Para que serve o livro didático de Física? - as respostas dos professores

October 5, 2017 | Autor: Alysson Artuso | Categoria: Ensino Médio, Ensino de Física, Livro Didático, Livros Didáticos, Manuais Didáticos, Manuais Escolares
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PARA QUE SERVE O LIVRO DIDÁTICO DE FÍSICA? - AS RESPOSTAS DOS PROFESSORES RESUMO: Esta investigação é uma análise estatística exploratória envolvendo professores brasileiros de Física de Ensino Médio. Nela, utilizou-se questionários de respostas abertas e graduais de múltipla escolha para: a) identificar a frequência de uso do Livro Didático (LD) pelos alunos em sala de aula; b) analisar os usos que o LD assume; c) compreender a importância do LD para a preparação da aula. Para tal, optou-se pelo método survey de desenho interseccional, articulado a estudos qualitativos anteriores, com os dados coletados por meio de questionários aplicados a 353 professores das cinco regiões do país, principalmente entre novembro/2011 e dezembro/2012. São apresentados os resultados da pesquisa e feitas análises estatísticas dos dados. Inicialmente, a estatística descritiva permitiu resumir os dados e, por meio dos testes de hipótese não paramétricos de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis, foram realizadas comparações entre os resultados dos diversos estratos. Com essas técnicas, foi possível investigar se há diferenças nas respostas dadas de acordo com o gênero, a formação, a localidade, a rede de atuação em que atua o professor e sua experiência docente. A análise estatística dos dados apontou que a principal função do livro é para o professor preparar suas aulas, mais até do que para o uso dos alunos. Quando usados pelos alunos, o livro serve principalmente para resolver exercícios em sala e passar tarefas para casa. As diferenças entre os estratos ocorrem, especialmente, em decorrência da experiência do professor, de sua atuação na escola pública, particular ou em ambas e do gênero. A região em que atua e a formação do docente tem efeito apenas marginal nas formas com que o professor usa o LD. PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Física; Manuais escolares; Livros Didáticos de Física. INTRODUÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A inserção dos Livros Didáticos (LD) nas escolas brasileiras a partir de ações políticas governamentais remete há mais de sete décadas. Contudo, a partir de 1980, estruturou-se um amplo programa de aquisição de LD atualmente denominado Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Gradualmente, ele universalizou a avaliação, aquisição e distribuição de livros escolares para os diversos níveis de ensino e áreas de conhecimento, o que, aliado aos altos recursos públicos gastos nesse programa, ajudam a justificar o interesse de pesquisa sobre o papel do livro didático na educação e seu uso por parte de professores e alunos. De modo geral, o LD é tomado como o principal apoio do trabalho didático de muitos professores e, como tal, espera-se que traga informações e conhecimentos para auxiliar na aquisição, ampliação e construção de novas linguagens (escrita, gráfica, algébrica...) e saberes, abarque dados e interpretações sobre culturas locais e universais e aproxime do aluno o saber científico. Atualmente, as coleções de Física de Ensino

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Médio contam sempre com um livro do aluno e um manual do professor, que possui orientações específicas, tais como sugestões e resoluções de atividades e avaliações, textos

