PAPEL DO ENFERMEIRO NO CUIDADO A CRIANCA COM BEXIGA NEUROGENICA NA VISAO DO CUIDADOR

May 27, 2017 | Autor: Marcelle GuimarÃes | Categoria: Pediatria, Bexiga Urinaria Neurogênica, Papel do Profissional de Enfermagem.
Share Embed


Descrição do Produto

ISSN: 1981-8963

Souza ENV, Pinto JTJM, Guimarães MSF et al.

DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201306

O papel do enfermeiro no cuidado á criança com…

ARTIGO ORIGINAL O PAPEL DO ENFERMEIRO NO CUIDADO À CRIANÇA COM BEXIGA NEUROGÊNICA NA VISÃO DO CUIDADOR THE ROLE OF NURSES IN CARE PROVIDED TO CHILDREN WITH NEUROGENIC BLADDER FROM CAREGIVERS' POINT OF VIEW EL PAPEL DEL ENFERMERO EN EL CUIDADO DE NIÑOS CON VEJIGA NEUROGÉNICA DESDE EL PUNTO DE VISTA DEL CUIDADOR Emeline Noronha Vilar Souza1, Juliana Teixeira Jales Menescal Pinto2, Marcelle Sampaio de Freitas Guimarães3, Deborah Dinorah de Sá Mororó4, Ana Karina da Costa Dantas5

RESUMO Objetivo: analisar o papel do enfermeiro sob a visão do cuidador na assistência à criança com bexiga neurogênica. Método: estudo descritivo-transversal, de abordagem quali-quantitativa, realizado com 23 cuidadores. Utilizou-se um questionário e a técnica do grupo focal para a coleta de informações. Com auxílio do software Microsoft Excel 2007, foi feita a análise descritiva dos dados com frequências relativas e absolutas. A análise das entrevistas foi realizada no referencial teórico metodológico da análise temática. O projeto da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, CAAE nº 01459612.3.0000.5292. Resultados: para o cuidador, o enfermeiro é o profissional que orienta o cateterismo vesical intermitente limpo e organiza as reuniões. Observou-se que os cuidadores não souberam descrever outras atividades do enfermeiro dentro da equipe de saúde. Conclusão: na visão do cuidador, o enfermeiro participa das atividades do gerenciar e do cuidar, não sendo observada a sistematização da assistência na qual se defina o seu papel na equipe. Descritores: Bexiga Urinaria Neurogênica; Pediatria; Papel do Profissional de Enfermagem. ABSTRACT Objective: to analyze the role of nurses in care provided to children with neurogenic bladder from caregivers' point of view. Method: descriptive, cross-sectional study with qualitative and quantitative approach carried out with 23 caregivers. A questionnaire and the focus group technique were used for gathering information. The descriptive analysis of the data with relative and absolute frequencies was performed using Microsoft Excel 2007 software. The analysis of the interviews was carried out using the theoretical and methodological framework of thematic analysis. The research project was approved by the Research Ethics Committee, CAAE No. 01459612.3.0000.5292. Results: for the caregivers, nurses are professionals who guide the clean intermittent vesical catheterization and organize meetings. It was found that caregivers could not describe other nurses' activities within the health team. Conclusion: according to caregivers' point of view, nurses participate in managing and caring activities; however, they did not observe the systematization of assistance in which nurses define their role in the team. Descriptors: Neurogenic bladder; Pediatrics; Nursing Professional's Role. RESUMEN Objetivo: analizar el papel del enfermero en la asistencia a los niños con vejiga neurogénica desde el punto de vista del cuidador. Método: estudio descriptivo transversal con enfoque cualitativo y cuantitativo llevado a cabo con 23 cuidadores. Se utilizó un cuestionario y la técnica de grupo focal para recopilar informaciones. El análisis descriptivo de los datos con frecuencias absolutas y relativas se realizó usando el software Microsoft Excel 2007. El análisis de las entrevistas se llevó a cabo con el marco teórico metodológico del análisis temático. El proyecto de la investigación fue aprobado por la Comisión de Ética en Investigación, CAAE Nº 01459612.3.0000.5292. Resultados: para el cuidador, el enfermero es el profesional que orienta el cateterismo vesical intermitente limpio y organiza reuniones. Se observó que los cuidadores no podían describir otras actividades del enfermero dentro del equipo de salud. Conclusión: desde el punto de vista de los cuidadores, el enfermero participa en las actividades de administración y cuidado, pero no notaron la sistematización de la asistencia en la cual se define el papel del enfermero dentro del equipo. Descriptores: Vejiga Neurógenica; Pediatría; Papel del Profesional de Enfermería. 1

