Para além da televisão: o WhatsApp como extensão de diálogos de telenovelas mexicanas no Brasil

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Para além da televisão: o WhatsApp como extensão de diálogos de telenovelas mexicanas no Brasil Joana d’Arc de NANTES1 Paula FERNANDES2 Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ

Resumo: O presente artigo se propõe a analisar a recepção de telenovelas mexicanas no aplicativo de celulares WhatsApp. A pesquisa tem como corpus o grupo “Drama Mexicano – DM”, que é composto atualmente por vinte e um jovens e adultos entre 18 e 31 anos, homens e mulheres, residentes em diferentes regiões do Brasil. Como metodologia deste estudo realizou-se uma etnografia virtual no grupo, bem como a aplicação de um questionário e entrevistas com os membros. Dessa forma, buscou-se demonstrar que o WhatsApp tem se consolidado como um ambiente comunicacional para interação de grupos que compartilham interesses em comum, como, por exemplo, produtos midiáticos tal qual telenovelas mexicanas. Palavras-chave: WhatsApp; telenovela mexicana; recepção. 1 Introdução Na década de 1980, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT) iniciou a prática de compra e exibição de telenovelas mexicanas no Brasil. José Salathiel Lage – responsável pelo núcleo de dublagem do SBT naquele período – justifica em entrevista para Arlindo Silva, que se optou pelas telenovelas mexicanas pelo preço. Segundo ele, essas tramas custavam 25% menos que as produções nacionais e obtinham mais audiência. Lage destaca que nessa fase inicial, cerca da metade das telenovelas que ia ao ar era importada e a outra metade era produzida pelo SBT (SILVA, 2000, p. 111). Bacharela em Produção Cultural e Bacharela em Estudos de Mídia, Universidade Federal Fluminense – UFF. Mestranda em Comunicação – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 2 Bacharela em Comunicação Social – Jornalismo, Universidade Federal de Viçosa – UFV. Mestranda em Comunicação Social – Mídia, Cultura e Produção de Sentido, Universidade Federal Fluminense – UFF. 1

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De acordo Bronosky (1998), a escolha por produtos mexicanos também tinha como objetivo atingir as camadas mais populares (BRONOSKY, 1998, p. 34). Em conformidade com essa perspectiva, Luciano Calegari, diretor superintende do canal na época, declarou para a Veja que o SBT iria começar com um apelo popular para criar o hábito e depois iriam se sofisticar. Dessa forma, segundo ele, fariam o mesmo caminho que a concorrente TV Globo. Contudo, a estratégia de aproximação com as camadas populares não se constituiu como uma fase provisória, mas como uma marca da emissora do Silvio Santos. Ainda que tenha se atualizado no decorrer dos anos e extinguido programas ditos “popularescos” – tal como “O Povo na TV” –, a emissora manteve o caráter popular e a valorização nas classes C e D (MIRA, 2001). Nesse contexto, as telenovelas mexicanas permaneceram na grade da emissora e conquistaram telespectadores brasileiros. Nos anos 2000, por exemplo, 65%3 das telenovelas transmitidas pelo SBT eram mexicanas e, em 2010, as tramas importadas ganharam um horário fixo na grade da emissora no período vespertino. A partir da década de 1990, outras emissoras no Brasil também passaram a importar telenovelas estrangeiras. A Rede Bandeirantes4, por exemplo, exibiu atrações de distintas nacionalidades, dentre elas: a telenovela venezuelana “Maria Celeste” (1997), a mexicana “Traição” (1997) e a portuguesa “Olhos de Água” (2004). Em 2015, a Band começou a transmissão de produções turcas5, apresentando “As Mil e Uma Noites”, “Fatmagul: A Força do Amor” e, em 2016, “Sila: Prisioneira do Amor”. A emissora Rede TV! também aderiu a prática de importação, entre as tramas destaca-se a telenovela colombiana “Betty, a Feia” (2002), que garantiu durante sua exibição a terceira posição na audiência, conseguindo, eventualmente, ocupar o segundo lugar (MATTOS, 2003). Mesmo que de forma não muito expressiva, as telenovelas estrangeiras também foram incorporadas a TV por assinatura no Brasil. De 2011 a 2013, a operadora OI TV transmitiu o TLN Network – canal de televisão por assinatura da Televisa – que apresentava produtos ficcionais mexicanos dublados em português. Já no ano de 2014, o canal fechado +Globosat exibiu a trama “A Rainha do Tráfico”, uma coprodução da rede de televisão americana Telemundo e da colombiana RTI. Salienta-se que com avanço tecnológico o acesso às tramas importadas não se restringiu ao meio televisivo. Tornou-se possível a difusão de telenovelas estrangeiras e de tantos outros produtos ficcionais pela internet, via streaming, Netflix, sites como YouTube, Dailymotion e outros. Devido as transformações digitais e a evolução da internet alguns teóricos defendem que seja o fim da televisão, Dado coletado em pesquisa monográfica da autora intitulada Audiência da telenovela mexicana no Brasil: o caso de A Usurpadora, defendida na Universidade Federal Fluminense em 2016. 4 A Rede Bandeirantes também é conhecida como Band. 5 As produções turcas exibidas pela Rede Bandeirantes são originalmente séries com distintas temporadas, mas no Brasil são apresentadas no formato diário de telenovelas. 3