complementares,

sugestões

de

encaminhamento

didático-metodológico,

aprofundamentos conceituais e sugestões de leitura. Tomando-o como artefato da cultura, o LD está sujeito a influências de diversas ordens: políticas, econômicas, sociais e pessoais - exemplificadas pela legislação e ações governamentais, as variáveis de mercado e a indústria cultural, a localidade e as condições em que ele está inserido, a formação do autor e assim por diante. Desse modo, o artefato que chega a alunos e professores é resultado de um conjunto de escolhas e processos que privilegiam determinados aspectos e conhecimentos em detrimento a outros. Em razão do escasso espaço para maiores explanações dessa natureza no presente trabalho, embora sejam fundamentais para se discutir o papel do LD na cultura escolar, apenas se indica as obras presentes nas referências bibliográficas para maiores aprofundamentos, em especial Apple (2001). Diante dessa complexidade do LD e das diferentes perspectivas sob as quais ele pode ser analisado (CHOPIN, 2004; GARCIA, 2009; CHAVES e GARCIA, 2011), cabe situar brevemente alguns elementos embasadores da pesquisa proposta. O primeiro é tomar o livro didático como integrante da cultura escolar. Entendido como o “conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados, ‘normalizados’, ‘rotinizados’, sob o efeito dos imperativos da didatização, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada no contexto das escolas” (FORQUIM, 1993, p. 167). Nessa perspectiva, não se imagina que a escolarização simplesmente se subordina ao conjunto descrito, ela também inclui um conjunto de práticas e comportamentos que permitem e permeiam a circulação desses conhecimentos e a assimilação desses comportamentos. Sendo assim, pesquisas na área podem investigar não somente os conhecimentos científicos presentes no livro didático, mas, entre outros, os usos e relações que professores e alunos fazem ou tem com ele. O segundo é reconhecê-lo como multifacetado em relação às ações de professores, alunos e demais sujeitos escolares. Isto é, reconhecer a existência de inúmeras faces de acordo com sua inserção na cultura da escola e do valor, importância e relações que são estabelecidas entre o livro didático e os sujeitos escolares. Embora sejam frequentes os estudos que tratem de incorreções nos conceitos científicos ou equívocos na transposição didática e no uso de determinadas estratégias de ensino (como a História da Ciência) presente nos manuais didáticos, ainda são

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poucos os que buscam compreender o que alunos e professores pensam sobre os livros ou como os usam no processo de ensino-aprendizagem (SOUZA e GARCIA, 2013). Raríssimos são os casos que buscam uma compreensão por meio de métodos quantitativo que, por sua natureza, exigem uma amostra extensível a toda a população de interesse e, por isso mesmo, tem sua dificuldade ampliada para a execução de pesquisas que não contem com amplo apoio logístico e governamental. De forma a preencher essa lacuna, ao menos no que se refere ao LD de Física no Ensino Médio, foi tomada iniciativa de se coletar dados e opiniões de professores e alunos das cinco regiões do país sobre os usos, as preferências e o papel do LD no processo de ensino-aprendizagem. Integrante de um projeto maior, que envolveu cerca de 700 participantes entre professores e alunos, aqui é apresentado apenas um recorte. Neste recorte, versão com os dados definitivos de um artigo preliminar já publicado (ARTUSO, 2012), se traz os resultados coletados na pesquisa no que tange, segundo as respostas dos professores, a frequência de uso do LD pelos alunos em sala de aula, os seus diferentes que assume na sala de aula e a compreensão de sua importância para a preparação da aula do professor. Com o levantamento dos dados, também foi possível investigar se há diferenças nesses quesitos dependendo do gênero, da formação, da localidade, da rede de atuação (escola pública, particular ou ambas) e da experiência do professor. METODOLOGIA A presente pesquisa tem como objetivos: a) identificar a frequência de uso do livro didático pelos alunos em sala de aula; b) analisar os usos que o livro didático assume; c) compreender a importância do livro didático para a preparação da aula. Para dar conta de tais objetivos, uma análise estatística exploratória foi realizada. Sua função foi descrever e descobrir conexões entre as variáveis, fornecendo elementos para estudos posteriores. Tal análise se realizou a partir de um survey de desenho interseccional, que compreende a coleta de dados por meio de questionários de uma amostra representativa da população naquele momento. Na falta de um censo oficial, a listagem e o acesso aos professores foram obtidos por meio do contato direto do pesquisador com professores e instituições de ensino, mas também com o auxílio de sindicatos de professores, programas de pós-graduação, secretarias estaduais de educação, organizadores de eventos e professores parceiros. Ao final do levantamento, foram obtidas 353 respostas válidas.

