PARA QUE SERVEM AS CIÊNCIAS SOCIAIS?

June 1, 2017 | Autor: Enno Liedke Filho | Categoria: Sociology, History of Sociology, Sociological Theory
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PARA QUE SERVEM AS CIÊNCIAS SOCIAIS? Enno D. Liedke Filho1 INTRODUÇÃO: as respostas clássicas A conjuntura político-intelectual do ano de 1848 ocupa um lugar relevante na história das ciências sociais em suas relações com o pensamento social. Ludwig Feuerbach, chamado de seu auto-imposto exílio no campo, frente à onda repressiva de 1842, resiste inicialmente a falar sobre Religião para os jovens estudantes liberais revolucionários alemães de 48, por considerar que a Questão Religiosa estava para ele plenamente resolvida em suas obras anteriores, destacando-se, entre essas, A Essência do Cristianismo. Aceitando o convite, declara em suas Preleções sobre a Essência da Religião, antecipando posições da moderna Teoria da Recepção, que o fizera por ser aquela uma oportunidade de vivenciar imediatamente a recepção de suas palavras por uma audiência, por um público determinado, em contraste com a experiência de autor solitário em seu gabinete, escrevendo para um leitor imaginário, indeterminado. Afirmando que o sentido da vida de um homem só é dado pelas lembranças de seus feitos e obras que ficarem na memória dos outros, Feuerbach recorda sua tese de que a Teologia é e deve tornarse plenamente Antropologia, qualificando-a como uma Antropologia Moral, a qual, por sua vez, deve vir a ser completada por uma Fisiologia, uma vez que o homem é Natureza. Explorando as fontes da religião, Feuerbach conclui que “o sentimento de dependência é o único nome e conceito universalmente certo para designação e explicação do fundamento psicológico e subjetivo da religião” (Feuerbach, 1989: 350). Trata-se de substituir o amor a Deus pelo amor aos homens, a fé em Deus pela fé nos homens, “na qual o destino da humanidade não depende de um ser exterior ou superior a ela, mas sim dela mesma, na qual o único demônio do homem é o homem rude, supersticioso, egoísta, cruel, mas também na qual o único Deus do homem é o próprio homem” (Feuerbach, 1989: 237). No limite, pode-se, pois, sugerir que suas Preleções tendem para um tipo de intervenção hermenêuticoterapêutica, que tem por “objetivo fazer de vós, de amigos de Deus, amigos dos homens; de pensadores crentes e rezadores, trabalhadores; de candidatos ao além, estudantes do aquém; de cristãos (que, segundo sua própria confissão, são “meio animais e meio anjos” homens completos” (Feuerbach, 1989: 237). Nessa mesma conjuntura revolucionária, imbuídos de radicalismo comunista filosófico, Marx pagava nas Teses contra Feuerbach (1845) tributo à precedência desse filósofo, ao mesmo tempo em que denunciava o caráter falho de seu materialismo, por não captar o objeto da filosofia/teoria social, como 1

Palestra de Abertura do V ENCCS promovido pela Federação Nacional dos Sociólogos do Brasil e UFF, Niterói, 20 a 23 de julho de 2004.

2 atividade humana sensível, praxis (Tese 1). Assumindo que Feuerbach resolve o mundo religioso na essência humana, sem se dar conta de que a essência humana não é um abstrato residindo no indivíduo único, pois sua efetividade é o conjunto das relações sociais (Tese 6), Marx declara na Tese 11 que “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo diferentemente, cabe transformá-lo“ (Marx, 1978: 59). Em 1848, desde a nascente perspectiva do materialismo dialético-histórico e assumindo o comunismo proletário, Marx e Engels proclamam no Manifesto do Partido Comunista que o espectro do comunismo ronda a Europa, cabendo à teoria revolucionária orientar a práxis revolucionária do proletariado mundial. Paralelamente, no contexto francês, ocorria então o último ato de um outro importante desdobramento político-intelectual para a história própria da sociologia. Augusto Comte, criador da palavra Sociologia – através da junção espúria da palavra socius de origem latina e logia de origem grega – completava sua estranha passagem desde a Filosofia Positivista e a Sociologia para a Religião Positivista e a Sociocracia. Na concepção desse autor, a Sociologia, inicialmente chamada de Física Social, é a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, entendidos como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas, empregando para tal o método histórico, e visando, dentro dos princípios da Filosofia Positivista, “saber para prever; prever para agir; agir para prover”. No contexto de reformulação da Filosofia Positivista, dada a proposição da Religião da Humanidade, a Sociologia, coroamento da hierarquia das ciências, vem a ser subordinada à Ciência da Moral, uma nova, sétima ciência postulada por Comte, a qual tem no método simpático sua base, podendo-se sugerir que esse tende a ser possivelmente uma antecipação da questão da empatia em metodologia sociológica. Cumpre aqui comparar essas três perspectivas quanto ao sentido da teoria social propostas na conjuntura revolucionária de 1848, com as de dois outros clássicos das Ciências Sociais – Durkheim e Weber – formuladas estas na conjuntura dominada pelo racionalismo cientificista da Belle Époque, quando da passagem do século XIX para o século XX, cujo otimismo veio a se esvanecer sob o troar dos canhões da Primeira Grande Guerra. De um lado, no contexto da Terceira República francesa, Émile Durkheim propõe, sob inspiração do reformismo social comtiano, uma sociologia para a ação, não conservadora como aquele, mas progressivista (Filloux, 1975: 8), a qual tem “um objeto definido e um método para estudá-lo. O objeto são os fatos sociais; o método‚ a observação e a experimentação indireta, em outros termos, o método comparativo” (Durkheim, 1975: 94).

3 O fato social é definido como toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter (Durkheim, 1966: 12). As regras relativas à explicação dos fatos sociais consistem em assumir que a origem primeira de todo processo social de alguma importância deve ser buscada na constituição do meio social interno, (o qual é constituído por) coisas e pessoas (Durkheim, 1966: 104). E que o esforço principal do sociólogo deverá, pois, visar à descoberta das diferentes propriedades deste meio, suscetíveis de exercer uma ação sobre o curso dos fenômenos sociais. (Durkheim, 1966: 105). A partir dessas premissas, Durkheim, analisando a atual divisão anômica do trabalho, dada a transição incompleta da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica, sustenta que a corporação “está destinada a tornar-se a base ou uma das bases essenciais da nossa organização política” (Durkheim,1984: 37). Ao mesmo tempo, investigando as causas da crise moral de seu tempo, marcada pelo enfraquecimento do espírito de coletividade, pelo individualismo e pela perda de consciência da unidade orgânica da sociedade, Durkheim postula que a sociologia está, mais do que qualquer outra ciência, em condições de restaurar essas idéias [da unidade orgânica da sociedade]. É ela que fará o indivíduo compreender o que é a sociedade, como ela o completa e como ele é insignificante reduzido exclusivamente às suas forças (Durkheim, 1975: 102). Partindo da definição de que a educação é uma socialização metódica de cada nova geração (Durkheim, 1967: 82), e argumentando que há na base de nossa civilização certo número de princípios que, implícita ou explicitamente, são comuns a todos, ou que pelo menos bem poucos ousam negar em sã consciência – o respeito à razão, à ciência, às idéias e sentimentos em que se baseia a moral democrática – , Durkheim considera que “é função do Estado proteger esses princípios essenciais, fazê-los ensinar em suas escolas, velar para que não fiquem ignorados pelas crianças de parte alguma, zelar pelo respeito que lhe devemos” (Durkheim, 1967: 49). Assumindo, quanto aos planos pedagógicos, que não se trata de buscar a proposição de processos pedagógicos acabados, Durkheim postula que a sociologia pode nos fornecer o de que “mais insistentemente temos necessidade: um corpo de idéias diretrizes que sejam a alma de nosso labor, e que o sustenham, dêem nítida significação à nossa atividade e nos prendam a ela. Tal condição é indispensável à proficuidade de toda e qualquer ação educativa” (Durkheim, 1967: 91). De outro lado, a posição de Max Weber acerca da necessidade do cientista social de observar permanentemente uma postura de neutralidade axiológica emerge, no contexto da Alemanha

