(Paper): Poderia a panfletagem ser considerada uma estratégia educacional eficaz na divulgação pública do veganismo? Efeitos e consequências práticas (2014)

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Poderia a panfletagem ser considerada uma estratégia educacional eficaz na divulgação pública do veganismo? Efeitos e consequências práticas  Gabriel Garmendia da Trindade* Luciano Carlos Cunha** O presente trabalho problematiza o uso da panfletagem em larga escala como forma educativa de divulgar publicamente o veganismo e outras questões concernentes aos direitos animais. Nesse sentido, objetiva-se, primeiramente, detalhar a terminologia adequada de certas noções como panfleto, folheto, brochura, etc. Em segundo lugar, almeja-se delinear alguns dos aspectos relativos ao uso de panfletos e similares em resguardo dos interesses não-humanos. Nesse contexto, serão discutidos os apontamentos levantados por Mark Hawthorne e outros ativistas pró-panfletagem. Em seguida, será apresentada a organização norteamericana chamada Vegan Outreach, que é a principal defensora da tática de distribuição massiva de panfletos. Em terceiro lugar, será debatido a questão da legibilidade e sua ligação direta com a (in)eficácia da panfletagem e da transmissão da mensagem em favor da adoção do veganismo. Como conclusão será defendido que a panfletagem, longe de servir aos interesses não-humanos, acaba, em realidade, comprometendo uma verdadeira e significativa conscientização vegana. Palavras-chave: Veganismo, ativismo, panfletagem, Vegan Outreach.

I – O que é um panfleto/folheto?

De acordo com o Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, folheto consiste em uma “1. Obra impressa de caráter não periódico, com mais de quatro e menos de 48 páginas, sem contar com as da capa”. Segundo NBR6029:2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas ABNT, folheto consiste em uma “publicação não periódica que contém no mínimo cinco e no máximo 49 páginas, excluídas as capas e que é objeto de Número Internacional Normalizado para Livro (ISBN).” Esta definição está de acordo com o estabelecido pela UNESCO, à definição de panfleto como sendo uma publicação que deve ter “pelo menos 5, mas não mais de 48 páginas exclusivas das folhas de rosto”. Para a citada norma da ABNT, publicação é o “conjunto de páginas impressas com a finalidade de divulgar informação.” Nesse sentido, panfletos, folhetos, folhetins, brochuras informativas e encartes serão empregados neste artigo como sinonímias e terão significado de publicação, nos termos definidos pela ABNT.



Referência completa: TRINDADE, G. G.; CUNHA, L. C. “Poderia a panfletagem ser considerada uma estratégia educacional eficaz na divulgação pública do veganismo? Efeitos e consequências práticas”. In: Denis, L. (Org.) Educação & Direitos Animais. São Paulo: LibraTrês, p. 103-115. * Doutorando em Global Ethics pelo Centre for the Study of Global Ethics, University of Birmingham. Bolsista CAPES/UoB. E-mail: [email protected] ou [email protected] ** Doutorando em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia – PPGF da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC-SC). E-mail: [email protected]

Panfletos podem conter informações variadas, são frequentemente usados na divulgação de produtos e empresas, por sua fácil circulação, bem como são muito empregados como instrumento em campanhas políticas e em protestos, já que ideal para propagação de ideias condensadas por meio de mídia impressa, escrita e visual. Ademais, conforme Silverman (1987), “o panfleto contribuiu significativamente para a disseminação rápida do conhecimento que se seguiu à invenção da imprensa devido à sua disponibilidade, oportunidade e a quantidade em que foi produzido”. II – O uso de panfletos em defesa dos animais A) “Especismo”: O panfleto que originou um movimento

