Para Ler a História dos Pais de D. Sebastião em Louvores e Lamentos Quinhentistas Palavras Iniciais

June 3, 2017 | Autor: Marcia Arruda Franco | Categoria: Camões, Laudatory Poems, Práticas Fúnebres
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VEREDAS Revista da Associação Internacional de Lusitanistas

Associação Internacional de Lusitanistas

VEREDAS Revista da Associação Internacional de Lusitanistas

Volume 23 O Renascimento Português Desafios e Novas Linhas de Investigação

Santiago de Compostela 2015

A AIL ― Associação Internacional de Lusitanistas tem por finalidade o fomento dos estudos de língua, literatura e cultura dos países de língua portuguesa. Organiza congressos trienais dos sócios e participantes interessados, bem como copatrocina eventos científicos em escala local. Publica a revista Veredas e colabora com instituições nacionais e internacionais vinculadas à lusofonia. A sua sede localiza-se na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em Portugal, e seus órgãos diretivos são a Assembleia Geral dos sócios, um Conselho Diretivo um Conselho Assessor e um Conselho Fiscal, com mandato de três anos. O seu património é formado pelas quotas dos associados e subsídios, doações e patrocínios de entidades nacionais ou estrangeiras, públicas, privadas ou cooperativas. Podem ser membros da AIL docentes universitários, pesquisadores e estudiosos aceites pelo Conselho Diretivo e cuja admissão seja ratificada pela Assembleia Geral. Conselho Diretivo Presidência: Roberto Vecchi, Universidade de Bolonha [email protected] 1ª Vice-Presidência: Cláudia Pazos-Alonso, Universidade de Oxford [email protected] 2ª Vice-Presidência: Elias J. Feijó Torres, Univ. de Santiago de Compostela [email protected] Secretaria Geral: Vincenzo Russo, Universidade de Milão [email protected] Coordenação da Comissão Científica: Raquel Bello Vázquez, Centro Universitário Ritter dos Reis, [email protected] Coordenação da Comissão Editorial: Regina Zilberman, Univ. Federal de Rio Grande do Sul, [email protected] Responsável pela Área de Comunicação: Roberto Samartim, Universidade da Corunha, [email protected] Presidência do Conselho Assessor: Ettore Finazzi-Agrò (Universidade de Roma «La Sapienza») [email protected] Presidências Honorárias: Cleonice Berardinelli, UFRJ e PUCRJ; Helder Macedo, King's College London. Conselho Assessor Benjamin Abdala Junior (Universidade de São Paulo), Carlos Ascenso André (Instituto Politécnico de Macau), Manuel Brito-Semedo (Universidade de Cabo Verde), Manuel Ferro (Universidade de Coimbra), Natalia Czopek (Universidade Jaguelónica de Cracóvia), Roger Friedlein (Ruhr-Universität Bochum). Conselho Fiscal Carmen Villarino Pardo (Univ. de Santiago de Compostela), Helena Rebelo (Universidade da Madeira), Isabel Pires de Lima (Universidade do Porto).

Associe-se pela homepage da AIL: www.lusitanistasail.org Informações pelo e-mail: [email protected]

Veredas Revista de publicação semestral Volume 23 ― 1º semestre de 2015 O Renascimento Português – Desafios e Novas Linhas de Investigação Diretora: Raquel Bello Vázquez (Centro Universitário Ritter dos Reis, Brasil) Conselho Redatorial: Cândido Oliveira Martins (Universidade Católica Portuguesa, Portugal) Maria Aldina Bessa Ferreira Rodrigues Marques (Universidade do Minho, Portugal) Teresa Pinheiro (Technische Universität Chemnitz, Alemanha) Conselho Científico: Andrés Pociña López (Universidade de Extremadura, Espanha), Anna Maria Kalewska (Universidade de Varsóvia, Polónia), Antonio Augusto Nery (Universidade Federal do Paraná, Brasil), Axel Schönberger (Universidade de Bremen, Alemanha), Benjamin Abdala Junior (Universidade de São Paulo, Brasil), Carlos Ascenso André (Instituto Politécnico de Macau, Macau), Carmen Villarino Pardo (Universidade de Santiago de Compostela, Galiza), Clara Rowland (Universidade de Lisboa, Portugal), Cláudia Pazos-Alonso (Universidade de Oxford, Reino Unido), Cristina Robalo Cordeiro (Universidade de Coimbra, Portugal), Elias J. Feijó Torres (Universidade de Santiago de Compostela, Galiza), Ettore Finazzi-Agrò (Universidade de Roma «La Sapienza», Itália), Helder Macedo (King's College London, Reino Unido), Helena Rebelo (Universidade da Madeira, Portugal), Isabel Pires de Lima (Universidade do Porto, Portugal), Juracy Assman Saraiva (Universidade Feevale, Brasil), Laura Cavalcante Padilha (Universidade Federal Fluminense, Brasil), Manuel Brito-Semedo (Universidade de Cabo Verde, Cabo Verde), Manuel Ferro (Universidade de Coimbra, Portugal), Maria Luísa Malato Borralho (Universidade do Porto, Portugal), Natalia Czopek (Universidade Jaguelónica de Cracóvia, Polónia), Onésimo Teotónio de Almeida (Universidade de Brown, Estados Unidos), Pál Ferenc (Universidade ELTE, Hungria), Petar Petrov (Universidade do Algarve, Portugal), Regina Zilberman (Universidade Federal de Rio Grande do Sul, Brasil), Rejane Pivetta de Oliveira (Centro Universitário Ritter dos Reis, Brasil), Roberto Samartim (Universidade da Corunha, Galiza), Roberto Vecchi (Universidade de Bolonha, Itália), Roger Friedlein (RuhrUniversität Bochum, Alemanha), Sebastião Tavares Pinho (Universidade de Coimbra, Portugal), Sérgio Nazar David (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil), Teresa Cristina Cerdeira da Silva (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil), Thomas Earle (Universidade de Oxford, Reino Unido), Ulisses Infante (Universidade Estadual Paulista, Brasil), Vera Lucia de Oliveira (Università degli Studi di Perugia, Itália), Vincenzo Russo (Universidade de Milão, Itália). Redação: VEREDAS: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas Endereço eletrónico: [email protected] Desenho da Capa: Campus na nube, Santiago de Compostela, Galiza. ISSN 0874-5102 AS ATIvIdAdES dA ASSoCIAção INTERNACIoNAL dE LUSITANISTAS Têm o APoIo REgULAR do INSTITUTo CAmõES