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Os questionários foram aplicados presencialmente ou por meio eletrônico nas cinco regiões do país principalmente entre novembro de 2011 e dezembro de 2012, no entanto, para obter mais dados em alguns estratos, foram aplicados alguns questionários também em 2013 e 2014. Os professores que responderam ao questionário foram voluntários e, como tais, talvez tenham opiniões mais favoráveis ao LD do que os professores que não aceitaram participar da pesquisa, o que pode limitar a generalização dos resultados. A construção do questionário se deu a partir dos estudos qualitativos feitos por Baganha e Garcia (2009), Carneiro e Santos (2005), Choppin (2004), Garcia (2009), Garcia, Garcia e Pivovar (2007), Silva e Garcia (2010) e Wuo (2002). Desses estudos, foram retiradas as variáveis para os diferentes usos do LD de Física incorporados nesta pesquisa. Tal procedimento está de acordo com o proposto por Sztajn, Bonamino e Franco (2003, p. 12), que defendem que: Os grandes levantamentos, apesar de sua natureza quantitativa, não podem prescindir de estreita articulação com a pesquisa qualitativa. Parte da definição do que deve ser medido e de quais fatores são importantes em avaliação educacional advém de conhecimento gerado a partir de estudos qualitativos.

Assim, definiu-se que as seguintes categorias (estratos) para serem levantadas e, cujas respostas podem ser comparadas na presente pesquisa: gênero, formação, região, município (capital/não-capital), rede de atuação (escola pública, particular ou ambas) e anos de magistério. As seguintes variáveis fizeram parte do questionário e foram posteriormente analisadas em face dos estratos citados: -

Usos do livro para o professor: o qual era apontado em termos de frequências aproximadas, numa sequência gradativa que vai de nunca (0% das aulas) a sempre (100% das aulas) para os quesitos: a) uso para a própria aprendizagem, b) uso do livro do aluno para a preparação de aulas e c) uso do manual do professor para a preparação de aulas.

-

Usos que alunos e professores faziam do livro em sala de aula: o qual era apontado, segundo as respostas dos professores, em termos de frequências aproximadas, numa sequência gradativa que vai de nunca (0% das aulas) a sempre (100% das aulas) para os quesitos: a) para os alunos fazerem exercícios, b) para os alunos fazerem experimentos, debates, pesquisas ou atividades em grupo, c) para o professor passar tarefa para casa, d) para o professor seguir a sequência de conteúdo, e)

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para os alunos acompanharem as explicações, f) para os alunos não copiarem do quadro, g) para os alunos lerem durante a aula. Para a avaliação dos resultados foi feito uso de técnicas de estatística descritiva e de inferência estatística, sempre considerando o nível de significância em 5%. Com dados categorizados e com poucas observações em alguns estratos, optou-se por testes de hipótese não-paramétricos. Para a comparação entre duas amostras, foi utilizado o teste de Mann-Whitney. Para a comparação da medida de localização entre duas ou mais categorias de um estrato, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis. Nos testes de múltiplas comparações, foi realizada a correção de Bonferroni de modo a produzir resultados estatisticamente mais conservadores. CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA Para um intervalo de confiança de 95%, há um erro máximo de 5,9% nas estimativas feitas a partir da amostra, mas que pode ser menor dependendo da variável analisada. Pelos dados levantados, 62,7% ± 5,1% dos professores têm como formação somente a licenciatura em Física, 72,7% ± 4,7% são do gênero masculino, 50,2% ± 5,9% da região Sudeste, 61,8% ± 5,7% residem em não-capitais, 28,2% ± 4,7% tem entre cinco e dez anos de magistério e 57,2% ± 5,2% atuam exclusivamente na rede pública, sendo essas as ocorrências mais frequente (moda) em cada categoria. O quadro 1, após as referências, sintetiza as características da população amostrada. RESULTADOS E DISCUSSÕES Pesquisas qualitativas como as citadas têm apontado para o baixo uso do LD por professores e alunos para tarefas que não sejam a resolução de exercícios e para passar tarefas para casa. Em especial, elas relatam que o manual do professor tem sido raramente utilizado pelos docentes, embora eles afirmem que utilizam o material didático para sua própria aprendizagem. Também a formação do professor parece não ter grande influência na maneira com que ele se apropria desse artefato escolar. Resultados bastante semelhantes foram encontrados nesta pesquisa quantitativa. O uso mais comum do LD, com média de 68,1% ± 3,1% de frequência de utilização, é o do livro do aluno para a preparação das aulas. Conforme a resposta dos professores, ele é estatisticamente maior, inclusive, do que o uso que os próprios alunos fazem do LD em sala de aula (58,9% ± 3,4%) e também superior ao uso do livro para a

