Para além das muralhas, uma perspectiva dos recursos faunísticos no Calcolítico da Estremadura Portuguesa: o conjunto arqueofaunístico do locus 5 do Penedo do Lexim (Mafra).

June 15, 2017 | Autor: Ana Catarina Sousa | Categoria: Zooarchaeology, Neolithic & Chalcolithic Archaeology
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Para além das muralhas, uma perspetiva dos recursos faunísticos no Calcolítico da Estremadura:

o conjunto arqueofaunístico do Locus 5 do Penedo do Lexim (Mafra) *Instituto de Historia, CCHS Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC)

Marta Moreno García* Ana Catarina Sousa**

[email protected]

**UNIARQ - Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras de Lisboa (FL-UL) [email protected]

Resumo O presente trabalho descreve e analisa o espólio arqueofaunístico recuperado no Locus 5 do povoado fortificado do Penedo do Lexim, Mafra datado no Calcolítico Pleno (sem campaniforme). Foram identificados 1532 restos pertencentes na sua maioria a mamíferos. A considerável contribuição de animais domésticos, em especial ovicaprinos e suídeos (fundamentalmente porcos), indicia a importância das atividades agro-pastoris entre as comunidades humanas estabelecidas neste espaço durante o III milénio a.C. O reduzido número de restos de gado bovino, quando comparado com outros conjuntos contemporâneos do entorno, é discutido no marco de várias hipóteses de trabalho. Com o objetivo de melhorar o nosso conhecimento sobre quais foram os recursos aproveitados das principais espécies ganadeiras realizamos um estudo comparado das idades de abate. No caso dos ovicaprinos evidencia-se uma clara mudança em relação ao Neolítico Final, o aproveitamento prioritário de carne é substituído pela exploração dalguns dos chamados produtos secundários, previsivelmente o leite e o estrume. Por último, avalia-se o reduzido papel das atividades cinegéticas na economia local e apontamos as diferenças e semelhanças com outros espólios faunísticos do Calcolítico da Estremadura e do Alentejo.

Abstract In this paper we describe and analyze the faunal remains recovered from Locus 5 at the fortified settlement of Penedo do Lexim, Mafra dated to the Middle Chalcolithic (without Bell Beaker). Most of the 1532 remains identified belong to mammals. The outstanding contribution of domestic animals, in particular caprines and suids (mainly pigs), suggests the importance of agro-pastoral activities among the people settled there over the 3rd millennium BC. The low number of cattle compared to other contemporary assemblages of the surroundings is discussed taking into account different working hypotheses. With the aim of improving our knowledge on which the resources used from the main husbanded species were we conducted a comparative study of the age-at-death profiles. In the case of caprines there is clear evidence for change since the Late Neolithic: the meat priority pattern is substituted by the exploitation of some of the so called ‘secondary products’, presumably milk and dung. Lastly, we evaluate the scarce role of hunting activities in the local economy while some differences and similarities with other Chalcolithic faunal assemblages from the Estremadura and Alentejo regions are noted. 101

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1. Contextos em análise

Fig. 1 – Penedo do Lexim (a vermelho) e os povoados fortificados das Peninsulas de Lisboa e Setúbal. 1.Outeiro da Assenta; 2. Outeiro de S. Mamede; 3. Columbeira; 4. Vila Nova de São Pedro; 5. Pragança; 6. Ota; 7. Fórnea; 8. Zambujal; 9. Penedo (?); 10. Pedra do Ouro; 11. Castelo; 23. Penedo do Lexim; 25. Moita da Ladra; 34. Olelas; 43. Penha Verde; 48. Leceia; 62. Chibanes; 66. Castro de Sesimbra.