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contudo, argumenta-se, neste trabalho, que a televisão deve se adaptar, mas está longe do fim. Assim como apontam Orozco e Miller: “Não podemos prever o futuro da TV na América Latina – mas podemos dizer com confiança que as reivindicações de sua morte são exageradas”6 (OROZCO; MILLER, 2016, p. 99, tradução nossa). Nota-se, nessa conjuntura de mudanças tecnológicas, que os próprios telespectadores passaram a compartilhar tramas on-line e algumas emissoras fizeram o mesmo. No decênio de 2010, o SBT começou a distribuir no meio digital a íntegra dos conteúdos que compõem sua grade (dentre eles as telenovelas brasileiras e estrangeiras). De mesmo modo, a rede de TV mexicana Televisa também chegou a disponibilizar seus materiais, mas os retirou após criar a sua plataforma on-demand paga, intitulada Blim. Assim como se propagaram os dispositivos nos quais é possível ver esses produtos ficcionais, os debates sobre as telenovelas também passaram a circular por diferentes meios. Se antes as discussões se concentravam majoritariamente no cotidiano familiar, atualmente observa-se que ele tem se deslocado muito para o ambiente virtual. Como pontua Campanella (2010), novas tecnologias como blogs, fóruns on-line e o Twitter são adotados pela audiência para debater conteúdos que lhe pareçam pertinentes. Neste contexto, destaca-se o aplicativo para dispositivos móveis WhatsApp Messenger, ambiente virtual usado para a realização desta pesquisa. Objetiva-se neste trabalho demonstrar que essa ferramenta tem se consolidado como um espaço onde o público interage, troca informações e constrói laços em torno de interesses em comum, como, por exemplo, telenovelas mexicanas. Para o embasamento das ideias aqui propostas, realizou-se uma etnografia virtual no grupo “Drama Mexicano – DM”, bem como a aplicação de um questionário e entrevistas on-line com os membros. 2 O WhatsApp Criado em 2009 por Brian Acton e Jan Koum, o WhatsApp é um aplicativo para celulares do tipo smartphones que possibilita a troca de mensagens sem custos por SMS (mensagem de texto convencional), sendo necessário para a utilização da ferramenta estar conectado à internet. Através dele é possível enviar textos, imagens, vídeos, áudios e arquivos para uma pessoa ou grupos, que podem ser compostos por até 256 pessoas. Também é possível utilizá-lo por meio de um computador, porém, exige que o celular esteja ligado simultaneamente. O WhatsApp apresenta diversas aplicabilidades no contexto contemporâneo, facilitando a troca de informações e o acesso a pessoas e a redes de contatos independente da natureza de relação entre eles. Desta forma, pode ser empregado em Texto original: “We cannot predict the future of TV in Latin America – but we can say with confidence that the claims for its demise are overstated.” (OROZCO; MILLER, 2016, p. 99). 6