A distribuição de folhetos certamente acabou se tornando uma das principais estratégias empregadas pelos defensores dos direitos dos animais desde a instauração de um movimento em prol dos não-humanos nas décadas de sessenta e setenta. Deveras, é curioso pensar que o primeiro passo dado na contemporaneidade em direção a uma revolucionária modificação na comunidade moral e em favor da quebra do paradigma antropocêntrico vigente teve origem em um simples panfleto. A expressão “especismo”, speciesism em inglês, foi originalmente cunhada pelo psicólogo e filósofo inglês Richard D. Ryder 1. O autor utilizou esse termo em diferentes edições de um panfleto distribuído nos corredores da universidade de Oxford nos primeiros anos da década de 70. O panfleto em voga tinha o intuito de denunciar o comportamento discriminatório e os hábitos cruéis advindos dos seres humanos para com os membros de espécies distintas. A primeira versão do manuscrito 2 continha diversos questionamentos visando a reflexão e objeção conscienciosa dos leitores acerca do sofrimento animal, bem como um clamor relativo à reconcepção e reposicionamento moral e científico frente aos não-humanos.

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Todas as traduções apresentadas no decurso do presente texto foram realizadas livremente pelos autores. Alguns dos questionamentos levantados por Ryder em seu panfleto são os seguintes: A partir de Darwin, os cientistas passaram a concordar que não há uma diferença essencial “mágica” entre humanos e outros animais, biologicamente falando. Por que, então, fazemos essa distinção moral quase absoluta? Se todos os organismos estão em um contínuo físico, então nós também devemos estar no mesmo contínuo moral. A palavra “espécie”, assim como a palavra “raça”, não é exatamente definível. Leões e tigres são capazes de cruzar e reproduzir. Sob condições de laboratório especiais, talvez em breve seja possível acasalar um gorila com um professor de biologia – a sua prole deveria ser mantida em uma jaula ou em um berço? (RYDER, 1970). Disponível em: . 2

Há de se frisar, o panfleto foi tão bem recebido que Ryder foi convidado a escrever um ensaio sobre a questão da experimentação animal na coletânea Animals, Men and Morals, publicada em 1971. Em tal obra, o filósofo vale-se da noção de especismo para criticar e objetar os experimentos dolorosos e abusivos realizados em não-humanos. Desde então, Ryder dilapidou e aprimorou a referida expressão, especialmente em seu livro Victims of Science de 1975, o qual serviu de ponto de partida para os escritos de outros filósofos e pesquisadores sobre as relações morais estabelecidas entre humanos e não-humanos.

B) Panfletagem vegana

Com a adoção da prática do veganismo como posicionamento basilar em resguardo dos interesses não-humanos por intelectuais e ativistas, em pouco tempo a entrega de panfletos visando a conscientização acerca do modo de vida vegano acabou se tornando habitual. Nesse contexto, a panfletagem, tomada como estratégia educacional de divulgação pública do veganismo, ganhou espaço considerável no que tange à esfera de atuação de inúmeros grupos de proteção animal. Em seu livro, Striking at the roots. A practical guide to animal activism (2008), o ativista de longa data e escritor, Mark Hawthorne, faz uma vigorosa defesa da panfletagem em nome dos não-humanos como meio sensibilizante e de fomento do veganismo. Como sustenta o autor, devido ao fato do movimento pelos direitos dos animais não possuir os vastos recursos econômico-financeiros dos quais dispõem às grandes corporações que favorecem e perpetuam a exploração animal institucionalizada, a distribuição pública de panfletos surge como uma resposta eficaz e barata ao impacto publicitário das grandes organizações especistas. Nas palavras de Hawthorne:

A distribuição de panfletos tem sido de uma imensa serventia para o movimento pelos direitos dos animais, o qual não possui o orçamento para promover uma disputa publicitária com as indústrias que exploram os animais. Espalhar nossa mensagem normalmente implica em encontros face a face com o público. A boa notícia é que essa interação pessoal é tremendamente bem sucedida em afetar os corações e mentes das pessoas, e isso pode ser muito mais efetivo do que propagandas ou legislações; afinal de contas, um anúncio pode ser ignorado e uma lei, revogada, mas uma vez que alguém é esclarecido sobre os terríveis abusos que ocorrem diariamente com animais em fazendas de criação intensiva, laboratórios biomédicos, circos, canis e muitos outros lugares mais, dificilmente um ser humano compassivo poderá esquecer o que acabou de descobrir. (HAWTHORNE, 2008, p.22)

