Para Uma Ciência Aberta - draft livro

June 4, 2017 | Autor: Gustavo Cardoso | Categoria: Sociology, Social Sciences, Internet Studies, Network Society, Science and Technology Studies
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Descrição do Produto

Para Uma Ciência Aberta

Gustavo Cardoso, Pedro Jacobetty e Alexandra Duarte

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

LISBOA, 2012

© Gustavo Cardoso, Pedro Jacobetty e Alexandra Duarte, 2012 Gustavo Cardoso, Pedro Jacobetty e Alexandra Duarte Para Uma Ciência Aberta Primeira edição: Fevereiro de 2012 Tiragem: 500 exemplares ISBN: 978-989-96783-XX-X Depósito legal: Composiçãoem caracteres Palatino, corpo 10 Concepção gráfica e composição: Lina Cardoso Capa: Nuno Fonseca Revisão de texto: Manuel Coelho Impressão e acabamentos: Publidisa, Espanha Este livro foi objecto de avaliação científica Reservados todos os direitos para a língua portuguesa, de acordo com a legislação em vigor, por Editora Mundos Sociais Editora Mundos Sociais, CIES, ISCTE-IUL, Av. das Forças Armadas, 1649-026 Lisboa Tel.: (+351) 217 903 238 Fax: (+351) 217 940 074 E-mail: [email protected] Site: http://mundossociais.com

Índice

Índice de quadros ...........................................................................................

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Prefácio ............................................................................................................. xiii

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Introdução a uma ciência aberta..................................................................

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Os movimentos Open Access e Open Science ......................................... Definição, contexto e origens da publicação em open access.................... O Open Access como movimento social ..................................................... Sociedade em rede, sociedade informacional e ciência informacional .. Do movimento Open Access ao Open Science: dois conceitos, uma realidade .................................................................................................. Transformações no modo de fazer ciência: o papel das TIC e da Internet...................................................................................................... Transformações e abertura: a ciência aberta como um novo paradigma de investigação ............................................................................

5 6 8 13

Uma metodologia para as práticas e representações de abertura......... Etapas e procedimentos metodológicos ...................................................... Definição e constituição da amostra de investigadores inquiridos ........ Caracterização da população em estudo: os investigadores nacionais e os investigadores da rede Cost.................................................

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Representações e práticas relativas à ciência aberta nas suas várias dimensões............................................................................................. Representações e práticas dos investigadores relativas à abertura e partilha de ferramentas de pesquisa ......................................................... Representações e práticas dos investigadores relativas à partilha de dados utilizados na investigação ............................................................ Representações e práticas dos investigadores relativas à disponibilização pública e transparência na comunicação v

18 32 38

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científica (open access)...................................................................................... 84 Espaços multidimensionais das representações e práticas relativas à ciência aberta................................................................................................. 101 4

Para uma ciência aberta................................................................................. 105

Anexo 1 | Explicação dos eventos de Budapeste, Bethesda e Berlim............ Iniciativa Open Access de Budapeste.................................................................. Declaração de Bethesda sobre Publicação em Open Access .................... Declaração de Berlim sobre Open Access no Conhecimento das Ciências e Humanidades ........................................................................

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Anexo 2 | Finalidades da Creative Commons e da Science Commons ........ 117 Referências bibliográficas ............................................................................ 119 Outras fontes .................................................................................................... 126

Índice de figuras e quadros

Figuras 1.1 1.2 1.3 1.4 3.1 3.2 3.3 3.4

Dimensões constituintes da Ciência Aberta................................................ 29 Desaproveitamento de dados e metadados ................................................ 31 Dinâmicas de e-research................................................................................... 37 Ilustração gráfica do “dilema de múltiplos prisioneiros uniforme” de Schelling....................................................................................................... 44 Índices das representações sobre as consequências do regime de publicação em open access, por área......................................................... 95 Índices de valorização de publicações, por área ........................................ 102 Espaço das representações dos investigadores nacionais relativas aos processos de abertura da ciência............................................................ 103 Espaço das práticas dos investigadores nacionais relativamente aos processos de abertura da ciência............................................................ 104 Quadros

1.1 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 2.8

Comparação do impacto das publicações de acesso restrito< e acesso aberto.................................................................................................. Investigadores nacionais, por área (%) ........................................................ Nacionalidade dos investigadores nacionais.............................................. Nacionalidade dos investigadores da rede Cost ........................................ “Encontra-se atualmente a fazer investigação numa instituição............. Investigadores nacionais: país onde se situa a instituição onde faz investigação, quando fora do país de origem....................................... Investigadores da rede Cost: país onde se situa a instituição onde faz investigação, quando fora do país de origem....................................... Investigadores nacionais, por área ............................................................... Investigadores nacionais, por género........................................................... vii

11 48 50 50 50 51 51 52 52

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2.9 2.10 2.11 2.12 2.13 2.14 2.15 2.16 2.17 2.18 2.19 2.20 2.21 2.22 2.23 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 3.8 3.9 3.10 3.11 3.12