Enfermeira, Residente de Enfermagem, Programa Multiprofissional em Saúde da Criança, Hospital de Pediatria / Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN. Natal (RN), Brasil. E-mail: [email protected]; 2Enfermeira, Doutoranda, Programa de PósGraduação, Departamento de Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio Grande do Norte/ UFRN. Natal (RN), Brasil. E-mail: [email protected]; 3Enfermeira, Residente de Enfermagem, Programa Multiprofissional em Saúde da Criança, Hospital de Pediatria / Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN. E-mail: [email protected]; 4Enfermeira, Mestre em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN. Natal (RN), Brasil. E-mail: [email protected]; 5Médica, Mestre em Pediatria. Natal (RN), Brasil. E-mail: [email protected]

Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6764-70, dez., 2013

6764

ISSN: 1981-8963

Souza ENV, Pinto JTJM, Guimarães MSF et al.

INTRODUÇÃO A bexiga neurogênica (BN) consiste na perda do funcionamento normal da bexiga, provocada por lesões de uma parte do sistema nervoso. Sua origem pode estar relacionada à alteração da inervação da parede vesical ou dos esfíncteres. Isto pode ocorrer tanto por lesões congênitas, como disrafismo espinhal, agenesia de sacro e mielomeningocele; quanto por lesões adquiridas, como traumatismos ou tumores que afetem as raízes nervosas que saem do canal raquidiano.1 Uma das medidas adotadas que tem se mostrado eficaz no tratamento da BN é o cateterismo vesical intermitente (CVI), o qual promove um esvaziamento vesical efetivo, impedindo que ocorra estase urinária e consequente formação de resíduo vesical pósmiccional.2 Em crianças com BN, o CVI é o tratamento de primeira escolha para esvaziar a bexiga de forma adequada e segura, sendo uma valiosa ferramenta para alcançar a continência. A grande variedade de materiais utilizados e técnicas para o CVI não parecem afetar a eficácia e segurança do procedimento. No entanto, alguns princípios básicos devem ser aplicados, como a educação e treinamento adequados, aplicação limpa e não traumática e a adesão do paciente em longo prazo.3 Nessa perspectiva, a especificidade do processo de trabalho do enfermeiro junto às crianças com BN deverá estar direcionada, principalmente, ao binômio cuidador/criança, através da elaboração de planos de intervenções educacionais, a fim de promover o desenvolvimento de habilidades para o autocuidado. Esses planos de cuidados individuais têm como finalidade a realização de um cateterismo vesical intermitente limpo (CVIL). Este contribui para o esvaziamento cíclico da bexiga, evitando a superdistensão e a perda de suas características de reservatório. Ao mesmo tempo, diminui as taxas de infecção urinária e, consequentemente, gera a melhoria do bem-estar físico, emocional e social da criança e dos familiares, à medida que possibilita a sua inserção em atividades cotidianas sociais.4 A esse respeito, o Hospital de Pediatria Professor Heriberto Ferreira Bezerra da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (HOSPED/UFRN), referência em nefrologia pediátrica no Sistema Único de Saúde (SUS), criou um programa multiprofissional de acompanhamento aos familiares e às crianças com BN na unidade de cuidado ambulatorial. O programa teve seu inicio no ano de 2001 Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6764-70, dez., 2013

DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201306

O papel do enfermeiro no cuidado á criança com…

com o atendimento às crianças do serviço de nefrologia e, em 2004, formalizou uma parceria com a Associação das Crianças Portadoras de Mielomeningocele, Hidrocefalia e Paralisia Cerebral do Rio Grande do Norte, criando assim, o Projeto denominado “Neurinho”, que atualmente atende 206 crianças e adolescentes cadastrados na faixa etária de 0 a 18 anos de idade. Diante deste contexto, o presente estudo tem como objetivo: ● Analisar o papel do enfermeiro sob a visão do cuidador na assistência à criança com bexiga neurogênica.

