Para que serve o jornalismo? Um caminho para estudar as funções da instituição jornalística no Brasil

July 28, 2017 | Autor: Adriana Santiago | Categoria: Teorias Do Jornalismo
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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 12º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Santa Cruz do Sul – UNISC – Novembro de 2014

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Para que serve o jornalismo? Um caminho para estudar as funções da instituição jornalística no Brasil Adriana Santiago 1 Resumo: Diante das mudanças nas sociedades ao passar dos anos, o jornalismo permanece como uma instituição na qual ainda se depositam expectativas positivas, e dele se esperam relatos, análises e soluções para problemas políticos, econômicos, de infraestrutura e até para ser agente de severas mudanças culturais. Se existem funções que permanecem desde a consolidação profissional do jornalismo, no pós-iluminismo, é preciso saber quais são e como são vistas e encaradas hoje pelos agentes do campo jornalístico no Brasil. Este artigo é o início de uma pesquisa doutoral, em fase exploratória, que visa mapear discursos dos agentes do campo e propor um método de análise que dê conta da diversidade destes discursos e, nesta variedade, encontrar consensos e padrões que expliquem o papel social do jornalismo hoje. Palavras-chave: 1. Jornalismo 2. Papel social 3. Instituição Jornalística 4.Função social 5.Teoria do Jornalismo

1. Construção histórica Buscar compreender o jornalismo a partir de sua prática histórica e seu reconhecimento e prestígio gradativo como fonte de credibilidade é um início importante do percurso teórico. “Não há notícia sobre a qual não se imponha legitimamente uma obrigação de veracidade” (GOMES, 2009, p.10). Esta veracidade que confere credibilidade e respeito do público é uma expectativa constante e, supõe-se, vem de todos os atores do processo noticioso, seja de quem usufrui da informação, seja de quem a produz. Uma relação de troca simbiótica subjetiva entre jornalistas e sociedade.

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. Adriana Santiago, doutoranda e mestre pelo Programa de Comunicação e Culturas Contemporâneas (Poscom), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor).

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Bourdieu (1997) define esta posição como um campo: espaço social estruturado por uma correlação de forças que podem transformar ou conservar o ambiente comunicacional. Campo jornalístico é o lugar de uma oposição entre duas lógicas e dois princípios de legitimação: o reconhecimento pelos pares, concedido aos que reconhecem mais completamente os “valores” ou os princípios internos, e o reconhecimento pela maioria, materializado no número de receitas, de leitores, de ouvintes ou de espectadores, portanto, na cifra de venda (bestsellers) e no lucro em dinheiro, sendo a sanção do plebiscito, nesse caso, inseparavelmente um veredito do mercado (BOURDIEU, 1997, p.105).

Bourdieu acredita estar em disputa no campo jornalístico a credibilidade, a respeitabilidade entre os pares, as fontes e o público, que resulta em boas cifras aos veículos. Alerta para a existência de conflitos, concorrências e hostilidades, mas adverte que os produtos são muito mais homogêneos do que normalmente se sugere. Até mesmo as diferenças mais evidentes ocultam semelhanças profundas, principalmente em relações às fontes e a uma série de mecanismos, como a lógica da concorrência. O autor atribui esta característica ao fato de o jornalismo ser uma produção coletiva, feita a partir de rotinas e de procedimentos padronizados. Adverte, assim, para o efeito de interleitura, pois os jornalistas se leem mutuamente. Para Bourdieu, se fecham no ciclo profissional promovendo o efeito de barreira ou de fechamento mental. Ao observar esses procedimentos padronizados, o autor sugere uma compreensão imaterial do campo jornalístico que há relações de forças completamente invisíveis e conclui que os jornalistas têm ‘óculos especiais’ para ver a vida de forma particular, onde operam uma seleção e uma construção do que é selecionado. (BOURDIEU, 1997).

2. Funções do jornalismo O jornalismo é matéria necessária para a democracia. Esta condição pressupõe um julgamento da sociedade onde são consideradas a reputação, a credibilidade e a honorabilidade de quem faz o jornalismo. Modificações têm sido identificadas na