Nota introdutória Este novo número da revista Veredas (23) recolhe os resultados científicos do Colóquio O Renascimento Português –Desafios e Novas Linhas de Investigação, ccelebrado no St. Peter’s College da Universidade de Oxford em junho de 2013. Organizado pela Associação Internacional de Lusitanistas, a Universidade de Oxford, e o King's College-London, sob coordenação do professor Thomas Earle e da professora Catarina Fouto, o encontro se propôs analisar recentes abordagens metodológicas, e identificar novas áreas de investigação, partindo de uma perspectiva comparativa e multidisciplinar, com o foco colocado no período renascentista, no sentido lato do termo. Seguindo o modelo aplicado noutros Colóquios promovidos pela Associação Internacional de Lusitanistas, nomeadamente os de Budapeste 2012, 2013 e 2015, o encontro contou com uma seleção de especialistas relevantes no âmbito do estudo do período renascentista em Portugal, junto com investigadores e investigadoras que acudiram à chamada para trabalhos publicada pela organização do Colóquio. Posteriormente, as pessoas participantes foram convidadas a submeterem os seus textos para a preparação de um número temático da revista Veredas. As propostas agora recolhidas neste especial mostram os contributos dos Estudos Literários, da História, da Geografia e da Sociologia para uma melhor compreensão dos processos que levaram não apenas à produção literária que hoje identificamos como a própria do Renascimento português, mas também para compreender as utilidades e funções que consumidores e consumidoras da época davam a esses textos. Assuntos trazidos nos artigos aqui selecionados mostram a necessidade de estu dar profundamente não apenas a produção, mas também a reconstrução da narrativa sobre a produção renascentista através das histórias literárias, com incidência não apenas na pesquisa, mas também na docência e na divulgação de resultados. Raquel Bello Vázquez Diretora da Revista Veredasc

Sumário

Aude Plagnard Geografias épicas nas obras de Jerónimo Corte-Real, Alonso de Ercilla e Luís de Camões ..................................................................................................................................9 Elisa Nunes Esteves Relendo Anrique da Mota .................................................................................................................27 Hélio J. S. Alves A propósito dum 10 de Junho: avisos à investigação em literatura portuguesa da expansão ..................................................39 José Cândido de Oliveira Martins Tópica do exílio em O Lima de Diogo Bernardes .......................................................................49 Marcia Arruda Franco Para Ler a História dos Pais de D. Sebastião em Louvores e Lamentos Quinhentistas Palavras Iniciais ..................................................................................................................................65 Pedro Madeira O símile épico em Camões: Touros, cães e infidelidade ............................................................77 Roberto Samartim Bases de dados relacionais para o estudo empírico dos campos culturais renascentistas ..............................................................................................95 Roger Friedlein Encenações Cosmográficas: A Epopeia Renascentista, Espaço Autorreflexivo (Camões, Corte-Real) ..............................111 Simon Park Problemas de Género em O Lima (1596) de Diogo Bernardes: A Questão do Mecenato ..................................................................................................................127 Thomas F. Earle Desafios e novos caminhos nos estudos vicentinos: o Auto da Lusitânia............................145

VEREDAS 23 (Santiago de Compostela, 2015), p. 65-76.