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Investigadores por género (%) ...................................................................... Investigadores nacionais, por género e área (%) ....................................... Diplomados no ensino superior, por género e área (2005) (%) ................ Distribuição de investigadores nacionais, por géneroe faixa etária (%). Investigadores nacionais, por faixa etária (%) ........................................... Estatísticas — idade dos investigadores...................................................... “Em que contexto desenvolve atividade profissional?” (%) .................... Investigadores nacionais, por contexto e por área 1 (%)........................... “Investigadores nacionais, por contexto e por área 2 (% .......................... Investigadores nacionais, por contexto e duração da atividade de investigação (%).......................................................................................... Setor de atividade (%)..................................................................................... Investigadores, por duração da atividade de investigação (%) ............... Investigadores nacionais: “Algum dos projetos em que participa atualmente está inserido numa rede de investigaçãocom cientistas de outros países?”............................................................................................ “Algum dos projetos em que participa atualmente está inserido numa rede de investigação com cientistas de outros países?", por área (%) ...................................................................................................... “Nos projetos em que participa atualmente é: …” (%) ............................. “Quando concebe os seus projetos de investigação, tem em atenção: …” (%) ......................................................................................... “Quando concebe os seus projetos de investigação, tem em atenção: …”, por área (%) ........................................................................ “Qual a sua opinião relativamente às seguintes formas de acesso a instrumentos de pesquisa (dados, materiais físicos, etc.) a partir de investigação com financiamento público?” ........................................... “Qual a sua opinião relativamente às seguintes formas de acesso a instrumentos de pesquisa (dados, materiais físicos, etc.) a partir de investigação com financiamento público?”, por área (médias) .............. “Qual a sua opinião relativamente à necessidade de investimento público e privado na criação de uma ciberinfraestrutura que: …” (médias)............ “Disponibiliza conteúdos de natureza científica nessa(s) página(s)?”(%) .. Investigadores nacionais: “Disponibiliza conteúdos de natureza científica nessa(s) página(s)?", por área (%) ................................................ Investigadores nacionais: “Disponibiliza conteúdos de natureza científica nessa(s) página(s)?”, por faixa etária (%) ................................... Investigadores nacionais: “Disponibiliza conteúdos de natureza científica nessa(s) página(s)?”, por área e tipo de investigação (%)........ Tipo de conteúdos disponibilizados (aqui ou geral, já que diz respeito a tudo o que se disponibiliza) (%) ................................................................ Tipos de conteúdos disponibilizados, por área (%)................................... “Qual a sua posição relativamente à prática de disponibilizar as notas laboratoriais online, mesmo aquelas relativas a experiências falhadas ou com resultados ambíguos?” (%) ..............................................................

52 53 53 53 54 54 55 55 56 57 57 58 58 59 59 63 64 65 65 66 67 67 67 68 69 70 71

ÍNDICE DE FIGURAS E QUADROS

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3.13 “Qual a sua posição relativamente à prática de disponibilizar as notas laboratoriais online, mesmo aquelas relativas a experiências falhadas ou com resultados ambíguos?”, por área (%) ............................................. 3.14 “Disponibiliza as suas notas laboratoriais online?" (%) ............................. 3.15 “Disponibiliza as suas notas laboratoriais online?”, por área (%)............ 3.16 “Disponibiliza as suas notas laboratoriais online?”, por área (%)............ 3.17 “No decurso de um projeto em que tenha participado, alguma vez foi desenvolvido software para utilização em investigação na sua área?” (%).. 3.18 “No decurso de um projeto em que tenha participado, alguma vez foi desenvolvido software para utilização em investigação na sua área?”, por área (%) ...................................................................................................... 3.19 “Como foi licenciado esse software?” (%)..................................................... 3.20 “Como foi licenciado esse software?”, por área (%).................................... 3.21 “Como foi licenciado esse software?”, por idade (%) ................................. 3.22 “Com a divulgação de dados aberta à comunidade em geral, acredita que: …” (médias).............................................................................. 3.23 “Segundo a sua opinião, quem deveria suportar os custos inerentes à apresentação, acesso e armazenamento de dados no regime de open access?” (%)........................................................................................................ 3.24 “Segundo a sua opinião, quem deveria suportar os custos inerentes à apresentação, acesso e armazenamento de dados no regime de open access?”, por idade (%) .................................................................................... 3.25 “Na colocação de dados no domínio público, o que seria mais adequado?” (%)................................................................................................ 3.26 “Faculta, ou já facultou, o acesso público a dados utilizados na sua investigação?" (%)............................................................................................ 3.27 “Faculta, ou já facultou, o acesso público a dados utilizados na sua investigação?”, por área (%) .......................................................................... 3.28 “Em que suporte disponibiliza esses dados?” (% ...................................... 3.29 “Formato em que os investigadores disponibilizam os dados (%) ........ 3.30 Formato em que os investigadores disponibilizam os dados, por área (%) ...................................................................................................... 3.31 “Na disponibilização dos seus dados, menciona explicitamente termos de utilização?" (%).............................................................................. 3.32 “Investigadores nacionais: “Segundo os termos explicitados, permite: …” (%) ............................................................................................... 3.33 Usa diferentes graus de permissão consoante o tipo de informação que disponibiliza?" (%) ................................................................................... 3.34 “Como descreveria o grau de facilidade do seu acesso a publicações online?” (%) ....................................................................................................... 3.35 “Como descreveria o grau de facilidade do seu acesso a publicações online?”, por área (%) ...................................................................................... 3.36 Investigadores nacionais: “Tem conhecimentoda existência da modalidade de publicação de trabalho científico em regime de open access?" .................................................................................................