4 guilhermiana, como uma solução original entre as soluções clássicas para a questão – para que servem as ciências sociais? No entender desse cientista, deve-se entender por sociologia (no sentido aqui aceito desta palavra, empregada com tão diversos significados): uma ciência que pretende entender, interpretando-a, a ação social para, desta maneira, explicá-la causalmente em seu desenvolvimento e efeitos (Weber, 1969: 5). Em um contexto de intelectualização e racionalização crescentes (Freund, 1987: 21), que caracterizam a tendência inexorável ao desencantamento do mundo, Weber argumenta ser necessário distinguir permanentemente, na prática científica, a ética da responsabilidade da ética da convicção (Freund, 1987: 27), equacionando, pois, as tarefas da ciência como vocação como distintas das da política como vocação. Assume-se, pois, na prática científica, uma posição de neutralidade axiológica frente aos juízos de valores, tendo presente que uma ciência experimental nunca poderá ter como tarefa a descoberta de normas e ideais de caráter imperativo, donde pudessem deduzir-se algumas receitas para a praxis (Weber, 1977: 140) Ou, em outras palavras, uma ciência empírica não está apta a ensinar a ninguém aquilo que ‘deve’, mas sim e apenas o que ‘pode’ e – em certas circunstâncias – o que ‘quer’ fazer” (Weber, 1977: 17). Nesse contexto, cabe à análise científica das conseqüências da ação social responder a pergunta – quanto custa, no que se refere ao sacrifício previsível de outros valores, a consecução do fim proposto? No limite, trata-se de termos consciência de que o destino de uma época cultural que provou o fruto da árvore do conhecimento é ter de saber que não podemos deduzir o sentido dos acontecimentos mundiais a partir dos resultados do seu estudo, por muito completo que este seja; mas pelo contrário, que devemos ser capazes de o criar por nós próprios, que as ‘concepções do mundo’ nunca poderão ser produto de um saber empírico progressivo, e que, por conseguinte, os ideais supremos, que mais intensamente agem sobre nós, apenas se concretizam, em todos os tempos, graças à luta com outros ideais, que são tão sagrados para os outros como os nossos o são para nós (Weber, 1977: 22). Concluindo esse rápido balanço, considero que a essas cinco respostas clássicas à questão para que servem as ciências (as teorias) sociais – terapêutica social (Feuerbach); revolução social (Marx e Engels); reformismo social conservador (Comte), reformismo social progressista (Durkheim); e neutralidade axiológica com responsabilidade política (Weber) – cabe agregar o ceticismo social de alguns autores pósmodernos, o qual lembra o ceticismo examinado criticamente por Hegel na Fenomenologia do Espírito, em conjunto com o estoicismo e a consciência infeliz cristã, como três modos a-críticos de posicionar-se frente à relação senhor-escravo.

5 BRASIL – HISTÓRIA E CONJUNTURA: revolução passiva e democracia Hoje estamos aqui nesse Encontro para discutir a questão: para que servem as ciências sociais? Cabe deixar indicados alguns pressupostos da minha intervenção nessa oportunidade. Primeiro, ao contrário da conjuntura de 1848, não me parece estarmos vivendo no Brasil, hoje, a despeito de expectativas e ilusões de muitos, uma situação revolucionária, ou mesmo pré-revolucionária. Mas, talvez, para dar conta da situação vivida hoje pela sociedade nacional, devesse ser aqui retomado o conceito gramsciano de revolução passiva, com altíssimas doses de transformismo. Este se caracteriza por apropriação pelas classes dominantes das bandeiras históricas das classes subalternas, bem como cooptação de suas lideranças significativas pelo deslocamento massivo dessas, não apenas do campo econômico-coorporativo para o campo político, mas pela sua incorporação no próprio aparelho estataladministrativo, enquanto parcela emergente do bloco no poder – a nova classe, a qual é objeto de acérrima crítica no libelo de Francisco de Oliveira, O Ornitorrinco (2003). Recorde-se aqui que Weber, analisando, em 1906, desde uma perspectiva liberal, o poder crescente das burocracias públicas e privadas e a fragilização das oportunidades de democracia e individualismo, argumentava que no “feudalismo benévolo” americano, nas chamadas “instituições de bem-estar social” na Alemanha, na constituição fabril da Rússia, em toda parte está pronta a casa para uma nova servidão, sendo que em seu entender, “os trabalhadores americanos que foram contra a ‘Reforma do Serviço Público’ sabiam o que estavam fazendo. Preferiam ser governados pelos parvenus de moral duvidosa do que por uma casta de mandarins. Mas seu protesto foi em vão” (Weber, apud Mills, 1971: 90). Em segundo lugar, consideramos que na longuíssima duração, a história do Brasil revela que a concretização da República (1889), da Abolição (1888) e de uma verdadeira Independência Nacional (1822), encontram-se incompletas, vivendo-se hoje em uma democracia inconclusa, em que a dominação liberal-conservadora, potencializada pelo transformismo, encontra seu contraponto em uma sociedade civil que, em conceituação gramsciana, poderia ser caracterizada como gelatinosa. No limite, pode-se sustentar que, no Brasil, as tarefas básicas apontadas pela Revolução Francesa – liberdade, igualdade e fraternidade – ainda são atuais, pois essas bandeiras ainda não estão minimamente concretizadas para a maioria de excluídos, mesmo dentro dos parâmetros de uma sociedade capitalista-burguesa. Recordandose aqui as reflexões de Durkheim sobre a sociologia como uma das herdeiras da Revolução Francesa, pode-se aventar a hipótese de que hoje, no Brasil, cabe a ela, em conjunto com as suas disciplinas irmãs – antropologia, ciência política, direito, demografia, economia política, geografia, história e psicologia