Para Ler a História dos Pais de D. Sebastião em Louvores e Lamentos Quinhentistas Palavras Iniciais MARCIA ARRUDA FRANCO

[email protected] Universidade de São Paulo (Brasil)

Resumo: Estudar tais encômios e lamentos poéticos e oratórios, cuja produção, quer em português, luso-castelhano ou neo-latim, motivou-se por fatos históricos, como o casamento e morte do príncipe D. João, filho de D. João III, é propor uma nova abordagem da história literária e do Renascimento português. Quando enfocada do ponto de vista histórico-cultural, a poesia quinhentista, como a oratória e a prática letrada em geral, mostra-se ato de fala cívico e civilizador, coadjuvante do poder mo nárquico, cuja performance pressupõe escrita e vocalidade regradas. A fala de saudação, a oração e a poesia aos príncipes circularam oralmente, pelo canto e/ou pela declamação, preservando-se, em diferença, na memória dos ouvintes e em cópias manuscritas ou impressas. As duas primeiras, que es tudaremos num trabalho em separado, viram os prelos imediatamente, ao passo que a última, ape nas no final do século XVI, em tempos filipinos, 40 anos após os eventos. A análise do código bibliográfico, nos impressos tardios da poesia renascentista em língua vulgar, da disposição da matéria no livro a didascálias, induz à leitura comparativa de tais atos poéticos e oratórios, ao revelar o seu uso demonstrativo de valores e padrões sociais. O objetivo é aproximar a história dos pais de D. Sebastião da institucionalização de algumas práticas letradas renascentistas em Portugal, especialmente da poesia italianista. A partir da comparação de tópicas, presentes tanto na nova poesia como em gêneros pragmáticos diversos das letras ibéricas, e ciente de a emulação de modelos antigos ser não só o processo renascentista de escrever textos fictícios, mas também o de produzir conhecimento, este estudo, a fim de surpreender a mentalidade quinhentista portuguesa, confere à poesia dimensão pragmática e documental. Palavras-chave: Renascimento português, Pais de D. Sebastião, Sociedade de corte, Poesia e Poder, Imitatio, Idade Moderna.

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MarcIa Arruda Franco Abstract: To study those texts produced to celebrate and to mourn real events is to propose a new approach to literary history and to Portuguese Renascence. Focused by the Cultural history viewpoint, 16th century poetry, such as oratory and writing practices in general, is a series of acts of speech, whose performance dwells on written and vocal rules. Around the history of D. Sebastian’s parents, such speech-acts arouse within civic and educational policies of the monarchic State. The speech of wellcoming the great, oration and poetry toward princes were spoken aloud, through declamation or chant, in social gatherings; the former had been preserved by print right away, and will be focused in another work, while the latter remained handwritten and was first printed only forty years after the events, under the Portuguese crown of Filipe II. Once poetry and oratory claim a demonstrative use of social values to teach accepted patterns of behavior, this reading of such laudatory and mour ning poetic texts, as printed in late 16th century, under a given bibliographic code, aims to approach the history of D. Sebastian’s parents to the institutionalization of the new Italian way in Portuguese Renascence. Comparing a set of common places among several pragmatic and poetic texts of Iberian letters, and aware that, in Renascence, emulation of ancient models is not only the main compositional process of fictive and poetic writing but also of producing knowledge, this research, in order to find out Portuguese 16th century mentality, grants poetry a pragmatic and documental dimension. Keywords: Portuguese Renascence, D. Sebastian parents, Court society, Poetry and Power, Imitatio, Modern Age.

Data de receção: 01/12/2014 Data de aceitação: 29/05/2015

A meados do século XVI, a educação da nobreza de armas pelas letras se intensifica no cultivo da nova poesia estrangeira ou italiana. Tal se verifica no contexto do casamento e morte do príncipe D. João, ao estimular a produção artística e letrada dentro do espírito renascentista em latim, português e castelhano. A leitura dos textos poéticos e oratórios dedicados ao príncipe D. João e à princesa D. Joana pretende levantar imagens e temas que permitam conhecer melhor esta corte principesca e o modo como se ligou ao cultivo das letras renascentistas em Portugal, nas três línguas da cultura letrada, haja vista a série de encômios (sonetos, odes, éclogas, falas e orações de saudação, versos de louvor em geral) produzidos para a chegada da princesa, e para o casamento dos príncipes (herdeiros dum vasto império). Em pouco mais dum ano, a morte do príncipe gerou outra série de textos elegíacos (sonetos, cartas, éclogas em decassílabos, elegias em terza rima,, epitáfios, gratulatio,). Nair Soares já estudou e editou a “Tragédia do Príncipe D. João”, num estudo de primeira grandeza, fundamental para esta pesquisa. Ao estudarmos os atos poéticos de louvor e de lamento, em língua vulgar, em torno da história dos pais de D. Sebastião, temos a oportunidade de vislumbrar o modo como foram produzidos e circularam pela palavra