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própria aprendizagem dos professores (57,9% ± 3,7%). Pela proximidade de valores, esses dois quesitos não apresentam diferenças significativas. De frequência significativamente menor que os anteriores é o uso do manual do professor para a preparação das aulas, com frequência de 42,3% ± 3,6%. Quanto às atividades realizadas com o LD em sala de aula, novamente se corrobora os principais resultados das pesquisas qualitativas. Estatisticamente, esses usos podem ser separados em cinco grupos de usos não necessariamente excludentes, dentro dos quais as frequências de uso não podem ser tomadas como significativamente diferentes. No primeiro grupo, que representa o uso mais difundido do LD de Física em sala de aula segundo os professores, estão o uso para resolver exercícios em sala (68,2% ± 2,8%), para passar tarefas de casa (63,9% ± 3,2%) e para o professor seguir a sequência do livro durante sua aula. (61,7% ± 3,4%). O segundo grupo, onde também está o uso para seguir a sequência de conteúdos do livro, é composto ainda pelo uso do LD para os alunos lerem (55,8% ± 3,3%). O terceiro grupo é formado pela leitura dos alunos e também para os alunos acompanharem, durante as aulas, as explicações do professor também pelo livro (50,3% ± 3,5%). O quarto grupo, no qual está o acompanhamento dos alunos, é formado também pela realização de outras atividades como experimentos, debates, pesquisas ou atividades em grupo (45,0% ± 3,0%) e, por último, isolado no quinto grupo, o uso do LD para que os alunos não precisem copiar a matéria do quadro (35,0% ± 3,6%). Inicialmente, esses resultados parecem refletir a dificuldade ou lentidão de algumas pesquisas científicas e diretrizes governamentais de chegar à sala de aula ou ao material didático. É o caso da valorização de atividades de caráter mais investigativo e aberto, que permitam o desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo do estudante, como os experimentos, debates, pesquisas e atividades em grupo. Também evidencia o papel central da cópia na prática de sala de aula, atividade que a presença do livro consegue substituir raramente, em apenas 35% dos momentos. Analisando os estratos para comparar os usos do livro didático são encontradas algumas diferenças estatisticamente significativas entre algumas categorias. A primeira delas é quanto ao gênero. Professores usam mais o livro para passar tarefas para casa do que professoras (p-value = 0,009), enquanto elas utilizam mais o livro para sua própria aprendizagem (p-value = 0,000), utilizam mais o manual para preparar as aulas (p-value = 0,003) e usam mais o livro para realizar atividades como experimentos, pesquisas, debates e atividades em grupo (p-value = 0,015) do que os professores. O por que dessa