MÉTODO Este artigo foi elaborado a partir da monografia "O papel do enfermeiro no cuidado a criança com bexiga neurogênica na visão do cuidador", apresentada ao Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Criança do Hospital de Pediatria da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, Estado do Rio Grande do Norte, Brasil, 2013. Trata-se de um estudo de campo delineado como descritivo-transversal com abordagem quali-quantitativa5, realizado no serviço ambulatorial do Hospital de Pediatria (HOSPED), de junho a outubro de 2012. Dos 206 participantes elegíveis para o estudo, pelo número de crianças atendidas no Projeto “Neurinho”, 23 aceitaram participar na pesquisa. As perdas ocorreram devido à dificuldade de locomoção pelos cuidadores, que não tinham como frequentar as reuniões, por trabalharem e não poderem se ausentar e não terem com quem deixar os seus filhos. Foram incluídos no estudo os cuidadores que participaram das reuniões durante o período de coleta dos dados, que tivessem recebido treinamento para realizar o CVIL e que concordassem em participar assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.6 Foram excluídos os que se recusaram a participar do estudo. A coleta de dados foi realizada nos dias das reuniões do Projeto “Neurinho”, a cada primeira quinta-feira de cada mês, no período de junho a outubro de 2012. Essa etapa da pesquisa ocorreu em dois momentos: o primeiro, utilizando um questionário individual e o segundo através do grupo focal com, no máximo, cinco participantes. Os participantes foram informados sobre objetivos e metodologia do estudo e, posteriormente, leram e assinaram o TCLE. Foi garantido o seu anonimato, esclarecidas as 6765

ISSN: 1981-8963

Souza ENV, Pinto JTJM, Guimarães MSF et al.

dúvidas, bem como garantido o direito de liberdade de retirarem sua participação em qualquer momento da pesquisa, sem nenhum ônus ou prejuízo. No primeiro momento foi utilizado como instrumento para coleta de dados um questionário semi-estruturado com perguntas fechadas, relativas à identificação do cuidador da criança. Nesse instrumento, foram contempladas as variáveis: acompanhamento multiprofissional à criança; o cuidador principal que realizava o CVIL; o grau de parentesco do cuidador com a criança; e a idade, sexo, escolaridade, estado civil, ocupação, renda familiar e tipo de moradia desse cuidador. As reuniões do grupo focal ocorreram através de entrevistas, baseadas em um roteiro composto pelas seguintes questões de pesquisa: 1) Quais são os profissionais que participam do projeto “Neurinho”?; 2) Para vocês, quem é o enfermeiro?; 3) Vocês consideram importante a participação do enfermeiro no cuidado a sua criança? Por quê?; 4) Quais são as atividades realizadas pelo enfermeiro no Projeto “Neurinho”?; e 5) Quais as contribuições do enfermeiro para o cuidado às suas crianças? O ambiente destinado para a realização da técnica do grupo focal propiciou um clima de tranquilidade e reservado, sem a presença da criança, com cadeiras confortáveis e ar condicionado, o que permitiu o fechamento da sala. Utilizou-se um gravador de áudio após a autorização dos participantes. As reuniões transcorreram sem interrupções, com a participação de todos, sendo totalizadas três reuniões. De posse dos questionários utilizados, inicialmente, com o auxílio do software Microsoft Excel 2007, foi feita uma análise descritiva dos dados, de forma a proporcionar uma visão organizada, sumarizada e inteligível. Em seguida, os dados foram analisados com frequências relativas e absolutas. A análise e interpretação das entrevistas foram realizadas com base no referencial teórico metodológico da análise temática segundo Minayo.7 Esta se constitui de três etapas: 1) pré–análise, ou seja, a fase inicial que consiste na seleção dos documentos a serem analisados; 2) exploração do material, a qual se trata da operação de codificação; e 3) tratamento dos resultados, realizado através da interpretação e análise das informações obtidas. Após a análise, emergiram três categorias: ser mãe de uma criança com BN; os Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6764-70, dez., 2013

DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201306

O papel do enfermeiro no cuidado á criança com…

profissionais que cuidam das crianças com BN; e o papel do enfermeiro na assistência à criança com BN. Os depoimentos foram identificados com pseudônimos de frutas para preservar a identidade dos participantes. A pesquisa foi iniciada após a aprovação do Cômite de Ética em Pesquisa da UFRN, sob Certificado de Apresentação para Apresentação Ética (CAAE) nº 01459612.3.0000.5292 e autorização da Comissão de Pesquisa da instituição na qual foram coletados os dados. Foram respeitados os preceitos legais da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata da pesquisa envolvendo seres humanos.6

RESULTADOS E DISCUSSÃO ● Conhecendo os sujeitos do estudo Dos 23 participantes do estudo, 91% eram do sexo feminino (n=21) e apenas 9% do sexo masculino (n=2). A faixa etária predominante foi de 20 a 58 anos, estando a maior parte entre 30 e 40 anos de idade (60,8%). Desses, 43,5% eram casados (n=10), 34,8% viviam em união estável (n=8), 9% eram viúvos (n=2), 9% divorciados (n=2) e apenas 3,7% eram solteiros (n=1). Quanto à escolaridade, observou-se o ensino médio completo em 34,8% (n=8), e chamou a atenção que apenas 8,7% dos cuidadores possuíam o ensino superior completo (n=2). Destaca-se a presença das mães como cuidador principal da criança com BN em 87% (n=20), sendo 8,7% pais (n=2) e 4,3% avó (n=1). Desses cuidadores, a grande maioria era composta por donas de casa (83% n=19), seguida pelos trabalhadores autônomos (9% - n=2), agricultores (4% - n=1) e técnico em informática (4% -n=1). A renda familiar era de cerca de um a dois salários mínimos em 87% (n=20) dos participantes e apenas um cuidador (4%) possuía renda superior a oito salários mínimos. Moravam em casa própria 69,6% (n=16), cedida 17,4% (n=4) e alugada 13% (n=3), sendo todas as residências construídas de alvenaria. Esses dados corroboram com a literatura segundo a qual a mãe é o principal cuidador da criança, sendo responsável pelo seu tratamento, acompanhamento ambulatorial, internações, procedimentos terapêuticos e intercorrências.8 Se destacam como provedoras de cuidados, a princípio, pela imaturidade da criança e, depois, em decorrência de déficits cognitivo-motores que as crianças possam apresentar.9

● Ser mãe de uma criança com bexiga neurogênica

6766

ISSN: 1981-8963

DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201306

Souza ENV, Pinto JTJM, Guimarães MSF et al.

A família de uma criança com doença crônica passa por um período de adaptação, ocorrendo alguns problemas em relação aos aspectos psicológicos e comportamentais da própria criança, que é superprotegida. Os irmãos podem expressam sentimentos de rejeição e abandono pelos pais. Ainda, no próprio relacionamento dos pais podem ocorrer contratempos, pois essas mudanças tanto podem fortalecer o casal, quanto afastá-lo, dependendo da própria dinâmica familiar existente. Essas reações determinam nos membros da família ações que implicam em mudanças no estilo de vida e é a figura materna o elemento que assume o papel de cuidador da criança com doença crônica.10 A construção do papel materno é um processo complexo, tendo as suas origens na própria experiência da mãe enquanto filha e gradualmente processada ao longo da gestação.11 Sob esse aspecto, neste estudo, as mães se revelam como principal cuidador, dedicandose exclusivamente ao seu filho portador de BN, tendo, em algumas ocasiões, que abandonar o seu trabalho e/ou estudo. Esse fato é confirmado nos depoimentos de algumas mães: A minha necessidade, realmente é de trabalhar, mas eu estou tentando me conscientizar que eu não posso mais. Eu sempre trabalhei, mas depois que o meu bebê nasceu tudo mudou, eu só terminei a faculdade, com muita luta, por que a minha mãe me obrigou e se mudou para a minha casa. No momento está sendo difícil trabalhar, o meu marido me ajuda, mas ajuda quando pode porque ele trabalha o dia todo. (Goiaba) (ipsis litteris) Estudar é importante, mas tive que parar para trabalhar, mas penso em voltar. (Banana) (ipsis litteris)

