 41 Quadro 2.8- Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Conselho Gestor por Grupo e Categoria (%).................................................................................................................. 43 Quadro 2.9 - Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Conselho Gestor por Bioma (%) .................................................................................................................................. 43 Quadro 2.10 - Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Conselho Gestor por Esfera de Gestão (%) ................................................................................................................. 44 Quadro 2.11 - Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação ao Arco (%) ........................................................................................................................................ 50 Quadro 2.12 - Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação ao Bioma (%) ........................................................................................................................................ 50 Quadro 2.13 – Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação à esfera de gestão (%) ....................................................................................................................... 51

viii

Quadro 2.14 - Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação ao Grupo (%) ........................................................................................................................................ 52 Quadro 2.15 - Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação à existência de Conselho Gestor (%) .................................................................................................. 52 Quadro 2.16 – Proporção de UCs com ocorrência de pressões em relação à existência de Plano de Manejo (%) ...................................................................................................... 52

ÍNDICE DE MAPAS Mapa 2.1 – Unidades de Conservação por Arcos da Faixa de Fronteira (2014) ............ 25 Mapa 2.2 – Unidades de Conservação por Biomas na Faixa de Fronteira (2014) ......... 28 Mapa 2.3 – Pressões às Unidades de Conservação na Faixa de Fronteira (2014) .......... 49 Mapa 2.4 - Crimes contra a Fauna nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014) ............................................................................................................................. 54 Mapa 2.5 - Crimes contra a Flora nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014) ............................................................................................................................. 56 Mapa 2.6 - Desmatamento e Extrativismo vegetal ilegal nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014) .......................................................................................... 58 Mapa 2.7 - Desmatamento e Incêndios/Queimadas nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014) ............................................................................................... 59 Mapa 2.8– Desmatamento e Mineração/Garimpo nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014) ............................................................................................... 60

ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 2.1 – Proporção de UCs por Biomas na Faixa de Fronteira (%) ....................... 27 Gráfico 2.2 –UCs da Faixa de Fronteira por categoria do SNUC (Nº) .......................... 30 Gráfico 2.3 – Área média das UCs da Faixa de Fronteira por categoria do SNUC (ha) 31 Gráfico 2.4 - Proporção de UCs da Faixa de Fronteira por Grupos (%) ........................ 32 ix

Gráfico 2.5 –UCs por Grupo segundo Arcos da Faixa de Fronteira (Nº) ...................... 32 Gráfico 2.6 –UCs por Grupo segundo o Bioma na Faixa de Fronteira (Nº) .................. 33 Gráfico 2.7 –UCs por Grupo segundo situação geográfica na Faixa de Fronteira (Nº) . 35 Gráfico 2.8 - UCs por Grupo segundo período de criação (Nº) ..................................... 36 Gráfico 2.9 – Eventos de alteração de limites em UCs na Faixa de Fronteira (Nº) ....... 37 Gráfico 2.10 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira por Esfera de Gestão (%) ...... 39 Gráfico 2.11 - Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Plano de Manejo por Arcos (%) .................................................................................................................................. 40 Gráfico 2.12 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Conselho Gestor por Arcos (%) .................................................................................................................................. 42 Gráfico 2.13 –UCs da Faixa de Fronteira por situação fundiária (Nº) ........................... 44 Gráfico 2.14 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com ocupação humana irregular (UCs que não permitem presença de população) (%) .................................................... 46 Gráfico 2.15 - UCs da Faixa de Fronteira com ocupação humana irregular (UCs que só permitem presença de população tradicional) (Nº) ........................................................ 47 Gráfico 2.16 - Pressões sobre as UCs da Faixa de Fronteira .......................................... 48

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS APA ARIE CDB CNUC ESEC ICMBio ISA IBGE IUCN MMA MONAT ONU PI PNAP REBIO RESEX RDS RPPN SNUC UC US

Área de Proteção Ambiental Área de Relevante Interesse Ecológico Convenção sobre a Diversidade Biológica Cadastro Nacional de Unidades de Conservação Estação Ecológica Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade Instituto Socioambiental Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Internacional Union for Conservation of Nature Ministério do Meio Ambiente Monumento Natural Organização das Nações Unidas Proteção Integral Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas Reserva Biológica Reserva Extrativista Reserva De Desenvolvimento Sustentável Reserva Particular Do Patrimônio Natural Sistema Nacional de Unidades de Conservação Unidade de Conservação Uso Sustentável

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INTRODUÇÃO

A questão ambiental teve um crescimento tanto de importância nacional quanto global especialmente a partir da segunda metade do século XX. Debates que envolvem desde a extinção de espécies até as mudanças climáticas acarretaram um aumento da preocupação ambiental nas agendas nacional e internacional, na medida em que a proteção da natureza representa também a proteção de recursos naturais que garantem a continuidade do desenvolvimento econômico. A noção de “biodiversidade” emerge nesse contexto, sendo a preservação da diversidade de espécies a meta que se tornará recorrente nas políticas nacionais, apontando para o caráter científico e geopolítico que passa a envolver a questão. Ao redor do mundo, se torna comum a definição de áreas destinadas à proteção da natureza: diversos países passaram a contar com sistemas de áreas protegidas, cada um com particularidades em sua legislação, objetivos e estratégias de manejo. No Brasil, apesar de o primeiro parque ter sido criado em 1937, a sistematização dessa política vem somente no ano 2000, por meio da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Constam na Lei nº 9.985 as doze categorias de Unidades de Conservação (UCs) e as principais diretrizes que devem reger o manejo e gestão dessas áreas. Na região da Faixa de Fronteira brasileira, em particular, o processo de criação e implementação de áreas protegidas é envolvido por controvérsias entre os diversos atores da sociedade civil, dos governos, forças armadas e organizações ambientalistas. Essa controvérsia é baseada no fato de a incidência das Unidades de Conservação nessa região ser continuamente apresentada como um fator de vulnerabilidade para a soberania nacional entre os setores mais nacionalistas ou como uma interdição de acesso aos recursos naturais por atores locais e regionais. Além disso, em muitos casos, a criação de Unidades de Conservação pelo governo nessa região - que ainda representa uma fronteira de ocupação no País - seguiu a estratégia de criação de “zonas-tampão” para impedir a apropriação de terras. Sendo assim, para um maior embasamento das discussões em torno dessas controvérsias, é necessário que o conhecimento sobre esse conjunto de Unidades seja aprofundado. O presente trabalho tem por objetivo preencher essa lacuna realizando uma caracterização geográfica das áreas protegidas ali situadas. Especificamente, esse panorama visa abranger três dimensões principais:

1

a) a dimensão físico-natural, principalmente dos biomas protegidos pelas Unidades; b) a dimensão institucional, analisando a distribuição das Unidades pelas categorias e grupos do SNUC; e variáveis relativas à implementação e gestão (como Plano de Manejo, Conselho Gestor, situação fundiária); e c) a dimensão socioambiental, explorando possíveis conflitos a partir dos diferentes usos da terra e demais pressões e ameaças aos objetivos de conservação das Unidades de Conservação ali situadas. O termo “áreas protegidas” refere-se à abordagem mais geral quando tratamos de porções do território delimitadas com objetivos de proteção e/ou conservação da natureza.

Essa definição ganha aceitação e destaque globais especialmente por

iniciativa da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN), que propõe um sistema internacional que categoriza esses territórios dedicados à conservação. Para a IUCN, as áreas protegidas são definidas como “áreas do espaço terrestre e/ou marítimo especialmente dedicadas à proteção e manutenção da diversidade biológica e dos recursos naturais e culturais a ela associados, manejadas por meios oficiais ou outros meios efetivos” (IUCN, 1994, p. 7). Esse sistema classificatório é adotado em graus diversos pela maior parte dos países, que, entretanto, desenvolveram seus sistemas nacionais de áreas protegidas utilizando terminologias e finalidades distintas (Steiman, 2008). No Brasil usa-se o termo “Unidades de Conservação”, a partir da Lei nº 9985/2000, para denominar o “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação divide essas áreas em doze categorias, separadas em dois grupos (Proteção Integral e Uso Sustentável), cujos objetivos de conservação e diretrizes de manejo se diferenciam entre si. O recorte espacial definido por esse trabalho constitui-se na Faixa de Fronteira brasileira, região definida segundo a Lei 6.634 de 2/5/1979 como a faixa de 150 quilômetros de largura a partir do limite político internacional do território. Assim, foram consideradas as Unidades de Conservação (UCs) aí situadas.

2

Para a elaboração do panorama das Unidades de Conservação na Faixa de Fronteira foi necessária a construção de uma base de dados relativos às áreas protegidas situadas nos municípios que constituem a Faixa. Uma das dificuldades metodológicas do processo de coleta das informações para a constituição desse banco foi a incompatibilidade

dos

dados

disponibilizados

pelas

diferentes

instituições,

especialmente no que tange à existência ou não de determinadas Unidades. Algumas UCs são mencionadas tanto na bibliografia disponível quanto em bases de dados de órgãos locais, porém não se encontram no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC - base de dados estabelecida pelo Art. 50 da Lei nº 9985/2000, a ser gerida pelo Ministério do Meio Ambiente). Diante da impossibilidade de confirmação do âmbito de existência dessas Unidades (como por exemplo por meio do seu Decreto de Criação), decidiu-se por considerar somente aquelas registradas no CNUC. Cabe ressaltar que o CNUC apresenta limitações, resultantes da falta de atualização do seu banco de dados e da ausência de informação sobre diversas variáveis.1 Entretanto, o CNUC ainda é a base com maior disponibilidade de dados em relação ao conjunto das unidades de conservação da Faixa de Fronteira. A base de dados do Instituto Socioambiental (ISA), por exemplo, abrange todas as unidades de conservação da Amazônia Legal, mas só recentemente passou a incorporar algumas UCs fora da região. Além das bases de dados do CNUC e do ISA, foram consultadas diversas outras fontes de dados, como os sites institucionais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), as instituições estaduais e municipais responsáveis pela gestão das unidades, além de notícias publicadas pela mídia local e nacional. A etapa seguinte envolveu organizar as informações das UCs segundo as três dimensões abordadas conforme ilustrado pelo Quadro 1.

