“Para de palco!”: como a literatura de Marcelino Freire, adaptada ao teatro, retrata a patrulha dos corpos na pós-modernidade.

May 24, 2017 | Autor: Roberto Dias | Categoria: Teatro, Marcelino Freire, Teatro Gay
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FOLHA DE ROSTO



Título do Projeto: "Para de palco!": como a literatura de Marcelino Freire,
adaptada ao teatro, retrata a patrulha dos corpos na pós-modernidade.

Autor: Roberto Muniz Dias

Área: Estudos de Literatura/Literatura Brasileira

Palavras-chave: Literatura homoafetiva, Teatro LGBT, Marcelino Freire.

Linha de Pesquisa: Poéticas na Contemporaneidade

































Resumo:

A produção artística teatral com textos e montagens com temática
homoerótica tem aumentado no país, trazendo a discussão dos espaços, temas
e situações da vida gay. O cenário de produção é diversificado, partindo de
produções autorais para aquelas com base em textos preexistentes de
escritores gays. Desta forma, atores e autores se alternam nesta composição
teatralizada dos anseios, medos, expectativas e desilusões deste público.
Alguns textos de Caio Fernando Abreu, principalmente os contos, ganharam
montagens cênicas no circuito do eixo Rio-São Paulo. Alguns trabalhos de
escritores também se tornaram texto-base para produções no mundo do teatro
para teatralizar suas fábulas, como é o caso de Marcelino Freire com
diversas adaptações para o teatro como, A bicha Oca com base em contos do
livro Contos Negreiros, Amar é crime e as peças homônimas Angu de sangue;
Rasif - mar que arrebenta e Ossos, com base no romance Nossos Ossos.
Portanto, este presente estudo visa elaborar a análise interdisciplinar das
ideias do teatro fronteiriço de Sinisterra na transposição do texto
ficcional para o teatro e da narrativa – sob a perspectiva das produções
marginais e do sistema literário nos tensionamentos: centro/ periferia – no
tratamento das questões das identidades homoeróticas retratadas na obra
literária de Marcelino Freire.

























Introdução

No atual cenário das artes cênicas, diversas montagens teatrais
estão sendo realizadas e financiadas por editais específicos ou pelo
sistema de financiamento coletivo. Esta realidade é acompanhada pela
valorização de textos e autores fora dos eixos culturais tradicionais das
artes, para se aventurar em outros centros, promovendo a inclusão a
ampliação num contexto sociocultural de um grupo ainda carente de produtos
culturais.

Nosso objeto de estudo, apesar de irradiar sua produção a partir de um
dos principais eixos culturais do Brasil, tem como local de fala o
migrante, o nordestino, o gay, a travesti, o michê deslocados como pontos
polifônicos de sua arte. No entanto, a construção de suas personagens se dá
por este viés do retirante/estrangeiro, que procura a resolução de seus
problemas com a utópica diáspora na cidade grande. Temas recorrentes em sua
obra que fazendo este contraponto, tematiza a opressão citadina, a leitura
dos corpos.

Além disso, Marcelino Freire – escritor, poeta, agitador cultural,
coordena as edições da balada literária em São Paulo como organizador e
curador – representa um exemplo de produção de uma literatura
contemporânea, que problematiza, à sua maneira, aspectos intimamente
relacionados à masculinidade, representatividade da alteridade e da
homossexualidade.

Tal como Plínio Marcos e Newton Moreno, ele criou personagens
masculinas à marginalidade de uma experiência heterossexual compulsória.
Marcelino Freire possui uma antologia de textos dramáticos satisfatória, no
entanto, há um registro analítico desta produção. Sua obra trabalha o tema
do homoerotismo nos textos que compõem nosso corpus, com implicações
importantes para as discussões atuais sobre um teatro autoral e
contemporâneo.