Essas afirmações possibilitam inferir que as mães acabam deixando de lado seu crescimento profissional e o cuidado aos outros filhos para se dedicarem à criança com BN. Na maioria das vezes, ela é o cuidador principal e único. Cabe ao pai o papel de provedor financeiro, como relatado pela entrevistada. Fato detectado neste estudo no qual apenas 13% (n=3) das mães recebiam ajuda de terceiros para a realização do CVIL. Entende-se, assim, que ser mãe de uma criança com BN exige uma busca de afirmação de identidade. O nascimento de criança portadora de anormalidades é um problema que é carregado de culpa atribuída social e culturalmente à família, principalmente à mãe. Este fato gera crise e negação das expectativas, sendo necessário à adaptação do filho idealizado para o real, processo este Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6764-70, dez., 2013

O papel do enfermeiro no cuidado á criança com…

desenvolvido de forma lenta e conflituosa e que pode ser vivenciado como um infortúnio.

Os profissionais que cuidam crianças com bexiga neurogênica ●

das

Foi observado que para os sujeitos do estudo o médico é o profissional de saúde mais reconhecido pelos cuidadores das crianças com BN. Em esse sentido, 95,6% (n=22) relataram o acompanhamento pelo nefrologista, seguido pelo neurologista (47,8% - n=11), fisioterapeuta (43,4% - n=10), cirurgião plástico e enfermeiro (26% - n=6). A BN interfere significativamente na vida das crianças e de seus familiares sob o ponto de vista clínico, terapêutico, emocional e social. Em esse caso, torna-se necessária uma equipe multiprofissional, na qual cada profissional se responsabiliza por um aspecto da assistência, atuando direta ou indiretamente junto às famílias para integrálas à vida social.9

● O papel do enfermeiro na assistência à criança com bexiga neurogênica O enfermeiro apresenta objetos, meios e finalidades próprias de trabalho no que concerne ao desenvolvimento das atividades específicas, i.e., gerenciar, cuidar, educar e pesquisar.12 Torna-se necessário estar preparado técnica e politicamente, o que implica na identificação dos instrumentos utilizados para o exercício das atividades relacionadas ao gerenciamento do cuidar. Isto possibilitará optar por modelos holísticos do cuidar, envolvendo a promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde, passando a deter a direcionalidade técnica do seu trabalho.13 A falta de definição de uma metodologia da assistência é um fator que contribui para a perda da noção geral do processo de trabalho do enfermeiro. Portanto, a sistematização da assistência de enfermagem é um meio necessário para viabilizar o processo de trabalho. A realização de atividades assistemáticas torna esse profissional um executor de tarefas, gerando sobrecarga de atividades e demonstrando que nada se faz e, ao mesmo tempo, tudo se faz, como é apontado no seguinte depoimento:13 [...] são eles [enfermeiros] que tomam a frente, porque os médicos orientam, mas eles é que colocam a mão na massa. (Goiaba) (ipsis litteris) Nós sempre vemos que a enfermeira está a frente do projeto, por mais que os médicos estejam por trás ajudando, sabemos que a enfermeira sempre está ali para ajudar. (Maçã) (ipsis litteris)

Observa-se, dessa forma, na visão do cuidador, que o enfermeiro participa das 6767

ISSN: 1981-8963

Souza ENV, Pinto JTJM, Guimarães MSF et al.