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diferença e se ela está relacionada com alguma outra variável, como a formação ou a experiência no magistério, não foi fruto de avaliação do presente estudo, mas fica como sugestão para pesquisas futuras. Em razão do baixo número de observações em alguns estratos (ver quadro 1), para se analisar a formação do professor, ele foi dividido em três grupos: professores sem licenciatura, que englobam os ainda não formados, os somente bacharéis ou os graduados em outras áreas; professores com licenciatura, composto por licenciados em Física, licenciados e bacharéis ou graduados em outras áreas com licenciatura curta em Física; e os com pós-graduação, que são os professores com curso de especialização, mestrado ou doutorado na área de educação, ensino de Física ou afins. Nesse estrato, as diferenças observadas se deram em apenas dois casos: o uso do livro do aluno para o professor preparar sua aula (p-value = 0,045) e o uso do material didático para a própria aprendizagem do professor (p-value = 0,008). No primeiro caso, os professores sem licenciatura usam o livro significativamente mais que os professores com licenciatura ou pós-graduação, que não se diferenciam entre si. No segundo caso, os professores sem licenciatura se diferenciam apenas dos professores pós-graduados, que utilizam menos o livro para a própria aprendizagem. Nenhuma diferença foi encontrada entre os professores com licenciatura ou com pós-graduação. Assim como a ressalva feita o gênero, válida para todos os estratos, não foi verificado se essa diferença está vinculada a alguma outra variável, como a experiência no magistério, cabendo essa análise para futuras pesquisas. A ausência de diferença significativa nos usos do material didático indica a baixa influência da formação do professor para o trabalho com o livro didático. Mesmo as diferenças existentes apontam somente para o quanto o professor supõe conhecer a disciplina ou formas de preparar aulas - afinal os não licenciados usam mais o livro somente para essas tarefas - e não para o uso do material durante a aula com o aluno. Seja um professor não formado, um licenciado ou um mestre, todos utilizam o livro com a mesma frequência com os alunos e da mesma forma, por exemplo, utilizando-o de forma igual para passar tarefas ou para os alunos não precisarem copiar do quadro. Esse resultado coloca em xeque, ainda que somente no que se refere ao uso do LD de Física, a efetividade que tiveram programas governamentais ou institucionais de pósgraduação destinados a professores, como os primeiros mestrados profissionalizantes. Também evidencia uma possível falha nos cursos passados de licenciatura ao formar o professor de física para trabalhar com o LD.

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No que se refere à localidade, não há qualquer diferença no uso do LD pelo professor atuar em uma capital ou não. Em relação à região do país, houve diferença em três variáveis: o uso do manual do professor para preparar as aulas (p-value = 0,017), o uso em sala para os alunos não precisarem copiar do quadro (p-value = 0,005) e para passar tarefa (p-value = 0,013). Nos dois primeiros casos, a diferença está na região Norte. Os professores dessa região utilizam mais o manual do professor para preparar suas aulas do que os docentes do Sul e usam mais o material para os alunos não precisarem copiar do quadro do que professores do Sul, Sudeste e Nordeste. Essa característica pode estar vinculada ao convênio existente entre o estado do Amazonas - estado de onde veio a maioria das respostas desse estrato - e uma editora que fornece a todas as escolas públicas um sistema de ensino. Esses sistemas são, em geral, mais restritos e estruturados em suas proposições didáticas e com mais orientações específicas para o professor do que os LD oferecidos pelo governo federal via PNLD, embora sua qualidade e adequação não passem por uma avaliação governamental central. Além disso, o sistema de ensino em questão é consumível, isto é, o aluno realiza parte das atividades no próprio material, que não é aproveitado para o ano seguinte, o que ajuda a justificar o fato de os alunos não precisarem copiar tanto. No terceiro caso, o uso do LD para passar tarefa, a frequência de uso dos professores da região Centro-Oeste foi significativamente superior à dos professores do Sul, do Nordeste e do Norte. Investigar as razões dessa diferença, ou sua dependência em relação a outras variáveis, é uma sugestão para futuros trabalhos. Sobre a rede de atuação do professor, se na escola pública, particular ou em ambas, foram identificadas diversas diferenças. Uma delas é a frequência de uso do manual na preparação de aulas (p-value = 0,023), maior para professores que atuam em ambas as redes em relação aos que trabalham apenas em escolas públicas. Outra é a frequência de uso do LD para os alunos lerem durante as aulas (p-value = 0,019), maior para professores que atuam em ambas as redes em relação aos que lecionam apenas em escolas particulares. Esses resultados talvez mostrem a maior necessidade do professor que atua nas duas redes de se adaptar a diferentes realidades e materiais didáticos, talvez tendo menos tempo e indo buscar mais auxílio no manual, mas também dedicando uma maior parte de sua aula a uma tarefa que sua participação não precisa ser tão efetiva – a leitura do livro por parte dos alunos. No entanto, essas são apenas hipóteses iniciais e devem ser investigadas com maior rigor. No caso da segunda, uma atividade de