1.1. O povoado pré-histórico do Penedo do Lexim 1.1.1. A história das pesquisas A história da investigação arqueológica deste sítio arqueológico remonta a finais do século XIX. Estácio da Veiga (1879), na obra Antiguidades de Mafra descreve o «Monte do Lexim», destacando o seu património natural. Datam também do século XIX as primeiras recolhas de material, nomeadamente um machado de bronze citado por Possidónio da Silva e materiais pré-históricos recolhidos pelos Serviços Geológicos por Joaquim Scolla, sob a direção de Carlos Ribeiro (Sousa, 2010). É apenas um século depois, na década de 70 do século XX, que são efetuados os primeiros trabalhos de escavação sob a direção de José Morais Arnaud. Entre 1970 e 1974 foram realizadas duas campanhas de escavação de emergência na sequência da laboração de uma pedreira de brita (Arnaud & alii, 1971; Arnaud, 1974–1975). Simultaneamente, o labor da pedreira e a notoriedade do sítio, levam a numerosas recolhas avulsas por parte de vários coletores, na maioria não arqueólogos. É com base nestas recolhas, sem proveniência estratigráfica, que é efetuado o primeiro estudo arqueozoológicos do sítio (Driesch & Richter, 1976), um dos primeiros a ser publicado sobre conjuntos portugueses. Entre 1998 e 2004, uma das signatárias (ACS) dirigiu um projeto de investigação neste sítio, com seis campanhas de escavação e um vasto leque de estudos interdisciplinares, entre as quais a Arqueozoologia. Um estudo exaustivo de contextos, materiais e problemáticas foi apresentado na sua tese de dissertação de doutoramento O Penedo do Lexim e o povoamento do Neolítico final e Calcolítico da Ribeira de Cheleiros (Sousa, 2010).

Fig. 2 – Vista da vertente Este do Penedo do Lexim, com indicação dos sectores intervencionados.

O projeto desenvolvido entre 1998 e 2004 foi integrado no Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos, com o apoio da Câmara Municipal de Mafra e do então Instituto Português de Arqueologia. Os trabalhos de campo tiveram a codireção de Marta Miranda a partir de 2002. O estudo arqueozoológico do Penedo do Lexim iniciou-se através de concurso promovido pelo CIPA (Centro de Investigação em Paleoecologia Humana e Arqueociências) em 2000 e 2002. Os trabalhos de arqueozoologia acompanharam o progresso dos trabalhos de campo: inicialmente foram direcionados para o estudo dos níveis do Neolítico Final (Moreno & Sousa, no prelo), correspondendo a um sector

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Fig. 3 – Planta geral das áreas intervencionadas com marcação do Locus 5 e do trajeto das linhas de muralha.

escavado em 1998 e 1999. Face ao volume dos materiais faunísticos recolhidos (108 668 fragmentos) perspetivou-se o estudo de contextos específicos, que cobrissem a diacronia de uso do sítio e que correspondessem a distintas áreas do povoado. O presente artigo analisa um contexto intervencionado entre 2003 e 2004, tendo o seu estudo decorrido já com o Laboratório de Arqueobiologia do CSIC, em Madrid em 2013. 1.1.2. Fragmentos da história do povoado pré-histórico do Penedo do Lexim O sítio do Penedo do Lexim localiza-se na freguesia de Igreja Nova, concelho de Mafra, distrito de Lisboa (coordenadas geográficas: Latitude 9º 25’34.2588’’, Longitude - 38º 53’21.8003’’, Altitude – 232 m). Trata-se de uma chaminé vulcânica situada na margem esquerda da Ribeira de Cheleiros, curso de água que desagua no Oceano Atlântico. Esta fortificação «natural» domina visualmente a paisagem envolvente, em termos altimétricos e visuais, apresentando marcantes afloramentos verticais. Trata-se de uma elevação com três grandes plataformas naturais: 1. a plataforma superior, correspondendo ao núcleo central do 103