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conversas diárias, sobre inúmeras questões, com quem tem-se um relacionamento próximo, como amigos e familiares, por exemplo, mas também com pessoas desconhecidas, uma vez que para estabelecer um diálogo é preciso somente o número de telefone que está conectado ao aparelho celular. Desse modo, muitos usuários dessa ferramenta têm criado grupos na plataforma e divulgado em sites de redes sociais para que outras pessoas deixem os números telefônicos e possam ser adicionadas, formando novos espaços de contato e interação. As motivações para a criação desses grupos são variadas, entre elas alguns se reúnem para conversar sobre produtos midiáticos que gostam, como é o caso do grupo “Drama Mexicano – DM”, que compõe o corpus de análise deste trabalho. Na perspectiva deste estudo, esses grupos criados podem ser considerados comunidades virtuais de associação (RECUERO, 2014), uma vez que carregam características semelhantes desses agrupamentos. Segundo Recuero (2014), esse tipo de construção grupal não necessita de interação direta ou formação de laços prévios entre seus integrantes para se constituírem como comunidades. Ainda de acordo com a autora, “[...] comunidades de associação parecem agregar-se em torno de interesses comuns voltadas para a identificação e o “estar junto” mais independente da interação social mútua entre os atores” (RECUERO, 2014, p.162). Nessas comunidades as interações sociais são reativas, não pressupõem interação direta entre os atores ou mesmo interação social no sentido de conversação. Compreende-se ainda, neste trabalho, que de acordo com a dinâmica desses grupos no WhatsApp, com o aumento do nível de interação e proximidade dos membros, é possível que se tornem comunidades virtuais emergentes (RECUERO, 2014). Para isso é necessário que haja reciprocidade entre os atores sociais, bem como trocas comunicativas constantes. 3 Drama Mexicano – DM: o grupo de análise Em 2012, foram criados a página no Facebook “Drama Mexicano – DM”7 e o grupo no mesmo site de rede social, intitulado “Drama Mexicano – O grupo”8. A página conta com mais de 37 mil curtidas9 e veicula informações relacionadas com produtos midiáticos de origem latino-americana de maneira geral, não restritos ao México. Tendo em vista as limitações de interações na página do Facebook, uma vez que as postagens são de um para muitos (LEMOS, 2003) e os espaços de interação se restringem aos comentários, os administradores decidiram criar o grupo. O “Drama

Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2016. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2016. 9 Dado coletado em 5 de junho de 2016. 7 8