6 social –, analisar e equacionar o estado atual da questão social e da questão democrática, bem como as condições para a resolução nacional, democrática e popular dessas2. Nesse sentido, considero relevante colocar em perspectiva histórica a experiência brasileira, trazendo ao debate quatro cenários políticos possíveis quanto ao futuro político das nações latinoamericanas (Quadro 1), propostos por Calderón e dos Santos (1991). Tendo-se em conta a caracterização do estado atual da sociedade brasileira, pode-se, tendo como referência os cenários em questão, sugerir que nossa sociedade poderia encaminhar-se alternativamente para (a) um cenário sócio-político de caos societário: (b) um cenário de modernização centrífuga com o predomínio de um processo de tradicionalização societária; (c) um cenário de modernização menos fragmentada e mais expansiva, acompanhada por um processo de dualização societária; e (d) um cenário de modernização acordada e expansiva acompanhada de integração social simbólica e tendencialmente material. Alternativas essas que, servindo de pano de fundo para as presentes reflexões, serão retomadas oportunamente no final da presente análise, quanto as suas implicações histórico-sociais e aos desafios que colocam à sociologia. QUADRO 1 CENÁRIOS POSSÍVEIS RELATIVOS AO FUTURO POLÍTICO DA AMÉRICA LATINA TESE 1 As sociedades latino-americanas tenderão a vivenciar, a médio prazo, um cenário sócio-político de caos societário, em que um dos traços principais é a desagregação extrema e anômica decorrente de conflitos e de desestruturação estatal. TESE 2 As sociedades latino-americanas tenderão para um cenário de modernização centrífuga, com o predomínio de um processo de tradicionalização societária. O estado, racionalizando-se, busca se associar com os atores empresariais mais concentrados e combina a sua ação entre a cooptação social e a coação política, reiterando ajustes a curto prazo. Esse cenário também implicará em uma conflitualidade social alta e prováveis rupturas ou retrocessos democráticos. TESE 3 Um terceiro cenário possível se caracteriza por uma modernização menos fragmentada e mais expansiva, acompanhada por um processo de dualização societária. O estado recupera capacidade de regulação e de negociação frente aos setores empresariais mais concentrados, viabiliza processos de reconversão econômica – ajuste em sentido amplo – e otimiza a cooptação social. Aqui os níveis de estabilidade política seriam maiores. TESE 4 Um quarto cenário político, “seguramente pouco possível”, se caracterizaria por uma modernização acordada e expansiva, acompanhada por um processo de integração social simbólico e tendencialmente material. O estado é aqui um regulador chave do desenvolvimento, apoiando-se em um regime democrático que multiplica os intercâmbios políticos entre os distintos atores e valorizando crescentemente sua representatividade social.

Fonte: elaboração do autor a partir de Calderón e dos Santos, 1991.

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As reflexões desenvolvidas neste texto enfocam a sociologia no Brasil. Em suas linhas gerais, as tendências e questões tratadas compreendem também as demais Ciências Sociais.

7 PARA QUE SERVEM AS CIÊNCIAS SOCIAIS? Alterando, por ora, o foco de análise da questão que nos reúne aqui hoje – para que servem as ciências sociais? – gostaria de indicar que entre outras possibilidades relevantes, as ciências sociais (e a sociologia em particular), servem também para conhecer as próprias ciências sociais e os seus praticantes. Trata-se das questões que já afligiam Job: Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? Considero que, para o tratamento dessas questões, um dos problemas que nós, sociólogos, temos que enfrentar sistematicamente é o problema daquilo que, parafraseando Althusser, chamaria de a “sociologia da sociologia espontânea dos sociólogos”, isto é, o discurso dos “nativos” acerca da sua prática científica cotidiana, discurso esse que no seu espontaneismo não cumpre os requisitos básicos da própria prática científica sobre a qual se debruça. Em oposição a essa postura espontaneísta pode-se relembrar aqui, entre muitas contribuições, o equacionamento das tarefas da sociologia da ciência e o modelo analítico para a verificação do estado da disciplina sociológica propostos por Talcott Parsons, como um exemplo de esforço sistemático de sociólogos para a análise da própria sociologia3. Para Parsons (1972), a sociologia da ciência estuda as condições sob as quais os critérios culturais da ciência podem vir a ser institucionalizados, e após esta institucionalização, enfoca as condições necessárias para a sua implementação nos processos concretos de investigação (pesquisa). Estes dois movimentos analíticos são desenvolvidos por dois modelos específicos e complementares. O primeiro modelo refere-se ao modo de institucionalização da ciência em dado contexto social, sendo que os valores societários têm que ser: 1 - especificados não só para a sociedade, mas para os subsistemas relevantes da sociedade (inclusive o científico); 2 - legitimados como diretamente relevantes e motivacionalmente para os grupos particulares envolvidos e formulados como normas; 3 - integrados aos objetivos (goals) das coletividades envolvidas, através de normas relevantes especificadas; e 4 - integrados com os compromissos motivacionais dos indivíduos no desempenho de papéis. O segundo modelo refere-se aos desvios possíveis de um dado campo científico em relação a um tipo ideal definido pelo value-science integrate, os quais têm com fontes: 1 - a má integração ou as discrepâncias entre a ordem mais geral dos valores da sociedade e os valores de um ou mais subsistemas; 2 – os problemas oriundos da definição de normas; 3 – a discrepância na definição das funções e nos objetivos das coletividades; e 4 – as discrepâncias que podem estar localizadas ao nível dos papéis em termos das motivações dos indivíduos. 3

Entre outras contribuições ver, Gouldner, 1973; Ianni, 1989; e Micelli, 1989 e 1995.

8 No seu entender, o foco da análise deve ser colocado, não nos próprios standards culturais institucionalizados da ciência, mas nos modos institucionalizados de implementação destes standards científicos culturais no sistema social correspondente. Estes modos de institucionalização tendem a tornar possível novas proposições empíricas, através de um processo de validação empírica, orientada para a construção de teoria, sendo o problema crucial: “em que medida e por que processos as condições nãoculturais que incidem neste processo são controladas de modo bem sucedido no interesse dos padrões culturais” (Parsons, 1972: 298). Tratando especificamente da sociologia, Parsons (1959) argumenta que no seu entender o estado da disciplina sociológica, considerada como um complexo cultural em si mesmo e como parte de um complexo cultural mais amplo, é caracterizado: 1 - pela extensão em que os cânones de adequação e de objetividade científicas vieram a ser estabelecidos como o código vigente da profissão para o tratamento de um objeto (subject matter); 2 - pela diferenciação da sociologia como ciência e suas relações com as disciplinas científicas vizinhas; 3 - pela diferenciação da sociologia como ciência da “prática” sociológica (sociologia aplicada); e, 4 - pela diferenciação da sociologia e suas relações frente aos aspectos não científicos da cultural em geral, como a filosofia, a religião, a literatura e as artes, assim como da concepção geral de mundo (general “weltanschaung”). Considerando a questão da inserção da sociologia dentro do sistema social, Parsons (1959) argumenta que é necessário, para seu pleno conhecimento, enfocar os seguintes aspectos: 1 - o papel do sociólogo com cientista, considerando-se tanto o estado da pesquisa como o estado do ensino e treinamento de outros que virão a levar adiante estas atividades; 2 - o papel de cidadão do cientista ; 3 - o estado da sociologia aplicada; e 4 - o estado da contribuição da sociologia para a definição societária "da situação", seja em termos da contribuição para a “educação em geral”, seja por enfocar os interesses "'intelectuais" gerais vigentes na sociedade em dado momento. Verifica-se que, entre os temas que merecem atenção especial no modelo parsoniano apresentado, encontram-se o do ensino da sociologia e o da formação (treinamento) das novas gerações de cientistas sociais, assim como o papel do cientista enquanto cidadão e o do estado da contribuição da Sociologia para a definição societária da situação vivida, seja quanto à educação em geral, seja por enfocar a sociologia os interesses intelectuais gerais vigentes na sociedade em dado momento4.