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3.37 “Tem conhecimento da existência da modalidade de publicação de trabalho científico em regime de open access?”, por área (%) ................... 3.38 “Tem conhecimento da existência de alguma(s) política(s) pública(s) em Portugal [nacionais]/no país em que desenvolve investigação [Cost]de promoção de publicação em regime de open access?" (%) ......... 3.39 “No último ano, tomou conhecimento - por iniciativa da sua instituição de acolhimento - da existência de algum repositório de publicações em regime de open access?" (%)............................................................................. 3.40 “Publicar em regime de open access, …” (médias)...................................... 3.41 Open access: relação custo-benefício para a comunidade científica (médias)............................................................................................................. 3.42 Open access: relação custo-benefício para a comunidade científica, por área (médias)............................................................................................. 3.43 “Como avalia a qualidade geral das publicações da sua área científica em regime de open access face às outras modalidades de publicação?" (%).... 3.44 “Das suas cinco revistas científicas de referência, nas quais mais gostaria de publicar um artigo seu, alguma é publicada em regime de open access?”, por área (%)......................................................................... 3.45 “Perante um convite para escrever para uma revista científica na sua área, e entre revistas com a mesma reputação, qual aceitaria mais rapidamente: o de uma revista em open access ou de uma revista de acesso pago/restrito?" (%) ............................................................ 3.46 “Perante um convite para escrever para uma revista científica na sua área, e entre revistas com a mesma reputação, qual aceitaria mais rapidamente: o de uma revista em open access ou de uma revista de acesso pago/restrito?”, por área (%)........................................................ 3.47 “Perante um convite para escrever para uma revista científica na sua área, e entre revistas com a mesma reputação, qual aceitaria mais rapidamente: o de uma revista em open access ou de uma revista de acesso pago/restrito?”, por duração da atividade (%) ........................................................................ 3.48 “No que diz respeito à revisão de artigos, qual entenderia ser o modelo mais adequado num regime de open access?” (%)..................... 3.49 “No que diz respeito à revisão de artigos, qual entenderia ser o modelo mais adequado num regime de open access?”, por área (%).... 3.50 Índices das representações sobre as consequências do regime de publicação em open access (médias) ......................................................... 3.51 “Nos últimos dois anos, submeteu algum artigo para publicação em regime de open access?" (%) ...................................................................... 3.52 “Nos últimos dois anos, submeteu algum artigo para publicação em regime de open access?", por área (%) ..................................................... 3.53 “Nos últimos dois anos, submeteu algum artigo para publicação em regime de open access?", por idade (%)................................................... 3.54 “Nos últimos dois anos, algum artigo seu foi publicado em regime de open access?" (%) ..........................................................................................

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ÍNDICE DE FIGURAS E QUADROS

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3.55 “Em que moldes foram publicados os artigos em regime de open access?” (%) ......................................................................................... 3.56 “Quem suportou as despesas da última publicação em regime de open access?” (%) ......................................................................................... 3.57 “Quem suportou as despesas da última publicação em regime de open access?”, por área (%)........................................................................ 3.58 “Utiliza (ou já utilizou) as licenças Creative Commons / Science Commons?" (%) ............................................................................................... 3.59 “Alguma vez contribuiu diretamente para a salvaguarda de artigos seus, publicados em regime de open access, enviando-os diretamente para serviços de arquivo editoriais ou académicos?" (%)......................... 3.60 “Há quanto tempo publica em regime de open access?” (%)..................... 3.61 “Em comparação com o sucedido na publicação em regime pago, o feedback obtido da parte dos leitores/das leitoras na publicaçã em regime de open access foi: …" (%) ............................................................ 3.62 “Índices de valorização de publicações (médias).......................................

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Prefácio

Para abrir a ciência João Caraça

Todas as épocas são tempos de passagem, de transição entre o que foi e o que está para vir. Sentimo-lo em particular quando assistimos a profundas transformações dos sistemas infraestruturais das sociedades em que vivemos (com a adoção de novas tecnologias) ou a grandes mudanças organizacionais (e comportamentais) motivadas por aquelas transformações tecnológicas de base — e que, por sua vez, quando completamente assumidas e assimiladas, potenciarão novos desenvolvimentos futuros. Um “paradigma tecnoeconómico” que ordena a prática societal tem, assim, fortes componentes tecnológicos e culturais que mutuamente interagem ao longo da sua vigência. O paradigma tecnoeconómico em que estamos imersos — designado pelos especialistas como uma “computorização de toda a economia” — assenta no alastramento dos computadores e das suas redes pelas sociedades contemporâneas. Instalou-se a partir dos anos 1980/1990 (a seguir aos “choques do petróleo”) com o advento das TIC (tecnologias da informação e da comunicação), e a partir daí, durante duas gerações, assiste-se a um forte conjunto de alterações institucionais e das interações entre agentes, que evoluem no tempo, bem como ao surgimento de novos comportamentos resultantes dos novos meios comunicacionais de que dispomos. É bom reparar no facto de esta revolução tecnológica ser a primeira em toda a história da humanidade em que a ciência fundamental se “aplicou” a produzir as tecnologias que lhe servem de base. As indústrias de “alta intensidade tecnológica” (aeroespacial, semicondutores, computadores, telecomunicações, farmacêuticas, biotecnológicas, etc.) traduzem a importância central das aplicações da ciência fundamental no mundo de hoje. A prática económica passou pois a depender fortemente de novas ideias, cuja origem está intimamente associada ao esforço científico, isto é, não deriva da linguagem natural nem do saber comum. Estamos pois em pleno fervilhar desta revolução que, naturalmente, está a transformar a face do mundo. Qualquer sistema infraestrutural tecnológico de xiii