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Mexicano – O grupo”, que possui mais de 15 mil membros10, foi criado para que houvesse uma maior interação entre os admiradores de produtos latino-americanos. Inicialmente, nele eram criados diariamente tópicos com o título do capítulo da telenovela que estava sendo exibida no SBT para que pudessem ser comentados, porém com o passar do tempo essa prática foi abandonada. Observa-se, então, como característica do grupo postagens de notícias relacionadas com a temática do espaço. Em 2013, com o objetivo de criar mais um espaço para comentar sobre as telenovelas mexicanas que estavam sendo transmitidas pelo SBT, a administradora do DM fez um grupo no aplicativo WhatsApp chamado “Drama Mexicano – DM”. Para entrar nele é necessário deixar o número de celular em um tópico fixo no grupo do Facebook e para se manter como membro no aplicativo a pessoa deve ser ativa, participando das discussões e compartilhando conteúdo constantemente, caso o contrário ela é excluída. No período da pesquisa11, o grupo do “Drama Mexicano – DM” era formado por 2 homens e 19 mulheres, entre 18 e 31 anos, residentes nos seguintes estados do Brasil: Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. No que se refere ao grau de escolaridade, mais da metade possuía o nível superior incompleto, em andamento ou concluído. Em relação à renda familiar, 8,3% recebia até um salário mínimo, 58,3% tinha uma renda de dois a três salários mínimos e 33,3% possuía uma renda de quatro a seis salários mínimos. 4 Metodologia De acordo com Hine, “uma etnografia na internet possibilita que se observe em detalhes as formas pelas quais a tecnologia é experienciada em uso”12 (HINE, 2000, p. 4, tradução nossa). Visando compreender os usos, as apropriações e as interações feitos pela recepção de telenovelas mexicanas no aplicativo WhatsApp, optou-se como metodologia deste estudo a realização de uma etnografia virtual (HINE, 2000) no grupo “Drama Mexicano – DM”. No que tange ao método empregado, acredita-se que é fundamental a imersão na comunidade estudada para que se entenda as suas particularidades. Dessa forma, buscou-se constantemente interagir no grupo. Porém, havia uma preocupação de manter um certo afastamento, tendo em vista o lugar de pesquisadora e, em determinados momentos, – especialmente em casos que ocorreram discussões ou que os assuntos traziam opiniões muito contrárias dos integrantes – evitou-se participar. Vale ressaltar também que duas pesquisadoras integraram este estudo e enquanto Dado coletado em 5 de junho de 2016. A pesquisa foi realizada nos meses de abril e maio de 2015. 12 Texto original: “An ethnography of the Internet can look in detail at the ways in which the technology is experienced in use.” (HINE, 2000, p. 4). 10 11

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uma estava inserida na comunidade, a outra se manteve fora, com um olhar mais distanciado, analisando apenas os dados coletados. A entrada no grupo ocorreu em fevereiro de 2015 por uma das autoras desta pesquisa para a realização de um trabalho anterior voltado para o estudo de fãs da telenovela “A Usurpadora” no Brasil. Para integrar a comunidade no WhatsApp foi contatado diretamente um dos moderadores através de mensagem privada no Facebook, explicitado a condição de pesquisadora e solicitada a participação. Apesar da inserção na comunidade ter ocorrido em 2015, o trabalho de etnografia virtual para a realização deste estudo concentrou-se nos meses de abril e maio de 2016 e culminou na coleta de 3804 dados13, distribuídos em 3609 mensagens textuais (incluindo os emojis), 183 imagens, 3 vídeos e 9 áudios. Em paralelo a essa coleta de dados foram feitas anotações relativas as interações observadas dentro do grupo. O desenvolvimento desta pesquisa abarcou também a aplicação de um questionário composto por 26 perguntas abertas e fechadas distribuído on-line para os membros do grupo e entrevistas estruturadas. 5 Análise dos dados Todas as vezes que um membro entra no grupo ele é saudado pelos participantes com a expressão “seja bem viado(a)”. Trata-se de um hábito na comunidade que começou a ser usado após o corretor ortográfico do celular de uma das pessoas trocar “seja bem-vindo” por “seja bem viado”. Geralmente após algumas saudações alguém se prontifica a explicar ao novo integrante o motivo do uso da expressão, como eles dizem “O Bem Viado é tradição”. Dessa forma, o primeiro contato é sempre informal e por todos se apresentarem e cumprimentarem o novo participante a impressão é de um ambiente receptivo. Durante a pesquisa observou-se que a interação no grupo é constante. Na maioria dos dias os diálogos eram longos e com diversos assuntos. Poucas vezes as conversas se restringiram apenas a saudações como, por exemplo, “Bom dia!”. Nos momentos que o grupo estava com um menor volume de conversa havia uma cobrança, como ilustra a fala de um dos membros: "Boa tarde povo ocupado. Bora prosear que esse grupo tá mais parado que jogo de série C". Através da análise averiguou-se que embora o grupo tenha sido criado inicialmente com o intuito de comentar sobre as telenovelas mexicanas, os assuntos discutidos e os conteúdos compartilhados são variados. Entre eles identificou-se uma regularidade de temáticas que foram categorizadas da seguinte forma: a) telenovelas mexicanas; b) atrizes e atores mexicanos; c) músicas latino-americanas; d) programação do SBT; e) programação da Televisa; f) telenovelas nacionais; g) séries; Os dados foram coletados através de captura de tela das conversas no aplicativo. Em acordo com os membros essas imagens não serão divulgadas para preservar a privacidade do espaço. Para exemplificação serão apresentados apenas alguns trechos transcritos sem identificação dos membros. 13