No decorrer de seus apontamentos, Hawthorne (2008) endossa a entrega de folhetos como uma abordagem educativa de inquestionável eficácia. Para tanto, vale-se da exposição de vários dados expressivos concernentes à distribuição de materiais de conscientização vegana. Hawthorne (2008) pretende demonstrar que a entrega massiva de encartes pró-veganismo leva a um aumento substancial não apenas do número de veganos, mas igualmente da mobilização moral da população em favor dos animais explorados. Assim, como sugere Hawthorne:

A panfletagem é comumente descrita como um jogo de números, busca-se influenciar tantas pessoas quanto o possível. Um folheteiro (leafleter) mediano, em um local movimentado, como um concerto musical ou um festival famoso, é capaz de entregar entre 150 a 200 folhetos em uma hora. Nesse mesmo espaço de tempo, um bom folheteiro pode chegar a distribuir até 500 folhetos – cerca de um a cada oito segundos. Se você estiver engajado com um alguém para distribuir folhetos uma hora por semana, em apenas um ano, conseguirá transmitir a sua mensagem de compaixão pelos animais a trinta mil pessoas. As vidas de todas essas pessoas serão transformadas, e parte delas irá mudar seu comportamento. (HAWTHORNE, 2008, p.22-23)

Os números citados por Hawthorne (2008) são impressionantes. Percebe-se que o autor estabelece uma metodologia para a distribuição dos folhetos, a qual inclui o tempo de atuação do entregador e os territórios propícios à implementação da respectiva abordagem. Aparentemente, Hawthorne (2008) mensura os impactos de sua estratégia educacional a partir da quantidade de material divulgado em uma direta correlação com o tempo utilizado para fazê-lo. Todavia, uma indagação surge após a exposição do pensamento do autor: Na medida em que nem todas as pessoas que recebem um encarte acabam adotando o modo de vida vegano, seria possível agir de modo tal que a distribuição de panfletos fosse maximizada a ponto do número de veganos ser conjuntamente ampliado? Em outros termos: O que pode ser feito para que a tática em voga apresente resultados visíveis? Quanto a esse questionamento, a posição de Hawthorne é clara:

Naturalmente, nem todo aquele que recebe um panfleto se torna vegano. Por isso, faz sentido panfletar para aquelas pessoas que estão mais abertas à mensagem compassiva que o veganismo tem a oferecer. Pessoas jovens, especialmente moças universitárias, são mais receptivas a novas ideias, como o veganismo, estando, assim, mais inclinadas a adotar o estilo de vida vegano. [...] A atmosfera de aprendizado de uma universidade, onde estudantes desafiam suas antigas crenças e embarcam em novas experiências, é propícia para escolhas de afirmação de vida positivas. [...] Dificilmente você encontrará um lugar mais efetivo do que um campus universitário. (HAWTHORNE, 2008, p.23)