1

Isso se deve ao fato de que no momento de criação da UC, o órgão gestor precisa cadastrá-la no CNUC, porém somente dados de algumas das variáveis são obrigatórios. Depois desse primeiro momento, não há iniciativa por parte do Ministério do Meio Ambiente em monitorar a atualização desses dados ao longo do tempo, cabendo à iniciativa voluntária do gestor (informações obtidas em entrevista em campo aos biólogos Marina Daibert e Sandro Pereira, gestores do Parque Natural Municipal de Piraputangas (MS) e do Parque Nacional da Serra da Bodoquena (MS), respectivamente). 3

Quadro i - Exemplo do Banco de Dados

DIMENSÃO TEMA

VARIÁVEIS

UNIDADE DE CONSERVAÇÃO

ESEC CUNIÃ FÍSICO-NATURAL Biogeografia

BIOMA

Amazônia

INSTITUCIONAL CATEGORIA GRUPO Legislação

CRIAÇÃO ALTERAÇÃO DE LIMITES/ RECATEGORIZAÇÃO ÁREA (ha) UF MUNICÍPIO FAIXA/LINHA

Implementação e Gestão

ESEC PI DECRETO - s/n - 27/09/2001

Não 189661 AM/RO Porto Velho (RO), Canutama (AM), Humaitá (AM) Faixa

ARCO

Central

ESFERA

Federal

GESTOR

ICMBio

PLANO DE MANEJO

Sim

CONSEHO GESTOR

Sim

SIUTAÇÃO FUNDIÁRIA

Não regularizado

RECURSOS HUMANOS

3 (2013)

SOCIOAMBIENTAL POPULAÇÃO Conflitos de uso

11.584

VISITAÇÃO

Fechada

PRESSÕES

Passagem de rodovia

Diante da divergência muitas vezes encontrada entre as informações disponibilizadas por diferentes fontes, somente os dados passíveis de confirmação foram incluídos no banco de dados (no caso da divergência, por exemplo, relativa ao Plano de Manejo somente considerou-se sua existência quando foi encontrada a publicação oficial de sua criação). Com objetivo tanto de futuras confecções de mapas quanto para checagem de informações como localização geográfica − municípios abrangidos − e sobreposição com outras Unidades e Terras Indígenas, as UCs foram representadas em ambiente SIG com o auxílio do software ArcGis 10.1. Para isso, foram utilizados shapefiles 4

disponibilizados pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), pelo ISA e pelo ICMBio, além da malha municipal disponibilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A partir das variáveis disponíveis no banco de dados, foram confeccionados gráficos e quadros comparativos para visualização e análise das informações encontradas. Cabe destacar que as categorias “Parque Nacional”, “Parque Estadual” e “Parque Natural Municipal” foram reunidas na categoria Parque, assim como as categorias “Floresta Nacional”, “Floresta Estadual” e “Floresta de Rendimento Sustentável” foram reunidas na categoria “Floresta”. Tal procedimento encontra respaldo na própria Lei do SNUC que estabelece em seu Art. 11 que a categoria “Parque Nacional” recebe os nomes Estadual e Municipal quando for criado por estas esferas; o mesmo ocorre com a categoria “Floresta Nacional”, conforme estabelece o Art. 17. Além da análise da base de dados, foi realizado um levantamento bibliográfico sistemático. O trabalho também se beneficiou de um trabalho de campo realizado no âmbito da disciplina Estágio de Campo III no estado do Mato Grosso do Sul, onde houve oportunidade de realizar entrevistas com gestores de Unidades de Conservação. No Capítulo I desse trabalho – A Questão das Áreas Protegidas -, o item “a internacionalização da questão ambiental” constitui-se em uma revisão bibliográfica sobre a temática, no que se refere ao histórico da estratégia de criação de áreas protegidas para proteção da natureza até a emergência da questão ambiental a esfera global em meados do século XX. O segundo item do capítulo, “A questão ambiental e a criação de áreas protegidas no Brasil”, por sua vez, trata da implementação dessas áreas no contexto brasileiro. O Capítulo 2 traz a análise das informações coletadas no banco de dados, dividida pelas dimensões físico-natural (item 2.1), institucional (item 2.2) e socioambiental (item 2.3) – constituindo, então, o “Panorama das Unidades de Conservação na Faixa de Fronteira brasileira”.

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1. A QUESTÃO DAS ÁREAS PROTEGIDAS

1.2 A internacionalização da questão ambiental

Apesar de a questão ambiental emergir como tópico nas agendas políticas internacionais somente em meados do século XX, a preocupação com a proteção da natureza2 existe desde a Antiguidade sob paradigmas diferentes. A história da proteção da natureza ao redor do mundo é retomada por diversos autores (Araujo, 2007; Davenport & Rao, 2002; Diegues, 1996; Medeiros, 2007), porém Medeiros (2003) realiza um levantamento abrangente de outros estudos, mostrando que a delimitação de áreas com fins de proteger recursos naturais não é uma estratégia exclusiva das últimas décadas. Até o final do século XIX, a demarcação desses territórios tinha uma concepção “gerencial” – a preocupação era de manter os recursos naturais, que equivaliam à riqueza. A partir do final do século XIX, passa-se a um paradigma de proteção pelo valor estético e simbólico. Na Europa, a Revolução Industrial e o processo de urbanização acarretam um aumento da demanda social por espaços de lazer ao ar livre. Também nos campos, o aumento das práticas intensivas de agricultura levanta discussões dos chamados “naturalistas” pela proteção do valor estético das paisagens. Paralelamente, nos Estados Unidos recém independentes, surge a noção de proteger os espaços ainda originais em oposição à devastação colonial; emerge a concepção de “wilderness” – a preservação de uma natureza selvagem, supostamente intocada. Em 1872, a criação do Parque Nacional de Yellowstone inaugura o sistema de proteção norte-americano, baseado na noção preservacionista de áreas em que o homem é somente um visitante, garantindo a proteção dos cenários originais. As fundamentações dessa concepção são levantadas por Diegues (1996), que também aborda as críticas que o modelo sofreu pela sua exportação para diversos países do mundo. Essas críticas giram em torno, essencialmente, do modelo “preservacionista” no qual se baseou o sistema de proteção norte-americano, em detrimento do modelo 2

O conceito de “proteção da natureza” é definido por Medeiros (2003) como o conjunto de “estratégias e práticas voltadas para a manutenção e gestão dos recursos bióticos e abióticos (...) de uma dada região” (Medeiros, 2003: pp 17-18). 6

“conservacionista”. A noção preservacionista coloca o homem como um destruidor da natureza, sendo a criação de áreas protegidas isoladas da ação humana a única estratégia possível para proteção da “wilderness”. Já o conservacionismo defende um uso racional e responsável dos recursos nas áreas protegidas, numa visão, portanto, que aproxima mais o homem da natureza. Dessa forma, a exportação do modelo preservacionista norte-americano para o Terceiro Mundo não é vista como compatível com a realidade desses países, na medida em que há uma incidência muito maior de população em áreas protegidas, além da necessidade de utilização dos recursos naturais por essas populações (Diegues, 1996; Medeiros, 2003). É somente na segunda metade do século XX, entretanto, que o paradigma da proteção da natureza passa a incorporar a proteção para “gerações futuras” – destacando um possível esgotamento dos recursos naturais. É nesse contexto, então, que a questão ambiental ganha dimensões globais, sendo incorporada às agendas políticas internacionais. Albagli (1998) aponta que essa situação advém, primeiramente, do aumento da pressão sobre os recursos a partir da expansão econômica do pós-2ª Guerra Mundial. Medeiros (2003), por sua vez, destaca duas causas principais: em primeiro lugar, o desenvolvimento científico e tecnológico (especialmente do ramo da biotecnologia) exige uma valorização da proteção da diversidade de espécies para que se garantam novas formas de exploração dos recursos naturais; em segundo lugar, há uma pressão maior por parte dos movimentos ambientais, promovendo a conscientização sobre os riscos à natureza oferecidos pelo intenso desenvolvimento industrial. Castro Júnior et al.(2009) destacam ainda que, nos anos 1980, essa preocupação se intensifica a partir de uma ampliação dos conhecimentos científicos sobre a elevação das taxas de extinção de espécies. Os conceitos que passam a nortear as discussões relativas à questão ambiental são objeto de diversos debates internacionais que tinham por objetivo a criação de mecanismos e instrumentos de cooperação que visassem à proteção da natureza (Medeiros, 2003). Diegues (1996) nos traz um levantamento desses eventos, destacando a evolução que ocorreu na discussão de conceitos relativos a áreas protegidas desde a 1ª Conferência Mundial sobre Parques Nacionais em 1962. Albagli (1998) considera como um primeiro marco nesse processo a Conferência de Estocolmo de 1972, onde se reconhece o caráter global e científico da questão. Porém, é somente na Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), realizada em 1992 no Rio de Janeiro, que se 7

discute uma alteração dos modelos de desenvolvimento como estratégia primordial para as

iniciativas

de

proteção

da

natureza:

consagra-se,

assim,

a

expressão

“desenvolvimento sustentável”.3 Discute-se, especialmente, a questão da utilização sustentável dos recursos e de uma repartição mais equitativa dos seus benefícios – principalmente por meio da transferência de tecnologias entre os países que provém os recursos (geralmente os países do Sul) e aqueles que os utilizam (por meio, principalmente, de laboratórios e empresas do Norte). Bayliss-Smith e Owens (1996), ao abordarem as diferentes visões existentes dentro do movimento ambientalista, destacam que o conceito de desenvolvimento sustentável contribuiu para diminuir a dicotomia existente entre as noções de crescimento econômico e proteção do meio ambiente, mas que ainda preserva uma visão utilitarista da natureza. O documento assinado pelos países participantes nessa Convenção define também o conceito de “biodiversidade”, que vai figurar dentre os debates ambientais tanto de um ponto de vista ecológico (pelo aumento da percepção da importância de se preservarem as diferentes formas de vida) quanto pelo ponto de vista da diversidade como “recurso” (aplicações industriais principalmente no ramo da biotecnologia) (Albagli, 1998). Em seu Artigo 2º, fica definido que: “Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas”.