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É interessante relembrar aqui que Merton (1961), analisando o problema dos conflitos que ocorriam então entre os sociólogos acerca dos estilos de trabalhos sociológicos, sugere que estes conflitos centravam-se nos seguintes temas polêmicos: (a) o moral e o significativo/importante em sociologia; (b) a alegada clivagem entre sociologia substantiva e metodologia; (c) o pesquisador solitário e a pesquisa em grupo; (d) concordâncias cognitivas e discordâncias valorativas; (e) sociologia formal (abstrata) e sociologia concreta; (f) o micro e o macro em sociologia; (g) experimentação e história natural em sociologia; (h) grupo de referência dos sociólogos; e (i) sociologia versus psicologia social.

9 No que respeita à aplicabilidade da sociologia, é interessante deixar registrada aqui a diversidade de respostas para a questão – para que servem as ciências sociais –, tomando por referência algumas teorias sociológicas contemporâneas selecionadas, podendo-se verificar no Quadro 2 que essas respostas variam desde pesquisas de mercado (culturalismo) até a crítica da colonização do mundo da vida, na linha da proposição habermasiana. QUADRO 2 PARA QUE SERVE A SOCIOLOGIA SEGUNDO CORRENTES SOCIOLÓGICAS CONTEMPORÂNEAS SELECIONADAS CORRENTES SOCIOLÓGICAS

APLICABILIDADE

ESCOLA DE CHICAGO Park, Burgess e Wirth

REFORMA URBANA PRAGMATISMO

CULTURALISMO Lazzarsfeld

PESQUISAS ELEITORAIS PESQUISAS DE MERCADO

FUNCIONALISMO Parsons

TEORIA DA ADMINISTRAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES

INTERACIONISMO Mead

REARMAMENTO MORAL

ESTRUTURALISMO Levi-Strauss

CRÍTICA CULTURAL

TEORIA CRÍTICA I Adorno e Horkheimer

CRÍTICA CULTURAL À REIFICAÇÃO E AO JURIDICISMO

TEORIA CRÍTICA II Habermas

CRÍTICA DA COLONIZAÇÃO DO MUNDO DA VIDA

Fonte: Elaboração do autor a partir de Herpin, 1982.

Outrossim, um destaque especial cabe à visão de Parsons (1972) sobre as principais fontes de insegurança da profissão de cientista social. Essas fontes são: 1 - a ausência de suporte para standards científicos, dado pelas universidades como coletividades, que, em vários graus, podem ter compromissos estáveis para com os objetivos da ciência; 2 - os compromissos motivacionais dos próprios cientistas sociais podem ser, em vários respeitos e graus incompletos e ambivalentes, por exemplo, eles podem estar mais preocupados com a utilidade prática do que com as conquistas científicas enquanto tais, ou eles podem estar orientados em demasia para o “sucesso”; 3 - o estado técnico do seu próprio campo pode ser tão imperfeito que é difícil utilizar standards técnicos genuínos para resistir a estas pressões quando as recompensas primárias para conquistas científicas genuínas – auto-respeito ou reconhecimento dos colegas ou ambos – podem ser esparsas para a eficácia total sobre um longo período; e 4 - finalmente, o balanço de in-put e out-put entre a comunidade científica e outros subsistemas societários é, tendencialmente, precário, com uma tendência quase inerente para fortes pressões para extrair “concessões” da comunidade científica para estas orientações externas.

10 Independentemente dos possíveis problemas que sua fundamentação estrutural-sistêmica colocam, essas contribuições de Parsons, podem no nosso entender servir como um guia – uma agenda – para equacionar questões que merecem atenção permanente dos praticantes de nossas disciplinas.

A SOCIOLOGIA NO BRASIL: história e perspectivas Levantamentos da Federação Nacional dos Sociólogos indicam que ao longo dos 70 anos transcorridos desde a implantação do primeiro curso de Ciências Sociais no Brasil foram formados cerca de 40.000 licenciados e bacharéis, sendo que atualmente a estrutura acadêmica da área é constituída por 132 habilitações (bacharelados e licenciaturas) sediadas em 84 instituições (MEC), com cerca de 13.000 alunos. Em 2002, as três áreas – antropologia, ciência política e sociologia – totalizavam 51 cursos de pósgraduação, com um corpo docente de 901 professores em quase sua totalidade doutores, e possuindo um total de 1.742 alunos de mestrado e 1.476 alunos de doutorado. O Diretório de Grupos de Pesquisa5 do CNPq indica que, em 2002, as três áreas totalizavam 477 grupos, estando inscritos 240 grupos de sociologia, 142 grupos de antropologia e 95 grupos de ciência política (http://lattes.cnpq.br/; 15/10/04)6. Considerando o caso da sociologia no Brasil, a questão - para que servem as ciências sociais – requer a apreensão da evolução da sociologia como disciplina acadêmico-científica, a qual pode ser dividida nas seguintes etapas e períodos7: A Herança Histórico-Cultural da Sociologia Período dos Pensadores Sociais Período da Sociologia de Cátedra Etapa Contemporânea da Sociologia Período da Sociologia Científica Período de Crise e Diversificação Busca de Nova Identidade O Quadro 3 apresenta acontecimentos, características institucionais, bem como as problemáticas, os temas e as influências teóricas principais ao longo dessas etapas da evolução da sociologia no Brasil. O período dos Pensadores Sociais corresponde historicamente ao período que se estende das lutas pela Independência das nações latino-americanas até o início do século XX. Durante esse período a 5

Um estudo acerca da sociologia no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq foi desenvolvido pelo autor em Liedke Filho, 2003a. 6 Ressalte-se também o significativo papel desempenhado pelas associações profissionais e científicas – FNSB, ABA, ABCP, SBS e ANPOCS, e a presença das ciências sociais na SBPC. 7 A reconstrução da evolução da Sociologia no Brasil e na América Latina, apresentada aqui sucintamente ,foi desenvolvida em detalhe em Liedke Filho, 1990a e 1990b.