Como pode ser observado acima, Hawthorne (2008) não só institui um padrão de interação ativista, mas também prescreve os seus fundamentos de maneira a determinar quais são os nichos populacionais que estão mais aptos a serem alcançados pela panfletagem vegana. O autor assevera que as estudantes do sexo feminino, devido sua receptividade ao veganismo, deveriam ser tomadas como um dos grupos centrais a ser abordado pelos folheteiros durante suas costumeiras divulgações ético-informacionais. Entretanto, Hawthorne (2008) não aduz quaisquer estudos ou pesquisas que sejam capazes de corroborar ao menos minimamente com seus apontamentos. O autor apenas pressupõe que jovens e campi universitários são, respectivamente, os melhores alvos para a prática de sua estratégia conscientizadora. Doravante, ficará bastante nítida a noção de que poucos defensores da panfletagem massiva, como é o caso de Hawthorne (2008), trazem ao debate qualquer espécie de estudo estatístico empírico sobre os benefícios da aceitação de suas perspectivas e propostas metodológicas. Curiosamente, em seus escritos, Hawthorne (2008) não faz nenhuma menção à necessidade do domínio teórico-prático dos tópicos de cunho filosófico, jurídico, econômico, biológico, nutricional e ambiental, os quais, alegadamente, deveriam ser apresentados e problematizados pelos ativistas que assumem o cargo de panfleteiros do movimento pelos direitos dos animais. Deveras, Hawthorne (2008) vale-se de uma breve citação de Erik Marcus, ativista norte-americano, de modo a tangenciar essa questão, sem, no entanto, discuti-la no decorrer de seus textos. Assim, conforme Marcus, “dado que a panfletagem não requer nenhum tipo de formação especial, e é algo que qualquer um pode fazer, não imagino um ponto de partida melhor para os novos ativistas que buscam fazer a diferença” (HAWTHORNE, 2008, p.25). Ou seja, para ambos os autores não é imperativo possuir um conhecimento apurado do veganismo ou de quaisquer outros temas abordados nos panfletos, tão logo alguém esteja disposto a entregá-los em algum lugar movimentado e ao público determinado, isso já é o suficiente para contribuir com o movimento pelos direitos dos animais.

C) Vegan Outreach

Para entender melhor o posicionamento alvitrado por Hawthorne (2008) é preciso conhecer melhor a Vegan Outreach, instituição da qual é promotor e grande entusiasta. A organização em questão foi originalmente fundada pelos ativistas Matt Ball e Jack Norris em Cincinnati, Ohio, EUA, no ano de 1993, tendo como intuito a divulgação e

fomento do veganismo por intermédio da distribuição em grande escala de panfletos informativos impressos. Segundo Hawthorne, Ball e Norris criaram a Vegan Outreach “após descobrir que entregar materiais literários que promovem o veganismo era um uso melhor de seu tempo do que protestar ou organizar eventos de mídia” (2008, p.24). Os princípios metodológicos sustentados por Hawthorne (2008) podem ser vistos em execução da maneira mais ampla o possível através da Vegan Outreach. De fato, como afirma Norris em entrevista concedida ao website The Vegan Culinary Experience 3 “distribuir folhetos em campi universitários, inevitavelmente, conduz a resultados melhores do que qualquer outra tática que eu conheço”, além disso, ele continua, “se você quiser aumentar imediatamente o número de vegetarianos no mundo, entregue 100 folhetos ou mais para universitários ou estudantes do ensino médio”. Similarmente, em seu ensaio “A Meaningful Life: Making a difference in today’s world” (2008), Ball pontua:

É entre os jovens em que os animais encontram o maior custo-benefício. O programa Adopt a College do Vegan Outreach [...] serve para alcançar metodicamente o nosso público principal. Esse é o primeiro plano sistemático em nível nacional a criar uma mudança máxima ao levar o sofrimento dos animais às pessoas mais receptivas. Nós sabemos que isso funciona, e você pode se juntar a outros que fazem parte desse ativismo potente, eficiente e efetivo. Você não precisa começar um grupo, colocar um website no ar ou qualquer coisa do tipo – só precisa encarar seriamente o sofrimento e dedicar um pouco do seu tempo e dinheiro para fazer a diferença; nós forneceremos os materiais e toda a orientação que você precisa. (BALL, 2008)

As estimativas variam, porém, de acordo com o website da Vegan Outreach, até o ano de 2007 foram distribuídos mais de 5.7 milhões de brochuras informativas da referida organização e, como é mencionado, “supondo que um total de apenas 1% das pessoas que receberam os folhetos mude seus hábitos, mais de 100 milhões de animais terrestres serão salvos das cruezas da agricultura moderna dentro dos próximos 50 anos” (VEGAN OUTREACH, 2007). Outrossim, a perspectiva mantida por Hawthorne, Norris e Ball sobre a Vegan Outreach e suas técnicas empregadas parece não ser exclusiva, haja vista os numerosos colaboradores e apoiadores do grupo em voga. Por exemplo, o ativista John Camp, que sozinho distribui anualmente cerca de cem mil panfletos em campi universitários em nome da Vegan Outreach afirma:

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A entrevista completa pode ser lida em: .