A partir desse conceito, então, admite-se que uma área “biodiversa” conta com diferentes populações (tipos diversos de uma espécie vegetal ou animal, por exemplo), ou diversas espécies ou ainda uma diversidade de ecossistemas (Albagli, 1998). Dessa forma, a biodiversidade amplia as possibilidades de existência de diferentes recursos biológicos e genéticos – definidos pela CDB como: “Recursos biológicos compreende recursos genéticos, organismos ou partes destes, populações, ou qualquer outro componente biótico de ecossistemas, de real 3

A discussão das distintas visões sobre esse conceito, cuja definição ainda não é consensual, é feita por Albagli (1998). O documento assinado na CDB, por sua vez, traz a definição de “utilização sustentável” como “a utilização de componentes da diversidade biológica de modo e em ritmo tais que não levem, no longo prazo, à diminuição da diversidade biológica, mantendo assim seu potencial para atender as necessidades e aspirações das gerações presentes e futuras”. 8

ou potencial utilidade ou valor para a humanidade” e “Recursos genéticos significa material genético de valor real ou potencial”.

Ou seja, ao tratarmos da biodiversidade de uma área ou região, entendemos que ela dispõe de diversos recursos biológicos e/ou genéticos (os organismos ou seu material genético) com potencial utilização pelo ser humano. A biotecnologia (definida pela CDB como “qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica”) vem ratificar esse papel da natureza como fonte de diversos recursos na medida em que é o ramo da ciência que utiliza esse potencial biológico e genético para aplicá-lo na agricultura (desenvolvimento de sementes adaptadas, pesticidas) ou até na indústria de medicamentos. É justamente esse aumento da percepção da importância econômica da biodiversidade que vai levá-la a um campo geopolítico, em que surge a necessidade de cooperações internacionais para protegê-la e emergem as questões relativas aos interesses diversos nesse processo (Albagli, 1998). Diante desse cenário mostra-se a importância e emergência da questão da proteção dessas áreas específicas e é nesse sentido que se insere a temática da criação e gestão das Unidades de Conservação. A Convenção sobre Diversidade Biológica classifica a “conservação in situ” como uma das estratégicas de proteção da natureza e a define como “conservação de ecossistemas e hábitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características”.

Nesse mesmo artigo, é acordado que os países signatários estabeleçam um sistema nacional de áreas protegidas. Nesse assunto, foi significativa a contribuição da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Essa organização, fundada em 1948, é atualmente parceira da ONU e tem como foco as questões protecionistas, sendo constituída de uma rede de associados (dentre Estados, instituições governamentais e organizações não governamentais). Em seu documento “Guideline for Protected Areas Management Categories” (1994) foi elaborado um sistema de categorias de áreas protegidas para servir de referência para criação de outros sistemas nacionais, visando buscar uma certa “padronização” internacional para facilitar a 9

cooperação entre os Estados e organizações nas questões protecionistas (Steiman, 2008). Esse movimento em direção à sistematização internacional da criação de áreas protegidas também influenciará a questão ambiental no Brasil.

1.2 A questão ambiental e a criação de áreas protegidas no Brasil

Apesar de a própria Convenção sobre Diversidade Biológica ter sido realizada no Rio de Janeiro, até os anos 2000 o Brasil não tinha um sistema nacional de áreas protegidas. Diegues (1996) e Medeiros (2003; 2006) nos mostram que somente no século XIX é que tem início no País algum debate sobre a questão da proteção da natureza. Apesar de desde a época colonial ter havido decretos da Coroa Portuguesa contra a exploração florestal desregulamentada, essas iniciativas visavam proteger especificamente os recursos madeireiros e hídricos, sem delimitar áreas específicas – já que a preocupação era quanto à manutenção da sua utilização econômica. Os nomes de José Bonifácio e André Rebouças se destacam por inaugurarem, nas primeiras décadas do século XIX, debates sobre a questão dos desmatamentos. Parte de Rebouças, inclusive, a primeira proposta de criação de um Parque Nacional – influenciado pelo movimento norte-americano. Entretanto, a conjuntura político-econômica do País até o fim da 1ª República, em que figuravam os objetivos da “expansão econômica”, não permitiu que se sobressaísse o interesse em reservar áreas para a proteção da natureza (Araujo, 2007). É o século XX, portanto, que vai dar espaço ao crescimento do pensamento conservacionista no Brasil, no momento em que o nacionalismo é incorporado ao pensamento político e cientistas e intelectuais ampliam o debate relacionado à preservação do patrimônio cultural e natural do país. No âmbito governamental, já se registram iniciativas para que passe ao Estado a responsabilidade de proteção dos recursos hídricos e florestais (Araujo, 2007). É com a Constituição de 1934, porém, que se institucionaliza o encargo do Governo na proteção do patrimônio natural; o Código Florestal, por sua vez, declara as florestas como um bem comum dos brasileiros e define os Parques como “monumentos publicos naturaes, que perpetuam em sua composição floristica primitiva, trechos do paiz, que, por circumstancias peculiares, o merecem”. 10

Assim, cria-se a base legal para a criação das primeiras áreas protegidas: em 1937 é inaugurado o Parque Nacional do Itatiaia e em 1939 os Parques Nacionais de Foz do Iguaçu e da Serra dos Órgãos. Araujo (2007) e Medeiros (2006) trazem um levantamento do histórico das implementações de áreas protegidas nos anos seguintes, mostrando as diversas leis que foram dando origem às categorias e tipologias dessas áreas. O esforço para uma sistematização dessas leis vem somente no final da década de 1970, em um momento em que o assunto era amplamente debatido nas convenções internacionais. Assim, a primeira tentativa de organização de um sistema nacional de áreas protegidas data de 1979, quando é lançada a primeira etapa do Plano do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, objetivando realizar um inventário com as potenciais áreas para criação de unidades, bem como rever as categorias já criadas. Em 1992, como consequência dos estudos previstos pelo Plano, é encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei para criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). A publicação da Lei nº 9985, entretanto, só é concretizada nos anos 2000, depois da realização de amplos debates a respeito de seu texto: na entrada do século XXI, já repercutiam no Brasil os embates entre a corrente mais tradicional que defende a criação de áreas protegidas sem intervenção antrópica e com um controle estrito pelo Estado e aqueles que passam a defender um novo paradigma “socioambiental” – em que há a meta de conciliação dos objetivos de conservação com a presença das comunidades locais e uma maior participação da sociedade nos processos de criação das áreas de proteção (Araujo, 2007). O SNUC passou a normatizar a criação, implementação e gestão das Unidades. Em seu artigo 2º, a Lei do SNUC conceitua as Unidades de Conservação como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.

Steiman (2008) ressalta que, no Brasil, a partir do Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (Decreto nº 5.758, de 13 de abril de 2006), utiliza-se o termo “áreas protegidas” para englobar tanto as Unidades de Conservação quanto os territórios indígenas e as comunidades quilombolas. Nesse trabalho, entretanto, utilizamos o termo 11

“áreas protegidas” para nos referir aos diferentes sistemas de proteção da natureza adotados pelos países, seguindo a conceituação da IUCN de 1994. Os objetivos do Sistema são explicitados no Capítulo II da Lei nº 9.985/20004, tratando também das diretrizes de seu funcionamento e dos órgãos responsáveis pelo processo. Estabeleceu-se que as Unidades de Conservação brasileiras poderiam ser dos âmbitos federal, estadual ou municipal e seriam divididas em categorias de dois grupos – Proteção Integral e Uso Sustentável. As primeiras têm por objetivo básico “preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei” e as outras, “compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais”. O Capítulo III da Lei dá conta dessas categorizações, tratando das definições, funções e regulamentações específicas de cada categoria. No Capítulo IV, são estabelecidas as normas e diretrizes de gestão das UCs, tratando das especificidades de cada categoria: em quais pode haver uso sustentável dos recursos, onde pode haver presença de moradores, onde pode/deve ser implementada uma zona de amortecimento, onde deve ser implementado um Plano de Manejo. Os demais capítulos ainda tratarão das penalidades e enquadramentos de crimes ambientais e da categorização de “Reservas de Biosfera”. O quadro a seguir, elaborado pelo Instituto Socioambiental, informa as categorias do SNUC divididas pelos Grupos, comparando suas diretrizes. Nos quadros são destacados os principais objetivos de cada categoria, além da conservação por si. O processo de criação de todas as categorias parte do governo, com exceção das RESEX, em que a iniciativa vem da comunidade, e das RPPNs, cuja criação parte do proprietário da terra. Sobre a posse das terras de uma UC, observa-se que em algumas categorias é possível que elas sejam privadas ou ainda públicas com concessão para utilização de uma comunidade; somente no caso das RPPNs a posse é sempre privada (já que essa categoria refere-se justamente a áreas privadas destinadas à conservação). Assim, o processo de regularização fundiária de uma UC inclui desapropriações quando trata-se de categorias que exigem a posse da União. Em relação à presença de moradores, mesmo nos MONAT e nos RVS (categorias do grupo de Proteção Integral) é permitida a ocupação. No caso das UCs de 4

A Lei 9985/2000 segue anexa ao trabalho para consulta detalhada. 12

Uso Sustentável, todas as categorias são compatíveis com a presença humana, sendo que nas Florestas, RESEX e RDS essa ocupação é restrita a populações tradicionais. O conselho gestor de uma UC pode ser de dois tipos: consultivo ou deliberativo. No caso das Unidades de Proteção Integral, todas as categorias devem contar com Conselhos Consultivos. Já as de Uso Sustentável somente nas Florestas o Conselho deve ser consultivo; nas RESEX e nas RDS o Conselho deve ser deliberativo; e nas demais não há restrição quanto ao tipo de Conselho. Nas RPPN não há obrigatoriedade de existência de Conselho Gestor. Já o Plano de Manejo é obrigatório em todas as categorias de ambos os grupos.