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profissão com o avanço das mídias digitais, principalmente com o crescimento do acesso à internet proporcionando aos usuários produzirem seu próprio conteúdo. Gomes aponta para uma existência subjetiva ao jornalismo, o princípio de veracidade, onde se pressupõe que haja um compromisso moral entre o jornalismo e os consumidores. Este acordo implícito afeta a atividade de produzir e de veicular notícias. “Não há notícia sobre a qual não se imponha legitimamente uma obrigação de veracidade” (GOMES, 2009, p.10). Assim, percebe-se a ampliação deste compromisso em atender ao interesse público, uma espécie de missão maior no âmbito societário, que seria a promoção de democracia (SCHUDSON, 2008). “Democracia e jornalismo não são a mesma coisa”, alerta Schudson (2008) ao relacionar um rol de estados sem garantias democráticas onde continuam existindo jornais e jornalismo. Se por um lado o jornalismo pode existir sem democracia, o autor defende ser durante os regimes democráticos quando o jornalismo mais próspera. “Onde há democracia ou onde há forças preparadas para realizá-la, o jornalismo pode fornecer inúmeros serviços para ajudar a estabelecer ou manter um governo representativo (SCHUDSON, 2008, p.2)2”. Esta reflexão de Schudson ressalva a responsabilidade dada a um campo profissional com poucos mecanismos de controle social. Schudson (2008) defende ainda que, além da ‘promoção de democracia’ propriamente dita, existem outras seis funções do jornalismo onde as notícias podem servir para fortalecer uma democracia. São elas: informação, onde os meios de comunicação podem fornecer notícias justas e completas para os cidadãos fazerem boas escolhas políticas; investigação, quando os jornalistas investigam fontes importantes do governo; análise, quando são fornecidas estruturas coerentes de interpretação para ajudar os cidadãos a compreender um mundo complexo; a empatia social, quando informa as pessoas sobre iguais para que possam vir a apreciar os pontos de vista e as vidas de outras pessoas, especialmente os menos favorecidos; fórum público, quando o jornalismo proporciona um fórum para o diálogo entre os cidadãos (esfera pública); e, mobilização, quando os meios agem como defensores de determinados programas “Where there is democracy, however, or where there are forces prepared to bring it about, journalism can provide a number of different services to help establish or sustain representative government.” (SCHUDSON, 2008, p.2). Tradução nossa. 2

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políticos ou perspectivas, assim como mobiliza as pessoas para agir em apoio a esses programas. Há outras funções que emergem do universo que a cultura jornalística denomina de “interesse público” para justificar suas notícias. “Em suma, o que tornaria o jornalismo uma instituição legitimada do ponto de vista social seria o fato de ele estar voltado para servir, de maneira mais completa, ao interesse público” (GOMES, 2009, p.70). Inclusive há quem diga que o jornalismo é necessário ao ‘espírito’ da sociedade. “Entre todas as atividades humanas, nenhuma responde tanto a uma necessidade do espírito e da vida social quanto o jornalismo” (BELTRÃO, 1960, p.33). A teoria democrática, por exemplo, dá aos meios de comunicação a função de “mercado de ideias” em que as diversas opiniões da sociedade podem ser ouvidas e discutidas de forma plural, inclusive as minorias populacionais (TRAQUINA, 2005, p.128). A defesa destas minorias é destaque desde os primórdios da organização da profissão, que se hibridiza de certa forma com o entendimento de defesa de direitos e fiscalização dos poderes político e econômico. Essa defesa tem relação com a ideia imprimida do guardião da verdade (watchdog), de mostrar todas as informações e de forma correta (TRAQUINA, 2005), pois o jornalismo é um quarto poder ou um poder moderador (ALBUQUERQUE, 2000). Essa verdade é buscada insistentemente pelos profissionais. “Os jornalistas estão na frente de batalha da liberdade, prontos a vir em sua defesa”, destacou Traquina (2005a, p.28) ao explicar a teoria democrática. Na visão de Albuquerque (2000) há diferenças culturais importantes entre as realidades brasileira e a estadunidense não consideradas nas conceituações teóricas sobre os valores dados à defesa do interesse público. Os Estados Unidos têm princípios arraigados, um consenso quase religioso em torno de um conjunto de valores como a livre iniciativa, a soberania popular, a igualdade perante à lei, o respeito à liberdade de expressão e de culto, e criou instituições políticas em conformidade com esses valores. Este radicalismo naturalizou o ideal da objetividade. No Brasil, como as instituições são desacreditadas, a democracia parece estar em crise mesmo nos períodos mais estáveis, o jornalismo assumiu um papel de guardião do bem comum que o distancia, muitas vezes, da objetividade idealizada pela teoria ianque para a defesa de causas ou interesses. 4

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O sentido da verdade também está embutido no discurso. “O jornalismo não apenas assume com o consumidor de notícias a obrigação de ser veraz, mas também o compromisso de usar de todos os recursos possíveis para evitar o engano e o erro” (GOMES, 2009, p.11). Desta forma, a ética e a independência sempre vão estar presentes nos discursos de autolegitimação da profissão, a fim de que a função de defesa do interesse público não a desvie do caminho proposto. Assim, nesta pesquisa, a independência foi considerada como função de manter-se independente, a fim de tentar mensurar a força deste compromisso e avaliar a possibilidade de ser efetivamente conceituada função no futuro. Até agora é apenas uma aposta.