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oral, bem antes de impressos em fins do século XVI, atestando o cultivo generalizado das formas renascentistas na década de 1550. Basta lembrarmos o conhecido concurso relatado nas Anedotas portuguesas, (Lund, 1980, p.74-75) para eleger a primeira carta que o príncipe enviaria à princesa. Tal anedota nos esclarece acerca do escritor na Lisboa do século XVI, em que o escrivão ou homem de letras, não detendo a propriedade do que escreve, é artífice a vender a sua escrita, e não autor; aprende-se ainda que a técnica de linguagem empregada na produção desta poesia regrada expressa não a psicologia do sujeito que a escreveu, mas sim valores hegemônicos. A autoria da primeira carta amorosa enviada pelo príncipe D. João a Joana de Áustria dividiu-se entre o prestigio na corte do discreto cortesão, que venceu o concurso sem ter escrito a carta, e o príncipe, que a enviou em seu nome à princesa, deixando o escritor não nomeado, no Pelourinho. 1 Por outro lado, uma vez que muitos cortesãos se deram ao trabalho de escreverem cartas de amor, esta anedota deixa à mostra o hábito ou costume do concurso para a escolha dos melhores escritos relacionados não só, como em questão, a núpcias dos reis, príncipes e nobres, mas também à sua morte, a seu nascimento e suas conquistas. Leiamos a anedota: Dom Simaõ da Silveira [...] foy hu[m] dos melhores cortes[õ]es do seu tempo, m.to dis creto, e m.to estimado por tal [...] q[ue] estando o Principe D. Joaõ pay delRey D. Sebastiaõ concertado a cazar com a Princeza D. Joana filha do Emperador Carlos 5º, com quem cazou, asentou el Rey D. Joaõ, o 3º, seu pay em seu concelho q[ue] convinha escrever o d.º Principe à d.ª Princeza huã carta, cuja mat[é]ria avia de ser amores, e mandando elRey a todos os cortesões q[ue] fizecem cartas d’amores p.ª hir em nome do Principe à Princeza, cada hu[m] se cançou m.to em compor a sua, e julgando D. Simaõ este trabalho por excusado, mandou hu[m] mosso com hu[m] vint[é]m aos escriv[ã]es do Pelourinho q[ue] lhe troxece huã carta de hu[m] galante p.ª sua Dama, e q[ue] fosse a prim.ra q[ue] lhe mandace, esta foy com as mais ao cons.º e por hir em nome de D. Simaõ foy julgada por melhor, e se mandou [à] Princeza, tanto era a openiaõ q[ue] nesta mat[éria] delle corria na corte do q[uanto] elle fazia passo, e galanteria; (Anedotas portuguesas, 1980, p.74-75, parênteses retos meus)

Antes de buscarmos em arquivos espanhóis e portugueses a carta enviada a Joana de Áustria, esta anedota nos leva a examinar como tais acontecimentos produziram um corpus, nas letras renascentistas em Portugal, nas três línguas então utilizadas pela cultura letrada. Ao longo do século XVI, a poesia em linguagem portuguesa foi dignificada e defendida, em meio a práticas letradas já institucionalizadas, como a luso-castelhana e a neolatina, por meio do cultivo do português em formas altas e sublimes, como a épica, a tragédia, a elegia, a ode, etc. Neste momento, o idioma usado pelo letrado dependia das formas de socialização do texto, isto é, da sua finalidade social, no contexto de proferimento. Paralelamente, a possibilidade aberta de difundir a língua 1

Para interpretação histórico-cultural e neofilológica desta anedota vide MoreIra 2012.

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portuguesa pelo império lusíada levou, ao longo do século XVI, ao amor à escrita em linguagem, ao nascimento das letras, da poesia e da filologia da língua portuguesa. A imitação e/ou emulação dos modelos formais gregos, latinos e italianos, como filosofia de composição, exige o estudo das autoridades do passado remoto, e mais recente, na busca pela excelência composicional. No século XVI, o português e o espanhol, como outras línguas europeias, ditas vulgares, diante da prática hegemônica neolatina, adquirem status, de língua de cultura, divulgando a sabedoria antiga por meio de anedotas, estórias e exemplos, mas sobretudo pela poesia dita alta ou sublime. Dante defendia o processo de dignificação da língua vulgar, por meio da poesia lírica e amorosa, em canções, sonetos e baladas. Dois séculos mais tarde, o elogio da língua vulgar se alastra pela Europa ocidental ao mesmo tempo em que a cultura não apenas clerical, mas também cortesã e burguesa, se volta para o estudo do passado próximo, e remoto. Em Portugal, a poesia vulgar foi praticada em português e em luso-castelhano, variante lusitana do código poético castelhano, nas formas do trovadorismo palaciano, e depois também nas formas renascentistas, como instrumento cívico e civilizador da nobreza e da burguesia nobilitada. No Península ibérica eram nobres ou nobilitados os poetas e autores, durante o longo século XVI, que começa no XV e termina no XVII ou XVIII, a incluir o mundo ibero-americano, mas eram também plebeus e camponeses os que transmitiram a trágica história dos príncipes por meio de rimances e silvas, parea,-, das,, referidos na peça anônima La hija de Carlos V,2,, e em outros gêneros da poesia oral popular. Neste projeto, as formas peninsulares em torno dessa trágica história não serão enfocadas neste momento, pois interessa-nos surpreender o cultivo das formas e da filosofia de composição renascentistas, a meados do século XVI português. O cultivo da maneira italiana se reproduziu entre os letrados, poetas, pintores e músicos, na sociedade de corte ibérica, como socialização, forma de educar segundo determinados valores, e sociabilidade, forma de interação social. Daí muitos portugueses se manterem no hábito de usar o idioma poético luso-castelhano de acordo com a exigência de regras discursivas, dialógicas e protocolares. Camões escreve em língua poética luso-castelhana a célebre prosopopeia na voz de Joana de Áustria, que encerra a sua écloga segunda; por sua vez, o latinista André de Resende empregara a linguagem portuguesa na fala, de saudação à entrada da princesa castelhana em Évora nos festejos do casamento. A poesia, como gênero epidíctico,, ao enfatizar e sublinhar valo-

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A tradição da poesia oral e popular, aqui não estudadas, preservou, ao longo da segunda metade do século XVI e início do XVII, a sua versão desta história, como se lê na peça impressa no início do sé culo XVII, La Hija de Carlos V, atribuída a Amescua. Na sociedade de corte, à semelhança doutras formas discursivas pragmáticas (crônicas, espelhos, parenéticas, poemas altos e sublimes de recorte renascentista), como depositária da memória coletiva, a poesia oral de base ibérica e tradicional, em torno da redondilha, também testemunha um acontecimento histórico e apresenta a mentalidade quinhentista.

