Para cima de quem? Reflexões sobre a política do Governo Wagner (BA)

June 13, 2017 | Autor: Felipe Freitas | Categoria: Segurança Pública
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23/01/2016

Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência

Artigos   2009­01­15  Source: Felipe da Silva Freitas

Para cima de quem? Reflexões sobre a política do Governo Wagner (BA) Artigo de Felipe da Silva Freitas, estudante de direito e militante do Núcleo de Estudantes Negras e Negros da UEFS, sobre a política de segurança do governo da Bahia. O que é legalizado e nos violenta com naturalidade e cinismo será revelado e desmontado com essas vozes que ampliamos com uma “outra” política feita ao modo dos que não se envergonham de ser do contra. Hamilton Borges Walê As declarações recentes do Secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia, ou melhor, do Secretário de Polícia, como prefere ser chamado, merecem, além do repúdio, uma análise mais detida por parte da sociedade baiana, no sentido de encontrar na sua fala a enunciação de um discurso velado (que as vezes se explicita) sobre o que pensam os Governantes quando tratam da noção de segurança pública demonstrando de maneira evidente o quanto a punitividade se impregnou na estrutura de Estado que se vale do discurso jurídico punitivo penal e sacramenta desigualdades, distribuindo dor e sofrimento. Ao apresentar à imprensa os quatorze elementos (essa é a expressão usada no site oficial do Governo do Estado da Bahia como legenda das fotos dos acusados) presos como suspeitos de tráfico de drogas na capital, o Secretário César Nunes disparou dizendo que, como prometeu, está partindo para cima dos bandidos, que se tiver que tombar alguém que vai ser do lado de lá “do lado dos bandidos”, que os policiais não podem ter medo e que ele mesmo, o Secretário, acompanharia os policiais que se acovardassem. Para polir um pouco a sua fala o Secretário diz que o que só “quando tivermos ações sociais nas grandes áreas de conflito, ruas asfaltadas, coleta de lixo, esgoto, opções de trabalho, oportunidade de educação para todos esses jovens que aí estão” será possível se falar em segurança, porém, ao ser questionado sobre os autos de resistência o Secretário mais uma vez não titubeia e sentencia: “não podemos nos acovardar. Partimos para cima sempre, com segurança, com a certeza de estarmos cumprindo as leis. Porque, se tem que tombar, que tombe do lado de lá, não vai tombar do nosso lado, não. Que tombe do lado dos bandidos, mesmo. E a polícia não se acovarda, não, a gente está partindo para cima mesmo.” – disse o Sr. César Nunes. Trata­se de uma manifestação que apesar de chocante é usual, no dia a dia, essa é a idéia que preside a ação dos Governos no campo da segurança pública. A idéia de combate, de ataque, de enfrentamento, de campo inimigo e defesa dos interesses de Estado, conduzindo todo o sistema num clima de guerra que produz os índices de morte vistos atualmente. Esse discurso de combate às drogas tidas como “inimiga numero 01” da “sociedade de bem” e dos “bons cidadãos” é, na verdade, um discurso de legitimação do extermínio, uma porta aberta para violação dos direitos humanos e para o acirramento das agressões a jovens negros dos bairros populares por parte do aparato da polícia. Por trás dessa fala de que há uma guerra em curso e de que os traficantes são os grandes responsáveis por tudo isso há, de fato, uma verdadeira máquina de matar que concentra investimentos no sistema penal, no fortalecimento da estrutura de polícia e do modelo de controle social formal vigilantista empreendendo, através de tudo isso, uma verdadeira limpeza étnica com a conivência das grandes empresas de comunicação baseadas no senso comum punitivo de profunda tolerância à tortura, prisão e execução de homens jovens, negros e pobres. No discurso do Secretário César Nunes certamente não estão enquadrados os jovens brancos da classe média que são, além de consumidores, traficantes de drogas em meios sociais mais abastados (Universidades, festas em boates caras, escolas particulares e etc., etc.) a esses jovens o Secretário certamente destinaria um discurso mais brando e clínico tentando perceber os vários conflitos nos quais nos quais a vida daqueles jovens estaria inserida entendendo, portanto, que ele é sujeito de um discurso social e de uma autonomia política e simbólica, condição negada aos jovens contra os quais o Sr. César Nunes afirma ser necessário “ir pra cima”. Do ponto de vista do pertencimento étnico e social o Secretário tem lado ao falar sobre crime, criminalidade e violência. Trabalhando com o aparato simbólico e material do discurso penal dominante ele escolhe um lado a partir do qual tece as suas reflexões, de forma que, ao falar daqueles que estão “do lado de lá” ele assume toda a sua http://www.redecontraviolencia.org/Artigos/420.html

