Para Aonde Vamos? Crise e Democracia no Governo João Goulart

May 29, 2017 | Autor: P. De Oliveira De... | Categoria: Historia Intelectual, História do brasil república, História Dos Conceitos
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Pablo de Oliveira Mattos

Para Aonde Vamos? Crise e Democracia no Governo João Goulart

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, do Departamento de História da PUC-Rio.

Orientador: Prof. Luís Reznik

Rio de Janeiro, Agosto de 2010

Pablo de Oliveira Mattos

Para Aonde Vamos? Crise e Democracia no Governo João goulart

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura do Departamento de História do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Luís Reznik Orientador Departamento de História PUC-Rio

Prof. Rodrigo Patto Sá Motta Departamento de História UFMG

Profª. Maria Elisa Noronha de Sá Mäder Departamento de História PUC-Rio

Prof. Marcelo Gantus Jasmin Departamento de História PUC-Rio

Rio de Janeiro, Agosto de 2010.

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a autorização da universidade, do autor e do orientador.

Pablo de Oliveira Mattos Graduou-se em licenciatura e bacharelado em história pela PUC-Rio. Como monografia, pesquisou dentro do grupo de pesquisa Nação, Democracia e Desenvolvimento no ambiente intelectual dos anos 1950, o vocabulário político nas eleições de 1950 sob o olhar da História do Discurso Político e da História dos Conceitos, sob orientação do professor Luis Reznik. Em seu mestrado, cursado na mesma instituição, começou a analisar o pensamento político brasileiro da década de 1960 a partir da análise da imprensa, com ênfase no conceito de democracia. Seus principais temas de interesse englobam o pensamento social e político do Brasil contemporâneo, o conceito de democracia e o regime democrático experimentado nos anos 1950 e interrompido pelo Golpe Militar em 1964.

Ficha Catalográfica

Mattos, Pablo de Oliveira Para Aonde Vamos? Crise e Democracia no Governo João Goulart / Pablo de Oliveira Mattos; orientador: Luiz Reznik. – 2010. 164 f. ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de História, 2010. Inclui bibliografia 1. História – Teses. 2. História social da cultura. 3. Democracia. 4. Experiência Democrática no Brasil. 5. Crise. 6. Linguagens Políticas. 7. Corrupção. I. Reznik, Luiz. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de História. III. Título.

CDD: 900

“Guerreio é no lombo do meu cavalo. Bala vem, mas eu não caio. Armadura é proteção. O golpe do destino, esse eu sinto, mas não caio. Guerreio é no lombo do meu cavalo.”

Agradecimentos

Agradeço inicialmente aos Orixás e Guias Espirituais que do plano do “invisível” sempre estiveram por perto acompanhando minha caminhada. Certamente, sem sua sensível presença o caminho não seria tão edificante. Agradeço a minha mãe, Maria Alice, por ser a minha Família; pelo seu amor incondicional, seu carinho silencioso e pelo apoio constante. Agradeço ao apoio e amizade de meu pai, que mesmo na distância e nos desencontros, sempre torceu por mim. Ao meu orientador, Luis Reznik, pela confiança, pela leitura sempre atenciosa e pelas orientações acadêmicas a esta dissertação de mestrado. Aos funcionários do departamento de História, Anair, Claudio, Cleusa e Edna pelo suporte e imenso carinho. Aos Professores do Departamento de História da PUC Rio, Maísa Mäder, Marcelo Jasmin, Ilmar Rohloff de Mattos, Maurício Parada, pelo carinho e ensinamentos. Ao Professor César Guimarães pelas valiosas sugestões ao trabalho. Agradeço a Raphael Martins, pela amizade que só é explicada pelo que “não se vê”; a Hugo de Oliveira Barbosa, pelas risadas mais inteligentes que a amizade proporciona. Ao companheirismo e amizade de Moisés Sant’Anna, Leonardo Martins Barbosa, Mario Ângelo de Oliveira Brandão Miranda e Agni Hévea. Agradeço a Ricardo Vinícius, ou o simples, Kadum. Agradeço às minhas “parahybas” prediletas, Marina Schneider, Manoela Barbosa e Luisa Souto, que sempre estiveram por perto. Meus sinceros agradecimentos a família Alencar pelo carinho e acolhida que jamais serão esquecidos. Aos companheiros do programa de Pós-Graduação, Paula Belém, Roberto Azevedo, Isabel Auler, Rebecca Coscareli e Samanta Valério. Agradeço à Juliana Duarte por seu amor ter transformado em constante alegria os meus dias. Agradeço a CAPES pela Bolsa de dois anos.

Resumo

Mattos, Pablo de Oliveira de; Reznik; Luís. Para Aonde Vamos?: Crise e Democracia no Governo João Goulart. Rio de Janeiro, 2010. 164 p. Dissertação de Mestrado – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Este trabalho busca refletir sobre o conceito de democracia construído no idioma político de alguns jornais no período do governo de João Goulart e suas relações com o entendimento da crise vivenciada por seus atores. No pós-Segunda Guerra Mundial a democracia representativa emerge como um valor “Ocidental” em oposição ao comunismo “Oriental” e soviético. No Brasil, o embate entre, de um lado, uma democracia representativa comprometida com a contenção da participação política para além dos limites eleitorais e, de outro, reivindicações por uma ampliação da participação democrática e modificações nas estruturas sociais, políticas e econômicas será vinculado a esta oposição. O processo de democratização e a entrada de um contingente expressivo de eleitores marcam profundamente o debate político. A democracia representativa é significada como única alternativa política viável em oposição à “agitação” e corrupção comunista, identificadas à ampliação da participação política. À medida que estas reivindicações se avolumavam e o espectro políticopartidário se diversificava, este idioma político atuava na moralização da política e na construção de uma cultura política autoritária, apartidária, despolitizada e anticomunista. A análise também procura refletir sobre a estrutura argumentativa deste contexto lingüístico, marcada pelo dualismo entre moral e política, e suas relações com o desfecho da experiência democrática brasileira.

Palavras chave Democracia; Experiência democrática no Brasil; Crise; Linguagens políticas; História dos Conceitos; Corrupção.

Abstract

Mattos, Pablo de Oliveira de; Reznik, Luís (Advisor). Where Are We Going?: Crisis and Democracy in the João Goulart’s government. Rio de Janeiro, 2010. 164 p. MSc Dissertation – Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. This work aims to study the concept of democracy built in the political idiom of newspapers in the period of João Goulart´s government and its relations with the crisis experienced by its historical agents. In the post- World War Two moment, representative democracy emerges in certain social circles as an occidental value in opposition to the soviet and oriental communism. In the Brazilian newspapers, this opposition will be linked with a political collision between, on one hand, a representative democracy restrained to the electoral boundaries and, on the other hand, demands for a more participative democracy and on social, political and economic structural reforms. The democratization process and the notable increase of the number of several electors perform a significant change on the political debate. In this sense, the representative democracy is signified as the only reasonable political option in contrast to the communist riots and his corruption, which have their meanings attached to the intensification of the Brazilian society´s political participation. This idiom will be sustained by the cause of the so called political moralization as it builds an authoritarian, non-partisanship, un-politicized and anticommunist political culture. The present analysis also has the purpose of investigating the linguistic context in which the dualism between politics and moral relates itself to the outcome of the Brazilian democratic experience.

Key words Democracy; Democratic experience in Brazil; Crisis; Political languages; History of Concepts; Corruption.

Sumário

Introdução

10

1. Crise da renúncia e os Limites do Regime Democrático Representativo

32

1.1. A Democracia antes da Renúncia

35

1.2. A Crise da Renúncia e a Solução Parlamentarista

42

1.3. A Crise da escolha do Parlamentarismo em Julho de 1962

56

2. A Cobrança do Posicionamento Democrático: Crime ou Lei?

78

2.1. A Greve de Santos

82

2.2. A Revolta dos Sargentos

95

2.3. O Pedido de estado de Sitio: O isolamento de Goulart

104

3. A Queda de João Goulart e o fim da Democracia

116

3.1. A Bandeira das Reformas

116

3.2. O Comício das Reformas, a Marcha em São Paulo e a Democracia

127

3.3. A Hierarquia, a Disciplina e as Forças Armadas

141

Conclusão

156

Referências Bibliográficas

160

“Do ângulo que me situava, dirigindo amplo segmento da máquina administrativa e mantendo contatos permanentes com governadores e personalidades públicas, o que mais me preocupava era o clima de incerteza e a impressão, que começava a predominar na opinião pública, de que o país estava à deriva. Eu sabia que isso não era verdade, pois, no meu setor, tudo estava sendo feito conforme o programado. Mas o que conta nesses momentos é a imagem de si mesmo que o governo projeta” Celso Furtado, Obra Autobiográfica

Introdução A crise do pós-Segunda Guerra Mundial delineou-se entre as tentativas de unificar o mundo sob horizontes auto-entendidos dentro de uma lógica históricofilosófica. A Guerra Fria marcou a busca incessante por áreas de influência política, por parte dos blocos “Ocidental” e “Oriental”. A esta divisão espacial – e sobretudo simbólica – do mundo, correspondeu também a divisão entre democratas e comunistas e suas respectivas filosofias da história. Esta crise política, uma vez deflagrada, exigia uma decisão.1 A decisão estará por sua vez relacionada às filosofias da história que buscam, em seu nome, antecipar, orientar, influenciar, ou até mesmo evitar tal decisão. Na medida em que estas filosofias da história tornam o mundo e o processo histórico em algo planificável, seja por meio do processo econômico ou do progresso moral, tendem a naturalizar a história. O processo histórico teria um fim inexoravelmente garantido pela filosofia da história. No caso planetário do conflito entre URSS e EUA, por seu poderio bélico, material e simbólico, os EUA possuíram papel preponderante na construção de significados e na execução de ações concretas. Representantes do “Ocidente” e da democracia, os EUA, teriam seu progresso diretamente relacionado à destruição do “outro”, neste caso o “Oriente” comunista. Neste embate, significados e significações foram empregadas no sentido de, por um lado criar identidades e formar unidades de ação social e política, e por outro lado excluir destas identidades, e do mundo, seus inimigos. A crise não era concebida, e nem tampouco revelada, enquanto uma crise política. A crise permanecia obliterada pelas imagens histórico-filosóficas do futuro e do processo histórico. Nesta antecipação do futuro, os eventos do quotidiano seriam meros prenúncios do fim anunciado. Contudo, nunca é demais lembrar que contextos são contextos, e não atores. No Brasil este contexto de Guerra Fria também trouxe influências às estruturas argumentativas e orientou experiências diante de momentos críticos. O regime político estaria marcado pelo ambiente bipolar, estaríamos vivendo uma

1

KOSELLECK, R. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: Eduerj: Contraponto, 1999.

“democracia em tempos de Guerra Fria”.2 Desta forma, valores caros à experiência democrática como a livre manifestação do pensamento e a liberdade de associação foram assim cerceados em nome da Segurança Nacional. Em relação aos atores neste contexto e a sobrevivência da democracia, os grupos à direita do espectro político foram decisivos. Não somente a UDN, mas setores expressivos do PSD, líderes militares, Associações Comerciais, grupos empresariais, órgãos da grande imprensa.3 Impediram, vetaram e golpearam a democracia até seu fim. O fim da democracia, tal qual ocorreu em abril de 1964 com a instituição do primeiro Ato Institucional implementado pelos militares, é tratado aqui, nesta pesquisa, como um desfecho inesperado. Ao menos para alguns grupos políticos e civis que apoiaram a ação militar, que o fizeram em defesa da manutenção do status quo e do regime democrático representativo. No entanto, algumas leituras deste período propõem o início da década de 60 como o começo de um processo que culminaria inexoravelmente no Golpe militar de 1964. Na década de 70 as teses sobre o Golpe Militar se baseavam na crise das estruturas, seja a crise de acumulação de capital, que segundo Fernando Henrique Cardoso levara à necessidade de um Estado interventor que garantisse maior abertura para o capital estrangeiro.4 Ou ainda na crise das estruturas políticas, que segundo Wanderley Guilherme dos Santos levou à “paralisia decisória” e à radicalização do processo político.5 Destas análises estruturais apreende-se uma maneira de observar o período conturbado do governo Jango como uma fase, uma etapa dentro de um processo maior em transição que levaria inevitavelmente a um resultado autoritário. O momento final dentro do processo de transição foi entendido por estes analistas como a crise. Estas análises apresentaram este desfecho – o Golpe Militar – enquanto um a priori que deu sentido aos eventos anteriores. A crise seria prenúncio do fim inevitável e não um momento de possibilidades abertas a um horizonte de decisões e caminhos. A crise não se revela, portanto, enquanto uma crise política, 2

REZNIK, L. Democracia e segurança nacional, a polícia política no Pós-Guerra. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p. 19. 3 René Armand Dreifuss enumera um sem número de grupos empresariais que estiveram envolvidos em conspirações contra o governo de João Goulart. Ver DREIFUSS, R. A. 1964: a conquista do estado, ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981. 4 CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. 6ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. 5

SANTOS, W. G. dos. Sessenta e Quatro: Anatomia da Crise. São Paulo: Vértice, 1986.

antes é revelada como crise estrutural de fim previamente anunciado em meio ao processo de transformação social. Tais análises não conseguiram executar um desmonte, em seu interior, das imagens opostas construídas e inventadas6 em meio ao embate político marcado por um dualismo rigoroso e concepções histórico-filosóficas. Os conceitos analisados nesta dissertação possuíam uma função secundariamente avaliativa em seu contexto. Identificavam grupos e qualificavam oponentes negativamente. Os movimentos históricos do passado, entretanto, não podem ser conhecidos através dos mesmos conceitos antagônicos com que foram vividos ou compreendidos pelos que dele participaram. A historiografia, neste sentido, exige a tradução destes termos do passado. Os analistas da década de 70, sobretudo, assumiram o caráter históricofilosófico presente nas fontes e no contexto lingüístico do momento estudado. Também sobrevalorizaram alguns aspectos estruturais ou intencionais em detrimento de aspectos políticos quotidianos. Através da metodologia da História dos Conceitos e da análise das Linguagens Políticas a pesquisa busca questionar a estrutura argumentativa destas figuras dualistas com intuito de elucidar de que maneira os grupos políticos oponentes se opunham e se negavam. O aspecto estrutural aponta para o histórico, e vice-versa. A fim de melhor analisar os discursos políticos referentes à construção de um conceito de democracia representativa que se opôs às propostas de ampliação da participação democrática ao longo do governo de João Goulart, bem como seus conceitos correlatos, esta pesquisa aproxima-se de alguns pressupostos da “virada lingüística”.7 Esta

6

Segundo Eric Hobsbawn, "na medida em que há referência a um passado histórico, as tradições 'inventadas' caracterizam-se por estabelecer com ele uma continuidade bastante artificial (...) elas são reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que obrigatória”. O autor define "tradição inventada" como "um conjunto de práticas reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado.” Ver HOBSBAWM, E. "Introdução: A Invenção das Tradições", in: HOBSBAWN, E. & RANGER, T. (Orgs.). A Invenção das Tradições, Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1984, pp. 9-10. 7 Refiro-me aos pressupostos da “Virada Lingüística”, em especial as perspectivas desenvolvidas por Q. Skinner e J.G. Pocock. Sobre isso ver: SKINNER, Q. “Meaning and Understanding in the History of Ideas”; “Motives Intentions and Interpretation of texts” e “Reply to my critics”, todos se encontram em TULY, J. Meaning and Context: Quentin Skinner and his Critics. Princeton, Princeton University Press, 1988. Ver também: FALCOM, F. “História das Idéias”. In: CARDOSO, C. e VAINFAS, R. Domínios da História. Rio de Janeiro, Campus, 1997; e POCOCK, J.G. Introdução: o

dissertação procura relacionar as contribuições da história do contextualismo lingüístico tal como realizada pela escola de Cambridge e cujos principais autores são Quentin Skinner e John Pocock, e a história conceitual alemã, especialmente aquela representada pelo trabalho de Reinhart Koselleck. A escola de Cambridge alerta para a necessidade do estudo sincrônico das idéias como atos de fala no interior de contextos lingüísticos em disputa entre si, já a história dos conceitos de Koselleck fornece ferramentas metodológicas que possibilitam relacionar à sincronia da linguagem, uma reflexão sobre as concepções temporais e a dinâmica histórica concebida pelos atores. Ou seja, como diversos estratos de tempo compõem a experiência histórica, que em uma primeira vista parece se restringir ao contexto sincrônico. Como forma de justificar a escolha teórico-metodológica para esta pesquisa, cabe citar o historiador alemão Reinhart Koselleck quando afirma que a “linguagem e fatos políticos e sociais aparecem de formas diferentes para o historiador e para os atores da história”.8 Quando esta regra não é observada, corre-se o risco de entender a correspondência entre conteúdo conceitual e realidade como identidade, transformando toda fonte conceitualmente clara em história. As ferramentas metodológicas estão a serviço do historiador para que não se confunda história política com linguagem conceitual. Como procedimento necessário à análise das ações políticas obtidas através dos atos de fala, as propostas metodológicas apontadas por Koselleck oferecem uma leitura interessante da relação entre as palavras e as coisas, entre linguagem e mundo – ou dogmata e pragmata nas suas palavras.9 Todo conceito político de base quando empregado indica algo que está além da língua, relacionando-se diretamente com aquilo que se pretende compreender, tornando inteligível o seu conteúdo. Os conceitos podem ser entendidos, portanto, tanto como indicadores, como fatores – indikator/faktor – das práticas sociais.10 As disputas significadas por seus atores entre “democratas”, “demagogos”, “agitadores” e “comunistas” no Brasil da estado da arte; O conceito de linguagem e o metier d´historien. In: Linguagens do ideário político. São Paulo, EDUSP, 2003. 8

KOSELLECK, R. Futuro Passado. Contribuição à Semântica dos Tempos Históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC Rio, 2006, p. 194. 9 Ibid. 10 KOSELLECK, R. Uma história dos conceitos: problemas teóricos e práticos. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 05, n.10, 1992.

década de 1960, por exemplo, podem revelar aspectos das disputas pela contenção da participação política na democracia para além dos limites eleitorais. As reivindicações pela ampliação da participação no regime representativo foram significadas por grupos conservadores como seu respectivo anátema. Estas disputas revelam por sua vez um contexto lingüístico marcado por idiomas políticos orientados por uma lógica histórico-filosófica, pelo dualismo entre moral e política e por conceitos dispostos em uma oposição assimétrica e antitética. Estes aspectos marcam o caráter histórico deste contexto lingüístico. A democracia no Pós-Guerra emerge como um valor universal. Este mundo bipolar esteve dominado por uma estrutura lingüística dualista. A estratégia argumentativa adotada pelos Estados Unidos, enquanto representante maior do bloco “Ocidental” capitalista, tinha como foco principal a difusão de um conceito de democracia que estaria associado ao capitalismo e que se oporia radicalmente ao comunismo, visto como expressão de autoritarismo e totalitarismo. Ao longo da década de 50 e 60, EUA e Europa viveram experiências políticas nas quais os temas da participação e estabilidade eram muito caros aos teóricos da democracia. De acordo com Carole Pateman, a palavra “participação” torna-se parte do vocabulário político nos últimos anos da década de 60. A autora refere-se basicamente

aos

acontecimentos

estudantis

que

reivindicavam

maiores

mecanismos de participação na educação superior.11 Ainda segundo a autora, Charles de Gaulle, em campanhas políticas utiliza “participação” como palavra de ordem; na Grã-Bretanha, ganha importância com o relatório Skeffington sobre o planejamento e nos EUA o programa antipobreza que incluía fundos para o “máximo possível de participação” dos afetados por ela. No entanto, o uso generalizado em diversas experiências políticas indica sua importância semântica neste contexto e aponta para suas qualidades polissêmicas. A entrada de parcelas da população antes alijadas do processo eleitoral trouxe ao debate político questões e problemas que marcaram profundamente o processo democrático brasileiro dos anos 50 aos 60.12 A presença de um 11

PATEMAN, C. Participação e Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. Ao longo dos primeiros 55 anos republicanos, a participação política eleitoral no Brasil esteve reduzida a menos de 5% do total da população. Nas eleições de 1950, esta marca era de 16%, e chega a 18% em 1960. Nas eleições presidenciais de 1946, 6.2 milhões de eleitores votaram; em 1950, 8.2 milhões e em 1960, 12.5 milhões de eleitores participaram do pleito. Também é importante frisar que, nos anos 50, seriam adotadas na esfera eleitoral, uma série de medidas para diminuir a probabilidade de coação a que estavam submetidas as populações mais 12

contingente expressivo de trabalhadores no processo democrático trouxe para “ordem do dia” reivindicações deste grupo que estiveram por sua vez ligadas às propostas trabalhistas. Os grupos conservadores lutarão contra o nacionalismo democrático de apelo popular, por sua herança varguista e por seu caráter à esquerda deste espectro político, sua referência à ampliação da participação política das classes subalternas.13 No pós-Segunda Guerra, e com intensificação após 1959, – e das leituras que radicalizam a Revolução Cubana – a democracia enquanto um valor “Ocidental” será defendida em oposição ao comunismo “Oriental”. No Brasil, esta dicotomia assume a lógica dualista da separação entre política e moral, bem como a oposição de representação política à participação política, que será referida à “agitação comunista”. Diante da presença, já inevitável, das classes subalternas no processo eleitoral os grupos conservadores buscarão conter as reivindicações em direção ao alargamento desta participação sem que isto represente uma quebra das liberdades nem a fuga dos marcos liberais do regime. Os grupos à esquerda por sua vez, destacando a participação dos sindicatos e posteriormente de militares de baixa patente, ao longo do governo de João Goulart radicalizam suas reivindicações e ações em direção a uma democracia mais “substantiva”. Os grupos conservadores em contrapartida também radicalizarão seu discurso moralista e, diante da impossibilidade de exclusão desta parcela inserida no processo democrático, o que soaria como uma medida antiliberal, direcionarão seus esforços para limitar esta participação às convocações eleitorais e construir uma cultura política despolitizada e apartidária caracterizada pela tranqüilidade e pelo bom-senso. Estes grupos conservadores vão empenhar-se na defesa e manutenção do regime democrático representativo. No debate sobre a teoria democrática desenvolvido nos EUA e na Europa, ao longo dos anos 50 e 60, estiveram presentes, entre outros, aspectos relacionados à participação, à ordem, à estabilidade e aos limites democráticos. Robert Dahl, em 1956, revelando seu caráter pioneiro na sistematização de uma

dependentes do poder público ou privado, sobretudo no interior do país. Ver LAVAREDA, A. A democracia nas urnas: o processo partidário brasileiro. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora: IUPERJ, 1991. 13 GUIMARÃES, C. Vargas e Kubitschek: A longa distancia entre a Petrobrás e Brasília. In: CARVALHO, M. A. R. de; LESSA, R. República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001.

teoria para a democracia, no início de Um Prefácio à Teoria Democrática, observa que “não há uma teoria democrática – existem apenas teorias democráticas”.14 Apesar disto, o autor admite a existência de uma “teoria tradicional”.15 Fundamentando sua teoria democrática na poliarquia, ou seja, governo das múltiplas minorias, apresenta um modelo “adequado” à realidade moderna. Tal qual Schumpeter, concebe a democracia enquanto um método político, um “arranjo institucional” centrado no processo eleitoral e em seus representantes.16 O controle popular sobre o governo seria cumprido no ato de votar dos cidadãos comuns, pois desta maneira os não-líderes exerceriam controle sobre os líderes. A competição seria, portanto, o aspecto democrático do processo eleitoral, visto que o cidadão pode transferir seu apoio para outro grupo político “afetando relativamente” os líderes. Para Dahl, a democracia diz respeito a “processos através dos quais cidadãos comuns exercem um grau relativamente alto de controle sobre seus líderes.”17 A teoria da poliarquia forneceria, também, atenção sobre a igualdade política. Esta igualdade política não deve ser definida como igualdade de controle político ou de poder. Dahl observa em setores social e economicamente subalternos uma assimetria em relação a esta igualdade, seja pelo acesso limitado aos recursos e/ou sua inatividade. Refere-se também à igualdade de oportunidades de influência sobre aqueles que tomam decisões políticas e se fazer ouvir e atender. Igualdade política, neste sentido, refere-se ao voto e à competição eleitoral. Esta igualdade política seria possível, portanto, nos regimes representativos. Para que regimes não poliárquicos se tornassem poliarquias, deveria haver uma combinação de incorporação da população no processo político – via representação – e das garantias constitucionais. Influenciado por suas leituras de sociólogos norte-americanos que analisaram o voto através de um enfoque psicológico, Robert Dahl reforça a crença na propensão à passividade dos setores mais pobres e ignorantes18, e, em sua baixa atividade política e

14

DAHL, R. Um Prefácio a Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1989, p. 131. DAHL, R. Um Prefácio a Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1989, p. 131. 16 SCHUMPETER, J. Mais uma Teoria de Democracia. In: Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. 17 DAHL, R. Prefácio a Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Zahar, 1989, p. 11. 18 DAHL, R. Op. cit., p. 82 15

conseqüente privação dos direitos políticos.19 Para que esta parcela se incorporasse ao processo político sem prejuízo, o autor menciona a necessidade de um “treinamento social” sem, no entanto, apontar maiores definições deste treinamento. Outro autor que se dedicou ao tema da teoria democrática foi Giovanni Sartori, autor europeu que publica em 1962 seu livro Teoria Democrática.20 Sua teoria possui forte diálogo com as teorias de Dahl em relação ao aspecto poliárquico. Sartori vai além sobre papel das minorias no governo e ressalta que são as elites, em competição, que governam. Estes políticos, legítimos representantes do povo, uma vez eleitos, deveriam e teriam autonomia para decidir politicamente, não devendo sofrer interferências externas. O autor dedica especial atenção à relação entre a prática e o “ideal” democrático em sua teoria. A democracia cria expectativas, e, ao passo que estas expectativas não se realizam, os homens contemporâneos reagem desiludidos com a democracia. Uma vez estabelecido o regime democrático, o ideal democrático deve ser minimizado. Esta medida deve ser tomada a fim de que a “verticalidade”, ou seja, a estrutura de autoridade e liderança seja mantida bem como sua estabilidade. O medo de que a participação ativa da população leve o regime democrático ao totalitarismo está presente em toda argumentação de Sartori. Assim como os pensadores das teorias elitistas do início do séc. XX, o italiano acredita que o povo deve “reagir”, e não “agir”.21 A reação neste caso seria o voto, pois este deveria ser direcionado às iniciativas e políticas das elites rivais. O autor não crê na atividade do cidadão médio. As possibilidades de mudança deste quadro estariam vinculadas à coação dos inativos e apáticos ou na penalização da maioria ativa, mas nenhum dos métodos seria aceitável em um regime democrático. Outro ponto digno de atenção em sua teoria é o aspecto da estabilidade do regime. Caso fosse exigido maximamente, como uma exigência absoluta, o ideal democrático levaria o sistema à bancarrota. Segundo Sartori, a democracia não deve mais manter guarda contra a aristocracia, como antes, mas contra a mediocridade e

19

Neste sentido, sobretudo a influência de BERELSON, B. R., LAZARSFELD, P. F. e MCPHEE, W. N.. Voting. Chicago: University of Chicago Press, 1931; LIPSET, S. M. ET. AL., The Psycohology of Voting: An Analysis of Political Behavior. Cambridge: Addison-Wesley, 1954. 20 SARTORI, G. Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965. 21 Ibid, p. 20.

contra os perigos inerentes a essa mediocridade que venham a destruir os líderes democráticos, substituindo-os por contra-elites não democráticas. Através de um procedimento por analogia, espera-se contribuir para compreensão da valorização dispensada à democracia representativa no Brasil momentos antes do Golpe militar e sua historicidade. Mesmo entendendo a democracia experimentada no Brasil enquanto um conceito específico, não se pode deixar de lado que esta democracia está posta sob os limites do contexto lingüístico do momento. Ainda que participação e a estabilidade também apareçam como problemas centrais nas discussões sobre a democrática brasileira, os caminhos e respostas a estes problemas, no Brasil, foram pensados a partir de mitos e experiências políticas específicos da história do Brasil. A democracia representativa defendida pelos grupos conservadores, neste sentido, apresentava uma clara e tenaz oposição ao “comunismo”, à “agitação”, “desordem”, caos social, guerra civil e ao conflito político-ideológico e ao “amorfismo” das “massas” e das “multidões”. Este regime deveria fundar-se, na unidade, nas tradições cristãs e pacíficas do povo brasileiro, na representação via Congresso. Todos estes aspectos seriam orientados pelo bom senso e moderação pertencentes ao povo brasileiro. Os programas que reivindicassem mudanças relativas a uma maior participação política da população e transformações socioeconômicas que colocassem em xeque o status quo, estariam identificados como “inimigos do regime” e “radicais”. Num ambiente de crescente polarização ideológica e reivindicações sociais que se estendiam ao espaço público, a batalha semântica pela caracterização de “democrata” esteve diretamente relacionada ao sucesso da derrubada de João Goulart e do Golpe Militar de 1964. Através da atenção especial a estrutura argumentativa construída e articulada em conceitos antitéticos e assimétricos que determinam posições segundo critérios tais que, ao adversário político só resta a recusa e a negação, serão observados alguns pares conceituais.22 Ao conceito utilizado para si próprio decorre um par conceitual para denominação do outro que, na realidade, equivale 22

Sobre os conceitos assimétricos e antitéticos, ver KOSELLECK, R. Futuro Passado. Contribuição à Semântica dos Tempos Históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC Rio, 2006. Para o historiador Lucien Febvre, as palavras não devem ser estudadas em si mesmas, mas sim fazendo relações com outras palavras que concordam ou se opõem a elas formando pares. Ver FEBVRE, L. Honra e Pátria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

linguisticamente a uma privação. Esta privação por sua vez pode ser equiparada a uma espoliação. Ao estarem em oposição, democratas e comunistas, estariam dispostos dentro de uma lógica dualista na qual um grupo é detentor da moral e da virtude democráticas e, ao outro resta apenas a condição imoral e radical não condizente com as necessidades políticas. Dentro desta estrutura argumentativa dual e assimétrica o anticomunismo ajudou a legitimar o regime representativo enquanto único caminho político possível. A participação na política fora dos limites eleitorais e parlamentares do Congresso era vista como um vício intrinsecamente relacionado aos “comunistas” e “agitadores”. Este vício corromperia a democracia levando-a a seu fim. A participação também era referida a uma estratégia conspiratória dos comunistas para por fim ao regime democrático. Estes conceitos – e seu respectivo idioma político – foram observados na relação direta com seu contexto lingüístico. A percepção do texto inserido em seu contexto atua na reconstrução de sua identidade histórica, ao mesmo tempo em que lhe atribui o caráter de ação, isto é, o texto é entendido como ato de fala. Nesse sentido é sobre a idéia de discurso e não sobre a individualidade dos autores, que a abordagem se baseia. Por essa trilha podemos afirmar que a análise prioriza as “linguagens do discurso”. Estas se tornam objetos para o historiador quando é possível observar a relação entre diferentes atos de fala, isto é, textos nos quais os autores compartilham vocábulos, imagens retóricas e pressupostos ideológicos, respondendo uns aos outros. Como afirma Pocock, “uma linguagem deve ser um jogo reconhecidamente aberto a mais de um jogador”.23 A possibilidade de reconstituição de uma comunidade argumentativa ou de discurso é o que assegura seu caráter de fenômeno histórico. 24 Esta comunidade argumentativa compõe a cultura política deste momento. A partir da categoria de cultura política pode-se compreender como determinada interpretação do passado (e do futuro) é produzida e consolidada, integrando-se ao imaginário ou à memória coletiva de grupos sociais. Não obstante, a cultura política de determinado momento sempre incorpora uma leitura do passado histórico ou mítico que conota positiva ou negativamente textos, eventos, que

23

POCOCK, J. Introdução: O Estado da Arte. In: As Linguagens do Ideário Político. São Paulo, EDUSP, 2003 24 Ibid, p. 72.

compõem a construção desta memória.25 Assim, este trabalho tentar produzir um trabalho que articule história política e a história cultural. Uma das razões de se trabalhar com a categoria de cultura política é a possibilidade de compreender o comportamento político de atores individuais e coletivos, privilegiando suas percepções, lógicas cognitivas, vivências e sensibilidades, ou seja, compreender os atores a partir de seus próprios códigos culturais. A articulação entre os procedimentos da história cultural e da análise política que permite ao historiador identificar no processo político o sentido que lhe é conferido através de fatores externos. A busca pela compreensão do processo político em sua complexa relação com a realidade é um dos motivos pelo qual o conceito de cultura política torna-se ferramenta útil ao historiador que analisa processos políticos no Brasil. Esta utilidade está relacionada também com a apreensão da política para além dos espaços institucionais, procedimento de extrema relevância para se analisar a ação de agentes excluídos oficialmente do aparato estatal. A esta pesquisa interessam os significados presentes no interior de um idioma político gestado nas páginas de importantes jornais da cidade do Rio de Janeiro. Agindo como mediadores das vozes de diversos grupos políticos, bem como atores políticos através de seus editoriais, alguns jornais, dada sua importância na reverberação e reflexividade sobre os acontecimentos políticos foram escolhidos como fonte de análise para esta pesquisa. Ao longo da experiência democrática brasileira os jornais constituíam importantes fontes de informação política. Antonio Lavareda afirma que, em 1950, 66% dos eleitores utilizavam os jornais como meio de escolher seus candidatos. Era comum a filiação partidária de alguns jornais culminando no apoio explícito a alguns candidatos em períodos eleitorais. Esta disposição dos jornais dentro do espectro político fazia com que os eleitores, ao escolherem os jornais a serem lidos, reforçassem seus vínculos políticos partidários.26 Longe de esgotar as diversas vozes presentes nesta batalha de significados políticos, as páginas dos jornais são um espaço privilegiado deste momento no 25

GOMES, A. de C. História, historiografia e cultura política no Brasil: algumas reflexões. In: SOIHET; BICALHO; GOUVEIA (Org.) Culturas Políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de historia. Rio de Janeiro: Mauad/FAPERJ, 2005. 26 LAVAREDA, A. A democracia nas urnas: o processo partidário brasileiro. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora: IUPERJ, 1991, p. 128-129.

que diz respeito à velocidade com que os acontecimentos políticos são referidos, bem como na apreensão de vozes influentes no processo político. A escolha da cidade do Rio de Janeiro como base de análise acontece em virtude desta cidade abrigar diversos grupos políticos e permanecer, mesmo depois da transferência da Capital Federal para Brasília, como pólo central das discussões políticas no país. Vale lembrar, que mesmo após a transferência da capital para Brasília em 1960, diversos órgãos e empresas públicas, além de toda a cúpula militar, permanecem nesta cidade. A escolha dos jornais seguiu o critério da periodicidade das edições e de seu posicionamento frente às questões e dilemas do governo de João Goulart. O Correio da Manhã foi fundado em 15 de junho de 1901 por Edmundo Bittencourt que em março de 1929, transmitiu a direção do jornal Paulo Bittencourt, seu filho. Este jornal era o principal matutino do Rio de Janeiro, de publicação diária e não circulava apenas às segundas-feiras. Ao destacar grande espaço interno às questões políticas, intitulando-se um “jornal de opinião”, procurava afirmar-se como defensor da “legalidade democrática” e das liberdades. Seus editoriais eram diários, não assinados, sendo publicados sempre na página 06, ocupando a primeira página apenas em situações muito especiais. Nos dois pleitos eleitorais presidenciais realizados após a morte de Vargas, oficialmente, o jornal insistiria em uma linha política “sem compromisso com quaisquer partidos e orientada por uma nítida inspiração liberal” que denominava “ortografia da casa”.27 No início da década de 1960 o jornal alertava para a ameaça sofrida por esta “ortografia”. Seu

ideário liberal

começava a ser limitado pela

“arregimentação, da superorganização de uma vida pelo Estado. Em lugar da vida humana, a vida do rebanho em uniforme”.28 O jornal declarava seu temor ante o crescimento do poder do Estado. Seu liberalismo individualista era considerado pelo próprio jornal como uma posição “a favor do povo”. O jornal condenou a condecoração de Che Guevara com a ordem do Cruzeiro, e, diante da renúncia de Jânio Quadros, que chamou de “grave 27

LEAL, C. E. Correio da Manhã: In: ABREU, A. A. de; BELOCH, I; LATTMAN-WELTMAN, F. e LAMARÃO, S. T. de N. (Coordenação). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós -1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001, p. 1629. Durante a campanha de 1955 o jornal assumiu uma “simpatia velada” a candidatura de Juscelino Kubitschek, que se manifestava mais claramente nas palavras de seus colunistas a título de opinião pessoal. Este apoio talvez tenha sua origem no propalado “espírito democrático” do candidato pessedista, associado a um projeto de campanha que buscava o desenvolvimento nacional através do investimento na indústria e na tolerância aos investimentos internacionais, o que de certa forma se afina com o discurso à época do jornal. 28 Ibid.

resolução” não esclarecida, mostrou-se contrário. A mensagem à nação de Jânio Quadros foi considerada de teor demagógico, pois destinava-se a convulsionar o país e não apresentava dados concretos sobre as “forças reacionárias” que teriam imposto sua renúncia. Apesar de não apoiar Jango, um político herdeiro de Vargas, o jornal, em nome de sua tradição legalista, apoiou a posse do vicepresidente. Em 1962, promoveu, junto com a Folha de S. Paulo, o Congresso Brasileiro para a Definição das Reformas de Base, após a declaração de Fidel Castro sobre seus vínculos com o marxismo-leninismo. O Correio da Manhã foi alvo de diversas pressões de agentes publicitários para posicionar-se contra o governo de Cuba e o ministro San Tiago Dantas, favorável à não-intervenção à Cuba. O jornal manteve-se contrário ao governo de João Goulart, acusando-o de radicalismo político. Sua linha política foi classificada pelo jornalista Edmundo Moniz como liberal-conservadora. O jornalista afirma, também, que o jornal não esteve envolvido nas conspirações que precederam o movimento militar de 1964, ainda que opusesse veementemente o presidente Goulart ao regime democrático. O jornal apoiou a derrubada do presidente defendendo a Constituição e o Congresso contra as pretensões subversivas de João Goulart e contra o avanço das esquerdas, que colocariam em perigo seus pressupostos liberais. O Diário de Noticias, afirmava ser “o matutino de maior tiragem do Distrito Federal” e, posteriormente, do Estado da Guanabara. Fundado em 12 de junho de 1930 por Orlando Ribeiro Dantas, o jornal passou a ser dirigido, com sua morte em 1953, por sua viúva, Ondina Portela Ribeiro Dantas e por seu filho João Ribeiro Dantas. A escolha deste jornal como fonte de pesquisa recaiu particularmente por sua grande aceitação entre os funcionários públicos civis e militares. Na campanha presidencial de 1960, o Diário de Notícias apoiaria integralmente a candidatura de Jânio Quadros. Por este ser um candidato desvinculado dos tradicionais esquemas políticos, o ex-governador de São Paulo seria o homem ideal para promover a transformação nacional. Durante seu curto governo, o jornal apoiaria suas políticas, em especial à proposta de uma política externa independente e a condecoração de Che Guevara. Com saída de Jânio, o jornal defenderia a posse de João Goulart, em nome da manutenção da legalidade constitucional. Contrariando sua anterior tradição antigetulista, o jornal apoiou diversas medidas propostas por Goulart, entre elas as Reformas de Base. Em 1964, especialmente após o comício da Central do Brasil, o Diário de Notícias

passaria a dar apoio às forças que pretendiam depor o presidente sob a alegação de que este, tomado por propósitos ditatoriais, estaria atentando contra a democracia e a Constituição Federal. A Tribuna da Imprensa, vespertino fundado em 27 de dezembro de 1949, circulava diariamente com a exceção dos domingos; contudo compensava esta ausência com duas edições na segunda-feira, uma matutina e outra vespertina. Este jornal pode ser considerado como a expressão de seu proprietário e fundador, Carlos Lacerda, representante carioca da “Banda de Música”, grupo de destaque dentro da UDN marcado pela histórica e contumaz oposição às propostas varguistas. A trajetória da Tribuna da Imprensa, que se apresentava como órgão liberal, cristão, defensor da livre iniciativa e de uma aproximação maior aos Estados Unidos, estava marcada por uma postura que propunha soluções para a democracia brasileira que, por vezes, seguiam caminhos diferentes da via eleitoral. Durante os momentos de crise, por diversas ocasiões chegou a propor soluções de emergência, “extralegais”, que tinham por objetivo “purificar” o regime e o sistema político nacional, já este se encontrava corroído pela fraude e pela infiltração comunista. Os militares teriam, assim, papel preponderante, tendo em vista que sua instituição não se encontrava “corrompida”. Sua função seria restabelecer a ordem e a “verdadeira democracia” através da implantação de um regime de urgência. Em 1961, apelando para o perigo da infiltração comunista e de retorno da oligarquia varguista ao poder, o jornal se manifestaria a favor do impedimento da posse de João Goulart.29 Para isto, mesmo já tentando apontar para os possíveis artigos constitucionais que permitiriam a ação militar, a Tribuna da Imprensa procura reforçar o argumento da existência de uma legalidade moral, fundada nos valores cristãos e nos costumes tradicionais do Brasil que deveria, nos momentos de crise, se impor aos formalismos excessivos da lei. Nos mês de novembro deste mesmo ano, diante de dificuldades financeiras, Carlos Lacerda viu-se obrigado a vender o jornal a Manuel Francisco do Nascimento Brito30, que não conseguiu 29

Cabe ressaltar que embora tivesse apoiado, em 1960, a candidatura de Jânio Quadros a presidência da República, a Tribuna da Imprensa entraria em conflito com o presidente logo após a sua posse. Suas críticas mais duras se concentravam na proposta de política externa do presidente e no estilo centralizador de administração que impossibilitava o diálogo com os estados. 30 Carlos Lacerda já havia passado a direção do jornal para seu filho Sergio Lacerda em outubro de 1960, quando foi eleito governador do estado da Guanabara.

reorganizá-lo e finalmente o revendeu em 12 de março de 1962 ao jornalista Hélio Fernandes. A linha editorial mantida por Fernandes foi de sistemática oposição ao governo de João Goulart. Os editoriais do jornal, antes muitas vezes assinados por Carlos Lacerda, passaram a ser publicados em primeira página e em alguns momentos recebiam a assinatura de seu novo proprietário e diretor. Contudo, embora não fosse mais proprietário do jornal, Carlos Lacerda “mantinha relações de amizade com Hélio Fernandes e continuava a influir na linha política do jornal”.31 Em 1964, a Tribuna da Imprensa defenderia abertamente o impeachment de João Goulart e daria total apoio ao golpe. O jornal acrescentaria aos seus argumentos a repercussão da idéia de que o governo estaria se preparando para quebrar a legalidade constitucional. O Jornal O Globo, durante o governo de Jânio Quadros, recebeu com repúdio a condecoração de Che Guevara e a reaproximação diplomática com países socialistas. Nesse ínterim, o jornal condenou as atitudes de Carlos Lacerda contra o então presidente Jânio Quadros. A renúncia de Jânio Quadros foi recebida com perplexidade. Inicialmente contrário à posse de João Goulart, por suas vinculações com os “agitadores comunistas”, O Globo apoiará a opção parlamentarista adotada pelo Congresso em setembro 1961 como forma de conciliar as posições dos ministros militares e dos grupos conservadores contrários à posse de Jango com os grupos legalistas. Durante o governo de João Goulart o jornal manteve seu posicionamento contrário às Reformas de Base defendidas pelo presidente e defendendo os interesses do capital estrangeiro. Considerava o minifúndio economicamente prejudicial e declarava-se contrario à reforma agrária, ainda que com indenizações. Foi contra o plebiscito de 1963 que promoveu o retorno do presidencialismo ao Brasil. Em março de 1964, O Globo apoiou prontamente a queda de João Goulart. 32 O Jornal do Brasil, que durante o governo de Jango teve como editorialista Alberto Dines, foi o jornal responsável por uma verdadeira mudança dos padrões 31

LEAL, C. E. Tribuna da Imprensa. In: ABREU, A. A. de; BELOCH, I.; LATTMAN-WELTMAN, F., e LAMARÃO, S. T. de N. (Coordenação). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós -1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001, p. 5795. 32

LEAL, C. E.; MONTALVÃO, S. O Globo. In: ABREU, A. A. de; BELOCH, I.; LATTMAN-WELTMAN, F. e LAMARÃO, S. T. de N. (Coordenação). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós -1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001.