atividades do gerenciar e do cuidar; no entanto, não se observa uma sistematização da assistência na qual este defina o seu papel na assistência às crianças com BN. Além disso, é responsabilidade deste profissional a construção de caminhos que levem à inclusão social da pessoa portadora de necessidades especiais, incluindo neste processo o ato de educar, como uma atividade dentro do processo de trabalho do enfermeiro.14 Com relação a esta atividade, o enfermeiro tem um papel importante na orientação fornecida aos familiares e à criança acerca do CVIL, o que pode ser comprovado em estudos 4,9,15 anteriores e confirmado através dos depoimentos das entrevistadas: Quando eu comecei [o CVIL] quem me orientou em tudo foi a enfermeira, se eu tenho alguma dificuldade em passar a sonda eu sempre a procuro, sempre venho para cá [HOSPED], mesmo morando atrás de um posto de saúde. (Abacaxi) (ipsis litteris) [...] Toda dúvida que eu tenho, eu procuro o HOSPED. Às vezes eu estou passando a sonda no meu filho e não consigo retirar o xixi, então eu volto para enfermeira me explicar tudo de novo e ela bem paciente vai me explicando como eu tenho que fazer. (Laranja) (ipsis litteris)

Estas afirmações evidenciam a compreensão dos cuidadores com relação à qualificação e participação ativa do enfermeiro na prestação da assistência às suas crianças na orientação do CVIL. Essa visão é corroborada por diversos estudos realizados sobre este tema.4,9,15 Essas considerações apontam para a importância do papel do enfermeiro como educador e facilitador da reabilitação e integração do indivíduo e sua família na sociedade, buscando a adaptação à sua condição de saúde, tornando-o, cada vez mais, independente e responsável pelo seu autocuidado.16 Entretanto, alguns cuidadores expressam a dificuldade dos profissionais de saúde de outros serviços em orientar e realizar procedimentos nas crianças com BN. O treinamento do CVIL foi realizado pela enfermeira, por indicação da médica. Quando eu preciso ir ao posto de saúde e falo que passo a sonda vesical no meu filho, os profissionais ficam assustados, pensando que é um “bicho de sete cabeças”, e me questionam se essa não é uma atividade exclusiva do profissional de saúde e que é um absurdo eu realizar esse procedimento. Para evitar esse tipo de constrangimento, eu já venho direto para o HOSPED. (Abacaxi) (ipsis litteris)

Como se pode observar, de acordo com o depoimento analisado, a maioria dos profissionais de saúde ainda não estão Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6764-70, dez., 2013

DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201306

O papel do enfermeiro no cuidado á criança com…

orientados e informados a respeito da reutilização da sonda e do CVIL realizado pelos cuidadores de crianças com BN. Tornase necessário um maior aprofundamento sobre essa prática na formação dos profissionais de saúde de nível médio e superior. Observou-se, também, que mesmo 95,6% (n=22) dos participantes ter reconhecido o enfermeiro como principal orientador do CVIL, apenas 26% (n=6) dos entrevistados relatou que eram acompanhados pelo enfermeiro: Eu acho importante a participação do enfermeiro por que nem sempre temos as médicas disponíveis, têm em dia de consulta, no caso de adoecer elas estão presentes, mas como nem sempre elas estão disponíveis tem a enfermeira sempre disponível. (Jaca) (ipsis litteris) Não estou muito por dentro do papel do enfermeiro, mas o enfermeiro é quem dá toda a assistência, primeiro a gente vai para o enfermeiro, depois é que o médico aparece, em todos os hospitais que eu vou é assim, sempre é o enfermeiro que esta na frente para atender. (Banana) (ipsis litteris) A importância do enfermeiro é total, por que é através dele que a gente tem o contato, o apoio de passar a sonda, os cuidados. É o ponto de apoio da gente. (Maçã) (ipsis litteris)