3. Explorando caminhos metodológicos O desafio é montar uma configuração teórico-metodológica que alcance os agentes do campo jornalístico e os seus discursos sobre as suas funções junto à sociedade, vista neste momento inicial da pesquisa ainda como sinônimo de papel social da instituição jornalística. Esta pesquisa exploratória tem por objetivo reunir dados, informações, padrões, observações, pensar hipóteses e redimensionar o percurso da pesquisa em vigor. É o que Bardin (2011) chama de pré-análise, um período de intuições onde se sistematizam os primeiros dados para uma leitura flutuante a fim de delinear as hipóteses e definir os documentos a serem analisados, assim como as técnicas mais adequadas. Foram selecionados como corpus 14 organizações por critério de audiência, antiguidade e natureza do negócio entre entidades representativas, profissionais e de estudos, de natureza comercial e não comercial. A seleção observou a regra da representatividade dentro do campo.

3.1. Identificando os agentes Foram selecionadas duas entidades representativas por categoria organizacional e naturezas comerciais e não comerciais. Por conta do tipo de corpus escolhido, foram deixados de lado alguns agentes de representação mais difusa como estudantes de jornalismo, assessores de imprensa, novas narrativas midiáticas e jornalistas free-lancer, muito difícil de contemplar nesta fase exploratória inicial. 5

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a. Entidades representativas profissionais. Foram levantadas as entidades representativas em âmbito nacional (patronal com fins de representação laboral e patronal- associativas sem fins laborais, empregados/profissionais com fins de representação laboral e empregados/profissionais - associativas sem fins laborais. As duas escolhidas foram: i. Associação Nacional de Jornais (ANJ) – Porque é entidade a patronal mais ligada ao processo produtivo da notícia e representa os sindicatos estaduais de empresas em todas as unidades da federação. ii. Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) - Porque é a única representação nacional dos trabalhadores através de sindicatos estaduais de jornalistas em todas as unidades da federação. b. Entidades de estudo do jornalismo. Foram consideradas ainda entidades cientificas de atuação no campo jornalístico do Brasil. iii. Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (Sbpjor) – Porque é a associação que trata especificamente da pesquisa em jornalismo. iv. Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) – Porque a divisão Temática Jornalismo conta com cinco grupos de pesquisas, reconhecidos pela comunidade científica local. c. Organizações jornalísticas. Foram considerados critérios de audiência e destaque no campo jornalístico e foram divididas pelas mídias jornal, televisão, rádio e sites noticiosos, permanecendo o corpus de dois por mídia, sendo um de cunho comercial e outro não comercial. v. Mídia impressa – 2 impressas – O jornal Folha de São Paulo foi escolhido porque é o jornal de abrangência nacional com maior circulação pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) com 332.354 exemplares em 2013 e o jornal ‘Brasil de Fato’ porque, mesmo com uma tiragem anunciada de apenas 50 mil exemplares, é o único jornal impresso de circulação nacional que se declara não-comercial.

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vi. Mídia Digital – O G1 foi escolhido porque, segundo o site Alexa3, é o website noticioso mais popular no país e ocupa a posição 4,873 entre todos os sites no Brasil e a posição 150,739 no mundo4. O Portal EBC porque é o website noticioso nacional não-comercial ligado ao Governo Federal e que não tem fins comerciais. vii. Mídia Radiofônica – Band News e CBN são as duas únicas rádios de notícias all news em rede expansão nacional. Dados sobre audiência encontrados na web são imprecisos. A opção pela Band News nesta pesquisa se deve à ampliação da amostra, uma vez que a CBN segue os princípios das Organizações Globo, já representadas nesta pesquisa pelo portal de notícias G1 e a TV Globo. Não há no país experiência de rádio não-comercial all news em âmbito nacional, nem pela web. A Rádio Nacional de Brasília foi escolhida pelo seu tempo de fundação (1958) e a abrangência nacional através da rede pública EBC. viii. Mídia Televisiva – TV Globo5 é a televisão com maior audiência do país e como contraponto não-comercial foi escolhida a Rede TV Brasil, rede televisão pública nacional que agrega a TV Brasil, TV Brasil internacional e TVs Cultura nos estados. d. Organizações de ensino - A escolha foi com base na posição no ranking dos melhores na avaliação de ensino do Ranking Universitário da Folha(RUF)6, 3