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grande escala interage fortemente com a organização societal em que opera, condicionando o nível de desempenho económico, bem como o âmbito da eficiência e da eficácia de toda a atividade que nele se suporta. Tendo-se tornado num poderoso vetor geoestratégico e de criação de riqueza, não admira que a ciência tenha sofrido um forte impacto no seu desenvolvimento e na sua prática. Todos conhecemos a necessidade de um forte esforço público de I&D (investigação científica e desenvolvimento tecnológico) que foi sendo progressivamente acompanhado por um envolvimento empresarial cada vez mais forte em atividades de ciência e tecnologia. Ou seja, a ciência começou na segunda metade do século XX a ser palco de uma luta pela apropriação dos seus “produtos” (conhecimento e comunicação científicos), “fechando” muitas das suas operações por razões comerciais. A globalização (fenómeno apoiado num destes “produtos”: as redes computacionais) amplificou brutalmente este efeito. De tal modo que se pode muito bem afirmar que a ciência se encontra também em crise: pois do seu seio emergiu uma nova maneira de fazer ciência, que se tornou dominante na atividade científica, virada para as aplicações tecnológicas — a “tecnociência”. A tecnociência é necessária, é eficaz para fazer funcionar um mundo como o de hoje, com sete mil milhões de habitantes (a caminho dos nove mil milhões, possivelmente em 2050). Mas a tecnociência tem uma matriz problemática: é que, sendo condicionada pela produção de tecnologia, é “puxada” pelos mercados, não consegue fugir às suas teias, e torna-se influenciada apenas pelo curto prazo. Transformou-se numa corrida tremenda em que as pressões do financiamento público e privado, dos indicadores e dos sistemas de avaliação, das boas práticas de inovação, lhe dão um caráter imediato, míope, de um vórtice de curto prazo. Rejeita assim uma visão de longo prazo, característica desde o século XVII da ciência fundamental “movida pela curiosidade”, a ciência que produziu as ideias que têm feito girar o mundo e as suas sociedade até hoje (e que originou a própria tecnociência). Esta influência estende-se, através da prática das redes comunicacionais, a muitos outros domínios do conhecimento. E este confronto pelos recursos essenciais à sua sustentação futura, resultado da luta entre as noções conflituais de “bem público patrimonial” e de “bem apropriável” pelo privado, atormenta as comunidades científicas contemporâneas. Que, como vemos, são essenciais para a sustentabilidade, embora sejam igual e fortemente coordenadas e influenciadas pelos interesses estratégicos de grupos de interesse particulares. Se, por um lado, as novas redes permitem um alargamento e um aprofundamento da prática da investigação científica, por outro elas potenciaram um primado do económico (sobretudo do financeiro) sobre o político, com a erosão do conceito de soberania. Como será o futuro? A ciência tornou-se verdadeiramente um saber fundacional das sociedades modernas nos últimos séculos porque, na sua cultura, a publicação dos resultados e das perceções dos cientistas constitui um valor essencial. A ciência vive porque se dá a conhecer. É este caráter “público”, de estar “aberta”, quer a quem publique quer a quem queira aceder a ela, que caracteriza insofismavelmente a cultura da ciência. Sem publicação, a ciência não teria sido mais do que o saber de uma

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corporação, ou de uma seita, como os outros saberes sobre a relação da natureza com a sociedade que se sucederam no decorrer da história. Apenas um caráter aberto garante a validade do conhecimento e permite uma avaliação real em relação à sua qualidade, isto é, sobre o valor da novidade criada através da sua circulação pela comunidade. Sem abertura e sem curiosidade todo o belo edifício da modernidade estará em perigo. Vivemos pois uma época de grande incerteza e complexidade, em que as questões não são facilmente separáveis e passíveis de resolução sequencial. As comunidades científicas são palco de enormes influências e de grandes tensões: não admira, por isso, que surjam ideias, sugestões, movimentos, traduzindo a criatividade que as anima, tentando encontrar os caminhos mais seguros para o futuro, mas um futuro de longo prazo, entendido como património comum da humanidade. Este livro tem o mérito de trazer a lume uma das questões centrais que agitam as comunidades científicas no presente — a de como equacionar as novas formas abertas de fazer ciência — usando o nosso país como exemplo. As preocupações que ressaltam do texto, bem como do contexto que se descreve e se antevê, mostram bem o calibre do desafio que se põe às gerações do presente, bem como aos poderes públicos e às instituições privadas que entendem o reforço da sociedade civil e a criação de um futuro de longo prazo como a sua tarefa mais importante e mais essencial.