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res e virtudes instituídos, é praticada em situações cotidianas, e, sobretudo, em festividades cívicas e religiosas, como as núpcias, exéquias, nascimentos, coroações, entradas de reis, rainhas e príncipes, por exemplo. Por isto, interessa ao nosso estudo uma compreensão das instituições na sociedade de corte, como o casamento, a morte, a educa ção, por meio da leitura de espelhos de príncipes, de guias de casados, assim como de artes de morrer; em suma, de outros gêneros discursivos deliberativos que busquem ensinar e impor uma forma de conduta. Também o discurso das ordenações reais que legisla a respeito das formas de comportamento e de escrita convém ser chamado à colação dos textos coevos. A rede discursiva tecida pela comparação tópica e pelo tropo, ao percorrer a série de gêneros discursivos, faz emergir o ponto de vista do passado, as suas instituições, costumes e sentidos. No que concerne à prática poética, ao longo do século XVI, algumas formas e gêneros ganham regras de composição italianistas: a elegia, embora mantenha laços temáticos e discursivos com o pranto trovadoresco e a oração fúnebre, se codifica em terza rima,; a ode se constrói como canção de louvor, com métrica e estrofes de variados modelos antigos. O epitáfio se faz oitava heroica. Outras formas como o soneto, a écloga, a carta se prestam ora ao louvor, ora ao lamento, ora ao aconselhamento e à educação, doutrinando e regulando os comportamentos, conforme as variadas sociabilidades implicadas pelos personagens envolvidos nos atos de fala poéticos da sociedade de corte. Ars dictaminis, a carta elegíaca que Ferreira dirigiu ao aio e camareiro-mor do príncipe D. João, quando este morre, é discurso de consolação vazado em terza rima,. Nair de Nazaré Castro Soares, no estudo que precede a sua excelente edição bilíngue da Tragédia do Príncipe D. João, de Diogo de Teive, vincula o presente quinhentista ao passado medieval, por meio da comparação de tópicos presentes, tanto nas elegias renascentistas, ao chorarem a morte do príncipe, filho de D. João III, quanto no pranto medieval dirigido à morte, a cavalo, do príncipe Afonso, filho de D. João II. Apesar de agora apresentarmos proposta diferente, alargando a produção neolatina em torno do tema com um corpus de discursos oratórios e poéticos de saudação e de consolação, de recorte renascentista, no que concerne ao corpus em língua vulgar, o ensaio introdutório de Nair Soares que trata do discurso elegíaco serviu-nos de guia para recolhermos as provas a respeito do apoio do príncipe ao novo canto vindo de Itália. A autora, em suas notas, nos indica outros impressos e manuscritos dedicados aos príncipes, tecen do considerações notáveis a respeito de diversos pontos importantes para esta pesquisa. Reafirmamos aqui a nossa dívida. Marcel Bataillon, em estudo clássico sobre Joana de Áustria, em suas notas, nos indica alguns dos livros de espiritualidade a ela dedicados durante a sua regência de Cas-

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tela, de 1554 a 1559 3, quer em relação à sua atuação no tribunal da Santa Inquisição, tendo assistido a dois terríveis autos de fé, o primeiro presidido por ela mesma em 1559, com 23 anos, quer ao início de seu regresso, quando foi a mecenas de artistas e teólogos da nova espiritualidade jesuíta, corrente religiosa calcada na devoção moderna, cuja piedade praticava a oração mental e os exercícios espirituais. Secretamente, junto com Leonor de Mascarenhas, Joana de Áustria foi oficial fundadora da Companhia de Jesus, adotando o nome de Montoya ou Mateo Sanchez. Em sua busca de con duzir a sociedade de corte ibérica à reforma espiritual e de comportamento, a parenética jesuítica ajuda a balizar a interpretação dos textos relacionados a Joana de Áustria. O ensaio que Paulo Drumond Braga publicou, em 1996, nos Arquivos do Centro Cul,-, tural Calouste Gulbenkian, “D. Joana de Áustria (1535-1573): uma releitura da sua intervenção na vida portuguesa” apresenta dados interessantes para esta pesquisa, uma vez que mostra diversos documentos de situações em que a mãe de D. Sebastião buscou exercer a maternidade à distância. Os livros e ensaios de Annemarie Jordan Gshwend citados na bibliografia foram fundamentais para o desenvolvimento deste estudo; e dela, de Ana Maria Neves e Ana Isabel Buescu também sou devedora. Diversamente dos estudos mencionados, esta proposta enfoca as formas renascentistas, nas três línguas da cultura letrada, no período em que a princesa viveu em Portugal, e busca a relação entre Joana de Áustria e o Príncipe D. João em produções letradas, diplomáticas e artísticas, como a série de retratos dos príncipes e de seu filho, cruzando dados e usos da pintura e da poesia renascentistas. O ensaio de Marcel Bataillon, com base nos documentos e imagens publicados no livro Niñez y juventud de Felipe II,, de March, os estudos de Nair Soares que precedem a sua edição da Tragédia do príncipe D. João, o ensaio de Paulo Drumond e os estudos de Annemarie Jordan Gschwend ganham nova perspectiva com o estudo da série de for mas novas (soneto, écloga, carta, ode, elegia, epitáfio, carta congratulatória, oração neolatina e fala em linguagem) referentes à história dos pais de D. Sebastião.