Alexa é uma empresa de informações para web da Amazon.com fundada em 1996, que fornece gratuitamente analise para website e acompanha mais de 30 milhões de sites no mundo inteiro. As estimativas de tráfego do Alexa são baseadas em uma amostra diversificada de milhões de usuários de internet em todo o mundo usando milhares de diferentes tipos de barras de ferramentas e add-ons para o Google Chrome, Firefox e Internet Explorer. Informações de http://www.alexa.com/company acessadas em 25.01.2014 4 How popular is g1.com? http://www.alexa.com/siteinfo/g1.com acessadas em 25.01.2014 5 O jornal nacional tem média de audiência de 30 pontos segundo o Ibope. Informações acessadas em http://f5.folha.uol.com.br/colunistas/vivianmasutti/2013/12/1384425-cai-audiencia-do-jornal-nacional-epoeta-tem-saia-justa.shtml. Segundo a própria emissora, é de 35 pontos. Informações acessadas em http://comercial.redeglobo.com.br/programacao_jornalismo/jnac5_ap.php 6 Ranking da avaliação do ensino pelo Ranking Universitário Folha (RUF) e já incorporadas as novas diretrizes curriculares para o jornalismo. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de jornalismo do país foram aprovadas pelo MEC em 12 de setembro de 2013, mas poucos cursos se adequaram, conforme consulta à lista da SBPjor. http://ruf.folha.uol.com.br/2013/rankingdecursos/jornalismoredacaoeconteudo/avaliacao_de_ensino.shtml

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que tenha mudado o currículo de acordo com as diretrizes aprovadas recentemente pelo MEC7. As universidades foram escolhidas após consulta direta, entre os dias 25 e 28 de janeiro de 2014, à lista da SBPJor com mais de 300 sócios e ao grupo no Facebook8 de professores de jornalismo com 2.579 membros. ix. Pública - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Porque é uma universidade pública, foi a 46ª classificada e já mudou o currículo. x. Particular - Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) porque é uma universidade particular, foi a 44ª classificada e já mudou o currículo.

3.2. Definição do corpus de análise Como o objetivo é uma aproximação do discurso das organizações, optou-se por buscar nas páginas de apresentação dos sites oficiais vestígios do discurso das organizações sobre o jornalismo e sua função social. A pesquisa exploratória usa o método da Análise de Conteúdo categorial a partir das 11 palavras-chaves retiradas do marco teórico. Como o método foi indutivo, optou-se por mapear termos correlatos, a serem somados ao quadro de análise à medida que eram encontrados no corpus, em sistema de iteração. Ao observar as páginas de apresentação institucional dos sites selecionados, consideradas aqui sob os títulos Quem Somos, Institucional e Missão. Observou-se a necessidade de criar para cada entidade do corpus, um conteúdo mínimo equilibrado. Os textos de apresentação das instituições em análise exibiam tamanhos diferenciados em suas páginas da internet. Para evitar o desequilíbrio no momento de análise do conteúdo, procuramos tornar as amostras equitativas. Nesse sentido, em alguns casos, foram incorporados à amostra, além das páginas oficialmente consideradas de

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A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), melhores instituições pública e privada do ranking não mudaram o currículo. 8 https://www.facebook.com/groups/4877330137/

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apresentação, textos de artigos e entrevistas de seus respectivos presidentes, com o intuito de agregar ao conteúdo discursos nos quais as instituições falam de si mesmas. Após a captura das páginas na internet, realizou-se uma transposição dos textos para o programa word, reformatando os textos e contabilizando em laudas (página A4, fonte times new roman, tamanho 12, sem espaçamento entre parágrafos e com espaçamento entre linhas de 1,5, margens normais). Nesta pesquisa, trabalhamos com uma variação entre 1 e 19 de laudas de conteúdo por instituição, totalizando 91 laudas, com o conteúdo de, no mínimo, duas laudas. Ao colher os dados nos sites das 14 entidades, estes foram isolados em arquivos em separado para serem reformatado nas laudas padronizadas e colhidas as palavras-chaves. As organizações estatais, assim como as de ensino e estudos do jornalismo apresentam um conteúdo perto do mínimo, ou bem perto dele, nas suas apresentações. Para analisar os dados, cada organização foi isolada para a contagem das palavraschaves. Nesta fase, observou-se que os significados das palavras variavam e seria necessário considerar termos correlatos. Assim, foi realizado um mapeamento semântico das categorias, ficando distribuídos os termos correlatos como apontados no quadro 1. Quadro I – Termos correlatos Palavrachave Informação