Em apenas uma hora, muitas vezes, podemos atingir centenas de indivíduos com essa informação. Mesmo que só uma pessoa vire vegetariana após isso, estamos considerando aproximadamente trinta e cinco aves e mamíferos que terão suas vidas poupadas do sofrimento anualmente. Isso não inclui o número de pessoas que ficarão mais sensíveis aos problemas da criação animal, entre outros. Em resumo, essa é uma forma altamente efetiva e eficaz de utilizar o tempo. (CAMP apud HAWTHORNE, 2007).

Faz-se necessário destacar que, até o presente momento, não foram encontrados estudos ou pesquisas com as estimativas reais do número de animais que serão poupados após um indivíduo aderir ao veganismo. O que há, de fato, são suposições frágeis e sem qualquer embasamento empírico acerca da quantia total de animais salvos, como pode ser observado a partir dos comentários de Camp (2007). A própria Vegan Outreach vale-se de tais estatísticas quando, por exemplo, problematiza o caso dos 200 milhões de consumidores 4 no ensaio5 “Does being a vegetarian really save animals?”:

Existe 200 milhões de consumidores, cada um deles consome 50 animais criados em fazendas todos os anos. Nesse mercado, há apenas dez outputs anuais possíveis para os criadores de animais: um bilhão de animais, dois bilhões, e daí por diante até chegar aos dez bilhões. A diferença entre cada um desses outputs anuais – um bilhão – é a menor unidade de demanda perceptível para o agricultor, sendo, portanto, a unidade de produção primária (treshold unity). Uma vez que existe 20 milhões de consumidores por unidade de produção primária, e que apenas um único desses consumidores realmente completará a unidade da qual sua compra é parte, a probabilidade de completar a unidade é uma em 20 milhões. Isso significa que ao comprar carne para o ano, o indivíduo tem uma única oportunidade em 20 milhões de afetar a produção e o abate de um bilhão de animais. A consequência esperada é, então, 1/20 milionésimos, vezes um bilhão, cujo resultado é igual a 50 – ou seja, criar e abater 50 animais por ano. Dado os horrores da pecuária atual, essa é uma consequência substancial. Esses números hipotéticos estão bastante próximos dos números reais da produção e consumo de carne nos Estados Unidos. (VEGAN OUTREACH)

Em seu ensaio denominado “Leafleting for Vegan Outreach”, publicado no livro Meat Market. Animals, Ethics, & Money, do supramencionado ativista Erik Marcus, Joe Espinosa e Marsha Forsman defendem o mesmo pensamento de Hawthorne (2008) e Camp (2007) no tocante ao impacto e relevância das estratégias educacionais adotadas pela Vegan Outreach. Nas palavras dos autores:

No decorrer dos vários anos em que temos trabalhado para a Vegan Outreach, distribuímos, pessoalmente, mais de 54 mil folhetos, pois acreditamos que isso é essencial para fornecer às pessoas informações completas e apuradas acerca

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Para maiores informações acerca dessa temática, ver: MATHENY, G. Expected utility, contributory causation, and vegetarianism. Journal of Applied Philosophy. Vol.19, Nº3, 2002. 5 O ensaio completo pode ser lido em: .

do que os animais têm de suportar nas fazendas de criação hoje em dia, de modo a motivá-las a abandonar esse tipo de crueldade. [...] O número de pessoas que a mídia pode vir a alcançar é imenso, porém geralmente há falta de qualidade na mensagem transmitida. [...] Os detalhes, a clareza e citações fortes são vitais para chamar a atenção do leitor – materiais literários menores normalmente carecem de tais qualidades. (ESPINOSA & FORSMAN, 2005, p.140-141)