técnicos e estéticos dos órgãos de imprensa do Brasil. Possuía quatro atributos que norteavam sua atuação; o Jornal do Brasil definia-se como um órgão “católico, liberal-conservador, constitucional e defensor da iniciativa privada”. Já no início do governo de Jânio Quadros, o jornal demonstrou seu desapontamento com o presidente. A condecoração de Che Guevara foi severamente criticada pelo jornal. Defendeu a posse de Jango e a legalidade, sofrendo, na Guanabara, a censura do governador Carlos Lacerda. Apesar de ser declaradamente contrário ao parlamentarismo, o Jornal do Brasil, reconheceu a adoção do parlamentarismo como uma solução para o impasse criado com a renúncia de Jânio Quadros. Apoiando a Política Externa Independente, o jornal concede crédito ao governo do recém empossado João Goulart, chegando, em 1962, criticar as pressões do governo norte-americano na Conferência de Punta Del Este sobre a intervenção em Cuba. Demonstrou atitude favorável às Reformas de Base e, sobretudo, à reforma agrária, sem demonstrar-se, contudo, favorável a modificações radicais no campo. O jornal mantinha uma orientação, em termos de política econômica, ortodoxa e monetarista. Mas no que tange suas perspectivas políticas, demonstrava certo progressismo chegando a apoiar o plebiscito que decidiria sobre o retorno do presidencialismo em janeiro de 1963. Apoiou o nome de San Tiago Dantas para o gabinete em junho de 1962, reconhecendo a possibilidade de um governo de união nacional. Diante da recusa do Congresso da indicação

do

Ministro

das

Relações

Exteriores,

demonstrou

seu

descontentamento. O Jornal do Brasil emprestou seu apoio ao Plano Trienal, apresentado e elaborado por Celso Furtado. Com o fracasso do Plano Trienal e a inclinação do governo para a esquerda do espectro político, o Jornal do Brasil rompe definitivamente com Jango. Vai repudiar a Revolta dos Sargentos, em Brasília, o Comício da Central e a Revolta dos Marinheiros. Apoiou a intervenção militar e a derrubada de Goulart em nome da defesa do regime democrático, mas mostrou-se reticente em relação ao Ato Institucional e as sucessivas cassações em abril de 1964. O Jornal do Brasil, contudo, apoiou a posse do Gen. Castelo Branco à presidência da República, alegando que o país precisava de um Executivo forte, que exercesse real autoridade.33 33

FERREIRA, M. de M.; MONTALVÃO, S. Jornal do Brasil. In: ABREU, A. A. de; BELOCH, I.; LATTMAN-WELTMAN, F.; e LAMARÃO, S. T. de N. (Coordenação). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós -1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001

Correio da Manhã, Diário de Notícias, Tribuna da Imprensa, O Globo e o Jornal do Brasil, foram escolhidos por abrigar e reverberar, em suas páginas, vozes de grupos políticos conservadores. Ainda que se encontrem divergências em relação aos modelos econômicos e orientações partidárias defendidos pelos jornais, em relação aos rumos e limites da democracia brasileira seguirão e radicalizarão uma postura de defesa da democracia representativa de baixa participação, pautada nos valores católicos e tributários de uma tradição democrática do povo brasileiro. A classificação por mim dada aos grupos políticos envolvidos neste idioma político, de conservadores, seguiu seu posicionamento em relação ao regime democrático representativo e sua estrutura argumentativa. Segundo Karl Mannheim, o pensamento conservador é função de uma situação histórica e sociológica particular.34 Estes grupos políticos conservadores não apenas utilizavam-se do passado e de mitologias políticas como forma de evitar inovações; se valiam deste idioma e aplicavam conscientemente uma reflexão do processo social vinculada à estrutura argumentativa deste momento. Seu pensamento era dinâmico, e não reativo. Sua defesa da ordem vigente não era estática. Não negavam o progresso, mas vinculava-se a ele de maneira a retardálo. O pensamento conservador se diferencia do mero reacionarismo devido ao caráter dinâmico do contexto ao qual se insere. Ao desenvolverem um idioma próprio como contraponto aos discursos de ampliação democrática dos grupos à esquerda que se avolumavam e à constante mobilização política nas ruas de grupos extra-parlamentares, os conservadores reagiram aos acontecimentos, que em seu entendimento, os privariam de qualquer influência no presente. A participação política deveria limitar-se aos representantes eleitos pelo voto popular, pois, entes seriam os legítimos representantes do regime democrático. À medida que grupos e associações extra-parlamentares solicitavam atenção a suas reivindicações políticas, grupos conservadores radicalizaram seus discursos em direção à despolitização da crise e do cumprimento de posicionamentos morais e ideais. Os grupos políticos conservadores do regime democrático representativo buscaram antecipar o fim da crise através de uma filosofia da história concatenada na tradição católica e no destino democrático a ser cumprido pelo Brasil. O anticomunismo presente no Brasil também exerceu – e certamente 34

MANNHEIM, K. O Pensamento Conservador. In: José de Souza Martins. Introdução Crítica à sociologia rural. São Paulo, Hucitec. 1986, p. 107.

também o sofreu – grande influência sobre esta oposição assimétrica entre representação política e participação, na separação entre moral e política e do caráter histórico filosófico das propostas. A ideologia anticomunista foi fator importante ao prover unidade de ação política e social aos grupos que derrubaram João Goulart do poder e estiveram orientados para a manutenção de um regime representativo no Brasil. A tentativa frustrada de tomada do poder no Brasil pelos comunistas em 1935 foi um acontecimento chave que acabou por desencadear um processo de institucionalização da ideologia anticomunista no interior das Forças Armadas. Os comunistas brasileiros foram acusados de serem elementos "a serviço de Moscou" e, portanto, traidores da Pátria. Os militares que tomaram parte na revolta foram, em particular, acusados de uma dupla traição: não seriam apenas traidores do país, mas da própria instituição militar, ferida em seus dois pilares — a hierarquia e a disciplina. Na década de 60 há uma intensificação desta doutrina anticomunista com o acirramento das disputas políticas em torno do conceito de democracia tanto interna quanto externamente. O termo "anticomunismo" congrega uma gama de forças políticas e sociais heterogênea. Católicos, liberais, militares, empresários, nacionalistas, fascistas e socialistas democráticos ao longo da história do Brasil e do mundo revelaram uma postura negativa, por se posicionarem contra um inimigo comum. Neste sentido, a convergência entre os diversos anticomunismos ocorre apenas em períodos percebidos como de aumento do “perigo comunista”, geralmente de curta duração.35 Nos acontecimentos de março de 1964 que causaram o choque direto do presidente João Goulart com as Forças Armadas, este anticomunismo compartilhado pela sociedade, grupos políticos, econômicos e militares potencializará os argumentos de quebra da hierarquia e disciplina por parte do presidente em apoio aos militares de baixa patente. Rodrigo Patto Sá Motta propõe em seu livro Em Guarda Contra o inimigo Vermelho36, que o anticomunismo foi um forte motivador do Golpe Militar de 1964. Dentre os militares e os civis que apoiaram o Golpe Militar havia aqueles que concebiam comunismo e corrupção como indissociáveis. A subversão e a corrupção enquanto práticas políticas estiveram amplamente identificadas aos 35 36

SÁ, R. P. Em Guarda Contra o Perigo Vermelho. São Paulo. Perspectiva, 2002. Ibid.

“comunistas” na grande imprensa. Desta forma, as reivindicações de grupos à esquerda pela ampliação de sua participação no regime democrático foram identificadas à demagogia, ou seja, a corrupção política do regime democrático. Por suas falhas morais e indissociabilidade da corrupção, os comunistas seriam portadores de uma “baixa política” não possuidora de valores morais e, portanto, não possuidora de atributos democráticos. A democracia defendida nas páginas dos jornais analisados possuía forte apelo anticomunista. A corrupção também esteve vinculada ao mau uso do dinheiro público. Nos dois casos, seja a corrupção financeira ou a demagogia política, a corrupção apresentava-se como falha moral. Neste ambiente, o qual se pretendia despolitizado e livre da aporia política pelos conservadores, a política esteve reduzida ao julgamento moral. A subalternidade do político em face da moral nas percepções e construções discursivas sobre o regime democrático foi apontada por Renato Janine Ribeiro em seu livro, A Sociedade Contra o Social. O autor, numa discussão filosófica sobre o tema da corrupção, reconhece na imprensa de fins do séc. XX uma tendência que identifica nos costumes de uma suposta comunidade cultural a causa da corrupção. A corrupção, portanto, seria extirpada da política através da reeducação da comunidade ou de seu desenvolvimento moral. Nesta abordagem, a que chama de antropológica, segue discutindo os limites desta forma de enxergar o fenômeno da corrupção. Tratando do aspecto mais “financeiro” da corrupção, esta abordagem, ao “reduzir o antropológico, que na verdade é uma construção coletiva de significações, a uma multiplicação de psiques”37 submete o fim da corrupção a um posicionamento ao qual se exclui o aspecto propriamente político. Aos males coletivos e públicos, o voluntarismo individual se faz remédio. Através de uma estrutura argumentativa dualista que separou moral e política e opôs democratas aos comunistas subversivos e “agitadores”, os grupos conservadores legitimaram a necessidade de virtudes morais à “boa” ação política bem como o regime representativo. Ao aspecto simbólico e sociológico do anticomunismo somou-se uma teoria política democrática particular à experiência do Brasil da década de 1960. Através das oposições presentes neste idioma político aspectos morais foram espoliados38 dos identificados ao comunismo

37

RIBEIRO, R. J. A Sociedade Contra o Social. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 165. Segundo Koselleck, nas oposições antitéticas e assimétricas, do “conceito utilizado para si próprio decorre a denominação usada para o outro, que para este outro equivale 38

excluindo-lhes a possibilidade de participação na política e de sua identificação com o regime democrático. Observando-se seu caráter tecnicista e objetivo39, os conservadores compreendiam algumas imagens e categorias presentes no debate político enquanto um dado da realidade, e não enquanto construções políticas e sociais. A auto compreensão do cidadão era feita sob o ponto de vista moral, e, na medida em que sua ação política era vista como vício, pois ilegítima, era também imoral. A moral é separada da política e aliena-se da realidade política vislumbrando deixar de lado a aporia da política. A ação moral, por não se integrar à política, encontra nesta relação de necessidade a sua virtude. A ação política enquanto vício é um estorvo à moral e a sua autonomia. Além disso, se praticada por “demagogos” ou eleitores não conscientes, contribui apenas para a corrupção do regime democrático. A justiça social, vislumbrada enquanto bem comum ao regime democrático, seria capacitada pela ação econômica, mais eficaz e neutra em oposição à política. Através da ação moral acreditava-se possível varrer o mundo da aporia da política. O conflito político é alienado pela filosofia da história e a crise permanece obliterada sob a cobrança do posicionamento correto. Ao acreditarem que as Forças Armadas executariam a Revolução democrática de acordo com as crenças e mitos que envolviam os militares ao longo da experiência brasileira e restabeleceriam a ordem legal após o expurgo dos comunistas e da corrupção, os grupos conservadores defrontaram-se com a decisão moral dos militares e o fim do Estado de direito a partir de abril de 1964. Diante da constante negação da presença da política nos quartéis e da pretensa neutralidade e unidade militar pelos conservadores e militares, o desenrolar da intervenção militar executou a política do quartel.40 Ao obliterarem o político em relação à moral e não percebê-lo enquanto um horizonte de expectativas, os conservadores anteciparam o fim da crise dentro de um aporte moral. Ao aplicarem ao regime político democrático o status de valor moral da civilização “Ocidental”, causaram prejuízos às regras linguisticamente a uma privação, mas que, na realidade, pode ser equiparada a uma espoliação.” KOSELLECK, R. Futuro Passado. Contribuição à Semântica dos Tempos Históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC Rio, 2006, p. 193 39 MANNHEIM, K. O Pensamento Conservador. In: José de Souza Martins. Introdução Crítica à sociologia rural. São Paulo, Hucitec. 1986, pp. 91-104 40 Sobre a doutrina militar apresentada ao exército na década de 1930 por Góes Monteiro, ver CARVALHO, J. M. de. As Forças Armadas na Primeira República: o poder desestabilizador. In: FAUSTO, B. (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1978. Volume 9, p. 214.

democráticas vigentes e aumentaram as chances de sucesso do Golpe Militar. Esta separação entre política e moral, entretanto, se voltará contra os conservadores. Esta pesquisa está organizada em três capítulos nos quais se pretendeu analisar como este idioma político orientou-se diante de acontecimentos críticos do governo de João Goulart. Levando em consideração a estrutura argumentativa dual e a obliteração da crise política, procuro demonstrar nesta relação elementos que nos ajudam a compreender o desfecho de 1964. No primeiro capítulo, analiso a concepção democrática presente nos jornais momentos antes da renúncia de Jânio Quadros e suas respectivas relações com a “solução” parlamentarista após sua renúncia. Já em julho de 1962, em meio à crise do parlamentarismo e das reivindicações de grupos sindicais por um Primeiro Ministro nacionalista e reformista, serão analisados os argumentos contrários a estas pressões dos trabalhadores ao Congresso. Tento estabelecer neste capítulo uma relação entre a democracia que se consolida no ato da posse de Jango e os acontecimentos ao longo de seu governo. Ao jurar defender e respeitar a Constituição e o regime representativo no ato de posse, garantida por conservadores, inclusive, João Goulart firmava os limites legais de suas ações dentro do regime. No segundo capítulo, diante da crise do pedido de estado de sítio ao Congresso, nos meses de setembro e outubro de 1963, procuro apresentar a cobrança, por parte dos conservadores, de um posicionamento claro e definido do presidente em relação ao regime democrático representativo. Após a greve de Santos e a Revolta dos sargentos em Brasília, Jango será compelido a abandonar suas bases extra-parlamentares de apoio. A legalidade estaria fundada na representação legítima via Congresso e os grupos sindicais que, identificados ao “comunismo” e à “agitação”, seriam ilegais. O governo de Jango, sob pena de cair na ilegalidade e perder sua autoridade, deveria afastar-se das esquerdas extraparlamentares também imorais. Ao ter negado seu pedido de instauração de estado de sitio e poderes especiais, João Goulart se isola no espectro político. O pedido de estado de sítio foi lido, à esquerda e à direita, como uma possível inclinação de Jango a sua permanência na presidência e ao Golpe de Estado. O presidente deveria desta forma, por fim à crise através do correto posicionamento. Diante da crise, a decisão apresentava-se e era exigida. Nos meses de março e abril de 1964 a experiência democrática brasileira chega a seu fim. Frente ao caminho escolhido por João Goulart e de sua estratégia

política apoiada por grupos extra-parlamentares, o presidente inicia o ano de 64 sob suspeitas de conspirar contra o regime e contra o povo brasileiro. No terceiro e último capítulo a análise será feita sobre estes dois meses. João Goulart e seus aliados sofrem, neste momento, uma espoliação de seus aspectos morais e políticos. Consolida-se o posicionamento democrático cobrado desde sua posse em 1961 e reiterado na crise de 1963. A separação entre moral e política atingia seu ápice. A bandeira das reformas e da defesa do regime frente ao “perigo iminente” é tomada pelos conservadores. Jango, acusado de ser cúmplice de “comunistas” e “agitadores”, seria o “demagogo” interessado apenas na mistificação das legítimas reivindicações populares para criar um clima de instabilidade e por fim ao regime democrático representativo. As Forças Armadas, unidas e coesas em torno da defesa da hierarquia e disciplina da corporação, fazem coro aos conservadores e a setores sociais expressivos, que por sua vez lhes cobram também um posicionamento. Jango passava à ilegalidade por suas escolhas e orientação política relacionada à ampliação da participação e da democracia, e pela proximidade às reivindicações críticas ao status quo de grupos à esquerda. Diante da cobrança do posicionamento exigido por conservadores e da obliteração do conflito político-ideológico, as Forças Armadas executam a decisão, sem, contudo por fim à crise. Põem fim à experiência democrática republicana ao aprovarem no Congresso o primeiro dos Atos Institucionais. O regime político perderia sua legitimidade e os “Revolucionários” vitoriosos se auto legitimariam por si mesmos.

1 A Crise da Renúncia e os Limites do Regime Democrático Representativo As promessas da campanha presidencial de Jânio Quadros apontavam para o longo percurso a ser enfrentado junto ao Congresso após ser eleito. A realização das reformas de base, a moralização da vida pública e erradicação da corrupção na política foram palavras de ordem da campanha. A composição do Congresso no início da década de 1960 – antes das eleições de 1962 – não favorecia o então presidente. A oposição formada por PSD, PTB e PSP detinha 64,1% e 58,6% na Câmara e no Senado, respectivamente.41 Esta configuração política cobraria de Jânio uma postura negociada frente à oposição no Congresso, no sentido da aprovação de seu programa político de mudanças. Benedito Valadares, senador do PSD mineiro, no intuito de manter a aliança PSD/PTB, articulou a tentativa de uma manobra que garantisse apoio aos projetos de Jânio Quadros no Congresso em troca de favores políticos. Esta proposta sofreu resistência de setores do PTB e do PSD. Armando Falcão, aliado de Valadares, acenou com a possibilidade de formar-se um partido de centro, que unisse o campo “adesista” do PSD com a UDN. Esta proposta também não obteve êxito. Os grupos que apoiavam Juscelino Kubitscheck buscaram adotar uma postura oposicionista frente ao governo. Além da resistência de setores da UDN, esta proposta não recebeu apoio dos janistas. Esta foi, segundo Felipe Pereira Loureiro,42 a primeira chance perdida de governabilidade. Segundo este autor, Jânio não agiu no sentido de construir acordos junto às forças políticas majoritárias no Congresso Nacional. Seguindo o mote de sua campanha, Jânio desferiu duras críticas à “terrível situação financeira do país”, à “crise

moral,

administrativa e

político-social”.

Instalou

sindicâncias e

investigações coordenadas por assessores diretos e militares, sem a participação dos deputados.43 Apontou para a necessidade de se multiplicarem “órgãos da mecânica democrática, fazendo que surjam, ao lado dos tradicionais, outros, mais 41

Diário do Congresso Nacional. 9 de Março de 1961, 1° seção, p. 1318-1325. LOUREIRO, F. P. Varrendo a Democracia: Jânio Quadros e o Congresso Nacional. In: Revista Brasileira de Historia. São Paulo, ANPUH, vol. 29, n° 57, jan-jun, 2009. 43 Ibid, p. 187. 42

próximos das massas”.44 Sobre o tom democratizante deste discurso de Jânio no programa de rádio Hora do Brasil, o deputado Martins Rodrigues, do PSD do Ceará, identificando perigo nas declarações de Jânio Quadros sobre a criação de órgãos “mais próximos às massas”, questiona: “não são esta Casa e o Senado a representação autêntica das massas através do voto? A que novos processos de mecânica democrática (...) S Exa. se refere em sua oração?”.45 Somaram-se episódios que apontassem para a atitude “negligente” de Jânio Quadros em relação ao Congresso e à negociação política institucional. O candidato da coligação encabeçada pela UDN havia chegado à presidência contando com grande apoio popular e uma votação recorde.46 Logo no início de seu mandato presidencial, o ex-governador de São Paulo evocava a “vontade popular” e dizia que buscaria apoio no povo se preciso fosse, para governar. Desta feita, o presidente criava o clima de ineficácia política dos parlamentares em relação à aprovação de leis e, justificava a necessidade de o próprio povo falar por si nos momentos em que o presidente não obtivesse sucesso na negociação política. Segundo Lucia Hippólito, “Jânio, por sua vez, desprezou a configuração partidária do congresso, não negociou com os partidos, ignorou as regras do jogo político e tentou governar apesar do Legislativo”.47 O distanciamento entre Executivo e Legislativo caracterizou-se nas declarações de alguns parlamentares do suposto “autoritarismo” de Jânio Quadros nas críticas do presidente ao Congresso. Neste quadro de debate conflituoso, onde as instituições republicanas participavam com declarações de deslegitimação mútua, o Congresso buscou tomar medidas que fortalecessem a autonomia do Poder Legislativo. Por outro

44

Janio Quadros, APUD. LOUREIRO, F. P. Varrendo a Democracia: Jânio Quadros e o Congresso Nacional. In: Revista Brasileira de Historia. São Paulo, ANPUH, vol. 29, n° 57, jan-jun, 2009. p. 190. 45 Martins Rodrigues, APUD. LOUREIRO, F. P. Varrendo a Democracia: Jânio Quadros e o Congresso Nacional. In: Revista Brasileira de Historia. São Paulo, ANPUH, vol. 29, n° 57, jan-jun, 2009. p. 191. 46 Nas eleições de 1960, Jânio Quadros recebeu 5.636.623 votos, a maior votação até então obtida por um candidato à presidência, atingindo 48% do eleitorado contra 3.846.825 (32%) dados a Henrique Lott e 2.195.709 (19%) a Ademar de Barros. Ver, MAYER, J. M. e XAVIER, L. Jânio Quadros. In: ABREU, A. A. de, BELOCH, I.; LATTMAN-WELTMAN, F. e LAMARÃO, S. T. de N. (Coordenação). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós -1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001, p. 4822. 47

HIPPOLITO, L. De Raposas e Reformistas: o PSD e a Experiência Democrática Brasileira (19451964), Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 111.

lado, ao “negligenciar” os trabalhos do Congresso, Jânio Quadros buscava sua justificativa na importância da independência entre os Poderes. Esta postura o ajudou a manter, diante da população, a imagem de um homem que não se misturava com os demais partidos e seus políticos, reforçando a alternativa voluntarista e individual frente às instituições políticas. Esta maneira de enxergar a virtude moral como solução aos problemas políticos será marcante no contexto lingüístico da década de 1960. Como importante reflexo dos meios utilizados por Jânio a fim de esvaziar o Congresso politicamente, um interessa amplamente a esta pesquisa: o debate sobre a participação popular na democracia. Abre-se campo para uma constante tensão entre uma participação direta – via plebiscito, manifestações sindicais, reivindicações no espaço público – e entre uma participação mediante representação – via Legislativo federal. Com o suicídio de Getúlio Vargas, João Goulart figuraria como grande líder trabalhista e buscaria consolidar esta posição com o apoio dos sindicatos. A relação próxima e “amigável” com os sindicatos trouxe para João Goulart a oposição daqueles que eram temerários de uma democratização da participação política dos trabalhadores através dos sindicatos e das classes subalternas. A oposição a João Goulart será marcada pela constante valorização do Congresso enquanto único representante legítimo do povo e da desqualificação da participação da sociedade civil. Diante da renúncia de Jânio Quadros e do posterior veto dos militares à posse de Jango, o Congresso posicionou-se em busca da afirmação de sua legitimidade frente ao poder militar e de sua liderança no processo político. Esta busca esteve ligada ao clima criado pelas declarações negativas de Jânio Quadros em relação ao Congresso. Com a renúncia do presidente abre-se uma oportunidade para que o Congresso reforce seu papel de principal instituição de representação política. A aprovação da emenda parlamentar pelo Congresso obteve status de “solução” frente a um impasse posto entre os Ministros militares e o Congresso. Este impasse apresentava-se, também, entre a manutenção das regras constitucionais e a intervenção militar na política. O parlamentarismo surge como um entendimento entre o veto dos militares a Jango e a manutenção das instituições democráticas, um “meio-termo” entre militares e parlamentares. O parlamentarismo surge como forma de limitar as ações de Jango que preocupavam

os Ministros militares e grupos políticos conservadores, bem como reposicionar o Congresso no cenário político institucional do país. O governo de João Goulart foi palco de uma batalha semântica em torno do conceito de democracia. Percebe-se nas páginas dos jornais analisados a presença de um idioma político deslegitimador da participação direta, que se diferencia do discurso governista. Os grupos que apoiavam João Goulart defendiam uma democracia pautada na participação direta via mobilização de movimentos sociais. Este mecanismo foi responsável pela consolidação de uma ampla base de apoio formada por movimentos da sociedade civil, sobretudo dos trabalhadores, ao governo de Jango. Ao longo do governo, algumas decisões políticas foram tomadas sob forte pressão de grupos sociais ao Congresso. Como forma de melhor conhecer as concepções de democracia e os idiomas políticos destes jornais, neste capítulo serão analisados inicialmente alguns editoriais sobre a Política Externa brasileira de Jânio Quadros antes de sua renúncia. Posteriormente a análise dos jornais estará relacionada aos argumentos utilizados frente à crise político-militar instaurada após o veto à posse de João Goulart pelos Ministros militares que tentaram estabelecer os limites e os rumos para o regime representativo. Em um segundo momento, diante da crise da eleição do Gabinete Ministerial em julho de 1962, buscarei analisar como que estes limites e rumos ao regime democrático representativo serão manipulados frente às reivindicações por uma maior participação estudantil nas universidades, e diante da cobrança, através da mobilização política dos sindicatos, de um Primeiro Ministro “nacionalista”.

1.1 A Democracia Antes da Renúncia

Após sete meses de um governo personalista e suprapartidário, que conviveu com medidas controversas e autoritárias, Jânio Quadros apresentou sua renúncia ao Congresso, que prontamente a aceitou. A postura de Jânio Quadros durante a sua passagem pela presidência da República provocou cisões no principal partido que o apoiara, a UDN, e os já mencionados conflitos com o Congresso. Ponto de maior discordância entre uma parcela da base aliada do governo e Jânio Quadros, era a Política Externa Independente (PEI). As críticas à

postura independente e de não alinhamento assumida pela política internacional culminariam no episódio de apoio à Revolução Cubana. Entre os jornais analisados, a opinião sobre o posicionamento do Brasil no cenário internacional esteve dividida entre aqueles que apoiavam, e os que não apoiavam a PEI. Na segunda metade de agosto, as discussões sobre a participação do Brasil na conferência de Punta Del Este possibilitam apreender sob quais bases o regime democrático era visto. Em editorial de 16 de agosto, o Jornal do Brasil elogiou a postura da delegação brasileira na conferência sobre o assunto de Cuba. O Brasil apoiou a Revolução Cubana e demonstrava seu desejo de ver aquele país retornar ao regime democrático. Neste sentido, o jornal manifestava a capacidade transformadora da Política Externa Independente e o papel proeminente do Brasil entre os países da América Latina no que diz respeito à manutenção da democracia e dos princípios cristãos. Dias antes da renúncia, o Jornal do Brasil apontava com críticas a postura de alguns grupos políticos brasileiros: “A inquietação que alguns setores da sociedade brasileira sentem diante da política externa do presidente Jânio Quadros é compreensível, embora não seja justificável. Toda inovação tem os seus aspectos inquietantes, especialmente para aqueles que não tem a exata compreensão do que está acontecendo em derredor. As classes conservadoras, que são as que mais se espantam com as providências diplomáticas tomadas pelo Presidente da República, demoraram muito a se convencer de que o país devia empenhar-se, num ritmo acelerado, em tarefas do desenvolvimento econômico. Quando perceberam que o processo do desenvolvimento não só era do interesse do Brasil, como também lhes trazia benefícios e lhes abria perspectivas, não tiveram a percepção de que era imperiosa a execução de uma política externa despida de preconceitos e temores. O presidente Jânio Quadros, de maneira abrupta, e o Chanceler Afonso Arinos, com argumentação lógica, puseram as classes conservadoras diante da realidade, nua e crua. Em pouco mais de seis meses, o governo fez mais do que atualizar a política externa [...] E, na maioria dos casos, o Brasil se colocou em pé de igualdade com outras nações do Ocidente que fazem questão de ter maior liberdade de ação possível no âmbito dos compromissos naturais que tem com as idéias democráticas e com os princípios cristãos.”48

O jornal relaciona diretamente a postura independente do Brasil ao desenvolvimento econômico. O jornal qualifica a postura negativa à política externa dos “conservadores” baseada em preconceitos e temores – o Jornal do Brasil, neste momento, mantinha uma postura cautelosa em relação ao “perigo comunista” e tratava-o como artifício de agitadores relativizando sua 48

Jornal do Brasil, 16 de agosto de 1961, p. 6.

concretude.49 Para o jornal a ameaça comunista era tão grande quanto a “conspiração de direita” no continente americano50. Neste momento o jornal considerava necessária a mudança na política externa em virtude das necessidades do País manter-se em um ritmo acelerado para o desenvolvimento econômico. Desta maneira, a inquietação das classes conservadoras, movida pela reação à inovação, não se justificaria. A posse do raciocínio lógico seria, portanto, o que tornaria possível perceber as necessidades reais do País e qualificar os adversários em relação ao conhecimento desta “realidade”. A “realidade brasileira”, desconhecida pelas classes conservadoras, lhes foi mostrada através da argumentação lógica do chanceler Afonso Arinos. “Realidade brasileira” era conceito valorizado nos meios intelectuais brasileiros. Criado em julho de 1955, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) tornou-se um instituto de pensadores sociais desejosos de contribuir para a definição de um projeto coerente de futuro nacional. A construção deste futuro, segundo alguns de seus autores, passava pela percepção adequada da realidade do país, traçando uma relação entre presente, passado e futuro. Esta percepção da realidade nacional e da inadequação de algumas estruturas diante da atualidade era oriunda da apropriação do pensamento existencialista51 no Brasil da década de 1950. Longe de relacionar o Jornal do Brasil ao idioma político nacionalista isebiano, considero ser possível aproximá-lo do ISEB em um mesmo contexto lingüístico, pois a postura deste jornal sobre o desconhecimento da realidade por parte das classes conservadoras, e a relação deste desconhecimento com a posse da racionalidade lógica também é encontrada nas obras de alguns isebianos. O conhecimento lógico qualificava os adversários no debate político. O jornal O Globo, crítico contumaz da postura independente da Política Externa de Jânio Quadros, dirigia-se às pessoas que estavam alarmadas com certas atitudes e declarações do presidente Jânio Quadros neste setor. Buscando 49

Alzira Alves de Abreu afirma que a partir da Revolta dos Sargentos, em setembro de 1963, a imprensa se distancia do governo de João Goulart e apresenta como solução para a crise seu impeachment e sua substituição dentro da legalidade. Ver ABREU, A. A. de. 1964: A Imprensa ajudou a derrubar o governo Goulart. In: FERREIRA, M. de M. João Goulart: entre a memória e a história. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006, p. 108. 50 FERREIRA, M. de M.; MONTALVÃO, S. Jornal do Brasil: in: ABREU, A. A. de; BELOCH, I.; LATTMAN-WELTMAN, F.; LAMARÃO, S. T. de N. (Coordenação). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós -1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, Vol. 3, 2001 p. 2870. 51 PAIVA, V. P. Paulo Freire e o Nacional desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.

tranqüilizar estas pessoas sobre a influência norte-americana no Brasil, o jornal, alega: Divergimos principalmente da espetaculosidade com que S. Ex. Se coompraz em proclamar a “independência” de seu governo no trato dos problemas externos, como se seus antecessores (inclusive o insuspeito Getúlio Vargas) houvessem vivido atrelados à Casa Branca, obedecendo automaticamente aos seus menores acenos. Toda gente sabe que isso é redondamente falso. Falso desde logo porque os norteamericanos jamais tentaram impor-nos esta ou aquela medida contra o sovietismo.52

As críticas do O Globo orientavam-se à postura brasileira em relação ao bloco soviético. Sobre a conferência de Punta Del Este comenta que o Brasil terá, diante do aceno em relação à Aliança Para o Progresso, afinal, seu Plano Marshall. A assinatura da Carta foi recebida com grande entusiasmo pelos jornais. A carta representou o lançamento oficial do pacote de ajuda econômica dos EUA aos países da América Latina. O governo norte americano teria finalmente compreendido que era negativo abandonar as demais repúblicas americanas aos seus próprios recursos.53 Este projeto “revolucionário” permitiria aos países latino-americanos a execução de uma obra de desenvolvimento econômico e social que poderia mudar sua face.54 Sobre as declarações da delegação brasileira em relação à Cuba, o jornal O Globo manifesta uma opinião que demarca o caráter antitético dos mundos existentes: Aí estão, pois, demarcadas as fronteiras: para o comunismo – a abolição total da propriedade e da iniciativa privada; para os democristãos – o Estado não é o senhor, mas o que complementa, se e quando necessário, a ação dos particulares.55

Na conferência de Punta Del Este a postura da delegação norte-americana orientou-se para a exclusão de Cuba do plano de desenvolvimento continental. O Jornal do Brasil, que havia manifestado frustração em relação a tal medida, declarou: Aspecto negativo foi a exclusão de Cuba do plano de desenvolvimento econômico continental – exclusão que tornou inúteis os melhores esforços exercidos pelo Brasil em sentido contrário e que desmentiu as esperanças manifestadas por

52

O Globo, 5 de agosto de 1961, p. 1. Diário de Notícias, 20 de agosto de 1961, p. 4. 54 Tribuna da Imprensa, 19 de agosto de 1961, p. 4. 55 O Globo, 10 de agosto de 1961, p. 1. 53

quantos, nos últimos dias, se entusiasmaram com a sobriedade da delegação norteamericana em relação ao problema cubano.56

O Globo, por sua vez, declarou a postura norte-americana como um “marco de renovação e esperanças”. “Em suma: Punta Del Este foi o triunfo da solidariedade das Américas [...] Ali se comprovou que não carecemos de sair dos regimes representativos para atingirmos os objetivos progressistas dos nossos povos”.57 O progresso estaria vinculado à manutenção do regime representativo. O jornal O Globo mantinha uma preocupação constante com o “perigo comunista” e a possibilidade da instauração de uma ditadura comunista no Brasil. Estes trechos acima selecionados, embora demonstrem divergência sobre o problema cubano, estão inseridos em um mesmo contexto lingüístico. Ainda que haja divergências em relação às concepções de desenvolvimento econômico entre os jornais, ambos concebiam a tradição cristã e o sistema representativo como bases fundamentais do regime democrático. O Correio da Manhã fixou-se no problema do desenvolvimento do continente americano e na Aliança para o Progresso. Sua postura em relação à Política Externa do presidente era de aceitação: “Temos achado certa, em suas linhas gerais a Política Externa do presidente da república”.58 Seus editoriais sobre a Aliança para o Progresso e a ata de Punta Del Este também reforçam a necessidade da manutenção dos regimes democráticos na América Latina, mas apontam para a importância dos esforços nacionais na implementação de reformas estruturais no país. “Do nosso esforço dependerá essencialmente o sucesso do programa e também da continuidade de nossas instituições”.59 Afirmam que os governos latino-americanos que assinaram a ata de Punta Del Este assinam também o compromisso de promover imediatas reformas básicas a fim de que faça valer a ata. “Agora, depois da ata, precisa-se de nossa parte de atos”.60 As reformas estruturais estariam relacionadas à aceleração do desenvolvimento econômico e, por conseguinte da consolidação do regime. O jornal demonstrava entusiasmo e otimismo em relação aos pontos estabelecidos como metas para a “salvação” dos países latino-americanos. Mas o 56

Jornal do Brasil, 18 de agosto de 1961, p. 6 O Globo, 22 de agosto de 1961, p. 1. 58 Correio da Manhã, 22 de agosto de 1961, p. 1 59 Correio da Manhã, 15 de agosto de 1961, p. 1. 60 Ibid. 57

caso mais difícil, segundo o jornal, é o das “verdadeiras democracias”. Nestas democracias, o poder dos governos, quando decididos a realizar as reformas necessárias, é limitado “pelas instituições constitucionais e pelas forças que sabem aproveitá-las e entrincheirar-se atrás delas”.61 O problema residia nas forças que se aproveitavam da democracia e de suas instituições políticas para fins escusos. Reafirmando o Brasil como um país democrático, o Correio da Manhã levanta críticas à postura dos grupos conservadores em relação à Reforma Agrária: Neste Brasil democrático a poderosa Confederação Rural Brasileira acaba de definir o latifúndio de tal maneira que não há reforma agrária nenhuma a realizar; e já conta com o apoio das classes conservadoras urbanas e de alguns bispos nordestinos.62

A Tribuna da Imprensa, foi o jornal que mais críticas direcionou à Política Externa de Jânio Quadros. Em uma série de editoriais, este jornal atacou diversos pontos da diplomacia brasileira apontando seus “erros e perigos”. Propagador fervoroso do “perigo comunista”, o jornal do Governador da Guanabara acusa a política internacional de ser contrária à lei e aos costumes do povo brasileiro. Portanto, ilegal e antinacional. Declarando que o povo brasileiro é contra o comunismo, afirma que a Política Externa não tem apoio do povo. Segundo o editorial: Não basta que a maioria do povo pareça estar do lado de uma política para que esta esteja certa. É preciso que o povo tenha acesso à informação necessária, tempo para refletir, líderes capazes de esclarecer, debates realmente esclarecedores.63

Ainda que haja a possibilidade da maioria do povo estar de acordo com determinada política, aponta para a necessidade de debates esclarecedores, tempo para refletir e, de líderes capazes de esclarecer o povo. Assim, para o jornal, o apoio da maioria do povo não seria o bastante, fazia-se necessário o esclarecimento através dos líderes capazes. Novamente, o aspecto racional entrava na disputa política como um qualificativo. O editorial traz ainda a afirmação de que no Brasil, país “razoavelmente democrático”, a opinião da maioria seria verificável apenas pelo resultado das eleições. Neste sentido, afirma que se o povo desejasse a política de aproximação dos comunistas, não teria votado em Jânio

61

Correio da Manhã, 16 de agosto de 1961, p. 1. Ibid. 63 Tribuna da Imprensa, 23 de agosto de 1961, p. 1. 62

Quadros, mas em Lott. O argumento final dos editoriais caminha para o alerta sobre o perigo da proximidade com os países comunistas e da posterior tomada de poder por estas entidades no Brasil, afirmando que só aos comunistas importa esta Política Externa. O Diário de Noticias, jornal que apoiava Jânio Quadros e sua política internacional, também se mostra entusiasmado com a possibilidade do auxílio financeiro norte-americano. “Pela primeira vez, evidenciam-se da parte da grande república do norte, os propósitos de aplicar no restante das Américas os métodos de ajuda com eficiência comprovada pelo êxito obtido em outras regiões do mundo”.64 A novidade estaria contida na discriminação feita no documento sobre os regimes democráticos baseados na representação. Esta medida seria um poderoso estímulo, segundo o jornal, para as correntes democráticas do continente “pouco importando que assim se revelem os intuitos de defesa contra o comunismo.”65 Entendendo a Aliança para o Progresso dentro de uma chave de combate ao comunismo, o Diário de Notícias, acaba por reforçar que este propósito político “responde aos anseios, tradições e tendências dos povos latinoamericanos”.66 A democracia era apresentada como dique ao comunismo por suas ligações com o desenvolvimento econômico e conseqüente atenuação das desigualdades. À medida que o progresso econômico sanasse as demandas sociais, o perigo de revoltas populares diminuiria tendo em vista o aumento da confiança na democracia e seus resultados. O desenvolvimento econômico aliado à democracia baseada na tradição cristã, na harmonia, na unidade seria responsável pela contenção do perigo comunista. A declaração de Punta Del Este, portanto, responderia com toda a sua seqüência de medidas práticas, à consagração daqueles valores e princípios que simbolizam o próprio espírito das Américas. Este espírito não comportaria democracias que estivessem fora de um padrão representativo e abarcasse políticas vinculadas ao “comunismo” – ou significadas como tais. Desta feita, ainda que houvesse discordância em relação à ênfase ao “perigo comunista” e suas relações com a política internacional de Jânio Quadros, os

64

Diário de Noticias, 20 de agosto de 1961, p. 6. Ibid., p. 6 66 Ibid., p. 6 65

jornais apresentam um consenso em relação ao regime democrático brasileiro: baseado na representação política, e nas tradições cristãs e na unidade brasileira. À medida que este regime sofrer críticas e em seu interior surgirem reivindicações por sua ampliação, os jornais analisados reforçarão seu discurso em defesa da representação utilizando como argumento suas tradições, e alguns mitos políticos. Seguindo os acontecimentos do mês de agosto de 1961, a repercussão da condecoração de Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul novamente dividiu a opinião pública. Os jornais Tribuna da Imprensa e O Globo manifestaram suas reservas e direcionaram duras críticas ao presidente Jânio Quadros. O Globo manifestou sua indignação em editorial da seguinte forma: Assim já é demais. O “cruzeiro do Sul” representa, ao mesmo tempo, uma demonstração de apreço nacional e uma prova de nossa fé nos ideais formados à sombra do cristianismo. Colocar no peito do falso cubano e autêntico comunista o emblema da cruz de Cristo é um acinte que não expressa a vontade da nação e desmoraliza completamente a mais antiga e respeitável ordem brasileira.67

Ratificando a importância da tradição cristã e da ordem na política brasileira, o editorial exclui desta tradição o comunismo. Ainda que neste episódio outros jornais tenham se mostrado complacentes com o presidente, esta postura discursiva de valorização da tradição cristã na política brasileira foi mantida. Neste sentido, os idiomas políticos presentes nos jornais, ainda que divergentes em relação à política externa independente e sua relação com o desenvolvimento, ou quanto à condecoração de Che Guevara, estavam alinhados na valorização da tradição cristã e da representação dentro da política brasileira. Esta valorização excluía o acesso ao Estado pelas vias democráticas àqueles identificados como comunistas. Isto pode ser verificado no episódio do veto militar à posse de Jango, identificado pelos militares como um “agitador perigoso” simpático ao comunismo.

1.2 A Crise da Renúncia e a Solução Parlamentarista

Neste movimentado mês, a crise da renúncia teria seus capítulos mais importantes a partir do dia 24 de agosto. No aniversário da morte de Getúlio 67

O Globo, 19 de agosto de 1961, p. 1.