13

PROTEÇÃO INTEGRAL Quadro 1.1 - Comparação entre as diretrizes das UCs de Proteção Integral ESTAÇÃO ECOLÓGICA (ESEC)

RESERVA BIOLÓGICA (REBIO)

PARQUE NACIONAL

MONUMENTO NATURAL (MONAT)

REFÚGIO DA VIDA SILVESTRE (RVS)

Objetivos principais além da conservação

pesquisa

pesquisa e educação

pesquisa e educação

conservação especialmente de beleza cênica, pesquisa e educação

pesquisa e educação

Processo de criação normalmente iniciado por

governo

governo

governo

governo

governo

Posse de terras

pública

pública

pública

pública e privada

pública e privada

Compatível com presença de moradores?

não

não

não

sim

sim

Processo de regularização inclui desapropriações de terra?

sim

sim

sim

não obrigatoriamente, apenas se o uso privado não for considerado compatível com o propósito da UC

não obrigatoriamente, apenas se o uso privado não for considerado compatível com o propósito da UC

Conselho Gestor

consultivo

consultivo

consultivo

consultivo

consultivo

Mineração permitida?

não

não

não

não

não

Instrumentos de gestão ordinários

plano de manejo, aprovado e publicado pelo órgão gestor

plano de manejo, aprovado e publicado pelo órgão gestor

plano de manejo, aprovado e publicado pelo órgão gestor

plano de manejo, aprovado e publicado pelo órgão gestor

plano de manejo, aprovado e publicado pelo órgão gestor

Realização de Pesquisas

depende de aprovação prévia do órgão gestor

depende de aprovação prévia do órgão gestor

depende de aprovação prévia do órgão gestor

depende de aprovação prévia do órgão gestor

depende de aprovação prévia do órgão gestor

Fonte: Instituto Socioambiental. Disponível em http://uc.socioambiental.org/o-snuc/quadro-comparativo-das-categorias.

20

USO SUSTENTÁVEL Quadro 1.2 - Comparação entre as diretrizes das UCs de Uso Sustentável

RESERVA DE FAUNA

ÁREA DE RELEVANTE INTERESSE ECOLÓGICO (ARIE)

ÁREA PROTEÇÃO AMBIENTAL (APA)

RESERVA PRIVADA DE PATRIMÔNIO NATURAL (RPPN)

proteção dos meios de vida e cultura da comunidade tradicional e uso sustentável dos recursos

pesquisas técnicocientíficas sobre manejo das espécies

conservaçao de relevância regional, normalmente áreas com baixa ocupação humana

ordenamento territorial, normalmente áreas com ocupação humana consolidada

pesquisa, educação e ecoturismo

comunidade

governo

governo

governo

governo

proprietário

Posse de terras

pública com concessão de real de uso para a comunidade

pública com concessão de real de uso para a comunidade

pública com concessão de real de uso para a comunidade e privada

pública

pública e privada

pública e privada

privada

Compatível com presença de moradores?

sim, populações tradicionais

sim, populações tradicionais

sim, populações tradicionais

sim

sim

sim

sim

sim

não obrigatoriamente, apenas se o uso privado não for considerado compatível com o propósito da UC

não obrigatoriamente, apenas se o uso privado não for considerado compatível com o propósito da UC

não

FLORESTA

RESERVA EXTRATIVISTA (RESEX)

RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (RDS)

Objetivos principais além da conservação

pesquisa e produção de madeireiros e não madeireiros de espécies nativas

proteção dos meios de vida e cultura da comunidade tradicional e uso sustentável dos recursos

Processo de criação normalmente iniciado por

governo

Processo de regularização inclui desapropriações de terra?

sim

sim

não obrigatoriamente, apenas se o uso privado não for considerado compatível com o propósito da UC

21

não há restrições, usualmente consultivo

não há restrições, usualmente consultivo

não há, mas em caso de serem localizadas em mosaico de áreas protegidas, o proprietário tem direito a uma cadeira no Conselho do mesmo

Conselho Gestor

consultivo

deliberativo

deliberativo

não há restrições, usualmente consultivo

Mineração permitida?

sim

não

sim

-

-

-

não

Instrumentos de gestão ordinários

plano de manejo, aprovado pelo conselho e pelo órgão gestor, plano de uso e contrato de concessão florestal

plano de manejo, aprovado pelo conselho e pelo órgão gestor e plano de uso

plano de manejo, aprovado pelo conselho e pelo órgão gestor e plano de uso

plano de manejo, aprovado e publicado pelo órgão gestor

plano de manejo, aprovado e publicado pelo órgão gestor

plano de manejo, aprovado e publicado pelo órgão gestor

plano de manejo, aprovado e publicado pelo órgão gestor

Realização de Pesquisas

depende de aprovação prévia do órgão gestor

depende de aprovação prévia do órgão gestor

depende de aprovação prévia do órgão gestor

depende de aprovação prévia do órgão gestor

depende de aprovação prévia do órgão gestor

-

Fonte: Instituto Socioambiental. Disponível em http://uc.socioambiental.org/o-snuc/quadro-comparativo-das-categorias.

22

A Lei do SNUC permitiu da regulamentação do processo de criação e gestão de áreas protegidas no país. Apesar disso, suas diretrizes não são consensuais, sendo alvo de críticas que fogem do escopo do presente trabalho. Por outro lado, parece ser consensual que a existência da lei não garantiu o cumprimento efetivo dos objetivos que propõe. Apontar essas lacunas entre o proposto pelo SNUC e a realidade das Unidades de Conservação, portanto, faz parte dos objetivos secundários desse trabalho dentro do recorte da região da Faixa de Fronteira brasileira.

23

2. PANORAMA DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA FAIXA DE FRONTEIRA BRASILEIRA

2.1 Distribuição espacial e aspectos físico-naturais

As 203 unidades de conservação que incidem nos municípios da Faixa de Fronteira representam cerca de 10% do universo de unidades de conservação do Brasil.5 Essas UCs foram representadas no mapa 2.1 a seguir. O mapa também representa os três grandes arcos da fronteira, uma regionalização proposta pelo Grupo Retis para o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira do Ministério da Integração Nacional (BRASIL, 2005). Segundo essa proposta, o Arco Norte compreende os estados Amapá, Roraima, Pará, Amazonas e Acre; o Arco Central inclui Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul; e o Arco Sul compreende Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Uma das primeiras informações que se pode depreender do mapa diz respeito ao tamanho das unidades de conservação, que são bem maiores no Arco Norte do que nos outros arcos, com exceção do estado de Rondônia. Tal discrepância levou à necessidade de representar de maneira aproximada as unidades de conservação de área inferior a 10.000 hectares. Adicionalmente, nove UCs não foram representadas no mapa pela indisponibilidade dos seus limites espaciais nas bases de dados pesquisadas (ARIE Buriti, Parques Estaduais de Palmas e Rio Guarani, Parque Municipal de Porto Velho e as RPPNs Fazenda São Pedro Da Barra, Reserva Mani, Sesc Tepequém, Tupaquiri e Estância Santa Izabel Do Butuí). O mapa também permite observar uma distribuição desigual das UCs pela região, muito mais numerosas nos Arcos Norte e Central. Conforme ilustrado pelo quadro 2.1, do universo de 203 UCs, 84 estão no Arco Norte (cerca de 41% delas), 81 no Central (cerca de 40 %) e 38 no Sul (18,6%). Já em relação à área total das unidades, a predominância do Arco Norte é ainda mais é evidente pois 89,7% da área total das unidades da Faixa de Fronteira estão nesse arco.

5

Cabe ressaltar que a Estação Ecológica Iquê (que abrange o município de Juína (MT) tem uma parcela muito pequena de sua área na Faixa de Fronteira e, não estando conectada a outras UCs por nenhum corredor de biodiversidade, não consideramos que sua dinâmica se inclua no conjunto de UCs dessa região. 24

Mapa 2.1 – Unidades de Conservação por Arcos da Faixa de Fronteira (2014)

25

Quadro 2.1 – Número e área total das UCs por Arcos da Faixa de Fronteira

ARCO Norte Central Sul Total

NÚMERO DE UCs

ÁREA TOTAL DAS UCs (em hectares)

84 81 38 203

65374337,87 6662797,66 817203,15 72854338,67

41,4% 39,9% 18,7% 100,0%

89,7% 9,1% 1,1% 100%

Fonte de dados: ISA, MMA, ICMBio, CNUC. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014.

Já analisando a distribuição das Unidades a partir dos biomas que figuram na Faixa de Fronteira, percebemos que a Amazônia é protegida por mais da metade das UCs (117, ou 57,6% do total), enquanto a outra metade abrange Unidades no Cerrado, Pantanal, Pampa e Mata Atlântica (Quadro 2.2 e Gráfico 2.1). Em relação à área, vemos que mais de 96% do total abrange o bioma amazônico.

Quadro 2.2 – Número e área total das UCs por Biomas na Faixa de Fronteira

BIOMA Amazônia Cerrado Pantanal Mata Atlântica Pampa Total

NÚMERO DE UCs 117 16 22 33 15 203

57,6% 7,9% 10,8% 16,3% 7,4% 100%

ÁREA TOTAL DAS UCs (em hectares) 70194625,49 132834,8687 687864,77 1395388,756 443624,79 72854338,67

96,3% 0,2% 0,9% 1,9% 0,6% 100%

Fonte de dados: ISA, MMA, ICMBio, CNUC Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

26

Gráfico 2.1 – Proporção de UCs por Biomas na Faixa de Fronteira (%)

Pampa 8% Mata Atlântica 16% Pantanal 11%

Amazônia 57%

Cerrado 8%

Fonte de dados: ISA, MMA, ICMBio. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

27

Mapa 2.2 – Unidades de Conservação por Biomas na Faixa de Fronteira (2014)

28

Essa distribuição desigual reflete em parte a maior preservação da Região Amazônica em relação ao resto do país, área que hoje representa ainda a fronteira de expansão econômica brasileira. Nesse sentido, cabe ressaltar o caráter polêmico da implementação dessas áreas de proteção, já que envolvem o confronto de interesses distintos entre os agentes envolvidos. Por um lado, há uma preocupação da criação das Unidades de Conservação com o princípio primeiro da preservação desse ecossistema que vem sendo ameaçado pelo avanço do agronegócio do Centro-Oeste. Em escalas mais locais, porém, as unidades são com frequência vistas como empecilho para os governos municipais e populações que se beneficiam dos setores de extração dos recursos da floresta. Há, ainda, os interesses das populações tradicionais e indígenas, que muitas vezes não vão ao encontro da implantação dessas áreas de proteção. A menor participação das unidades do Arco Sul, por sua vez, pode ser justificada pelos maiores índices de urbanização e desmatamento da região, que já suprimiram a maior parte da vegetação original. É relevante também que se realizem análises do percentual protegido pelas UCs em relação à fitofisionomia e às bacias hidrográficas que elas abrangem, além do pertencimento a Corredores de Biodiversidade. Essas variáveis foram incluídas no banco de dados, porém as bases consultadas não apresentavam essas informações para a totalidade das UCs na Faixa de Fronteira. As referidas análises exigiriam o esforço de busca e consulta a outras bases, o que não foi possível nos limites desse trabalho.