Importante o registro da análise da peça Ossos, encenado pelo Coletivo
Angu de Teatro de Pernambuco, que tem por base o romance Nossos Ossos
(2013). Nesta peça em específico, fica claro o conjunto identitário da obra
de Marcelino ao misturar trilha sonora própria, personagens marginalizadas
e o protagonista autorreferencial. Esta miscelânea empresta a obra um
caráter particular ao se sopesar toda a imbricação de temas e concepções
teóricas sobre o teatro moderno. Não somente a arte dramática, alicerçada
num discurso literário, mas numa performance onde o tradicional se mistura
com o contemporâneo. O jogo de luzes e a música retiram da obra sua carga
dramatúrgica, rendendo as "bruxas-bixas-urubus" parte importante na
encenação desta peça, como verdadeiros leitmotiv. Marcelino é incorporado à
peça, autor e ator se misturam no discurso. Enveredamos no que se intitula
de cena contemporânea. Segundo Cohen (2016, p. 27):

A nova cena está ancorada em alternâncias de fluxos
sêmicos e de suportes, instalando o hipersigno teatral, da
mutação, da desterriolização, da pulsação do híbrido.
[...] Estão em jogo três vozes que agenciam o texto, lugar
e presença. [...] No contemporâneo, a voz do encenador,
que geralmente é o criador, acumulando autoria...ganha
preponderância.

Isto fica claro na obra em tela, temos o ator/autor lendo trechos de
seu próprio livro, quebra-se a quarta parede quando ele interpela a
plateia, instiga com perguntas. E ao longo da peça, estas interpelações são
cuidadosamente trabalhadas, trazendo ao palco personagens polifônicos que
retratam partes importantes da história que se dificulta na transposição do
texto literário para o teatro. Esta dificuldade é apontada pelo Professor
Sinisterra (2016, p. 122), com as seguintes orientações das quais
apontaremos apenas aquela que ele aconselha utilizar:

Ou então, como eu já tinha insinuado, inventar um
personagem novo, comprometido com a ação, dotado de uma
função dramática específica, e atribuir a ele aqueles
solilóquios narrativos que possam contribuir para
determinada 'humanização' do personagem, de modo que seja
propriamente um personagem, e não apenas um testemunha
alheia e neutra.

Este é recurso polifônico de personagens que o texto teatral de
Marcelino coloca no palco. Coloca travestis, michês, pessoas noctívagas, os
"urubus-bixas-erínias" perambulando sobre a cidade de pedra. Estas vozes
tentam promover a estética de não dissociação do literário e do teatral, da
fábula do dramático. E coloca contraditoriamente estes corpos abjetos na
harmonia do caos.

Não é simplesmente uma questão de encontrar traços
obscuros de uma presença homossexual no passado, embora
seja isso também, mas de incluir escritores – Whitman é um
bom exemplo – que eram clara e explicitamente
homossexuais, cuja homossexualidade, ignorada pela maioria
dos críticos e professores, tem um significado
considerável em sua obra. (TÓIBÍN, 2004, p. 19)

Estas teses acima sustentadas são apoiadas por uma obra genuinamente
autorreferencial, metalinguística e autoral. Por isso, os textos de Freire
não podem ser analisados à guisa de uma total higiene do texto, ao ponto de
encontrar apenas o formalismo exigido por Foucault num possível apagamento
da psicologia do discurso do autor. Talvez perguntar "O que é um autor?"
[1] não fosse mais a problemática discursiva e sim reverter e desconstruir
– tal como o autor objeto deste estudo – num processo reformatório: "Sim,
importa quem fala!".

No entanto, assim como a literatura, histórias com temática
homoerótica, segundo o dramaturgo Newton Moreno (2001) "não constituem bom
teatro e sim, manifestos de uma minoria em busca de conquista de espaço".
Sempre parece existir um tom político para estas manifestações artísticas
que pretendem questionar os papeis sociais do publico LGBT. No entanto, há
uma forte tendência para a produção e montagem de peças de teatro com a
temática homoafetiva. O pesquisador acima mencionado, no seu texto: A
máscara alegre: contribuições da cena gay para o teatro brasileiro[2]
perfaz um mapeamento historiográfico destas produções casuísticas,
estudando não apenas este viés histórico, mas tentando avaliar uma
contribuição estética deste material. No entanto, o estudo se concentra no
registro das obras que foram montadas no Brasil durante o final do século
XX. Como o próprio pesquisador esclarece em seus questionamentos, não se
procura algo conceitual dentre estas produções, senão uma genealogia delas.
Por esta razão, o presente estudo pretende fazer uma análise pertinente não
apenas a esta contribuição dos registros históricos e desta genealogia do
teatro gay, mas pesquisar de forma pontual alguns trabalhos de autores
contemporâneos que produzem uma literatura com forte apelo homoerótico e
que têm desenhando uma nova silhueta deste teatro/urdidura com temática
homoafetiva. Marcelino Freire tematiza esta postura do homem pós-moderno e
citadino, permeando os interditos e a liberdade erótica dos corpos; a
opressão da cidade e do Outro, resultando numa produção repleta de
oralidade, verborragia e sexualidade.