sítio; 2. a plataforma intermédia localizada a média encosta, incluindo vários núcleos delimitados por afloramentos rochosos e 3. uma plataforma inferior, na base do sítio (Sousa, 2010). A plataforma superior e intermédia corresponde ao núcleo central do povoado fortificado, onde se realizaram as diversas campanhas de escavação, perfazendo uma área total de 1,4 ha. A ocupação no sopé do Penedo, junto à vertente oeste, amplia a área ocupada, ascendendo a 4,7 ha. As campanhas de escavação foram organizadas em sectores nas referidas plataformas: no topo, o Locus 1; na plataforma intermédia os Loci 2, 3, 4, 5 e 6. Apenas o Locus 1 apresenta toda a diacronia de ocupação, existindo de alguma forma uma ocupação horizontal dispersa nas diferentes plataformas. O faseamento do sítio inclui uma primeira ocupação integrável no Neolítico Final (Sousa, 2003) identificada apenas em duas áreas circunscritas do povoado — o topo (Locus 1) e uma pequena plataforma situada na vertente sul (Locus 4). A principal fase de ocupação, presente em grande parte do sítio, integra-se no Calcolítico Inicial (c. 2800 a.n.e.) com a edificação de muralhas e de estruturas domésticas (Loci 0, 1, 2, 3, 3b), prolongando-se a ocupação pré-

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-histórica até finais ao Calcolítico Pleno, já no terceiro quartel do III milénio, nos Loci 1, 5 e 6 (Sousa, 2010). O povoado terá sido abandonado em finais do Calcolítico e reocupado pontualmente no Bronze Final e no Período Romano (Loci 1 e 6). 1.1.3. Ocupação extra-muralhas? Os níveis de ocupação do Locus 5 Revestem-se de particular importância os contextos em estudo no presente artigo identificados no Locus 5, sector implantado na plataforma intermédia, numa área com declive acentuado, a meia encosta, na vertente este. Os trabalhos de escavação neste sector foram desenvolvidos na campanha 5 (2003) e 6 (2004), perfazendo 80 m2 intervencionados. A sedimentação nesta área é muito reduzida, apenas se conservando nas áreas protegidas pelas construções que aqui foram edificadas: uma muralha e uma torre maciça adossada. Genericamente identificam-se três horizontes sedimentares: 1. Nível superficial; 2. Depósitos sob os derrubes das estruturas; 3. Nível de base de desagregação do afloramento, escassamente escavado. O troço de muralha apresenta uma extensão de cerca de 9 m, com orientação NW-SW, com altura máxima preservada de 1,5 m e uma largura de 1,2 m. A torre apresenta planta semicircular, muito irregular, posicionando-se junto a um grande afloramento, ao qual deveria estar ligada. O topo das estruturas encontra-se parcialmente à superfície, sendo visível o seu prolongamento para norte. Atendendo ao posicionamento a meia encosta e planificando a implantação dos restantes troços de muralha identificados no Penedo do Lexim, é provável que o Locus 5 corresponda à segunda linha de muralha. A primeira linha fecharia completamente o acesso ao topo do Penedo, correspondendo ao troço de muralha identificada nas escavações dirigidas por José Morais Arnaud. Em ambas as linhas, o sistema defensivo combinaria a fortificação natural (os penedos) com a arquitetura defensiva, sendo particularmente relevante a presença de uma torre, implantada justamente numa área com um ângulo morto de visão (Sousa, 2010). Muralha e torre estão associadas a dois níveis de derrubes, sobre os quais se conservavam depósitos com grande concentração de mate-