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h) futebol; i) comida; j) assuntos sobre a vida pessoal. Em meio a esses tópicos, os mais recorrentes são os que estão relacionados com a cultura mexicana, especialmente com as telenovelas. Enquanto as discussões de cunho pessoal não são muito frequentes e também não são aprofundadas nas conversas. Mediante os dados quantitativos constatou-se que 100% dos membros assistem telenovela pela televisão e às vezes utilizam de outros dispositivos como o celular e o computador. Mas independente do meio, eles afirmam sempre buscar comentar sobre as tramas, frequentemente em tempo real, como se estivesse assistindo juntos fisicamente, como retrata o diálogo abaixo: Pessoa 1: Tô vendo mcet14 Pessoa 2: Eu tmb Pessoa 1: A velha tem um fogo no rabo que dá licença kk Pessoa 2: Cena de coração indomável 15 em mcet (sequência de emojis de coração) Pessoa 1: Eu vi. A cena épica da lama

Para os integrantes, assistir e comentar no WhatsApp é algo “prazeroso”, eles podem saber a opinião dos outros membros. Além disso, segundo eles, não haverá julgamentos, pelo contrário, todos têm interesse por telenovelas mexicanas. Nesse sentido, eles descrevem o aplicativo como um espaço mais próximo e seguro para se discutir uma temática que não é valorizada enquanto um produto midiático: A gente tem um gosto em comum que é novela mexicana e esse gosto não é muito bem aceito para a maioria das pessoas. Geralmente a gente é zoado, porque a gente gosta de telenovela mexicana. E lá todo mundo gosta, então, eu acho que por causa disso, tudo o que a gente fala que a gente gosta, ninguém julga. (Mulher, 22 anos de São Paulo, em entrevista).

De fato, por intermédio da observação participante foi possível notar que os participantes se sentem à vontade para abordar todo o tipo de assunto. Por exemplo, o sexo, que poderia ser considerado um assunto tabu e é tão velado nas tramas mexicanas, era citado com naturalidade e por vezes reclamavam sobre o corte deles nas cenas desses produtos audiovisuais. Além da segurança descrita sobre o aplicativo, para os membros, o WhatsApp é um espaço rápido e instantâneo, diferente de outras mídias sociais. Nesse sentido, é necessário destacar que a ferramenta apresenta formas de interações diferente de sites de redes sociais. Sem a possibilidade de “curtir” o que outra pessoa fala, como existe, por exemplo, no Facebook, os membros de grupos na plataforma são colocados MCET é a sigla usada para a telenovela mexicana “Meu coração é teu” que foi exibida no SBT em 2016. 15 “Coração indomável” é uma telenovela mexicana exibida no SBT em 2015. 14