Problema

Mas como se comportam, dentro da urdidura, estas personagens de
Marcelino Freire nos espaços patrulhados e monitorados por uma certa
expectativa de condutas?

A priori, precisamos entender por que motivo falamos em corpos e suas
destinações nesta pós-modernidade. O período de 1950 a 1973 é determinado
por muitos historiadores como a pós-modernidade. Neste período, há um forte
desenvolvimento e choque entre as diferentes ideologias presentes: tais
como: socialismo, feminismo, capitalismos, hedonismo, entre outras. Estas
ideologias traziam em seus contextos diferentes abordagens sobre: família,
sociedade e indivíduo. No entanto, estaríamos diante de uma completa
desfiguração dos cânones culturais estabelecidos por uma ideologia
heteronormativista, eurocentrista e judaico-crtistã? Segundo Pereira
(2013), embora se tematize uma pós-modernidade, de valores completamente
antagônicos, há a primazia de uma estrutura centrista relacionada à
marginalização da produção cultural da periferia e do centro. E, por
conseguinte, se falamos de uma estrutura que mina os padrões estabelecidos,
ainda temos que nos remeter a um padrão que estabelece a dicotomia das
ideologias: centro/ periferia; urbano/rural; heterossexualidade
/homossexualidade.

Dentro desta simbologia do pós-moderno podemos então situar a obra do
escritor Marcelino Freire que problematiza estas realidades, desconstruindo
valores, identidades e sexualidades por meio de sua literatura distópica.
Segundo a pesquisadora:

Personagens sem rumo, sem estrutura e sem identidades
próprias marcam a narrativa contemporânea, sem fórmulas ou
regras. Nota-se essa disposição narrativa nas obras de
Marcelino Freire, onde as estruturas de conteúdo e forma
são colocadas em xeque (Pereira, 2013: 136)

Mas não se deve pensar na pós-modernidade como um marco estanque que
trouxe logo uma mudança abrupta nos costumes; ainda temos as religiões, as
escolas, a família com perpetuadores de uma certa tradição. Ainda é certo
afirmar que existe um parâmetro deste homem pós-moderno que continua
descontruindo estes ditames. As diferenças entre o centro e a periferia
ressaltam a existência de contrapontos dentro da sociedade e embora que
achemos que exista uma liberdade, subsistem as categorizações de posturas
adequadas. E quanto às questões sobre a sexualidade, embora aquelas
instituições promovessem um certo patrulhamento dos corpos úteis – o
Panótipo de Bentham[3]–, não restam dúvidas que existe uma visão canhestra,
sobretudo da Igreja, que via na prática do sexo não procriativo algo
pecaminoso. Criou-se uma resistência para ao estilo literário que se
utilizava do pornografia/erótico. No entanto:

[...] os esforços das autoridades religiosas e políticas
para regulamentar, censurar e proibir os trabalhos
(pornográficos) contribuíram para sua definição e, por
outro lado, para a existência de um publico leitor para
tais obras e de autores empenhados em produzi-la
(HUNT,1999, p.20).

Esta ideia é reforçada pelos estudos de Foucault (2002) sobre a
genealogia da sexualidade diante a afirmação de que a Igreja não interditou
a possibilidade dos corpos, ao contrário, ela permitiu que se falasse sobre
sexualidades. E a esta hipótese de negação criou-se uma vontade de saber
sobre todas as sexualidades. O homoerotismo, como elemento de manifestação
social e como categoria estético-política, representa, no mundo
contemporâneo, uma clara crise da percepção burguesa de masculinidade. Há
também em Marcelino um forte teor pornográfico que vem corroborar sua
vertente homoerótica no sentido de revelar-lhe a verdadeira potencialidade
de suas personagens, embora este artifício não isente as interpretações de
sua versatilidade.