riais: U.E. 4 sob o derrube da muralha e U.E. 8, sob dois níveis sucessivos de derrube da torre. Enquanto a U.E. 4 está associada a um nível de abandono, com materiais entre os blocos de pedra, a U.E. 8 corresponde provavelmente a um depósito mais estruturado coberto por derrube. A UE 8 surge apenas sob o derrube da torre, numa área limitada de 9 m2, apresentando uma elevada densidade de materiais (41,8 registos por m2), num total de 501 registos, contrastando com o panorama do restante sector, onde genericamente a densidade de materiais é baixa. Coberto por um derrube imbrincado, o depósito U.E. 8 apresentava materiais em bom estado de conservação face ao panorama geral do sítio. Tomando como indicador a fragmentação da cerâmica, verificamos que em média apenas 15,1% dos bordos cerâmicos do Penedo do Lexim permitem reconstituição de forma mas no solo de ocupação do Locus 5 (U.E. 8), essa proporção é muito superior, ascendendo a 41,2%. A interpretação funcional da U.E. 8 evidencia alguma complexidade. Inicialmente levantou-se a hipótese de se tratar uma ocupação «extra-muralhas», aproveitando a pequeníssima plataforma onde se implanta a torre. Neste caso, a ocupação teria ocorrido num momento após a edificação do complexo construtivo, antes do colapso da torre (Sousa, 2010). Recentemente foi equacionada uma outra hipótese (Gonçalves & alii, no prelo): adaptando a proposta enunciada para as torres calcolíticas do Zambujal (Kunst & Arnold, 2011) poderíamos colocar agora a hipótese que a totalidade ou parte deste depósito correspondesse a um colapso da área de ocupação de um piso superior da torre. Em termos globais, os conjuntos artefactuais das U.E. 4 e 8 são relativamente equivalentes em termos de presenças e de proporções. A cerâmica decorada, o principal indicador crono-cultural para o Neolítico e Calcolítico estremenho, corresponde maioritariamente ao Grupo da Folha de Acácia, incluindo caneluras fundas, folhas de acácia e motivos geométricos (74%). Os copos canelados e a cerâmica campaniforme estão completamente ausentes e as taças caneladas correspondem apenas a 11% do conjunto. Este leque decorativo é claramente associável ao Calcolítico Pleno/Final, sendo de destacar que entre as cerâmicas do Grupo Folha de Acácia dominam as cerâmicas

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Quadro 1 – Datações radiocarbónicas de Penedo do Lexim, assinalando-se a U.E. 8 – sector em estudo. * Calib 5.0.1 , (Stuiver & Reimer, 1983) ** Correção de efeito de reservatório oceânico (Iap = 380+30 anos) – Soares, 1993

δ13C(0/00)

Data convencional

Data cal 1 s

Data cal 2 s

osso (Ovis aries)

-20,2

4100±40

2880–2680

2890–2620

UE 19

osso (Sus sp.)

-20,5

4080±50

2870–2630

2880–2580

3b

UE 10

osso (Bos sp)

21,2

4080±40

2830–2570

2860–2490

Sac-2067

1

UE 19

osso (Sus sp.)

-20,74

3820±50

2396–2150

2459–2140

Sac-2069

3b

UE 7b

osso

-21,2

3930±45

2480–2344

2568–2118

Beta-186855

3

UE 19

osso (Homo sapiens)

-19,6

3850 ±40

2400–2220

2460–2200

Beta-142451

1

UE 19

osso (Sus sp.)

3820±40

2547–2141

2310–2200

Sac-2168

5

UE 8

osso (Sus sp.)

3760±50

2280–2051

2343–2026

Sac-2158

3b

UE 7

concha, Venerupis decussata

3880±60**

2463–2292

2557–2148

Sac-2156

1

UE 9

osso (Sus sp.)

3640 ±40

2125–1939

2188–1887

Ref. Lab.

Sector

Contexto

Beta-175774

3b

UE 16

Beta-186854

1

Beta-175775

Amostra

com decoração geométrica, com 41% total do conjunto decorado, paralelizável aos contextos calcolíticos mais tardios como Penha Verde, Sintra (Cardoso, 2010–2011) ou Moita da Ladra (Cardoso, 2010). É também particularmente relevante a ausência de cerâmica campaniforme, como aliás sucede em todo o Penedo do Lexim. As cerâmicas lisas correspondem maioritariamente a grandes recipientes com um tratamento de superfície menos cuidado que a cerâmica dos níveis calcolíticos dos Loci 1 e 3b, integráveis no Calcolítico Inicial. Em termos formais, destaca-se a completa ausência de pratos, e a importância das taças em calote (58%) e das taças em calote alta (13%). Contrariamente ao que sucede com a generalidade dos materiais arqueológicos deste sector, a pedra lascada assume uma maior expressão