Introdução a uma ciência aberta

O presente trabalho pretende refletir acerca de uma temática bastante atual e pertinente — a abertura da ciência (open science) enquanto movimento social, isto é, enquanto prática promovida pelo meio científico, no sentido de dar maior viabilidade à ciência, torná-la mais próxima da sociedade e proporcionar maior partilha de conhecimentos no interior da própria comunidade científica, diminuindo as restrições de acesso e partilha de ferramentas de pesquisa, bases de dados e publicações dos resultados das pesquisas. O interesse pelo tema resulta de uma reflexão já com vários desenvolvimentos e da perceção de que os fenómenos de abertura da ciência estão em franca expansão e crescimento. Ainda que não exclusivamente, a base fundamental deste trabalho é um projeto de investigação designado Ciência Aberta. Investigar, Publicar e Divulgar Ciência na Sociedade em Rede, realizado no âmbito do CIES-IUL, com o financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian. Para a realização desta pesquisa mobilizaram-se elementos teóricos, mas também fontes menos convencionais, como é o caso de textos de blogues, artigos jornalísticos, entre outras, confrontando essa informação com os dados empíricos provenientes de um inquérito por questionário aplicado a investigadores nacionais e investigadores integrados na rede de cooperação científica Cost (European Cooperation in Science and Technology), a qual opera desde 1972 no espaço europeu, envolvendo mais de quatro dezenas de países. O estudo que serviu de base à constituição deste livro pretendeu, assim, combinar as duas componentes referidas anteriormente: por um lado a fundamentação teórica, em conjunção com informações resultantes de outras índoles, como é o caso dos artigos de jornais; e, por outro lado, uma componente empírica alicerçada e relacionada com a componente anterior. O presente texto pretende dar resposta a um desafio: a delineação dos contornos de novas formas “abertas” de fazer ciência. Os recursos das novas plataformas de comunicação, que operam na Internet, são explorados pelos cientistas, numa adaptação das práticas de investigação aos 1

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novos contextos comunicacionais. Pretende-se neste texto abordar e analisar a relação entre valores, representações, práticas, e culturas científicas com os usos da Internet, atualmente um suporte de comunicação e colaboração (também) para os cientistas. Essa relação insere-se num contexto de transformação social mais alargado: a emergência da sociedade em rede enquanto estrutura social característica da era da informação. Os processos que constituem as bases da sociedade em rede — bem como as suas ramificações no campo científico — não devem ser considerados como apenas o resultado do impacto das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) ou da difusão da Internet. Na realidade, trata-se de uma forma social nova, resultado da complexa interação entre a mudança social e a evolução tecnológica. Nessa conjuntura, a Internet é um meio de comunicação com elevado grau de interatividade, servindo como infraestrutura tecnológica decisiva para a organização das práticas em rede nas mais variadas esferas sociais. A ciência é um dos setores afetados pelas mudanças sociais, culturais e tecnológicas da sociedade em rede. Segundo Paul A. David, [a] emergência de novos recursos comunicativos disponíveis a custos dramaticamente reduzidos afeta tudo, desde os novos working papers e publicações periódicas eletrónicas, e serviços de bases de dados dinâmicas, ao crescimento prospetivo de uma Internet atualizada, que suportará a pesquisa de informação, filtragem e recuperação melhoradas, ambientes laboratoriais virtuais, e acesso remoto e partilhado a recursos de pesquisa experimental. (David, 2000: 4)

A análise dos “usos científicos” da Internet, do seu processo diferenciado de difusão, da sua relação com esferas sociais e culturais nos diversos campos disciplinares — como o trabalho científico quotidiano e a colaboração dos cientistas, as representações sobre a prática de investigação e as suas normas, o consumo e a publicação de conhecimento científico — constitui o ponto de partida para uma observação dos processos de transformação em curso na ciência. A comunicação é, aliás, uma dimensão fundamental do trabalho científico: A comunicação do trabalho científico é uma condição prévia para adicioná-lo ao corpus de conhecimento da comunidade científica. Determina em que medida a divisão do trabalho é realizada, os resultados comparados entre si e a replicação possível. Assim, a eficácia da comunicação científica afeta o ritmo do progresso científico. (Barjak, 2006: 1350)

Os processos de abertura da ciência dependem, antes de mais, de esforços de reorganização do atual modelo científico. Essa dupla perspetiva — análise da transformação da ciência, com especial atenção dada ao desenvolvimento e usos de novas tecnologias, relacionando-a com processos de abertura e de promoção da transparência no trabalho científico — explica o conteúdo e o método do trabalho que se apresenta.