O estudo da literatura pornográfica não se faz sem
dificuldades. Para começar, o próprio termo "pornografia"
designa uma realidade sobre a qual todos pensam não haver
mistério algum: se a sexualidade se beneficia da aura de
um autêntico problema filosófico, se o "erotismo" dá
testemunho de um elevado grau de civilização, a
pornografia é tida na conta daquele que remete o homem ele
tem de mais evidente e elementar. (Maingueneau, 2010, p.
9)

Observamos em Marcelino uma urgente ontologia de repensar os corpos e
suas destinações pela experiência do permitir-se aventurar por caminhos sem
rumo. Esse deslocamento está na percepção da construção de parâmetros ainda
não observados pelos que se fecham no centro. Embora estejamos envolvidos
pelas fragmentações do homem pós-moderno, permanecemos no estágio do
sujeito deslocado; deparamos com um leitor com a consciência da existência
de paradigmas imprevisíveis[4]. Ainda assim nos deparamos com personagens
excluídas de qualquer estratégia de total percepção desta
imprevisibilidade, ainda nos deparamos com corpos numa dimensão do entre-
lugar, na contramão de uma certa normalidade.

Neste trabalho, pretendo responder às questões sobre a
homoafetividade representativa da teatralidade de Freire (nas obras acima
mencionadas) como um elemento renovador de sua arte, tal qual Even-Zohar
teorizou sobre as questões dos princípios e condições de interferências[5],
dos quais um sistema literário pode se utilizar para se renovar. Ainda
segundo Lopes, "no quadro de uma trajetória sentimental e existencial, é
que podemos situar a passagem de toda uma homotextualidade marginal cada
vez mais para o centro da literatura brasileira contemporânea" (LOPES,2002,
p.139).

Somam-se a estas questões outras que também estruturarão o processo
dialético da problemática inicial deste trabalho. Que acréscimos são
incorporados a estas personagens? Os estereótipos são reiterados? É
possível traçar paralelos nas obras do autor a partir da forma como suas
personagens trabalham suas práticas sexuais? As caricaturas são eficientes?
Os arquétipos quebram tabus e modificam um pensamento? Como o autor
Marcelino Freire subverte essas questões do canônico/não-canônico dentro do
sistema literário?



Corpus

Diante deste panorama estabelecido entre a literatura e o teatro
produzido pelo escritor Marcelino Freire, talvez resida aí, no intuito
deste presente trabalho uma ausência de um estudo direcionado à nova faceta
da verve Freiriana. E com certa assertividade, este estudo pretende,
incorporando ao longo da sua empreitada novas referência bibliográficas,
realizar um estudo mais apurado do teatro produzido por Marcelino Freire.

O ator, produtor e dramaturgo Rodolfo Lima, entusiasta da obra de
Marcelino e produtor da peça "Bicha Oca[6]" – com textos baseados nos
contos: A volta de Carmem Miranda; Os atores; Meus amigos coloridos e
Coração – reuniu um pouco do trabalho literário de Freire com forte teor
teatral. Desta primeira montagem que ocorreu durante o mês de agosto do
presente ano, na capital paulista, Rodolfo potencializou a dramaturgia das
personagens. O trabalho do ator e dramaturgo rendeu opiniões do próprio
escritor sobre a atuação do seu texto, sem perder a sintonia do que foi
tratado na definição do problema deste trabalho: autorrefrência e
metalinguagem: "Rodolfo Lima é meu alter ego, digamos, gay. Explico: trouxe
ele à cena meus contos homossexuais. E deu uma força descomunal a eles, etc
e tais"[7]. Portanto, a visão intimista não impede extrapolar a visão
holística de uma cultura ou homossociabilidade de Sedgwick (1985). Segundo
Antônio de Pádua Dias da Silva:

Estes seriam os primeiros leitores desse gênero ou dessa
compartimentalização literária, seja por afinidade,
identificação ou por essa produção representá-los naquilo
que Sedgwick (1985) e Weeks (1998) souberam muito bem
definir, o homossocial desire (ou "desejo gay", desejo
homossocial) (2011, p.13)

Portanto, o objetivo deste presente trabalho é estudar a obra de
Marcelino Freire que incorpora elementos de autoficção, mas que dialoga com
um conjunto significativo de uma estrutura estética que encena uma
experiência teatral essencialmente contemporânea. Tal obra também dialoga
ideologicamente com a alteridade e a crise do masculino encontradas nas
obras de Plínio Marcos e Newton Moreno. Por meio das análises das
personagens que encenam as histórias nos contos de Marcelino, é possível
observar questões para além da sexualidade, assim verificamos questões
étnicas e culturais. Isso acontece com o livro Contos Negreiros que
tematiza de forma metafórica as questões do negro escravizado, mas também
como objeto de desejo.