Vargas, em rede nacional de TV e Rádio, Carlos Lacerda denunciaria um pretenso golpe à República orquestrado por Jânio Quadros e seu Ministro da Justiça, Pedroso Horta. Num acontecimento marcado pela tensão das conspirações, Lacerda afirmara que havia sido convidado pelo Ministro da Justiça a participar de um golpe às instituições democráticas do país. Lacerda expôs na imprensa os detalhes de seu encontro com Jânio Quadros e Pedroso Horta. Após ameaçar renunciar ao cargo de Governador da Guanabara, Carlos Lacerda revelou que não o fizera para não se omitir num momento crítico da vida nacional. Em seguida, o jornalista desferiu duros ataques à política internacional do governo. Os envolvidos no caso negaram veementemente a aproximação com a “penumbra das conspirações”68. Esta grave denúncia de Carlos Lacerda marcou o ápice da campanha contra Jânio Quadros. Na manhã do dia 25 de agosto, Jânio renunciava à presidência da República sem maiores explicações ao Brasil. A renúncia, foi recebida com imensa surpresa pela imprensa, demonstrando que Jânio Quadros gozava de credibilidade no cargo. Alguns jornais noticiaram manifestações pedindo a volta de Jânio Quadros à presidência. O Diário de Notícias, por exemplo, afirmava que “Uma solução que permitisse a volta do Sr. Jânio Quadros ao governo do país acalmaria a inquietação popular e restabeleceria a tranqüilidade de espírito”.69 A renúncia era definitiva. No dia 28 de agosto, Ranieri Mazzilli, presidente interino, leu no Congresso a mensagem enviada pelos Ministros militares comunicando o veto à posse de Jango. Nesta mensagem, o presidente interino afirmou ter “a honra de comunicar” a inconveniência do regresso de João Goulart ao Brasil. João Goulart, como vice-presidente da República eleito, seria o substituto constitucional do já ex-presidente Jânio Quadros. Neste momento, as normas para o pleito eleitoral permitiam que se apresentassem chapas em separado para o cargo de presidente e de vice-presidente. Jânio Quadros elegerase pelo PTN (Partido Trabalhista Nacional), pequeno partido de expressão local em São Paulo. Não obstante sua proclamada independência e alardeada postura “acima dos partidos”, recebera apoio direto da UDN. João Goulart, principal herdeiro político de Getúlio Vargas, elegera-se pelo PTB. A posse de João Goulart

68 69

LABAKI, A. A crise da renúncia e a solução parlamentarista. São Paulo: Brasiliense, 1986, p.42 Diário de Notícias, 26 de agosto de 1961, p. 4.

significaria, portanto, a chegada ao poder do Trabalhismo com propostas para reformas urbanas e sociais muito distintas da política adotada pelo ex-presidente. Os ministros militares de Jânio Quadros que pertenciam à “linha dura” das Forças Armadas faziam oposição às propostas trabalhistas e ao estilo político de João Goulart, e à sua aproximação dos sindicatos. “Em um Manifesto à Nação expuseram explicitamente suas objeções a Goulart, alegando a inconveniência de seu retorno ao país”.70 A repercussão na imprensa, mesmo com a censura, seria imediata e seguiria caminhos diversos. A Tribuna da Imprensa se posicionou de maneira contrária à posse de Jango. Em suas páginas defendia a manutenção da ordem e da democracia. Mais uma vez, os argumentos defendiam uma democracia baseada na tradição cristã e na liberdade frente ao “perigo comunista”. Esta argumentação colocava a sucessão ao cargo presidencial numa escolha entre o comunismo ou democracia. A posse de João Goulart era vista pelo jornal como uma ameaça à democracia. Em relação à postura dos Ministros militares, a Tribuna da Imprensa afirma que:

Hoje mais do que nunca os brasileiros estão diante de dois caminhos: a democracia e o comunismo. [...] As Forças Armadas com a sua tradição de democracia e liberdade, e fiéis aos interesses supremos do Brasil e de seu povo, estão decididas a [...] garantir que o Brasil siga o seu caminho e o seu destino de país livre. [...] O dever do povo, portanto, é o de ajudar as Forças Armadas a garantir a liberdade e a paz.71

Numa tentativa de obter apoio de seus leitores, o jornal conclama o povo a seu dever: “ajudar as Forças Armadas a garantir a liberdade e a paz”. No mesmo editorial, o Congresso também é convocado a corresponder “às expectativas da Nação” através do patriotismo de seus líderes e da vocação democrática de cada parlamentar. A Nação deveria apoiar as Forças Armadas em seu dever de defender o Brasil do comunismo e da luta fratricida.72 As Forças Armadas gozavam de grande prestígio na opinião pública brasileira deste momento. Os Ministros militares, “responsáveis pela ordem interna”, foram motivados a tal atitude em defesa da segurança nacional, após apreciação da conjuntura criada pela renúncia. Segundo os Ministros militares, se Goulart assumisse, desencadearia no país um

70

FIGUEIREDO, A. Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 19611964. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 37. 71 Tribuna da Imprensa, 29 de agosto de 1961, p. 1. 72 Ibid.

período de agitação, tumultos e até choques sangrentos, que acabariam por ruir as instituições democráticas, a justiça, a liberdade, a paz social e todos os padrões da cultura cristã brasileira.73 O jornal O Globo afirmava que, apesar da mensagem de Jânio Quadros à nação no ato da renúncia, não havia oposição ao presidente, nem nos meios militares. A única oposição existente, segundo o jornal, era sobre a PEI, que parecia “descaracterizar” os antecedentes brasileiros “em face do conflito ideológico entre as democracias ocidentais e o comunismo internacional”.74 O jornal prossegue afirmando que o país sempre quis estar vinculado “à comunidade interamericana e à resistência ao avassalamento do materialismo dialético”.75 Declarava-se possuidor do mesmo sentimento de “milhões de brasileiros” que não querem senão “ordem, paz interna, respeito a todos os direitos, de modo que a Nação se recupere das crises sofridas nos últimos anos.”76 Através deste enunciado, o jornal O Globo se colocava ao lado dos “adversários intransigentes do comunismo e de todas as contemporizações com os agitadores sociais, inimigos do nosso regime”.77 Afirmava estar em condição de lançar às classes militares, que segundo o próprio jornal seriam os responsáveis pela vida política da Nação, um caloroso apelo para que “se unam os bons elementos e reconstruam a frente democrática contra todos os exaltados, vermelhos ou não, em bem da tranqüilidade publica.”78 Afirma ainda que sua confiança nas classes armadas “é de todo o povo, certos de que eles saberão corresponder aos ideais da pátria, a sua sede de ordem, de justiça, de progresso e liberdade.”79 Após o veto dos ministros militares, O Globo, apresenta-se a necessidade de: Urgentemente, encontrar uma fórmula que sirva como denominador comum, permitindo que se harmonizem os pontos-de-vista, de modo a preservar o sistema representativo, e, também, que as Forças Armadas saiam deste episódio sem desprestígio. [...] É a hora de se apelar para o patriotismo de todos os brasileiros, principalmente dos representantes das duas casas do Congresso, para que encontrem, com os chefes militares, um caminho para a salvação do País. A

73

Ver, Os documentos da renúncia. In: LABAKI, A. A crise da renúncia e a solução parlamentarista. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 148 74 O Globo, 26 de agosto de 1961, p. 1. 75 Ibid. 76 O Globo, 26 de agosto de 1961, p. 1. 77 Ibid. 78 Ibid. 79 Ibid.

gravíssima crise que aí esta já nos fez um mal incomensurável. Prolongá-la seria um crime imperdoável contra o Brasil!80

O trecho acima defende a manutenção do sistema representativo e uma saída que permita que as Forças Armadas não caíssem em desprestígio. Clamam pelo patriotismo dos integrantes do Congresso a fim de que encontrem, com os chefes militares, uma solução pacífica para a crise. Preocupado com o fechamento de Congresso, o jornql menciona que os parlamentares não se mostram muito dispostos a solucionar a crise. De acordo com o editorial, seria um “crime contra o Brasil” prolongar a crise. Toda argumentação do Globo, apesar de se encaminhar para uma solução do Congresso em conjunto com a ação dos Ministros militares, em nenhum momento condena o veto dos militares à posse de Jango. O editorial expõe ainda que: Entretanto, mais uma vez deve ser notado que as Forças Armadas estão agindo com a maior desambição e recorrem aos líderes civis, no sentido de que procurem uma fórmula que mantenha em funcionamento o regime.81

Nota-se que em nenhum momento a manutenção do regime é colocada sob as condições de posse de João Goulart. Os argumentos estão posicionados em torno do funcionamento do Congresso e do sistema representativo, e da manutenção do prestígio das Forças Armadas, através de um entendimento harmonioso entre parlamentares e Chefes militares. Diante desta argumentação, pode-se compreender a posição contrária do jornal em relação à posse de Jango e quais valores deveriam ser defendidos no regime democrático representativo. O Globo limitou-se a mencionar que “mesmo os maiores adversários do Sr. João Goulart lamentam a provação a que está sendo submetida a Instituição Republicana”.82 Segundo os outros jornais, ainda que o vice-presidente representasse ameaça ao regime democrático por suas ligações com os sindicatos e a herança trabalhista, sua posse era endossada pela Constituição brasileira. O Diário de Notícias declarou que “Certamente, a perspectiva de termos no governo o Sr. João Goulart não é das que eliminam por si mesmas as preocupações nacionais. Seus

80

O Globo, 30 de agosto de 1961, p. 1. O Globo, 30 de agosto de 1961, p. 1 82 Ibid. 81

antecedentes, na sua vida pública, não são de molde a inspirar tranqüilidade e segurança”.83 E declara que: Entre todos os riscos e inconvenientes da situação que enfrentamos, esse é, porém, o mal menor. Quando a opção se apresenta nos termos em que ora temos de exercêla, se trata de decidir pela Constituição ou contra, não há vacilação possível.84

O suposto perigo ligado à posse de Jango, neste momento, era considerado um “mal menor” pelo jornal. A Constituição deveria ser respeitada e a posse de João Goulart era garantida constitucionalmente. A democracia daria conta de proteger a nação deste “perigo”. O Correio da Manhã, em editorial intitulado “Em Defesa da Legalidade” afirma que embora tenha “sempre manifestado as necessárias reservas quanto à personalidade do novo presidente da república”85 ressaltava a necessidade de ser mantida a imagem do Brasil enquanto país democraticamente maduro: É um fato que o Sr. João Goulart tem de ser empossado, logo que chegar, para evitar que o Brasil fique aviltado e rebaixado a condição de terreno moralmente baldio, play-ground de energúmenos e de interessados em tudo, menos no Brasil.86

Neste episódio, estes jornais manifestaram-se amplamente em defesa da Constituição e da legalidade contra as “ameaças comunistas” denunciada por militares e grupos à extrema direita do espectro político. Com exceção da Tribuna da Imprensa e O Globo, os jornais apoiavam a posse de Jango. Legalidade correspondia ao cumprimento do texto constitucional, à manutenção da ordem e do regime representativo. A manutenção destes postulados seria suficiente para manter afastado quaisquer perigos à democracia brasileira. Segundo o Jornal do Brasil, “nesta hora de grave crise e de perigos incontáveis, cabe a todos os brasileiros a tarefa de se empenharem na preservação da unidade nacional e das instituições democráticas”.87 A crise, entendida como um momento perigoso dadas as possibilidades de “aproveitamento” por parte dos comunistas e de eventos que fujam ao espaço de experiências vivido, demandava de todos os brasileiros a tarefa de defesa das instituições. Ao defender a posse de João Goulart e, por conseguinte, a legalidade constitucional democrática, afastavam-se os 83

Diário de noticias, 26 de agosto de 1961, p. 4. Diário de noticias, 26 de agosto de 1961, p. 4. 85 Correio da Manhã, 27 de agosto de 1961, p. 1. 86 Ibid. 87 Jornal do Brasil, 26 de agosto de 1961, p. 6. 84

“perigos incontáveis”. Esta tarefa seria, segundo o Jornal do Brasil, uma “nobre” tradição do povo brasileiro. O que está em jogo, nestas horas de agonia, é a nobre tradição brasileira de acatamento das normas livremente traçadas, em 1946, pelos representantes eleitos pelo povo. Se o Brasil souber, com a maturidade que dele se espera, reafirmar sua fé nas instituições democráticas e na sua própria capacidade de decidir sobre o seu futuro, a renúncia do Presidente Jânio Quadros será um episódio – sem dúvidas assustador – mas não significará mais do que um ato voluntário, que a Nação lamenta, mas para o qual ela sabe encontrar uma solução. A maturidade brasileira só poderá reafirmar-se por meio da continuidade institucional e política.88

O acatamento das normas “livremente traçadas” na Constituição de 1946 aparece como uma nobre tradição dos representantes eleitos pelo povo. O trecho dá grande importância às instituições democráticas e ao poder de decisão e maturidade do Brasil. A Nação lamenta, mas saberá encontrar uma solução para o impasse criado pelo veto dos militares à posse de Jango. A maturidade brasileira, enfatizada pelo jornal, seria comprovada na manutenção das instituições democráticas, ou seja, na centralidade política do Congresso frente aos Ministros militares e no processo eleitoral.

Percebe-se que no momento da crise da

renúncia, tanto os argumentos lançados em prol da posse de Jango quanto os contrários, estiveram comprometidos com a manutenção do regime democrático representativo de base cristã e afastado do comunismo. Contudo, acreditava-se que, ainda que João Goulart oferecesse perigo ao regime assumindo a presidência, a Nação poderia conter tais perigos sem a tutela das Forças Armadas. Havia a crença na capacidade das instituições democráticas defenderem-se dos extremismos. Em mais um trecho o Jornal do Brasil menciona o valor das tradições democráticas brasileiras e da Constituição.

Mais uma vez a Nação está sendo obrigada a dividir-se a partir do dilema: fidelidade à constituição ou respeito a uma situação de fato, artificialmente criada além dos limites da Constituição. Somos pela unidade da Nação. Apelamos para que o Brasil não se divida, pois o dilema, por mais difícil, pode ser resolvido sem a divisão da casa, da família nacional. Mas, mantido o dilema, somos pela fidelidade à Constituição. Pela Constituição, documento escrito. E pela constituição viva, não escrita, acúmulo de tradições nacionais, equilíbrio das forças vivas do País.89

88 89

Jornal do Brasil, 26 de agosto de 1961, p. 6. Jornal do Brasil, 29 de março de 1961, p. 6.

O Brasil, apresentado como uma casa, uma família, não deveria se dividir ante o dilema posto pela crise. Mais uma vez a unidade brasileira é evocada diante de um impasse político. Por mais difícil que fosse, seria possível encontrar uma solução sem que houvesse divisão da “família nacional”. O jornal afirma seu apreço à Constituição, enquanto documento escrito, e enquanto acúmulo de tradições e experiências. Diante do documento escrito, impunha-se a posse de Jango, presidente legítimo nestas circunstâncias; a Constituição “não escrita”, segundo o jornal, dizia a mesma coisa, pois “a experiência nacional nos afirma que nem sempre os presidentes justificam a expectativa que os precede”.90 João Goulart merecia um voto de confiança. Prosseguindo sobre o veto dos Ministros militares, e sua posição contrária à manutenção constitucional o jornal afirma:

Essas forças, por mais respeitáveis que sejam suas intenções, essas forças cuja retidão não hesitamos em proclamar, essas forças incorrem em erro por se superestimarem e por subestimarem a Nação. Superestimam-se ao se julgarem autorizadas a orientar a Nação. E subestimam a Nação: crêem-na incapaz de resistir a inclinações de um líder, julgam que este, mais forte que a Nação, seja capaz de conduzi-la docilmente ao matadouro.91

O editorial aponta o erro dos militares, apesar de ratificar o respeito às suas intenções e sua retidão. Erro de subestimarem a Nação e sua autonomia. Diante da “Constituição viva”, das tradições do Brasil, João Goulart não seria forte o suficiente para impor um caminho diverso do “predestinado” ao País. Supunha neste editorial que o posto presidencial seria capaz de “mudar para muito melhor qualquer homem dele investido”.92 As instituições democráticas, portanto, deveriam dar a esta “ilustre minoria” contrária à posse uma lição de história: “O Brasil tem suficiente maturidade para não permitir que ninguém, quanto mais um único ser humano, o desvie de seu grande destino”.93 O Jornal do Brasil, desta maneira, colocava-se ao lado da Nação, desejosa da posse de João Goulart e da manutenção da legalidade, e colocava os militares ao lado de uma minoria “bem intencionada”. Dentre os argumentos levantados pelos militares sobre a inconveniência do retorno de Jango ao país, estava presente a crença de que o sistema 90

Jornal do Brasil, 29 de março de 1961, p. 6. Ibid. 92 Ibid. 93 Ibid. 91

presidencialista concedia amplo poder pessoal ao presidente. Outro argumento utilizado sublinhava o perigo da domesticação e infiltração comunista nas Forças Armadas, transformando-as em “milícias comunistas”. É perceptível que a democracia defendida pelos militares, aproximava-se da democracia defendida pelos jornais. Ambos dialogam com a tradição cristã, a valorização da paz social, da harmonia, da unidade do povo brasileiro e o afastamento do comunismo. Se para os militares, o “perigo comunista” deveria ser combatido através do veto à posse e da intervenção na política; nas páginas dos jornais, este “perigo” deveria ser combatido com o desenvolvimento econômico, a manutenção da democracia representativa com seus valores e tradições, e através da posse de Jango. Deveria ser mantida a autonomia do Congresso em relação às Forças Armadas. Estava em jogo o prestígio dos representantes parlamentares num momento de crise políticomilitar. E igualmente, o prestigio do regime democrático brasileiro. Os militares, além de divididos entre legalistas e favoráveis ao veto, não obtiveram apoio suficiente junto à sociedade para o golpe. Apesar do malogrado golpe, ao longo do governo de João Goulart, os militares continuariam a gozar de grande prestígio e serem vistos como os fiadores da ordem democrática. Segundo Argelina Figueiredo em seu livro Democracia ou Reformas, formou-se, dentro e fora do Congresso, uma ampla coalizão em prol das instituições democráticas94. Certamente a posição majoritária dos parlamentares orientou-se pela legalidade da posse de Jango e pelo regime democrático representativo, no entanto, através da análise dos discursos políticos presentes nestes jornais pode-se melhor analisar o conceito de democracia defendido, suas nuances e contrapontos. Pode-se igualmente compreender a importância de mitos, como o de unidade, frente à solução encontrada. Chamar de “coalizão democrática” simplesmente e enfatizar o compromisso dos parlamentares de diferentes partidos com as regras constitucionais vigentes, não esgota o problema do entendimento sobre o regime democrático defendido pelos jornais e grupos políticos. A democracia defendida possuía aspectos morais que aproximavam grupos políticos diversos a seu redor favorecendo, assim o consenso. O parlamentarismo emerge como “solução” diante de um quadro crítico, segundo a imprensa, do momento político brasileiro. Seria a fórmula capaz de 94

FIGUEIREDO, A. Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 19611964. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 36.

conciliar a inconveniência apontada pelos ministros militares e grupos políticos contrários à posse de Jango, e dos grupos políticos favoráveis à posse. João Goulart assumiria a presidência com seus poderes limitados dentro de um arranjo no qual, o Congresso, de maioria conservadora, possuiria centralidade e retornaria ao centro das decisões políticas. Este momento inspirava a necessidade da tomada de uma decisão para salvar a democracia e a unidade ameaçada. Esta decisão, que deveria ser política, segundo os jornais, está imersa em um entendimento da necessidade de estabilidade do regime, da contenção do perigo da “guerra fratricida”, da minimização das oportunidades à agitação que poderia servir aos “aproveitadores” comunistas e da necessidade da orientação razoável e ponderada. Mas está, sobretudo, ligada à necessidade de defender a democracia via seus representantes eleitos. Afinal de contas, defendiam uma democracia representativa. A busca pela tradução dos significados de democracia neste contexto auxilia na relativização do caráter político desta “solução” e se encaminha na compreensão da defesa da democracia representativa ameaçada por demandas que viabilizassem uma participação democrática mais direta. Ainda que o veto militar fosse compreendido – e apoiado –, a “solução” deveria passar pelo Congresso, pela política. Segundo o Jornal do Brasil,

A partir do instante em que o Sr. Jânio Quadros renunciou, o Congresso pareceu renascer. Em primeiro lugar, aceitou como fato consumado essa renúncia, recusando-se a fazer um apelo para que o Presidente voltasse ao Poder. Em segundo lugar, recusou-se decretar o impeachment do Sr. João Goulart. Em terceiro lugar, resistiu galhardamente, á pressão dos chefes militares. E, finalmente, chamou a si toda a responsabilidade pelo exercício do Poder, aprovando a emenda parlamentarista.95

Neste trecho fica clara a importância do posicionamento do Congresso frente aos impasses criados desde a renúncia de Janio Quadros. A partir do parlamentarismo

o

Congresso

chamava

para

a

própria

instituição

a

responsabilidade do exercício do poder. No mesmo dia 30 de agosto, Juscelino Kubitschek subiu ao plenário do senado para defender o sistema presidencialista. Declara que a opinião nacional, a vontade popular, deve ser respeitada. A lei deveria ser mantida, pois a lei não é letra morta. Termina por fazer um apelo ao Ministro Odílio Denys em um tom 95

Jornal do Brasil, 10 de setembro de 1961, p. 6.

particular, “de homem público para homem público, de brasileiro para brasileiro, de amigo para amigo”.96 Juscelino Kubitscheck não pretendia ter minimizadas suas chances de reeleger-se presidente em 1965 com a aprovação da emenda parlamentar. A oposição ao veto militar encontrou eco em diferentes instâncias. A resistência de grupos nacionalistas e de esquerda que apoiavam João Goulart foi fundamental para a posse de Jango. No sul do Brasil, seu cunhado, Leonel Brizola, organizou a campanha da legalidade. A campanha que formou uma rede de estações de rádio – a rede da legalidade – transmitia para todo o país e para fora as palavras de ordem do movimento.97 A iniciativa liderada por Brizola contou com o apoio posterior do III Exército e, apesar de não possuir uma boa imagem nos jornais, o Governador gaúcho pressionou a opinião pública a favor da posse de João Goulart. O Governador do Rio Grande do Sul anunciou:

Não pregamos a revolução mas a resistência a fim de preservar a ordem jurídica do país. A democracia vigente é insatisfatória; no entanto, se a situação é ruim com democracia, seria pior sem ela. O que é necessário é o aperfeiçoamento da democracia e não a sua supressão. Nossa posição é irrevogável, mesmo que para sermos esmagados.98

Brizola, neste trecho, defende a manutenção da ordem jurídica do país e ataca a democracia vigente, vista como insuficiente e carente de aperfeiçoamento. Entretanto, não deixa de manifestar seu propósito de manutenção da democracia e de não pregar a revolução, procurando se afastar – sem sucesso – de quaisquer ligações com os “comunistas”. Sindicatos, estudantes, associações comerciais e profissionais repudiaram a tentativa de golpe dos Ministros militares. O posicionamento de alguns governadores também foi importante para pressionar a opinião pública rumo ao desfecho com a posse de Jango. Como expressão da complexidade do quadro político ideológico deste momento, a tentativa de golpe dos ministros militares também encontrou forte oposição no interior das Forças Armadas. O marechal Henrique Teixeira Lott, candidato da coalizão PSD-PTB na eleição de 1960, fez chegar à imprensa um 96

Juscelino Kubitscheck. Discurso no Senado Federal. 30 de agosto de 1961. Grupo de Estudos sobre a Ditadura Militar. Disponível em: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/documentos/5.pdf. Acesso em: 21, abril de 2010. 97 LABAKI, A. A crise da renúncia e a solução parlamentarista. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 82. 98 Correio da Manhã, 1° de Setembro de 1961, p. 3.

pronunciamento à nação sobre a tentativa de golpe dos Ministros militares. Conclamando “todas as forças vivas da Nação [...] para tomar posição decisiva e enérgica pelo respeito à constituição e preservação integral do regime democrático brasileiro [...]”99 e evocando a tradição legalista das Forças Armadas. Lott foi detido e preso, desencadeando outras declarações públicas pró-Goulart entre militares e políticos. No dia 28 de agosto, o general José Machado Lopes, comandante do III Exército, sediado no Rio Grande do Sul, recebera uma mensagem do general Orlando Geisel ordenando o III Exército a:

Compelir, imediatamente, o Sr. Leonel Brizola a pôr termo à ação subversiva que vem desenvolvendo e que se traduz pelo deslocamento e concentração de tropas e outras medidas que competem exclusivamente às Forças Armadas. O governador colocou-se, assim, fora da legalidade. O comandante do III Exército atue com a máxima energia e presteza.100

A postura de Machado Lopes orientou-se pela defesa da posse de João Goulart. O general declarou: “Cumpro ordens apenas dentro da Constituição vigente”.101 Diante da rejeição do impeachment de João Goulart no Congresso, os ministros militares revelaram sua disposição de recorrer à força extrema. Os ministros reforçavam sua vinculação aos propósitos de defesa da “ordem pública” e a unidade das Forças Armadas. Odílio Denys chegou a declarar que: “O Exército, a Marinha e a Aeronáutica, unidos, estão zelando pela tranqüilidade geral da nação. Coesos, enfrentamos as dificuldades que ocorrerem, para a preservação da ordem pública”.102 O impasse criado pelo veto dos militares possibilitou, segundo Afonso Arinos, a chance de implementar o sistema parlamentar no Brasil. Cordeiro de Farias, chefe do estado-maior das Forças e fiel aos Ministros militares, após contato com Arinos, concordou prontamente com a “solução” parlamentarista e, além disso, disponibilizou transporte militar para o senador Afonso Arinos ir até Brasília iniciar as negociações sobre o estabelecimento do parlamentarismo. De acordo com Cordeiro de Farias, o sistema parlamentarista era “uma fórmula excelente, pois propunha a coexistência da legalidade com a estabilidade política e 99

LABAKI, A. A crise da renúncia e a solução parlamentarista. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 147 Ibid., p. 91 101 Ibid. 102 Correio da Manha, 28 de agosto de 1961, p. 1. 100

o exercício competente de governo103”. Outra figura importante no rumo da aceitação militar do parlamentarismo como solução possível à posse de Jango, foi o general Ernesto Geisel, chefe do gabinete militar, que participou como mediador entre os políticos interessados na mudança de sistema de governo e os Ministros militares. Os ministros militares que haviam declarado críticas aos poderes concedidos ao presidente no sistema presidencialista, não tardaram em aceitar a instituição do parlamentarismo. João Goulart, sucessor legal de Jânio Quadros à presidência, apesar de relutante em aceitar o sistema parlamentarista, não desejava perder a oportunidade de governar o país e acabou aceitando a mudança. O motivo declarado por Jango ao aceitar o parlamentarismo como solução para a crise, foi a iminência de uma guerra civil e o derramamento de sangue no Brasil. Neste sentido, o parlamentarismo surge como solução pacificadora em meio a possibilidade da guerra civil. No dia 4 de setembro, Juscelino Kubitschek voltaria a defender o presidencialismo. Com suas intenções voltadas para as eleições de 1965, JK afirmava que a emenda parlamentarista fora votada sob pressão, e por isso era contrário a tal medida. 104 Frente à crise político-militar surgida a partir da mensagem da inconveniência da posse de Jango, seria necessário tomar medidas que dessem conta de “apaziguar” o cenário nacional evitando a “luta entre irmãos”. A sugerida harmonia brasileira orientou o Congresso a buscar uma saída “não conflituosa” entre a presumida inconveniência da posse de João Goulart e a necessidade de manter sua legitimidade frente às Forças Armadas. Diante da iminência de uma guerra civil fazia-se necessário manter a unidade brasileira e evitar a “guerra fratricida”. A partir de uma leitura atenciosa dos jornais selecionados, compreende-se que estes órgãos da imprensa reservavam grande valor à unidade nacional. Outro aspecto marcante neste contexto é a valorização da harmonia. A unidade brasileira aparecia como valor intrínseco à Nação e sempre referido a Duque de Caxias e ao

103

Cordeiro de Farias, APUD, FIGUEIREDO, A. Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 44. 104 No dia 4 de setembro de 1961, o jornal a Ultima Hora publica declarações do ex-presidente Juscelino Kubitscheck sobre a emenda parlamentarista. Segundo JK: “Só o povo pode e deve decidir sobre o seu destino. Por isto, mudar o regime sem consulta ao povo é um erro. O povo não foi ouvido. A mudança é fruto de pressão inaceitável no nosso regime. Por isso, voto contra”.

Exército brasileiro. Segundo Celso Castro, a partir de 1930, Caxias é “apresentado como o maior lutador pela unidade e integridade da Pátria”.105 Ao longo do governo de João Goulart, o mito de Caxias e da unidade será evocado, não apenas “contra outras guerras civis” iminentes, mas, sobretudo, contra o dissenso político-ideológico. Emerge, nas páginas destes jornais, a construção de uma cultura política que valoriza a harmonia e a unidade frente ao conflito político, e, sobretudo ideológico. Raoul Girardet106, ao analisar a importância dos mitos políticos e sua sobrevivência ao longo dos séculos, aponta para a nitidez com que estes fenômenos se apresentam nos tempo de crise. Os mitos assumem uma condição dinâmica no processo político, pois elabora uma narrativa explicadora da realidade social, arvora-se em mistificações e orientam-se para a ação. Outro aspecto que se vincula à aparição de mitos é o temor e a angústia às transformações. A força dos mitos nestes cenários, portanto, se deve ao caráter amplo das reações às transformações vivenciadas por diversas camadas sociais.107 A unidade será amplamente evocada em nome da tradição e da dignidade democrática nacional. Este mito estará freqüentemente relacionado à harmonia, tranqüilidade, paz social, ou seja, indicadores da ausência de conflitos. Estas características estarão relacionadas a mitos militares e religiosos sempre apresentados como formadores da tradição democrática brasileira. Estas características possuíam caráter simbólico na batalha contra a agitação e o comunismo, que por sua vez era identificado a valores contrários a esta tradição democrática brasileira. Estes aspectos, que foram apropriados de diversas maneiras pelos grupos políticos opositores ao governo de João Goulart, estiveram associados a uma teoria democrática proposta como dique à crescente participação e mobilização política da sociedade brasileira. No imaginário político inventariado pelos jornais ao longo do governo João Goulart, a tradição cristã obteve um papel central enquanto mecanismo que se pretendia agregador no interior de uma determinada cultura política. Nas páginas dos jornais brasileiros analisados, a orientação política da tradição católica desaguou no mito da unidade, da harmonia e no primado da representação. A

105

CASTRO, C. A Invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p. 22. GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 107 WEBER, E. J. França fin-de-siècle. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. 106

manipulação desta tradição pelos jornais atribuía aos cidadãos a necessidade de se posicionarem no mundo político, unidos, de forma serena e harmônica. Esta seria a postura correta diante dos legítimos representantes reunidos no Congresso. A crise da renúncia foi caracterizada pelo dualismo das escolhas possíveis, ora apresentadas como sendo ou favoráveis à Constituição ou contra ela; guerra civil ou manutenção da unidade e ainda – caso Jango assumisse a presidência – comunismo, desordem, caos ou democracia, liberdade e manutenção da ordem. Neste ambiente, medidas políticas orientadas pelo “centro” e afastadas dos “radicais” serão cada vez mais valorizadas nas páginas dos jornais. Diante da crise não caberiam improvisos que deixassem o país à mercê de acontecimentos inesperados, reforçava-se a necessidade de uma escolha moral, do “melhor caminho”. Os caminhos propostos figuravam entre as experiências previamente experimentadas e conhecidas pela República brasileira. Forma-se, nos jornais e através deles, um idioma político possuidor de um horizonte de expectativas limitado e conservador da ordem democrática estabelecida.

1.3 A Crise da Escolha do Gabinete Ministerial em Julho de 1962

No dia 7 de setembro, assume João Goulart sob o sistema parlamentar de governo. Em seu discurso de posse, Jango declara sua fé cristã, tenta construir-se como guardião da unidade nacional, valorizando o Congresso e a manutenção da legalidade através de sua posse. Consciente das dificuldades que enfrentaria no governo do país Jango busca apoiar-se nos valores democráticos caros à opinião pública. Neste magnífico movimento de opinião pública, formou-se, no calor da crise, uma união nacional que haveremos de manter de pé, com a finalidade de dissipar ódios e ressentimentos pessoais, em benefício dos altos interesses da Nação, da intangibilidade de sua soberania e da aceleração de seu desenvolvimento.108

A união formada no “calor da crise” deve ser mantida a fim de dissipar os ódios e ressentimentos pessoais em benefício dos interesses da Nação, segundo João Goulart. Neste trecho, Jango aponta para a possibilidade do consenso em 108

João Goulart. Discurso de posse, 7 de setembro de 1961. Grupo de Estudos sobre a Ditadura Militar. Disponível em: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/documentos.php Acesso em: 10 de fev. 2010.

torno dos “altos interesses da Nação” dissipar divergências da política. O mito da unidade é agora utilizado por João Goulart. Evocando as “vivas manifestações” da consciência democrática dos brasileiros, declarou não ter se afastado do “pensamento de evitar, enquanto com dignidade pudesse fazê-lo, a luta entre irmãos. Tudo fiz para não marcar com sangue generoso do povo brasileiro o caminho que me trouxe a Brasília”.109 Seguindo em seu discurso, Jango parece buscar afastar-se dos rumos identificados com o comunismo e aproximar-se do idioma que valoriza a união. Através de uma fala muito próxima de seus opositores Jango declara: “Sabem os partidos políticos, sabem os parlamentares, sabem todos que, inclusive por temperamento, inclino-me mais a unir do que a dividir, prefiro pacificar a acirrar ódios, prefiro harmonizar a estimular ressentimentos.”110 Atento às declarações dos militares e da opinião pública, o presidente da República procura construir um início político de seu governo, dentro dos marcos e valores caros ao idioma político de seus opositores. Identificado pelos Ministros militares como, agitador, promotor da desordem e artífice da luta entre irmãos, Jango se lança na busca pela harmonia e pacificação. Ainda que buscasse através da menção à unidade, harmonia, pacificação, firmar-se politicamente e conduzir seu governo com tranqüilidade, Jango sabia que sob o parlamentarismo veria reduzidas suas chances de executar suas políticas. Neste mesmo discurso, apontou a necessidade de consultar o povo, em sua soberania, sobre a manutenção do sistema parlamentar. Cumpre-nos, agora, mandatários do povo, fiéis ao preceito básico de que todo o poder dele emana, devolver a palavra e a decisão à vontade popular que nos manda e que nos julga, para que ela própria dê seu referendum supremo às decisões políticas que em seu nome estamos solenemente assumindo neste instante.111

Apontando para aquela que seria sua estratégia durante o governo parlamentar, Jango se dirige aos parlamentares sobre a necessidade de se consultar o povo em um plebiscito para que seja escolhido o sistema de governo. Jango empenhou-se em demonstrar os limites e falhas do parlamentarismo até conseguir a volta ao presidencialismo em janeiro de 1963. A repercussão da declaração de João Goulart da necessidade do plebiscito seguiu os caminhos da contenção a

109

Ibid. Ibid. 111 Ibid. 110

quaisquer medidas que ampliassem a participação democrática ou concebessem o povo enquanto soberano. Dentro de um regime democrático de representação soberano é o Congresso, pois seus parlamentares são os legítimos representantes da vontade do povo. Neste modelo o povo não é soberano, mas sua vontade o é. O Correio da Manhã compreendia o momento posterior à posse como um momento de crise no qual a estabilidade fazia-se necessidade premente. Segundo o jornal, os brasileiros continuam “a sofrer o impacto da crise e suas conseqüências. Ninguém sabe como será o seu amanhã”.112 Frente a este cenário de “inconseqüência” a insegurança aumentava. Sobre o plebiscito, o jornal discordava da necessidade de submeter o regime a outro “terremoto político”, apesar da “moderação louvável” do discurso de Jango. Segundo O Globo, a emenda constitucional que estabeleceu o sistema parlamentarista “foi a solução encontrada pelos representantes dos diversos partidos no Congresso para tornar possível a posse do vice Presidente da República”.113 Portanto, falar em plebiscito seria falta de patriotismo. O momento de crise pressupunha atitudes prudentes e moderadas. O Diário de Notícias, defensor do plebiscito, era a favor que a consulta não fosse tão urgente quanto reclamava o PTB, nem tão demorada quanto previa o ato adicional. Em vista da necessidade da “nação recompor seu equilíbrio e recuperar suas energias”114 o jornal mostrava-se favorável que o plebiscito fosse realizado junto às próximas eleições parlamentares, 03 de Outubro de 1962. O Jornal do Brasil trazia em suas páginas a crítica aos extremismos, de esquerda ou de direita. Apresentando-se sempre como “de centro”, relativiza a imagem daqueles que pedem o plebiscito afastando-os da alcunha de “inimigos do regime”. Chega a declarar que a maioria deles “é muito ciosa das liberdades e dos direitos civis [...] Mas a prudência recomenda que se dê mais tempo ao tempo, para que os ânimos se acalmem e o novo sistema tenha possibilidade de funcionamento”.115 A Tribuna da Imprensa, favorável desde os primeiros acontecimentos ligados à renúncia ao impedimento da posse de Jango, atacava o parlamentarismo. De acordo com o jornal, o “parlamentarismo é um regime que apenas reintroduz a ordem na sua superficialidade, deixando para mais tarde a 112

Correio da Manhã, 9 de setembro de 1961, p. 6. O Globo, 9 de setembro de 1961, p. 1. 114 Diário de Noticias, 13 de setembro de 1961, p. 4 115 Jornal do Brasil, 13 de setembro de 1961, p. 6 113

solução final da crise, numa disputa definitiva entre comunistas e democratas”.116 A Tribuna da Imprensa, jornal de Carlos Lacerda, potencial candidato à presidência da República em 1965, alertava que: Em pouco tempo estará criado um clima para o retorno do presidencialismo. A aceitação do parlamentarismo foi manobra tática do Partido Comunista para vencer a crise, e levar, mal ou bem, o Sr. João Goulart ao poder. [...] Ao lado desta manobra, tentarão os comunistas imobilizar o governador da Guanabara, única força política que temem.117

Com seu alarmismo característico e ênfase no “perigo comunista”, a Tribuna da Imprensa desferia seus golpes ao recém empossado Gabinete. “É um gabinete cercado de presidencialismo e plebiscito por todos os lados”.118 Em outro editorial sobre o discurso de posse de Jango, acusa o presidente de insurgir-se contra a lei parlamentar “apelando para um pronunciamento popular capaz de derrubá-la. É incitação a desordem”.119 A cautela em relação à convocação popular em tempos de crise, “instáveis” e “inseguros”, esteve ligada à crença na relação direta entre representação via Congresso e estabilidade democrática. A consulta popular, a ocupação do espaço público pelo povo não era recebido com bons olhos. Estava identificada em diversas medidas à “desordem” e à “agitação”. Em seguida à votação da emenda que instituiu o parlamentarismo, foi votado o primeiro Gabinete parlamentar de governo. Sob as demandas de estabilidade e unidade social, harmonia e prudência econômica, Tancredo Neves foi o escolhido por maioria esmagadora de votos. O novo governo deveria enfrentar dois desafios: Satisfazer as demandas por mudanças na ordem sócio econômica do país e consolidar as bases do sistema parlamentarista. Tancredo Neves, como Primeiro Ministro, trouxe consigo o desejo de implementar reformas graduais e moderadas a fim de impedir a formação de demandas de movimentos sociais em prol de reformas mais radicais. Acreditava que o desenvolvimento econômico agiria na estabilidade política da democracia ao afastar as reivindicações por mudanças. A partir deste momento o destino do parlamentarismo estava lançado. Jango e seus aliados se empenhariam em derrubá-lo reivindicando o plebiscito. Com a mobilização de trabalhadores, Jango

116

Tribuna da Imprensa, 4 de setembro de 1961, p. 1. Tribuna da Imprensa, 9-10 de setembro de 1961, p. 1. 118 Ibid. 9-10 de setembro de 1961, p. 4. 119 Ibid. 117

pressiona o Congresso a aceitar a antecipação do plebiscito. O presidente também contou, neste momento, com o apoio de seu dispositivo militar para a antecipação do plebiscito sobre o presidencialismo.120 Esta estratégia irá se consolidar em um movimento de constantes reivindicações pela ampliação democrática que entrará em choque com uma concepção democrática baseada na tradição cristã, na representação pelo Congresso orientada pela baixa participação na política e pela manutenção de seus limites. No dia 18 de junho de 1962 a vitoriosa seleção de futebol retornava ao Brasil da Copa do Chile onde conquistara o bicampeonato mundial. Ao comentar, dois dias depois, a festa da recepção nas ruas do Rio de Janeiro, o jornal O Globo, em seu editorial, comentava que “tudo está em perguntarmos à nação por que não nos reunimos também para alcançar, no plano do interesse público, os objetivos essenciais à paz a concórdia e ao progresso do Brasil”.

121

O jornal, prevendo as

disputas entre os grupos políticos e as pressões dos sindicatos, convoca seus leitores a uma postura pacífica que vá ao encontro da concórdia e ao progresso do Brasil. Frente ao conflito político ideológico a Nação deveria se portar tal qual nos festejos à seleção de futebol. O mês de junho de 1962 foi marcado pela crise da escolha do Gabinete Parlamentar, já que Tancredo Neves não conseguiu permanecer no cargo devido às críticas de grupos à esquerda e à direita. Tancredo havia endossado uma solução institucional apresentada por João Goulart no comício de 1º de maio de 1962 que concedia poderes constituintes ao Congresso a ser eleito em outubro daquele ano. Os grupos à esquerda demonstravam impaciência com a lentidão de medidas referentes às reformas na legislação; em decorrência desta demora, temiam a possibilidade de aumentarem os poderes do Congresso, e, viam nas atitudes de João Goulart a “conciliação” com grupos conservadores. Os grupos à direita por sua vez leram a medida como tentativa de iniciar a reforma política e possibilitar a reeleição do presidente e à ampliação do direito ao voto. Diante do impasse, San Thiago Dantas, Ministro das Relações Exteriores de Jânio Quadros, foi indicado para o cargo. No entanto seu nome foi rechaçado por setores da UDN e do PSD. A Política Externa Independente praticada por Dantas

120

ERICKSSON, K. P. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, p. 141. 121 O Globo, 20 de Junho de 1962, p 1.

havia dividido as opiniões dos jornais e dos grupos políticos. Tribuna da Imprensa, Correio da Manhã e O Globo, apesar de admitirem as qualidades do professor Dantas, criticavam a Política Externa Independente e sua aproximação com os sindicatos e os “comunistas”. Diário de Noticias e Jornal do Brasil, concedendo voto de confiança ao governo e a Dantas, pediam o fim da “crise de autoridade” e a nomeação de um Premier. O PSD, maior bancada no congresso, era contrário à nomeação, pois, o gabinete deveria ser formado por um político deste partido; a UDN acompanhava esta assertiva. O PSD admitia a necessidade das reformas; contudo, mais urgente era a solução do “real” problema brasileiro, a inflação e a ineficiência administrativa do governo. As organizações dos trabalhadores e sindicatos, frente à indicação de San Thiago Dantas ao Gabinete, prontamente manifestaram seu apoio à posse do Ministro e ameaçaram deflagrar uma greve geral caso este, ou qualquer nome nacionalista, não fosse aceito para a sucessão ministerial. O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) surgiria neste episódio como desdobramento do Comando Geral de Greve. Devido às pressões, Auro de Moura Andrade, que havia assumido o cargo de Primeiro Ministro após a tentativa de empossar San Thiago Dantas renunciou, ainda que a greve organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) não tivesse sido iniciada no momento da renúncia. Após o sucesso de sua estratégia122 de limitar as possibilidades de escolha dos partidos ao cargo de Primeiro Ministro, diante das pressões e greves, o presidente João Goulart tentou parar o movimento, mas sem sucesso. Os trabalhadores, mostrando sua crescente independência em relação ao líder trabalhista, recusaram o pedido continuando com os protestos em nome de um Gabinete nacionalista e reformista. Segundo Dante Pelacani, então presidente da CNTI e líder do movimento grevista: “Nós estamos do lado do presidente João Goulart, mas não estamos sob o seu comando. Se não fizermos a greve, ficaremos desmoralizados”.123 No dia 7 de julho de 1962, o Congresso e o Executivo chegaram a um entendimento sobre o nome a ocupar o cargo de Primeiro Ministro. Brochado da Rocha, político do PSD que havia feito parte do governo de Leonel Brizola no Rio Grande do Sul, assumiu o ministério com o propósito de 122

Argelina Figueiredo faz uma detalhada análise desta estratégia de João Goulart. FIGUEIREDO, A. Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 75. 123 Jornal do Brasil, 5 de julho de 1962, p. 3.

antecipar o plebiscito sobre o sistema presidencialista. A sobrevivência deste gabinete dependia do estabelecimento de uma data para o plebiscito. O presidente João Goulart dedicou seus primeiros oito meses de governo à “pacificação” dos diversos grupos políticos e a aquisição de seus plenos poderes executivos com a volta do presidencialismo. As lideranças sindicais, nos primeiros meses do governo de Jango permaneceram “acomodadas” a fim de evitar uma reação de militares contrários à posse de João Goulart, no entanto, com o aumento da inflação e a perda do poder aquisitivo dos trabalhadores e classes médias, ampliavam-se os fatores para a mobilização sindical.124 No 1° de maio de 1962, depois de um discurso favorável às reformas, sindicatos mobilizaram os trabalhadores em prol de uma campanha pelas Reformas de Base com um tom nacionalista. Este movimento influenciou diretamente a greve geral que reivindicava um Gabinete “nacionalista e democrático”. As ameaças de greve geral dos trabalhadores causaram nas páginas dos jornais um clima de tensão e apreensão. Os jornais traziam em seus editoriais ataques ao movimento grevista e à tentativa “ilegal” deste setor reivindicar um Gabinete Nacionalista e reformista. A greve foi lida como uma pressão indevida ao processo político brasileiro, não cabendo aos trabalhadores este tipo de reivindicação. O tema da conspiração ao regime democrático ganhava espaço nas páginas dos jornais. Diante do contexto lingüístico fortemente marcado pelo dualismo, o mito da conspiração125 ganhará relevância no debate político referindo-se tanto à ação dos conspiradores, quanto à ação dos responsáveis em por fim a conspiração. A conspiração contra o regime figurava como uma possibilidade vinda de diversos grupos políticos à esquerda e à direita. O temor e a ansiedade às possíveis mudanças relacionados a problemas concretos em um ambiente dualizado, torna atraente a idéia de que um grupo identificado com o mal tomaria atitudes extremas para impor tais mudanças. Neste momento, estudantes universitários reivindicavam maior participação e ingerência nos conselhos diretivos das universidades e ameaçavam entrar em greve. O Ministro da Educação, Oliveira Brito, reage caracterizando o movimento 124

ERICKSSON, K. P. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, p. 149. 125 Para uma narrativa mais detalhada da história do mito da conspiração relacionada aos jesuítas, maçons e judeus, ver. GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

como uma tentativa de transformar a universidade em trampolim para a “revolução social” e uma contribuição para o caos social e a agitação. Segundo o Ministro:

Rastilhos revolucionários é bem a expressão que cabe para este e outros movimentos, para certas atitudes e posições que só podem tumultuar e conflagrar o país, levando-o ao caos e à revolução social.126

No dia seguinte, o jornal O Globo, em editorial que exaltava os “verdadeiros” estudantes, contrários ao movimento grevista, estimulava a procura do caminho da concórdia, pois, num país democrático como o Brasil “as soluções devem ser encontradas sempre num clima de harmonia, democraticamente, sem pressões descabidas e ameaças de greve”.127 A harmonia e a concórdia eram pressupostos da democracia, que por sua vez estavam opostos aos estudantes e a seus métodos de ação que levariam o país ao caos e à revolução. Em resposta ao jornal O Globo, um jornal representante dos estudantes publicado no Diário de Notícias, chamado O Metropolitano, denunciou uma campanha que, segundo o jornal, visava aterrorizar a opinião pública com possíveis golpes. Este suplemento semanal publicado ao longo do mês de junho de 1962 era o órgão oficial da União Metropolitana dos Estudantes. Este jornal estudantil relatava que havia aumentado no decurso de uma semana as campanhas golpistas de grupos conservadores, visando à conturbação da ordem. Denunciavam que estes grupos não acreditavam “nem por um momento na consciência do povo – para eles a ‘massa informe’ – nem na capacidade de luta do povo”.128 A participação dos trabalhadores na política era vista com muitas ressalvas por determinados setores políticos. Isto se dava devido à crença na baixa racionalidade apresentada por esta “massa”, e, sua predisposição à manipulação de políticos demagogos e “comunistas”. Em artigo assinado por Pedro Dantas no Diário de Noticias o perigo da infiltração comunista se junta ao despreparo das massas. Segundo o articulista:

126

O Globo, 5 de Junho de 1962, p 1. O Globo, 6 de Junho de 1962, p.1. 128 O Metropolitano, 2 de junho de 1962, p. 3 127

Infiltração denunciada por várias autoridades militares nos mais altos escalões das Forças Armadas, o que evidencia que o fenômeno exige maior atenção. Devemos reconhecer que as condições de vida do povo, em vastas regiões e em diversas camadas sociais prestam-se excepcionalmente à exploração em profundidade dos sentimentos ou ressentimentos de revolta e injustiça social propícios à aceitação das soluções de desespero. Os comunistas são longamente especializados em tirar partido de tal situação, puxando a brasa para sua sardinha, o que lhes é facilitado pela ingenuidade e boa fé com que são recebidos os seus ensinamentos por uma população despreparada e inexperiente.129

A participação de estudantes era vinculada à minoria “desprezível” de “estudantes profissionais” segundo o articulista Gustavo Corção no Diário de Notícias130. Mais uma vez o jornal estudantil O Metropolitano entra na disputa discursiva pela legitimidade da greve estudantil e defende a manifestação dos estudantes como uma reivindicação estudantil não vinculada a propósitos revolucionários ou conspirações:

A atual greve nacional universitária tem sentido totalmente dedicada aos problemas universitários, específicos do estudante brasileiro. É necessário que isto seja afirmado e confirmado para que manobras dos jornais reacionários sejam desmascaradas. Temos consciência, é evidente, de que a Reforma Universitária é também um problema político, como o é, aliás, a Reforma Agrária e todas as reformas colocadas na ordem dos debates pelo povo brasileiro, pois a inadequação da nossa estrutura social é a grande responsável pela onda de reivindicações que se levanta em todo o território nacional.131

Estava em jogo para O Globo o perigo de um conflito social de grandes proporções e de um golpe de Estado que poderia ser perpetrado por “agitadores” que se aproveitariam do momento instável. Para os estudantes, a divulgação de boatos de golpe estaria vinculada à tentativa destes grupos conservadores de realizarem o golpe. Outro jornal carioca, este vinculado ao projeto trabalhista, a Última Hora, em editorial, denunciava que:

Os conspiradores [chegam] ao cinismo de armar para o país a falsa opção de transformar-se numa Argentina militarizada ou numa Cuba “russificada”, quando, na verdade, nem o triste destino de uma ou de outra dessas nobres nações é o desejo da imensa maioria do povo brasileiro, que quer sim, um Presidente da República investido de plena autoridade para o exercício de suas altas funções e um Primeiro Ministro que, juntamente com o seu gabinete, possa assegurar a

129

DANTAS, P. Diário de Notícias, 14 de junho de 1962, p. 5 CORÇÃO, G. Diário de Notícias, 10 de Junho de 1962, p. 2 131 O Metropolitano, 9 de Junho de 1962, p. 2. 130

continuidade do nosso regime democrático e o aperfeiçoamento das nossas conquistas sociais e econômicas.132

De parte a parte, a conspiração aparecia como arma retórica na opinião pública em relação à defesa da democracia, pois, os conspiradores conspiram contra a democracia, ou antes, conspiram contra as democracias. E igualmente, as denúncias de conspirações são feitas em nome da vigilância ao regime, ou aos regimes. Acredita-se, portanto, que a democracia possuía valor no mercado político, pois, em meio a estas conspirações seriam necessárias determinadas atitudes em sua defesa e manutenção. Não obstante, outra arma retórica utilizada pelos jornais e grupos políticos nos jornais, é o apelo à maioria. Os adversários políticos, à esquerda e à direita, colocavam-se sempre ao lado da maioria contra a minoria. Em editorial do Jornal do Brasil discute-se a campanha contra San Thiago Dantas. Segundo o Jornal do Brasil estaria em curso uma campanha dos grupos “mais retrógrados” e “minorias histéricas” contra os possíveis avanços representados pelo governo João Goulart. Num tom irônico e de críticas fortes, o editorial denuncia que,

Se o presidente não quiser provocar a guerra-civil, deverá escolher um PrimeiroMinistro incolor, inodoro e insípido, nem carne nem peixe, um zero à esquerda (ou melhor, um zero à direita) que conte com o apoio decisivo das minorias mais histéricas e dos grupos mais retrógrados. A campanha, afinal, não é contra o Sr. San Thiago Dantas. E, apesar de todas as figurações não é – basicamente – contra a atual política externa de independência.133

Não reconhecendo o Chanceler como alvo da não aceitação de sua nomeação ao Gabinete, o jornal expõe sua opinião sobre os reais motivos desta campanha, supostamente contra San Thiago Dantas.