INTRODUÇÃO A UMA CIÊNCIA ABERTA

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A pertinência sociológica do tema é decorrente da importância assumida pela ciência nas sociedades contemporâneas e do facto de essa relevância ter suscitado, junto de cientistas sociais e decisores políticos, um crescente interesse pelo seu funcionamento. Tendo desempenhado um papel fundamental na construção da modernidade, a ciência encontra-se hoje, de forma direta ou indireta, presente numa grande parte das atividades humanas e no quotidiano dos indivíduos nas sociedades mais industrializadas. Na base deste crescente protagonismo está o reconhecimento de que, para além de permitir a construção de um conhecimento sistemático e operacional sobre a realidade, o trabalho científico resultou em vários progressos qualitativos na vida humana, cujo exemplo mais visível é o aumento da esperança média de vida possibilitado pelo desenvolvimento das ciências biomédicas. Houve uma imensa proliferação de conhecimento científico no século XX. O mesmo século — particularmente a sua segunda metade — testemunhou a emergência de movimentos sociais e cívicos com vista à construção de sociedades mais democráticas e transparentes. A noção de cidadania e os direitos nela inscritos foram reforçados, em grande medida com a construção do Estado-providência moderno. A escolarização das populações tornou-as mais familiarizadas com o conhecimento científico, considerado um dos mais importantes pilares de um projeto de sociedade moderna e laica. Constituíram-se assinaláveis mudanças nos valores da população, como por exemplo, maior atenção dada às questões ecológicas ligadas ao progresso das sociedades industrializadas. Também a relação entre a comunidade científica e as forças militares se altera, passando a ser alvo de maior escrutínio. Ainstrumentalização de que a ciência é alvo por parte dos poderes políticos, económicos e militares torna-se objeto de crítica, quer dentro, quer fora da comunidade científica, e pressões de origem diversa foram exercidas no sentido da responsabilização dos cientistas pelo seu trabalho. É neste contexto que a ciência passa a ser parte integrante de processos de decisão política e também da construção da opinião pública, sendo simultaneamente responsabilizada pelos caminhos tomados pela humanidade. O desenvolvimento e aplicação em larga escala das TIC promoveram a ascensão de uma forma de organização social que Castells (2003) apelida “sociedade em rede”. Também os membros da comunidade científica foram influenciados por essas alterações transversais às diversas esferas sociais. Importa salientar que não são apenas as novas possibilidades técnicas a mobilizar os cientistas para uma maior abertura do seu trabalho: novos elementos de uma cultura reflexiva, global e crítica, bem como projetos sociais de atores individuais e coletivos, são fatores importantes neste processo. O Open Source é exemplo de um movimento também ele com raízes no mundo académico e cujo projeto está fortemente enraizado nos novos elementos da sociedade em rede. Esse movimento, em relação ao qual a ciência aberta é devedora, tinha por grande objetivo lutar contra a apropriação privada dos códigos de programas informáticos. As possibilidades técnicas de armazenamento, processamento e transmissão de informação foram aplicadas no domínio científico, dando origem a práticas e contextos de trabalho nos quais se forjam novos valores e culturas científicas. Desses processos resultam formas de histerese entre os modelos científicos tradicionais, incorporados nas instituições, e as práticas das novas gerações de investigadores, que

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progressivamente moldam as suas visões ao novo contexto informacional em que foram socializados. Outro movimento importante para a ciência e investigação é o movimento Open Access, que constitui uma forma encontrada pelos académicos para colmatar as barreiras ao desenvolvimento de redes livres de partilha de conhecimento, algo essencial para a realização de ideais de uma ciência mais aberta, partilhados por alguns membros da comunidade científica. A lógica de partilha subjacente a este movimento, que visa a promoção do acesso livre à comunicação científica formal — as publicações em revistas académicas e técnicas —, foi rapidamente adaptada por alguns cientistas a outros produtos do seu trabalho, dando início à estruturação de novos processos de abertura da pesquisa científica nas suas várias fases. Os esforços foram desenvolvidos para permitir a livre circulação, entre cientistas e outros interessados, de dados preliminares, registos laboratoriais, materiais biológicos, bases de dados, software, publicações e outros produtos do trabalho de investigação. É este movimento embrionário de abertura da ciência que se denomina Ciência Aberta. É acerca do movimento de abertura da ciência que se irá refletir ao longo de todo o texto, não apenas como fenómeno enquadrado nas transformações ocorridas a nível mais macro, do ponto de vista social, económico, cultural e tecnológico, mas também enquanto movimento social, assumindo um conjunto de características que se assemelham a um qualquer outro movimento. Em termos de estrutura do livro, o presente capítulo introdutório pretende fazer uma breve aproximação e definição do objeto de estudo, bem como a delineação dos objetivos do mesmo. No capítulo 1 é apresentado e definido o movimento — Ciência Aberta — e enquadrado e contextualizado este num conjunto de outras mudanças em curso nas práticas de investigação, onde o Open Access é um componente central, sendo a Internet um propulsor e impulsionador dessas práticas. No capítulo 2 é anunciada a estratégia metodológica adotada, sendo explicitado o processo de definição da amostra e caracterizados os cientistas inquiridos, tanto em termos sociodemográficos como em termos do contexto profissional e de carreira. No capítulo 3 são apresentados os principais resultados empíricos resultantes da aplicação do inquérito por questionário aos investigadores nacionais e da rede Cost, comparando, em alguns momentos, os dados da amostra de investigadores nacionais com alguns indicadores relativos aos cientistas portugueses. Com recurso aos dados é possível descrever e compreender como é que os diferentes investigadores perspetivam a maior abertura e transparência da ciência e como efetivam essas práticas no seu quotidiano da atividade de investigadores. O objetivo deste livro é proporcionar à comunidade científica portuguesa uma melhor compreensão das dinâmicas embrionárias no seu seio, as quais no decurso das próximas décadas tenderão a moldar muitas das práticas e representações no seio dos nossos laboratórios e centros de investigação. Se as tendências aqui apresentadas se vierem a disseminar, será muito provável que deixemos futuramente de nos referir ao conceito de “ciência aberta”, pois a maioria das práticas científicas terão abraçado essas representações e transformado assim a forma de fazer ciência. Nesse momento futuro poderemos olhar para a realidade descrita nesta primeira década do século XXI como os primeiros passos para uma ciência aberta.