Investigação Análise Empatia Social Fórum Público Mobilização Democracia

Termos correlatos Produzir notícia, fazer noticia, noticiar, dar informação, informação objetiva, promover informação, difundir informação, informar, fazer reportagem, produzir reportagem, reportar, retratar o fato, relatar o fato, apresentar os fatos, mediar a realidade e mostrar o factual. Investigar, garimpar, selecionar, fuçar, apurar, colher, buscar. Analisar, fazer análise, leituras da realidade. Emocionar o público, solidariedade do público, promover a sensibilidade da sociedade Promover o debate, esfera pública, formar opinião pública, preservar o contraditório, fomentar o debate do público. Lutar, mobilizar Promover democracia, democráticas, democratização, consciência cívica, promoção de cidadania, construir cidadania, estimular exercer direi9

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tos e devereis de cidadão. Guardião da verdade/ watchdog

Mercado de Ideias Interesse Público

Independência

Fiscalizar, denunciar, alertar, defender, promover a defesa de direitos, primar pela defesa, primar pela verdade dos fatos, representar a sociedade, ter responsabilidade social, ter o compromisso da verdade, compromisso pela exatidão dos relatos, representa a sociedade, compromisso com o acerto, confiança do público, incentivar a fiscalização dos poderes públicos, verdade absoluta, atento às questões sociais, produzir relatos com máxima precisão e coesão, jornalismo correto. Pensamento, plural, pluralismo, relacionar com diferentes públicos. Interesse da sociedade, necessidade da sociedade/público, anseios da sociedade/público, serviços para a sociedade/público, relevância para a sociedade/público, utilidade pública, interesse do cidadão, ouvinte que necessita, prestar serviço ao leitor, interesse coletivo. Isenção, liberdade, livre-iniciativa, livre, independentemente.

Para analisar os dados, cada organização foi isolada em arquivo do word, formatado em separado, para a contagem de cada uma das palavras-chaves. Nesta fase, observou-se que os significados das palavras-chaves poderiam estar em outras palavras e expressões e seria necessário considerar termos correlatos. Ficando distribuídos os termos correlatos como apontados no quadro 1. Não foram consideradas na contagem palavras-chaves e termos correlatos em contextos diferentes do jornalismo.

3.3. Primeiros resultados Foram registradas 442 ocorrências, onde as funções mais frequentes foram informação (28,5%), guardião da verdade (watchdog) (16,96%) e, independência (13,1%), dados que levam a inferir que há atualmente uma continuidade no discurso oficial das organizações de conceitos fundadores e constitutivos do jornalismo, como já foi citado em Beltrão (1960), Traquina (2005) e Schudson (2010). Junto às ocorrências de informação e investigação, por exemplo, foi possível encontrar expressões como “imparcial”, “verdade absoluta”, “isenção”, “informação ética e imparcial”, “transparência” reforçando ‘as mitologias profissionais’ (NEVEU, 2006) como a ideia do jornalismo como espelho da verdade, uma das mais antigas escolas das teorias da comunicação (WOLF, 2005). A função de ‘promoção de democracia’ aparece em 10

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quinto lugar, com 8,14% ocorrências, o que reforça o ideário de responsabilidade da profissão e expectativa da sociedade. Expressões como ‘defesa da livre expressão’, ‘conscientização da cidadania’, ‘promoção de direitos’, ‘defesa dos direitos humanos’ foram frequentes na amostra. Quadro II – Resultado geral UNIDADES DE REGISTRO/ PALAVRA-CHAVE INFORMAÇÃO GUARDIÃO DA VERDADE INDEPENDÊNCIA DEMOCRACIA EDUCAÇÃO INTERESSE PÚBLICO INVESTIGAÇÃO