Essa campanha que, diariamente, dá a impressão ao povo que vai haver golpe, de que os comunistas tomaram conta do país, de que não haverá eleições de que tudo estará perdido se as Forças Armadas brasileiras não fizerem o que as Forças Armadas argentinas fizeram, não é contra o Sr. San Thiago Dantas, mas contra tudo o que ele pode representar em matéria de progresso e independência.134

132

Ultima Hora, 22 de junho de 1962, p. 1 Jornal do Brasil, 13 de junho de 1962, p. 6. 134 Ibid. 133

O Jornal do Brasil, em tom de denúncia, declarava se tratar na verdade de uma campanha que conspirava contra a plataforma de governo de Goulart, e não contra a política externa independente de San Thiago Dantas. Aspecto interessante deste editorial é a relação estabelecida entre esta conspiração denunciada contra os cidadãos e às possibilidades de reformas. “Trata-se, enfim, de uma campanha organizada, financiada, dirigida contra o predomínio do poder civil, contra a possibilidade das reformas de base”.135 O editorial aponta ainda para a possibilidade de modificações no regime democrático, inspirados nos “Estudos Sociais mais avançados” e nas Encíclicas religiosas a despeito de seus obstáculos. A democracia – uma democracia inspiradas nas Encíclicas novas, dos Estudos Sociais avançados – pode ser implementada. E isso, para os setores mais arcaicos, para os interesses criados e malcriados, representa um perigo. O jeito, portanto, é falar no perigo comunista.136

Como se pode ler, segundo o Jornal do Brasil, a exacerbação do “perigo comunista”, não passaria de uma conspiração que buscava conter mudanças no regime democrático, mudanças estas, que estariam em desacordo com “minorias conservadoras”. No entanto, o editorial não nega a presença de um perigo comunista, ao contrário, aponta que, caso esta conspiração continue, há, de fato, a possibilidade de vir a existir enquanto problema.

Existe um perigo comunista. Quem pode negá-lo? A nossa opinião é de que o perigo comunista se torna cada vez maior à medida em que o povo deixa de acreditar na democracia. E o povo descrê na democracia quando esta se recusa a fazer justiça social, a fomentar o progresso econômico e a garantir a estabilidade financeira.137

Ainda que o comunismo dividisse opiniões dos jornais quanto à intensidade do perigo que representava ao regime democrático, a estabilidade econômica e a produção de bem-estar social estavam diretamente vinculadas à estabilidade democrática e ao desenvolvimento econômico. O comunismo enquanto problema político, neste momento, apareceria somente caso a democracia não cumprisse tal papel de estabelecer a justiça social e o progresso econômico. Neste momento a conspiração ainda não havia se tornado de maneira geral, nos jornais analisados, 135

Jornal do Brasil, 13 de junho de 1962, p. 6. Ibid. 137 Ibid. 136

algo intrinsecamente ligado aos comunistas.138 À medida que o “perigo vermelho” se intensificar, a conspiração assumirá uma relação direta com “comunistas” e seus aliados. A partir do momento que o regime democrático não desse conta de realizar as expectativas, neste caso, a justiça social, corria o risco de ser desacreditado. A opinião dos inimigos da democracia é a de quanto pior, melhor. E procuram piorar a situação para conquistar o poder. E é por isso que exageram o perigo comunista, exacerbam os ânimos nas Forças Armadas, deturpam fatos, frases (...) A verdade é que estão brincando com o fogo, jogando com o nosso futuro, matando a nossa esperança, ameaçando as famílias, atentando contra a unidade nacional. E tudo para quê? Para que alguns privilégios durem mais alguns anos até que a violência acabe com eles? O País precisa ver nitidamente o que está acontecendo, para que a cega fúria dos cegos não o condene à revolução.139

Evocando também a unidade nacional e a família como “bens” a serem resguardados, o editorial o faz no sentido de denunciar possíveis tentativas de grupos conservadores manterem seus privilégios contrariando as reformas. A exacerbação do perigo comunista estaria a serviço de grupos conservadores, e não dos próprios comunistas. Neste editorial, os inimigos da democracia, conspiravam, flertavam com as Forças Armadas, em nome da manutenção de um regime que não estaria atendendo, segundo o editorial, aos anseios populares. Daí sim decorre o problema. O não atendimento às demandas populares acarretaria na descrença à democracia aumentando as possibilidades de revolução. O desenvolvimento econômico estaria assim diretamente ligado à estabilidade do regime democrático. Devido à crise econômica140 vivida pelo país, as possibilidades de convulsão social seriam grandes levando em consideração, 138

Para uma análise detalhada das relações entre o mito conspirativo e o anticomunismo ver. MOTTA, R. P. S. O Mito da Conspiração Judaico-Comunista. In: Revista de História. São Paulo: Humanitas Publicações FFLCH/USP, vol. 138, p. 93-105, 1998. 139 Jornal do Brasil, 13 de junho de 1962, p. 6 140 Sobre a crise econômica vivida pelo Brasil da década de 1960, a atribuição de toda a responsabilidade ao governo João Goulart é exagerada. O governo teve que conviver com uma “herança pesada em termos de desequilíbrio das variáveis macroeconômicas, cuja correção demandava mais do que uma simples administração eficiente de política econômica”. Para solucioná-la seria necessário um amplo pacto com as forças sociais, políticas e econômicas, o que não foi possível em virtude do governo se encontrar sitiado em meio a boicotes de uma coalizão conservadora que não aceitava as reformas sociais e a um quadro de acirramento da guerra fria que impunha restrições as possibilidades de busca de financiamentos externos. Ver, MELO, H. P. de.; BASTOS, C. P. e ARAUJO, V. L. de. A política macroeconômica e o reformismo social: impasses de um governo sitiado. In: FERREIRA, M. de M. João Goulart: entre a memória e a história. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 104.

segundo os conservadores, um regime corrompido pelo “amorfismo” de seu povo e a presença de políticos demagogos. Havia a grande preocupação de que os comunistas, “aproveitadores” e “oportunistas” se utilizassem da situação econômica do país para iniciarem o processo de revolução tão temido e indesejado. Neste aspecto residia a preocupação de alguns grupos políticos em combater a inflação e a alta dos preços e realizar as reformas de base, ainda que moderadas e gradualmente. O encontro de governadores em Araxá marcou esta preocupação em torno das reformas. Em documento divulgado no Correio da Manhã, os governadores reunidos alertaram que “seu retardamento já compromete a confiança popular na democracia”.141 Mais adiante, no mesmo documento, afirmam a convicção de que os problemas devem ser resolvidos dentro da ordem democrática e na adoção das “reformas sugeridas e aprovadas na Conferência, visando ao aperfeiçoamento da ordem econômica de forma compatível com os princípios da justiça social”.142 Dentre as reformas sugeridas, que viriam seguidas do combate aos “inimigos da ordem democrática, comunistas e facistas”; o combate à inflação, “sem o qual se tornam improfícuas, senão impossíveis, as reformas reclamadas pelo povo”; 143 a reforma eleitoral e a instituição da cédula única na repressão à influência estatal ou do poder econômico; a reforma agrária e desapropriação de terras mediante indenização em títulos do Estado. As Reformas preconizadas pelos governadores em Araxá enfatizavam o caráter econômico e financeiro da crise. Visavam aperfeiçoar a ordem econômica de acordo com os princípios da justiça social. Para que isto fosse possível, era necessário combater os “comunistas” e inimigos da ordem e do regime. A unidade brasileira vinculada à tradição cristã e militar do Brasil era evocada contra atitudes “fratricidas” dos “comunistas sem pátria e ateus”. Desta maneira, quaisquer conflitos entre ideologias divergentes deveriam ser esquecidos em prol da unidade e harmonia da sociedade brasileira. O anticomunismo brasileiro da década de 60, devido ao caráter elástico do conceito de comunismo, agia como um “guarda-chuva” englobando uma gama extensa de práticas

141

Correio da Manhã, 12 de Junho de 1962 p. 5 Ibid. 143 Ibid. 142

políticas.144 Ainda em resposta ao “perigo comunista” e ao conflito instaurado pelas demandas de um gabinete nacionalista e reformista, o jornal O Globo adverte:

Mas ninguém duvide que, se os profissionais da agitação e da subversão pensarem em fazer qualquer ensaio, terão pela frente de imediato, coeso e operante, o Exército de Caxias, o construtor da unidade brasileira e fiador do regime democrático nas terras da Antiga América Portuguesa. Aqui as forças armadas são democráticas e vigilantes!145

O mito de Caxias é evocado para referir-se à unidade do povo brasileiro e o papel do exército na vigilância da democracia desde os tempos imperiais. Ao longo do governo de Jango o Exército esteve dividido; havia setores favoráveis à intervenção na política a fim de restabelecer uma determinada ordem e setores favoráveis ao cumprimento legal do mandato de João Goulart. O apoio de militares foi extremamente importante para que Jango conseguisse o retorno ao presidencialismo. As Forças Armadas apresentavam-se, e eram representadas nas páginas dos jornais, como os fiadores da ordem e do regime democrático. A manipulação de alguns mitos políticos contribuirá para consolidar posições posteriores das Forças Armadas no sentido de uma unidade da corporação como responsável pela manutenção da ordem democrática. Aspectos fundamentais na compreensão dos mitos políticos são: referência a tempos imemoriais, sua capacidade explicativa do presente, e, sem dúvida seu papel mobilizador e aglutinador. 146 A democracia concebida pelos opositores de João Goulart deveria conter os conflitos e estimular a concórdia e harmonia entre os pares. Não obstante, deveria proteger-se e ser vigilante frente aos perigos e conspirações contra o regime. As leituras feitas sobre a participação na política neste momento e, sobretudo, as imagens dispostas na imprensa analisada, afirmavam mitos de unidade, harmonia e paz social em detrimento de uma mobilização política que estaria ligada à agitação comunista. Grupos políticos conservadores que se opuseram à ascensão da mobilização e participação política dos trabalhadores através dos sindicatos, e do programa de Reformas de Base de Jango, orientaram 144

MOTTA, R. P. S. Em Guarda Contra o Perigo Vermelho: o anticomunismo no Brasil (19171964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002. 145 O Globo, 11 de Junho de 1962, p. 1. 146 GIRARDET, R. Mitos e Mitologias Políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 13.

suas ações políticas na direção de uma democracia representativa de baixa participação. A participação política fora dos limites estabelecidos pela representação legal de determinados setores seria vista como subversão da ordem, ou seja, tentativas de macular a unidade e harmonia brasileira através do conflito e da sedição. A participação de sindicatos nas decisões políticas era lida por alguns órgãos de imprensa como inconstitucional, pois, dentro de uma democracia representativa a representação estaria a cargo dos políticos eleitos pelo voto. Ao reportar-se à ameaça de greve geral dos trabalhadores, o jornal O Globo menciona em editorial que:

Pela sistemática do regime democrático, o povo (que não se compõe somente dos trabalhadores filiados a certas entidades ou dos dirigentes destas) é representado pelos deputados e senadores com assento no Congresso Nacional. São estes os intérpretes legítimos das aspirações populares e a atitude das organizações acima citadas, sobre ser indébita, significa uma pressão injustificável e uma demonstração de desconfiança no critério dos parlamentares. (...) A única maneira legítima de participarem, uns e outros, na vida política do país é através do voto que depositam nas urnas no dia das eleições. Uma vez eleitos, os parlamentares devem deliberar livremente, sem sofrer injunções de qualquer espécie. 147

O fragmento alude ao regime democrático como sendo uma democracia representativa de base liberal, pois, fundada nas instituições democráticas do voto e da representação eleitoral. Dentro deste modelo de democracia, os líderes políticos ao terem recebido do povo o dever de representar-lhes teriam autonomia para agir politicamente, não devendo ser pressionados ou sofrerem interferências nas decisões tomadas. Segundo o jornal, “uma vez eleitos, os parlamentares devem deliberar livremente, sem sofrer injunções de qualquer espécie”.148 Esta posição reitera o argumento sobre a função política dos cidadãos de apenas formar ou destituir governos através do voto.149 Através dos jornais analisados consolida-se uma forma de participação aceitável e desejada àqueles que se opunham à mudança da inserção popular na política e à ampliação da democracia. Esta participação, que deveria possuir caráter apolítico e apartidário, estaria relacionada à unidade e à harmonia do povo brasileiro e colaboraria na vigilância e contenção dos planos conspiratórios dos 147

O Globo, 16 de junho, p 1. Ibid. 149 SCHUMPETER, J. Mais uma Teoria de Democracia. In: Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961, p. 331. 148

“agentes da desordem” e dos comunistas. Uma mobilização que não contasse com uma “ocupação” efetiva do espaço público de decisão política, mas uma mobilização amparada por mitos e valores do âmbito privado e voluntarista. Mais uma vez, frente aos problemas políticos e às decisões exigidas, a moral orientava a ação. A democracia enquanto valor era comumente evocada nas páginas dos jornais. Um valor tradicional ao povo brasileiro. Este valor e suas tradições estavam ameaçados pela “infiltração comunista” denunciada, inclusive, “por altos escalões das Forças Armadas”.150 Esta infiltração tornava-se mais perigosa diante do quadro em viviam diversas camadas da população sujeitas “excepcionalmente à exploração em profundidade dos sentimentos ou ressentimentos de revolta e injustiça social propícios à aceitação das soluções de desespero”. 151 Na manutenção dos princípios democráticos solicitavam-se atitudes “verdadeiras” e desinteressadas em detrimento das “habilidades” e “manhas”. Pedro Dantas em artigo que evoca estas atitudes “verdadeiras” aos leitores, escreve:

Convençam-se cada um, dentro destas linhas, que são os princípios que contam verdadeiramente, não tanto as aplicações e conseqüências que, aliás, não seriam válidas se desligadas dos aludidos princípios. A estes, devemos, pois apegar-nos, desprezando as habilidades e manhas em favor de uma atitude franca, leal e responsável, assumida com plena consciência de causas, como manda o figurino.152

Em tom individual, limita a validade das aplicações e conseqüências da política à sua ligação com os princípios democráticos e a consciência das causas. Em nota assinada pelo IPES intitulada “O Brasil quer tranqüilidade”, e divulgada pelo Diário de Notícias admitia-se que “todos os problemas podem ser solucionados desde que haja disposição sincera de vencê-los”.153 A nota trazia uma clara preocupação com o período pré-eleitoral vivido pelo Brasil de meados de 1962. Atacava frontalmente João Goulart e seus aliados parlamentares, e os acusavam de agitar o País, com o fim único de evitar o voto livre do povo. Segundo a nota, a sanção a estes agitadores seria dada através do voto reforçando o valor do sistema eleitoral e democrático para este órgão. Esta seria uma ação 150

DANTAS, P., Diário de Notícias, 8 de junho de 1962, p. 5. Ibid. 152 Ibid. 153 Diário de Notícias, 8 de Junho de 1962, p. 6. 151

que contribuiria para o aperfeiçoamento político do País, e conseqüentemente para o desenvolvimento econômico e social. Afirmando que um país sem elites dirigentes é uma sub-Nação, convocam os brasileiros ao afastamento dos demagogos e de líderes que manipulam este país. Afirmando que a “opinião pública” não participa da “trama dos extremos”, fazem um apelo à união dos brasileiros no sentido de que “se concentrem no esforço comum e desinteressado pela democracia legitimamente exercida, única opção para os povos conscientes livres de tutela”.154 No dia 16 de junho, o jornal Correio da Manhã divulga a atuação de um grupo de senhoras contrário à indicação do nome de San Thiago Dantas ao gabinete ministerial. O Diário de Notícias também traz uma manchete de capa exaltando a iniciativa da Madame Luísa Lopes, que estivera à frente da Aliança Eleitoral pela Família, de boicotar “revistas, jornais e lojas comerciais que se mostrarem contrários ao ponto de vista que firmaram de combate sem tréguas à nossa atual política exterior de relações com a União Soviética”.155 Este grupo apresentava-se como um movimento interessado em “congregar o eleitorado carioca em torno de meia dúzia de itens que importam defender: A Família, a democracia representativa, tendo em vista os postulados cristãos”.156 No artigo, escrito por Nelson Costa, sobre a Aliança Eleitoral pela Família, no Correio da Manhã, o articulista propõe que seu manifesto deve ser lido e “meditado sem paixões políticas, apenas com o pensamento voltado para a Família, que é a célula máter da sociedade e da Pátria”.157 Este mesmo movimento do grupo feminino recebeu cobertura do O Globo, tendo, neste jornal, seu manifesto publicado na íntegra. No manifesto, as mulheres indicavam o caminho correto a ser seguido por Jango. Há dois caminhos em suas mãos: um que o conduzirá ao socialismo esquerdista e ao desamor do povo; outro, à liberdade democrática, ao respeito e agradecimento do Brasil. Em nome, pois, da mulher brasileira, sem pensar em política nem em ódios partidários, mas apenas pedindo com um coração angustiado pelo futuro de seus filhos, siga, Sr. João Goulart, o caminho que nos levará ao grande ideal da liberdade e da democracia.158

154

Diário de Notícias, 8 de Junho de 1962, p. 6. Diário de Notícias, 16 de junho de 1962, p. 1. 156 COSTA, N. Correio da Manhã, 15 de junho de 1962, p.2. 157 Ibid. 158 O Globo, 20 de Junho de 1962. p 5. 155

As imagens dispostas no manifesto buscavam aglutinar seus leitores em torno da família em oposição a uma mobilização política que estaria ligada à agitação comunista e ao “desamor”. Os códigos culturais relativos ao congregamento proposto incentivavam à concórdia e atitudes destituídas de caráter político e partidário. As palavras de ordem pelas quais ansiavam lutar traduziam-se, em tom descompromissado, em “meia dúzia de itens”. Traziam em seu interior um sentido fortemente religioso. Ao desvincularem-se de “ódios partidários” e dos pensamentos em política, valendo-se do apelo em nome da família e da tradição democrática brasileira, este manifesto das mulheres cariocas contra Santiago Dantas, corrobora com as propostas de uma atitude voluntarista e “apolítica” – pois, indiretamente política – frente aos acontecimentos políticos. Neste aspecto, também se aproxima de uma visão do regime democrático brasileiro enquanto um ambiente corrompido, pelos políticos trabalhistas “interessados” e “demagógicos”, pelos comunistas “agitadores” e representantes da desordem, pelo povo “ingênuo”, amorfo. A vigilância democrática pautada por atitudes morais seria a “cura” desta política corrompida. Esta forma de participação da sociedade, desvinculada de quaisquer prerrogativas políticas – entendendo-as como partidárias e/ou ideológicas concebidas em um ambiente de dissenso – habitaria um processo político marcado pelo “consenso valorativo”, ou seja, um processo onde as decisões políticas deveriam ser alcançadas mediante adoção do modelo político apropriado que se observaria através de análise técnica e “isenta”. Bolívar Lamounier, em texto sobre a formação de um pensamento autoritário no Brasil, alerta para a caracterização do conflito social como algo da ordem do irracional, das paixões, e afastado do racional. Ao mencionar a visão paternalista do conflito social o autor aponta para a “idéia de erradicação total do conflito pela adoção do modelo político (técnico) apropriado”.159 Ao reportar-se à ameaça de greve em função da escolha de um gabinete nacionalista, o deputado do Estado da Guanabara do PDC, Gladstone Chaves de Melo menciona que: “quanto à greve geral ameaçada, nenhum homem de bom

159

LAMOUNIER, B. Formação de um Pensamento Político Autoritário na Primeira República. Uma Interpretação. In: Historia Geral da Civilização Brasileira. 2° Ed. São Paulo: Difel, 1978, Tomo III, Vol. 2, p.

senso hesita: trata-se de subversão da ordem política e social”.160 A participação de sindicatos e trabalhadores deveria limitar-se às reivindicações de classe de aspecto econômico. A mobilização e a intervenção no espaço público de decisão política acompanhada de caráter politizado seriam vistas de maneira negativa sob a lente de alguns órgãos de imprensa e grupos políticos. Ainda sobre a mobilização dos sindicatos o deputado, Gladstone Chaves de Melo, menciona o papel dos sindicatos:

Numa democracia, os sindicatos são órgãos ocupados com os interesses profissionais de uma categoria que representam ao passo que a vontade política da nação se manifesta pelos partidos políticos. O que se vê é que os sindicatos pretendem substituir os partidos, assumindo função política, o que é próprio de certo tipo de Estado Totalitário.161

Os sindicatos deveriam, segundo o deputado, ocupar-se de assuntos de classe específicos deixando os assuntos políticos para os representantes e para os partidos políticos. Os sindicatos não possuiriam, assim, função política, exclusividade dos partidos. Aos trabalhadores cabia exercer sua função econômica dentro do processo de desenvolvimento do País e aos cidadãos sua função de instituir e destituir governos. O PTB neste momento dispunha de estratégias de aproximação com o eleitorado que estimulavam a participação mais efetiva dos sindicatos na política divergindo da concepção da maioria parlamentar formada por PSD e UDN162. Posteriormente, na gestão do Ministério do Trabalho de Almino Afonso, figura importante dentro do PTB, esta estratégia ficará patente.163 O General Osvino Ferreira Alves, comandante do I Exército deu sua palavra de apoio à permanência do presidente caso forças da “extrema direita” tentassem um golpe. Estas palavras soaram como um possível apoio aos grevistas e líderes

160

O Globo, 16 de Junho de 1962. p 3. Note-se que para o conservador, o concreto torna-se constatável através do “bom-senso”, pois, está interligado ao quotidiano e não em abstrações filosóficas desenraizantes e desagregadoras. O pensamento conservador concebe o mundo como dotado de “evidentes diferenças” entre os homens. O conservadorismo vai se apegar às suas distinções e abominar os diferentes. A crença na destruição do organismo social diante da adoção de formas de pensamento abstratas e democráticas está na base do pensamento conservador moderno, e é verificável de maneira análoga no contexto lingüístico brasileiro da década de 1960. 161 Ibid., p. 3. 162 D’ARAUJO, M. C. Sindicatos, Carismas e Poder: O PTB de 1945-65. Rio de Janeiro, Editora FGV, 1996. 163 ERICKSSON, K. P. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, p. 117

sindicais que, no dia 4 de Julho, deram a palavra de ordem grevista para o dia seguinte. Frente a este apoio manifesto em palavras pelo comandante do I Exército, o Diário de Notícias, publica no dia 5 de Julho, em editorial, seu parecer sobre o apoio e à greve geral:

E esse apoio é salutar e benéfico, nesta hora, para a sustentação da ordem e da paz interna. Mais do que nunca se faz necessária a vigilância dos responsáveis pela ordem, mormente quando, aproveitando-se das circunstâncias, elementos agitadores querem interferir no processo da escolha do novo conselho de Ministros (que, eles sim, como nós outros, os demais elementos do povo, não temos competência constitucional para fazê-lo, senão nas urnas). Greves com tal objetivo são manifestamente ilegais. E a autoridade do governo não deve ser posta em xeque por elas. É ocasião, pois, de todos pensarem mais no Brasil e menos em si próprios. E num clima de harmonia e ordem, de patriotismo e desprendimento, tornar efêmera a crise e procurar superá-la com presteza, recolocando o país na sua normalidade de vida e instituições.164

O editorial aborda as questões referentes ao papel das Forças Armadas no regime democrático e no aspecto inconstitucional da greve. Sobre as Forças Armadas, afirma o papel de mantenedores da ordem e do regime. Interessante perceber que nas declarações do general, o golpe seria tentado por grupos de “extrema direita”, no entanto, no editorial, os “agitadores” são os grevistas, enfatizando a disputa pela caracterização negativa dos adversários políticos. No editorial, por serem os parlamentares os únicos habilitados constitucionalmente a interferirem na escolha do Gabinete, a interferência dos trabalhadores era ilegal. Novamente os valores de harmonia e paz social são evocados contra a crise política, estes, deveriam ser acompanhados de uma atitude moral desprendida. A instabilidade do regime parlamentarista esteve ligada à estratégia de João Goulart de limitar as escolhas de seus opositores valendo-se da mobilização dos trabalhadores como forma de pressão política orientada para a escolha de um Gabinete nacionalista e reformista que estivesse comprometido com a volta ao presidencialismo.165 A imprensa mostrava-se insatisfeita e fazia constantes críticas ao modelo parlamentarista adotado “no improviso”. Os jornais alertavam sobre um ambiente de “desgoverno” e falta de autoridade. Além destes fatores, a crise

164

Diário de Noticias, 5 de Julho de 1962, p.4. FIGUEIREDO, A. Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 19611964. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 75. 165

dos Gabinetes e a morosidade de ações para conter a crise eram creditadas ao caráter híbrido do parlamentarismo no Brasil.

Mas, se não forem tomadas providências, ninguém se admire de que o ano de 1963 venha a assinalar o paroxismo do processo inflacionário, com efeitos imprevisíveis, que poderão levar a uma completa subversão da ordem político-social.166

Com o processo político ganhando tons de radicalidade retórica, em setembro, sob ameaças de Leonel Brizola à esquerda e Carlos Lacerda à direita, o gabinete de Brochado da Rocha pediu que o plebiscito fosse realizado no dia 7 de outubro, mas não obteve êxito. Com nova ameaça de greve geral do recém criado CGT, caso o plebiscito não fosse aprovado para outubro de 1962, a situação se agrava. O comandante do III Exército no Rio Grande do Sul, Jair Dantas Ribeiro advertiu ao Ministro da Guerra, Nelson de Mello, que diante da intransigência do parlamento em apresentar soluções, da iminente renúncia do Gabinete recém formado e a crescente mobilização nas ruas, não seria capaz de manter a ordem. Jair Dantas Ribeiro tornou público um memorando nas páginas do Jornal do Brasil167 em que previa uma “luta fratricida” caso o Congresso recusasse a aprovação do plebiscito para outubro. Acompanharam Jair Dantas Ribeiro, os comandantes da I e II Regiões Militares, Osvino Alves e Peri Bevilacqua. Mediante tais declarações em apoio ao movimento grevista, o CGT convocou uma greve geral nacional e em seguida, no dia 15 de setembro, Brochado da Rocha renunciou. Segundo Ericksson, “As Forças Armadas não somente protegeram os grevistas, como haviam feito em julho, mas os líderes militares empreenderam uma campanha por conta própria para conseguir o plebiscito”.168 O plebiscito foi marcado para dia 6 de janeiro de 1963. Mais uma vez, os sindicalistas não cancelaram a greve depois de pedido de Goulart demonstrando independência em relação ao governo. A antecipação do plebiscito que seria responsável pela reaquisição dos poderes presidenciais foi uma grande vitória política de João Goulart, que contou

166

Diário de Noticias, 3 de Junho de 1962, p. 4. Jornal do Brasil, 13 de Setembro de 1962, p. 3. 168 ERICKSSON, K. P. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, p. 155. 167

com apoio de uma parcela dos militares e com a participação dos sindicatos.169 Por outro lado, o presidente deveria pautar seu governo nos valores por ele defendidos em suas declarações em 1961. Deste momento em diante a Constituição, a qual Jango “jurou defender”, será evocada juntamente com os valores estabelecidos no ato de sua posse. A radicalização da estratégia da mobilização de grupos extra-parlamentares ao longo do ano de 1963 afastará os militares do governo e levará os jornais a intensificarem a construção de concepções negativas sobre a participação política e a manutenção do regime democrático representativo. Este aspecto será crucial na aglutinação da oposição ao governo e ao presidente João Goulart e na formação de um grupo coeso o bastante para a ação.

169

Apesar de não haver dúvidas quanto ao fortalecimento do governo após o plebiscito, vale lembrar que a diferença de votos em favor da rejeição ao parlamentarismo, se deveu para além do apoio às propostas do governo, a uma soma de interesses de diversos grupos de orientação política distinta do governo e que visavam às eleições presidenciais de 1965. Nestes, podemos incluir o PSD que já se articulava em torno da candidatura de Juscelino Kubitschek e a Banda de Musica udenista que se articulava em torno de Carlos Lacerda. Além disso, havia os diversos setores insatisfeitos com os problemas de governabilidade do sistema parlamentarista e o quadro de estagnação econômica. O apoio dado por industriais paulistas, ligados à FIESP, para a campanha do plebiscito contribuiu para reforçar a idéia de que o apoio ao presidencialismo não estava efetivamente vinculado a um alinhamento com as propostas reformistas do governo de João Goulart. Ver, FIGUEIREDO, A. Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 1961-1964. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 89.

2 A Cobrança do Posicionamento Democrático: Crime ou Lei? Ao longo dos meses de setembro e outubro de 1963 a polarização em torno da democracia levará os jornais analisados a cobrarem de Jango um posicionamento claro dentro do espectro político. A revolta dos sargentos em Brasília, o pedido de estado de sítio, as sucessivas ameaças de greve geral do CGT, são exemplos de alguns acontecimentos que marcaram as páginas dos periódicos e orientaram o debate político deste momento. Os militares também cobravam de João Goulart uma postura mais enérgica diante das greves políticas organizadas pelos sindicatos. Estes jornais certamente desejavam que Jango se posicionasse ao lado de uma democracia representativa de baixa participação afastada dos “comunistas revolucionários” e de um programa de reformas moderado que garantisse a manutenção do status quo. O regime democrático não poderia ser desvirtuado de seus rumos e limites estabelecidos para João Goulart no ato de sua posse. No entanto, este posicionamento “claro e definido” não fora cobrado apenas de João Goulart. Juscelino Kubitscheck, pré-candidato a sucessão presidencial pelo PSD, também fora atacado pelo jornal O Globo por sua indefinição. No editorial do dia 6 de setembro intitulado “O Dever da Autenticidade”, O Globo afirma estar cedo para uma avaliação dos candidatos apresentados até o momento – Juscelino e Lacerda. No entanto, ao comentar o desejo de JK aproximar-se do PTB para uma possível aliança para as eleições de 1964 relatam que “o ex-presidente faz as mais incríveis concessões às teses e idiossincrasias dos exaltados e “negativos”.”170 Ainda segundo o jornal, este raciocínio não teria sucesso, pois, a tendência, devido à radicalização das posições políticas, era que o PTB escolhesse um candidato simpático às esquerdas. Imprimindo uma postura de simples comentarista das declarações de JK em um programa de TV, o editorial menciona que se observa no ex-presidente

170

O Globo, 6 de setembro de 1963, p. 1.

A intenção de caminhar para as urnas sem se definir a respeito dos problemas que mais preocupam a Nação. Somos de opinião que o processo é péssimo e, se realmente insistir nele, estará S. Ex. malbaratando, absurdamente, o credito popular e perdendo boa parte de seu eleitorado.171

Esta indefinição acarretaria a perda de boa parte de seu eleitorado, por se tratar, segundo o editorial, do problema que mais preocupa a Nação. Sobre o problema, o “fantasma do comunismo” e a subversão do país, o ex-presidente afirmou que não via maiores conseqüências “porque o sentimento de cristandade da Nação é uma barreira intransponível aos avanços de articulações nesse sentido”.172 Esta afirmação de Juscelino corrobora com a crença de que aspectos morais – o sentimento de cristandade – dariam conta de manter afastadas as contingências da política, reiterando o argumento da subalternidade da política em relação à moral. Ademais, os aspectos religiosos estariam presentes na sociedade brasileira dando coesão a uma determinada cultura política. O editorial do jornal O Globo propõe que há, no eleitorado nacional, a expectativa de um posicionamento definido sobre o problema da subversão do país. O sucesso eleitoral dos candidatos à presidência, para o jornal, portanto, estava diretamente relacionado ao posicionamento exigido. Em seguida o jornal questiona a postura de JK, pois, segundo o editorial, os comunistas pretendiam chegar ao poder através da desarticulação da vida brasileira e não da “articulação”. Diante da indefinição de JK e de suas concessões aos grupos de esquerda cobra-se, em nome da população brasileira, uma posição. Reforça-se a necessidade de não abrir concessões aos grupos de esquerda “negativos”. A experiência recente com Jango, e anteriormente Vargas, indicava ao jornal que uma atitude “franca” era necessária, pois Dos antigos políticos, cheios de “habilidade”, o Brasil já está farto. Quer sinceridade, autenticidade, franqueza (...) a Nação quer um presidente que esteja ao lado da ordem, da tranqüilidade, do trabalho e da grandeza.173

Diante da “habilidade” política dos antigos políticos se fazia necessária a franqueza e a sinceridade, ou seja, frente a um problema político a solução estaria na adoção de um posicionamento moral. O Brasil cobrava este posicionamento, 171

O Globo, 6 de setembro de 1963, p. 1. Ibid. 173 Ibid. 172

pois estava “farto” dos “antigos políticos”. Diante da demagogia a sinceridade venceria. Franqueza e sinceridade aparecem como categorias ideais imunes a todo tipo de dubiedade, estariam impreterivelmente ao lado da ordem e do trabalho e afastadas da desordem e da subversão. Além disto, as críticas a JK residiam, sobretudo, no fato do pré-candidato acenar com a possibilidade de contar com o apoio de políticos exaltados e “negativos”, que estavam, portanto, fora do núcleo político centrista e marcado pelo bom senso. Reforçava-se a necessidade dos políticos posicionarem-se ao lado de aspectos opostos e assimétricos às greves e à participação política dos trabalhadores. Em outra ocasião, Juscelino declarou que contra as ameaças ao regime sofridas em seu governo opunha “serenamente o [seu] programa de trabalho”.174 Contra a “agitação”, a serenidade fazia-se solução. Ordem, trabalho, tranqüilidade, eram aspectos apresentados pelos jornais como princípios universais, portanto, não sujeitos a interpretações divergentes daquelas pautadas nas premissas democráticas e cristãs amplamente difundidas nas páginas destes órgãos de imprensa. Estes princípios estiveram sempre relacionados a uma democracia representativa de baixa participação, às reformas moderadas e às reivindicações trabalhistas dentro dos propósitos classistas. Isto significava que a sociedade deveria respeitar uma norma: política para os partidos políticos, trabalho para os trabalhadores e políticas sociais para os destituídos e carentes. Desta forma as convulsões sociais seriam evitadas e a confiança no regime democrático seria garantida. As qualidades que o futuro presidente deveria demonstrar passariam ao largo dos aspectos político-ideológicos. Seja pela via de uma moral – sinceridade, autenticidade e franqueza; ou pelo aspecto técnico – trabalho175, eficácia econômica –, o futuro “político” do Brasil estaria assegurado. Neste sentido, a política era concebida enquanto uma opção moral e técnica respaldada em atos voluntários ideais.176 Quaisquer posturas orientadas para a 174

Diário de Notícias, 12 de setembro de 1963, p. 4. A valorização do trabalho aparece como uma forma de legitimar o Capital e o capitalismo, pois é através do exercício do direito ao trabalho que os trabalhadores sairiam do mundo da carência e da necessidade e teriam aumentada sua renda reduzindo-se, assim as desigualdades. Este trabalho também seria um dever social frente ao processo de desenvolvimento econômico da Nação. As greves seriam responsáveis, portanto, por impedir que “verdadeiros” trabalhadores cumprissem seu dever para com a Nação diante do progresso econômico e transformar este direito em subversão e corrupção política. 176 Ver as reflexões de Bolívar Lamounier sobre o objetivismo tecnocrático em seu artigo sobre a formação de um pensamento autoritário na Primeira República. In: LAMOUNIER, B. Formação de 175

incorreção ou desvio destes ideais seriam rechaçadas em prol dos valores democráticos e cristãos perdendo, assim, sua legitimidade política. O ano de 1963 foi marcado pela expectativa de que, sob o presidencialismo, João Goulart pudesse executar medidas eficazes contra a crise. Após nove meses de governo presidencialista ele era acusado de imobilismo diante da crise econômica e omissão frente ao movimento sindical que cada vez mais se fazia “ouvir” através das greves políticas organizadas pelo CGT. Ou seja, não estaria agindo com eficácia na área econômica, e na política estaria se omitindo e permitindo a subversão. Neste sentido, a realidade nacional concebida por conservadores enquanto um ambiente ausente de conflitos político-ideológicos limitava fortemente as ações políticas possíveis de João Goulart frente às representações negativas sofridas por ele na grande imprensa. Diante dos argumentos da ambigüidade de Jango e do posicionamento correto a ser tomado para que se evitasse o conflito, os jornais possuíam um amplo leque de possibilidades desqualificadoras. O presidente foi caracterizado enquanto uma figura efetivamente ambígua que visava apenas ao poder, deixando-se levar ao sabor das pressões de diferentes grupos. Foi caracterizado, também, como um político interessado em tirar o máximo proveito das situações a partir da atenção a diversos grupos, sem manifestar, em todo caso, posições político-ideológicas claras.177 Desta feita, Jango poderia ser acusado de omissão, por sua indefinição; ou de ação subversiva, por suas conivências e conveniências com grupos à esquerda. Ambas as atitudes, caso não fossem resolvidas com a decisão de posicionar-se ao centro político, contribuiriam apenas para o fim do regime representativo. Este quadro possibilitaria, segundo os jornais, que os “agitadores” desvirtuassem os trabalhadores pacíficos rumo à “agitação” e à “desordem”. Do presidente se esperava a solução para os problemas nacionais, sobretudo para a alta inflação e a crise financeira que arrebatavam os salários produzindo greves e insatisfações entre os trabalhadores. Esperava-se a ação econômica e um posicionamento político adequado. Grupos à esquerda e os sindicatos também esperavam de um Pensamento Político Autoritário na Primeira República. Uma Interpretação. In: Historia Geral da Civilização Brasileira. 2° Ed. São Paulo: Difel, 1978, Tomo III, Vol. 2, p. 365. 177 Para uma narrativa mais detalhada sobre as representações de Jango relacionadas à manipulação, ver. PATTO, R. P. S. MOTTA, R. P. S. Em Guarda Contra o Perigo Vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917- 1964). São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2002.