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“Veuve et revenue en Castille, Doña Juana voit converger vers elle les hommages de maîtres de la littérature ascétique. En 1555, Fray Alonso de Orozco, prédicateur de Sa Majesté et l’un des meilleurs écrivains spirituels que les Augustins d’Espagne aient eus avant Fray Luis de León, lui dédiait la Recopilation des son oeuvres complètes. En 1556, Le Dominicain Fr. Alfonso Muñoz lui offrait la traduction latine de Homélies de Savonarole. Quelques années plus tard, Fr. Diego de Estella, maître franciscain de la vie devote, será son predicateur: il lui dédiera son Libro de la vanidad del mundo(1562). L’ humaniste Sévillan Mal Lara lui adressera sa Psyché inspirée d’Apulée, oeuvre de spiritualité profane em quelque sorte; Le Roman de l’Ame, ‘Princesse la plus noble da monde”, n’était-il pas du de plein droit à la Princesse des pêcheurs d’âmes? (Bataillon, M. “Jeanne d’Autriche, Princesse de Portugal”, Études sur le Portugal au temps de l’humanisme,, Coimbra, Por ordem da Universidade 1952, p. 270).

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Por outro lado, há narrativas sobre Joana de Áustria e D. Sebastião, mistura de fic ção e pesquisa historiográfica. Helder Macedo, mais ficcionalmente, Aroni Yanko e Ruth Mac Kay, mais historicamente, são alguns autores. Tais narrativas, ao mesclarem ficção e história, produzem uma visão do passado, dos acontecimentos e do caráter das personagens reais (passe a polissemia), a ser ocasionalmente comparada criticamente com a que aflorará de nossa leitura dos encômios e lamentos, mas não faremos uma análise destes registros. É nosso propósito restringir-nos aos textos dirigidos ao príncipe D. João antes da chegada da princesa, durante o casamento, até a sua morte, sem analisar os textos de dicados por autores castelhanos a D. Joana de Áustria, após o seu regresso a Castela, durante a sua regência. Aí, como ensina Bataillon seria o centro da nova espiritualidade, base da Contrarreforma católica e da formação da Companhia de Jesus. Presente na educação da princesa desde criança, Juan de Borja, incutiu nela a devoção jesuíta. Pompeo Leoni foi escultor da sua estátua fúnebre, orando, em mármore, e que se encontra no convento por ela fundado, em Madrid, ou Clarisas, Reales.4 A pesquisa de textos produzidos em torno do regresso e do governo da princesa é enorme. Agora foquemos o corpus poético gerado em torno do príncipe, desde o momento em que monta casa, durante o casamento, e depois de sua morte, com o nascimento de D. Sebastião em Portugal, até a volta da princesa a Castela, referida por autores portugue ses, nas duas formas disponíveis da língua vulgar, consignando, por enquanto, apenas em nota, as orações e versos neolatinos. Jorge de Montemor, Sá de Miranda, António Ferreira, André de Resende, Diogo de Teive, Francisco de Sá de Meneses, Diogo Bernardes, Pero de Andrade Caminha, Ca mões, Luís Pereira Brandão, Jorge Ferreira de Vasconcelos, os diplomatas portugueses e castelhanos, e uma série de latinistas e de anônimos escreveram sobre a história dos pais de D. Sebastião, cujo desfecho trágico tanto frustrou grandes expectativas políticas no âmbito ibérico. Cerca de um ano após o casamento, festejado com grande aparato cênico, musical e coreográfico, a morte do príncipe, ocorrida a 2 de janeiro de 1554, transforma a alegria em luto, dando margem a uma série de escritos que lamentam a morte do príncipe e saúdam o parto de Juana de Áustria. O material deste estudo, em suma, é a série de textos relacionados ao casamento e à morte do príncipe, como modos de encômio e lamento, cujos temas e imagens são in4

A iconografia de D. Joana de Áustria inclui muitos retratos a óleo, entre os quais o de António Moro e o de Sánchez Coelho (Museu Real de Bruxelas), ambos de 1551, o retrato como regente, de 1557, de F. Morais, um desenho da Biblioteca d’Arras, a estátua fúnebre, uma moeda, etc.. Vide Louise Roblot-Delondre, Portrait d’Infantes, Bruxelas-Paris, Vanoest, 1913 e Ellas Tormo, En las Descalzas Rea,-, les,, Madrid, 1915-1917, citados por Bataillon. O n.º 106 do Catálogo dos Quinhentistas Portugueses da, Biblioteca Nacional (CQPBN).