11 elaboração de teoria social tendeu a ser desenvolvida por pensadores sob a influência de idéias filosófico-sociais européias ou norte-americanas como, por exemplo, o iluminismo francês, o ecletismo de Cousin, o positivismo de Comte, o evolucionismo de Spencer e Haeckel, o social-darwinismo americano de Sumner e Ward e o determinismo biológico de Lombroso. Sob as influências desses autores buscava-se equacionar duas problemáticas centrais – a formação do estado nacional brasileiro, opondo liberais e autoritários8, e a questão da identidade nacional, tendo como núcleo a questão racial opondo os que sustentavam uma visão racista e os inspirados pelo relativismo étnico-cultural9. Sobre o sentido social das Ciências Sociais nesse período dos pensadores sociais, é interessante deixar registrado aqui que Fernandes (1977), analisando as razões pelo interesse nos conhecimentos sociológicos então, indica que podem ser identificados dois períodos: um primeiro período de autodidatismo inicia-se já no terceiro quartel do século XIX, correspondendo à fase de desagregação da ordem social escravocrata, e é caracterizado pela exploração de conhecimentos sociológicos como recurso parcial de interpretação. A intenção principal não é fazer investigação sociológica propriamente dita, mas considerar fatores sociais na análise de certas relações como, por exemplo, as conexões entre o direito e a sociologia, a literatura e o contexto social, o estado e a organização social. Um segundo período tem início em princípios do século, quando a sociologia frutifica “tanto sob a forma de análise histórico-geográfica como sociológica do presente, quanto sob a inspiração de um modelo mais complexo de análise históricopragmática, em que a interpretação do presente se associa a disposições de intervenção racional no processo social” (Fernandes, 1977: 27). O período da Sociologia de Cátedra iniciou-se nos países latinoamericanos em fins do século passado, quando cátedras de sociologia foram introduzidas nas Faculdades de Filosofia, Direito e Economia. No Brasil, esse período teve inicio em meados da década de vinte, quando foram criadas as primeiras cátedras de sociologia em Escolas Normais (1924-25), enquanto disciplina auxiliar da pedagogia, dentro do esforço democratizante do movimento reformista pedagógico que tem sua expressão maior no movimento da Escola Nova. Neste momento ocorreu a proliferação de publicações como os Manuais e Coletâneas para o ensino de sociologia, os quais procuravam divulgar as idéias de cientistas sociais europeus e norte-americanos renomados, tais como Durkheim e Dewey, bem como idéias sociológicas acerca de problemas sociais como urbanização, migrações, analfabetismo e pobreza. Ao mesmo tempo, a questão da miscigenação racial no Brasil passou a ser tratada em uma perspectiva otimista como em Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre (2000).

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Sobre o pensamento autoritário na Primeira República, ver Lamounier, 1977. Entre outros, ver Maio, 1996.

12 O período inicial da Etapa Contemporânea da Sociologia no Brasil corresponde à emergência da chamada Sociologia "Científica", a qual buscou, sob a égide do paradigma funcionalista e culturalista, a consecução de um padrão de institucionalização e prática do ensino e da pesquisa em sociologia similar ao dos centros sociológicos dos países centrais. A institucionalização acadêmica da Sociologia no Brasil ocorreu em meados dos anos 30, com a criação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (1933) e com a criação da Seção de Sociologia e Ciência Política da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (1934). As tentativas, ainda que limitadas e parciais, em ambas as instituições, de relacionar o ensino e a pesquisa em sociologia, demarcam o início da chamada etapa da sociologia científica, a qual viria a ter seu apogeu em fins dos anos 50. A concepção de desenvolvimento dessa abordagem teve sua expressão na Teoria da Modernização e em sua análise do processo de transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna, sob uma ótica dualista como em Os Dois Brasis de Jacques Lambert (1959). Nas palavras de Fernandes (1977), configurava-se então plenamente um terceiro período da Sociologia no Brasil, o qual embora com raízes no segundo quartel deste século só se configura plenamente no após guerra, tendo por característica dominante a preocupação “de subordinar o labor intelectual, no estudo dos fenômenos sociais, aos padrões de trabalho científico sistemático. Esta intenção se revela tanto nas obras de investigação empírico-indutivas (de reconstrução histórica ou de campo), quanto nos ensaios de sistematização teórica” (Fernandes, 1977: 28). É interessante destacar que a primeira experiência de institucionalização da sociologia e da ciência política no ensino superior no Brasil, ocorrida na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, criada pela elite paulista no contexto da derrota da Revolução Constitucionalista de 1932, tinha por objetivo, como explicitado no Manifesto da Fundação da Escola, suprir a falta de “uma elite numerosa e organizada, instruída sob métodos científicos, a par das instituições e conquistas do mundo civilizado, capaz de compreender antes de agir o meio social em que vivemos” (Oliveira, 1933: 171). Nessa instituição, sob a influência da Escola de Chicago, representada pelo nome de Donald Pierson, foi realizada uma série de estudos de comunidade, a qual pode ser entendida enquanto um primeiro programa de pesquisa nas Ciências Sociais brasileiras para o tratamento sistemático da transição da sociedade tradicional para a modernidade.Se as circunstâncias do Estado Novo representaram um obstáculo ao florescimento das atividades de ensino e pesquisa em sociologia (Costa Pinto, 1955), a redemocratização de 1945 e principalmente a mobilização político-ideológica dos anos 50 e 60 criaram condições favoráveis à expansão dessas atividades. Costa Pinto (1955) indica os principais temas enfocados pelas ciências sociais no Brasil em meados da década de 50: população, imigração e colonização; relações étnicas,

13 contatos e assimilação (o negro; o índio e o branco colonizador); educação; história social; direito e ciência política; estudos de comunidades; análises regionais e sociologia rural e urbana. Nesse período, os seguintes temas ocupavam também posição de relevo na produção das ciências sociais brasileiras: a elaboração de manuais para o ensino de sociologia em escolas secundárias; teoria e método das ciências sociais (incluindo a tradução e divulgação de livros especializados estrangeiros); folclore; sociologia da arte e da literatura, psicologia social; e, em campos marginais entre a sociologia e a economia, os estudos de padrão de vida e as pesquisas de estratificação, mobilidade e sociologia ocupacional. Essa etapa tem como um de seus marcos principais a formação da chamada "Escola de Sociologia Paulista" ou "Escola da USP", com a organização do grupo originário de sociólogos em 1954 sob a direção de Florestan Fernandes, bem como com os projetos coletivos de pesquisa acerca das relações raciais no Brasil, da empresa industrial em São Paulo e do desenvolvimento brasileiro. A preocupação com as possibilidades de um desenvolvimento democrático, racional, urbano-industrial da sociedade brasileira ocupou um papel central entre as orientações intelectuais e políticas do projeto da Escola neste período 10. Os anos 50 também foram marcados pelo surgimento da proposta de uma "Sociologia Autêntica", nacionalista, que buscava contribuir para o processo de libertação nacional e que tem na obra de Guerreiro Ramos (1957 e 1965) sua referência principal. Teoricamente, a controvérsia entre Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes dominou a cena da comunidade sociológica brasileira durante esse período, tendo por fulcro central a questão da particularidade e/ou universalidade do conhecimento social produzido no Brasil (Ramos, 1957 e 1965; Fernandes, 1957 e 1958). A emergência, em fins dos anos 50 e início dos anos 60, de uma crítica marxista a ambas as abordagens implicou em uma crescente diferenciação paradigmática, a qual foi potencializada, já no decorrer do período de Crise e Diversificação da sociologia brasileira, pelos eventos político-culturais dos períodos 1964/1968 e 1969/1974. Essa crítica marxista teve no chamado Seminário do Capital, desenvolvido por um grupo de intelectuais majoritariamente da USP, seu campo de institucionalização informal, e antecipou a experiência do CEBRAP, ao qual muitos dos participantes do Seminário vieram a se integrar; preparou também o caminho para a renovação teórico-metodológica e temática do final dos

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Tema desenvolvido mais detalhadamente pelo autor em Liedke Filho, 1977.