Goulart um posicionamento sobre a democracia e sobre as reformas de base, sua grande bandeira. Em um comício em comemoração da morte de Getúlio Vargas, em agosto, Rafael Martinelli, representante do CGT, advertiu Goulart, que também estava no palanque, que até a realização das reformas fosse concretizada as greves seriam mais freqüentes e generalizadas.178

2.1 A Greve de Santos

Em setembro de 1963, em Santos, estourou uma greve em toda a cidade em solidariedade às enfermeiras e funcionários de hospitais. O governador de São Paulo, Adhemar de Barros, enviou a polícia para dispersar uma reunião do Fórum Social de Debates – entidade de cúpula do CGT em Santos – com gás lacrimogêneo. Houve a prisão de mais de 200 participantes.179 Juntamente com Carlos Lacerda, governador da Guanabara, Adhemar de Barros foi um contumaz opositor de Goulart e seu governo. Agindo, legal ou ilegalmente, no sentido de obterem efeitos psicológicos sobre a opinião pública, Adhemar e Lacerda dificultavam as soluções e negociações junto aos sindicalistas atuando sempre com muita força na dispersão das greves. Desta maneira pretendiam engrossar o caldo da “desordem trabalhista” e afastar o centro político e a esquerda de Jango. Em resposta às prisões e ao uso excessivo da força em São Paulo, o Pacto de Unidade e Ação respondeu com uma ameaça de greve geral caso o governo federal não se posicionasse sobre o acontecimento em favor dos grevistas. O comandante do II Exército de São Paulo, Gen. Peri Bevilacqua, reagiu declarando em entrevista à imprensa que o CGT não passava de um “ajuntamento de intrujões que pretendem arrastar homens a atitudes indefensáveis”.180 Nesta entrevista, da qual também participara Adhemar de Barros, tornava-se clara a crescente oposição de alguns líderes militares às greves e sua intolerância à greve geral, que seria reprimida com a força se necessário. Agora em editorial do Jornal do Brasil, afirma-se que o país não teme o ultimato do CGT, e espera-se do governo que

178

ERICKSSON, K. P. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1979, p.171. 179 Jornal do Brasil, 3 de setembro de 1963, p.8. 180 Correio da Manhã, 3 de setembro de 1963, p. 1.

resista e “restaure o império da lei e da ordem”.181 Segundo o jornal, “existe um limite para o direito de greve. Uma coisa é direito, outra é abuso desse direito. É o que estamos assistindo, hoje, no Brasil, presidido por um ex-líder sindical.”182 Os meses de setembro e outubro de 1963 estarão marcados por esta intensa polarização do espectro político e pela cobrança do posicionamento do governo frente ao rumo democrático. O Diário de Notícias declarou que a falta de autoridade do governo acarretara a greve de Santos, que por sua vez pressionava órgãos de representação popular legítimos. Acusando o governo de estimular a agitação, o jornal afirmava que o país estava “resvalando insensivelmente para a ilegalidade”.183 Jornais, militares e grupos políticos conservadores à direita do espectro político, esperavam que Jango agisse a fim de manter-se ao lado da legalidade e da democracia. A ação política deveria limitar-se às possibilidades razoáveis diante da realidade brasileira. Era comum nas páginas de alguns jornais a política ser caracterizada como a arte do possível. Os jornais analisados esperavam do presidente seu afastamento das esquerdas desejosas das reformas “radicais” e de uma democracia mais “subsantiva”184 e participativa, por acreditarem ser, ambos, posicionamentos incompatíveis com o destino político brasileiro. Com a intensificação do confronto em Santos, o ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, ordenou a intervenção na greve do litoral paulista. A intervenção do II Exército contou com tropas de apoio e foi orientada para, caso fosse necessário, utilizar a força. Com a intervenção os grevistas recuaram, pois decidiram evitar um confronto com os militares. Eugenio Gudin escreveria no O Globo, um dia após a intervenção militar em Santos, que era dever das Forças Armadas garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem segundo a Constituição. Alertando para o “perigo comunista” que era apoiado em uma minoria que se vale da força e do golpe, e para a omissão do presidente, ataca:

Se o presidente esquece que os alicerces da Constituição a qual jurou obediência são os de uma democracia REPRESENTATIVA e não uma democracia de sovietes 181

Jornal do Brasil, 3 de setembro de 1963, p. 6. Ibid. 183 Diário de Notícias, 3 de setembro de 1963, p. 3. 184 GUIMARÃES, C. Vargas e Kubitschek: A longa distancia entre a Petrobrás e Brasília. In: CARVALHO, M. A. R. de; LESSA, R. República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001, p. 168. 182

sindicais ou comícios revolucionários, é indispensável que as Forças Armadas restabeleçam o império da lei. Na democracia REPRESENTATIVA as leis são formuladas e promulgadas pelos REPRESENTANTES do povo brasileiro ELEITOS pelo voto secreto e universal.185

Eugenio Gudin enfatiza o caráter representativo da democracia brasileira e a devida obediência à Constituição. A participação de sindicatos na política era vista como o prenúncio à revolução comunista e da subversão da ordem. Mais uma vez, as Forças Armadas seriam as responsáveis pelo restabelecimento da lei e da ordem, o poder moderador na República brasileira. No dia da independência do Brasil, dois dias depois da intervenção em Santos, Jango proferiu um discurso que, embora em tom de moderação, buscava legitimar a participação política dos grupos populares. A moderação foi elogiada por jornais conservadores, como o Jornal do Brasil e O Globo, por sua “profissão de fé democrática” quando desestimulou esperanças dos que “tramam” contra as instituições com o auxílio de órgãos como o CGT, PUA, e outros conjuntos de pelegos sindicais. 186 Jango apresentava assim, a participação política como mecanismo de pressão legítimo dentro do sistema democrático representativo, mas esta participação não deveria contar, segundo ele, com o apoio de grupos ilegais. A postura intolerante dos militares às greves políticas, bem como dos jornais, levou gradativamente o CGT ao isolamento e à ilegalidade. Com isto o presidente prosseguiu com sua estratégia de valorização da participação do povo na política, mas sem fazer menções diretas ao CGT enquanto um aliado. A fim de evocar uma memória de participação democrática popular desvinculada do CGT, relembrou que a defesa de sua posse em 1961, Significou, naquele momento, extraordinária vitória das forças populares e verdadeiramente democráticas, contra as minoritárias forças do retrocesso, que intentaram um golpe de estado, visando à liquidação da livre decisão do povo brasileiro. Significou, realmente, a vitória do regime democrático, no que ele tem de essencial: - o respeito à soberania popular e à consolidação do regime representativo.187

O regime democrático representativo ao qual João Goulart se refere, pautase na soberania popular. No entanto, no sistema representativo do Brasil deste momento, soberano seriam os órgãos representativos escolhidos através da 185

GUDIN, E. O Globo, 6 de setembro de 1963, p. 2. Grifos do autor. Jornal do Brasil, 10 de setembro de 1963, p. 6. 187 Correio da Manhã, 7 de setembro de 1963, p. 1. 186

vontade popular. Ainda que a vontade popular também fosse soberana, o voto não dava direito ao povo de ir além desta interferência na democracia. O voto não fazia do povo soberano, mas sim sua vontade, traduzida no pleito e realizada posteriormente pelos representantes. A intervenção na política seria franqueada apenas aos representantes legítimos escolhidos pelo voto popular. Portanto, soberanos. Apesar de o presidente defender a manutenção do regime representativo, neste regime os representados possuiriam uma importância maior que os representantes, ao passo que no sistema representativo defendido pelos jornais e pelos grupos políticos conservadores, a ordem seria inversa. Esta construção argumentativa acompanha a esperada manutenção do sistema representativo, mas inverte a centralidade dada às instituições democráticas representativas para a soberania popular evocada junto aos acontecimentos de agosto de 1961. Sua posse teria sido uma vitória das forças populares, verdadeiramente democráticas, contra as forças minoritárias do retrocesso. Maioria popular e minoria retrógrada estavam sendo polarizadas sob o aspecto temporal de suas expectativas.188 Jango não pretendia perder seu vínculo político com as causas populares e suas expectativas. As forças populares, que seriam verdadeiramente democráticas, estariam posicionadas contra as minorias retrógadas. O conceito de democracia estava em disputa pelos grupos políticos neste momento. Quando se refere aos grupos que pretendem extinguir a democracia, seu discurso revela seu caráter popular:

188

Através da análise das mudanças radicais sucedidas na Europa do séc. XVIII, o historiador Reinhart Koselleck identifica na modernidade uma temporalização que segue novos critérios. O presente é percebido enquanto possuidor de um tempo próprio carregado de sentido, e as possibilidades e expectativas de futuro se distanciam da experiência vivida. Neste sentido, procurando de maneira análoga, pensar este momento brasileiro da forma que Koselleck propôs o sattelzeit europeu, as linguagens políticas brasileiras estariam sofrendo inflexões temporais em seu interior. À medida que alguns idiomas políticos orientavam-se para um horizonte de expectativas descolado do espaço de experiências vivido, outros estariam preocupados em manter próximo o horizonte de expectativas do espaço de experiência. Neste sentido, os conservadores identificarão os grupos possuidores de expectativas descoladas das experiências vividas como “radicais” e serão identificados pelos grupos à esquerda como “retrógrados”. A qualidade temporal da linguagem permite aos atores políticos do momento a utilização do tempo como ferramenta de ação política. KOSELLECK, R. Futuro Passado. Contribuição à Semântica dos Tempos Históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC Rio, 2006.

Esses pequenos grupos, já definitivamente identificados como partidários da estagnação, continuam a insistir, no entanto, nos mesmos propósitos antinacionais e a oporem-se às manifestações populares que clamam por substanciais mudanças na estrutura da sociedade brasileira. Consideram pressões ilegítimas, as democráticas expressões de um clamor popular que se ergue e se avoluma, reivindicando urgentes transformações sócio-econômicas que asseguram pacificamente, a conquista de novas etapas de nosso desenvolvimento.189

O desenvolvimento do Brasil deveria ser reivindicado pelas manifestações populares. As minorias que se opunham a este clamor popular legítimo e pacífico estariam identificadas com a estagnação e com propósitos antinacionais. Em meio a um contexto lingüístico marcado pela valorização da representação democrática ao invés da ação direta, João Goulart pregava e defendia, além da representação, a participação política na consecução dos objetivos econômicos. Buscava legitimar a estratégia política de sua base eleitoral: sindicatos, estudantes, militares de baixa patente, grupos que buscavam maior participação nos rumos da política nacional. As minorias referidas em sua fala poderiam ser minorias à direita, ou à esquerda, desde que, desejosas do fim do regime. Segundo o presidente, estas minorias que “aspiram ou supõem possível escravizar esta nação”,190 devem convencer-se “de que não há futuro para os que tramam a extinção do regime democrático, não há futuro para os que pensam exercer a tutela deste povo livre e consciente”.191 As forças populares estariam agora, em oposição às minorias que pretendiam acabar com o regime democrático. O futuro não pertenceria aos que pretendiam subjugar o país ou interromper o processo de sua emancipação, nem “de sua transformação em busca do bem-estar econômico e social a que aspiramos”.192 O discurso de Jango condena aqueles que conspiravam contra a democracia e contra o povo consciente, estejam os conspiradores à direita ou à esquerda. Com o isolamento do CGT, seu aliado durante todo o governo, cabia ao presidente legitimar as reivindicações populares sem vinculá-las ao CGT ou à UNE. Declarando sua plataforma popular, Jango afirma que:

Quem não tem motivos para temer o povo, não se amedronta quando este comparece às praças para reivindicar o atendimento dos seus direitos e a pacífica

189

Correio da Manhã, 7 de setembro de 1963, p. 1. Ibid. 191 Ibid. 192 Ibid. 190

transformação da sociedade brasileira. Esse comparecimento há de ser visto em verdade como expressão do diálogo necessário entre governantes e governados.193

Nesta passagem, a concepção democrática revela-se fiadora do diálogo entre governantes e governados em praça pública. E este diálogo verificar-se-ia, em verdade, na participação política. Participação vista para além dos pleitos: “Não podemos aceitar que em uma Nação democrática a opinião publica só tenha meios de se expressar nos dias marcados dos prélios eleitorais”.194 Neste diálogo, exigência da democracia, estaria sua virtude, pois seria aquela que permitiria a realização viva da democracia e de seus fins, pacificamente. Tentando se afastar das possíveis vinculações aos propósitos revolucionários, Jango reafirmava que este diálogo apenas demonstrava o desejo do povo de conquistar pacificamente seu bem estar. Seus atos de fala orientaram-se para uma ampliação da participação democrática, desejo dos grupos à esquerda que o apoiavam.

Apesar das

tentativas, as relações entre o governo e o CGT continuaram a ser questionadas pelos grupos conservadores e sua postura “vacilante” foi duramente criticada nos jornais. Diante das crescentes acusações da omissão frente ao movimento sindical e os perigos que tal postura trazia ao país, bem como a caracterização deste grupo como sendo a parte ilegal do governo, Jango verá questionada sua forma de articulação política. O esgotamento das possibilidades de Jango “jogar” com os diversos grupos políticos dos mais diversos matizes políticos e ideológicos a fim de obter resultados se anunciava neste momento.195 Em editorial do Jornal do Brasil intitulado O Fim da Bruxaria, o conceito de “conciliação” recebe atenção especial. Ainda dentro da lógica autoritária do discurso que considera a solução dos problemas políticos através de um “consenso valorativo”,196 acusam o 193

Ibid. Correio da Manhã, 7 de setembro de 1963, p. 1. 195 Segundo Daniel Aarão Reis, a ampliação da mobilização que alcançou “trabalhadores urbanos e rurais, assalariados e posseiros, estudantes e graduados das Forças Armadas, configurou uma redefinição do projeto nacional-estatista, que passaria a incorporar uma ampla – e inédita – participação popular. Talvez exatamente por causa disso, mudaram o tom e o sentido do discurso: ao contrário de uma certa tradição conciliatória, típica do estilo de Getulio Vargas, os obstáculos deveriam agora ser removidos, e não evitados, e os alvos, batidos, e não contornados”. REIS, D. A. Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 23. 196 A partir da subalternidade da política em detrimento da moral, o conflito político seria marcado por seu caráter nocivo ao corpo social. Desta feita, para que o conflito não trouxesse problemas seria necessário firmar um consenso pautado em princípios e valores morais. Dentro 194

presidente de exercer uma falsa conciliação, pois, baseada na bruxaria.197 Pedem o fim desta bruxaria e a implementação de uma política de conciliação que desse conta de trazer paz e harmonia ao país. O presidente, a fim de não perder sua influência sindical estaria, contemporizando, balançando e vacilando. Segundo o editorial, o governo:

Se divide entre Governo civil e Governo militar, cabendo ao último a ingrata tarefa de repor as coisas nos seus devidos lugares. Não admitimos mais contemporizações com o Comando-Geral de Trabalhadores. O País exige o fechamento imediato desse corpo espúrio que quer nos precipitar a ditadura, passando antes pela anarquia.198

Falando em nome do país o jornal exige o fechamento do CGT, um “corpo espúrio” que estaria agindo para levar o país à anarquia e à ditadura. Não seriam mais admitidas as contemporizações com os “agitadores” que estariam envolvendo os trabalhadores pacíficos na desordem e deixando-os desprotegidos. Note-se que como par conceitual assimétrico de agitadores, havia os trabalhadores pacíficos. Estes trabalhadores estariam sendo envolvidos pelo CGT. A ação desordenadora viria dos sindicalistas e não dos trabalhadores, estes seriam, antes de tudo, pacíficos e ordeiros e, portanto, vítimas da agitação. As greves políticas organizadas pelo CGT impediam os verdadeiros trabalhadores de exercer seu direito de trabalhar pacificamente. Atribuindo ao presidente as características de um bruxo, que manipula ingredientes visando o mal, o Jornal do Brasil critica a postura de Jango em relação ao CGT e aos comunistas. Por diversas vezes os jornais manifestaram sua indignação em relação a estes órgãos e pedem seu fechamento. Já que o IBAD estava sob suspeita e ameaçado de fechamento por intervir indevidamente na política, os sindicatos e a UNE deveriam sofrer as mesmas penas. Ao assumir a presidência na crise de 1961, Jango proferiu um discurso pautado nos valores ideais cobrados pelos jornais e seguiu uma política de “unidade nacional” no regime parlamentarista. Esta postura, diga-se de passagem, deste esquema, os posicionamentos eram passíveis de serem taxados de verdadeiros ou falsos a partir de referências político-ideológicas. O julgamento moral e a oposição assimétrica e antitética fundem-se e se tornam armas para o jogo político. 197 Sobre a imagem de Jango como um grande manipulador e indigno de confiança através das caricatiras, ver. MOTTA, R. P. S. Jango e Golpe de 1964 na Caricatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 198 Jornal do Brasil, 5 de setembro de 1963, p. 6.

esperada pelas forças conservadoras que apoiaram sua posse, faria dele um político capaz de exercer uma liderança sindical moderada e de encaminhar, com tranqüilidade, “a lenta e inevitável ascensão política das massas trabalhadoras”.199 Mas o presidente, neste momento, “ao relativizar a bruxaria da conciliação e do amortecimento, e seguir a política do antagonismo de classes”,200 mostrava-se incapaz de exercer tal liderança moderada e encaminhar o processo de ascensão das massas com “tranqüilidade”. Ascensão – neste caso, das massas – é um conceito de forte significado religioso. Neste sentido, seu uso pelo jornal reitera o argumento da maneira pela qual a religião católica foi apropriada à experiência política brasileira, com forte apelo à representação e afastada de uma ação política direta. Este processo deveria orientar-se pela passividade, e, dada sua inevitabilidade, deveria ser encaminhado com “tranqüilidade”. Os jornais alertavam Goulart que, caso mantivesse frente ao sindicalismo a crescente relação de omissão, consciente ou inconsciente, o governo estaria caminhando para sua ilegalidade. As cobranças de fechamento do CGT sob o argumento de sua ilegalidade foram fortalecidas após o fechamento do IBAD e da ADEP, acusados de interferência no processo político eleitoral. A forma de atuação política escolhida pelo CGT e pelos movimentos de esquerda foi a radicalização da participação na política. As greves políticas, as ameaças de greves gerais, as pressões sobre o Congresso, causavam nos jornais a reação a estas reivindicações, que também eram vistas sob a ótica da interferência no processo político. A atitude política esperada do presidente deveria pautar-se por um julgamento moral, e, ao não executar a atitude esperada, estaria omitindo-se e desviando-se dos caminhos democráticos.

Segundo o Jornal do Brasil, não

possuindo existência legal, o CGT, caracterizava-se como “parcela ilegal do governo”, que lhe pagava as contas e o recebia em Palácio Presidencial a serviço da subversão201, e o manipulava “nos porões não reconhecidos pelo regime constitucional”.202 Política é uma atividade à margem do sindicalismo e a política sindical se faz nos organismos partidários legítimos, como na Inglaterra e nos Estados Unidos. Os sindicatos, como sindicatos, não podem e não devem ter posições políticas e 199

Ibid. Ibid. 201 Jornal de Brasil, 7 de setembro de 1963, p. 6. 202 Ibid. 200

atuações políticas, sob pena de sacrificar o grande ativo que lhes cabe assegurar e acrescentar. O ativo da luta pela maior participação na renda nacional, o ativo da educação, da assistência, da ajuda contra o desemprego.203

A função dos sindicatos no regime democrático estaria assim esclarecida. Sua atuação na Política seria um mal ao regime democrático, pois, sendo a participação política dos trabalhadores um vício dentro do sistema representativo, a politização dos sindicatos levaria o regime democrático à corrupção e a sua extinção. Os sindicatos não podiam e não deveriam ter posições políticas nem atuação política. Assim como os militares possuíam sua função de guardiães da ordem democrática e os políticos a função de representantes legítimos, aos sindicatos caberia o ativo da luta pela maior participação na renda nacional e da assistência. Seria através de reivindicações de cunho econômico, e não políticas, que os sindicatos deveriam atuar. O “ativo” que deveria orientar a luta dos sindicatos seria o econômico, e através dele assegurariam a assistência que se lhes orientava. Educação, saúde, emprego, estariam vinculados à carência e à necessidade da população e dos trabalhadores. Deveriam permanecer passivos politicamente para que a eficácia econômica agisse. “Esse ativo fica comprometido na medida em que o movimento se politiza e se coloca a reboque de um caudilho ou a serviço de um partido político como o comunista”.204 Estando os sindicatos a serviço de um caudilho ou do Partido Comunista, estariam ambos imersos na ilegalidade, seja pela relação com um caudilho – figura autoritária, demagógica, populista e manipuladora – seja pela relação com um Partido ilegal e, portanto, não pertencente ao núcleo político democrático. Além disto, o objetivo destinado aos trabalhadores ficaria comprometido diante dos desvios causados pela postura político-ideológica. Ainda que o argumento da não participação dos sindicatos na Política estivesse orientado por aspectos políticos de uma teoria democrática que via na participação da sociedade um mal, este mal estaria partindo de um pressuposto moral, de premissas ideais. Além de conceberem um caminho único rumo ao futuro do país, o caminho proposto pelos grupos à esquerda seria naturalmente perverso e corruptor da democracia, pois baseado no ódio, na luta de classes e na agitação. Este caminho democrático

203 204

Ibid. Jornal de Brasil, 7 de setembro de 1963, p. 6.

proposto nos jornais, que pode ser entendido por seu caráter histórico-filosófico, teria seu progresso vinculado diretamente ao pretenso retrocesso do inimigo.205 Mais uma vez, em nome do país, o Jornal do Brasil, exige o fim “de uma política de conciliação de classes que não chega a ser política, porque é antes bruxaria de conciliação exercitada por um mágico esgotado em mágicas”.206 E conclui: “a bruxaria era conciliatória e a política de conflito de classes”. 207 Ainda que Jango estivesse exercendo a conciliação, o fazia de maneira amoral – e imoral –, tal qual um bruxo; no campo da política estava imprimindo uma ação desordenadora, que estimulava o conflito de classes e conseqüentemente ao fim do regime democrático, afastando a Nação de seu destino. Para que esta conciliação fosse efetivamente política, segue o jornal, o salário dos trabalhadores deveria estar assegurado com a estabilidade monetária, os sindicatos – apolíticos e eficientes – deveriam ser instâncias legítimas de barganha para o aumento da participação dos trabalhadores na renda nacional; o nível de emprego controlado de acordo com o desenvolvimento e justiça social. Para que a conciliação fosse efetivamente política, portanto, os sindicatos não deveriam conter aspectos político-ideológicos, e deveriam manter sua ação apenas nas questões econômicas. Ainda segundo o Jornal do Brasil, Goulart teria diante de si um quadrimestre para inverter as tendências dominantes e reabrir as veredas da “esperança e da confiança”.208 Dando um ultimato a Jango, o jornal afirma que um quadrimestre é suficiente, e, caso não haja uma mudança no quadro “não será possível esperar mais do governo sem fazer apelo final ao instinto de conservação nacional, que a tudo deve sobrepor-se”.209 Aguardar além desse prazo “poderá ser até criminoso porque a reação protelada e ação retardada equivalerão a entregar o Brasil, definitivamente, aos males que o assolam hoje”.210 Para manter o regime havia a necessidade de um governo democrático e eficiente, diferente do “desgoverno” exercido por João Goulart.

205

KOSELLECK, R. Crítica e Crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: Eduerj: Contraponto, 1999, p. 10. 206 Jornal do Brasil, 5 de setembro de 1963 p. 6. 207 Jornal do Brasil, 5 de setembro de 1963 p. 6. 208 Ibid. 209 Ibid. 210 Ibid.

Em setembro de 1963, o Jornal do Brasil explicitava sua intenção em apoiar uma possível intervenção no governo caso Jango não mudasse seu rumo político. Esta intervenção seria perpetrada em nome do instinto de conservação nacional, “que a tudo deve sobrepor-se”. Igualmente, o PSD estava “de sobreaviso, desde ontem, para o perigo de um agravamento irremediável da situação do País até o fim do ano, por omissão ou ação do Presidente da República”.211 Verifica-se neste caso, que, se as instituições democráticas perdem sua função de neutralizar conflitos – e o conflito estava deflagrado entre democratas e comunistas com consentimento do Executivo – admite-se, em caso de necessidade, a intervenção e o questionamento de sua soberania. O governo deixa de ser legal e passa a ser ilegal. Esta maneira de enxergar o problema, em seu aporte teórico, daria conta de politizar a intervenção, mas o aspecto político continuava confinado ao julgamento moral. A intervenção serviria, sobretudo, para garantir uma ordem política incumbida de impedir que os “extremistas” interviessem na Política e necessariamente acabassem com o regime. Os sindicatos deveriam reivindicar apenas melhorias materiais de classe e a participação dos trabalhadores deveria ser orientada rumo à renda nacional e não em direção ao regime democrático. No regime democrático, os trabalhadores deveriam ser encaminhados tranquilamente rumo a sua ascensão. Entre os discursos que atravessavam a crise do governo de João Goulart, o econômico possuía uma posição privilegiada. Os aspectos econômicos representavam as possibilidades principais de redenção ao subdesenvolvimento nacional. A consolidação da democracia no Brasil passava obrigatoriamente pela atenuação da influência do poder econômico, ou seja, para que o povo – sobretudo o rural – pudesse votar sem sofrer pressões, deveria gozar de estabilidade material. Esta maneira de encaminhar o debate transmite, implícita ou subliminarmente, a convicção de que a sociedade é ativa economicamente, e deve permanecer passiva politicamente.212 Assim se chegaria ao estado de conciliação de classes de verdade. No liberalismo político, o princípio da neutralidade das instituições, segundo John Rawls, é o horizonte de construção da ordem em sociedades complexas e plurais, uma vez que a justiça procedimental antecede qualquer 211 212

Jornal do Brasil, 4 de setembro, p. 6. RIBEIRO, R. J. A Sociedade Contra o Social. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 23.

concepção de bem.213 Contudo, com base no princípio da neutralidade não é possível a construção de uma concepção pura de justiça, visto que a justiça está diretamente relacionada ao valor moral das finalidades para as quais são dirigidos. A neutralidade, em seu princípio, está também vinculada a valores e concepções morais. Através do consenso liberal estaria se buscando construir uma unidade lingüística em torno de conceitos como os de democracia, de ordem, de justiça, por exemplo. A justiça social, portanto, enquanto um bem aplicável apenas através do desenvolvimento econômico seria incompatível com o conflito político. O conflito político ideológico suscitaria a imprecisão na compreensão dos “verdadeiros” conceitos. Com a politização dos sindicatos, portanto:

Tudo mais é sacrificado aos interesses da luta política do dia com suas vacilações e conveniências instáveis. E o resultado é que o sindicalismo político impede que se realize, democraticamente, a luta pelo desenvolvimento com justiça social. A justiça social passa a ser imolada ao interesse político.214

A luta política, em sua instabilidade, comprometeria a luta pelo desenvolvimento com justiça social de maneira democrática. O interesse político, “habilidoso” e ideológico, influenciaria na correta compreensão da justiça social, que sendo um valor moral, não poderia estar sacrificada aos interesses da luta política do cotidiano. À justiça social – produto direto do desenvolvimento econômico – caberia minorar as diferenças econômicas e sociais e manter a paz social; à política caberia assegurar, com isenção e desapego, o curso da ordem e do progresso. O desenvolvimento econômico e a conseqüente diminuição das desigualdades apresentam-se como a ação saneadora da carência. A economia era eficiente e capaz de tornar a população carente parcela integrante do progresso nacional. Neste sentido, a economia seria agregadora e a política desagregadora. Não raro, aqueles que vinculavam suas ações políticas ao atendimento destas demandas populares da ordem da necessidade e da carência, eram taxados de populistas e demagogos. A política, com seus “interesses, suas vacilações e conveniências instáveis”, levaria ao sacrifício da justiça pelo interesse político, afastando a população do bem comum e lançando-a no conflito fratricida. Era comum na imprensa a preocupação de que as pregações revolucionárias dos

213 214

RAWLS, J. Liberalismo Político. São Paulo: Ed. Ática, 2000, p. 223. Jornal do Brasil, 7 de setembro de 1963, p. 6.

“agitadores” se tornassem suscetíveis à população pondo fim à paz social. Daí a necessidade de agir na direção de amenizar as diferenças econômicas, sociais e políticas e de conter a politização destas desigualdades. Ainda que o povo brasileiro estivesse “se politizando rapidamente aos saltos, e já [possuísse] mais ou menos delineada a solução certa para seus problemas”,215 as reformas de base deveriam ser implementadas com o intuito de aumentar a confiança na democracia e diminuir as diferenças, caso contrário,

O povo brasileiro continuará suportando o peso duplo da miséria e da exploração da miséria: os sofrimentos, as privações, as dificuldades de vida e, além disso, o risco da perturbação da ordem e da tranqüilidade pública pela audácia dos aventureiros de todos os matizes com sua pregação revolucionária ou só aparentemente revolucionária.216

Os sindicatos deveriam ser, portanto, “instâncias legítimas de barganha para o aumento da participação dos trabalhadores na renda nacional”.217 Órgãos apolíticos e eficientes. Devendo executar sua ação econômica e sua passividade política. Diante desta argumentação, o Jornal do Brasil, justificava seu pedido de fechamento do CGT como uma atitude em defesa do regime democrático representativo.

Ao pedirmos e exigirmos o fechamento do CGT, estamos tentando defender a classe trabalhadora e tentando salvar o Presidente da República do perigo que corre, insistindo em manter abaixo da linha da água legal uma parcela ilegal de governo. O governo só pode ser inteiramente legal.218

A salvação da classe trabalhadora seria feita através da ação econômica empregada na realização da justiça social, e a salvação do presidente da República estaria no afastamento dos perigos vinculados ao vício da participação dos sindicatos na política. Desta feita, o fim do CGT estava anunciado, pois, seria o momento de inaugurar no Brasil um sindicalismo democrático, “apolítico, sem pelegos palacianos ou moscovitas. Sindicalismo puro e simples, corpo intermediário a serviço da Justiça Social dentro do regime democrático”.219 As crescentes greves políticas e o fortalecimento do CGT estariam desmoralizando o 215

Tribuna da Imprensa, 2 de setembro de 1963, p. 1. Grifos meus. Correio da Manhã, 15 de setembro de 1963, p. 1. 217 Jornal do Brasil, 5 de setembro de 1963, p. 6. 218 Jornal do Brasil, 7 de setembro de 1963, p. 6. 219 Ibid. 216

governo, que sem autoridade democrática, necessitava, nas palavras do Jornal do Brasil, de uma “política de governo”.220 O aspecto político, na “política de governo”, estaria vinculado a uma atitude específica, pôr fim ao conflito político e assegurar o desenvolvimento e a paz social, reforçando o caráter dualista da avaliação política dos jornais.

2.2 A Revolta dos Sargentos

Acompanhando o avanço das reivindicações por uma democracia mais “substantiva”,221 uma parcela dos sargentos e suboficiais aguardava a decisão da Justiça sobre sua elegibilidade. Muitos haviam concorrido e sido eleitos em outubro de 1962, apesar de a constituição proibi-los de votar ou de concorrer a postos eletivos. Esta espera alimentava uma aproximação com reivindicações de outros grupos políticos que também desejavam um alargamento democrático. Esta aproximação entre militares de baixa patente e grupos sindicais e de esquerda colocou os oficiais militares em alerta. Pois, além de aumentar o coro das reivindicações “radicais” do CGT, isto representava um avanço da inquietação dentro das Forças Armadas. À medida que havia esta aproximação entre sindicatos e militares de baixa patente os Chefes militares tornavam-se mais intolerantes e temerosos das ações sindicais. Os sargentos e suboficiais rebelaram-se ao terem negado seu pedido de elegibilidade.

Seiscentos e cinqüenta sargentos invadiram edifícios dos

ministérios em Brasília, prenderam o presidente em exercício da Câmara dos Deputados e um Ministro do Supremo Tribunal. A Frente Parlamentar Nacionalista e o CGT apoiaram os sargentos e houve ameaça de greve geral em solidariedade aos militares de baixa patente. Esta solidariedade foi interpretada pelos jornais analisados como uma afronta aos Poderes da República e à democracia, pois forçaria uma intervenção enérgica das Forças Armadas ao invés 220

Ibid. GUIMARÃES, C. Vargas e Kubitschek: A longa distancia entre a Petrobrás e Brasília. In: CARVALHO, M. A. R. de; LESSA, R. República no Catete. Rio de Janeiro: Museu da República, 2001, p. 168. 221

de uma solução democrática. Os sindicalistas, que estariam agindo contra o Brasil e sendo solidários aos sargentos estariam, portanto, “favorecendo conscientemente o desencadeamento de reações em cadeia, no plano político-militar, absolutamente indesejáveis, porque o País quer a ordem dentro da normalidade democrática e sem qualquer excepcionalidade”.222 A menos em caso de exceção, a manutenção do regime deveria se processar dentro da normalidade. O presidente da República, segundo o Jornal do Brasil, estaria passando pela prova de seu comando sobre os sindicalistas, que fora contestado na greve geral de Santos. Esta seria sua oportunidade de demonstrar suas habilidades persuasivas. Exaltando as “públicas e notórias, as intimas ligações do Senhor João Goulart com a chefia sindical dos marítimos”,223 não poderia o presidente, uma vez empenhado, falhar. Novamente, ante um problema político, o impasse dos grupos solidários aos sargentos em prol do alargamento democrático, as qualidades pessoais de Jango, poder persuasivo e seu empenho, seriam suficientes para evitar uma falha. Caso a greve fosse deflagrada, apesar das gestões oficiais, “não [restaria] alternativa ao País e às suas Forças Armadas – senão aceitar a prova de força para romper o círculo de ferro convertido em ditadura sindical”.224 O jornal termina por alertar aos chefes sindicais que o desfecho desta prova de força, ainda que danoso, será a vitória da “da ordem democrática sobre a imposição sindicalista divorciada do País e dos interesses dos próprios trabalhadores brasileiros”.225 Este era um ambiente de crescente frustração dos grupos à esquerda do espectro político. Depois da intervenção na greve de Santos, revelando a intolerância dos militares frente às greves, e o discurso em tom de “conciliação” de Goulart no dia da independência, aumentaram as incertezas do apoio do governo às reivindicações da esquerda e seu conseqüente isolamento. Logo em seguida, a imprensa afirmou que o presidente “advertiu ontem as cúpulas sindicais de que, apesar de ser sensível aos movimentos de reivindicação dos trabalhadores, está disposto a prestigiar as autoridades constituídas e acatar, sistematicamente, as decisões da Justiça do Trabalho”.226 Junto com a crise, aumentavam as 222

Jornal do Brasil, 15 de setembro de 1963, p. 6. Jornal do Brasil, 15 de setembro de 1963, p. 6. 224 Ibid. 225 Ibid. 226 Jornal do Brasil, 12 de setembro de 1963, p. 6. 223

representações negativas do CGT e grupos de esquerda que apostavam nas greves e manifestações de rua como arma política. Indo de encontro ao sistema representativo, estariam cometendo uma ilegalidade e subvertendo a ordem, além de estarem “arrastando” homens pacíficos para seus propósitos “revolucionários” e “antidemocráticos”. Os reais culpados pela Revolta dos Sargentos seriam, segundo os jornais, os comunistas e agitadores. O desfecho desta rebelião ratificou a disposição dos líderes militares em não tolerar greves políticas desafiadoras da “ordem” e, portanto, ilegais. Revelou também que Goulart estava cada vez mais pressionado a não se omitir em relação às greves. Segundo o Diário de Notícias, “na realidade, o que se está vendo é a formação imediata de correntes de opinião as mais respeitáveis e representativas para verberar a inaudita aventura de Brasília e reclamar dos altos poderes da República a pronta e justa punição dos responsáveis”.227 Goulart, que estava no sul do Brasil, apoiou o ministro da Guerra e voou imediatamente para Brasília. Na capital federal o presidente afirmou que “o governo será sempre inflexível na manutenção da ordem e na preservação das instituições, respeitando e fazendo respeitar as decisões dos Poderes da República”.228 A partir da revolta em Brasília os jornais advertem sobre o perigo de este momento possibilitar rupturas institucionais e até a revolução. Com as lideranças militares pressionando o governo para o pedido de estado de sitio, o presidente insistia em tranqüilizar a opinião pública assegurando que não se valeria de tal medida. O jornal, Tribuna da Imprensa, ligava diretamente o presidente aos acontecimentos em Brasília. O acusava de insuflar os sargentos. Ainda dentro da representação de Jango como um bruxo, ou feiticeiro, o jornal cobra que se apurem as causas e responsabilizem-se os culpados, sejam eles quais forem, pois,

Não é possível que só os participantes dessa verdadeira revolta dos anjos, que foi o movimento dos sargentos, sofram as conseqüências. É preciso apurar, com severidade, quem é que está do outro lado da corda. O feitiço parece que virou contra o feiticeiro. Mas o que o país todo quer saber é o nome desses feiticeiros que usam a desordem, a demagogia e a ilegalidade para “enfeitar” as massas. Chegou a hora do exorcismo. E vai haver muito diabo conhecido, correndo com mais medo da farda verde-oliva do que propriamente da cruz. É só esperar.229 227

Diário de Notícias, 14 de setembro de 1963, p. 4. Jornal do Brasil, 13 de setembro de 1963, p. 6. 229 Tribuna da Imprensa, 13 de setembro de 1963, p. 1. 228

Era comum a crença na passividade das massas e do papel desordenador dos “agitadores comunistas”. A população brasileira seria tradicionalmente pacífica e ordeira. No entanto, diante da omissão e da conivência frente a estes “agitadores”, João Goulart tornava-se culpado por “enfeitar” demagogicamente as massas. A população era considerada como Público frente ao Palco dos acontecimentos políticos.230 Enfeitados pela demagogia do presidente e pela ilegalidade dos comunistas, os sargentos não deveriam sofrer as penas sozinhos. Mas o presidente, que não pretendia perder o então precário apoio das esquerdas, tentou dar um alento aos sargentos considerando, junto ao Congresso, a importância da solução sobre o problema da inelegibilidade deste grupo. Por esta atitude sofreu fortes ataques dos jornais, que consideravam o momento inoportuno para que se discutisse tal assunto. O Brasil não teria condições de “serenidade” para apreciar tal problema e “para encontrar uma fórmula capaz de evitar o contágio dos quartéis pela epidemia da política”.231 Neste sentido, o Correio da Manhã defendia o desenvolvimento econômico como forma de manter os quartéis livres da inquietação social e econômica. Pois, as Forças Armadas, que seriam incumbidas de garantir a segurança nacional, não deveriam ficar expostas às oscilações da política partidária, e seria necessário pôlos a salvo da inflação. Seria necessário torná-los imunes aos “germes que crescem no caldo da atual frustração do desenvolvimento”.232 Segundo este jornal, as instituições demonstram estabilidade, mas a democracia brasileira teria muito mais dificuldades para resistir ao caos econômico. Este seria o motivo das greves 230

Renato Janine Ribeiro identifica duas concepções de público que se entrechocam na política moderna. A primeira idéia se opõe a “privado”, tendo como sinônimo bem comum. Isto não significa que esta idéia esteja totalmente ligada à “estatal”. O segundo sentido, que a esta referência interessa, opõe-se a “palco”, tendo como sinônimo “platéia”. A partir desta idéia, de sentido teatral, o público possui menos valor que o palco. No primeiro sentido, para além da conceituação e do poder dado pelo sistema capitalista à esfera privada, o público deve valer mais que o privado. Seguindo em sua análise, refere o segundo sentido à cultura política do absolutismo que reduz a participação da sociedade na coisa pública ao papel de público passivo, espectador ao qual se nega a ação. Observando-se a “teatralização” da política neste momento, acredito ser possível a referência ao baixo valor das medidas de caráter público – opostas a privado – e a valorização das ações voluntaristas e individuais. Esquecendo o público pelo publicitário, era comum nas páginas de alguns jornais, como por exemplo, a Tribuna da Imprensa e O Globo, o noticiário ganhar contornos teatrais e sensacionalistas, orientados para fins privados. RIBEIRO, R. J. A Sociedade Contra o Social. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, pp. 101-104. 231 Correio da Manhã, 18 de setembro de 1963, p. 1. 232 Ibid.

anunciadas. “Seria um grande erro interpretá-las como conseqüência ou até o prolongamento do episódico levante de sargentos”.233 A crise militar deveria ser resolvida com rigor, embora sem excessos. Mas a verdadeira saída seria a solução da crise financeira e econômica. Esta postura do jornal atenuava o caráter político das reivindicações dos grupos de esquerda, demonstrava sua ineficácia frente aos “reais” problemas e, indicava que o caminho a ser seguido pelo governo deveria ser o da eficácia e da ordenação econômica. Mais uma vez Jango mantinha-se entre as cobranças por um posicionamento dentro do espectro político. Os jornais mantinham as cobranças pelo afastamento de Goulart da parcela “ilegal” do governo: Se os deploráveis acontecimentos desta semana em Brasília não forem já não dissemos o divisor de águas, o marco além do qual se muda de rumo, mas, muito mais simplesmente, a gota de água que faz transbordar o copo, então nada mais nos restará de lei, de ordem e de autoridade, e entraremos numa noite negra. Depois da qual estamos certos virá a aurora, mas à custa de sacrifícios angústias e cataclismos que podem e devem ser evitados, até porque estamos mais certos ainda que não será uma aurora vermelha.234

O Jornal do Brasil, já em setembro de 1963 pedia um “Basta!”. Para este jornal, não considerar a gravidade desta revolta contra a decisão de um dos Poderes da República, é tornar-se conivente com os “sublevados”. Seria tentar descaracterizar o sentido da revolta e suas conseqüências. Seria pretender, pelo abrandamento, “impedir a correção definitiva de um curso político antinacional, para continuar a segui-lo, como bem o demonstra a solidariedade da Frente Parlamentar Nacionalista aos sublevados”.235 Desta forma, o país seria levado não apenas a uma revolta, mas a uma Revolução. Defendia também que era chegada a hora de cobrar do governo o fim da manutenção de duas políticas em seu interior: “uma legal, sem eficiência e resultado administrativo democrático, e outra ilegal, visivelmente subversiva, montada nesse apêndice ilegal do governo, chamado Comando Geral dos Trabalhadores”.236 Este é o aspecto central que envolve esta crise. A decisão a ser tomada está posta entre governar na legalidade afastando-se das esquerdas subversivas, ou manter-se rumo à ilegalidade dos sindicatos e dos agitadores afastando-se do centro político. Neste Basta, deveriam estar presentes, 233

Correio da manha, 19 de setembro de 1963, p. 1. O Globo, 14 de setembro de 1963, p. 1. 235 Jornal do Brasil, 13 de setembro de 1963, p. 6. 236 Ibid. 234

organizadas, as Forças Armadas democráticas brasileiras com armas. A coexistência destas duas políticas estaria levando um governo empossado em nome da legalidade, para a ilegalidade. E na ilegalidade já estivera quando, “por complacência ou estímulo, por irresponsabilidade ou por cálculo”,237 prestigiou os movimentos “subversivos” da classe trabalhadora, com discursos e sua presença. O Correio da Manhã, diante destes acontecimentos, afirmava que a democracia brasileira era forte e nada poderia derrubá-la. Mantinham-se na lista dos que acreditavam que os problemas políticos pelos quais o país atravessava seriam sanados através de medidas de ordem econômica. Segundo o jornal, “a ordem deve ser mantida a todo custo. Mas a supressão da pregação revolucionária pela força física não é solução definitiva”.238 As reformas estruturais, processadas “dentro da ordem democrática” selariam a paz social e a tranqüilidade. O editorial termina citando a advertência feita pelo presidente norte americano John Kennedy à América Latina: “de que só tem hoje uma opção: a reforma ou a revolução”.239 Mais uma vez, os caminhos possíveis a serem seguidos pelo governo estariam divididos entre um bom e outro mau. Entre um legal e eficaz, e outro ilegal e subversivo. Já não era mais possível para o presidente seguir sem uma definição sobre os sindicatos e sua estratégia. Ainda que os jornais anunciassem que caso o clima de reivindicações das esquerdas continuasse, recorreriam a uma intervenção das Forças Armadas, criticaram a possibilidade do pedido de estado de sitio. Para os jornais, Jango já dispunha de poderes ordinários. O presidente não precisaria de poderes extraordinários para acabar com a “inquietação”. O jornal Correio da Manhã reiterou que o estado de sítio não deveria ser pedido em hipótese alguma, pois, os problemas de indisciplina militar deveriam, e poderiam ser resolvidos pelos Chefes das três armas. No setor civil, tampouco se deveria recorrer a medidas de exceção nem ceder aos “alarmistas” e “boateiros”. Pois “a suspensão dos direitos políticos ou civis ou a restrição dos direitos trabalhistas e sindicais não contribuiriam nada para devolver a tranqüilidade ao país”.240 Ao contrário, só “chegariam a intensificar o clima de revolta acumulando matéria explosiva para a

237

Ibid. Correio da Manhã, 15 de setembro de 1963, p. 1. 239 Ibid. 240 Correio da Manhã, 20 de setembro de 1963, p. 1. 238

próxima crise”.241 Desde o início do mês de setembro, nos jornais, havia a preocupação de Jango enveredar-se rumo a manobras a fim de permanecer no cargo de presidente da República. Em função de sua proposta ao Congresso para votar a emenda constitucional sobre a elegibilidade dos sargentos, o Jornal do Brasil declara que:

Para um bom entendedor, poucas palavras bastam. E é impossível deixar de estranhar o súbito e inoportuno interesse presidencial em reformar a constituição em capitulo tão delicado, pois o próprio Presidente é acusado de empenhar-se em causa própria, pela reforma do capitulo das inelegibilidades. Súbito e inoportuno interesse este sobre tema desinteressado há tanto tempo, oficialmente pelo Presidente, sabido que é estar a emenda constitucional dos graduados em longa tramitação no Congresso.242

Esta postura do presidente lhe causou a acusação de estar agindo em direção à oficialização da sublevação de Brasília, e de estar lançando um ultimato ao Congresso. Neste ultimato haveria duas escolhas a serem feitas: guerra civil ou golpe. Acreditava o jornal que Jango estaria forçando o Congresso a votar a emenda na Constituição sob a ameaça de, caso não fosse votada, aumentarem as sublevações. Ainda segundo o Jornal do Brasil, o governo estaria propondo, neste ultimato, sua política de reformas da Constituição. Acusavam o presidente de uma invasão de atribuições, pois, “em lugar de dedicar-se ao governo, dedica-se ao trabalho constituinte”.243 Além disso, o jornal afirma que o presidente da República “desafia o Congresso oferecendo-lhe a opção nua e crua da Reforma ou Revolução, ao mesmo tempo que encaminha as reformas de maneira inepta, denunciadora de sua conveniência com a Revolução, ou a opção previa pela Revolução”.244 Agora, o presidente, segundo os jornais, além de ser conivente com a subversão dos grupos à esquerda do espectro político, estava vinculado aos propósitos revolucionários. O interesse do presidente na questão das inelegibilidades, desta maneira, denotaria suas intenções golpistas de permanência no governo e sua omissão e conivência com os sublevados revelariam sua opção pela revolução. Ambas as opções dadas pelo ultimato seriam prejudiciais ao

241

Ibid. Jornal do Brasil, 14 de setembro de 1963, p. 6. 243 Ibid. 244 Ibid. 242

regime. Seja a reforma da questão da inelegibilidade que poderia levar ao golpe, seja pela guerra civil que poderia levar à revolução. Por isso, os jornais estavam anunciando que, em caso de necessidade, apoiariam uma intervenção das Forças Armadas para que fosse restabelecida a ordem. O estado de sitio possibilitaria a aquisição de poderes excepcionais ao presidente, que era suspeito. A intervenção militar, entretanto, deveria estar a cargo da democracia e do restabelecimento da ordem. As Forças Armadas em seus altos líderes estavam posicionadas acima de qualquer suspeita. Daí a preocupação dos jornais e dos chefes militares em extirpar os males da “epidemia política” dos quartéis. No entanto, os Ministros militares continuavam pressionando Jango para o pedido de estado sitio. No dia 19 de setembro, o comandante do II Exército, Gen. Peri Bevilacqua, lançou uma Nota de Instrução245 para ser lida nos quartéis sobre o problema da inelegibilidade dos sargentos. Esta nota condenava os soldados que se aliaram aos sindicalistas nas reivindicações sobre sua elegibilidade. A partir de agora um Chefe militar manifestava sua intolerância frente à ação subversiva efetiva dos militares de baixa patente, e não somente à sedução comunista e agitadora. As Forças Armadas estavam em alerta contra a invasão comunista na corporação militar. Diversos jornais e movimentos da sociedade manifestaram seu apoio ao general. Ao contrário, como não poderia ser diferente, o CGT pede sua exoneração do cargo. Mais uma vez Jango estaria dividido em meio a cobranças dos grupos à esquerda que lhe davam apoio político, e cobranças dos grupos conservadores que lhe ameaçavam “cortar sua cabeça”. Dentro do idioma político construído nos jornais, João Goulart estaria condenado a seguir as diretrizes de uma democracia representativa baseada na ordem e na tradição cristã do Brasil, ou tomar o rumo da desordem, consciente ou inconscientemente. As reivindicações dos grupos à esquerda, segundo os jornais, não poderiam ser nomeadas de reformas por seu caráter “revolucionário”. As reivindicações de uma democracia

245

No dia 19 de setembro de 1963, o Gen. Do II Exército Peri Bevilacqua, emite uma Nota de Instrução a fim de “reafirmar os conceitos emitidos anteriormente”. Estes conceitos, que foram afirmados em nota do dia 31 de julho de 1963, versavam sobre o problema da inelegibilidade dos sargentos frente a decisão do STF, sobre a unidade do Exército e o respeito à hierarquia e disciplina da corporação. A nota do dia 19 de setembro reitera o dever patriótico dos soldados de defender a Nação e a ilegalidade dos sindicatos e daqueles que a eles se aliarem. Afirma também o valor regime representativo e sua legitimidade no país. General Peri Bevilacqua. Nota de Instrução ao II Exército. 19 de setembro de 1963. Disponível em: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br/upload/documentos/25.pdf. Acesso em: 15 de abril de 2010.

com mais participação seriam taxadas pelos jornais de tentativas de subversão da ordem e proponentes do fim do regime. A radicalização política estaria formando grupos extremistas, à esquerda e à direita. Os jornais, portanto, apresentavam-se como enunciadores do caminho possível, do caminho do bom senso, da ordem, da democracia representativa cristã, do centro político, do qual estaria o povo brasileiro e deveriam estar as Forças Armadas. A Nota de Instrução declara que no exército “só existe uma classe una e indivisível - a classes dos militares, organizada em círculos hierárquicos, nela se incluindo desde o simples soldado ao general”.246 No regime democrático e nas suas instituições representativas “cabe aos partidos políticos apresentar os seus candidatos a cargos eletivos, e não a associações civis ou militares, representantes de classe”.247 Políticos representantes de classes, no entendimento do general, constituiriam “verdadeira distorção do processo representativo democrático, onde não há representação classista.”.248 Por isso, os sindicatos e suas greves políticas foram duramente combatidos pelo gen. Peri Bevilacqua em Santos, e a reivindicação pela elegibilidade dos militares de baixa patente. A união dos sargentos e suboficiais com os sindicatos significaria uma modalidade de representação que distorceria o processo democrático, que deveria manter-se representativo. O posicionamento rígido e intransigente frente aos sindicatos, apresentados como “inimigos da pátria e da lei” seria obrigação do soldado, que além de possuidor de uma tradição a zelar, deveria honrar o título de defensor de seu país. Estas declarações do gen. Pero Bevilacqua, que se tornaram públicas, iniciaram um debate no qual é possível compreender o papel atribuído aos militares no cenário político. Sobre a manifestação de Peri Bevilacqua, o Jornal do Brasil revela a opinião do ministro da guerra, gen. Jair Dantas Ribeiro.