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branquitude burguesa e declara guerra às comunidades populares, onde estariam os grupos inimigos, leia­se os trabalhadores e desempregados, negros. Um exemplo claro dessa avaliação são os próprios nomes com os quais a Secretaria de Segurança Pública batiza as suas operações – “Salvador da Paz”, “Operação Saneamento I e II”, “Operação Big­Bang” e etc. ­, nomes que denunciam a natureza unilateral da ação da política de segurança no Estado, que revelam uma natureza megalomaníaca e higienista, estabelecendo o sistema como única forma possível de mediação de conflito e, além disso, nomes que distorcem a realidade social, calcados na idéia maniqueísta de “bem” e “mal” e fortalecedores dos estigmas, num reforço a toda uma ideologia dominante, que, alem de excessivamente punitiva, discriminatória e ineficaz é injusta e socialmente desigual. Em termos analíticos, estamos diante daquilo que na Europa e nos Estados Unidos já se consagrou no campo da repressão excessiva com o nome de política da “tolerância zero”, ou, usando as palavras de Loïc Wacquant trata­se da transição do “Estado Providência” para o “Estado Penitência”. O Brasil não só importou essas práticas como as incorporou em sua gênese de Estado Punitivo penal “vendendo” o sistema com os sinais da equação trocados, ou seja, por dentro do discurso de ressocialização, produzindo altos índices de morte e mais violência. Quando o Governo do Estado da Bahia (seja na época do Carlismo ou agora, com um comando de um partido de esquerda, de origem sindical e vindo do seio dos movimentos populares) pronuncia através do seu Secretário de Estado que é preciso enfrentar o crime fortalecendo a lógica da guerra e da “invasão de territórios” o que se tem como conseqüência é a legalização da pena de morte, a legitimação do desrespeito aos direitos constitucionais e a vulnerabilização das comunidades populares, pois, com o aval do responsável estatal pela segurança, os policiais podem “fazer tombar” os cidadãos das comunidades tidas como focos do tráfico de drogas. A institucionalização da morte enquanto política de Estado, presente nas entrelinhas do discurso do Secretário, enuncia algo que já se pratica reiteradamente não só na capital, mas, em toda a Bahia. Segundo dados oficiais, em cidades como Feira de Santana o número de assassinatos em 2008 chegou a 295, sendo que, destes, cerca de quarenta por cento foram praticados com características de extermínio (tiro na cabeça, assaltantes em motos, jovens negros – entre 15 e 24 anos como vítimas) e 18 caracterizados como autos de resistência (troca de tiros com a polícia). Ou seja, o número de mortes desencadeadas ou com participação direta do próprio sistema é altíssimo confirmando que é a própria lógica punitiva que desencadeia a onda de violência que diz combater. Segundo dados da Associação de Familiares e Amigos de Presos do Estado da Bahia – ASFAP­Ba (organização que apesar de desenvolver um importante trabalho na defesa dos direitos dos presos não é reconhecida pelo Governo do Estado e é vítima de agressões diárias por parte de vários meios de comunicação) entre janeiro e setembro de 2007, 660 pessoas foram assassinadas pela polícia, sendo que, em 2008, no mesmo período, esse número passou para 1.450 (quase o dobro), as afirmações do Secretário são como que uma confirmação dessa lógica. Na imprensa oficial (o site do Governo do Estado (http://www.comunicacao.ba.gov.br) ) a operação foi definida como “um sucesso”. As fotos que ilustram as matérias (http://www.comunicacao.ba.gov.br) são como que um triunfo de guerra, uma comemoração solene de um resultado do bem contra o mal. Na frente, o Secretário de Segurança Pública, homem branco de paletó, falando eloquentemente sobre controle, repressão, combate, enfretamento e tombar de inimigos, por detrás, sem fala, os acusados de envolvimento com o tráfico, homens negros, vozes silenciadas, integridades desconstituídas são expostos à execração pública, sem direitos, sem vontades, sem histórias e sem autonomia. São fotos que lembram as pinturas de Debret retratando a escravidão ou uma mega­operação de guerra norte­ americana contra o Talebã, ou de Israel contra os Palestinos, entretanto, estamos num estado democrático, oficialmente em tempos de paz, por isso, descabida tal comparação sendo apenas importante lembrar que, já nos ensinava O Rappa, “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. Aí não se fala mais em direitos, em Constituição Federal, em autonomia, em direitos humanos. Aqueles homens, autores de um discurso sobre si mesmos, foram violentamente silenciados pelo Estado que lhes nega toda possibilidade de fala sobre si e sobre a sua história, roubam­lhes a identidade e a autonomia, imputam­lhe um tipo penal e uma etiqueta social: traficantes. Tudo o que foge ao rótulo é desconsiderado nos discursos. Aqueles homens não passam de ladrões, criminosos, assaltantes, homicidas, inimigos esse é o discurso depreendido dos textos publicados pela Assessoria de Comunicação do Governo do Estado da Bahia, portanto, esse é o discurso oficial. Por fim, cabe perguntar: para cima de quem pretende ir o Secretário de Segurança Pública? A julgar pelos últimos http://www.redecontraviolencia.org/Artigos/420.html

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acontecimentos, fico pensando sobre quem serão as próximas vítimas. Penso nos riscos que cercam a nossa atividade política de “arremessar verbos ao futuro (…) abrindo caminhos com picaretas”, como diz o parceiro Hamilton Borges. Entretanto, apesar de todo o risco, é preciso que não nos calemos, é preciso encontrar algum discurso por detrás daqueles rostos acuados dos homens presos e expostos como que num mercado de escravos na chegada de mais um tumbeiro na Baia de Todos os Santos, é preciso desvelar o discurso oculto do sistema e anunciar uma outra verdade, produzida pela interação de todos os sujeitos sociais subalternizados, denunciando o caráter genocida desse modelo penal dominante anunciando que é preciso reagir, política e coletivamente, se não, morreremos todos(as).  (../start/print/420.html) 

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