Capítulo 1

Os movimentos Open Access e Open Science

É cada vez mais habitual ouvir-se falar do movimento Open Access, seja devido a posicionamentos de maior concordância, seja pelos seus principais opositores e adversários que o criticam. De facto, está-se perante um tema central no âmbito da ciência. Mas qual é o significado do termo open access, habitualmente designado “acesso livre”? Inicialmente pode ser definido, de forma simplificada, como o acesso livre às publicações resultantes da produção científica, disponíveis através da Internet, sendo possível descarregar, copiar, ler e utilizar de forma livre, rápida e sem custos. Assim, quando se fala em acesso livre a artigos científicos estão em causa, quase sempre, aspetos relacionados com as restrições de preço e de permissão para aceder ao conhecimento científico (Cardoso, et al., 2009a). Quando se aborda o tema do open access, ao contrário do que se poderia esperar, tal não significa que se esteja perante um novo modo de fazer ciência, isto é, a forma atual de produzir ciência mantém-se inalterada, não se visualizando um novo paradigma científico, mas assistindo-se antes a novas práticas de investigação que, no caso do open access, são consubstanciadas na forma livre como as publicações científicas e técnicas são partilhadas e disponibilizadas na Internet, entre cientistas. Segundo esta perspetiva de análise, para se compreender o modelo de acesso e partilha da produção científica em causa, é fundamental não o considerar como um modelo alternativo à forma tradicional de publicação científica, mas antes como um movimento social (Castells, 2004), como tantos outros, ainda que apresentando características particulares, não sendo desenvolvido e difundido em toda a esfera social, mas circunscrevendo-se ou limitando-se fortemente ao interior da comunidade científica. No presente capítulo pretende-se discutir, numa primeira fase, o acesso livre como movimento social, para em seguida alargar essa reflexão a um movimento habitualmente denominado Ciência Aberta que, apesar de se basear nos mesmos princípios e ideais, revela ser uma prática mais ampla e abrangente, não se restringindo às publicações, mas às várias etapas do processo científico. 5

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A lógica particular com que este trabalho se propõe analisar este tema remete justamente para o facto de estes movimentos poderem ser perspetivados e analisados como qualquer outro movimento social, tendo uma componente de ação coletiva de académicos mas também de escolhas racionais individuais dos cientistas, com especificidades próprias da esfera onde se desenvolvem. Definição, contexto e origens da publicação em open access O modelo de partilha de produção científica denominado open access é altamente devedor do advento da Internet e do desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC), que são fortemente responsáveis pela mutação do paradigma anterior de publicação (tradicional), fomentando a produção de documentos e cópias dos mesmos, bem como a sua difusão, em curtos espaços de tempo, com custos reduzidos. Desde 1665, ano em que surgiram o Journal des Savants, em Paris, e a Philosophical Transactions, em Londres, a comunidade científica passou a ter um suporte de publicação para seu trabalho (Stumpf, 1996). A remuneração, que advinha de direitos sobre outros textos e monografias, não estava implícita nestas publicações periódicas. Em contrapartida, os homens de ciência podiam ver garantido o reconhecimento dos feitos pioneiros, o prestígio, as citações e o impacto que se refletiriam e impulsionariam as suas carreiras. A Internet é uma plataforma em crescimento que permite disponibilizar de forma gratuita os artigos doados pelos autores às revistas, cujos custos de publicação eram cobertos por taxas de subscrição. Simultaneamente, os preços dos journals subiram consideravelmente nas duas últimas décadas, gerando uma crise de acesso e obrigando as instituições a cancelar subscrições. A comunidade científica respondeu procurando formas alternativas de partilha da sua pesquisa (Canessa e Zennaro, 2008). Um exemplo de um mecanismo de acentuação da crise de acesso é o esquema de venda em bundle (agregação de produtos) da Elsevier, que torna bastante difícil para as universidades reduzirem os custos de subscrição. A editora procura ter receitas fixas através de ofertas de um grande número de títulos agregados, pelo que, se uma biblioteca quiser cancelar alguns deles, o preço dos restantes subirá substancialmente. A resolução do Senado da Universidade de Cornell de dezembro de 2003 é outro exemplo de resposta à crise no acesso a publicações científicas. No seu enunciado surge uma estatística da Association of Research Libraries indicando que, entre 1986 e 2001, se verificou um aumento de 215% no preço dos periódicos, que a despesa das bibliotecas nestas obras cresceu 210%, e que o número de títulos comprados pelas bibliotecas diminuiu 5%. Esta universidade subscrevia 930 títulos da Elsevier, 2% do total de periódicos subscritos, que representavam 20% do total de custos de subscrição de periódicos da universidade. O Senado decidiu então cancelar as subscrições de cerca de 200 títulos da Elsevier perante o anunciado aumento de 6, 5% no preço dos periódicos entre os anos 2003 e 2004. Também Harvard foi obrigada a cancelar cerca de 100 periódicos da Elsevier. Numa carta do diretor da