O general Jair acha que não cabe aos chefes militares opinar sobre temas que não seriam os de sua especialidade. Reiterou que por isso, inclusive, não dá entrevistas nas quais seria quase inevitável ter que externar ou definir posições sobre assuntos de grande significação no momento nacional.249

246

Ibid. Ibid. 248 Ibid. 249 Jornal do Brasil, 1 de setembro de 1963, p. 6. 247

A opinião do militar deveria manter-se, portanto, em foro privado. Não devendo ser externada ou levada a público. Aos militares não caberia a entrada na discussão política. A manifestação das opiniões de Chefes militares levaria o cenário político ao desequilíbrio e à instabilidade, assemelhando-se à entrada dos sindicatos na política. Esta concepção corrobora com a concepção de Góes Monteiro sobre qual postura política deveria possuir o Exército, formulada na década de 1930. Seria admitida apenas a política do Exército, mas não a política no Exército.

250

O Gen. Jair Dantas chega a mencionar que não concede

entrevistas para não ter que tornar públicas suas opiniões. No entanto, cada vez mais oficiais conservadores do exército manifestavam suas opiniões sobre o movimento sindical e mostravam seu descontentamento com os rumos políticos do país. Seguindo na mesma direção, porém em sentido contrário, os sargentos e suboficiais buscavam seu espaço na política nacional através de sua elegibilidade. Sobre os sargentos e suboficiais, o general afirma concordar com sua elegibilidade desde que os militares eleitos retirem-se da atividade militar. Fica clara a opinião de que o soldado teria seu papel militar bem fixado no cenário político nacional não devendo “interferir” no debate político com suas opiniões ou ações políticas. Antes, os militares seriam os responsáveis pela manutenção da ordem democrática e da segurança do regime, devendo assumir, portanto, uma posição de neutralidade frente o processo político. O gen. Jair Dantas desejava controlar os trabalhadores e manter a ordem sem uma intervenção enérgica das Forças Armadas, Peri Bevilacqua, por sua vez acreditava que a intervenção se fazia necessária para extirpar os sindicatos da política.

2.3 O Pedido de Estado de Sitio: O isolamento de João Goulart

No início de outubro o polêmico governador da Guanabara, Carlos Lacerda, concede uma entrevista a um jornal norte americano, Los Angeles Times, na qual

250

CARVALHO, J. M. de. As Forças Armadas na Primeira República: o poder desestabilizador. In: FAUSTO, B. (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Difel, 1978. Volume 9, p. 214.

faz diversas acusações ao presidente João Goulart e pede deliberadamente a intervenção dos EUA na política interna brasileira. Goulart seria um caudilho que ameaçava o país com a subversão e a comunização. A investida de Lacerda forneceu a João Goulart a possibilidade de ceder aos ministros militares no pedido de estado de sitio e de quebra acenar com a possibilidade de intervenção na Guanabara e em São Paulo, governada por Adhemar de Barros. Segundo João Goulart, “Falsos defensores da ordem e agitadores ostensivos, a pretexto de reclamar a afirmação e o exercício da autoridade por parte dos poderes constituídos da República, conspiram contra a própria nação”. 251 Em nota, os ministros militares acusam Lacerda de agitador e conspirador. O CGT aproveitou para declarar seu apoio à nota dos militares, mas em contrapartida mostrou-se contrário ao estado de sitio, temendo por sua continuidade na vida política. Caso o estado de sitio fosse aprovado pelo Congresso, Goulart poderia utilizá-lo para uma intervenção na Guanabara e em São Paulo, governados por opositores de seu governo. Porém aos militares, esta medida serviria para intervir de maneira mais enérgica nos sindicatos e movimentos populares e na manutenção da disciplina nos quartéis. O pedido de estado de sitio foi rechaçado de parte a parte do espectro político brasileiro. Dentro do Congresso havia uma crescente desconfiança no presidente e de sua disposição de “agir” no sentido de acabar com a agitação. Sua omissão seria a causa da crise de autoridade, e esta crise levaria ao fim do regime. Não obstante, crescia nos jornais a desconfiança pessoal ao presidente. O estado de sitio era visto como a possibilidade de um golpe de Estado tal qual ocorrido em 1937. Sem o apoio inclusive de seu partido, Jango recua e retira o pedido de sitio três dias depois de sua apresentação ao Congresso. Os militares que haviam apresentado argumentos para o sitio continuavam achando-o necessário, mas em vista da forte resistência e da suspeita de ser usado contra as liberdades do povo, os militares não mais insistiram com a medida de exceção. A partir deste momento Jango estaria isolado no espectro político, sem o apoio da esquerda252 nem da direita. Os partidos do centro tentaram uma

251

Correio da Manhã, 3 de outubro de 1963, p. 1. Diante do pedido de estado de sitio de João Goulart, a FMP rompeu com o presidente, o ministro da Educação, Paulo de Tarso, renuncia a seu cargo. Contudo o CGT mantém seu apoio ao presidente e revela sua discordância com a FMP, pois, retirar-lhe o apoio seria “dividir a classe 252

reaproximação com o governo. O jornal O Globo, em editorial, apresenta o PSD como um partido acentuadamente governista. Neste editorial a valorização do centrismo político se nota com bastante clareza. Visando um reordenamento do governo ao centro do espectro político, este jornal afirma que o PSD “tem sido um elemento de equilíbrio e moderação na vida política brasileira, além de oferecerlhe alguns dos mais capacitados e brilhantes homens públicos de nosso tempo”.253 Mais uma vez relacionando à ordem ao patriotismo, declaram que: “atualmente a participação pessedista no governo deve ser entendida como um esforço para dar estabilidade ao País e evitar males maiores, como uma demonstração de patriotismo e espírito público.”254 A aliança PTB/PSD, segundo o jornal, foi possível no passado, mas a partir da aproximação de Goulart com CGT, PUA e UNE, o PSD retirou-lhe seu apoio. Acusa o PTB e a FPN de serem intransigentes nas discussões sobre a reforma agrária. Seriam, “as deles ou nenhuma”.255 Desta forma, o afastamento do PSD seria inevitável. Segundo o jornal a atual situação não poderia persistir,

Ou o presidente se afasta dos radicais, das esquerdas, do CGT, do PUA, da UNE, e adota, realmente, uma linha centrista, ou não poderá mais contar com o apoio do PSD, que desapareceria como força política se insistisse em sustentar um Governo que dá a impressão de querer ser a antítese de tudo aquilo que ele representa.256

O governo representaria – e deveria representar – a democracia cristã representativa, de baixa participação; sem a participação política dos sindicatos ou dos estudantes; orientada pelo bom senso e pela ordem; realizada de acordo com as características do centrismo político e afastada dos extremistas. Ao aliar-se ao CGT e à UNE, estaria tornando-se radical e ilegal. O radicalismo estaria relacionado ao horizonte de expectativas descolado do espaço de experiências conhecidas e controláveis. Os radicais estariam “resvalando” o Brasil para o desconhecido.

operária”. Desta forma, segundo Rafael Martinelli, não estaria se construindo uma unidade das forças populares. Última Hora, 18 de outubro de 1963, p. 8. 253 O Globo, 10 de outubro de 1963, p. 1. 254 O Globo, 10 de outubro de 1963, p. 1. 255 Ibid., p. 1. 256 Ibid., p. 1.

Dá-se conta o Brasil de que esta resvalando para o desconhecido. Ainda é tempo de impedir o pior. Anime-se o Sr. João Goulart e terá a auxiliá-lo não só o PSD, mas todas as pessoas de bom-senso. Continuar assim é que é impossível.257

Os jornais descreviam um ambiente de medo que relembrava o estado de natureza descrito por Hobbes. Segundo o Jornal do Brasil, as sucessivas crises no país seriam parte de um processo inexorável que,

Desgasta os corpos centrais e intermediários do poder político-social, exacerba a insegurança de todos e a desconfiança de todos em todos se generaliza, criando-se assim o clima que predispõe o indivíduo e cada classe ou grupo social a trocar a liberdade por um mínimo de segurança.258

Este caráter desagregador e instável das crises que o país atravessava fazia com que os jornais acusassem Jango em sua omissão. As crises deveriam ser evitadas ao máximo por seus perigos inerentes à ordem social e política. Diante das crises a segurança nacional deveria estar em primeiro lugar. A crise enquanto um momento de inquietação e instabilidade demandava uma atitude que reordenasse o curso “natural” das coisas afastando as possibilidades desconhecidas. Diante da instabilidade criada com a crise e com o medo de conspirações, os agitadores se aproveitariam desse caos e desse medo para agir.259 O pedido de estado de sitio foi lido pelos grupos políticos opositores de Jango como um possível golpe pessoal. O presidente foi acusado de criador de crises que justificariam uma intervenção golpista. Diante da lente política dos jornais e grupos políticos conservadores, a crise seria resolvida mediante uma atitude: o afastamento do governo das esquerdas “radicais”. Após o episódio do fracasso do pedido de estado de sitio, João Goulart, que fora abandonado pelas esquerdas da FMP, é cortejado pelo PSD para que se volte ao centro político. As reformas de base deveriam ser votadas dentro do núcleo político que possibilitaria um 257

Ibid., p. 1. Jornal do Brasil, 13 de outubro de 1963, p. 6. 259 O historiador francês Georges Lefebvre, ao analisar a crise do Antigo Regime, reflete sobre a importância do pânico amplamente propagado no período conhecido como o Grande Medo. As relações do medo com a conspiração política, as correntes do medo e os mensageiros do pânico, são aspectos declaradamente importantes para a ação revolucionária posterior, voltada contra a aristocracia. Neste sentido, dando mais ênfase ao caráter agregador da propagação do medo e sua relação com a conspiração, tanto conservadores quanto “agitadores” dispunham de elementos para temer o adversário e agir. “Uma violenta reação sucedeu ao pânico, onde, pela primeira vez, assinala-se a energia guerreira da Revolução e fornece à unidade nacional a ocasião de se manifestar e de se fortificar”. Ver LEFEBVRE, G. O Grande Medo de 1789. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1979. 258

consenso orientado pelos valores ideais, junto aos grupos políticos dotados de bom senso e dentro da lei. Segundo o Ministro da Guerra, as reformas seriam inadiáveis por conta das reivindicações da “maioria esmagadora do povo”. O ministro acreditava, entretanto, que o modus faciendi deveria ser encontrado “pelos poderes competentes”. Em um cenário político marcado pela crença na possibilidade de se chegar a um consenso que por sua vez se sobrepunha a quaisquer diferenças político ideológicas, a definição dos rumos que as reformas deveriam seguir, segundo Jair Dantas Ribeiro, seria encontrada “de maneira simples” mediante apenas uma consulta à lei.260 O debate político, aos olhos do militar, seria nada mais que um espaço no qual as decisões seriam alcançadas pela simples conferência das leis através do bom senso. Havendo equilíbrio entre os “especialistas da política” no que concerne suas opiniões políticas, o caminho político possível seria sempre um só, e este caminho seria indicado pelo bom senso e pelo respeito às leis. Esta concepção do Chefe militar não foge à visão dos jornais aqui analisados. Nos órgãos de imprensa também encontramos referência a uma ética política comum compartilhada pelos brasileiros. Este ponto em comum, que seria verificável através do bom senso e do sentimento patriótico, seria o respeito à lei. A legalidade, neste momento, confundia-se com a ordem.

Se estamos certos neste raciocínio deve haver, para todos os brasileiros, em que pese às suas divergências e antagonismos, um ponto comum de encontro. A nosso ver esse ponto de encontro, que une obrigatoriamente os divergentes e se sobrepõe a tudo o mais, é o religioso respeito à lei.261

Quando estes jornais tratam as divergências e antagonismos entre os diversos grupos políticos, o fazem entendendo-as como subordinadas a um fim único e possível, unidas ao mesmo princípio. Ao fim e ao cabo, este seria um ambiente primordialmente isento de conflitos, a despeito das divergências e antagonismos. Haveria um ponto de encontro, um consenso sobreposto, entre os grupos políticos proponentes de caminhos políticos razoáveis.262 Neste caso, os 260

Jornal do Brasil, 1 de outubro de 1963, p. 6. O Globo, 10 de setembro de 1963, p. 1. 262 Para John Rawls, as instituições democráticas manteriam sua estabilidade diante das grandes divergências sociais existentes a partir de um consenso social sobre algumas questões. Este 261

caminhos deveriam passar pela manutenção da ordem, da democracia cristã, da unidade do Brasil, e da emancipação lenta e inevitável dos trabalhadores à renda nacional. Mas, se entre os grupos políticos não houvesse um fim em comum e se suas propostas fossem irracionais, os antagonismos seriam tratados enquanto uma divergência moral e estariam, assim, fora do campo da política possível. Ou seja, havendo “desvio” do curso político do país, haveria também uma falha na atitude tomada. Em meio a um ambiente político marcado pela crise, a realidade estava confinada a um dualismo entre política e moral, estava em jogo tomar “a” decisão ao invés de se tomar decisões. A partir deste idioma político, atitudes políticas e atitudes morais, por estarem em campos distintos da experiência humana, deveriam ser combinados para o bom exercício da coisa pública. Dada a hierarquia dos aspectos morais em detrimento dos políticos, seriam necessárias atitudes razoáveis, a fim de compensar as instabilidades da política. Com o adensamento do debate político e uma pluralização cada vez maior do espectro político, os jornais acompanharam este movimento com a cobrança cada vez mais forte de um posicionamento moral. Isto reduzia o campo das possibilidades políticas aos deveres morais e ao razoável. O pensamento dualista encobre a decisão exigida diante do momento crítico. A partir deste dualismo, as expectativas dos grupos políticos significadas nos jornais estariam sujeitas ao julgamento moral. Caso não houvesse possibilidade de um fim em comum, de um horizonte de expectativas previamente conhecido, as escolhas divergentes seriam incompatíveis com o jogo político. E estes grupos e suas expectativas deveriam ser afastados da política. O destino do Brasil que, segundo os jornais, estava ligado ao progresso democrático e, sobretudo, ao desenvolvimento econômico, antecipava o fim da crise. O restabelecimento da ordem, ou seja, o retorno a uma situação previamente conhecida e fixada indicava que o horizonte de expectativas destes jornais estava mais próximo de seu espaço de experiências, diferentemente dos “radicais” que propunham a “revolução”, a “quebra da ordem”, a “agitação” a “desunião”, o consenso, que seria distinto das simples convenções habituais, seria o consenso sobreposto. Este tipo de consenso seria tributário de uma redução do conflito de valores na esfera política. Outro aspecto importante na teoria de Rawls, sobre o consenso sobreposto, é sobre a razoabilidade das vertentes políticas. O consenso sobreposto seria verificável apenas dentre as doutrinas razoáveis. RAWLS, J. Liberalismo Político. São Paulo: Ed. Ática, 2000, p. 190-196.

desconhecido. O fim da crise seria representado pelo “autêntico” caminho democrático em detrimento dos extremismos e radicalismos que levariam o país ao desconhecido. A manutenção do status quo era necessária, pois esta ordem representava a “vocação” da Nação brasileira. Em um trecho de um editorial do Jornal do Brasil intitulado, Para Onde Vamos?, a pergunta que intitula o editorial é feita à João Goulart em relação ao perigo do país ser desvirtuado para a “anarquia e para a guerra civil”. Falando a seus leitores e em nome da consciência do País, o jornal afirma:

Devemos tomar o destino nacional em nossas mãos, sem descambarmos para o fatalismo negro, e construirmos um futuro diferente do que está projetado na situação presente. Um país como o Brasil não pode deixar de ser o que deve ser, se os brasileiros assumirem o comando que lhes falta de cima para baixo e impuserem de baixo para cima o rumo que não querem nos dar.263

Evocando seus leitores a tomar o leme do destino nacional sem que, no entanto, se descambasse para o “fatalismo negro”, buscavam sair da crise presente e construir um futuro diferente. Este futuro por sua vez, não seria simplesmente diferente, deveria ser oposto à “anarquia”, à “guerra civil”, e à “ignóbil ditadura de esquerda ou de direita”. Dentro deste raciocínio, o futuro não deveria ser o do “fatalismo obscuro” nem desconhecido, mas a continuação do que o Brasil deveria ser. O processo político brasileiro deveria ser conduzido sem traumas ou grandes rupturas. As constantes acusações a Jango de omissão e ação frente às sucessivas greves e manifestações dos sindicatos levaram os jornais a cobrar que os brasileiros construíssem um comando de baixo para cima, visto que lhes faltava de cima para baixo. Aos brasileiros cabia impor o rumo para que o Brasil não se perdesse em seu caminho. Ainda que no editorial estivesse ressaltado que esta imposição exercida pelos brasileiros se orientasse de baixo para cima, tal exercício não passava por aspectos construídos dentro de uma lógica da participação política mais direta ou de um posicionamento político-ideológico.

Se tratando de um destino

preestabelecido, o fim da crise estaria anunciado no desenvolvimento, na manutenção da democracia representativa e através de uma postura serena e tranqüila. “As críticas e ataques contra deformações e limitações [ilegível] sistema

263

Jornal do Brasil, 1 de setembro de 1963, p. 6

representativo no Brasil constituem pretextos ostensivamente usados para extinguir o próprio sistema”.264 As demandas por uma ampliação democrática eram significadas como uma forma de extinguir o sistema representativo, e não passariam, portanto, de pregações antidemocráticas e subversivas. A estabilidade das instituições políticas brasileiras estaria diretamente relacionada à ausência de conflitos político-ideológicos e à presença de um consenso entre partes razoáveis. A partir da unidade lingüística criada em torno de alguns conceitos e o dualismo entre política e moral, criava-se, nos jornais, um idioma político dentro do qual seria possível um consenso. Aqueles que não se enquadrassem dentro deste idioma político e, por conseguinte, não seguissem os rumos preestabelecidos por estes valores e tradições estariam colaborando apenas para a desordem, agitação, subversão e para o fim do regime democrático. Fato importante a ser considerado neste momento é a ilegalidade do Partido Comunista, que possibilitará a identificação de quaisquer grupos políticos que mantivessem relações com o Partido, de ilegais e antidemocráticos. Os comunistas e os grupos à esquerda do espectro político, possuidores de um horizonte de expectativas descolado do espaço de experiências, estariam, desta forma, excluídos do campo da política. Assim, segundo entendemos, variam os processos, diverge-se a respeito das melhores soluções, polemiza-se quanto aos caminhos que mais convêm ao Brasil, mas todos – com a só exceção dos vermelhos – querem, de fato, servir a Pátria, honrá-la, e vê-la maior, mais rica e mais feliz.265

Ainda que grupos políticos considerados razoáveis se valessem de meios e mecanismos divergentes, e até polêmicos, estariam a serviço de um mesmo fim. O desejo de servir à Pátria e de vê-la mais rica e mais feliz. Havia assim os falsos democratas e os verdadeiros democratas, de parte a parte do espectro político. O comportamento incompatível com a política seria identificado aos extremistas radicais e irracionais. O caminho das negociações políticas, portanto, estaria limitado ao “centro político” razoável construído pelos jornais e afastado das extremidades, fossem elas de direita ou de esquerda. Os jornais a todo o momento alertavam para o perigo de golpes que poderiam vir destes extremistas. Contra a radicalização e os grupos extremistas, o 264 265

Ibid. O Globo, 10 de setembro de 1963, p. 1.

bom senso era evocado como meio de se produzir uma política “centrista”, única capaz de produzir consensos políticos e “desarmar os espíritos”. Acredito que neste ambiente discursivo a valorização do centro político era tamanha que analistas posteriores conferiram à quebra da aliança PSD/PTB um papel central no colapso do sistema político partidário e no fim do regime que culminou com o Golpe militar. Wanderley Guilherme dos Santos, na obra intitulada Sessenta e Quatro: Anatomia da Crise,266 além de privilegiar em sua exaustiva análise aspectos institucionais do sistema político partidário, por acreditar “que é sobretudo a estrutura do conflito político, em si, que importa para o resultado de qualquer outro conflito na sociedade como um todo”,267 sustenta que a crise política, necessariamente, terá que se manifestar no sistema partidário e no funcionamento do legislativo. Desta maneira questiona a tese de que a simples ruptura da aliança PSD/PTB tenha causado a instabilidade política que culminou com o fim do governo de Jango. O autor não compreende esta aliança como possibilitadora de alguma estabilidade, devendo, para este fim, ter apoio de outros partidos como a UDN, por exemplo. Chega a esta conclusão comparando dados de votações parlamentares no governo de Juscelino Kubitscheck. O que ocorreu, segundo ele, foi uma profunda crise do sistema partidário brasileiro, e não somente uma crise das alianças oriundas de sua instabilidade e facciosismo. A radicalização do espectro político esteve relacionada a uma crescente falta de compromisso dos partidos, de cooperação e negociação, culminando na paralisia decisória, forma mais provável da manifestação de crise política em um ambiente polarizado. A paralisia decisória seria o resultado da impossibilidade de grupos políticos gerarem consensos mínimos em torno de questões que eles mesmos seriam favoráveis. Ainda que não possuíssem um projeto alternativo os partidos votariam contra projetos de outros grupos políticos. Mediante a análise dos discursos políticos emitidos pelos jornais selecionados, foi possível perceber uma formulação teórica em torno da democracia que produzia um impasse moral na adoção de algumas posições políticas entre os vários grupos políticos. Ainda que houvesse um consenso em torno de valores democráticos, cristãos, em torno da justiça e do bem comum, à 266 267

SANTOS, W. G. dos. Sessenta e Quatro: Anatomia da Crise. São Paulo: Vértice, 1986. SANTOS, W. G. dos. Sessenta e Quatro: Anatomia da Crise. São Paulo: Vértice, 1986, p. 22

medida que estes valores fossem submetidos à disputa político-ideológica, as divergências apareceriam sob a pecha do “radicalismo”, da demagogia ou do desconhecimento da realidade. Só haveria possibilidade de consenso, ainda que mínimo, dentro de um idioma político preestabelecido por grupos políticos conservadores e veiculado pelos jornais. Desta feita, CGT, UNE, parlamentares à esquerda do espectro político, e, sobretudo próximos às reivindicações de reformas “radicais” e do Partido Comunista, estariam fora do campo político marcado pela possibilidade de um consenso, pois não compartilhavam de bom senso em suas ações. O governo de João Goulart, por conseguinte, foi afastado – e afastou-se – deste consenso. Haveria um núcleo lingüístico, construído com auxílio de alguns jornais, através do qual as ações políticas – possíveis e ideais – seriam verificadas. Caminhando a contrapelo, Antonio Lavareda em sua obra A Democracia nas Urnas268 apresenta a tese inversa de que, ao contrário, o sistema partidário estaria sofrendo um processo de consolidação e identificação eleitoral crescente e o cenário partidário estaria sofrendo um reordenamento.269 O autor reforça a importância dos veículos de imprensa escrita na relação entre eleitores e os partidos. Corroborando com as conclusões deste autor, acredito que a consolidação do sistema partidário da qual Lavareda se refere nesta obra, está inserida na discussão desta dissertação na medida em que, segundo o autor, “uma parcela amplamente majoritária do eleitorado dos grandes centros urbanos se 268

LAVAREDA, A. A democracia nas urnas: o processo partidário brasileiro. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora: IUPERJ, 1991. 269 As organizações à esquerda e à direita do espectro político-partidário sofreram reestruturações e novas orientações surgiram com tendências mais radicais. À esquerda o Partido Comunista Brasileiro (PCB), ainda ilegal, alcançara importante influência no meio sindical e no jogo político-partidário. Passou a adotar uma orientação revolucionária nacionaldemocrática, acentuando o caráter pacífico da passagem do capitalismo para o socialismo, reivindicou maior participação na democracia de seus quadros, que fizeram alianças com setores progressistas e com o governo de Jango. Em 1962 foi criado o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), por ex-dirigentes do PCB em decorrência da crise provocada pelas resoluções do Partido Comunista da URSS. Outros grupos mais radicais também surgiram. A Ação Popular (AP), com forte penetração nos meios estudantis, a Política Operária (Polop), as ligas camponesas, entre outros. À direita, os grupos organizaram-se em torno do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipês), do Movimento Anticomunista (MAC), da Tradição, Família e Propriedade (TFP), do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), do Grupo de Ação Patriótica (GAP). Interessante perceber, nos grupos à direita, suas vinculações com democracia, patriotismo, anticomunismo, família, propriedade, tradição, conceitos caros ao idioma político dos jornais. Para uma coleção detalhada sobre estes grupos, sua origem e atuação, ver ABREU, A. A. de; BELOCH, I; LATTMANWELTMAN, F. e LAMARÃO, S. T. de N. (Coordenação). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós -1930. Rio de Janeiro: Editora FGV; CPDOC, 2001, p. 1629..

autoposicionava ao centro”.270 O autor reconhece as ambigüidades deste centro e suas ligações com a tradição católica, com o anticomunismo e com o Reformismo. Ambos os aspectos orientavam-se por valores ideais, criavam um consenso moral possibilitador desta ambigüidade. Voltando às reflexões de Lavareda, termina por afirmar que a radicalização e a polarização não passariam de uma “nítida opção de setores das elites, à esquerda e à direita, pelo recurso à radicalização, em prejuízo das regras democráticas vigentes”.271 Com a crescente politização e adensamento do debate político ideológico no Congresso e nas ruas, grupos conservadores agiram em direção à moralização da política. Temendo a ampliação democrática personificada na “luta de classes” e no conflito de idéias políticas, estes grupos inventaram tradições promotoras da unidade, da harmonia do povo brasileiro e na inexistência de classes. Significaram a democracia enquanto um regime harmonioso e isento de conflitos, no qual ações políticas potencialmente ordeiras e serenas tornavam-se imprescindíveis. Buscando atenuar as escolhas político-ideológicas que se pluralizavam e se consolidavam, construíram um discurso político moralizado que se fechava em uma escolha apenas, em um caminho possível, aquele que levaria o país a cumprir seu destino e atuaria na moralização da administração política, tão reivindicada na última campanha presidencial em 1960. Constrói-se uma política sem o político, pois, o conflito político-ideológico, visto como negativo, deveria ser extirpado da vida política. E é neste ponto que as regras democráticas vigentes sofreram prejuízo e aumentaram as possibilidades de sucesso do Golpe. Note-se que ao entenderem o conflito como uma instância negativa dentro do regime o faziam de acordo com um consenso liberal, onde a neutralidade deveria imperar entre as instituições democráticas e dentro de um núcleo político dotado de bom senso. Dentro deste esquema, a participação estaria para o vício na mesma medida em que a representação estaria para a virtude. A estabilidade das instituições estaria vinculada a engenharia jurídica das formas democráticas, que por sua vez, estaria a cargo de ser o dique contra as contingências. A ação esperada seria a ação econômica, eficaz na emancipação dos trabalhadores à renda nacional. A crescente politização do debate público, a crescente mobilização sindical e de grupos desejosos de mudanças estruturais profundas verificadas na 270 271

LAVAREDA, A. Op. Cit, p. 182. Ibid., p. 182.

segunda metade do ano de 1963 representariam, às Olivetti dos jornais, a contingência a ser controlada. A decisão exigida pelo momento crítico estava posta: a contenção das reivindicações por uma democracia mais densa e participativa e por reformas “radicais”, lidas e descritas, ambas, como ilegais. Ao ser abandonado por alguns grupos à esquerda após o pedido de sitio, Goulart foi compelido pelos conservadores a voltar-se para o centro político e abandonar de vez sua base eleitoral estudantil, sindical e operária. Caso aceitasse, estaria frustrando ainda mais as expectativas reformistas destes grupos e jogando fora uma base de apoio que se mostrara poderosa em 1962, quando obteve apoio do dispositivo militar na luta pelo plebiscito. Os grupos à esquerda por sua vez, a partir do pedido fracassado de estado de sitio, radicalizam-se e cobram de Jango uma postura efetiva e condizente com seu apoio ao longo do governo. Quando, no início de 1964, João Goulart opta pelo rumo de sua base eleitoral de apoio, pela democracia reivindicada na praça pública, pelas mudanças estruturais críticas ao status quo, entra de vez para ilegalidade e perde sua soberania, comete um crime ao afastar-se da lei. Nas possibilidades abertas ao presidente diante da crise e significadas entre crime ou lei, não restava a João Goulart muitas alternativas, já era tarde demais. Grupos políticos conservadores e os jornais pedirão a intervenção “moderadora” das Forças Armadas, ainda mais coesas contra a inquietação social e militar, pela manutenção da ordem. Esta intervenção, endossada pelos conservadores e cobrada pelos jornais, será chamada de “Revolução” pelos militares, que tomarão os rumos da política – sob a política do Exército – de cima para baixo e serão criticados pelos jornais e grupos políticos defensores da manutenção da democracia representativa das reformas graduais e moderadas e da legitimidade do Congresso diante de sua irrevogabilidade e autoritarismo. Também, para os jornais e grupos políticos conservadores, seria tarde demais.

3 A Queda de João Goulart e o fim da democracia 3.1 A Bandeira das Reformas: o Presidente, suas vítimas e seus Opositores

Em março de 1964 a radicalização dos brados por reformas e a crescente mobilização dos grupos políticos à esquerda simpáticos ao presidente João Goulart representou, em contrapartida, nas páginas dos jornais, uma cruzada pela posse da bandeira das reformas e da defesa da democracia e o aumento do temor anticomunista – antes, os comunistas eram vistos como um perigo efetivo apenas por alguns. Diante de seu isolamento político em fins de 1963 Jango não poderia prescindir do apoio dos grupos extra-parlamentares na consecução das reformas de base, sua maior bandeira política. Os jornais analisados, que em fins de 1963 já cobravam de Jango um posicionamento claro em relação a tais grupos, não aceitariam uma guinada à esquerda do presidente. Este capítulo procura demonstrar como os jornais, neste momento, tomaram posse da bandeira das reformas e da defesa do regime democrático e agiram no sentido de justificar a intervenção militar em um governo ilegal. Procura discutir, também, a teoria democrática construída nos jornais ao longo do governo de Jango que enfatizava aspectos morais em detrimento de aspectos políticos, que contribuiu para o desfecho dado pelos militares na aprovação do Ato Institucional Nº 1. No dia 9 de março, o Jornal do Brasil ataca o presidente e afirma que seus propósitos reformistas não passam de mistificação com o intuito de utilizar as legítimas reivindicações sociais para obter resultados políticos personalistas. Jango não havia aprovado a emenda de Aniz Badra, deputado do PDC, sobre a Reforma Agrária causando a revolta do jornal e a crítica de suas intenções reformadoras. O jornal, então, conclama os partidos, inclusive o PTB, a se revoltar contra o “caudilhismo” de João Goulart. “Esta é a hora da rebelião no PTB autenticamente reformista contra o caudilhismo anti-reformista”.272 No apelo

272

Jornal do Brasil, 8-9 de março de 1964, p. 3.

ao partido do presidente são evocados os reformistas “autênticos” contra o caudilhismo anti-reformista de João Goulart. Segundo o jornal, esta também seria “a hora do PSD, moderador do regime, salvar o regime mostrando que ser conservador não é ser reacionário”.273 O PSD, que aparece como moderador do regime por seu centrismo político, é convocado a manter a estabilidade democrática e salvar o regime. Jango é isolado dos partidos políticos. Aos partidos políticos caberia salvar o regime do “caudilho”. Esta seria a hora de aprovar as reformas “politicamente viáveis na sistemática da democracia representativa”,274 ou seja, através do Congresso. “A única reforma pretendida pelo caudilho é aquela que prorrogará seu mandato”.275 Desta maneira, antes mesmo do Comício pelas Reformas, que aconteceria quatro dias depois, Jango era caracterizado como um “caudilho” anti-reformista que utilizava a bandeira das reformas em prol de sua permanência no poder. Neste mesmo dia, anunciaria em cadeia nacional de rádio e televisão, um plano de saneamento financeiro que visava à contenção da inflação e ao reescalonamento da dívida externa. O presidente bem que tentou pronunciar-se sobre os valores cobrados pelos jornais, mas sem sucesso. Entre seus objetivos estava a tentativa de amenizar o clima de intranqüilidade que estaria sendo amplamente explorado por grupos políticos e especialmente por alguns setores da imprensa em virtude da proximidade do Comício. Frente à conspiração, outra conspiração orientada para o restabelecimento da ordem admitia-se. Diversos jornais festejaram o tom sereno e moderado do discurso do presidente. O jornal O Globo chega a afirmar que, O Sr. João Goulart que está sendo bem assessorado em matéria financeira, não o está no caminho político, pois não foi, certamente, bom o conselho que o levou a aceitar o convite do CGT para falar no palanque erguido à sombra do Ministério da Guerra.276

O jornal lamenta o comparecimento do presidente no evento organizado pelo CGT e deixa clara sua postura crítica em relação à maneira pela qual Jango vai falar ao povo brasileiro. Para o jornal os palanques de comícios não seriam os locais apropriados para um presidente discursar ao país. Além disto, ao emprestar 273

Jornal do Brasil, 8-9 de março de 1964, p. 3. Ibid. 275 Ibid. 276 O Globo, 11 de março de 1964, p. 1. 274

sua autoridade a grupos ilegais, em manifestações ilegais, comprometendo inclusive as Forças Armadas, que lá estariam para protegê-lo, o presidente afastava as possibilidades de colaboração da maioria dos parlamentares para seus projetos de reforma.277 Apesar disto, João Goulart afirmou que continuava a “assistir à deformação de seus elevados propósitos reformistas, quando todos sabem de seu empenho em resguardar a paz da família brasileira e os valores democráticos, sendo fiel às tradições cristãs de povo”.278 O jornal confirma que o presidente

Tem manifestado, seguidamente, estes propósitos e intenções, mas de que adianta fazê-lo, verbalmente, se depois se deixa levar aos comícios em que os mais notórios agitadores pregam a subversão e a violência, atacam o Poder Legislativo e injuriam as instituições democráticas?279

O posicionamento cobrado significava concretamente seguir o caminho político do centro, afastado dos radicais. Significava agir de acordo com os postulados dos jornais e de grupos conservadores. Para o jornal, ao presidente não bastava afirmar seu empenho em resguardar estes postulados. Para além de pronunciar-se em favor da família, dos valores democráticos e das tradições cristãs, o presidente deveria renunciar ao apoio de suas bases eleitorais extraparlamentares e concorrer para a discussão das reformas – moderadas – através do Congresso e nos marcos da democracia representativa. Os jornais concordavam que as modificações na estrutura sócio-econômica deveriam ser implementadas através do Congresso, portanto, por via democrática. O Comício pelas Reformas segundo os jornais seria uma maneira de deslocar a discussão do âmbito parlamentar para a praça pública e subverter a ordem do regime representativo. O Correio da Manhã afirma que: O Congresso é o corpo político por excelência do país e o único foro competente para discussão séria e a solução definitiva dos grandes problemas nacionais. Mas dos dois lados, da esquerda e da direita, pretendem arrancar do Congresso esta sua maior prerrogativa (...) só os golpistas irresponsáveis, inspirados por péssimas intenções, chegariam nesta hora a atacar o Congresso (...) Do Congresso depende o atendimento das reivindicações e reclamos da Nação por meios legais, sem perturbação da ordem jurídica. (...) Ele deve assumir a liderança da política

277

O Globo, 11 de março de 1964, p. 1. Ibid. 279 Ibid. 278

nacional. Não pode abdicar deste dever, ou melhor, deste encargo que lhe deu o povo.280

A liderança da política pelo Congresso era caracterizada como uma obrigação que lhe foi conferida pelo povo. Retirar-lhe esta prerrogativa de decisão sobre os problemas nacionais seria obra do golpismo de extremistas. Mais uma vez os grupos posicionados à esquerda e à direita do espectro político eram taxados de golpistas em potencial restando ao centro político manter a estabilidade, a moderação e a salvaguarda do regime. O centro político por diversas vezes neste idioma político dos jornais esteve vinculado à lei. O Correio da Manhã afirmaria em outro editorial que “os radicais da direita e da esquerda não sensibilizam as grandes massas da população brasileira”.281 Era comum nos jornais a afirmação de que os radicais, não “seduziriam o povo”, que era de centro e legalista. O jornal enfatiza a importância do Congresso dentro do regime representativo. Esta centralidade era evocada desde a posse de Jango em 1961. As reformas, que agora passariam a ser defendidas e reivindicadas com mais ênfase pela oposição, eram tidas como essenciais ao desenvolvimento da nação, mas deveriam processar-se pacificamente. Para além do projeto e da natureza das reformas, o fundamental era que os trâmites do Congresso fossem respeitados e se seguisse a orientação do centro político, distante dos extremistas e radicais. Da mesma forma, o Correio da Manhã acreditava que seu posicionamento ao lado da lei, acima de tudo, asseguraria a contenção do crescimento da radicalização política. Para o Diário de Notícias a radicalização política era proveniente do uso da bandeira das reformas com propósitos escusos, e esta radicalização oferecia riscos à democracia brasileira. “Não é mais possível fechar os olhos para os riscos que corre o país e, em particular o regime democrático, com a crescente radicalização política que vai abrangendo todos os setores da vida nacional”.282 Segundo o jornal criava-se, intencionalmente, um clima de tensão e ameaça à legalidade que se somava à diluição da autoridade do governo federal e ao aguçamento das paixões. Desta maneira, as reformas preconizadas por João Goulart e seus aliados

280

Correio da Manhã, 10 de março de 1964, p. 6. Correio da Manhã, 11 de março de 1964, p. 6. 282 Diário de Notícias, 12 de março de 1964 p. 4. 281

perdiam o caráter legal e razoável, contribuindo apenas para a subversão da ordem democrática e da agitação sem intenções verdadeiramente reformistas. Fala-se então, como numa camuflagem, em reformas de base. Mas como não são estas, de fato, que movem a agitação, cuida-se logo de subordiná-las a uma imperiosa necessidade de reforma da constituição e de legalização do partido comunista. A nação no que tem de mais consciente e responsável, opõe obstáculos a consecução deste projeto.283

Jango estaria interessado apenas em reformar a Constituição em proveito de sua permanência no poder e da legalização do Partido Comunista. Estaria em curso uma conspiração contra o regime. Ainda neste trecho, o Diário de Notícias lança mão de um argumento muito utilizado neste momento pelos jornais para caracterizar a oposição ao presidente e suas reformas. A posse da consciência, da responsabilidade e da racionalidade, caracterizaria os opositores da crescente subversão da ordem e da agitação. A Nação consciente posicionava-se contra o presidente e não se deixava enganar frente à demagogia e à conspiração. O clima criado pelos “agitadores” buscava levar a população a Confundir esta resistência às distorções políticas e institucionais, a uma reação ao desenvolvimento do país e ao atendimento dos reclamos de justiça social lançados com aflição pelas camadas mais desfavorecidas da população. Sofrem as classes produtoras, diretamente o desafio dessa provocação.284

O jornal procurava garantir que os opositores de Jango não fossem taxados de não desejar as reformas ou serem reacionários. Era necessário neutralizar as críticas feitas pelos grupos de esquerda que acusavam os conservadores de defender a manutenção dos privilégios e o impedimento do progresso e do desenvolvimento. Obtiveram sucesso em dissociar o conservadorismo de simples reacionarismo285 não interessado em modificações estruturais. Em Reformas contra Reformas,286 publicada em 1963, no calor das discussões sobre as reformas, Wanderley Guilherme dos Santos alertava aos progressistas que a tese de que os setores “reacionários” não desejariam as 283

Diário de Notícias, 12 de março de 1964 p. 4. Ibid. 285 Aqui, refiro-me à diferença entre o conservadorismo e o tradicionalismo apresentada por Karl Mannheim, na qual o autor estabelece que o “comportamento tradicionalista é quase que totalmente reativo. O comportamento conservador é significativo, e é ainda mais significativo em relação às circunstâncias que mudam de época pra época”. MANNHEIM, K. O Pensamento Conservador. In: José de Souza Martins. Introdução Crítica à sociologia rural. São Paulo, Hucitec. 1986, p. 105. 286 SANTOS, W. G. dos. Reformas Contra Reformas, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1963. 284

reformas e apenas os setores progressistas as desejavam, era falsa. Segundo o autor, a “necessidade das reformas, antes de ser uma questão de vontade dos grupos sociais, é uma imposição do desenvolvimento objetivo dos fenômenos econômicos e sociais”.287 O autor identifica nos grupos à esquerda uma postura “romântica”, expectadora de que se realizassem as “verdadeiras” reformas. Prossegue alertando que, Enquanto assim se perdem dirigentes pequeno-burgueses, em acadêmicas disputas sobre quais seriam as “verdadeiras” e quais seriam as “falsas” reformas, sucedem-se os acordos entre as cúpulas conservadoras e reformas de uma certa natureza vão sendo ensaiadas, independentemente de que os políticos professores considerem-nas ou não “verdadeiras”.288