MERCADO DE IDEIAS ANÁLISE FÓRUM PÚBLICO MOBILIZAÇÃO EMPATIA SOCIAL

ANJ

FENAJ

SBPJ OR

8

5

2

9

6

1

2

9 4 1 3

4 6 1 2

1 3 3 1

1

1 1 1 1

1 1 3

38 29 TOTAL

INTE RCO M

FSP

BR ASI L DE FATO

2

1

1

3

6

42 2

3

21

2

2

1

21 4

5 3

14 4 13 7 6 4 6 4 1

3 3

2 1

3

1 1 1 2

1 1 6

TV BR ASI L

42

1

14

TV GL OB O

G1

BAND NEWS

2

1

RÁDIO NACIONAL

EB C

16

9

12 2

1

9

6

2 4 6

19

14 4 13 7 6 4 6 4 1

UNI SINO S

1

UE RJ

126 28,5

2

75

16,9

58 36 36 32 24 17 16 14 7 1

13,1 8,14 8,14 7,2

442

100

1

12 25 2

8 1 1 1

3

%

12

7 4 3 3 2

TOTAL

24

5,42 3,84 3,61 3,16 1,58 0,22

Observou-se o aparecimento de termos recorrentes como ‘qualidade’, ‘ética’, ‘filtro’, ‘mediação’, que devem ser mais bem compreendidos no decorrer do percurso de pesquisa. Porém, a palavra-chave educação, não foi conceituada inicialmente nesta pesquisa, mas foi considerada nos resultados por ter aparecido com frequência e chamado a atenção. Indutivamente para esta palavra-chave foram avaliados como correlatos os termos: conhecer, produzir conhecimento, formação, formadores, promover cultura, estimular cultura, caráter educativo, difundir conhecimento científico. As organizações de jornalismo, principalmente comerciais, fundem a própria imagem com os valores da instituição jornalística, arrebatando para si a credibilidade institucional do ofício, como é o caso dos "Princípios editoriais das Organizações Globo" e a Missão pela Folha de S. Paulo. É um artifício legítimo utilizado por várias orga11

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nizações jornalísticas e entidades do campo para conferir credibilidade. Como a própria definição de jornalismo não é clara, as apresentações das empresas assumem valores da própria prática e da cultura profissional. O mais interessante é que veículos ligados às associações da sociedade civil autodeclarados como ‘de esquerda’ ou ‘independentes’ fazem o mesmo, embora com o uso de outros termos. Se observarmos o jornal impresso Brasil de Fato, quando nega o papel social da grande mídia e a adjetiva negativamente, referenda o ideário da mesma mídia que condenam. Enquanto o Brasil de Fato afirma que é: O jornal Brasil de Fato— um semanal político, de circulação nacional, para contribuir no debate de ideias e na análise dos fatos do ponto de vista da necessidade de mudanças sociais em nosso país. Plural e diversificado, Brasil de Fato reúne jornalistas, articulistas e intelectuais do Brasil e do mundo.

a Folha de S. Paulo, se autodefine como: Produzir informação e análise jornalísticas com credibilidade, transparência, qualidade e agilidade, baseadas nos princípios editoriais do Grupo Folha (independência, espírito crítico, pluralismo e apartidarismo), por meio de um moderno e rentável conglomerado de empresas de comunicação, que contribua para o aprimoramento da democracia e para a conscientização da cidadania.

Neste ponto, é importante lembrar Wilson Gomes (2009) ao afirmar que o discurso de autolegitimação do jornalismo, configura a identidade da própria profissão e de seus profissionais. Cumpre ainda a missão de convencer a todos que o jornalismo é uma instituição importante, necessária e que precisa ser protegida e cuidada pelos cidadãos. Nos resultados, observa-se ainda a sequência do maior número de ocorrências: informação (28,5%), guardião da verdade (16,9%), independência (13,1%) e democracia (8,14%), o que se pode inferir que a primeira função, mais objetiva e ligada ao fazer jornalístico formal, se relaciona com funções subjetivas ligadas aos discursos autolegitimadores, referendando-a. Este dado, contudo, só poderá ser confirmado com uma análise de contingência, a partir da contabilização das co-ocorrências (BARDIN, 2011). Um vestígio importante a ser considerado em novos esboços é a função de educação, que surgiu neste estudo pela alta frequência nos registros (8,14%). Para Bardin (2011), a constância (ou a ausência) de um registro muitas vezes pode incidir em pistas importantes para a pesquisa. Esta palavra-chave apareceu no processo indutivo da análise dos dados. Ao retornar ao corpus, observou-se que estava sendo atribuído ao jorna12