Percebe-se uma legítima preocupação por parte dos autores com a compreensibilidade das informações apresentadas ao público alvo da panfletagem. Nesse contexto, o último tópico a ser abordado nas considerações feitas por Espinosa & Forsman (2005) acerca da necessidade da clareza dos materiais a serem distribuídos viabiliza uma passagem para a terceira seção do presente trabalho, a qual versa, em especial, sobre o caso da legibilidade dos panfletos veganos e seu impacto na promoção dos direitos animais. III – A realidade da panfletagem como estratégia educacional de divulgação pública do veganismo

Em um estudo realizado pelo Humane Research Council, uma organização não governamental norte-americana, cujo objetivo principal é prover instrumentos de pesquisa e análise teórico-práticos estatísticos para aqueles interessados na defesa animal, avaliou os níveis de legibilidade de alguns dos principais panfletos utilizados nos Estados Unidos como forma de divulgação pública do veganismo. O artigo intitulado Readability of Vegan Outreach (2011) é o resultado da referida pesquisa e pode lançar luz às dificuldades mencionadas por Espinosa & Forsman (2005) em seu ensaio, além de estruturar outro possível método de avaliação das reais consequências de uma estratégia educacional como a panfletagem vegana massiva. A pesquisa identificou e avaliou um total de onze panfletos, os quais representavam nove organizações diferentes (três dos panfletos organizados pertenciam a Vegan Outreach). Para facilitar os métodos de análise de legibilidade, todas as imagens, fotografias e anúncios foram removidos dos panfletos examinados, possibilitando, igualmente um detalhamento dos graus do nível de leitura norte-americanos 6. Alguns dos resultados do estudo são os seguintes:

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Acerca das distinções utilizadas na pesquisa em pauta, o Humane Research Council pontua: Para determinar o nível de alfabetização dos adultos americanos, o Departamento de Educação dos Estados Unidos conduziu um estudo chamado Avaliação Nacional de Alfabetização Adulta (ANAA, National Assessment of Adult Literacy – NAAL), administrado pela última vez em 2003. Esta pesquisa testou a alfabetização de 19.200 adultos norte-americanos e classificou suas habilidades de alfabetização em uma

  





Um adulto americano mediano possui entre o 9º e 10º grau de nível de leitura, e 44% dos adultos possuem o 8º grau de nível de leitura, ou um grau mais baixo. O HRC recomenda a criação de materiais para o 7º ou 8º grau de nível de leitura, de modo a assegurar a compreensibilidade por uma grande porção do público alvo. Entretanto, todos os materiais de divulgação vegana examinados no presente estudo foram escritos para o 11º grau de nível de leitura ou um mais alto, o que indica que os materiais mais populares do movimento vegetariano possam ser incompreensíveis para a metade ou mais do público alvo. Baseado em seis testes de legibilidade, as pontuações médias variaram de um baixo nível de leitura de 11º grau para kits PCRM para vegetarianos iniciantes a mais do que o 15º nível (além do nível universitário) para a brochura Humane Mith. Em resumo, constatou-se que a maioria dos panfletos analisados foi escrita em três ou quatro níveis mais altos do que a média dos americanos adultos. (HUMANE RESEARCH COUNCIL, 2011, p.1).