As reformas, que diferenciavam-se por seu caráter progressista ou reacionário, deveriam ser discutidas através de sua natureza e amplitude, não pela vontade de realizá-las dos adversários. O autor salienta que, para a expansão industrial e o aumento da produção agrária, diversas alternativas programáticas se abriam. Criticava, desta maneira, a estratégia que encaminhava o debate sobre as reformas sob os aspectos morais ou que procuravam excluir da agenda propostas de grupos políticos “negativos”. Pode-se considerar que dentro de um contexto lingüístico marcado pela lógica dual, os jornais valeram-se de estruturas argumentativas semelhantes às esquerdas apontadas por Wanderley Guilherme dos Santos. Jango e seus aliados não seriam defensores dos “verdadeiros” desejos e aspirações do povo brasileiro. “Camuflados” em sua bandeira de reformas agiam por interesses personalistas subversivos opostos ao regime. Ainda que sob o aspecto político do regime representativo suas reformas fossem acusadas de ilegais, aspectos de ordem moral eram evocados neste debate. Era preciso apresentar, frente à bandeira das reformas de João Goulart, uma alternativa reformista verdadeiramente democrática, eficaz e razoável para o desenvolvimento da Nação. Seguindo esta estratégia, o Diário de Notícias menciona um manifesto publicado por um grupo representativo de empresários após um encontro na Associação Comercial do Rio de Janeiro. A “Mensagem ao povo brasileiro” era apresentada como a resposta das classes produtoras ao sofrimento e ao desafio da 287 288

SANTOS, W. G. dos. Reformas Contra Reformas, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1963. Ibid, p. 21. Grifos do autor.

agitação, e daria conta de “colocar o país a par das maquinações que se processam contra o regime e contra as liberdades fundamentais”. Desta forma,

Vêm agora, estas vozes representativas de várias partes do território nacional, em seu manifesto, definir a sua exata posição em relação a essas reformas e dizer que não está defendendo privilégios e sim a integridade do regime democrático que reclama a execução de reformas de base, não como forma de subversão da ordem constituída, mas como processo legal de ajustamento da atual estrutura econômica aos anseios de desenvolvimento de justiça social do povo brasileiro.289

O manifesto também será comentado pela Tribuna da Imprensa, que afirma se tratar de uma mensagem na qual as classes produtoras se propunham a desfazer as “intrigas do Sr. João Goulart” manifestando uma posição reformista, progressista, sem se desviar, contudo, do caminho da legalidade democrática. Neste sentido, criava-se a oposição das propostas janguistas, falaciosas e causadoras de intrigas e mistificações, para com as propostas das classes produtoras, eficazes e cônscias, pautadas na legalidade democrática. Apagava-se também, por outro lado, as clivagens temporais – da natureza e amplitude – entre os programas de reformas. O projeto reformista dos opositores ao presidente e seus aliados era apresentado como progressista afastando as acusações de reacionarismo e retrocesso. As reformas defendidas pelas classes produtoras mencionadas na mensagem também realizariam as modificações necessárias das estruturas “caducas”. O jornal menciona que:

Em seu manifesto, as classes produtoras defendem a manutenção da legalidade democrática (...) sabem perfeitamente que a legalidade é condição indispensável no encaminhamento e execução das reformas. Isto é, só a democracia, possibilitando a substituição dos demagogos e incapazes pelos governantes cônscios de seus deveres e responsabilidades, poderá promover a modificação das estruturas caducas.290

Tanto o Diário de Notícias quanto a Tribuna de Imprensa, além de apresentarem a mensagem deste grupo como a voz uníssona das classes produtoras nacionais, procuram colocá-la ao lado da democracia, do progresso, da Constituição e da legalidade. Constrói-se assim, um quadro no qual o presidente João Goulart e o governo estariam em oposição a estes princípios, em especial à

289 290

Diário de Notícias, 12 de março de 1964, p. 4. Tribuna da Imprensa, 12 de março de 1964, p. 1.

legalidade e à Constituição. Invertem-se as críticas feitas aos conservadores mencionadas por Wanderley Guilherme dos Santos. As reformas eram realmente desejadas pela Nação, o presidente e seus aliados apenas conspiravam contra o regime. A Nação consciente e democrática, por sua vez, estaria contra o presidente. O caminho para a realização das reformas era reivindicado pelos conservadores. Sob a acusação de pretender ultrapassar os limites constitucionais entre os Poderes da República ao requerer poderes constituintes, o presidente é atacado pelo Jornal do Brasil, pois,

Como chefe do governo que administra o País, tem o evidente direito de fazer o diagnóstico da crise brasileira e de propor os remédios que lhe pareçam os mais adequados, desde que não queira transpor os limites constitucionais. O que se lhe nega é a veleidade de possuir as fórmulas da terapêutica absoluta e de ser o único doutor à cabeceira do enfermo.291

O bloco opositor ao presidente João Goulart entra de vez na batalha pela bandeira das reformas. E entra nesta luta alegando que a diferença básica entre as suas reformas e as “supostas” reformas de Jango, estava representada no caráter democrático e legal destas medidas. As reformas de João Goulart não passavam de mistificações utilizadas com o fim de derrubar o regime democrático. Para a realização das reformas dos conservadores, não haveria necessidade de modificar a Constituição de maneira a subverter o regime político. A partir de agora o presidente não seria o único a possuir a “terapêutica” e as “fórmulas” para a crise brasileira. Pelo contrário, os jornais demonstram que os caminhos apontados por Jango não passariam de mistificação demagógica para a derrocada do regime, enquanto a bandeira das reformas democráticas, pela via legal do Congresso, estaria de acordo com as verdadeiras aspirações do povo e com o destino da Nação. A parcela menos favorecida da população brasileira, ao longo do governo de João Goulart, é por diversas vezes apresentada pelos jornais como uma vítima frágil da demagogia dos políticos corruptos. Os demagogos, através da manipulação e da mistificação, estariam apenas interessados em obter resultados eleitorais sobre os menos favorecidos. Esta parcela da população, aflita, clamava pelas reformas e por justiça social. Dentro deste idioma político a qualidade que a

291

Jornal do Brasil, 17 de março de 1964, p. 3.

justiça social possuía esteve vinculada ao universo econômico da necessidade e não da ação política.292 A justiça social, caracterizada pelo acesso à educação, saúde, moradia e trabalho, por exemplo, chegaria à parcela menos favorecida da população através do processo de desenvolvimento econômico e não da negociação política. No processo político esta parcela seria apenas vitima da demagogia. O desenvolvimento econômico, entendido numa lógica históricofilosófica traria a justiça social de maneira gradual e pacífica. Segundo o Jornal do Brasil, Jango estaria disposto a reformar a Constituição a fim de implantar no país outra ordem social e econômica.293 Em seu discurso, o presidente contraria a concepção dos jornais e enfatiza que a ordem social e econômica vitimava a parcela menos favorecida da população. Diante disso, havia a necessidade de modificá-la com reformas. O Jornal do Brasil afirma que todo o país é reformista, e, contrário ao modo pelo qual o presidente encara as reformas. A Nação desejava as reformas jurídicas que ajudariam o desenvolvimento econômico e a distribuição justa. Desta maneira, desejava a elevação dos níveis de vida dentro da ordem econômica e social em que vivem. A mesma ordem que proporcionou, “até o primeiro ano nefasto de presidencialismo sob o Sr. João Goulart, uma das maiores taxas de desenvolvimento e de renda per capita do mundo”.294 Esta ordem só parou de render os frutos possíveis a partir da guerra imposta pelo próprio presidente e de sua ineficácia econômica. Conclui o jornal:

As causas da crise não devem, portanto, ser encontradas na ordem social e econômica. Devem ser e serão encontradas na campanha política subversiva e personalista do Presidente da República contra a ordem vigente. Nessa campanha, agora no auge, está a causa de todos os males que nos afligem no momento. Diante disso e da lança plantada à entrada do Congresso, este deve reagir sem medo, mas com inteligência. Isto é: em consonância com a verdadeira vontade 292

Considero que havia, nas páginas dos jornais, uma divisão estabelecida entre a economia e a política que muito se assemelhava à divisão entre o domínio do oikos e da polis. No entanto, seus respectivos integrantes estariam alocados de acordo, não com sua “liberdade” para tomar decisões na ágora, mas por sua racionalidade e conseqüente preparo. Aos trabalhadores caberia trabalhar, como um dever orientado para o progresso da Nação, bem como um direito de acesso à renda nacional e à justiça. À elite política, representante da população, caberia o direito de deliberar politicamente e o dever de dirigir o processo de desenvolvimento e emancipação política e econômica. Neste sentido, o direito à deliberação política estaria limitado aos políticos detentores de bom senso e racionalidade, cabendo aos demais cidadãos formar governos e esperar que o processo econômico agisse em direção à justiça social. 293 Jornal do Brasil, 17 de março de 1964, p. 3. Grifos do jornal. 294 Jornal do Brasil, 16 de março de 1964 p. 6.

reformista do povo brasileiro, tal como ela [ilegível] a ordem não significa substituí-la, significa mantê-la, revigorando-a através das reformas no sistema jurídico aconselháveis para o fim do progresso e da justiça social.295

As reivindicações dos grupos à esquerda pelo voto dos analfabetos, aspecto desvinculado das necessidades econômicas, era negado veementemente pelos conservadores sob o argumento da incapacidade destes indivíduos decidirem os rumos políticos da Nação. Seriam incapazes de agir politicamente com bom senso e restava-lhes esperar a obra do desenvolvimento econômico. A parcela subalterna da população é proposta, neste sentido, como ativa economicamente, e passiva politicamente. Caso o voto fosse franqueado aos analfabetos, os jornais acreditavam que os políticos demagogos levariam vantagem no pleito pela obra da mistificação e do engodo político. Alertavam que esta medida, disfarçada de reforma, seria nada mais do que uma manobra eleitoreira. Segundo o Diário de Notícias, o analfabeto seria “presa inerme para mistificadores e demagogos, verdadeiros estelionatários políticos, que facilmente o ludibriarão e o porão a serviço de seus interesses pessoais. Precisa ser protegido”.296 O jornal cita João Goulart entre os defensores do voto do analfabeto e critica os políticos que se apóiam nas “massas apenas semi-alfabetizadas”. Esta postura tornava a ação política de João Goulart ilegítima. Denunciam que esta medida serviria para aumentar “seus currais eleitorais” em busca de uma vitória fácil no pleito. Cabia à parcela consciente e responsável da Nação proteger esta parcela da população dos mistificadores. Esta perspectiva abre a possibilidade para a discussão da representação feita pelos jornais dos políticos que mantinham em suas bandeiras a atenção às necessidades econômicas das parcelas menos favorecidas da sociedade. Aqueles políticos que além de se apoiarem nestas parcelas, propunham que através de sua ação política seriam solucionadas suas carências, estariam corrompendo o regime. Ao regime democrático caberia substituir os demagogos por políticos capazes e cônscios de suas responsabilidades.297 Para tal, era necessário contar com o voto consciente. A solução das desigualdades materiais, ao contrário, seria obra da ação econômica, mais eficaz e neutra.

295

Jornal do Brasil, 16 de março de 1964 p. 6. Diário de Notícias, 11 de março de 1964, p. 4. 297 Tribuna da Imprensa, 12 de março de 1964, p. 1. 296

A legalidade democrática, estável e moderada, seria o ambiente propício para a realização das reformas, mas o desenvolvimento econômico – e só ele – cumpriria o papel de emancipar os trabalhadores e minimizar o sofrimento material da população. A emancipação do trabalhador brasileiro deveria ser efetivada rumo a uma maior participação na economia nacional, e não nas decisões políticas nacionais. As reformas de base, reivindicadas através dos vícios da “agitação” política e da “demagogia” do presidente e das esquerdas, só concorriam para a corrupção do regime e para usurpação da fragilidade das “massas”. O Jornal do Brasil afirma que “Nenhum outro corpo do sistema democrático pode auscultar e conhecer melhor as aspirações populares do que o Congresso, que vai buscar a sua representação entre as diversas camadas do povo”.298 As reformas do presidente seriam distorções políticas e institucionais que cumpririam o dever de derrubar o regime representativo e instaurar a ditadura comunista no Brasil. Portanto, opor-se a elas nada mais era que agir conscientemente e empunhar a bandeira da defesa do regime democrático e dos valores cristãos. Os jornais confiavam a tarefa de realizar as reformas de base aos futuros candidatos à presidência. O Jornal do Brasil afirma que “Ninguém melhor que os elegíveis, do que os candidatos ao próximo qüinqüênio, para arrancar às mãos do Presidente João Goulart a bandeira das reformas”.299 A bandeira das reformas, ao menos nas páginas dos jornais, já não pertencia mais a Jango. Os jornais apontavam que só havia um caminho possível para sua realização, o Congresso, representante legítimo do povo. Desde que houvesse um clima sereno, de paz social e tranqüilidade, desde que grupos interessados apenas na desordem e agitação permitissem, o Congresso votaria as reformas, pois assim desejava o povo brasileiro.

298 299

Jornal do Brasil, 17 de março de 1964, p. 3. Jornal do Brasil, 18 de março de 1964, p. 3.

3.2 O Comício das Reformas, a Marcha de São Paulo e a Democracia

O comício das Reformas no dia 13 de março no Rio de Janeiro foi um dentre vários comícios organizados pelas esquerdas interessadas em demonstrar o clamor popular pelas reformas. Contou com a participação do governador de Pernambuco Miguel Arraes, assim como de Leonel Brizola. A postura radical de Brizola em relação ao Congresso e ao regime, e sua exigência das reformas a qualquer custo, despertou o descontentamento em diversos grupos políticos. A partir deste acontecimento Jango deixava clara sua postura em relação as suas bases de apoio. Os jornais e os grupos conservadores consolidariam sua postura de manutenção do regime representativo a qualquer custo. Um dia antes do comício o Jornal do Brasil alerta para os transtornos que o comício poderia vir a causar na vida da cidade. Diante da possibilidade da formação de “paredes” de trabalhadores o jornal exalta o “verdadeiro e único” desejo da Nação: “o dever de trabalhar. O trabalho tranqüilo, ordeiro, normal e rotineiro”.300 O trabalho, fosse um dever ou um direito, era evocado sob os auspícios de um valor que conferia distinção. Àqueles trabalhadores ordeiros, tranqüilos, pacíficos, distinguiam-se os “agitadores” comunistas, interessados em agir politicamente através de greves e atrapalhar o desenvolvimento econômico da Nação. Opunha-se desta maneira, integrantes do CGT, cerceadores do direito/dever de trabalhar, a outros trabalhadores. Ou seja, agitadores de um lado, contra trabalhadores pacíficos e ordeiros de outro. Ou ainda, agitadores políticos e corruptores do regime, contra trabalhadores pacíficos que contribuíam para a sua emancipação econômica e da Nação. O comício organizado pelo CGT seria um marco, segundo o Jornal do Brasil. Diante da generalizada desconfiança em João Goulart este comício seria, “ou começo de um novo período de agitações comandadas pelo presidente, ou o fim do nascedouro da agitação plebiscitária visando o continuísmo”.301 O presidente, enquanto “líder da agitação” e, portanto, ilegal, deveria ser impedido de concretizar seus desejos de continuidade. O Jornal do Brasil, ao estabelecer o comício como um marco retomava as discussões iniciadas em outubro de 1963 300 301

Jornal do Brasil, 12 de março de 1964, p. 3. Jornal do Brasil, 13 de março de 1964, p. 3.

sobre as possibilidades de intervenção em um Poder Executivo ilegal. Não era a liderança dos brados por reformas que tornavam o presidente ilegal, mas a maneira preconizada como meio para se chegar até elas. O problema residia nas emendas constitucionais propostas por um presidente suspeito de querer golpear o regime e em suas pretensões plebiscitárias. Além disso, residia também na subversão da ordem que se revelava ao momento que Jango pretendia obter poderes constituintes através de emendas constitucionais. O país entende que são legitimas as pressões democráticas, mesmo capitaneadas pelo Presidente da República, para obtenção no Congresso de reformas por lei ordinária. Entende, ao mesmo tempo, que são ilegítimas e inconstitucionais as pressões promovidas e comandadas pelo Presidente da República para obter do Congresso reformas através de emendas constitucionais. O Congresso só as poderá votar quando não submetido à pressão Presidencial, pois se as votasse estaria entregando ao Presidente a delegação que recebe, peculiar ao regime de democracia representativa. É parte intrínseca dessa delegação o poder constituinte. Nem o presidente da República nem as massas em comício detém o poder constituinte. Não podem pretender exercê-lo sem violar a Constituição.302

Diante da legitimidade do Congresso o presidente e as “massas” estariam isolados no que tange a obtenção das reformas através de pressões como esta, pois não possuíam Poder Constituinte. Seu exercício era restrito ao Congresso. Seguindo as argumentações que visavam desqualificar e opor ao regime às forças presentes no comício da Central, o jornal O Globo começa por afirmar que “O povo brasileiro é realmente admirável de equilíbrio, bom-senso e moderação”.303 Reconheciam e sugeriam estas qualidades ao povo brasileiro, pois, fosse outra a sua maneira de ser “aquela multidão que se reuniu na sexta-feira, em frente à Central, após ouvir os exaltados oradores, teria saído pela cidade a praticar violências”.304 Há uma clara oposição entre povo e multidão que se manifestaria no bom senso e moderação do povo, e na violência, passionalidade e no radicalismo da multidão. Assim, mesmo tendo participado do comício, em seu retorno em paz e sem cometer violências, a multidão poderia ser identificada ao povo. Fora do comício, agindo pacificamente, com ordem e bom senso, a multidão poderia juntar-se ao povo.

302

Jornal do Brasil, 13 de março de 1964, p. 3. O Globo, 16 de março de 1964, p 1. 304 Ibid. 303

A Tribuna da Imprensa afirmava, também, um dia antes do comício que “em local não permitido por lei (...) o Sr. João Goulart mais uma vez tocará o realejo das reformas”.305 Referindo-se à eleição de Auro de Moura Andrade para a vice-presidência do senado e a reunião das classes produtoras no Rio de Janeiro afirma que estes dois fatos representariam o despertar de certas e decisivas forças da liderança nacional. Esta resposta da democracia à demagogia, da lucidez à passionalidade, da reflexão ao primarismo, processou-se em dois campos: o do poder político, consubstanciado no poder legislativo, e do poder empresarial.306

Ponto importante deste trecho são as oposições feitas entre democracia e demagogia, lucidez e passionalidade e reflexão e primarismo. Estas oposições não só criavam uma identidade entre aqueles que seriam os opositores das reformas “radicais”, e portanto, indivíduos conscientes, como excluía seus oponentes passionais do mundo político. O poder legislativo e o poder empresarial opunhamse à demagogia. Dentro do regime dos democratas não haveria espaço para demagogos que contribuíam para – e seriam – a corrupção do regime. Diante das “massas” e da multidão, a lucidez e o bom senso do povo brasileiro prevaleceriam criando as condições para a emancipação da Nação. O jornal O Globo comenta que os “exaltados” lançaram mão de todos os argumentos para Convencer aquela massa humana, carreada até dos Estados vizinhos, de que ela era vitima permanente de “uma estrutura sócio-econômica já superada, injusta e desumana”, a qual é sustentada pela Constituição caduca que urge transformar de qualquer maneira. Aquele comício havia sido denominado pelos seus organizadores vermelhos de “comício das reformas”, mas não foi outra coisa senão um ato público contra a Constituição do País.307

O comício, segundo o jornal, passou ao largo das reformas, foi organizado contra a Constituição do país. Seria o caráter demagógico da campanha de João Goulart e não a estrutura sócio-econômica, injusta e desumana, que fazia das “massas” vítimas permanentes. Prossegue comentando que após o comício os participantes voltaram para suas casas para o “justo descanso do fim de semana”. Tratando-os também por multidão, a imagem criada sobre os participantes é a imagem de uma “massa” que retornaria para casa anestesiada pela fala dos 305

Tribuna da Imprensa, 12 de março de 1964, p 1. Ibid., p. 1. 307 O Globo, 16 de março de 1964, p 1. 306

demagogos. A passividade da multidão revelava-se na incapacidade de ação racional posterior ao comício. Sim, para os que dele participaram o comício terminou; não, porém, para os milhões de brasileiros que, estarrecidos, o acompanharam pelo rádio e pela televisão, possuídos da impressão de que, no Rio de Janeiro, nesta cidade liberal e amena, que é ciosa de seus direitos e detesta a espetaculosidade e as demonstrações de força, tivera lugar uma reunião política, de caráter nitidamente totalitário.308

Haveria continuidade apenas para aqueles milhões de brasileiros que não participaram do comício. Estes certamente estariam em seus lares refletindo sobre a gravidade desta manifestação. A limitação da multidão participante a tornava vítima e não lhe permitia perceber o caráter totalitário do comício. Segundo o jornal o comício se assemelhava aos comícios de Hitler, de Mussolini, de Perón ou de Fidel Castro. Esta característica do comício contrastava com a cidade do Rio de Janeiro, liberal e amena. À Nação, restava lamentar o comício e a presença do presidente nele. A Nação, que não é representada pelos cem mil participantes do comício (em boa parte arrebanhados, com pagamento, pelos órgãos governamentais e pelo CGT), repudia esse tipo de concentração popular e lamenta que ela tenha ocorrido.309

Diversos

foram

os

argumentos

publicados

nos

jornais

sobre

a

representatividade dos participantes do comício da Central. Referiam-se ao número de votantes presentes na Central. O Correio da Manhã, que manifestaria suas críticas ao Comício da Central, bem como à Marcha com Deus pela Liberdade por seus extremismos, faz um adendo ao gigantismo destas manifestações. Esta manifestação, que ocorreria em São Paulo no dia 19 de março, foi organizada pelos opositores do presidente em resposta ao Comício das Reformas e buscava apresentar o governo como inimigo da legalidade e da democracia. “Não duvidamos dos números. E julgamos estas concentrações uma demonstração de vitalidade democrática. Mas temos dúvidas quanto (...) a percentagem do eleitorado que participa deles”.310 O Correio da Manhã sempre manteve uma linha editorial liberal e defensora das liberdades políticas, mas em nenhum momento esteve disposto a apoiar a ampliação da participação política no regime democrático para além do pleito. 308

O Globo, 16 de março de 1964, p 1. Ibid. 310 Correio da Manhã, 21 de março de 1964, p. 6. 309

Ainda que os comícios fossem uma demonstração de vitalidade democrática, não substituiriam as urnas. De maneira semelhante a outros jornais, fala em nome do povo brasileiro e revela seus “verdadeiros” desejos. “O povo deseja a paz, trabalho em paz, reformas de base, a manutenção das instituições democráticas, que, de certo defenderá com todas as forças”.311 Afirmava também que o povo brasileiro “não queria saber” dos radicalismos presentes, segundo o jornal, nos comícios de São Paulo e Rio de Janeiro. Os candidatos que se apresentassem às próximas eleições deveriam empunhar a bandeira das reformas e da defesa da democracia. As urnas, “e só elas”, deveriam decidir o destino da Nação. Na manhã do dia 13 de março, a Tribuna da Imprensa, em editorial de capa, acusava o governo de ter gasto 350 milhões de cruzeiros na preparação de um comício que se assemelhava a um festival totalitário: “o comício de hoje é uma explosão da minoria passional contagiada ou seduzida por um aparato de mobilização que não figura, nem poderia figurar nos álbuns democráticos”.312 Apontou o caráter minoritário e passional dos organizadores e participantes, contagiados ou seduzidos por um aparato de mobilização alheio à democracia. Toda a frase é construída de maneira a discriminar e excluir os participantes do comício do marcos democráticos. Os participantes do comício da Central, segundo os jornais, só estiveram no local por conta do pagamento ou do transporte financiado pelo governo com dinheiro público. Sua participação deveu-se ao “arrebanhamento”. O Jornal do Brasil afirmava que 500 mil pessoas haviam comparecido à passeata em defesa do regime em São Paulo. Sua organização é atribuída a movimentos femininos como a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), grupo formado por senhoras do Rio de Janeiro que recebia apoio financeiro e orientação política do IPES313, e a União Cívica Feminina, mas não se pode descartar, a participação efetiva na sua organização do governo de São Paulo, da Sociedade Rural Brasileira, da FIESP e de setores da igreja católica 314. A Marcha,

311

Correio da Manhã, 21 de março de 1964, p. 6. Tribuna da Imprensa, 13 de março de 1964, p. 1. 313 DREIFUSS, R. A. 1964: a conquista do estado, ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981, p. 35. 314 Caio Navarro Toledo, Op. Cit., p. 99. Em depoimento pessoal sobre a multidão que compunha a marcha, Eurilo Duarte afirmou que: “A presença mais acentuada é a feminina e se pode classificar o desfile como da classe média, e desta para cima – se uma observação apenas visual 312

que reuniu toda a elite paulistana, pode ser considerada como uma resposta conservadora ao comício das reformas315 e se constituiu em um evento impactante para a mobilização anti-esquerdista316. Como argumenta Rene Dreifuss, os opositores de João Goulart se dedicaram, desde o início de seu governo, a conspirar contra o executivo. A ação de organizações civis como o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) contava com o abundante apoio financeiro de setores empresariais nacionais e internacionais para desenvolver uma ampla campanha junto à opinião pública na busca de apoio civil e militar para uma mudança no governo. Seus argumentos se concentravam no perigo da infiltração comunista, na corrupção, nos males da intervenção estatal na economia e no atraso das oligarquias rurais nacionais. Ainda que seu trabalho tenha grande valor pela extensão da pesquisa documental, trabalhos historiográficos posteriores questionaram a centralidade atribuída por Dreifuss à atuação destas organizações para o desfecho dos acontecimentos. Segundo Argelina Figueiredo, a obra “falha em fornecer uma explicação real, pois toma a mera existência de uma conspiração como condição suficiente para o sucesso do golpe político. Os conspiradores são vistos como onipotentes”.317 Entretanto, é inegável que tais organizações se constituíram em um elemento a mais no processo de desestruturação da legalidade constitucional vigente e de ameaça ao regime democrático. Diferente do comício, que visava à agitação e a desordem política, a passeata contava com o entusiasmo e o patriotismo da gente paulista. O jornal O Globo, que vibrou com a passeata começa seu editorial destacando que a passeata não foi custeada pela Petrobrás, organismos políticos ou estatais. Não era um evento partidário, era uma “congregação de cristãos zelosos das tradições do povo brasileiro”, estavam “com Deus pela Liberdade”. Ao invés da Foice e do Martelo, seus cartazes traziam o Rosário e os símbolos cristãos. O evento de São Paulo autorizar um julgamento.” DUARTE, E. 32 mais 32, igual a 64. In: DINES, A.; CALLADO, A.; NETTO, A., Op. Cit., p.133. 315 Daniel Aarão Reis classifica a Marcha da Família com Deus pela Liberdade como a reação das direitas unidas. REIS, D. A. Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 30. 316 MOTTA, R. P. S. João Goulart e a mobilização anticomunista de 1961-1964. In: FERREIRA, M. de M. João Goulart: entre a memória e a história. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p. 139. 317 FIGUEIREDO, A., Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 19611964. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 27-28.

diferia do comício do Rio de Janeiro por sua beleza e espontaneidade. Segundo a Tribuna da Imprensa, desta vez em São Paulo, reuniu-se o povo, “E era povo mesmo, sem “cheiro” de pelego”.318 O jornal afirma que, “nestes dias conturbados”, o povo ainda não havia se reunido. E vai além, afirmando que o comício da Central, com seus 100 mil participantes, “foi um equívoco, no máximo uma mobilização de pelegos. (...) Foi uma concentração de massas, a Cr$ 3.500 por cabeça. Nunca um comício espontâneo, com povo mesmo”.319 Afirma que a passeata de São Paulo foi “mais que um comício, foi realmente um plebiscito”, diante do comparecimento do povo a uma espécie de urna invisível colocada na “rua que é do povo, na praça que é do povo”, parafraseando Jango.320 O Correio da Manhã opta pela cautela e pela tentativa de acalmar os ânimos. “Constitui verdadeiro absurdo que em pleno regime democrático, um comício possa provocar o pânico”.321 Defende a manutenção do debate acerca das reformas de base e entende que o comício seria uma boa oportunidade para o presidente se posicionar definitivamente na discussão. Há ainda a considerar o problema das reformas de base. Não podem se adiadas. Não podem continuar servindo de pretexto para intimidações e manobras extremistas... Fala-se em golpe, em revolução e em guerra civil. Nada disso acontecerá, ainda estamos livres do trágico... Entre o anti-reformismo generalizado do Sr. Lacerda, e o reformismo indefinido dos Srs. Brizola e Arraes não há diferença... é pura farsa... O Sr. João Goulart e o Congresso terão ótima oportunidade de não serem incluídos nesta farsa... Voltamos agora para os Poderes Executivo e Legislativo. Nem o presidente da república nem os deputados e senadores tem o direito de jogar com as palavras. Quais as reformas que desejam ou não desejam realizar?322

Cobrando uma postura “franca” dos parlamentares e do presidente diante das reformas, o jornal alerta que o momento não é de jogo de palavras. Entendendo que a bandeira das reformas servia de parte a parte como maneira de intimidar e pressionar os adversários, cobram sua execução imediata. Ainda que os extremistas anunciados falem em golpes, revolução, guerra civil, a legalidade não correria riscos. Os projetos de reforma dos extremistas não passariam de uma farsa, cabendo ao presidente e ao Congresso, em atitude franca, anunciar quais as reformas que desejam e posicionarem-se no debate sobre as reformas. Esta 318

Tribuna da Imprensa, 21 de março de 1964, p. 1. Ibid. 320 Ibid. 321 Correio da Manhã, 13 de março de 1964, p. 6. 322 Correio da Manhã, 13 de março de 1964, p. 6. 319

postura seguida pelo jornal revelava um caráter liberal pautado nas formas e nas leis, na racionalidade e na lógica que deveria imperar sobre a demagogia. Considerava essencial, dentro da política e das disputas entre grupos rivais, uma postura ética que excluísse, por exemplo, o jogo de palavras. Acreditava que quaisquer ameaças à legalidade seriam afastadas pela ação legal do Congresso. Caminhar ao lado da lei garantiria a vitória democrática. De acordo com a Tribuna da Imprensa, o que houve em são Paulo foi uma resposta do povo a João Goulart, teria sido de fato, um verdadeiro plebiscito democrático. Estes argumentos publicados nos jornais buscaram validar a participação apolítica e apartidária, baseada nos valores da família, da tradição cristã, do povo brasileiro. Tenta adquirir para seu idioma o conceito de plebiscito, realmente democrático, por sua manifestação apolítica, e, portanto, virtuosa; enquanto que o plebiscito preconizado por Jango não passava de agitação e subversão democrática, pois contava com uma motivação partidarizada, ou seja, com a ação política entendida como vício dentro do regime. A oposição entre o comício e a passeata cumpria o papel de opor Jango e seus aliados à democracia, ao Congresso e ao povo brasileiro. Esta oposição não concebia uma divisão do povo brasileiro entre duas propostas distintas, mas sim uma oposição entre o somatório de uma minoria mal intencionada com uma multidão manipulada e o povo consciente. Cumpria, de maneira semelhante, o papel de estabelecer a legitimidade de uma democracia, pautada pelos valores morais e experimentada, tal qual na Eclésia católica, pela virtuosa representação institucional. O regime proposto por Jango, que não era referido como democrático pelos jornais, mas totalitário, pautava-se na “baixa política”, “no artifício das combinações”,323 na passionalidade, na violência, no vício e na ilegalidade. Após o Comício das Reformas, o presidente enviou uma mensagem no dia 15 de março, solicitando ao Congresso Nacional a apreciação do projeto de reformas. Nesta mensagem estavam presentes dois pontos que dificultavam ainda mais as suas relações não só com o PSD, mas com a maioria do Congresso: a supressão do princípio da indelegabilidade de poderes e a realização de um

323

Correio da Manhã, 27 de março de 1964, p. 4

plebiscito para discutir a questão das reformas.324 Diante do envio destas solicitações, os jornais realizaram uma leitura dos eventos que os levou a um comportamento mais enérgico com o presidente. A possibilidade de adoção destas medidas foi recebida não só como uma clara tentativa de esvaziamento das atribuições do Congresso, mas também como uma ameaça a manutenção da legalidade constitucional. A proposta do plebiscito foi analisada pela Tribuna da Imprensa como “a confissão de um presidente de índole ditatorial”, já que ao governar por via plebiscitária imporia sua vontade através da manipulação demagógica e do controle das massas.

325

O Correio da Manhã também faria um alerta para os

riscos de uma ditadura plebiscitária que retiraria do Congresso Nacional, sua principal função, a de legislar. Segundo o jornal, o Brasil era “visceralmente contrário à ditadura, sob qualquer forma que seja, inclusive a plebiscitária. Pretende eleger um presidente da República mas não quer eleger um ditador”.326 O Jornal do Brasil, por sua vez alertava que o presidente havia lançado seu desafio à ordem democrática brasileira. Prosseguia afirmando que entre cada uma das frases do comício e em cada entrelinha da Mensagem qualquer entendedor “medíocre ouviu e leu que o Presidente acha impossível governar dentro dos limites e do sistema de equilíbrio do regime constitucional que jurou defender”.327 Afirma que o presidente “deixou para trás a linha da legalidade. Pede reformas

324

Objetivando manter a fidelidade do teor da mensagem do presidente João Goulart, reproduzo aqui os trechos nos quais aborda estas duas temáticas. “A rapidez das mudanças e transformações que a sociedade experimenta (...) exige do Estado, sobretudo em países que travam a luta pelo progresso, procedimentos legislativos que o habilitem a agir rápida, eficaz e corajosamente. Assim, à semelhança do que já faz a maioria das nações, impõe-se também ao Brasil suprimir o principio da indelegabilidade dos poderes, cuja presença no texto constitucional só se deve aos arroubos de fidelidade dos ilustres constituintes de 1946 a preceitos liberais do século XVIII. (...) permiti-me sugerir a Vossas Excelências, Senhores Congressistas, se julgado necessário para a aprovação das Reformas de Base indispensáveis ao nosso desenvolvimento, a utilização de um instrumento da vida democrática, jurídico e eficaz, que torne possível salvaguardá-la mediante consulta à fonte mesma de todo o poder legítimo que é a vontade popular. Assim, peço a Vossas Excelências que também estudem a conveniência de realizar-se esta consulta popular para a apuração da vontade nacional, mediante o voto de todos os brasileiros maiores de 18 anos para o pronunciamento majoritário a respeito das reformas de Base.” Ver, Trechos da mensagem de 15 de março de 1964 do presidente João Goulart ao Congresso Nacional. In: Carlos Fico, Op. Cit., p. 304. 325 Tribuna da Imprensa, 17 de março de 1964, p. 1. 326 Correio da Manhã, 26 de março de 1964, p. 6. 327 Jornal do Brasil, 18 de março de 1964, p. 6.

radicais”.328 A democracia era abandonada por João Goulart, que partia rumo à radicalização. O Globo questionava: Ainda se poderá falar em legalidade neste país? É legal uma situação em que se vê o Chefe do Executivo unir-se a pelegos e agitadores comunistas, para intranqüilizar a Nação com menções a eventuais violências, caso o Congresso não aceite seus pontos de vista? É legal uma situação em que a própria mensagem enviada ao Congresso, por ocasião da abertura de seus trabalhos, o Presidente da República reclame a reforma da Constituição, que jurou preservar e defender, invadindo, portanto, a competência exclusiva do Parlamento? É legal uma situação em que, inspirados nas atitudes governamentais órgãos ilegítimos, destinados à agitação, se dirigem ao Congresso em linguagem audaciosa, fazendo ameaças e insinuando represálias?329

Para o Diário de Notícias, nos termos em que João Goulart a colocava, a consulta popular perdia seu caráter democrático para se constituir em uma manobra demagógica que procurava diminuir a confiança popular no Congresso e esvaziá-lo de sua respeitabilidade e de suas atribuições. O jornal ressalta que a questão das reformas era complexa e deveria ser resolvida através de amplo debate “não é matéria para ser resolvida num plebiscito. Não se trata (...) de dizer apenas “sim” ou “não””.330 Em um regime democrático, discuti-la seria função precípua do Congresso nacional. Ao sugerir que o plebiscito revelaria a “verdadeira vontade nacional, o presidente da República dá por entendido que o Congresso não representa mais esta vontade, aliás, a primeira etapa para, a exemplo de 1937, partir para o golpe que lhe fechará as portas”. 331 Neste sentido, os jornais concordavam que o plebiscito proposto por Jango seria uma possível preparação para a quebra da legalidade constitucional e a subversão do regime democrático. Os grupos à esquerda radicais esperavam que o presidente “finalmente” rompesse com a sua “política de conciliação” enquanto setores conservadores já falavam na possibilidade de derrubada do presidente para impedir a quebra da legalidade e o “avanço comunista”. A opinião expressa no Correio da Manhã deixava claro que, Delegar poderes ao chefe de um governo presidencialista, significaria abolir a independência dos poderes (...) delegação de poderes é mais do que emenda a Constituição, é modificação do regime... significaria a

328

Jornal do Brasil, 16 de março de 1964, p. 6. O Globo, 18 de março de 1964, p. 1. 330 Diário de Notícias, 17 de março de 1964, p. 4. 331 Ibid., p. 4. 329

radicalização do país oficializada. Seria nada mais, nada menos que, atrás de uma fachada constitucional a ditadura.332

Os jornais seguiam declarando o pretenso golpismo de Goulart, que cada vez mais era representado como uma ameaça iminente à manutenção do regime democrático representativo. Este quadro, segundo o Diário de Notícias, poderia despertar forças golpistas cujas possibilidades nem o presidente “calcula bem”. Para evitar um desfecho que fugisse as normas constitucionais, o Congresso deveria reagir firmemente a estas propostas, “mas de maneira construtiva, isto é: votando as reformas de base, para tirar os pretextos às veleidades ditatórias de fazê-las sem o Congresso”.333 Cabia ao Congresso, portanto, agir com inteligência e em consonância com a vontade reformista do povo na manutenção da legalidade. Os jornais cobravam do Congresso a votação das reformas para que o presidente fosse forçado ao diálogo político e deixasse de lado o diálogo “das ruas”. “Pela obra legislativa o Congresso estará forçando o Presidente a retomar o diálogo político com os “poderes constituídos”, sustentados por lei pelas Forças Armadas”.334 Segundo o Jornal do Brasil, “a partir deste momento o espaço político estará novamente ocupado por dois protagonistas legítimos: o Presidente e o Congresso”.335 Esta postura revela a intenção de manter afastados da política os grupos à esquerda ligados às “massas” e à mobilização política. Depositando também nos futuros candidatos à presidência as esperanças da execução das reformas, afirma que, O reencontro da política das reformas com a esperança terá de ser obra imediata do Congresso e dos candidatos. Sobre o desespero nada se constrói: apenas se deflagram revoluções, plebiscitos, tudo que não é normalmente democrático.336

A perspectiva dos jornais de mudança nacional e da realização das reformas não contava mais com a participação de Jango e de seu governo. O presidente e seus aliados só estariam contribuindo para o desespero, revoluções, e plebiscitos antidemocráticos. A Tribuna da Imprensa atacava João Goulart e pedia seu impeachment. Dentro de sua estratégia da conspiração e do sensacionalismo, 332

Correio da Manhã, 18 de março de 1964, p. 6. Correio da Manhã, 18 de março de 1964, p. 6. 334 Jornal do Brasil, 15-16 de março de 1964, p. 6. 335 Ibid. 336 Ibid. 333

alertava que, para evitar a guerra civil “tramada por aqueles que agem fora da Constituição”337 haveria apenas um caminho. “Este caminho é claro: o “impeachment” do presidente da república que exatamente por ser presidente da república tem a legitimidade de seu mandato condicionada a sua ação constitucional”.338 O Correio da Manhã matinha seu posicionamento em nome da continuidade constitucional, ainda que deixasse clara em seus editoriais a falta de confiança e de esperança no presidente. Cabia ao presidente terminar seu mandato tranquilamente dentro do prazo estabelecido por lei e cessar as agitações e radicalizações. Recordando experiências passadas nas quais o povo demonstrou, O seu repúdio às duas últimas tentativas para interromper entre nós, a vida constitucional; quando se pretendeu impedir em 1955 a posse do candidato eleito à presidência da República e quando os militares quiseram evitar, em 1961, que o vice-presidente assumisse o posto de presidente que a Constituição lhe garantia. (...) O amadurecimento político do país, com a experiência do passado, criou a confiança na legalidade constitucional. (...) Os radicais da direita e da esquerda não sensibilizam as grandes massas da população brasileira... Devemos crer na maturidade de nosso povo, na força das instituições, na legalidade constitucional, temos plena certeza de que a maioria da população recusa o golpe e a guerra civil.339

O Correio da Manhã confiava na capacidade do povo e nas instituições em conter a radicalização política e manter a legalidade. A esperança de reformas e da manutenção da legalidade também estava depositada nos candidatos ao pleito de 1965, portanto, na manutenção da sucessão presidencial. Juscelino Kubitschek, que fora atacado pelo Correio da Manhã por sua “indefinição”, percebendo a importância da bandeira das reformas neste momento passou admiti-las em seu programa. Seu slogan de campanha trazia a frase: “Reformas dentro da Lei”340, e reforçava o protagonismo do Congresso para a realização pacífica das reformas e a manutenção da legalidade. O pedido de um posicionamento mais enérgico frente à ilegalidade de Jango seria cobrado inicialmente do Congresso. O jornal O Globo alertava que se, a partir do comício, João Goulart acatasse as determinações de seu cunhado e dos representantes do CGT que o precederam na lista de oradores, a “Frente única” imaginada por San Thiago Dantas estaria morta e sepultada. Desta maneira o

337

Tribuna da Imprensa, 16 de março de 1964, p. 1. Tribuna da Imprensa, 16 de março de 1964, p. 1. 339 Correio da Manhã, 11 de março de 1964, p. 6. 340 Jornal do Brasil, 23 de março de 1964, p. 6. 338

Presidente governaria apenas com a minoria extremada. E como no regime democrático representativo é impossível ao Chefe do Executivo obter leis através da minoria, o presidente ou nada faria ou teria de governar por decretos. Diante de um quadro de conflito o Brasil estaria aberto a conseqüências imprevisíveis. O jornal manifestava suas esperanças de que João Goulart não aceitasse “os conselhos dos fogosos representantes da subversão”.341 Entretanto, ao desdobrar dos acontecimentos cobrou do Congresso um posicionamento. Resta uma palavra que tem que ser dita desde já. É uma palavra dirigida ao Congresso. Até quando permitirá ele que um de seus membros o denigra diante da Nação? Como pretenderão os parlamentares que a dignidade e a majestade do Poder Legislativo sejam respeitadas, se não tomam eles mesmos, as providencias necessárias para punir o atrevido político que escudado em suas imunidades diariamente se levanta para caluniar e ofender a Constituição e o Congresso? Já é tempo de o legislativo demonstrar que não é um organismo inerme que se pode injuriar e, portanto fazer desaparecer com um sopro.342

Em mais um episódio de crise política envolvendo o presidente João Goulart, os jornais reforçavam o papel do Congresso na solução legal dos problemas. O Globo segue alertando que “É indispensável reagir contra a paulatina desmoralização da Constituição e do regime. O comício de sexta-feira não teve outro objetivo”.343 O Congresso deveria agir e readquirir seu prestígio e importância no regime pois, É ele que detém a verdadeira representação popular e a ele cabem, com exclusividade, a iniciativa de reformar ou emendar a Constituição e a prerrogativa de legislar, direitos que o Poder Executivo agora deseja usurpar.344

A menos que o Congresso desse um “basta”, segundo o jornal, outras manifestações semelhantes aconteceriam. Após o envio ao Congresso da mensagem solicitando as reformas, ameaçando tomar medidas “concretas” caso não fosse atendido o pedido de reforma da Constituição, o CGT faz um ultimato ao Congresso de trinta dias. Em reação pronta e imediata uniram-se PSD, UDN e PSP345 e acertaram planos para defender o Legislativo das pressões do Executivo. A mecânica da democracia representativa, ao longo do governo de Jango, servia de certa forma para que os grupos conservadores contivessem os desejos de 341

O Globo, 16 de março de 1964, p. 1. Ibid. 343 Ibid. 344 Ibid. 345 O Globo, 17 de março de 1964, p. 1. 342

ampliação democrática e de reformas dos comunistas “radicais”. Os partidos políticos conservadores mostravam coesão, os jornais analisados caminhavam na direção de que se mantivesse a legalidade através do Congresso. O Diário de Notícias, comentando sobre o ambiente após o envio da mensagem presidencial ao Congresso, afirma que “É inegável, irrecusável, que existe um processo de subversão claramente delimitado para atentar contra o regime e as instituições”.346 O principal problema brasileiro seria a participação do presidente neste processo, empolgado pelos grupos radicais. As ações subversivas, ainda que contassem com o aval do presidente e com sua “vocação caudilhesca”, seriam orquestradas pelos “comunistas” e “agitadores”, e não levariam o presidente a bons lugares. Somava-se a este fato seu apoio nas “multidões”, duramente criticadas nos jornais. Quando ele se deslumbra provincianamente com o comparecimento de uma multidão num comício mussolínico, trabalhosamente arranjado com condução e outras facilidades e pensa “o povo está conosco”, lembremo-lhe a genial distinção que fez Victor Hugo, numa página de “Os Miseráveis”: “a multidão é traidora do povo”. Multidão não é povo.347

A multidão agora ganharia caracterizações mais negativas e perigosas. Jango estaria sendo apoiado por traidores do povo. “Investir, portanto, contra o congresso (...) não é apenas um crime contra as instituições – é um crime contra o povo”.348 Segundo o jornal, tais atitudes poderiam abrir caminho para sua derrubada pelas Forças Armadas. Se a suprema autoridade do Poder Executivo opõe-se a Constituição, condena o regime e deixa de cumprir as leis, perde automaticamente o direito de ser respeitado e de ser obedecido, surgindo o caos e a anarquia. Porque este direito dimana exclusivamente da constituição. As próprias Forças Armadas destinadas, pelo art. 177 da carta magna, a defender a pátria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, só estão subordinadas a autoridade suprema do presidente da República, por força desta mesma Constituição. É somente a Constituição que lhes ordena a obedecer ao presidente.349

Goulart ocupava o posto presidencial, mas diante dos constantes ataques a sua postura frente à multidão e à sua atuação política, nos jornais, encontrava-se cada vez mais afastado da legalidade. No final de março, o Diário de Notícias, 346

Diário de Notícias, 22 de março de 1964, p. 4. Ibid. 348 Ibid. 349 Ibid. 347

perdendo a paciência com João Goulart e presenciando a constante radicalização das esquerdas próximas às “massas” sugerem que as Forças Armadas poderiam, novamente, agir no restabelecimento da legalidade e dos limites constitucionais. Foi o que aconteceu. O estopim para ação das Forças Armadas seriam as seguidas atitudes do presidente frente a grupos militares de baixa patente deflagrando, nas Forças Armadas, uma crise na qual estava em jogo manter a disciplina e a hierarquia militar.