quantitativa na U.E. 4 que na U.E. 8. Estão presentes produtos de debitagem (lâminas, lamelas, lascas), utensílios (pontas de seta, lâminas retocadas, lâminas ovoides), núcleos e material residual (esquírolas e restos de talhe). A pedra polida e afeiçoada é escassa, estando presentes 4 contas de colar discoide de pedra verde (variscite). Foram recolhidos 31 fragmentos de osso polido (alfinetes, espátulas e furadores). Não foram identificados quaisquer vestígios de operações metalúrgicas, mas entre o derrube foi recolhida uma lâmina de cobre em muito bom estado de conservação (IGN.017.11368), com 99% de cobre. Foi apenas obtida uma datação radiocarbónica para os contextos em estudo no Locus 5. A datação (Sac-2168) foi efetuada sobre uma

Fig. 4 – Planta do Locus 5 com muralha e torre e derrube U.E.12 que cobre a U.E. 8.

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amostra de ossos da espécie Sus sp proveniente da U.E. 8. Atendendo a que a datação foi obtida com vários ossos, seria importante confirmar a data com outras datações A.M.S. obtidas sobre amostras selecionadas, uma vez que as mandíbulas e os ossos maiores foram coordenados tridimensionalmente. Por outro lado a U.E. 4 não foi objeto de qualquer datação radiocarbónicas. A reduzida potência estratigráfica e a pendente altimétrica dificulta a identificação da periodização de fundação e uso da muralha e da torre do Locus 5. Deve referir-se que o substrato base (U.E. 7) foi escavado apenas parcialmente, sem materiais arqueológicos. Atendendo às presenças cerâmicas e às escassas datações absolutas disponíveis, tudo indica que a edificação da muralha seja integrável em meados do III milénio, tendo ocorrido o seu colapso no final do III milénio. A data obtida aponta para a transição 3.º/4.º quartel do III milénio a.n.e. correspondendo a uma das datações absolutas mais recentes que foram obtidas para o Penedo do Lexim. Deve ainda ser destacada a total ausência de cerâmica campaniforme, em contraste com outros sítios localizados na proximidade. Em Anços, povoado situado a escassos 2 km do Penedo do Lexim, na margem oposta da Ribeira de Cheleiros, o campaniforme é abundante mas a ausência de trabalhos de es-

cavação e de datações impede uma correlação direta ausência/presença. No Casal Cordeiro 5, sitio situado apenas a 10 km, na Ericeira (Sousa, 2013) foram escavados e datados de meados do III milénio contextos com campaniforme. Esta diversidade na distribuição de um estilo cerâmico de «prestígio» poderá eventualmente assumir diferenças sociais, económicas e políticas no povoamento de finais de III milénio. 1.2. O conjunto arqueofaunístico do Locus 5 O presente trabalho aborda o estudo da fauna de vertebrados provenientes das unidades estratigráficas 4 e 8 do Locus 5 do povoado fortificado do Penedo do Lexim (Mafra). O estudo deste conjunto integrável no Calcolítico Pleno vem proporcionar um novo contributo para o conhecimento dos padrões de subsistência das comunidades humanas estabeleci-

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Fig. 5 – Torre e derrube U.E. 12 que cobre a U.E. 8. Foto: Valter Ventura. Fig. 6 (à esquerda) – Vista sul-norte da muralha – torre do Locus 5. Foto: Valter Ventura. Fig. 7 – Vista norte-sul da muralha – torre do Locus 5.