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terpretados com o auxílio de textos das letras ibéricas do tempo, tais como crônicas de reis, ordenações, comentários poéticos, correspondências, espelhos de príncipes, artes de morrer entre outros. OS MODOS DA PESQUISA A fim de surpreender o surgimento das letras renascentistas em Portugal, por meio da série de formas e gêneros novos produzidos, nas línguas da cultura letrada quinhentista, em torno da trágica história dos pais de D. Sebastião, ,esta pesquisa vincula várias áreas do saber e da arte, tais como, entre outras, a poética, a oratória, a sociologia da literatura, a história política ibérica, a história do livro e da leitura, a retórica. Especialmente ao tratarmos a fonte poética como documento do passado quinhentista, buscamos ouvi-la não apenas como testemunho dos acontecimentos, mas sobretudo como ato de fala poético que ocupa um lugar em meio ao espetáculo das comemora ções da monarquia. Os temas e imagens do discurso poético se desdobram numa série de outros discursos, em livros manuscritos ou impressos, como os que abordam questões pertinentes à sociedade portuguesa e ibérica, tais como aspectos médicos, de edu cação de príncipes 5, do lugar dos letrados 6, da arte de morrer 7, da sexualidade 8, do casamento9. Tal qual esta série de textos pragmáticos quinhentistas, a codificação retórica e imitativa da poesia renascentista, ao fazer referência histórica ao casal de mecenas, sob o olhar histórico-cultural, adquire crédito documentativo e pragmático porque testemunha e revela a mentalidade do seu tempo a respeito das bodas, da morte e da nova poe sia. Esses acontecimentos históricos foram pensados no século XVI, no campo da alta cultura, por meio de lugares/tópicos ou “fontes para a marcha do pensamento” 10. Em crônicas de reis, comentários poéticos, memoriais, espelhos de príncipes, retratos ma trimoniais, tratados de medicina, ordenações jurídicas, manuais de educação religiosa, epístolas dedicatórias de livros, por exemplo, pode-se apreender, pela comparação das

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Francisco de Monzon. Libro primero del espejo del Príncipe Christiano. Lisboa, L. Rodriguez, 1544. Ca,-, tálogo dos Quinhentistas Portuguese da Biblioteca Nacional ,(CQPBN), n.º 48 e n.º198. Vide, n.º 201 e n.º 262. 6 Ley que despõe quanto te[m]po onde hão de estudar os letrados em dereito para nestes reynos et seus se,-, nhorios poderem usar suas letras,. Lisboa, G. Gallarde, 1539. (CQPBN,, n.º27 e n.º 28. Vide, n.º 31e 316). 7 Por exemplo: Sebastião Toscano. Mystica Theologica, na qual se mostra o verdadeiro caminho pera su,-, bir ao çeo, cõforme a todos os estados da vida humana. Lisboa, F. Correa, 1568. (CQPBN,, n.º 181). 8 [Ley sobre o pecado de Molícies que cometem hu[m]as pessoas co outras do mesmo sexo]. Lisboa, [s.n.],15977. 9 Cerimonial de Missa: cânone penite[n]ciaes: a bulla in cena domini o modo como se ham de ministrar os Sanctos sacramentos da eucharistia e matrimonio. Lisboa, G. Galharde, 1552. (CQPBN,, n.º 82). 10 Isto é: “argumentorum sedes”, conforme Quintiliano (apud CurtIus, p.72).

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tópicas desenvolvidas nesta série de textos, a mentalidade quinhentista, e fazer emergir a dimensão histórico-discursiva dos encômios e lamentos aqui em estudo. Para ouvirmos a história dos pais de D. Sebastião contada pelos textos quinhentis tas, examinaremos a produção letrada em Portugal correspondente aos seguintes momentos-temáticos-chave: 1- o momento em que o príncipe toma casa para si; 2- o casamento dos príncipes; 3- a vida conjugal; 4- a morte do príncipe; 5- o nascimento de D. Sebastião; 6- o regresso da princesa a Castela referido nos testemunhos de portugueses. Ao examinarmos a série de textos impressos e manuscritos de poesia, oratória, história, filologia, religião, de regulações e ordenações reais, espelhos de príncipes, entre outros, tentaremos construir vínculos que possibilitem considerar analogias discursi vas, a fim de perceber uma visão de mundo quinhentista. Os textos poéticos e oratórios que se referem à trágica história dos pais de D. Sebastião são textos fictícios e pragmáticos, atos de fala cívicos e pedagógicos, urdidos segundo determinados códi gos genéricos, tópicos, tropológicos e discursivos. Ao invés de postular o limite textual e nominalista das práticas letradas em representar o passado, ao comparar temas e imagens presentes nos variados discursos, por meio dum catálogo de tópicos iberocristãos, busca-se apreender a mentalidade quinhentista cristã, ibérica e portuguesa, impregnada de espiritualidade jesuíta, em sua tarefa de manter viva a memória de trágicos ou felizes acontecimentos da realeza e da alta nobreza. Este estudo histórico-cultural se inscreve em clave multidisciplinar, na qual a comunidade literária ibérica, a prática novilatina quinhentista, a relação entre poesia, religião e poder na sociedade de corte portuguesa e ibérica, a poesia vocal, a história dos renascimentos, a história das ideias e das mentalidades, a história do livro e da leitura, a materialidade da comunicação poética, a nova filologia e os estudos retóricos são as referências teóricas múltiplas que permitem uma revisão da história do cultivo das novas formas renascentistas em Portugal, e das suas relações políticas, culturais e poéticas com Castela. Por meio da releitura desta produção letrada renascentista, laudatória e fúnebre, em português e luso-castelhano (e numa segunda etapa deste estudo, em neo-latim), nas primeiras edições antigas, e nas mais recentes, surge-nos uma nova lição da história cultural quinhentista. Nela não se abdica nem da análise e interpreta ção das formas poéticas, oratórias, artísticas e culturais, segundo os códigos bibliográficos e artísticos que as preservaram, a fim de entender a sua estruturação genérico-discursiva, nem do seu uso morigerador, de educação da nobreza e de nobilitação da burguesia. Os encômios e os textos fúnebres podem ser lidos como fontes históricas porque se revelam poemas-documentos dotados de um discurso pragmático institucionalizado, que cumpre o seu papel na manutenção do poder; interpretando a