Assim, nas relações sexuais de interdição, o homossexual
supostamente "branco" vira oprimido e escravo do sexo,
violentado e açoitado pelo seu companheiro negro,
ilusoriamente opressor, para recompensar as opressões
históricas seculares, sociais e de classe. Ao revelar esse
jogo sexual fantasioso, Freire é perspicaz e sagar em seu
retrato das figuras e das relações sociais íntimas dos
casais homossexuais atuais, tanto problemáticas quanto
desconfortáveis e tragicômicas, que sofre não só com a
homofobia no País, mas com suas próprias armadilhas
sociosexuais. (ALMEIDA, p. 116)[8]

Neste estudo das peças escritas por Marcelino (e representadas em sua
maioria pelo coletivo de teatro pernambucano Angu de Teatro), a tentativa é
de estudar a construção destas personagens sob a ótica do Sistema
Stanislasky, identificando como se dá a caracterização das personagens LGT
– vez que Marcelino incorpora na sua obra o gay masculino, a travesti, o
michê. Estas manifestações da sexualidade são trabalhadas no gestual, no
figurino, na transposição de sentimentos, na vocalização, na incorporação
das personagens. As admoestações de Stanislavski (ou seria o diretor
Tórtsov): " – Já lhes falei dos atores que detestam e evitam uma
caracterização do papel que constitua uma mudança completa de sua
personalidade". (2014, p. 55). E como seria analisar estes atores dentro
desta subjetividade? Seriam todos atores gays ou a personalidade é
modificada para tal empreendimento? Estas questões invadem o percurso do
presente projeto como uma charada a ser resolvida. Mas é próprio do sistema
stanislavskiano esta modelação da personagem. E tal como na ficção
pedagógico do autor de A construção do personagem, uma verdadeira profusção
de sentimentos se apoderam do ator, não só o figurino, a voz, mas o interno
de cada um é que revela o verdadeiro ator. Por estas razões torna-se
importante estudar a transposição do literário para o palco, como fosse uma
adaptação de estruturas e identidades.

Tal como o pupilo de Tostov, a criação de Marcelino vai observando o
texto já produzido, e os atores partem desta concepção já formada das
personagens, que para Sinisterra (2016, p. 15):

Não se trata de um processo tão diferente daquele que
ocorre na chamada criação livre, na chamada original –
pois até na criação original, livre e individual de um
texto existe esse diálogo, essa tensão entre o mesmo e o
outro, entre o próprio e o alheio, entre o individual e o
coletivo.

Então estas adaptações entre a prosa e o teatro vão cobrar do ator a
reinvenção de si, dos trejeitos, das vozes, da pantomima deste outro,
trazido a tona como um diferente, uma abjeto ou de um não-familiar, no
sentido freudiano. Os exercícios teatrais de Stanilsvaski punham o jovem
kóstia num eterno processo de observação, como acontecia no papel de um
velho a ser reproduzido, no qual até a matemática era usada para descrever
os ângulos das articulações de braços e pernas a serem observadas na mimese
do personagem. E aqui encontramos outros questionamentos que forma
ventilados alhures: as peças de temática homossexual são feitas por atores
gays ou não? Mas não é este o papel do ator segundo a pedagogia do
espetáculo?

Por esta razão, a análise do trabalho de Marcelino Freire é de suma
importância para um estudo que dimensione não apenas a questão das
homossexualidades, contrapondo uma sistemática de avaliação e controle, mas
para o reforço de um desenho opressor que silencia as subjetividades. Mais
importante do que encontrar uma genealogia destas personagens é entendê-las
no processo de composição de suas identidades.

Para isso, serão empreendidas análises fílmicas, por trechos das
encenações pelo youtube.com; peças midiáticas (teasers), pequenas chamadas
da peça em si; audiência às apresentações das peças, especialmente das
realizadas na capital de São Paulo e Pernambuco; bem como de material
crítico e da fortuna crítica do autor.



Referencial teórico e metodológico



A abordagem metodológica do presente projeto de tese de doutorado se
insere na linha das chamadas "pesquisas qualitativas" que "enfatizam os
aspectos subjetivos do comportamento humano e preconizam que é preciso
penetrar no universo conceitual dos sujeitos para poder entender como e que
tipo de sentido eles dão aos acontecimentos e as interações que ocorrem em
sua vida diária" (ANDRÉ, 1995, p. 18).