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das neste sítio arqueológico durante o III milénio a.n.e., complementando um primeiro estudo efetuado para os níveis do Neolítico Final (Moreno & Sousa, no prelo). O exaustivo trabalho de campo realizado nos referidos contextos permitiu a recuperação de mais de 6000 restos arqueofaunísticos, cujo estado de conservação nem sempre possibilitou identificações taxonómicas ou osteológicas. Todavia, a fração determinada supera os 1500 fragmentos, salientando-se entre os taxa domésticos os ovicaprinos (Ovis/Capra) e a escassa presença de espécies selvagens, com exceção do coelho (Oryctolagus cuniculus). Nesta perspetiva, constitui uma amostra de enorme validade a considerar na discussão vigente sobre os diferentes modelos de exploração dos recursos animais praticados no centro e sul do território português durante o Calcolítico (Moreno & Valera, 2007; Moreno, 2013; Valente & Carvalho, 2014), em especial quando comparada com conjuntos de outros povoados pré-históricos fortificados da Estremadura — Zambujal (Driesch & Boessneck, 1976) e Leceia, Oeiras (Cardoso & Detry, 2001–2002) — ou do Alentejo — Porto Torrão (Arnaud, 1993), Mercador, Mourão (Moreno & Valera, 2007; Moreno, 2013) e São Pedro, Redondo (Davis & Mataloto, 2012). Ainda, reveste-se do maior interesse avaliar a evolução ocorrida no sítio do Penedo do Lexim em relação aos aproveitamentos e utilidades das principais espécies domésticas desde o Neolítico Final, no sentido de reconhecer a relevância dos chamados “produtos secundários” na economia local. Com este objetivo acrescentamos aos resultados obtidos a partir do presente trabalho, focado no Locus 5, os dados publicados do nível datado no Neolítico Final do Locus 1 (Moreno & Sousa, no prelo) assim como as informações preliminares do nosso estudo sobre a fauna de cronologia calcolítica deste mesmo espaço (Moreno, em preparação). 2. Metodologia de análise 2.1. Identificação As identificações taxonómicas foram realizadas com o auxílio da coleção comparativa de vertebrados do Laboratório de Arqueobiologia do Instituto de Historia, CCHS-CSIC (Madrid, Espanha), onde os materiais foram enviados para serem estudados mediante pedido de 107

exportação temporária autorizado pela DGPC durante o ano de 2013. Fragmentos de crânio, ossos longos, costelas e vértebras de mamíferos não identificados registaram-se em duas categorias artificiais de acordo com as suas dimensões. Por um lado, classificam-se macro-mamíferos (animais de grande porte) e pelo outro, meso-mamíferos (taxa de média dimensão). As esquírolas menores de 2 cm de comprimento constituem os restos sem determinar. Os elementos ósseos e dentários de ovelha (Ovis aries) e cabra (Capra hircus) não diagnosticados a nível específico segundo as características morfológicas assinaladas por Boessneck (1969), Halstead, Collins & Isaakidou (2002) e Zeder & Lapham (2010) ou os critérios métricos descritos por Payne (1969) e Davis (1996) integram a categoria de ovicaprinos. Os restos de suídeos identificam-se apenas a nível genérico, embora através dos dados métricos se tenha tentado discriminar a presença de porco doméstico (Sus domesticus) e javali (Sus scrofa). 2.2. Quantificação Todos os ossos e dentes foram examinados e quantificados. Em Arqueozoologia existem vários métodos que nos permitem calcular a importância relativa de cada uma das espécies presentes num determinado conjunto faunístico (Grayson, 1984). No presente trabalho, seguimos o método tradicional da contagem do número de restos (NR), que consiste na contagem de todos os fragmentos de ossos, dentes e hastes/chifres. No Quadro 2 apresentamos, em separado (nas duas unidades estratigráficas estudadas) e no conjunto total, o número e a frequência relativa de restos determinados e indeterminados para cada um dos grupos de vertebrados recuperados. No Quadro 3 resume-se o número e a abundância relativa de ossos, dentes e fragmentos de chifres/hastes de mamíferos determinados e indeterminados. O número de dentes inclui quer os isolados quer os inseridos na mandíbula ou maxilar. O NMI (Número Mínimo de Indivíduos) foi calculado com base nos elementos anatómicos mais abundantes para cada taxon, de acordo com a sua lateralidade e idade. Os resultados são apresentados para cada uma das unidades estratigráficas analisadas e de forma agregada para o total do Locus 5 (Quadro 4).

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UE 4 Mamífero Ave Réptil Total % 8 Mamífero Ave Réptil Total % TOTAL LOCUS 5

DETERMINADOS N %

INDETERMINADOS N %

N

TOTAL

%

512 2 514

99
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