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história dos pais de D. Sebastião, no calor da hora, deixam ler não apenas a visão de mundo do século XVI, mas a instituição das letras renascentistas em Portugal. Em suma, este estudo visa promover uma revisão da história cultural quinhentista e do cultivo da nova poesia italiana pelos poetas portugueses, conferindo a manifesta ções artísticas e letradas do Renascimento ibérico uma compreensão discursiva, sociológica e antropológica. Pensando, testemunhando e documentando o seu tempo, pela emulação dos lugares-comuns, a poesia e a educação de príncipes, assim como outros discursos pragmáticos, tornam-se fontes primárias para o entendimento da mentalidade quinhentista. Mesmo quando se trata da cultura letrada das navegações, cujas des cobertas no novo mundo e no Oriente puseram em xeque autoridades ocidentais antigas, as letras quinhentistas seguem um sistema discursivo regrado, produzindo o seu tempo, no limite da sua experiência do mundo. Além de testemunhar os modos de pensar do passado, tal conjunto de textos poéticos e oratórios em torno dos pais de D. Sebastião, no âmbito da história cultural, torna-se documento do uso político das for mas renascentistas nas letras portuguesas a meados do século XVI. Isto nos obriga a pensar nos diferentes usos sociais conferidos à palavra poética fictícia, que serve como “mídia” do poder monárquico, não apenas no discurso pastoril e na matéria de cavalaria, mas também nas epístolas dedicatórias de livros e nos textos laudatórios e elegíacos. A transmissão da palavra poética na sociedade de corte iberoamericana subordina-se à performance mais ou menos elaborada, na medida em que o ato de ler é vocalizado e público. Tal poema vocal,, ao precipitar-se entre a vida e o fictício, ajuda a entender como, na Idade Moderna, a palavra poética oral, popular ou erudita, exprime os modos de doutrinação político-religiosa do poder monárquico. Referências AlIghIerI, Dante. De vulgari eloquentia,. Traduzzione e saggi introduttivi di Claudio Marazzini e Concetto Del Popolo. Milano: Mondadori, 2009. Amescua, Antonio Mira de. La hija de Carlos V,. An edition with introduction and notes by KarlLudwig Selig. Kassel: Edition Reichenberger, 2002. Andrada, Francisco de. Cronica do muyto alto e muito poderoso Rey destes reynos de Portugal, dom , João, o III deste nome… composta por Francisco d’Andrada,… Lisboa: Jorge Rodriguez, 1603. bnP digital. Anglés, Higino. La música en la corte de Carlos V., Barcelona: Consejo Superior de Investigaciones Científicas; Instituto espanhol de Musicologia, 1944. BataIllon, Marcel. Jeanne d’Autriche, Princesse de Portugal. Études sur le Portugal au temps de l’humanisme.., Coimbra: Por ordem da Universidade 1952. BerIsso, Marco (Ed. lit.). Poesie dello Stilnovo. Milano: Biblioteca universale Rizzoli, 2006. Bernardes, Diogo. Várias Rimas ao Bom Jesus,. Prefácio, fixação do texto e notas de João Amadeu O. C. da Silva. Braga: Caixotim, 2009. Braga, Paulo Drumond. D. Joana de Áustria (1535-1573): uma releitura da sua intervenção na vida portuguesa. Arquivos do Centro Cultural Calouste Gulbenkian, Vol. 35, 1996. p. 231-242. Brandão. Luís Pereira. Elegíada de Luys Pereira…, Lisboa: Manoel de Lyra, 1588. Brantôme, P. de Bourdeille. “De l’amour de vefves”; Oeuvre de Brantôme Des Dames Galantes. Séptième discours y glossaires. Tome troisième. Paris: Gallimard, 1933. p. 61-64.

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