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lismo o princípio que confere autoridade de ‘produzir conhecimento’, ou seja, surge embutida no processo a função de educação, que foi incorporada e contabilizada como unidade de registro, a partir dos temos correlatos registrado em 8,14% dos discursos. Também em quarto lugar, aparece a função promoção da democracia. Esta frequência registrada possibilitar inferir que o ideário de responsabilidade da profissão e expectativa da sociedade para garantir um espectro democrático ligado ao jornalismo ainda é forte no Brasil. Expressões como ‘defesa da livre expressão’, ‘conscientização da cidadania’, ‘promoção de direitos’, ‘defesa dos direitos humanos’ foram frequentes na amostra. Contíguo a este serviço democrático, surge nos discursos a função de interesse público em sexto lugar. Com 7,2% das ocorrências, o interesse público aparece como compromisso de diferente intencionalidade dos colegas nos Estados Unidos, onde as teorias foram gestadas. “Ou, dito de modo cínico, a preservação da democracia é um assunto sério demais para ser deixado ao ‘acaso’ das decisões populares; a responsabilidade pelo problema deve caber fundamentalmente, então, a elites qualificadas para lidar com ele” (ALBUQUERQUE, 2000, p.38). Junto às ocorrências de informação e investigação foi possível encontrar expressões como “imparcial”, “verdade absoluta”, “isenção”, “informação ética e imparcial”, “transparência” reforçando ‘as mitologias profissionais’ (NEVEU, 2006) como a ideia do jornalismo como espelho da verdade, uma das mais antigas escolas das teorias da comunicação (WOLF, 2005). A função investigação foi detectada em 5,42% das ocorrências, confirmando a tendência das tarefas precípuas da profissão. As organizações trazem nos seus discursos uma justificativa ao modelo anglo-saxônico de jornalismo. Um modelo utilitarista, de news-gathering, de coleta da informação, da busca alucinada por notícias, que reverencia o jornalista-herói, o muckracker, que desencavava escândalos, nascido com a penny press no início do século XX e que definiu este modelo de profissionalismo que até hoje baliza os discursos jornalísticos (NEVEU, 2006). As funções de empatia social com 0,22% de ocorrência, de mobilização com 1,58% das ocorrências, de fórum público com 3,16% e análise com 3,61% tiveram o menor percentual de ocorrências registradas nos discursos oficiais das organizações ligadas ao campo jornalístico. Estas funções com menos citações são aquelas ligadas às ações jornalísticas de manuseio dados, o que se pode inferir é que nestes discursos há 13

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um receio de se envolver com suspeita de manipulação, no sentido de enganar ou ludibriar. Sempre o primado da verdade e isenção, como legitimação. As funções de ‘mercado de ideias’ (3,84%) e ‘fórum público’ (3,16%) tiveram um resultado semelhante, podendo-se acreditar que estão associadas em sua incorporação discursiva. Porém há uma diferença em suas construções teórica. Mercado de ideias conceituado por Traquina (2005) é a função de pluralidade e garantia de muitas vozes diversas, independente de uma construção democrática, os correlatos foram: pensamento, plural, pluralismo, relacionar com diferentes públicos. O fórum público de Schudson (2009) preza para construção de uma esfera pública de construção política, um local de debate e formação de opinião pública, que são assimilados discursivamente de forma análoga. Os correlatos foram promover o debate, esfera pública, formar opinião pública, preservar o contraditório, fomentar o debate do público.

4. Considerações finais A pesquisa-piloto mostra a viabilidade do método de Análise de Conteúdo, embora aponte para a necessidade clara de uma leitura dos discursos do campo. A análise categorial temática foi realizada a partir de um mapeamento semântico indutivo por interação e de forma manual. O método demonstrou eficiência na aproximação real do objeto identificando partes importantes das marcas impressas no discurso oficial. Indicou ainda a necessidade de investigar corpus maiores com ajuda da automatização, dando um acréscimo de rigor a todas as fases do procedimento. Bardin (2011) classifica duas funções do método de Análise de Conteúdo: a função heurística que enriquece a tentativa exploratória (para ver o que dá) e a função de “administração da prova” que usa de afirmações provisórias, diretrizes, para que possam ser verificadas para confirmação ou infirmação (para servir de prova). No caso desta primeira pesquisa-exploratória, feita quase aleatória, pelo método de tentativa e erro, com procedimentos de inventário e de classificação, para fazerem surgir hipótesesguias, verificáveis e técnicas mais adequadas de verificação, como recomendado pela autora. Ou seja, usamos a função heurística do método inicial, para chegar nas pesquisas que se seguem à ‘administração de prova’ a partir do mapa semântico iniciado.

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Evidenciou-se a necessidade de ampliar metodologicamente a investigação da discursividade do campo, além da análise categorial já iniciada, será necessária uma análise da enunciação, pois a comunicação é um processo e não um dado, o discurso é uma palavra em ato. Ao ampliar para o discurso dos profissionais, provavelmente o método da Análise dos Discurso poderá ser mais eficiente, pois permite leituras diferenciadas considerando os diferentes contextos. Assim, a entrevista não diretiva com agentes representativos do campo será a complementariedade qualitativa para o processo. A análise da enunciação assenta numa concepção do discurso como palavra em ato. A análise de conteúdo clássica considera o material de estudo como um dado, isto é, como um enunciado imobilizado, manipulável, fragmentável. Ora, uma produção de palavra é um processo. A análise da enunciação considera que na altura da produção da palavra, é feito um trabalho, é elaborado um sentido e são operadas transformações. O discurso não é transposição transparente de opiniões, de atitudes e de representações que existam de modo cabal antes da passagem à forma linguageira. O discurso não é um produto acabado mas um momento num processo de elaboração, com tudo o que isso comporta de contradições, de incoerências, de imperfeições. Isto é particularmente evidente nas entrevistas cm que a produção é ao mesmo tempo espontânea e constrangida da situação (BARDIN, 2011, p.218).