14 anos 60, particularmente em termos da formulação de estudos acerca da dependência (Sorj e Mitre, 1985; Pécaut, 1986)11. No bojo da crise social e política brasileira e latino-americana do final dos anos 50 e início da década de 60 verificou-se o início do período de Crise e Diversificação da sociologia brasileira. Esse momento foi caracterizado pela crise institucional e profissional da Sociologia e das ciências sociais em geral, sob o efeito das medidas repressivas (cassações, prisões, exílios e desaparecimento) dos regimes autoritários. O impacto negativo da instauração do regime autoritário sobre a evolução sociológica brasileira está relacionado diretamente com o golpe de 64 e com o "golpe dentro do golpe" de 1968, o qual tem no AI-5 seu marco principal. O fechamento do ISEB, em 1964, os IPM e as cassações pareciam indicar que as ciências sociais brasileiras estavam entrando em um período recessivo. O fechamento do ISEB em 1964 pelo regime militar e as cassações de cientistas sociais em 1969, assim como o impacto negativo da repressão cultural-educacional aos níveis universitários e das condições de exercício profissional, correspondem plenamente às características gerais da quarta etapa de evolução da Sociologia na América Latina. Todavia, em contraste com a evolução adversa da sociologia em outros países latino-americanos, particularmente do Cone Sul, sob as condições autoritárias, a sociologia no Brasil experimentou uma razoável expansão institucional do ensino e da pesquisa. A tendência a alcançar patamares superiores de institucionalização, que já vinha se verificando desde meados dos anos 50, foi reforçada depois de 1964, apesar de retrocessos localizados, tais como as cassações e o fechamento do ISEB em 1964, anteriormente referidos, assim como as cassações de 1969 na USP. Esta expansão teve seu centro de gravitação nos cursos de pós-graduação que foram criados e consolidados enquanto centros de ensino e pesquisa, particularmente após a Reforma Universitária de 1969, e teve por contraponto a criação e as atividades de centros privados de pesquisa tais como o CEBRAP, o CEDEC, e o IDESP (Sorj e Mitre, 1985). A essa crise e renovação institucional-profissional, associou-se uma crise teórica das Ciências Sociais no Brasil, simultânea e inter-relacionada com a crise teórica das Ciências Sociais na América Latina, a qual simultaneamente foi potenciada e potenciou a crise da “Sociologia Internacional”, isto é, a crise mundial das Ciências Sociais. Na América Latina esta crise teórico-paradigmática teve como efeito, ao nível da sociologia do desenvolvimento, a formulação de novas abordagens, quais sejam: Teoria da Dependência, que se distingue em uma versão estagnacionista e uma versão do desenvolvimento

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Essas questões são analisadas pelo autor em estudos anteriores (Liedke Filho, 1977 e 1990a).

15 dependente; e a abordagem do Novo Autoritarismo que, aceitando os pressupostos da Teoria da Dependência, busca aprofundar suas implicações através da análise da especificidade da dinâmica política em situações dependentes12. Ao mesmo tempo, a formulação e dominância da Teoria da Dependência e a preocupação temática com os problemas sociais do Brasil contemporâneo, tais como o modelo econômico-excludente, o modelo político autoritário, os movimentos sociais urbanos e rurais, o novo movimento sindical, a participação e o comportamento político caracterizam, nos níveis paradigmático e temático, a sociologia brasileira neste período. No período da transição democrática e implantação do sistema democrático-constitucional no Brasil, verificou-se nas Ciências Sociais um deslocamento temático que tem implicações teórico-práticas significativas. A ênfase em estudos relativos à dependência, vigentes na primeira metade da década de 70, veio a ser substituída, na segunda metade da década, pela temática da reativação da sociedade civil, que se transmutou quase que imediatamente nas temáticas dos movimentos sociais e da redemocratização13. Recentemente, dentro de um contexto de busca de nova identidade das Ciências Sociais brasileiras, como se pode constatar face à expansão e diferenciação dos grupos de pesquisa constantes do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, novos temas e novas abordagens vieram a ser propostas para a explicação e/ou compreensão da situação social brasileira. É interessante apontar que, não por acaso, no contexto de sucessivas derrotas das forças democrático-populares dentro do próprio processo de transição (Campanha das Diretas Já, eleições de 1989 e 1990), a temática dos movimentos sociais veio a dar lugar à pesquisa acerca das identidades sociais e representações sociais, temas estes que, a despeito de sua relevância, talvez tenham se tornado, então, obstáculos epistemológicos, dada a imediatez, subjetivismo e empiricismo de parcela significativa dos estudos desenvolvidos. Com a perda de iniciativa dos movimentos sociais democrático-populares ao longo dos processos de redemocratização, enclausurando-se, a sociologia seguiu um caminho epistemológico e teórico-metodológico muito problemático, com o privilegiamento de abordagens micro-sociais e uma ênfase exacerbada na questão das identidades, das representações e do imaginário dos agentes sociais. A candência dos desafios colocados por esses temas pode ser avaliada tendo por referência empírica alguns aspectos principais do caso da sociologia brasileira contemporânea. A Sociologia no Brasil, no período dos anos 60 e 70 para os anos 90, vivenciou uma passagem de análises macro-

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Essas questões encontram-se abordadas pelo autor em Liedke Filho, 2003b. Como obras exemplares dessas tendências, ver São Paulo, 1975. Crescimento e Pobreza. (Camargo, 1976) e São Paulo: O Povo em Movimento. (Singer e Brandt, 1980).

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16 sociológicas de crítica ao modelo econômico-social excludente do "milagre" e de crítica ao modelo autoritário para uma micro-sociologização dos estudos. Em grandes linhas, verificou-se uma evolução temática da sociologia brasileira nos seguintes termos: de grandes interpretações macroestruturais do modelo econômico-político-cultural do regime anterior, passou-se para a análise dos agentes e características da transição democrática, seguida dos temas da democratização necessária, dos movimentos sociais e da estratégia de reativação da sociedade civil. Rapidamente, ocorreu uma dissociação da questão dos movimentos sociais em relação a condições macro-estruturais, passando a sociologia a dedicar-se massivamente a enfocar as identidades e representações sociais dos movimentos urbanos e rurais, do movimento sindical, dos movimentos feministas e gay, do movimento negro e dos movimentos ecológicos14. Filosoficamente, poder-se-ia dizer que, em termos clássicos, ocorreu um tipo de passagem do privilegiamento da questão do "para-si" para o "em-si" dos movimentos sociais. Nos últimos anos, as principais abordagens que se destacam pela influência marcante que vêm exercendo sobre a sociologia no Brasil são as de Bourdieu, Foucault, Giddens, Elias e Habermas, cujas obras, assim como as releituras de Weber, são debatidas e utilizadas como referências em ensaios e pesquisas15. As temáticas da globalização, da pós-modernidade e do multiculturalismo têm merecido destaque nos trabalhos dos sociólogos e cientistas sociais brasileiros, ocorrendo muitas vezes a releitura de temáticas já consagradas sob a ótica das suas possíveis conexões com as temáticas emergentes como, por exemplo, religiões em contexto de globalização, ou educação e multiculturalismo. Em resumo, ao longo desse panorama da evolução da sociologia no Brasil, verifica-se uma diversidade de respostas para a questão para que serve a sociologia (e, por extensão, para que servem as Ciências Sociais). Instrumento de legitimação de dominação racial; instrumento de dominação de fração de classe; disciplina auxiliar do progressivismo pedagógico; instrumento de modernização societária; instrumento da libertação nacional; elemento de apoio aos esforços de democratização da sociedade brasileira

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são

as

principais

respostas

que

emergem

da

análise

até

aqui

realizada.