2.2 Aspectos institucionais: efetividade de gestão e manejo

Na dimensão institucional, a matriz foi dividida entre as variáveis referentes à “legislação” e à “implementação e gestão”. No primeiro tema, as variáveis analisadas incluem a categoria e o grupo do SNUC a que pertence a unidade, além da sua data de criação. Já em “implementação e gestão”, foram analisadas variáveis relativas à esfera de gestão das UCs, à existência de Plano de Manejo e Conselho Gestor, além da situação fundiária.

29

2.2.1 Aspectos institucionais – Legislação

Dentre as 203 unidades de conservação, aparecem 11 categorias das 12 propostas pelo SNUC (somente a Reserva de Fauna não figura na Faixa de Fronteira). Em maior número, estão as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), seguidas dos Parques e das Florestas (Gráfico 2.2).

Gráfico 2.2 –UCs da Faixa de Fronteira por categoria do SNUC (Nº) 60

Número de Unidades

50

56

40 40 30 30 20 10

24 15

14

11

5

5

2

1

0

Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Entretanto, quando analisamos a área média de cada categoria, observamos que as Florestas são as unidades de maior área, seguidas das Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e dos Parques (Gráfico 2.3). As RPPNs, apesar de figurarem em maior número na Faixa de Fronteira, são unidades de tamanho médio menor que quase todas as demais categorias (maiores somente que os Monumentos Naturais – MONAT). Sua predominância justifica-se pelo fato de serem unidades de domínio privado, cuja criação é feita a partir da solicitação do proprietário de transformar a sua propriedade em uma RPPN. Dessa forma, o grande número deve-se ao fato de o processo de criação/implementação ser mais simples, não dependendo de iniciativa governamental;

30

e as menores áreas devem-se ao fato de serem propriedades privadas e não de posse da União6.

Gráfico 2.3 – Área média das UCs da Faixa de Fronteira por categoria do SNUC (ha)

146,02

5.530,37

9.129,96

200.000,00

16.582,00

400.000,00

254.357,34

600.000,00

400.110,27

800.000,00

222.243,38

1.000.000,00

585.279,67

1.200.000,00

1.061.007,90

1.400.000,00

1.472.702,60

Área média das UCs (em ha)

1.600.000,00

1.649.477,91

1.800.000,00

-

Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Em relação aos dois grupos segundo os quais se dividem as categorias do SNUC, observamos que na Faixa de Fronteira há uma predominância das UCs de Uso Sustentável, que abrangem 65% do número total de unidades de conservação (Gráfico 2.4).

6

O processo de criação de RPPNs é regulamentado pelo Decreto nº 5.746, de 5 de abril de 2006. 31

Gráfico 2.4 - Proporção de UCs da Faixa de Fronteira por Grupos (%)

Proteção Integral 35%

Uso Sustentável 65%

Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Esse padrão ocorre também nos Arcos Norte e Central, se considerados isoladamente, mas não se repete no Arco Sul, onde os Parques, as Reservas Biológicas (REBIO) e as Estações Ecológicas (ESEC) superam com pequena vantagem o número de Unidades de Proteção Integral (Gráfico 2.5). No Arco Central, as Reservas Particulares de Patrimônio Natural são as responsáveis pela quantidade expressiva de Unidades de Uso Sustentável, o que reflete a importância da propriedade privada nessa região do país.

Gráfico 2.5 –UCs por Grupo segundo Arcos da Faixa de Fronteira (Nº) 70

Número de Unidades

60 50

58

55

40

Uso Sustentável

30 20

Proteção Integral 26

26

18 20

10 0

Norte

Central

Sul Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

32

Quanto à distribuição das categorias pelos biomas, é possível observar a predominância de UCs de Uso Sustentável na Amazônia, com os maiores valores nas categorias Floresta e Reservas Extrativistas. Essas categorias dão conta de unidades destinadas à preservação das fontes de subsistência de populações tradicionais que vivem do extrativismo vegetal, cuja ocorrência no país também está associada à Região Amazônica (Gráfico 2.6 e Quadro 2.3). Já a superioridade numérica de RPPNs no Cerrado e no Pantanal coincide com a análise feita anteriormente em relação à expressividade da propriedade privada no Arco Central da Faixa de Fronteira. Na Mata Atlântica, a distribuição mais equilibrada entre os dois grupos decorre, por parte das UCs de Uso Sustentável, do grande número de RPPNs e por parte da Proteção Integral, à predominância de Parques nesse bioma.

Gráfico 2.6 –UCs por Grupo segundo o Bioma na Faixa de Fronteira (Nº) 90 80 Número de Unidades

70

78

60 50 Uso Sustentável

40 30

Proteção Integral

39

20 10

17 11 6

5

15 15

10 6

0

Amazônia Cerrado

Pantanal

Mata Atlântica

Pampa

Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

33

Quadro 2.3 – UCs por Bioma na Faixa de Fronteira segundo Categoria e Grupo (nº)

Categoria

Grupo

Amazônia

Cerrado

Parque ESEC REBIO MONAT RVS RPPN Floresta RESEX APA ARIE RDS

PI PI PI PI PI US US US US US US

20 11 8 0 0 10 29 24 7 3 5

2 2 0 2 0 10 0 0 1 0 0

Pantanal Mata Atlântica 4 1 0 0 0 17 0 0 0 0 0

11 1 3 0 0 12 1 0 1 1 0

Pampa 1 1 3 0 1 7 0 0 2 1 0

Fonte de dados: CNUC Organização: Letícia N. Vimeney, 2014.

Em relação à situação geográfica das UCs na Faixa de Fronteira, somente 31 se localizam na linha fronteiriça, ou seja, UCs adjacentes ao limite político internacional. Analisando a distribuição dos grupos de acordo com essa posição, percebemos que nas UCs localizadas na linha há um equilíbrio maior entre os grupos. Sobre esse dado, levanta-se a hipótese de que haja uma preocupação governamental maior com a criação de UCs de Proteção Integral na linha de fronteira, já que unidades desse grupo apresentam uma restrição maior à utilização direta dos recursos e, portanto, garantiriam maior “segurança” na proteção desses recursos frente aos países fronteiriços e frentes pioneiras internas (Gráfico 2.7).

34

Gráfico 2.7 –UCs por Grupo segundo situação geográfica na Faixa de Fronteira (Nº) 140 120

116

Número de UCs

100 80 60

Uso Sustentável

57

Proteção Integral

40 15

20

16

0 Faixa de Fronteira

Linha de Fronteira Fonte de dados: CNUC, MMA, ISA, ICMBio. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014.

Outra vertente analisada foi o período de criação das UCs na região da Faixa de Fronteira. É possível estabelecer relações entre os períodos de criação e os períodos de governo federal em que as unidades foram criadas (Gráfico 2.8). Os governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) foram os que mais criaram Unidades de Conservação, o que em parte se atribui à influência da assinatura da Convenção sobre Diversidade Biológica, realizada durante a Eco-92, no Rio de Janeiro. Um dos artigos da CDB trata justamente da necessidade das partes de estabelecerem um sistema de áreas protegidas. Dessa forma, com a Lei do SNUC nos anos 2000 também há um incremento no número de UCs criadas. Cabe destacar o retrocesso no processo de criação de Unidades no governo de Dilma Rousseff, que até o momento em que se encerrou o levantamento de dados nesse trabalho (junho/2014) somente havia criado uma unidade na Faixa de Fronteira e três no território brasileiro. Além disso, o governo Dilma Rousseff também se destacou negativamente pela redução da área sob proteção, variável que se inclui no próximo dado analisado.

35

Gráfico 2.8i - UCs por Grupo segundo período de criação (Nº) 90 80 16

70 Número de UCs

60

61

50

17

40 30 20

Uso Sustentável 24

10 0

Proteção Integral

40

2

10 6 10

17

1

Fonte de dados: CNUC, ISA. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

A última variável analisada dessa dimensão e que concerne à alteração de limites ou de categorias que as UCs sofreram desde que foram criadas. Foram levantadas 31 ocorrências, classificadas como apresentado no Gráfico 2.9. A “recategorizaçãoaumento de restrição” significa que a UC sofreu mudança de categoria com menos restrições de uso dos recursos naturais para categoria com mais restrições. A UC em questão foi o Parque Estadual Cabeça do Cachorro, que passou de uma Área de Relevante Interesse Ecológico (categoria do grupo Uso Sustentável) para Parque (categoria do grupo de Proteção Integral). De maneira inversa, a recategorização representa desregulação através da alteração da categoria da UC de mais restrita a menos restrita. Percebe-se que o número de unidades que passaram pela recategorização para diminuição de restrição é superior ao número de UCs que tiveram um aumento de restrição. Há também a “recategorização por adequação ao SNUC”, que se refere ao enquadramento das UCs criadas antes dos anos 2000 às categorias estabelecidas pela Lei do SNUC (Lei nº 9985/2000). De maneira similar, as propostas de ampliação ou de redução tratam de Leis ou Projetos de Lei que têm por objetivo discutir futuras alterações nos limites de uma unidade. Por fim, as classes “redução” e “ampliação” tratam de alterações já ocorridas no tamanho das UCs.

36

A existência de Unidades de Conservação na Faixa de Fronteira do País é vista por alguns atores como interdição do acesso aos recursos naturais dessa região, uma das maiores frentes de expansão econômica do país. Assim, há inúmeros casos de pressões políticas para diminuição de limites de unidades ou mesmo extinção delas, que acreditamos que se configuraram em um número maior do que foi possível levantar aqui. Entretanto, a continuidade de levantamento desses casos exige um esforço de pesquisa em bases além das que foram utilizadas nesse trabalho 7. Essa temática ainda é pouco trabalhada nos meios acadêmicos e científicos, destacando-se aí o esforço de sistematização feito por Mascia e Pailler (2010) que propuseram a sigla PADDD (Protected Areas Downsizing, Downgrading and Degazettement), referindo-se ao fenômeno

de redução, recategorização e/ou extinção de áreas protegidas. No Brasil, estudos de PADDD foram realizados por Bernard et. al. (2012), tendo sido feito um levantamento dos eventos ocorridos no Brasil no período de 1981 a 2012.