Goldenberg defende que existe uma interdependência entre a quantificação e a vivência da realidade, do cotidiano, e as escolhas metodológicas dependem das questões levantadas e dos problemas que se quer responder, ou seja, o processo apontará técnicas e procedimentos para alcançar respostas. “Cada pesquisador deve estabelecer os procedimentos de coleta de dados mais adequados para o seu objeto particular. O importante é ser criativo e flexível para explorar todos os possíveis” (GOLDENBERG, 2004, p.62). A pesquisa exploratória permitiu observar o discurso oficial das organizações, com destaque para o mapeamento de construções semânticas importantes que vão ajudar a analisar os múltiplos discursos sobre a compreensão do que é a função do jornalismo hoje no país. Percebeu-se como estas empresas construíram o ethos institucional e estão, em seus discursos oficiais, em consonância com o que é conceituado pela bibliografia reconhecida no campo. Comprovou-se que o ideal profissional liberal descrito teoricamente por Schudson (2008), Traquina (2005), Gomes (2009) e demais citados, foi assimilado pelo mercado, com poucas dissonâncias, como é o caso da empatia social que praticamente não aparece nos discursos analisados, mas é uma prática cotidiana das redações quando usam casos de história de vida e fait divers.

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A pesquisa-exploratória trouxe a amplitude dos agentes do campo, explicitou muito da correlação das forças, muitas vezes com discursos dissonantes que, apesar de contraditórios em sua aparência, reforçam a mesma ‘mitologia’ profissional. Porém, a busca metodológica será árdua, pois é preciso observar os ambientes profissionais nãoformais, que passam por experimentos inovadores que reivindicam o status de jornalismo e, de alguma forma, tem o respaldo da sociedade. Becker (2007) defende estas instituições bastardas como necessárias às pesquisas. O desafio passa ainda por separar valores profissionais das funções, e identificar fenômenos como é o caso da independência, aqui com 13,1% das ocorrências, e da educação, com 8,14%. Por que estão tão presentes nos discursos oficiais destes agentes do campo jornalístico? Quais as diferenças entre estes discursos oficiais, dos jornalistas e da sociedade? Como se dá esta relação entre as gramáticas de produção e reconhecimento? São perguntas para os próximos experimentos testando outras metodologias.

Referências ALBUQUERQUE, Afonso de - Um outro "Quarto Poder": imprensa e compromisso político no Brasil . Revista Contracampo, Nº 4, 2000 - Universidade Federal Fluminense (UFF) P. 23- 57 BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Presses de Universitaires de France, 1977. Tradução Luis Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2011. BECKER, Howard. Segredos e truques da pesquisa. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007 BELTRÃO, Luiz. Iniciação à filosofia do jornalismo. Rio de Janeiro: Agir, 1960. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar Ed, 1997 BRUNS, Axel. Gatewatching: collaborative on-line news production. New York/ Washington: Peter Lang, 2005. FRANCISCATO, Carlos Eduardo. A atualidade no jornalismo: bases para sua delimitação teórica. Tese (doutorado) – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2003.

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:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::: GOMES, Wilson. Jornalismo, fatos e interesses: ensaios de teorias do jornalismo. Florianópolis: Insular, 2009. v.1. 112p. (Série: Jornalismo a Rigor.) GOLDENBERG, Mirían. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais . 8' ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. GUERRA, Josenildo Luiz. O nascimento do jornalismo moderno. Uma discussão sobre as competências profissionais, a função e os usos da informação jornalística. Núcleo de Jornalismo, XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação, Belo Horizonte/MG, 2003. NEVEU, Érik. Sociologia do jornalismo. São Paulo: Loyola, 2006. SCHUDSON, Michael. News and Democratic Society: Past, Present, and Future. The Institute of Advanced Studies in Culture. Disponível em: http://www.iascculture.org/eNews/2009_10/Schudson_LO.pdf (artigo do livro Why Democracies Need an Unlovable Press, 2008). SCHUDSON, Michel. Descobrindo a notícia: uma história social dos jornais nos Estados Unidos. Petrópolis: Vozes, 2010. TRAQUINA, N. - Teorias do jornalismo. Vol. I e II. 2a Edição. Florianópolis: Insular, 2005 a e b. WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 2003.

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