Para revisões da produção das Ciências Sociais brasileiras por disciplinas áreas temáticas, ver as coletâneas publicadas pela ANPOCS, sob a direção de Miceli (1999, vol. 1, 2 e 3; e 2002). 15 Mais recentemente, o crescente privilegiamento da teoria do individualismo metodológico e da teoria da escolha racional veio a colocar questões pertubadoras. É o que se depreende ao enfocarem, por exemplo, temas da sociologia da educação, como a questão das oportunidades educacionais desiguais, o problema das políticas educacionais e a discussão de objetivos das práticas pedagógicas. Tratar-se-ia, neste último caso, de postular uma pedagogia que privilegiasse a construção/socialização de indivíduos racionais, free-riders, tendencialmente egoístas?

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19 AS CIÊNCIAS SOCIAIS E O DESTINO DO CIDADÃO COMUM Sugeriu-se acima que a sociologia brasileira vivenciou ao longo das últimas décadas uma passagem abrupta de análises macro-sociológicas de crítica ao modelo econômico-social excludente do "milagre brasileiro" e do modelo autoritário a ele associado para uma micro-sociologização dos estudos. Frente a essa tendência gostaria, para finalizar, de enfocar aqui as inter-relações entre a problemática da construção psico-social da moralidade e a problemática da democracia, tendo por referência as contribuições teóricas de Piaget, Kohlberg e Habermas, como um exemplo da possível contribuição das ciências sociais para a definição societária da situação presente e das alternativas que a ela se colocam. Buscando demonstrar a importância de superar a dicotomia micro-macro em Ciências Sociais, abordarei três casos limites – a educação básica, a violência no trânsito e a experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre – e suas implicações quanto aos possíveis destinos daquele a quem Florestan Fernandes chama de o cidadão comum, dentro dos quatro cenários políticos possíveis anteriormente apresentados. Para tratar das inter-relações entre educação, a problemática da construção psico-social da moralidade e a problemática da democracia – ou seja, da questão referente a se a escola tem a possibilidade de colaborar para a formação de uma personalidade democrática – cabe relembrar aqui algumas das conclusões do estudo Sociedade e Consciência de Bárbara Freitag (1986). Neste estudo, realizado em São Paulo em 1979, a autora buscou avaliar a competência lingüística, moral e lógica de crianças de diferentes classes sociais e faixas etárias, tendo por referência a teoria psicogenética de Piaget e de Kohlberg16. Em grandes linhas, a construção da moral pela criança desenvolve-se em quatro etapas: a) etapa da pré-moralidade ou do egocentrismo infantil (0 a 5 anos), marcada inicialmente pela absoluta ausência da noção de regra social e de consciência moral, e culminando na imitação automática das regras dos adultos (hábitos), sem a consciências das noções de infração de regras e de sanções; b) etapa da moralidade heterônoma ou de realismo moral (5 a 8 anos), caracterizada pela vigência de uma noção rudimentar das regras, as quais são percebidas como sagradas e imutáveis e personificadas por autoridades como os pais, o padre, o policial e o líder político; c) etapa da semi-autonomia moral (8 a 10 anos), em que ocorre a relativização das regras sociais, mas as mesmas ainda são percebidas como

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Ver, também, Freitag, 1992.

20 imposições desde fora, e não como um produto de cuja elaboração se participou; e d) etapa da autonomia moral (a partir dos 10 ou 12 anos), tipificada pela consciência de que a necessidade da moral decorre da relação com o outro, sendo que as regras são cumpridas quando percebidas e avaliadas como necessárias e importantes e, conforme a situação, relativizando-se a noção de dever e a intenção do sujeito. Um aspecto essencial do modelo de construção da moral pela criança em quatro etapas acima exposto é a crescente descentração do indivíduo, o qual, partindo do egocentrismo infantil, tem a possibilidade de chegar ao pleno reconhecimento do outro – o “estranho/estrangeiro” –, como diferente, com suas características e interesses próprios que devem ser respeitados e incorporados produtivamente naquilo que Habermas chama de ação comunicativa. O contraponto básico a este possível amadurecimento dos indivíduos e de formação de personalidades democráticas é o bloqueio do processo de maturação moral nas etapas iniciais, por condições sócio-educacionais adversas, relegando os indivíduos ao que, no meu entender, poderia ser denominada “incompetência democrática”. Os resultados do estudo de Freitag (1986) indicaram que a experiência escolar contínua entre 6 e 16 anos, independentemente da origem sócio-econômica e da qualidade das escolas e da formação dos professores, pode efetivamente favorecer o amadurecimento lingüístico, moral e lógico das crianças e adolescentes, revelando a urgência de assegurar a escolarização plena a todas as crianças brasileiras. Ressalte-se que o amadurecimento das estruturas lógico-morais independe da aprendizagem do conteúdo em si, sendo a convivência escolar com os pares um aspecto chave desse amadurecimento. Em outras palavras, as crianças que tiveram uma possibilidade de permanência maior na escola atingiram níveis de maturidade social superior a crianças da mesma idade que abandonaram a escola cedo. Todavia, as crianças faveladas tendem a ter uma convivência com crianças de seu próprio meio, o que implica em compartilhar experiências homogêneas, indiferenciadas de carências, resultando em forte dificuldade de superar a etapa do egocentrismo, tornando-se necessária uma política educacional que auxilie a quebra desse isolamento sócio-cultural, oferecendo às mesmas a oportunidade de vivenciar novas e distintas experiências, incluindo-se a convivência escolar com crianças de outras classes sociais. Freitag (1986) conclui que a sociedade brasileira tem falhado na oportunização do pleno amadurecimento das estruturas lógico-morais da maioria de sua população, sendo uma das implicações para a atividade política, segundo seu estudo, a necessidade de reverter esse dramático quadro social, pois não pode ser do interesse de nenhuma sociedade livre e democrática manter grandes parcelas de sua população adulta condenada ao egocentrismo infantil ou à heteronomia moral, sem capacidade de julgar