Gráfico 2.9 – Eventos de alteração de limites em UCs na Faixa de Fronteira (Nº)

Recategorização - Adequação ao SNUC

5

Recategorização - Diminuição de restrição

5

Proposta de redução

3

Redução

8

Recategorização - Aumento de restrição

1

Proposta de ampliação

1

Ampliação

8 0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

Nº de eventos Fonte de dados: CNUC, ISA. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

7

Esse tema será abordado nos próximos anos durante a realização de mestrado pela autora no PPGG/UFRJ. 37

2.2.2 Aspectos institucionais – Implementação e Gestão

Um dos aspectos primordiais para a efetividade das unidades de conservação diz respeito à gestão das unidades. No Brasil, há UCs geridas pelas esferas federais, estaduais e municipais ‒ geralmente a instância responsável pela criação, além da gestão privada, que é realizada pelos proprietários das RPPNs. Na Faixa de Fronteira, região considerada estratégica para a segurança nacional, não surpreende o fato de metade das unidades serem geridas pela esfera federal (Gráfico 2.10). Por outro lado, a proporção de unidades de conservação geridas pelos municípios é mínima (3%), A pequena expressividade da esfera municipal pode em parte ser explicada pelo fato de que muitas áreas protegidas, geridas pelo poder municipal, não se enquadraram na legislação do SNUC e, portanto, não fizeram seu registro no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação. Houve, no entanto, um esforço nesse trabalho em levantar essas unidades através de consulta à bibliografia e a mídias locais, tais como blogs, sites de instituições e dos órgãos municipais, jornais. Se considerada a área total das unidades de conservação, a participação municipal é ainda menos expressiva (0,01%) frente às outras esferas. Sob gestão federal, estão 54% das unidades e estadual, 45%. Um dado interessante é que a área média das UCs criadas pelos governos estaduais é bem maior à área média das UCs criadas por governos federais. Isso tem a ver por um lado com as categorias das UCs criadas por ambos e por outro lado com a participação das enormes UCs criadas pelo governo do Pará na calha norte do rio Amazonas (Quadro 2.4).

38

Gráfico 2.10 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira por Esfera de Gestão (%)

Municipal 3%

Estadual 40%

Federal 57%

Fonte de dados: CNUC. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Quadro 2.4 – Área média e área total das UCs da Faixa de Fronteira por esfera de gestão

Esfera

Área média das UCs (em ha)

Federal Estadual Municipal Total

315.803,98 408.100,69 999,57 724.904,23

Área total das UCs (em ha) 39.791.186,18 33.056.155,5 6.996,96 72.854.338,67

54,62% 45,37% 0,01% 100%

Fonte de dados: CNUC Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Já em relação à existência de instrumentos de gestão, percebe-se que mais de 70% das Unidades não conta com Plano de Manejo – padrão que se repete em todos os Arcos (Gráfico 2.11). Esse dado torna-se bastante relevante quando lembramos que a Lei 9.985 estabelece a obrigatoriedade de um Plano de Manejo para todas as Unidades (Capítulo IV, artigo 27). O Plano de Manejo deve apresentar todas as normas referentes à gestão, administração e utilização tanto dos limites internos da área protegida quanto de sua zona de amortecimento. No Plano são estabelecidas tanto as ações de manejo referentes aos recursos naturais quanto à necessidade de infraestrutura física (instalações, número de funcionários, acessos à Unidade). Assim, conclui-se que a ausência do Plano de Manejo dificulta ou mesmo impede a efetividade das ações relativas à gestão da unidade.

39

Gráfico 2.11 - Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Plano de Manejo por Arcos (%) 90% 80% 79%

Percentual de UCs

70% 70%

60%

65%

63%

50%

Sim

40%

Não

30% 20%

37%

35% 30% 21%

10% 0% Total

Norte

Central

Sul Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Em relação aos Arcos, percebe-se que o padrão de predominância da ausência do Plano repete-se em todos eles. A existência de Plano de Manejo varia pouco em relação aos grupos e às categorias de manejo das UCs (Quadro 2.5). Somente os Parques Nacionais têm mais da metade das UCs com Plano de Manejo.

Quadro 2.5 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Plano de Manejo por Grupo e Categoria (%)

Grupo

Categoria

PI

MONAT RVS RPPN APA ESEC ARIE RDS REBIO Floresta RESEX Parque

PI US

US PI US

US PI

US US PI

Plano de Manejo Sim 0% 0% 11% 18% 19% 20% 20% 38% 33% 33% 60%

Não 100% 100% 89% 82% 81% 80% 80% 69% 67% 67% 40%

Fonte de dados: CNUC Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

40

O mesmo ocorre em relação aos biomas, onde é recorrente a inexistência de planos de manejo. A pior situação é a do Pampa, onde 93% das UCs não tem plano, embora todos os biomas com exceção da Mata Atlântica também tenham mais de 70% das UCs sem Plano de Manejo. A melhor situação é da Mata Atlântica, onde pouco mais da metade das UCs tem planos. Isso se deve provavelmente à atuação incisiva de dezenas de organizações da sociedade civil nesse bioma, bem como dos órgãos ambientais. (Quadro 2.6).

Quadro 2.6 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Plano de Manejo por Bioma (%)

Bioma Pampa Cerrado Pantanal Amazônia Mata Atlântica

Plano de Manejo Sim Não 7% 93% 18% 82% 18% 82% 29% 71% 55%

45%

Fonte de dados: CNUC Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Por fim, em relação às esferas de gestão, observa-se que menos de 1/3 das UCs estaduais e federais tem Plano de Manejo contra 2/3 das UCs municipais (Quadro 2.7).

Quadro 2.7 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Plano de Manejo por Esfera de Gestão (%) Esfera

Plano de Manejo Sim

Não

Estadual

25%

75%

Federal

30%

70%

Municipal

71%

29%

Fonte de dados: CNUC Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

O Plano de Manejo deve contar com a participação da sociedade civil, visto que é a sociedade civil que vai se beneficiar da visitação e/ou da utilização da unidade e de seus serviços ambientais. A Lei do SNUC prevê que o Plano seja elaborado conjuntamente com os Conselhos Gestores da Unidade. Os Conselhos são presididos pelo chefe da Unidade e se constituem de representantes dos órgãos públicos e 41

representantes da sociedade civil, visando garantir a dita participação na regulamentação da área protegida. Apenas as Reservas de Patrimônio Privado Natural prescindem de Conselho Gestor, pois nestas a sua existência é facultativa. Na Faixa de Fronteira, 39% das UCs não implementaram Conselho Gestor (Gráfico 2.12), o que na prática significa que, nessas unidades, a sociedade civil está excluída dos processos decisórios de regulamentação e gestão das áreas, assim como indiretamente dos mecanismos de fiscalização. A análise por Arcos indica que essa proporção é mais baixa no Arco Norte e relativamente equilibrada nos demais Arcos.

Gráfico 2.12ii – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Conselho Gestor por Arcos (%) 90% 80% 77%

Percentual de UCs

70% 60% 50%

61%

59%

40% 30%

41%

39%

20%

56% 44%

Sim Não

23%

10% 0% Total

Norte

Central

Sul Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Quando consideradas as categorias, a situação é pior nos Monumentos Naturais e nas Áreas de Relevante Interesse Ecológico, nas quais a presença de Conselho Gestor é rara ou inexistente. Da mesma forma que a ocorrência de Plano de Manejo, os grupos não demonstram padrões de predominância em relação à existência ou não de Conselho Gestor (Quadro 2.8).

42

Quadro 2.8- Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Conselho Gestor por Grupo e Categoria (%)

Grupo

Categoria

US

RPPN MONAT ARIE REBIO APA Parque RDS Floresta RESEX ESEC RVS

PI US PI

US PI

US US US PI PI

Conselho Gestor Sim 0% 20% 43% 45% 55% 60% 70% 75% 81% 100%

Não 100% 80% 57% 55% 45% 40% 30% 25% 19% 0%

Fonte de dados: CNUC Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Em relação aos biomas, 75% das UCs no Pampa não contam com Conselho Gestor. Já na Mata Atlântica e na Amazônia predominam as UCs com Conselho (Quadro 2.9). No que concerne às esferas de gestão, a melhor situação é a das UCs federais, das quais 86% têm Conselho (Quadro 2.10).

Quadro 2.9 - Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Conselho Gestor por Bioma (%)

Bioma Pampa Pantanal Cerrado Mata Atlântica

Amazônia

Conselho Gestor Sim Não 25% 75% 40% 60% 43% 57% 52% 67%

48% 33%

Fonte de dados: CNUC Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

43

Quadro 2.10 - Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com Conselho Gestor por Esfera de Gestão (%) Esfera Municipal Estadual Federal

Conselho Gestor Sim

Não

0% 39% 86%

100% 61% 14%

Fonte de dados: CNUC Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Outro aspecto da dimensão institucional pesquisado foi a situação fundiária das UCs. Esse ponto é importante porque um dos fatores para a efetividade de uma UC é a regularização de suas terras (no caso de unidades em que a posse da terra deve ser pública e ainda há posses privadas dentro de seus limites, é necessário que se realize a desapropriação). Infelizmente o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação não é uma fonte fidedigna e as informações sobre a situação fundiária das UCs são escassas (Gráfico 2.13), o que comprometeu a análise e o cruzamento dessa variável com as demais.

Gráfico 2.iii –UCs da Faixa de Fronteira por situação fundiária (Nº) 140 133

Número de UCs

120 100 80 60 40 20

29 16

25

0 Não regularizado

Parcialmente regularizado

Totalmente regularizado

Não Informado/Sem dados Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

O mesmo pode ser dito sobre a variável “recursos humanos”. Os dados relativos ao número de funcionários das unidades são referentes a anos distintos. A presença de 44

funcionários dentro de uma Unidade é um dado importante para análise da efetividade da gestão, visto que há unidades que existem somente perante a Lei, posta a ausência absoluta de funcionários para conduzir sua gestão. São os denominados “parques de papel”. É o caso do Parque Nacional da Serra da Bodoquena (MS), cujo gestor informou em entrevista de campo que há apenas 3 funcionários para cobrir os 76.481 hectares da unidade. Diversos aspectos ligados à infraestrutura, propostos no CNUC, poderiam complementar a dimensão institucional: dados relativos à estrutura de transportes, comunicação, energia, saneamento básico e estruturas físicas. Uma metodologia para cruzamento de todos esses aspectos poderia ser desenvolvida, porém na medida em que a maioria das unidades não conta com esses dados, não haveria a precisão desejada na análise.