Um dos aspectos que chamou a atenção em essa categoria foi a discordância de informações entre o questionário e a roda de conversas. No questionário, poucos citaram o enfermeiro como profissional que acompanhava a criança com BN e na roda de conversas afirmaram a importância do mesmo durante a assistência à criança. A análise das verbalizações permite inferir que a disponibilidade e a facilidade de acesso aos enfermeiros pelo cuidador, acabam influenciando no conhecimento do seu processo de trabalho perante a sociedade. Observou-se, também, que além da atividade de orientação do CVIL, os enfermeiros participavam na organização das reuniões do Projeto “Neurinho”. Estas reuniões contribuem para a interação entre os cuidadores através das vivências compartilhadas e atendem, também, as suas necessidades individuais, servido como um ponto de apoio. Os depoimentos dos participantes abaixo confirmam essa afirmação: Eu frequento esse projeto por que eu amo, porque foi no Hospital Sarah Kubitschek que eu aprendi a realizar o cateterismo vesical. Eu venho por uma questão de gostar e cada vez mais aprendo alguma coisa. (Uva) (ipsis litteris) Desde que o projeto começou a enfermeira está a frente, foi quem me convidou e 6768

ISSN: 1981-8963

Souza ENV, Pinto JTJM, Guimarães MSF et al.

sempre me liga para lembrar as reuniões. (Uva) (ipsis litteris) Aqui [HOSPED] é uma referência porque através das reuniões a gente aprende muita coisa, inclusive até entre a gente, e temos um apoio entre nós. (Maçã) (ipsis litteris)

Essas afirmações denotam a importância e influência que esse projeto exerce em essas famílias, demonstrando não apenas o vínculo entre o profissional, a criança e o cuidador, mas também entre os cuidadores. Mediante esse contexto, entende-se que as atividades ambulatoriais são fundamentais para a enfermagem, enquanto prática independente e personalização do cuidado. Porém, é importante que se encontrem estratégias pedagógicas que façam da educação em saúde mais do que uma maneira de fazer as pessoas mudarem comportamentos prejudiciais à saúde ou apenas um momento em que o educador possa articular as trocas de experiências.17

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os cuidadores das crianças com BN têm conhecimento limitado acerca do papel do enfermeiro no cuidado providenciado aos seus filhos. Seu conhecimento fica restringido às orientações do CVIL e à organização das reuniões do projeto “Neurinho”. O enfermeiro deve assumir o papel de orientador da criança que necessita do CVIL e dos familiares, contribuindo desta forma para a independência dos mesmos e a melhoria da qualidade de vida. Essa atividade perpassa pela qualificação e capacitação dos enfermeiros durante a sua formação acadêmica. Torna-se importante a qualificação da rede pública de forma a integrar as ações de atenção básica à média complexidade e a integração ensino-serviço, como uma estratégia de conhecimento e divulgação dessa técnica já utilizada há vários anos pelas famílias de crianças com BN. Diante desta afirmação, sugere-se que o enfermeiro elabore estratégias que venham dar visibilidade ao seu processo de trabalho, como a criação de protocolos de orientação e acompanhamento para as crianças com BN e seus cuidadores, a realização de pesquisa cientifica e a execução de projeto de extensão. Dessa forma, o enfermeiro poderá se respaldar e documentar as atividades realizadas, contribuindo desse modo para a formação qualificada dos novos enfermeiros e tornar as crianças com BN e seus cuidadores ativos do seu processo de viver, resgatando a sua cidadania.

Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6764-70, dez., 2013

DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201306

O papel do enfermeiro no cuidado á criança com…

REFERÊNCIAS 1. Riella MC. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. In: Riella MC. Investigação por imagem do trato urinário na criança. 4th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2008. p. 360-8. 2. Proesmans W. The neurogenic bladder: introducing four contributions. Pediatr Nephrol [Internet]. 2008 [cited 2012 June 28];23(4):537-40. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007/s00 467-008-0768-3 3. Verpoorten C, Buyse G. The neurogenic bladder: medical treatment. Pediatr Nephrol [Internet]. 2007 [cited 2012 Aug 12];23(5):717-25. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/P MC2275777/ 4. Polita NB, Moroóka M, Martins JT, Kreling MCGD. Bexiga neurogênica e o cateterismo vesicam intermitente. J Nurs UFPE on line [Internet]. 2010 [cited 2012 June 19]; 4(2): 889-93. Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermage m/index.php/revista/article/viewFile/900/pd f_14 DOI: 10.5205/reuol.900-7318-1LE.0402201055 5. Cervo AL, Bervian PA, Silva R. Metodologia científica. 6th ed. São Paulo: Pearson Education, 2007. 6. Ministério da Saúde (Brasil), Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução 196/96 e outra. Institui as normas para pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília; 1996. 7. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12th ed. São Paulo: Hucitec; 2010. 8. Morais GSN, Costa SFG. Experiência existencial de mães de crianças hospitalizadas em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2009 [cited 2012 Aug 05];43(3): 639-46. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n3/a20v 43n3.pdf 9. Gaiva MAM, Neves AQ, Siqueira FMG. O cuidado da criança com espinha bífida pela família no domicílio. Esc Anna Nery Rev Enferm [Internet]. 2009 [cited 2012 June 19];13(4):717-25. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v13n4/v13n4a 05.pdf 10. Pedroso MLR, Motta MGC. Cotidianos de famílias de crianças convivendo com doenças crônicas: microssistemas em intersecção com vulnerabilidades individuais. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2010 [ cited 2012 Sept 04];31(4):633-9. Available from:

6769

ISSN: 1981-8963

Souza ENV, Pinto JTJM, Guimarães MSF et al.

http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnferma gem/article/view/11916/11843 11. Nobrega VN, Collet N, Silva KL, Coutinho SED. Rede e apoio social das famílias de crianças em condição crônica. Rev Eletrônica Enferm [Internet]. 2010 [cited 2012 Dec 15];12(3):431-40. Available from: http://www.fen.ufg.br/revista/v12/n3/v12n3 a03.htm DOI: 10.5216/ree.v12i3.7566 12. Tanaka LH, Leite MMJ. Processo de trabalho do enfermeiro: visão de professores de uma universidade pública. Acta Paul Enferm [Internet]. 2008 [cited 2012 Oct 28];21(3):481-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v21n3/pt_16. pdf 13. Backes DS, Backes MS, Sousa FGM, Erdmann AL. O papel do enfermeiro no contexto hospitalar: a visão de profissionais de saúde. Ciênc Cuid Saúde [Internet]. 2008 [cited 2012 Oct 29]; 7(3):319-26. Available from: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Cien cCuidSaude/article/view/6490/3857 14. Ferraz L, Almeida FM, Girardi F, Soares SC. Assistência de enfermagem na promoção do autocuidado aos portadores de necessidades especiais. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2007. [cited 2012 Dec 13]; 15(4): 597-600. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v15n4/v15n4a20. pdf 15. Martins G, Soler ZASG. Perfil dos cuidadores de crianças com bexiga neurogênica. Arq Ciênc Saúde [Internet]. 2008 [cited 2012 Oct 28];15(1):13-6. Available from: http://www.cienciasdasaude.famerp.br/racs_ ol/vol-15-1/IIIIDDDD256.pdf 16. Assis GM, Faro ACM. Autocateterismo vesical intermitente na lesão medular. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2012 Dec 20];45(1):289-93. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ar ttext&pid=S0080-62342011000100041 17. Felipe GF, Silveira LC, Moreira TMM, Freitas MC. Presença implicada e em reserva do enfermeiro na educação em saúde à pessoa com hipertensão. Rev enferm UERJ [Internet]. 2012 [cited 2012 Dec 27];20(1): 45-9. Available from: http://www.facenf.uerj.br/v20n1/v20n1a08. pdf

DOI: 10.5205/reuol.2950-23586-1-ED.0712201306

O papel do enfermeiro no cuidado á criança com…

Submissão: 17/01/2013 Aceito: 30/08/2013 Publicado: 01/12/2013 Correspondência Emeline Noronha Vilar de Souza Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Criança Hospital de Pediatria / Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN. Rua do Jaspe, 378 Bairro Potilandia CEP: 59076090 − Natal (RN), Brasil

Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(12):6764-70, dez., 2013

6770

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.