21 as situações de forma autônoma, permanecendo em situação heterônoma frente aos mais velhos, aos mais fortes, aos mais “astutos” ou mais “carismáticos”, tais como líderes religiosos “fortes” e políticos neo-populistas. Pode-se, pois, reafirmar que a escola pública, obrigatória, gratuita e leiga pode ser um instrumento eficaz de socialização das novas gerações para a democracia, pois possui um caráter abrangente, universalizante, superando as idiossincrasias familiares, localistas e paroquiais. Contribui, desse modo, para a quebra de fronteiras e preconceitos étnicos e sócio-culturais, fontes da intolerância e da desumanização do outro. Um segundo exemplo emerge da pesquisa realizada por Odalci Pustai (1996) sobre motoristas de ônibus que tiveram ou não acidentes de trânsito em uma empresa de transporte público selecionada, utilizando a tipologia de desenvolvimento moral de Kohlberg. Os resultados da pesquisa indicam que os motoristas que tiveram acidentes de trânsito encontram-se moralmente no final da etapa de egocentrismo infantil (0 a 5 anos), tratando a rua, a via pública, não como res publica, mas como res (coisa) privada. Os motoristas que não tiveram acidentes de trânsito se encontravam na etapa de moralidade heterônoma ou de realismo moral (5 a 8 anos), comportando-se bem no trânsito, menos por introjeção e consciência da importância das normas, do que por medo da autoridade (o guarda) e das punições (as multas). Essas constatações podem servir para apoiar o uso sistemático e extensivo de controladores eletrônicos de velocidade e a aplicação de multas elevadas como instrumentos pedagógicos e civilizatórios frente à barbárie – o transitar negligente e selvagem do homem rude, supersticioso, egoísta e cruel, no trânsito. Finalmente, cabe lembrar aqui a tese de Luciano Fedozzi (2003), intitulado Orçamento Participativo: reflexões sobre a experiência de Porto Alegre, a qual partiu do pressuposto de que a inovação trazida por essa experiência democrática teria contribuído para a alteração do modelo de gestão sócio-estatal no país (autoritário, patrimonialista e clientelista), favorecendo a criação das condições institucionais necessárias à promoção da cidadania. O autor focalizou essa experiência sob uma nova ótica, que buscou elucidar se as mudanças no modelo de gestão também foram acompanhadas por mudanças na consciência social dos participantes. Para o tratamento dessa questão foi constituído um referencial teórico baseado na teoria social habermasiana, que postula o caráter prático-moral da democracia moderna, e na teoria estruturalgenética do desenvolvimento da consciência, de Jean Piaget e de Lawrence Kohlberg. Com esses referenciais teórico-epistemológicos foram estabelecidos parâmetros avaliativos da consciência moral dos sujeitos participantes, por meio de amostra que considerou o tempo, maior ou menor, de

22 participação nas decisões orçamentárias locais. A análise sociológica dos níveis de consciência moral, definidos por Kohlberg conforme o critério de justiça crescente resultou, na formulação de Fedozzi (2003), em tipos diversos de consciência de cidadania, tomados enquanto uma escala de desenvolvimento cívico: pré-cidadania, cidadania conformada e cidadania crítica. Os resultados indicam que a participação popular, ao longo do tempo, tem efeito sobre a consciência moral e, conseqüentemente, sobre a consciência social dos participantes, favorecendo a formação de uma consciência de cidadania crítica e a construção da cultura democrática. Não obstante, verifica-se a interveniência do capital escolar no processo de construção da consciência dos sujeitos e nas diversas formas de aprendizagens importantes à cultura democrática e à consciência de cidadania. Destaque-se que Bárbara Freitag (2003), comentando os resultados encontrados por Fedozzi (2003), indica que: embora os resultados mostrassem uma leve tendência de aumento de consciência social em função dos anos de participação no OP e indicassem que os mais baixos níveis de consciência social se aglomeravam em torno daquele grupo com pouco tempo de experiência no OP, a verdadeira variável causal revelou-se a da escolaridade que, segundo o jargão sociológico de Bourdieu, foi denominada de capital educacional. Em outras palavras: somente quem tinha (ao entrar no programa do OP) uma escolaridade igual ou superior ao nível secundário e universitário demonstrava (depois de oito e mais anos de OP) ter desenvolvido uma consciência social autônoma, orientando suas decisões por critérios ponderados dentro de uma hierarquia de prioridades, que não fossem auto-centrados ou voltados para beneficiar um grupo de amigos ou companheiros de bairro. Tratava-se de pessoas que tinham atingido o nível da moralidade autônoma ou o que Fedozzi redenominou de nível de “cidadania crítica”. Em contrapartida, mais de 33% dos integrantes do OP com pouca ou nenhuma escolaridade, mesmo ficando oito anos ou mais no programa do OP, não modificaram sua consciência social, permanecendo no grupo daqueles que Fedozzi caracterizou como integrando o grupo da pré-cidadania. O autor da pesquisa constatou que estes não dominavam conceitos importantes como “hierarquização das prioridades”, “critérios de distribuição de recursos escassos” e que não tinham compreendido mecanismos e regras fundamentais do OP, como por exemplo, a distinção entre Conselhos Regionais e Conselhos Temáticos (Freitag, 2003). A autora argumenta, a partir dessas descobertas empíricas, que a prática da democracia pressupõe o desenvolvimento das competências morais, cognitivas e lingüísticas, “cujas bases são adquiridas na infância, mais especificamente, na idade escolar” (Freitag, 2003). E conclui: Para que tenhamos “cidadãos críticos” no futuro, precisamos criar no dia-a-dia as bases da consciência social no presente: em outras palavras, assegurar a escolaridade plena e de qualidade para todas as crianças brasileiras (Freitag, 2003). O que se pode apreender da sucinta exposição desses casos limites, se os relermos dentro dos quatro cenários políticos possíveis que se abrem para a sociedade brasileira enquanto uma democracia

23 inconclusa, em que a dominação liberal-conservadora, potencializada pelo transformismo, encontra seu contraponto em uma sociedade civil gelatinosa? Em uma situação de caos societário com desagregação extrema e anômica do tecido social decorrente de conflitos sociais intensos e da desestruturação estatal e de sua legitimidade normatizadora, as oportunidades de acesso universal ao ensino básico e experiências como o Orçamento Participativo estariam seriamente comprometidas. Também dentro de um cenário de tradicionalização societária, marcado pela tensão entre a cooptação social e a coação política, por uma alta conflitualidade social e prováveis rupturas ou retrocessos democráticos, assim como de um cenário de dualização societária, que otimizasse a cooptação social, ao mesmo tempo em que atingisse níveis de estabilidade política maiores, as oportunidades de acesso universal ao ensino básico e experiências como o Orçamento Participativo estariam comprometidas pela exclusão social e formas mandonistas-autoritárias de fazer política. Já, dentro de um cenário de modernização acordada e expansiva, acompanhada por um processo de integração social simbólico e tendencialmente material, em que o Estado atuasse efetivamente como um regulador chave do desenvolvimento, apoiando-se em um regime democrático e valorizando crescentemente sua representatividade social, as oportunidades de acesso universal ao ensino básico e experiências democratizantes como o Orçamento Participativo poderiam ser asseguradas e expandidas como indicadores e instrumentos da própria democratização societária da riqueza, do poder e da cultura. Para finalizar pode-se argumentar, tendo-se presente a atual situação nacional e os cenários políticos possíveis acima descritos que, na eventualidade de ocorrência de qualquer dos três primeiros cenários, o destino histórico da Sociologia brasileira estaria, ainda que em diferentes graus, seriamente comprometido. Ao mesmo tempo, pode-se sustentar que um dos principais problemas enfrentado pela sociologia, e pelas Ciências Sociais brasileiras no presente, refere-se à capacidade de enfrentar teóricometodologicamente os desafios temáticos e histórico-teóricos que a presente situação da sociedade brasileira e as possibilidades de uma efetiva concretização de um cenário de modernização acordada e expansiva colocam. As bases institucionais-profissionais e as tendências teórico-metodológicas descritas acima revelam uma comunidade científica estruturada e consolidada, buscando, dentro do contexto de uma democracia inconclusa, contribuir com o estudo científico especializado para o conhecimento, o equacionamento e a solução, numa perspectiva democrática, dos problemas sociais de nosso tempo.

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