2.3 Aspectos socioambientais: pressões e ilícitos ambientais Essa dimensão se desdobra no tema “Conflitos de uso”, que abrange variáveis que apontam para conflitos gerados pelos diferentes usos da terra por diferentes atores que se incluem no processo de criação e gestão de uma unidade. A variável “população” indica a existência ou não de moradores no interior das UCs, o que constitui um indicador potencial de conflitos de uso do solo, ainda que atualmente a abordagem predominante de gestão considere compatibilizar usos distintos. É importante destacar que em relação a esse aspecto (presença de moradores no interior da UC), as normas de cada categoria diferem em relação ao grau de interdição, quer se trate de moradia ou mesmo de visitação e pesquisa – como exposto no item 1.2 desse trabalho. Mesmo no grupo de Proteção Integral, a ocupação humana é permitida nas categorias Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre. No grupo de Uso Sustentável, todas as categorias permitem a ocupação, algumas delas restringindo essa ocupação às populações tradicionais. Em tais UCs, os objetivos de conservação devem ser compatibilizados com os usos necessários à ocupação desses moradores. Quando tratamos da ocupação humana ilegal, entretanto, nos referimos àquelas categorias que não permitem a presença de moradores. Em alguns casos, as UCs sofrem a invasão de agentes interessados na extração de recursos e na agropecuária; em outros,

45

há conflitos entre populações que tradicionalmente habitavam o local e passam a ter sua ocupação proibida pela implantação posterior da unidade de conservação. Assim, dentre as 12 categorias do SNUC, as Estações Ecológicas, os Parques e as Reservas Biológicas não admitem presença de população humana em seu interior. As Florestas, as Reservas Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável admitem a presença mas somente de populações tradicionais. Assim, para a Faixa de Fronteira, no primeiro grupo mais restritivo observou-se que 15 Unidades ainda registram ocupação irregular em seu interior (Gráfico 2.14). Já dentre as Unidades que permitem a ocupação por populações tradicionais, 28 têm ocupação no interior, sendo que 5 delas têm ocupação por populações nãotradicionais (irregular) (Gráfico 2.15). Cabe destacar que em ambos os casos há uma ausência significativa de dados no Cadastro Nacional, comprometendo uma análise mais precisa dessa variável.

Gráfico 2.14 – Proporção de UCs da Faixa de Fronteira com ocupação humana irregular (UCs que não permitem presença de população) (%)

Não; 27% Sem dados; 52% Sim; 21%

Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

46

Gráfico 2.15iv - UCs da Faixa de Fronteira com ocupação humana irregular (UCs que só permitem presença de população tradicional) (Nº) 30

Número de UCs

25

27 Tradicional 23

20 15 10 5

Não-tradicional 5

5

0 Com ocupação

Sem ocupação

Sem dados Fonte de dados: CNUC

Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Em relação à variável “Visitação” é alarmante o fato de que somente 16 Unidades contem com dados registrados no CNUC. A indisponibilidade de dados para 92% das UCs impossibilita a análise dessa variável. Ainda assim, cabe aqui expor a correlação entre unidades fechadas à visitação e a situação fundiária não-regularizada, exemplificada pelo gestor do Parque Nacional da Serra da Bodoquena (MS). No caso dessa UC, cuja categoria tem como um dos principais objetivos o turismo ecológico, a impossibilidade de abertura à visitação decorre principalmente do fato de que somente 17% da unidade tem a situação fundiária regularizada. A última variável do tema “conflitos de uso” refere-se a pressões sofridas pelas Unidades de Conservação, ou seja, ocorrências que se configuram em obstáculos ao cumprimento dos objetivos de conservação. O Gráfico 2.16 traz as 28 pressões levantadas e o número de UCs em que elas foram registradas (o recorte temporal utilizado nesse levantamento cobre o período entre os anos 2000 e junho de 2014).

47

Gráfico 2.16 - Pressões sobre as UCs da Faixa de Fronteira

Desmatamento Incêndios / queimadas Caça ilegal Pesca ilegal Extração ilegal de madeira Mineração/garimpo Agropecuária ilegal Rodovia Sobreposição com TI Presença de minério Assentamento INCRA Projeto de hidrelétrica Invasão de posseiros Extrativismo ilegal Contestação da área Ocupação humana ilegal Projeto de rodovia Agropecuária no entorno Infraestrutura de energia Grilagem Captação de água/ represamento Tráfico de drogas Invasão de animais Biopirataria Estrada clandestina Uso de agrotóxicos no entorno Turismo ilegal Erosão Destruição de sítios arqueológicos Turismo predatório

40 37 29 28 27 14 13 12 11 11 10 10 10 10 6 5 5 5 4 4 3 3 3 2 2 2 1 1 1 1 0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

Nº de Unidades de Conservação Fonte de dados: ISA, WWF, notícias de mídias locais e nacionais. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014.

No Mapa 2.3 representamos espacialmente a ocorrência dessas pressões, a partir de classes que incluem a quantidade de pressões que cada UC sofreu. Com o auxílio também dos Quadros abaixo, relacionamos as UCs com ocorrência de pressões a outras variáveis.

48

Mapa 2.3 – Pressões às Unidades de Conservação na Faixa de Fronteira (2014)

49

Conforme o Quadro 2.11, em relação à distribuição dessas UCs pelos Arcos da Faixa de Fronteira, vemos que a maior parte (56% delas) ocorre no Arco Norte. De todas as UCs que se localizam no Arco Norte, quase 70% sofre pressões.

Quadro 2.11 - Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação ao Arco (%)

Arco % nas UCs com pressões % do Total da Faixa 56% 69% Norte 31% 40% Central 13% 37% Sul Fonte de dados: ISA, MMA, ICMBio, notícias locais e nacionais. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014.

Em relação aos biomas (Quadro 2.12), 79% das UCs com ocorrência de pressão estão na Amazônia. O segundo bioma com maior frequência de pressões é a Mata Atlântica, onde estão 13% de todas as UCs em que foram levantadas pressões. Também é alarmante que 70% de todas as UCs da Amazônia na Faixa de Fronteira registrem ocorrência de pressões. Por meio do Mapa 2.3, a partir da divisão das classes de número de ocorrência, podemos observar que as UCs que sofrem maior número de pressões (classes de 5 a 7 e de 8 a 11, representadas pelas cores laranja e vermelho, respectivamente) estão no bioma amazônico.

Quadro 2.12 - Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação ao Bioma (%) % nas UCs com pressões % do Total da Faixa

Bioma Amazônia Cerrado Pantanal Mata Atlântica Pampa

79% 3% 4% 13% 2%

70% 19% 18% 39% 13%

Fonte de dados: ISA, MMA, ICMBio, notícias locais e nacionais. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

A gestão federal não é garantia de segurança contra a ocorrência de pressões (Quadro 2.13). Na Faixa de Fronteira, 64% das UCs que sofrem pressões são geridas

50

pela esfera federal. Porém, se observarmos a partir do total de UCs pelas esferas na Faixa, vemos que o percentual não é muito diferente entre as UCs federais e estaduais: de todas as UCs federais, 58% delas sofrem pressões e das UCs estaduais, 46%. Assim, não podemos afirmar que as UCs geridas por uma determinada esfera são mais vulneráveis que outras. Ressalte-se que o baixo número de UCs municipais na Faixa (somente 7) torna quase irrelevante o fato de nenhuma sofrer pressões.

Quadro 2.13 – Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação à esfera de gestão (%)

Esfera de Gestão % nas UCs com pressões % do Total da Faixa 64% 58% Federal 36% 46% Estadual 0% 0% Municipal Fonte de dados: ISA, MMA, ICMBio, notícias locais e nacionais. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

O quadro 2.14 apresenta a proporção de UCs com ocorrência de pressões segundo os grupos de categorias de manejo do SNUC. Há, nos meios acadêmicos e científicos, um amplo debate que divide opiniões sobre a legitimidade das UCs de Uso Sustentável frente aos objetivos de proteção da natureza (Diegues, 1996; Medeiros, 2007) – debate esse que figurou entre as discussões no âmbito de criação do SNUC (Araujo, 2007). Como contribuição a esses debates, a realidade das unidades da Faixa de Fronteira mostra que são as de Proteção Integral as unidades que sofrem mais pressões. Dentre as UCs com ocorrência de pressões, a proporção de UCs de Proteção Integral e de Uso Sustentável é bastante equilibrada. Entretanto, ao analisarmos todas as UCs da Faixa, vemos que ocorrem pressões em 75% daquelas que pertencem ao primeiro grupo, contra 38% das UCs de Uso Sustentável. Assim, podemos concluir que na Faixa de Fronteira as unidades de Proteção Integral têm sido mais vulneráveis à ocorrência de pressões.

51

Quadro 2.14 - Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação ao Grupo (%)

Grupo % nas UCs com pressões % do Total da Faixa 52% 75% PI 48% 38% US Fonte de dados: ISA, MMA, ICMBio, notícias locais e nacionais. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Os quadros 2.15 e 2.16 relacionam a ocorrência de pressões com os instrumentos de gestão e manejo. No primeiro, observamos que a existência ou não de Conselho Gestor não parece influenciar na ocorrência de pressões, já que das UCs que sofrem pressões mais de 70% possuem Conselho; da mesma forma, do total de UCs com Conselho na Faixa, a maioria (84%) sofre pressões. Já em relação ao Plano de Manejo, 60% das UCs onde ocorrem pressões não contam com o instrumento – o que sugere a importância da gestão efetiva das unidades. Em relação ao total da Faixa, o percentual obtido é pouco representativo, na medida em que poucas UCs contam com Plano de Manejo (somente 30%, como demonstrado anteriormente por meio do Gráfico 2.11).