Ainda, é importante notar que a legibilidade não é, necessariamente, o fator central no que tange a eficácia de um dado panfleto, embora deva ser considerada como um componente basilar do material. A facilidade de transmissão de informações é a característica-chave de um panfleto. E é a partir de um texto claro e pontual que se pode educar, conscientizar e persuadir um indivíduo a dar uma maior atenção ao sofrimento não-humano e, consequentemente, adotar o modo de vida vegano. Assim, não importa quantas dezenas de milhares de panfletos um bom folheteiro possa entregar durante uma semana. Se a mensagem trazida não puder ser apropriadamente compreendida pelo público alvo, a estratégia educacional em pauta mostra-se ineficiente e objetável tanto no âmbito teórico, quanto no prático. É digno de nota o fato de que a pesquisa realizada pelo Humane Research Council, tenha ido de encontro à perspectiva defendida por Espinosa & Forsman (2005) no que concerne à utilidade de citações nas brochuras. Conforme os autores defendem, o uso de citações fortes pode auxiliar positivamente no impacto de um panfleto. No estudo aqui comentado, embora seja facultado certo valor à utilização de citações de especialistas e escala de 0-500 para três diferentes tipos de material – prosa, documentos e materiais quantitativos. Estas pontuações foram associadas a quatro categorias amplas: sub-básica, básica, intermediária e proficiente. [...] O Serviço de Alfabetização para Jovens Adultos (SAJA, Young Adult Literacy Survey – YALS) de 1985 usou os mesmos métodos e pontuações do ANAA (NAAL) e traduziu esta pontuação em níveis aproximados de escolaridade. [...] A média da pontuação de alfabetização dos americanos adultos varia entre 271 e 283, que corresponde ao nível de leitura do ensino médio, ou aproximadamente ao 10º grau. Quase metade (44%) de todos os americanos adultos não cursou faculdade e pessoas neste faixa de escolaridade têm uma pontuação média de escolaridade de 262. Assim, se materiais de divulgação vegana/vegetariana têm como alvo a população em geral, eles devem ser escritos num nível de leitura correspondente ao 7ª ou 8ª grau. (HUMANE RESEARCH COUNCIL, 2011, p.3).

outras figuras famosas, adverte-se que a dependência de passagens literárias alheias pode contribuir para a ilegibilidade do material vegano. Por conseguinte, o uso de citações precisa ser cuidadosamente pensado, de modo a possibilitar uma maior fluidez na leitura do texto e, assim, maximizar sua compreensibilidade. Dessa forma, vale a pena ressaltar que:

Aumentar a legibilidade é o primeiro passo para ampliar a eficácia dos materiais de divulgação vegana. Um exame futuro da eficácia do texto em materiais veganos promocionais também deveria avaliar a compreensão (como os leitores entendem a mensagem), o que certamente seria aprimorado com uma melhor legibilidade. Além disso, os aspectos persuasivos de diversos argumentos devem ser compreendidos – um argumento que não se mostra persuasivo não irá funcionar, não importa o quão clara e simplificadamente ele tenha sido escrito. (HUMANE RESEARCH COUNCIL, 2011, p.8).

Em outro artigo intitulado “Strategy & Message Development for Animal Advocacy” (2006), o Humane Research Council problematiza a questão das mensagens a serem transmitidas pelos grupos de proteção animal, e como elas são capazes de alterar significativamente o modo como uma dada campanha é vista pelo público. Em uma passagem central desse ensaio é argumentado que:

Sua mensagem é sua estratégia de posicionamento; ela molda uma escolha para o seu público alvo em termos favoráveis para a sua campanha e desfavoráveis para a sua oposição. Conforme a nossa definição de estratégia, uma boa mensagem reflete os pontos fortes de uma campanha, minimiza suas fraquezas e se diferencia das vulnerabilidades correspondentes à posição contrária. Dessa forma, sua mensagem deve refletir certas questões específicas e substantivas, além de vantagens comparativas; mensagens não são baseadas em “palavras bonitas” ou simples imagens. Se você não fizer distinções e esclarecer as diferenças entre as campanhas opostas, então você não terá uma boa campanha. (HUMANE RESEARCH, COUNCIL, 2006, p.1).

A defesa da panfletagem como estratégia educacional de divulgação pública do veganismo, como pôde ser visto acima, é problemática em múltiplos sentidos. Apesar dos apontamentos traçados por diversos ativistas engajados na prática da metodologia de ação em voga, não há motivos para acreditar que a distribuição em larga escala de folhetos possa trazer qualquer benefício aos interesses não-humanos, ou seja capaz de ir, ao menos minimamente, em direção à abolição da exploração animal institucionalizada. Embora possam ser apresentados números astronômicos concernentes à quantia total de panfletos distribuídos em escala nacional, internacional, ou global, até o presente momento não foram expostas reais evidências da eficácia ou efetividade da panfletagem vegana. Não existem estudos ou estatísticas sobre o emprego de tal técnica em prol dos não-humanos.