Em termos da forma da pesquisa qualitativa, GODOY (1995) aponta para
a existência de três diferentes possibilidades oferecidas pela abordagem
qualitativa: o estudo de caso, a etnografia e a pesquisa documental. Esta
última forma vale-se de documentos que ainda não receberam tratamento
analítico por nenhum autor.

Por documento (do latim documentum , de docere – ensinar, mostrar), a
Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT (NBR 6023; 2000) entende
ser qualquer suporte que contenha informação registrada, formando uma
unidade que possa servir para consulta, estudo ou prova. Inclui impressos,
manuscritos e registros audiovisuais. Neste contexto, livros também podem
ser utilizados como fonte de dados para a pesquisa documental.

Sites especializados – ou não – em Literatura têm cada vez
mais discutido a questão da existência da Literatura gay. Entre debates,
entrevistas e pontos de vista, o assunto da Literatura gay permeia a
discussão dentro e fora da comunidade LGBT. Como citado anteriormente,
revistas especializadas em Literatura já trouxeram à baila, em seus
editoriais a discussão. A revista BRAVO questionava a existência da
estética homossexual, apontando como era vista a homossexualidade na
Literatura por volta do sec. XIX. Já a revista CULT, refletia sobre a
questão da dificuldade de escritores gays enfrentam para publicar suas
obras. Na matéria, a existência da estética homossexual na Literatura é
rechaçada. No entanto, polemiza: existe, no Brasil, uma estética
homossexual?

(...) é fundamental pensar a persistência do termo
"estudos gays e lésbicos", sobre até que ponto sua
institucionalização é necessária ou desejável. Nomear é
sempre um perigo, mas se não nos nomeamos, outros o farão.
Dar um nome não significa simplesmente classificar, mas
principalmente explorar, problematizar. (LOPES, 2001,
p.124)

Portanto, não se pode ignorar a existência de uma vertente
literária que expressa mais do que um olhar homoafetivo orientado para
problemáticas isoladas. O questionamento avança a seara da intimidade para
subverter os discursos majoritários, construindo um novo arcabouço teórico.
A crítica literária, Heloísa Buarque de Hollanda afirma:

Hoje, a diversificação é um critério forte de mercado e
pode ter sido por essa brecha que se afirmaram alguns
segmentos que tinham enorme dificuldade de se fazer ouvir.
Por outro lado, acho interessante, do ponto de vista
político, essa afirmação gay ou homoerótica, uma vez que
esta é uma literatura de ponta, que coloca em pauta novas
questões teóricas e literárias. Torço para que ela consiga
conquistar definitivamente o lugar de uma potente
interlocução com a própria noção do valor canônico[9].

Destarte, o presente projeto de pesquisa necessita de uma
investigação acerca dos elementos caracterizadores e indicativos de uma
homotextualidade presentes na obra de Marcelino Freire, bem como da maneira
pela qual suas personagens performam suas sexualidades diante desta
patrulha dos corpos na pós-modernidade.
Para este estudo então, serão utilizados os livros Contos Negreiros,
Rasif, Angu de Sangue, Amar é crime e Nossos Ossos, obras do escritor
Marcelino Freire que foram adaptadas para o teatro por grupos de teatro
localizados nas cidades de São Paulo e Recife, com temporadas em diversas
capitais do país. Alguns textos foram adaptados ao teatro pelo próprio
escritor, bem como pelos produtores como no caso da peça Bicha Oca. A
produção desta peça já está na segunda temporada; o que demonstra ainda o
interesse e a importância das discussões trazidas pela temática Freiriana.

Além, das obras que dão base aos textos teatrais, diversas fontes
serão utilizadas neste trabalho. Obra iniciadora deste norte para a obra de
Marcelino Freire é o livro A Miséria é pornográfica – ensaios sobre a
ficção de Marcelino Freire. Neste livro, os diversos contos do autor são
encarados sob perspectivas da narrativa contemporânea, abordando a
diversidade e as identidades. Uma obra repleta de rupturas estilísticas e
de gênero, apoiada numa oralidade tão características da obra deste autor.
Ademais utilizaremos os estudos sobre sociológicos e antropológicos na obra
Devassos no paraíso de João Silvério Trevisan, num capítulo intitulado A
cena travestida.
Para entender este registro, elementos midiáticos como redes sociais
e vídeos serão utilizados para a análise de uma estrutura estilística desta
produção específica. Portanto, além dos trabalhos do pesquisador e
dramaturgo Newton Moreno, o registro conta com os trabalhos de pesquisa de
Rodolfo Lima bem como da Dissertação de mestrado: O homoerotismo na
dramaturgia nacional – um olhar obsceno para a dramaturgia de Newton
Moreno. Não à toa, o trabalho se revela numa teleologia ou finalidade
existencial. Na internet, a sua página no facebook intitula-se: Em busca de
um teatro gay[10].