3.3 A Hierarquia, a Disciplina e as Forças Armadas

A Associação de Marinheiros reivindicaria seu direito de existência, negado pela alta hierarquia da Marinha. Rebelados contra as restrições de sua existência e contra a hierarquia, seus membros fecharam-se no Sindicato dos Metalúrgicos até que o Ministro da Marinha, Almirante Silvio Borges de Souza, renunciasse ao cargo. A Associação dos Marinheiros autorizou o CGT a agir em seu nome causando a revolta do Ministro. Os líderes sindicais chegaram a indicar três nomes para o ministério que deveriam ser apreciados pelo presidente João Goulart.350 Afirmando não compactuar com a subversão, o Almirante Silvio Mota censurou “aqueles militares que tem os olhos mais voltados para a política do que para seus afazeres profissionais”.351 As Forças Armadas reforçavam sua inclinação de manter afastada a política nos quartéis. Para o Ministro, a estrutura militar da Marinha, e com ela sua hierarquia, vinha sendo abalada nos alicerces, por pressões estranhas a seus quadros e “pelo clima de incompreensão e insatisfação que foi criado”.352. Ainda segundo o Ministro, a diretoria da Associação de Marinheiros e Fuzileiros “se deixou envolver pelas idéias subversivas de elementos estranhos a seus quadros”.353 Assegurou que seria inflexível na manutenção da ordem e da disciplina “nos navios de guerra e nos quartéis” não tolerando “injunções provenientes de grupos de agitação”.354 350

Jornal do Brasil, 28 de março de 1964, p. 4. O Globo, 26 de março de 1964, p. 1. 352 Ibid. 353 Ibid. 354 Ibid. 351

A situação se agravaria consideravelmente quando João Goulart decide discursar em um comício de sargentos no dia 30 de março ocorrido no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. Em seu discurso os jornais encontraram fortes indícios de que o golpe de Goulart se aproximava. Agora, entretanto, as Forças Armadas seriam cobradas de manter sua unidade e coesão perante a Nação. A partir da definição de Jango de seu apoio aos militares subalternos e suas reivindicações, os líderes das Forças Armadas uniram-se aos grupos políticos e civis conservadores que já vinham denunciando a ilegalidade do presidente. Em editorial, O Globo anuncia a união da Nação às Forças Armadas.

Em meio à luta que vem travando, na defesa da sobrevivência de suas corporações – ameaçadas pelos golpes assestados contra a hierarquia, a autoridade e a disciplina –, os oficiais brasileiros devem sentir-se, ao menos, confortados pela solidariedade de todos os setores da vida nacional, com a exceção daqueles vinculados ao Partido Comunista e ao processo de destruição do regime.355

A partir deste momento, as Forças Armadas estariam lutando por sua sobrevivência e a esta luta estaria garantida o apoio da Nação. O líder do PSD, o Deputado Martins Rodrigues afirmou que o PSD não poderia mais silenciar-se ante o “crescente processo de subversão das instituições, especialmente no que diz respeito à infiltração comunista nas Forças Armadas, constatação clara e muito fácil de ser feita”.356 O Globo sugere que diante do quadro aberto pelas atitudes de João Goulart frente à crise militar, a legalidade não deveria ser um tabu para a defesa da democracia. Diante da inoperância e desunião dos “democratas” os inimigos do regime vão, “paulatinamente, fazendo ruir tudo aquilo que os impede de atingir o poder. Chegaria o dia em que o Brasil, sem reação e sem luta, se transformaria em mais um Estado “Socialista””.357 A unidade fazia-se necessária e era evocada. Segundo o jornal, o país estaria vivendo uma “encruzilhada de seus destinos”.

Agora se decidirá se conseguiremos superar a terrível crise provocada pela inflação, pelos desajustes sociais, pelo descalabro econômico-financeiro, sem a perda de nossas instituições livres, ou se, contrário, uma ditadura esquerdista se

355

O Globo, 31 de março de 1964, p. 1. Ibid. 357 Ibid. 356

apossará do País, graças, principalmente, ao enfraquecimento e progressivo desaparecimento das Forças Armadas.358

Diante da crise duas possibilidades se abriam: Ou a ditadura esquerdista ou a superação da crise econômico-financeira. Um argumento novo se abria aos jornais com a intervenção de João Goulart nas reivindicações dos militares subalternos. O enfraquecimento e o progressivo desaparecimento das Forças Armadas, representados pela quebra da disciplina e da hierarquia, deixaria o caminho livre para a subversão e a tomada do poder pelos comunistas. Chega-se ao momento de se obliterarem questões políticas e suas instabilidades para a salvaguarda das Forças Armadas, defensoras do regime. Suspendia-se a discussão político partidária, o momento seria de unidade.

O assunto não é político-partidário. Não se discute, agora, como devem ser feitas as reformas. Não estão em jogo os pontos de vista divergentes a respeito deste ou daquele problema isolado. O que une a todos os democratas nesta hora, é a convicção de que o desaparecimento das Forças Armadas significaria a morte de nosso regime político, que já não teria quem o defendesse.359

Neste momento, o Brasil comemorava o feriado católico da Semana Santa. Este fato foi amplamente explorado pelos jornais, marcando a importância da tradição cristã dentro do debate político deste momento. Em meio a um momento de reflexão para cristãos, os comunistas atacavam as corporações militares e impunham-lhes suas reivindicações. Outro conceito que foi amplamente utilizado pelos jornais, Pátria/patriotismo, foi evocado ao lado da lucidez do povo brasileiro na sua mobilização contra o processo de destruição das instituições militares. Convocavam-se todos os patriotas contra os comunistas. As liberdades e garantias constitucionais não poderiam continuar sendo um direito franqueado aos comunistas, nesta conjuntura. Segundo afirma o jornal O Globo, todos tinham a certeza de que o Brasil não poderia mais suportar que “à sombra das liberdades e garantias constitucionais os comunistas e seus auxiliares trafeguem comodamente preparando o asfixiamento daquelas liberdades e a derrubada da Constituição”.360 A situação era grave segundo o Jornal do Brasil. Não existiam figuras constitucionais, “Só restam como válidos aqueles que detêm o poder de agir para 358

Ibid. O Globo, 31 de março de 1964, p. 1. 360 Ibid. 359

restabelecer o estado de direito. Ou permitirão que o País se estilhasse na guerra civil?”361 O perigo da guerra civil era novamente um perigo diante da investida dos agitadores e comunistas. No entanto, a esta altura cabia somente às Forças Armadas agirem para não permiti-la e manter a legalidade. O Jornal do Brasil se manifesta em resistência. “Sim: pregamos a resistência. O JORNAL DO BRASIL e o País querem que sejam restabelecidos a legalidade e o estado de direito”.362 A unidade é novamente evocada. O povo estava unido, os grupos políticos conservadores unidos, os principais jornais do país apoiavam a intervenção, restava que a unidade e a coesão no interior das Forças Armadas fosse sólida o bastante para uma ação efetiva. O restabelecimento da legalidade,

Só será possível quando existirem Forças Armadas intactas. Quando o germe da divisão for eliminado das Forças Armadas, quando as ideologias não tiverem nelas ingresso para explorar certas reivindicações que podem ser justas, mas que jamais deverão ser defendidas pelo caminho da sedição e da indisciplina. (...) Não voltaremos à legalidade enquanto não forem preservadas a disciplina e a hierarquia das Forças Armadas. Primeiro, portanto, vamos recompor os alicerces militares da legalidade – a disciplina e a hierarquia – para depois, e só depois, perguntarmos se o Presidente da República tem ou não condições para “exercer o comando Supremo das Forças Armadas”.363

A constituição estava ameaçada, segundo o Diário de Notícias. O momento era decisivo para o país, a Nação deveria reagir e fazer valer a lei, a ordem dentro das regras constitucionais. A Constituição estava ameaçada. Segundo o jornal, o presidente da república coloca-se “em posição frontalmente contrária a que lhe compete como autoridade suprema do executivo, e nessa qualidade, de guardião dos princípios básicos sobre os quais se alicerça as instituições democráticas”.364 João Goulart era novamente acusado de afastar-se deliberadamente de seus deveres legais. A decisão exigida era “portanto, impositiva, inadiável. A opção é definitiva”.365 O episódio da Marinha não poderia ser encarado simplesmente como um fato interno da disciplina militar, “Neles estão em causa os fundamentos do regime democrático, que tem no respeito à disciplina e a hierarquia militares os elementos específicos de sua segurança”.366 O jornal alertava que não poderiam 361

Jornal do Brasil, 30 de março de 1964, p. 6. Ibid., p. 6. 363 Ibid. 364 Diário de Notícias, 30 de março de 1964, p. 4. 365 Ibid. 366 Ibid. 362

ser aceitas medidas de termo médio. Para a normalização da integridade hierárquica das Forças Armadas “terá o governo de alterar substancialmente tudo que fez até agora”.367 O golpe ao presidente estava anunciado desde outubro de 1963, porém, agora, após os episódios envolvendo as Forças Armadas, aproximaram-se os militares e os grupos conservadores. A postura clara que lhe foi cobrada desde outubro de 1963 era imperiosa.

“Não se pode de forma

nenhuma pactuar com a inversão de todas as normas e princípios que dão sentido e base a ordem institucional. Ainda há uma porta de saída aberta para o presidente”.368 Segundo Argelina Figueiredo, havia a possibilidade de uma composição que mantivesse Goulart no poder e garantisse a continuidade do regime democrático, caso este adotasse uma linha mais moderada e se voltasse para os partidos, como já o haviam sugerido, além do ex-presidente Juscelino Kubitschek, alguns de seus assessores militares.369 Jango sofreu ataques dos jornais ao longo de todo seu governo, porém a partir de 1963, estes tornam-se mais enfáticos na cobrança de um posicionamento “claro” e “definido”. Sob esta hipótese a autora reduz as opções de escolha de João Goulart entre continuar sob ameaça de golpe ou manter alijados do processo político uma parcela significativa da população e suas bases de apoio. A menos que Jango desse fim ao projeto trabalhista para o Brasil, que vinha se desenhando desde o início da década de 1950, terminaria seu mandato. Um governo dentro dos limites da democracia representativa, orientado pelo centro político, longe das esquerdas, a esta altura não seria mais possível para Goulart. O presidente comprometera-se com suas bases de apoio extraparlamentar e estas esperavam dele outra postura. Longe de suas bases de apoio seria presa fácil para quaisquer tentativas de intervenção no Executivo, sem contar que assim, deveria abdicar de suas posturas e suas bandeiras de campanha. O presidente já estava imobilizado ante a oposição política, civil e militar. Seguir o caminho do centro soaria como um duro golpe aos grupos que acreditavam na conquista da ampliação democrática através da sua mobilização. Sob titulo de “A Renúncia de Jango”, a Tribuna da Imprensa afirmava que “o Sr. João Goulart não [era] mais o presidente da república. Renunciou 367

Jornal do Brasil, 30 de março de 1964, p. 6. Jornal do Brasil, 30 de março de 1964, p. 4. 369 FIGUEIREDO, A., Democracia ou Reformas? Alternativas democráticas à crise política: 19611964. São Paulo: Paz e Terra, 1993, p. 200-202. 368

voluntariamente em favor do CGT, do Partido Comunista, dos grupos mais radicais de esquerda”.370 O país estaria sendo comandado por alguns marinheiros sublevados, pelos representantes do Partido Comunista, pelos “nacionalistas”, por alguns elementos minoritários das três Armas, “precisamente os de pior reputação, sem passado, sem credenciais e sem tradição”.371 As reformas deixariam de ser prioridade enquanto o “caos e a anarquia” perdurassem. A única reforma que o momento exigia era “a reforma da mentalidade, é a reforma de métodos, é a reforma de homens”.372 Os aspectos políticos careciam de ficar em suspenso diante da crise. A crise exigia uma reforma dos aspectos morais, individuais. “Não se trata nem de discutir ou votar o “impeachment” do presidente da República, pois ele já renunciou voluntariamente, não ocupa mais o cargo de presidente da república, nem DE FATO, nem DE DIREITO”.373 O jornal enfatiza com letras garrafais a solidariedade das Forças Armadas em caso de golpe do Congresso. A esta altura, a reunião entre governadores dispostos a derrubar Jango do poder presidencial estava em curso final.

Se o congresso restaurar a legalidade no país, AS FORÇAS ARMADAS ESTARÃO INCONDICIONALMENTE AO SEU LADO. Não importa o que se diga. A VERDADE É QUE AS FORÇAS ARMADAS ESPERAM A DECISÃO DO CONGRESSO E HÃO DE CUMPRI-LA SEM UM MINUTO DE HESITAÇÃO.374

A Tribuna da Imprensa, sempre muito enfática em suas acusações contra Jango, aponta mais uma vez para ilegalidade do presidente. Seguindo a estratégia da representação do presidente e seus aliados baseada em pares de conceitos antitéticos e assimétricos, afirmam que a presença de João Goulart na assembléia da Associação dos Subtenentes e Sargentos era “resposta da desordem e da indisciplina à ordem e à disciplina”.375 Disciplina, hierarquia e ordem eram reclamadas pelo Clube Militar e pelo Clube Naval como imprescindíveis à manutenção de nossas instituições democráticas. No evento dos marinheiros, os “sediciosos” agiram sozinhos, a sua impunidade lhes foi garantida pelo presidente,

370

Tribuna da Imprensa, 30 de março de 1964, p. 1. Ibid. 372 Tribuna da Imprensa, 30 de março de 1964, p. 1. 373 Ibid. 374 Ibid. 375 Tribuna da Imprensa, 30 de março de 1964, p. 1. 371

que estava na fronteira. “Agora, no Automóvel Clube, os sediciosos e o Sr. João Goulart estiveram juntos e unidos”.376 O jornal Já havia afirmado a liderança de Jango frente aos “agitadores” e sediciosos em outros momentos anteriores, como recurso retórico, apenas reafirmava. O editorial mais famoso neste momento, o Basta!, do Correio da Manhã, marcou o reposicionamento de um jornal sempre fiel a suas tendências legalistas e constitucionais. Ainda que em suas páginas o jornal tenha sempre se mostrado favorável à conclusão do mandato presidencial, as críticas ao presidente estiveram sempre dispostas na oposição das escolhas presidenciais às normas democráticas. A partir de agora o Correio da Manhã pedia às Forças Armadas a intervenção no Executivo. “Basta de farsa. Basta de guerra psicológica que o próprio governo desencadeou com o objetivo de levar avante a sua política continuísta”.377 A desordem “generalizada” provocada artificialmente, segundo o jornal, ameaçava sufocar as forças vivas do país. Diante deste fato, as Forças Armadas deveriam entrar em cena. Outra vez o jornal admitiria o término do mandato presidencial, contudo, sob as bases morais da moderação, bom senso, sob o caminho político do centro e pela via do Congresso. “É admissível que o Sr. João Goulart termine o seu mandato de acordo com a constituição”.378 Mas para isto, “teria de desistir de sua política atual que está perturbando uma nação em desenvolvimento e ameaçando de levá-la a guerra civil”.379 Os Poderes, Legislativo e Judiciário, as classes armadas, as forças democráticas deveriam “estar alertas e vigilantes e prontos para combater todos aqueles atentados contra o regime”.380 O Brasil já havia sofrido demasiadamente com o governo atual. “Agora basta!”, publicaria o jornal. Os acontecimentos com os marinheiros e com os sargentos só vieram para confirmar a ilegalidade de Goulart anunciada desde outubro de 1963. Já não possuía, nos jornais, a bandeira das reformas democráticas, já não era democrata, não era apoiado pelo povo, não tinha o apoio do Congresso. Havia uma conspiração de setores militares para gerar instabilidade e derrubar Jango desde sua posse. A partir de março, a unidade e coesão foram suficientes para a ação 376

Ibid. Correio da Manhã, 31 de março de 1964, p. 4. 378 Ibid. 379 Ibid. 380 Ibid. 377

golpista. A partir do golpe, no dia 1º de abril, os jornais lançaram-se nas justificativas da “Revolução”. O Diário de Notícias resume a experiência com João Goulart no poder.

Talvez seja esta e só esta a moral de sua experiência política: lançar a intranqüilidade sobre as instituições democráticas e as forças que promovem o desenvolvimento do país, acusando-as, respectivamente de arcaicas e espoliadoras, a fim de erguer a solução do problema social como uma tarefa a ser cumprida, fora dos quadros constitucionais vigentes.381

O Jornal do Brasil dá ênfase a existência de apenas uma legalidade. Segundo o jornal, desde a intervenção do movimento partido de Minas Gerais, havia se instalado no país a verdadeira legalidade: “aquela que através das armas do movimento mineiro e paulista de libertação, procura imediatamente restabelecer a legalidade que o caudilho não quis preservar”.382 Esta legalidade caracterizava-se pelos valores “fundamentais da disciplina e a hierarquia militares”.383 O jornal prossegue afirmando que esta legalidade seria a responsável por “repor o País na situação em que foi entregue ao Sr. João Goulart – quando jurou defender a Constituição, após memoráveis lutas também contra os Ministros militares daquela hora”384. A legalidade restabeleceria a ordem e a unidade contra a desordem e o divisionismo implantados pelo presidente em sua “desmedida e criminosa atuação política visando a continuar a qualquer preço no uso do Poder”.385 Por seus crimes, Goulart mereceu ser deposto. O Jornal do Brasil vai além e age no sentido manter a prerrogativa democrática para os golpistas. “Ousam eles, agora, os responsáveis pela subversão comandada de cima, pela comunização do Brasil, acusar os democratas que se levantam em todo o País, de propósitos de desordem e de vontade de ferir a Constituição”.386 Segundo o jornal, “os réus pretendem transformar-se em acusadores”.387 João Goulart deixou de merecer a lealdade dos verdadeiros brasileiros ao se dirigir aos sargentos, ali teria perdido o direito de der chamada do Presidente da República. “Os verdadeiros brasileiros já fizeram a sua escolha. 381

Diário de Notícias, 1º de abril de 1964, p. 4. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964, p. 3. 383 Ibid. 384 Ibid. 385 Ibid. 386 Ibid. 387 Ibid. 382

Estão restabelecendo a legalidade democrática, reformista, sim, mas expurgada do objetivo de comunização do Brasil”.388 O reformismo de João Goulart não passava de comunização disfarçada em reformismo. O que a “Revolução” objetivou, segundo o jornal, foi dar uma “resposta democrática aos problemas e impasses que a conspiração comunista colocava em termos de atentado à legalidade e à consciência democrática, pacífica e cristã da Nação brasileira”.389 A Democracia emerge como um conceito ligado a uma moral racional, pacífica e cristã. Pode-se dizer que a “Revolução” apresenta-se como mantenedora da legalidade frente aos problemas políticos que a conspiração comunista trouxera ao país. Segundo o Jornal do Brasil, se a “Revolução” desse a seu comportamento um caráter “desprendido, voltado superiormente para o interesse nacional, [permitiria] aos lideres militares e civis do movimento vitorioso, em perfeita consonância, a constituição urgente de um governo que efetive os ideais da revolução”.390 A legalidade, bem como a “Revolução” em sua “perfeita consonância”, também seria algo ideal construído dentro de um aporte moral. O Globo afirmará que após o golpe havia ressurgido a democracia e a legalidade. No momento em que João Goulart interferiu nos assuntos militares saiu dos limites da lei. O presidente, segundo o jornal, havia ignorado a hierarquia e desprezado a disciplina, e perdeu, conseqüentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade. Bem como havia perdido as condições de chefiar a Nação e estar ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras,

na

reunião

realizada

no

Automóvel

Clube,

“vincularam-no,

definitivamente, aos adversários da democracia e da lei”.391 A Nação estaria vivendo dias gloriosos “porque souberam

unir-se todos os

patriotas,

independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem”.392 A democracia, a lei e a ordem, passam a ser essenciais em detrimento de questões políticas ou da opinião sobre “problemas isolados”. A Pátria estava acima das questões políticas, a democracia e a ordem, também. A “Revolução” era reforçada em sua motivação moral. Os rumos que 388

Ibid. Jornal do Brasil, 4 de abril de 1964, p. 3. 390 Jornal do Brasil, 6 de abril de 1964, p. 3. 391 O Globo, 2 de abril de 1964, p. 1. 392 Ibid. 389

João Goulart estava tomando eram contrários à vocação e tradições brasileiras. A legalidade não poderia ser garantia para a desordem e para a subversão. “Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada”.393 Nota-se que o conceito de legalidade perde sua legitimidade frente às iminentes ameaças ao regime e é resignificado. Esta re-significação traria a marca da valorização de aspectos morais em detrimento de aspectos políticos. A legalidade estaria ao lado das tradições cristãs, da moderação, do bom senso, da vocação brasileira. Segundo o jornal, caberia agora ao Congresso dar o remédio constitucional para a crise sem,

Que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo.394

O jornal segue afirmando que os problemas nacionais terão solução, pois “os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez”.395 Desta maneira, conclui-se que à intervenção militar no Executivo, deveria seguir-se a tarefa do Congresso de se manterem as garantias constitucionais.

Entretanto,

novamente

frente

aos

desvios

morais

dos

“comunistas”, a má-fé e a insensatez; e aos desvios políticos da demagogia, a moral se fazia força renovadora. As Forças Armadas agiram em nome dos anseios de paz, tranqüilidade e progresso. O movimento, segundo o jornal, não possuiu caráter partidário. Dele participaram os setores conscientes da vida política brasileira. O movimento revolucionário e restaurador da democracia não se realizou contra as reivindicações populares, nem representou reação contra qualquer idéia contrária ao bem do povo e do progresso do País.

Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem ouvidos.396

393

Ibid. O Globo, 2 de abril de 1964, p. 1. 395 Ibid. 396 Ibid. 394

Novamente seriam anunciadas a intriga e o engodo como estratégias do inimigo político, os banidos. Os grupos conservadores defensores da “Revolução” buscavam legitimar-se enquanto defensores dos brasileiros e afastar-se de uma possível oposição aos propósitos populares e nacionais. O Globo manifestava sua confiança no Congresso para a votação rápida das medidas necessárias para dar início a uma nova época no Brasil. O congresso deveria fornecer os meios de “limpar a administração federal e o campo sindical dos elementos comunistas neles infiltrados”.397 Demonstrava, também, sua confiança na apresentação de um nome militar para ocupar a presidência. O presidente deveria, inclusive, se impor “a todos os campos políticos e ideológicos”398 para que não surgissem obstáculos à votação das leis necessárias. O momento seria perfeito, segundo o jornal, para que o Congresso demonstrasse a toda a Nação o quão injustas eram as críticas que o presidente e o “peleguismo imoral” lhe submetiam. Não deveria, pois, perder esta chance já que em última análise,

Foi para sua defesa, para a defesa do que ele representa, como expressão do regime democrático que as Forças Armadas se puseram em marcha, o povo enfrentou a violência e toda Nação viveu um período de sofrimento e angustia.399

O jornal exigia um governo imediato e definitivo, democrático e apartidário. Defendendo o liberalismo econômico, afirma que a revolução deve ser “espontânea, caracterizada pela autoridade, moralidade a eficiência e a isenção partidária”.400 Criticando o que chamou de “politicagem profissional”, que visava às eleições de 1965, alertava para a urgência de medidas que evitassem o caos e o desmoronamento de “tudo”. No estado da Guanabara e em São Paulo eram denunciadas medidas restritivas e crimes contra as liberdades. Os governadores destes dois estados eram os mais “fervorosos” opositores de Goulart e seguidas vezes haviam manifestado sua predileção por medidas autoritárias com objetivo de atingir seus fins políticos. Na Guanabara, residências e sedes de jornais foram invadidas e exemplares foram

397

O Globo, 2 de abril de 1964, p. 1. Ibid. 399 O Globo, 3 de abril de 1964, P. 1. 400 O Globo, 7 de abril de 1964, p. 1. 398

queimados em praça pública401. A “Revolução” começava a ganhar contornos autoritários e executores de um expurgo pautado pelo julgamento moral. Para a realização por completo dos ideais revolucionários, os militares enviaram no dia 9 de abril ao Congresso um Ato Institucional contendo medidas que julgavam imprescindíveis para o desmantelamento da comunização, medidas estas que seriam mais importantes que a eleição de um novo Presidente da República. Segundo o conteúdo do documento, estariam suspensas as garantias constitucionais, a possibilidade de cassação de mandatos, e sua auto-legitimação enquanto Poder Constituinte.

A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma.402

O Correio da Manhã alertava para a deturpação dos ideais revolucionários. A eleição do novo Presidente estava adiada a pedido dos militares. Ainda assim o jornal afirma que “assim que o Congresso eleger um presidente que represente tanto o poder armado, quanto o político, os excessos serão certamente coibidos e o povo, que começa a afastar-se da revolução tornará a ela”.403 O consenso e a unidade entre poder político e poder militar seriam a solução para os excessos e para os desvios da “Revolução”. Para os militares, a crise impunha uma decisão sobre o que seria mais importante: eleições ou a segurança. Sobre isso, comenta o Correio da Manhã: Os chefes militares, que se sentem fiadores perante o povo do cumprimento dos objetivos que os mobilizaram e os levaram à luta, preocuparam-se em indicar imediatamente um de seus representantes para disputar a suprema magistratura do país, através de eleição pelo Congresso. Tropeçaram e se detiveram porém, ante um obstáculo: a idéia de que a normalização da vida institucional democrática iria dificultar a prática de sua missão de expurgar a maquina estatal dos elementos antidemocráticos que ali se encontram enquistados.404 401

Correio da Manhã, 7 de abril de 1964, p. 1. Ato Institucional (conhecido como AI-1). In: Carlos Fico. Op. cit., p.339-342. Segundo Elio Gaspari, diversas propostas de demolição das franquias constitucionais foram apresentadas ao general Costa e Silva e ao “comando da revolução” até a redação do documento final. Este, redigido pelo jurista Francisco Campos, invocava a tese da legalidade revolucionária, “articulando o argumento da subversão jacobina que o quartel-general buscava fazia vários dias”. Elio Gaspari, op.cit., p 124. 403 Correio da Manhã, 7 de abril de 1964, p. 1. 404 Correio da Manhã, 9 de abril de 1964, p. 1. 402

O Correio da Manhã afirma sua crença na possibilidade da democracia brasileira oferecer a um governo instrumentos capazes de “restabelecer plenamente a ordem, a disciplina e a hierarquia e para repor a nação em seu caminho democrático”.405 O jornal menciona que “encontra-se em vigor a lei de segurança do Estado (...) sancionada precisamente com o fim de punir e reduzir à impotência os culpados de crimes contra as nossas instituições”.406 Ao jornal tornava-se, portanto, evidente que o problema da eleição adquiria relevância maior que o da segurança. Contudo, frente à apresentação de diversos nomes militares para a presidência, o Correio da Manhã se reencontrará com a concepção de uma democracia pautada por aspectos morais e ideais, afastados de aspectos políticos conflituosos, que caminha ao encontro do Ato Institucional dos militares por conceber o conflito enquanto um empecilho as soluções da crise. Fazia-se necessário um presidente que fosse a “expressão da unidade, e não da divisão”. A partir da proliferação de candidaturas, a “unidade e a consagração”, estariam ameaçadas segundo o jornal. Apesar de sua constante luta contra os abusos da “Revolução”, contra implantação de uma ditadura no país que restringisse as liberdades constitucionais, o Correio da Manhã, e os outros jornais aqui analisados, posicionaram-se dentro de uma concepção democrática que privilegiou aspectos morais em detrimento dos aspectos políticos. A despeito de construírem uma unidade e formarem um consenso sobre a salvaguarda do regime político, no momento em que a crise atingiu seu ápice e medidas políticas foram cobradas, a moralidade novamente prevaleceu sobre a política. Os jornais selecionados, em uníssono, defendiam a manutenção da ordem e do regime democrático representativo. Em suas páginas, ordem significava um cenário político pacífico e tranqüilo, marcado pelo bom senso e pela moderação, no qual as decisões políticas cabiam exclusivamente aos representantes legítimos do povo. O aspecto político desta democracia estaria reduzido à moral individual e ao voluntarismo407 salvacionista dos “bons políticos”. A “Revolução”, que seria 405

Correio da Manhã, 7 de abril de 1964, p. 1. Correio da Manhã, 7 de abril de 1964, p. 1. 407 Bolivar Lamounier ao comentar sobre o elitismo altruísta e o voluntarismo golpista no pensamento autoritário, que se funda na década de 1930 e procura dar legitimidade ao Estado enquanto tutor da sociedade, estabelece que a mudança política e social neste pensamento correspondia aos desígnios da elite. Se todos almejam um bem supremo, a elite o almeja no mais alto grau. Considero que no idioma político estudado a mudança política estaria também 406

responsável pela “operação limpeza” na democracia brasileira valorizou ao extremo a pretensa decência e idoneidade dos indivíduos nela envolvidos408 e deixou de lado as liberdades públicas e políticas. Como a “massa” de eleitores não era capaz de afastar os “maus” políticos da vida pública através do mecanismo democrático do voto, a política revelava sua ineficácia frente a este problema. Buscaram combater a corrupção – da democracia e na democracia – com a cobrança de mais honestidade, já que dentro deste arranjo a democracia não alcançava extirpar a “baixa política”. Os militares, tão logo chegaram ao poder com o marechal Castello Branco, caçaram todos os civis – por eles julgados – considerados incapazes de gerir a coisa pública. O Presidente, que também era acusado de incapacidade por não se posicionar de acordo com o caminho exigido pela “realidade nacional” – e também exigido pelos jornais – se tornava ilegal ao apoiar-se em grupos políticos que não pertenceriam ao mundo político vislumbrado pelos jornais. O não pertencimento destes grupos ao universo político no qual seria possível algum consenso estaria vinculado tanto a sua ilegalidade jurídica frente ao processo político, ou a sua natureza corrupta, irracional e passional. Além da ilegalidade jurídica do Partido Comunista, dentro do idioma político dos jornais, houve a espoliação de categorias tidas como necessárias ao jogo político. A moderação, o bom senso, o espírito cristão e pacífico, todas as virtudes do povo brasileiro consideradas necessárias para a eficácia política e para um “consenso valorativo”, não pertenceriam aos “comunistas” e agitadores segundo os jornais. A falta destes princípios, entre outros aspectos, tornava-os inaptos para a política. Esta maneira de encaminhar o discurso político e manipular as virtudes morais, mitos e tradições políticas, à sua maneira, contribuiu para inibir a crescente politização da sociedade brasileira e limitar as decisões na democracia às elites políticas. As Forças Armadas, que eram consideradas pelos jornais como os pilares do regime, eram exaltadas como exemplo de conduta moral e legalista e relacionada ao prévio diálogo racional e moderado entre os possuidores de bom senso e no seu posterior ato de vontade. Assim como no pensamento autoritário analisado por Bolivar Lamounier, esta mudança deveria resultar de um consenso inter pares. O Golpe Militar foi dado com base no voluntarismo salvacionista dos democratas e no consenso entre os conservadores e militares sobre a defesa da hierarquia e disciplina e do regime democrático. LAMOUNIER, B. Formação de um Pensamento Político Autoritário na Primeira República. Uma Interpretação. In: Historia Geral da Civilização Brasileira. 2° Ed. São Paulo: Difel, 1978, Tomo III, Vol. 2, p. 370. 408 STARLING, H. Ditadura Militar. In: STARLING, H., BIGNOTTO, N., AVRITZER, L., GUIMARÃES, J. (Orgs.). Corrupção. Ensaios e Críticas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p. 253.

fiadores da ordem democrática. Enquanto corporação representada como responsável pela ordem e pela manutenção do regime, ao terem, segundo os jornais, sua hierarquia e disciplina quebradas por atitudes ilegais do Presidente, unificam-se aos grupos civis e políticos conservadores e intervém no Executivo. Por compreender a política enquanto uma instância corruptível, os jornais acabaram por sugerir que a boa ação no campo da política necessitaria das virtudes morais e do bom senso. Havia uma distinção entre a “baixa política” e uma política praticada com desinteresse e franqueza. Desta forma, os grupos de esquerda, que desejavam uma ação política mais efetiva e uma ampliação da democracia representativa, por não possuírem tais valores e princípios, estariam contribuindo apenas para a desordem e para a agitação. A ação política convertiase em vício que corrompia a democracia, enquanto a representação legítima através do Congresso era compreendida como virtude. A política também teria, assim, devido a sua ineficácia em relação à solução das desigualdades, caráter subalterno à economia. Diante das demandas pelo aumento das possibilidades de representação e por uma maior participação na política de analfabetos, militares de baixa patente, por exemplo, os jornais buscaram meios de conter tais demandas através de seus atos de fala. Esta maneira de compreender a política, que é encontrada nas páginas dos jornais se coaduna com o desfecho da intervenção militar. Após o golpe e a vacância do posto presidencial declarada, seria necessária a escolha de um novo presidente para encaminhar o processo político até sua normalidade. A normalidade política significava o restabelecimento da legalidade e da autoridade, e a realização das eleições presidenciais sem a presença dos comunistas e dos corruptos. À medida que soluções políticas eram exigidas; a eleição de um novo presidente; a votação das reformas reivindicadas por todos os grupos políticos; a manutenção das liberdades democráticas; os aspectos e princípios morais orientaram as ações dos revolucionários. Acreditava-se que após a “Revolução” a normalidade política seria restabelecida pelos militares revolucionários e os políticos “democratas” seriam novamente empossados em seus cargos. Enganaram-se.

Conclusão O idioma político dos jornais analisados ao longo do governo de João Goulart esteve relacionado à defesa da democracia representativa contra a “agitação”. Para os grupos conservadores que se pronunciavam neste idioma a democracia seria, antes de um regime político, um valor moral. Há um constante diálogo entre o conceito de democracia e o mito de unidade. Há também uma correspondência aos conceitos de harmonia, concórdia, paz social e tranqüilidade; todos indicadores e fatores de uma cultura política autoritária, de baixa politização e apartidária que deveria, também, basear-se na tradição cristã do povo brasileiro e na representação via Congresso. A estrutura argumentativa deste contexto lingüístico encobria a crise em imagens histórico-filosóficas, criava identidades e unidades de ação social e política empenhadas em excluir seus inimigos destas identidades e do mundo. Diante da crise da renúncia de Jânio Quadros e a iminência da posse de João Goulart, em agosto de 1961, argumentos em prol da defesa da democracia pautada nestes valores e na representação serão evocados. A posse de Jango foi garantida em nome da legalidade da manutenção do regime democrático e do cumprimento da Constituição. Aqueles que se batiam contra sua posse, o faziam, também, em nome do regime representativo de base cristã contra a “agitação” e comunismo. Os argumentos dos ministros militares e dos jornais, portanto, convergiam em relação ao regime a ser seguido: o regime representativo. Divergiam, entretanto, em relação à intensidade do “perigo comunista” e das ameaças de agitação identificadas a Jango. De acordo com os grupos favoráveis à posse de João Goulart, as instituições democráticas e a tradição do povo brasileiro seriam capazes de conter tais ameaças. Frente à crise política e à iminência da guerra civil instaurada no veto à posse de Jango, os valores democráticos seriam capazes de manter o regime afastado do comunismo e da agitação. A democracia, entendida dentro de uma lógica histórico-filosófica, anteciparia o fim da crise. Diante da crise, o parlamentarismo surge como “solução”. Sob o parlamentarismo, Jango assumiria a presidência da República, mas teria seus poderes limitados, o que agradaria aos grupos contrários a sua posse. Os ministros militares garantiriam a manutenção da ordem e da democracia contra a agitação e

o comunismo, os conservadores reassumiriam o centro das decisões políticas por sua maioria no Congresso e a legalidade seria mantida dando a João Goulart o cargo de Chefe do Executivo. O parlamentarismo representou o consenso em torno da democracia cristã, da unidade, harmonia, ordem e da representação afastada da “agitação” e da guerra fratricida. A crise exigia uma decisão, e o consenso pautou-se pela moral. A crise continuava deflagrada e a decisão mantinha-se em aberto. No ato de sua posse, no dia 7 de setembro de 1961, João Goulart exaltaria sua fé cristã, pronunciar-se-ia como guardião da unidade e da legalidade, afirmaria a centralidade do Congresso. Este posicionamento do presidente, em nome dos valores democráticos caros à opinião pública e a diversos grupos políticos, será cobrado diante da crise. Neste mesmo momento, entretanto, o presidente aponta para aquela que seria sua estratégia ao longo de seu governo e reclama a consulta popular sobre o retorno ao presidencialismo. Através da mobilização dos trabalhadores e do apoio de setores militares, antecipa o plebiscito para janeiro de 1963. Esta mobilização é caracterizada pelos conservadores como inconstitucional, pois dentro de regime representativo somente os parlamentares eleitos poderiam interferir nas decisões políticas. Os sindicatos deveriam manter-se ocupados com as reivindicações de classe e não com a política. À medida que o temor anticomunista aumenta e ganha repercussão entre os diversos grupos políticos conservadores e nos meios militares, a politização do espaço público brasileiro e as reivindicações pela ampliação democrática serão identificadas à agitação. Esta agitação seria responsável por criar o clima de instabilidade e crise na política brasileira e abrir espaço para a ação que subverteria a ordem. A crise era entendida como algo artificial, criada por comunistas ou por políticos demagogos a fim de desestabilizar o regime. Em outubro de 1963 João Goulart é cobrado sobre seu posicionamento diante do aumento da “agitação”. A crise continuava instaurada. Este posicionamento é cobrado, inclusive, dos candidatos ao pleito de 1965. A democracia, concebida como valor e entendida dentro de uma lógica dual e histórico-filosófica pelos grupos conservadores, seria responsável por findar a crise. Diante dos vícios da participação política e da ação demagógica, as virtudes democráticas antecipariam o fim da crise que seguia entendida como uma crise moral. O ano de 1963 foi marcado por greves políticas e movimentos de militares de baixa patente reivindicantes de modificações nas estruturas democráticas

visando a sua ampliação. Estes grupos extra-parlamentares radicalizarão suas demandas e mobilizações. Isto causará, nas Forças Armadas, uma reação. Percebe-se, em alguns chefes militares, a intolerância em relação aos sindicatos e aos militares de baixa patente que se aliaram aos trabalhadores na “agitação subversiva” e “desordem” e, igualmente, a cobrança de um posicionamento mais enérgico de Goulart em relação à “agitação” de grupos ilegais. O regime representativo segue sendo defendido das investidas pela ampliação da participação democrática. A partir de então, outro mito ganharia força. O mito da conspiração. Diante do não cumprimento do fim democrático, seus desvios eram identificados a planos conspirativos que visavam à derrocada da democracia. Inicialmente estes desvios poderiam ser causados por grupos à esquerda e à direita do espectro político. A conspiração era identificada aos extremistas e radicais, fossem eles pertencentes a grupos à esquerda ou à direita, mas à medida que a mobilização extra-parlamentar aumenta e é identificada à “agitação”, a conspiração ganha contornos comunistas. A conspiração seria identificada como arma dos comunistas para a derrubada do regime. Neste sentido, a conspiração em curso cobrava, e legitimava, dos responsáveis pela desarticulação da conspiração uma ação redentora. Após o fracasso do pedido de estado de sítio por João Goulart ao Congresso, este aspecto se torna claro. A partir de sua tentativa de adquirir poderes extraordinários, Jango foi acusado de conspirador e um golpista em potencial. Estes poderes foram requisitados com o fim de manter a ordem e acabar com a agitação sob forte pressão dos militares. O fracasso foi decisivo para o destino político de João Goulart. O dualismo e a preponderância da moral sobre a política possibilitavam leituras ambíguas do presidente. Diante do não cumprimento do fim democrático, Jango era acusado de omissão; o que reforçava sua caracterização como um político de frágil orientação ideológica. Não obstante, diante da sua estratégia de apoio nos grupos extra-parlamentares, opostos ao regime democrático e ilegais, Jango era acusado de estar agindo e conspirando em favor de seus interesses; o que reforçava as leituras do presidente como um homem manipulador e calculista, orientado para seus fins. Ambas as leituras estiveram relacionadas às cobranças do posicionamento democrático do presidente e alertavam para uma possível ação reordenadora, caso Jango não se afastasse das esquerdas e dos grupos extraparlamentares. Desta forma, os limites e impasses experimentados pelo governo

de João Goulart, são produto da estrutura histórica deste momento, dual e ambígua. Ao seguir sua opção de manter-se ao lado de grupos extra-parlamentares e das reivindicações pela ampliação democrática, ao longo de 1964, João Goulart entraria de vez para ilegalidade. Desta forma, o presidente perderia sua legitimidade e soberania, abrindo caminho para a ação daqueles empenhados e responsáveis pelo fim da conspiração. A crise, no entanto, ainda era compreendida sob aspectos morais. As Forças Armadas, coesas em torno da defesa da hierarquia e da disciplina, e, da erradicação do comunismo e da corrupção na política brasileira, foram chamadas a intervir na política. As Forças Armadas construíramse, e foram caracterizadas, enquanto os fiadores da ordem democrática e possuidores da bandeira da legalidade. Envoltos no mito da unidade, caracterizados pela neutralidade e isenção política, os militares cumpriram seu dever, e realizaram sua decisão. A crise ao longo do governo de João Goulart foi compreendida de maneira particular. O político esteve subordinado à moral. Portanto, a crise necessitaria de uma atitude de bom senso para verter ao curso normal, a política. Esta estrutura argumentativa contribuiu para inibir a politização da sociedade brasileira e seus reordenamentos político-ideológicos. Grupos civis e políticos conservadores, aliados às Forças Armadas uniram-se em torno de um “consenso valorativo”, ou de um “consenso sobreposto” pautado em valores ideais e voluntaristas. Contribuiu, igualmente, para relegar a ação política ao plano dos vícios, e a representação ao plano das virtudes. A ação deveria estar vinculada ao processo econômico, considerado mais eficaz que o mundo político. A sociedade, incapaz de se livrar, politicamente dos demagogos corruptos, deveria ser salva pela moral dos homens virtuosos e pelo desenvolvimento econômico. O mundo político não se apresentava enquanto um horizonte. Após o desfecho da “Revolução”, em abril de 1964, e a concretização do Golpe Militar, o consenso em torno do regime representativo não foi suficiente para impedir a derrocada da democracia.

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