Quadro 2.15 - Proporção das UCs com ocorrência de pressões em relação à existência de Conselho Gestor (%)

Conselho Gestor % nas UCs com pressões % do Total da Faixa Sim Não

72%

84%

28%

50%

Fonte de dados: ISA, MMA, ICMBio, notícias locais e nacionais. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

Quadro 2.16 – Proporção de UCs com ocorrência de pressões em relação à existência de Plano de Manejo (%)

Plano de Manejo % nas UCs com pressões % do Total da Faixa Sim

40%

70%

Não

60%

43%

Fonte de dados: ISA, MMA, ICMBio, notícias locais e nacionais. Organização: Letícia N. Vimeney, 2014

O mapeamento das pressões ambientais também retornou elementos importantes para a análise. Sete pressões ambientais foram escolhidas para análise em separado por constituírem Crimes contra o Meio Ambiente (Capítulo V da Lei nº 9605/1998): caça 52

ilegal, pesca ilegal, desmatamento, incêndios/queimadas, extração ilegal de madeira, mineração/garimpo e extrativismo ilegal. É interessante notar que dessas sete, seis pressões figuram como as mais recorrentes nas UCs da Faixa de Fronteira. Também é possível agrupá-las em dois grandes grupos de pressões, uma vez que a caça ilegal e a pesca ilegal se enquadram na Lei 9.605/1998 como “Crimes contra a Fauna”; enquanto o desmatamento, os incêndios/queimadas, a extração ilegal de madeira, a mineração/garimpo e o extrativismo ilegal se enquadram como “Crimes contra a Flora”. No Mapa 2.4 estão representadas as UCs com ocorrência de Crimes contra a Fauna. Podemos perceber que essas pressões repetem o padrão geral analisado até aqui, já que há uma maior concentração dessas pressões no bioma Amazônico. Somente na Mata Atlântica e no Pampa foram levantados outros casos (em quatro UCs e em uma UC, respectivamente).

53

Mapa 2.4 - Crimes contra a Fauna nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014)

54

O mapa 2.5, por sua vez, traz a representação das UCs em que ocorreram Crimes contra a Flora, e observamos que o padrão de concentração na Amazônia se repete. Além disso, comparando esse mapa com o anterior, podemos notar que muitas unidades são afetadas pelas duas categorias de ilícitos ambientais. Nesse sentido, pode-se supor que que apresentam gestão menos efetiva ou ainda que que o registro de ocorrências pode se relacionar a uma maior evidência dessas unidades na mídia (hipótese essa que demandaria estudos em um recorte menor para comprovação). Um dos fatores que buscamos analisar de maneira mais geral foi a passagem de rodovias nas imediações dessas unidades. Do Acre até Rondônia, por exemplo, a BR-364 corta inúmeras unidades, das quais muitas sofrem Crimes contra a Fauna e a maioria sofre Crimes contra a Flora.

55

Mapa 2.5 - Crimes contra a Flora nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014)

BR-364 BR-364

56

Na medida em que esse mapa engloba cinco pressões, considerou-se relevante analisá-las separadamente. Nos mapas a seguir, buscamos relacionar a pressão “desmatamento” com os demais Crimes contra a Flora.

57

Mapa 2.6 - Desmatamento e Extrativismo vegetal ilegal nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014)

BR-364 BR-364

58

Mapa 2.7i - Desmatamento e Incêndios/Queimadas nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014)

BR-364 BR-364

59

Mapa 2.8– Desmatamento e Mineração/Garimpo nas Unidades de Conservação da Faixa de Fronteira (2014)

BR-364 BR-364

60

A partir dos três últimos mapas, observamos que o desmatamento tem maior relação com a ocorrência de extrativismo ilegal e de incêndios/queimadas, enquanto que há uma dissociação maior quando o analisamos junto à mineração/garimpo. Apesar disso, notamos que há uma coincidência entre a maioria das UCs em que ocorrem essas pressões. Reitera-se, então, a hipótese já consagrada na literatura de a BR-364 ser um importante vetor dessas ocorrências, dada a concentração dessas pressões nas UCs que se situam ao longo do eixo dessa rodovia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A maior efetividade no cumprimento dos objetivos de conservação nessas áreas ainda exigirá um grande esforço de implantação dos instrumentos de gestão e manejo. Apesar de a Lei nº 9985/2000 ter preenchido a lacuna que o País tinha referente à regulamentação do processo de criação e gestão de áreas protegidas, o que se observa é que sua existência não garantiu o cumprimento efetivo das diretrizes que esta propõe. A partir da bibliografia existente, percebemos que, de maneira geral, os problemas observados na Faixa de Fronteira são os mesmos experimentados por áreas protegidas do resto do País (Araujo, 2007; IBAMA, 2007; Verissimo, 2011). A criação de Unidades de Conservação sem uma real implementação das mesmas faz com que elas existam somente no “papel”, impedindo o real cumprimento das diretrizes de preservação dos ecossistemas e permitindo que ainda sejam frequentes as ocorrências de ilícitos ambientais dentro desses territórios especiais. Dentro dos esforços para a melhoria da efetividade dessas áreas, considera-se em primeiro lugar a necessidade de uma maior fiscalização por parte das instituições responsáveis (como o Ministério do Meio Ambiente, o ICMBio e os órgãos estaduais e municipais). O fato de não haver uma base de dados única e atualizada com as diversas informações sobre as UCs já funciona como um importante indicativo da falta de unidade e sistematização da atuação por parte dessas instituições. Paralelamente a isso, a bibliografia mencionada acima que trata dessas lacunas também expõe a dificuldade relativa à captação de recursos humanos e financeiros - o que compromete diretamente a gestão e o manejo das unidades. Nesse sentido, ressalta-se a importância ainda pequena que é dada à proteção da natureza pelas estratégias de Governo. Em grande parte isso se deve a uma visão que confronta a existência dessas áreas com a utilização de recursos naturais, colocando-as como empecilho ao crescimento econômico. Sobre isso, é relevante a contribuição de Medeiros e Young (2011) ao elaborarem um relatório que ressalta o potencial econômico que as UCs oferecem – englobando a exploração de recursos em unidades de Uso Sustentável, as receitas de turismo e o potencial que possuem como reserva de carbono e para proteção dos recursos hídricos. No ano de 2006, foi instituído por meio do Decreto nº 5.758 o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (PNAP), resultado do acordo firmado na Sétima Conferência das Partes (COP 7) da Convenção sobre Diversidade Biológica, ocorrida

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em 2004. O objetivo desse Plano em relação às Unidades de Conservação é tornar o SNUC um sistema “efetivo e representativo de unidades de conservação”. Ou seja, anos depois do estabelecimento da Lei 9.985/2000, é admitido pelo próprio Governo que o SNUC tem diversas lacunas de gestão (como exposto nos objetivos específicos no item 3.2 do Decreto do PNAP). Indo ao encontro do que foi aqui mencionado sobre a falta de sistematização do CNUC, a diretriz XVI do item 1.2 do PNAP estabelece: “utilizar o cadastro nacional de unidades de conservação como instrumento básico para gestão e monitoramento da efetividade do SNUC”. Destacamos ainda a falta de conhecimento por parte da sociedade civil sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. O desconhecimento dos objetivos e diretrizes do Sistema, e até mesmo de sua própria existência, impede que a sociedade atue pressionando para uma maior efetividade do mesmo. Os chamados “parques de papel” muitas vezes não apresentam nem ao menos uma delimitação física que permita que seus limites e sua existência sejam conhecidos pela sociedade. Como exemplo, em trabalho de campo na cidade de Dourados (MS), buscamos localizar o Parque Municipal de Piraputangas segundo a delimitação disponibilizada pelo MMA. Ao chegar nas ruas que corresponderiam aos limites do Parque, não havia nenhuma indicação e nenhum morador questionado tinha conhecimento da existência da unidade ali. Em uma situação hipotética de uso ilegal de recursos naquela área, não se poderia contar com a atuação da sociedade civil para impedir tais ações. Apesar de as deficiências de gestão nessa região repetirem o padrão registrado no resto do País, infere-se que essas lacunas, quando associadas à posição periférica e da Faixa de Fronteira no espaço brasileiro, criam uma especificidade da problemática nessa área. Assim, cabe ainda em trabalhos futuros analisar se as pressões e os ilícitos ambientais ocorridos nessas Unidades de Conservação têm relação com sua posição, ou seja, se ocorrem em maior frequência na Faixa de Fronteira que no restante do País. A temática de UCs em região de fronteira ainda é pouco trabalhada nos meios acadêmicos e científicos e, institucionalmente, o PNAP parece ser o primeiro produto do Governo que menciona a Faixa de Fronteira. No item 1.2, que trata das diretrizes do Plano, é dito que “a localização, a categoria e a gestão de áreas protegidas na faixa de fronteira deverão contar com o assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional” e que deve-se “assegurar a participação de representação das Forças Armadas na gestão de áreas protegidas na faixa de fronteira”. Assim, percebe-se que há uma visão de

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vulnerabilidade dessa região quanto ao estabelecimento de áreas protegidas, já que há uma preocupação que envolve a Defesa Nacional e a presença das Forças Armadas ali. Ressaltamos que ao longo das análises foi possível perceber a relevância de considerarmos todas as variáveis levantadas a partir da sua distribuição pelos biomas. A regionalização da Faixa de Fronteira por Arcos desenhada para fins de planejamento (BRASIL, 2005) não se mostrou relevante para o caso das Unidades de Conservação, na medida em que a dinâmica ambiental é melhor analisada frente à ocorrência dos biomas no espaço. Por fim, ao cruzarmos as informações relativas à distribuição das UCs na Faixa de Fronteira e os padrões espaciais das pressões, podemos observar que o fato de a maior área protegida pelas unidades estar na Amazônia não representa necessariamente uma preocupação maior com esse bioma. Isso porque a criação mais recorrente de unidades ali não significou a real implementação dos objetivos de conservação, haja visto a ocorrência também numerosa e recorrente de pressões sobre as unidades. A criação de UCs nesse bioma seria portanto mais o resultado de uma facilidade maior de criação de unidades, devido aos menores índices de urbanização e ocupação humana, resultando também em uma menor pressão política contra essas áreas (Steiman, 2008).

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ANEXO I

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