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fechamento após a leitura pode exigir uma preparação até maior do professor e um envolvimento maior dos alunos do que uma aula expositiva. Os outros casos dizem respeito a um uso mais frequente do LD por professores da escola particular em relação aos da escola pública no que se refere a passar tarefas (p-value = 0,000), fazer exercícios em sala (p-value = 0,003) e seguir a sequência de conteúdos proposta pelo LD (p-value = 0,002). Isso reflete o questionamento geral, da frequência de uso do livro didático na escola pública, que se mostrou inferior tanto aos professores de escola particular (p-value = 0,004) quanto aos professores de ambas as escolas (p-value = 0,012). Num primeiro momento, isso pode ser entendido como uma maior necessidade da escola particular em fazer exercícios e “cumprir” o conteúdo de forma a se diferenciar da escola pública. Novamente, são necessárias mais investigações para clarificar a natureza e os efeitos dessa distinção sobre a aprendizagem. Essas diferenças podem, por exemplo, refletir uma opinião dos professores de que há falhas nos livros didáticos distribuídos pelo governo, as quais os docentes buscam suprir com outros materiais. Por fim, os anos de magistério foram o fator que mais diferenciaram os usos do livro didático, seis variáveis apresentam diferenças estatisticamente significativas de acordo com a faixa de experiência do professor: se tem entre 0 e 4 anos de docência no Ensino Médio, entre 5 e 10, entre 11 e 16 ou mais de 16 anos. Essas faixas foram escolhidas por serem os quartis que dividem a amostra para que cerca de 25% de observações se situem em cada grupo. No caso da frequência do uso do LD em sala de aula (p-value = 0,000), os professores iniciantes, pertencentes ao primeiro quartil, fazem um uso menos frequente do que os professores de todos os demais quartis. Os professores com até 4 anos de magistério também utilizam o livro para passar menos tarefas (p-value = 0,014) e para fazer menos exercícios em sala de aula (p-value = 0,003) do que os professores com mais de 11 anos de experiência. Por sua vez, os professores mais experientes, os com mais de 16 anos de magistério, utilizam mais o livro para seguir a sequência de conteúdos (p-value = 0,045) e para que os alunos acompanhem a aula pelo livro (pvalue = 0,018) do que os professores com 4 ou menos anos de experiência. Isso mostra que, em geral, professores iniciantes fazem um uso diferente do LD do que professores muito experientes, mostrando-se aqueles mais libertos do LD na preparação e execução de suas aulas. Essa visão de maior liberdade em relação ao livro didático é colocada com frequência por estudos científicos da área e talvez seja uma modificação

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incorporada recentemente pelos cursos de formação de professores, que, aos poucos, se reflete na sala de aula. Contudo, a outra variável que apresenta diferença em relação aos anos de magistério, lança dúvida sobre essa hipótese: professores iniciantes usam menos o LD para realizar atividades de debate, pesquisa, experimento ou em grupo (p-value = 0,018) que os professores entre 5 e 10 anos ou mais de 16 anos de experiência. No meio científico, essas atividades são frequentemente tidas como de grande potencial no processo de ensino-aprendizagem e o baixo uso dos LD pode indicar que essa não é uma tendência seguida pelos professores iniciantes. No entanto, essa menor frequência também pode indicar uma avaliação ruim que esses professores fazem das atividades dessa natureza presentes nos LD, podendo utilizar outras fontes ou desenvolvendo suas próprias atividades dessa natureza para realizar com os alunos. Novamente, pode ser que outras variáveis estejam também influenciando nessa análise, como a formação dos professores, que pode ser maior quanto mais anos o profissional tem de magistério. Como é característica da análise exploratória, não se buscam explicações razoavelmente definitivas para as questões que surgem a partir dos dados observados, mas o levantamento de problemas e hipóteses para estudos posteriores. Caso, por exemplo, de se investigar por que há tantas diferenças de gênero no uso do livro didático e tão poucas relacionadas à formação docente. Outra ampliação também pode ser dada pelo uso de técnicas estatísticas mais refinadas, como o uso de regressões e da análise multivariada. Tais técnicas podem expandir os estudos aqui feitos e, principalmente, é sugerida a articulação mais detalhada desses resultados com outras pesquisas científicas, podendo fornecer um grau mais elevado de compreensão sobre os usos e o próprio papel do livro didático no processo de ensinoaprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho, foi quantificada, com professores de todo o Brasil, a frequência de uso do LD de modo geral e em alguns usos de modo particular. A escolha das variáveis teve como base pesquisas qualitativas sobre o LD de Física no Ensino Médio. Um dos principais resultados, corroborando investigações qualitativas, é que o uso mais difundido do livro é para se resolver exercícios em sala e para se passar tarefas de casa. Tomar o livro-texto como fonte de outras atividades (debates, pesquisas, experimentos