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em situações de diálogos constantes, o que, em certa medida, corrobora com a criação de laços entre eles. Relacionado ao aspecto instantâneo do aplicativo, pontua-se que muitos comentários feitos simultaneamente enquanto assistem às tramas são pontuais e só fazem sentido naquele momento específico. Assim, exigem uma interação imediata do outro, o que ocorre com frequência no grupo. Notou-se que mesmo que nem todos participem, ao menos um dos membros irá responder e comentar a cena. Ao questioná-los se havia diferença em conversar sobre telenovelas mexicanas pessoalmente e através do aplicativo, 58,3% afirmou que não e 41,7% disse que sim. Para os que disseram haver diferença, as justificativas indicaram que o WhatsApp trazia mais liberdade e que pelo aplicativo “as conversas fluíam mais”, uma vez que mais pessoas interagiam ao mesmo tempo. As discussões sobre os dramas mexicanos não se restringiam aos que estavam sendo exibidos pelo SBT, muitas vezes os diálogos tratavam de tramas que ainda não foram transmitidas no Brasil e eles estavam assistindo on-line ou que já haviam sido exibidas e eles relembravam. As telenovelas mexicanas também aparecem através das imagens compartilhadas no grupo, a maior parte delas são memes16 que fazem referência à alguma trama, imagens de elenco ou print screen17 de notícias vinculadas no Twitter sobre as telenovelas. Além disso, a imagem principal do grupo é trocada toda a sextafeira e contém sempre a foto de um ator ou atriz mexicano(a). Pontua-se que em relação aos vídeos, nenhum deles estava associado com os dramas mexicanos. No que se refere às categorias identificadas como distantes dos produtos midiáticos mexicanos, tais como: séries; futebol; comida; assuntos sobre a vida pessoal. Assinala-se que as três primeiras estavam associadas com o momento e a instantaneidade do diálogo sobre os tópicos, uma vez que eram assuntos quando a pessoa estava assistindo uma série ou quando estava sendo exibido um jogo de futebol ou quando estavam comendo algo. Tratava-se sempre de assuntos no instante em que o fato estava ocorrendo. Já os assuntos ligados a vida pessoal, eles eram raros e variados, por exemplo, algumas vezes os participantes comentavam sobre estar doente, as vezes falavam sobre a vida profissional, mas sempre de forma rasa, sem aprofundar nessas temáticas. O grupo é o descrito positivamente por todos os membros, tanto nas entrevistas, quanto nos questionários. Eles retratam o grupo como um ambiente “ótimo”, “legal”, de “entretenimento” e os classificam como uma “família”. Assim, mesmo não havendo relevante exposição da vida privada, os membros se veem como amigos e o espaço do WhatsApp é tido por eles como um espaço que permite uma maior proximidade do que sites de redes sociais. 16 17

Imagens com caráter cômico que são compartilhadas no ambiente virtual. Captura de tela. 8