Ainda assim, ela é fundamentada e resguardada a partir de frágeis assertivas baseadas em estimativas duvidosas e até em intuições pessoais. Ademais, mesmo que possa haver quaisquer implicações positivas da adoção da distribuição de panfletos como estratégia educacional, essas são passíveis de serem minadas pela ilegibilidade dos tópicos discutidos no material entregue, gerando, assim, uma incompreensibilidade por parte do leitor, de modo a afastá-lo do veganismo e da defesa dos direitos animais. Por conseguinte, faz-se necessário, ao menos, examinar academicamente a prática em questão para que seja possível o planejamento e a criação de metodologias de conscientização pública capazes de sensibilizar o grande público e, de fato, dar um verdadeiro passo em direção à abolição da escravidão animal.

Considerações finais.

Em vista de se concluir esse estudo, alguns pontos previamente levantados devem ser resgatados. Primeiramente, é inegável que uma das principais mudanças de perspectiva atinentes à relação moral estabelecida entre humanos e não-humanos teve origem em um panfleto. Em outras palavras, o folheto distribuído por Richard D. Ryder nos corredores da Universidade de Oxford no início da década de 70 trouxe à tona um dos conceitos mais fundamentais discutidos na defesa animal hoje em dia – i.e., especismo. Em segundo lugar, autores ativistas como Mark Hawthorne, Erik Marcus, Matt Ball, Jack Norris, entre outros, sustentam um posicionamento pró-panfletagem baseado, sobretudo, em experiências pessoais próprias, as quais não revelam, necessariamente, todos os aspectos concernentes à metodologia de conscientização em voga. Nesse mesmo ponto, a despeito dos números impressionantes apresentados pela organização Vegan Outreach, não há evidências que comprovem a real eficácia da panfletagem vegana massiva, ou mesmo em nível local, em nome dos direitos dos animais. Por último, as pesquisas realizadas pelo Humane Research Council expõem outra problemática faceta da panfletagem vegana, qual seja, a ilegibilidade dos materiais promocionais atualmente entregues ao público. Em observância a isso, aqueles que ainda assim intentam salvaguardar a prática da panfletagem vegana devem, ao menos, demonstrar uma sincera preocupação com o conteúdo a ser divulgado em suas brochuras e folhetos. Caso contrário, estarão colocando em risco não apenas a compreensibilidade

de seus escritos, mas igualmente dificultarão muito mais os avanços em prol da abolição da exploração animal institucionalizada. Referências: BALL, M. “A Meaningful Life: Making a difference in today’s world”, 2008. Disponível em: . Acessado em: 28/07/2012. HAWTHORNE, M. Striking at the roots. A practical guide to animal activism. Winchester, UK: O Books, 2008. HAWTHORNE, M. Animal tracts – Changing lives one leaflet at a time. Satya: A Magazine of Vegetarianism, Environmentalism, and Animal Advocacy, 2007. Disponível em: . Acessado em: 28/07/2012. HUMANE RESEARCH COUNCIL, “Readability of vegan outreach literature”, 2011. Disponível em: . Acessado em: 28/07/2012. HUMANE RESEARCH COUNCIL, “Strategy and message development for animal advocacy”, 2006. Disponível em: . Acessado em: 28/07/2012. MARCUS, E. Meat Market. Animals, ethics, & money. Boston: Brio Press, 2005. RANDY, S. “Small, not insignificant: a specification for a conservation pamphlet binding structure”. The Book and Paper Group Annual, vol. 6, 1987. Disponível em: . Acessado em: 28/07/2012. RYDER, R. D. “Speciesism”, 1970. Disponível . Acessado em: 28/07/2012.

em:

THE VEGAN CULINARY EXPERIENCE, “Interview with Jack Norris, President and Cofounder of Vegan Outreach”. Disponível em: . Acessado em: 28/07/2012. VEGAN OUTREACH, “Does being a vegetarian really save animals?” Disponível em: . Acessado em: 28/07/2012. VEGAN OUTREACH, “Enewsletter”, 2007. Disponível em: . Acessado em: 28/07/2012.

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