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ou atividades em grupo) e para servir de alternativa à cópia da matéria do quadro são ações raras, tomadas com frequência por menos da metade dos professores. Na comparação entre os diferentes estratos levantados, não foram observadas muitas diferenças no uso do LD em razão da formação do docente ou da região de atuação. O primeiro caso, em especial, levanta dúvida sobre a efetividade que os cursos de licenciatura e pós-graduação de educação tiveram sobre os usos que o professor faz do livro didático. O gênero do professor, a rede de atuação e os anos de magistério se mostraram variáveis mais relevantes. Em geral professoras utilizam-no mais do que professores. Na escola pública, os resultados apontam basicamente para uma menor frequência no uso do livro didático de forma geral e para passar tarefas, fazer exercícios em sala e seguir a sequência de conteúdos, em particular. Por fim, professores iniciantes fazem um uso do livro diferente dos mais experientes: usam menos, passam menos tarefa e fazem menos atividades com ele, além de seguirem menos a sequência e pedirem menos para os alunos acompanharem as aulas pelo livro. Referências APPLE, Michael W. Política cultural e educação. Tradução de Maria José do Amaral Ferreira. 2° ed. São Paulo/BR: Cortez, 2001. ARTUSO, Alysson Ramos. Usos do livro didático de física segundo professores. In: Conferência Regional Iartem Brasil 2012, Curitiba. Atas... Curitiba: UFPR, 2012. BAGANHA, Denise E.; GARCIA, Nilson M. D. Estudos sobre o uso e o papel do livro didático de ciências no ensino fundamental. In: VII ENPEC - Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2009, Florianópolis, SC. Atas... Belo Horizonte, MG: ABRAPEC, 2009. CARNEIRO, Maria H. S.; SANTOS, Wildson L. P.; MÓL, G. S. Livro didático inovador e professores: uma tensão a ser vencida. ENSAIO - Pesquisa em Educação em Ciências, v. 7, n. 2, dez. 2005. CHAVES, Edilson; GARCIA, Tânia M. F. B. Critérios de escolha dos livros didáticos de história: o ponto de vista dos jovens. In: X Congresso Nacional de Educação, 2011, Curitiba, PR. Anais... Curitiba, PR: PUC-PR, 2011. CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n.3, p. 549- 566, set./dez. 2004,

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Média 0,2722

Escola Pública

N 202

% 57,2%

Região Sul

N 52

% 18,8%

0,3740

Particular

101

28,6%

Sudeste

139

50,2%

11,16

Ambas

50

14,2%

Centro-Oeste

19

6,9%

Graduado em outra 29 área Bacharel em física 12

8,4%

9 8,816 % 1,2%

3,5%

Formação N Licenciatura curta em 10 física 217 Licenciado em física Licenciado e charel em física

ba- 17

% 2,9% 62,7% 4,9%

Nordeste Norte Formação Especialista Educação/Ensino Mestre Educação/Ensino Doutor Educação/Ensino

28 39 N em 8

10,1% 14,1% % 2,3%

em 43

12,4%

em 6

1,7%

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