Pontua-se que apesar da convivência ser descrita nas falas como harmoniosa. Observou-se que existem conflitos entre os membros. Em alguns momentos os embates foram claros, porém, em outros a ironia era sutil, com o uso de emojis, por exemplo. Algumas vezes os embates estavam relacionados com as telenovelas. Porém, notou-se que os conflitos geralmente estavam relacionados a algum assunto ligado diretamente a algum aspecto da vida pessoal dos membros. Em relação a essa questão, destaca-se a diferença do modo como os integrantes reportam o grupo e como o pesquisador percebe a dinâmica, só foi possível alcançar essa contradição devido a imersão na comunidade, a qual permitiu averiguar as particularidades do espaço e comparar com as respostas apresentadas pelos integrantes. 6 Considerações finais A presente pesquisa foi realizada a partir do entendimento da recepção como um processo que antecede e prossegue o ato de assistir televisão (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002). Neste trabalho, compreende-se que “o sentido primeiro apropriado pelo receptor é por este levado a outros cenários em que costumeiramente atua” (LOPES; BORELLI; RESENDE, 2002, p. 40). Tratando-se dos dias atuais, frente aos avanços tecnológicos e o constante surgimento de novas mídias, destaca-se a afirmação de Orozco (2011) de que a mudança nos processos de recepção está na localização das audiências, presentes em diferentes telas (OROZCO, 2011, p. 381). Dessa forma, de mesmo modo que a recepção não se inicia no grupo do WhatsApp, ela não se encerra na ferramenta. O aplicativo refere-se a um ambiente no qual ela perpassa e, portanto, merece ser analisado. Observou-se que assim como as telenovelas fazem parte do cotidiano dos membros, o grupo no WhatsApp também passa a fazer parte. Eles criam o hábito de debater sobre os produtos midiáticos mexicanos naquele ambiente. Porém, isso não quer dizer que as conversas pessoalmente se esgotaram, eles apenas ampliaram o espaço de discussão. Constatou-se também que o grupo no aplicativo se configura no local em que os integrantes criam laços a partir do consumo em comum. Eles partilham valores (representados nas tramas), interesses, gostos, preferencias, entre outras coisas. Em relação ao WhatsApp, salienta-se que é importante complexificar a questão do espaço enquanto de maior proximidade. A internet ao mesmo tempo que aproxima – no que se refere ao seu caráter instantâneo e simultâneo –, ela também distancia – no que diz respeito a distância física e/ ou territorial. Dessa forma, a proximidade deve ser relativizada, tendo em vista que sempre será marcada pela distância física. Por fim, é importante acrescentar considerações acerca da pesquisa no ambiente virtual, que apresentou vantagens e desvantagens. Em relação aos benefícios, destaca-se o fato de não haver a necessidade do deslocamento. Desse 9

modo, pode-se ampliar o escopo e alcançar pessoas distantes e de diferentes regiões. Enquanto, como desvantagem tem-se o aspecto das respostas poderem ser mais facilmente manipuladas. Mesmo que as pessoas utilizem seus números de telefones celulares no grupo do WhatsApp, não há garantia de veracidade, o mesmo se aplica as respostas ao questionários e entrevistas, que neste estudo foram realizadas on-line. Referências BRITTOS, Valério Cruz. A televisão no Brasil hoje: a multiplicidade da oferta. In: XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 21., 1998. Recife. Anais eletrônicos do XXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Disponível em . Acesso em: 2 de junho de 2016. BRONOSKY, M. E.. As Telenovelas do SBT. In: Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 1998, Recife. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 1998. Disponível em: . Acesso em: 2 de junho de 2016. CAMPANELLA, Bruno. Novos desafios teóricos para os estudos do consumo televisivo. Revista Eco-Pós (Online), v. 13, p. 5-13, 2010. COMO Funciona. WhatsApp Messenger. . Acesso em: 5 jun. 2016.

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Autores Joana d’Arc de Nantes é Mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense sob orientação do Prof. Dr. Bruno Campanella. Linha de pesquisa: Mídia, Cultura e Produção de Sentido. Participa do Núcleo de Estudos em Comunicação de Massa e Consumo (NEMACS), coordenado pelo Prof. Dr. Bruno Roberto Campanella e pela Profa. Dra. Carla Fernanda Pereira Barros. Tem interesse nas seguintes áreas de pesquisa: estudos culturais; recepção; telenovela; cultura fã; dentre outros temas. E-mail: [email protected] Paula Fernandes é Mestranda em Comunicação na Universidade Federal Fluminense sob orientação do Prof. Dr. Bruno Campanella. Linha de pesquisa: Mídia, Cultura e Produção de Sentido. Participa do Núcleo de Estudos em Comunicação de Massa e Consumo (NEMACS), coordenado pelo Prof. Dr. Bruno Roberto Campanella e pela Profa. Dra. Carla Fernanda Pereira Barros. Tem como principal área de interesse pesquisas envolvendo estudos culturais online, cibercultura (como consumo e produção colaborativa), redes sociais e seus desdobramentos, cultura pop contemporânea e interferências de novas formas de comunicação no cotidiano da sociedade como um todo, fãs e sua importânica no cenário atual e celebridades e suas interações virtuais. E-mail: [email protected]

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