Será utilizada também a análise midiática dos grupos de teatros que
produziram peças de teatro com base nas peças de Marcelino Freire. O grupo
pernambucano Coletivo Angu de Teatro
(https://www.facebook.com/coletivoangu.deteatro e no
http://coletivoangudeteatro.blogspot.com.br/?q=aNGU+DE+SANGUE) fizeram
diversas apresentações da peça Angu de Sangue em algumas temporadas em
diversas capitais do Brasil, recentemente estão na segunda temporada das
apresentações da peça Ossos.

O aporte teórico será, para tanto, pautado em algumas orientações
metodológicas da Análise Crítica do Discurso Literário, estudando,
sobretudo, Fairclough (2001), para uma abordagem do discurso, investigando
o caráter político da produção dramatúrgica brasileira. Também será usado
Bakhtin (1981), para as considerações sobre a arte literária, bem como a
obra de Sinisterra com toda a pedagogia do teatro fronteiriço de
transposição do texto narrativo para o dramático; Even-Zohar e a análise
dos polissistemas e os estudos sobre literatura contemporânea de Regina
Dalcastagnè.




"Plano de trabalho " " " " "
"Etapas "Mar - Maio"Jun- Ago"Set- Nov "dez/17 "
" "2017 "2017 "2017 " "
"Disciplinas/Créditos "X "X "X "X "
"Leitura dos textos teóricos "X "X "X "X "
"Etapas "Mar - Maio"Jun- Ago"Set- Nov "dez/18 "
" "2018 "2018 "2018 " "
"Disciplinas/Créditos "X "X "X "X "
"Leitura dos textos teóricos "X "X "X "X "
"Etapas "Mar - Maio"Jun- Ago"Set- Nov "dez/19 "
" "2019 "2019 "2019 " "
"Redação da Tese "X "X "X "X "
"Estágio obrigatório no caso "X "X "X "X "
"de bolsa " " " " "
"Etapas "Mar - Maio"Jun- Ago"Set- Nov "dez/20 "
" "2020 "2020 "2020 " "
"Redação da Tese "X "X "X "X "
"Redação da Tese/ "X "X "X "X "
"Qualificação/Entrega da tese " " " " "












Referências bibliográficas

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[2] MORENO, Newton. A máscara alegre: contribuições da cena gay para o
teatro brasileiro. UFF. Junho, 2001.

[3] Estrutura arquitetônica onde na periferia encontra-se uma construção em
forma de anel e ao centro uma torre, da qual movimentos, gestos e
comportamentos são, diariamente, observados. Figura usada
epistemologicamente por Foucault para ilustrar o adestramento dos corpos
numa sociedade.

[4] GALVÃO, Sônia. Rasif, a poética do deslocamento. In: A miséria é
pornográfica, ensaios sobre a ficção de Marceino Freire. Maurício Silva,
Rita Couto (Orgs). São Paulo.Ed. Terracota. 2013.

[5] "Pode ser definida como uma relação entre duas literaturas, na qual uma
certa Literatura A (fonte) pode se tornar fonte direta ou indireta de
empréstimos para uma outra literatura B" (EVEN-ZOHAR, 1990, p. 54).

[6] Espetáculo encenado no Casarão Belvedere em São Paulo. Agosto de 2009.

[7] Citação feita no blogue: www.eraodito.blogspot.com.br

[8]ALMEIDA, Joel. Notas temáticas sobre o racismo e o homoerotismo negros
em Contos Negreiros. In: A miséria é pornográfica, ensaios sobre a ficção
de Marcelino Freire. Maurício Silva, Rita Couto (Orgs). São Paulo.Ed.
Terracota. 2013

[9] (PINTO, Manuel da Costa. Sexualidade pós-modernas. Disponível em :
.
Acesso em 08 agosto de 2015)

[10] https://ilusoesnasalaescura.wordpress.com/
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