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biblioteca universitária de Harvard, de janeiro de 2004, está expressa a tentativa falhada de negociação com a editora, que terá demonstrado uma posição inflexível. O cancelamento das subscrições foi uma forma de a universidade voltar a ganhar controlo sobre a sua coleção de periódicos e sobre o seu orçamento para suportá-la. Duke, North Carolina State e North Carolina (Chapel Hill) são três universidades que, no mesmo ano de 2004, cancelaram também um acordo coletivo que mantinham com a Elsevier, devido aos elevados custos e à inflexibilidade negocial da editora. Os reitores destas universidades expõem os seus argumentos num memorando de janeiro de 2004. O acordo que vigorou até 31 de dezembro de 2003, entre a Elsevier e o Triangle Research Libraries Network, do qual são membros as três universidades supramencionadas, permitia o acesso a versões eletrónicas de 1300 periódicos. A sua não continuidade implica que cada universidade realizará acordos individuais com a editora, resultando, para cada instituição, a perda de acesso a cerca de 400 a 500 dos seus títulos. Uma vez que a produção científica é geralmente financiada, um utilitarista poderia argumentar que a partilha de conhecimento promove o bem comum, uma vez que não consiste num jogo de soma nula (o conhecimento pode ser partilhado e transmitido sem que quem o produza seja despojado dele). É essa a posição da BioMed Central e da Public Library of Science (PLoS), ou de Peter Suber. Por outro lado, algumas editoras de revistas científicas, como a Elsevier, não partilham essa posição, alegando que o regime de open access tem consequências indesejadas ao nível da validação do conhecimento científico e dos orçamentos de pesquisa. O debate sobre o financiamento do open access é um dos aspetos que levanta maior controvérsia. Pese embora o facto de o conceito de sustentabilidade compreender a promoção de objetivos num espectro mais alargado (Downes, 2007), o facto de o custo de publicação passar dos leitores para os autores pode levantar problemas de viabilidade económica. E mesmo em regimes de acesso restrito, os autores pagam regularmente custos ligados ao número de páginas, às cores utilizadas, a correções, republicações e outros encargos, podendo a este valor ser acrescentado um extra para disponibilizar o artigo em open access, quando a editora permite esta opção. A preocupação em transferir os custos dos leitores para os autores tornar-se-á menos presente se os governos, as organizações financiadoras e outras instituições promoverem a publicação em regime de open access. Para Terry (2005), o debate sobre o open access, na sua essência, não é um debate sobre economia, mas sim sobre acesso. Outra questão prende-se com o impedimento da publicação a autores que não possam pagar os seus custos. Para que isso não aconteça, qualquer modelo de negócio em open access deve integrar a possibilidade, nesses casos, de isenção ou redução de custos. A PLoS resolve esta questão perguntando aos autores se podem ou não pagar, escondendo essa resposta às direções das revistas e aos reviewers, para assegurar que todos os artigos que cumpram os critérios da revisão de qualidade sejam publicados, independentemente das capacidades financeiras dos autores para cobrirem os custos da publicação. A terminologia “transferência de encargo para os autores” é algo que permite interpretações erradas, insensíveis à teia de organizações cuja missão depende da disseminação de conhecimento científico.

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Estas ajudam a financiar a publicação em open access, servindo de intermediários ou integrando os seus custos no financiamento global da pesquisa (Doyle, et al., 2004).1 Assim, as editoras em open access, como a PloS, vendem o serviço que prestam aos autores, a instituições e à comunidade científica, tais como a revisão por pares, a preparação de manuscritos para edição e o alojamento online. Outro aspeto inserido neste debate passa por saber quanto é que se gasta ao todo, mundialmente, em modelos com encargos para o autor, comparativamente ao modelo de acesso por subscrição: analistas da Wellcome Trust estimaram, por exemplo, que lhes custaria mais 1 a 2 pontos percentuais dos seus fundos para investigação para pagar as taxas de publicação open access para todos os artigos produzidos pelos seus suportados. (Eles acrescentam que pagariam esses custos de bom grado.) Outros pagariam menos indubitavelmente. (Gass, 2005: 105)

À margem do debate sobre custos relativos dos diferentes regimes de publicação fica a ideia defendida pelos partidários do open access, e que pouco tem a ver com a crise de acesso a periódicos científicos, de que este regime de publicação é mais vantajoso para a ciência em geral, enquanto projeto da humanidade. Aqui entram em jogo aspetos éticos como, por exemplo, o acesso público às publicações resultantes da pesquisa biomédica ou da pesquisa financiada por entidades públicas. O Open Access como movimento social Para se compreender e definir o acesso livre, não como uma mera tendência editorial alternativa ao paradigma tradicional de publicação, mas antes enquanto movimento social, é necessário analisar o desenvolvimento histórico deste movimento, que pode ser dividido em três etapas principais: a paleoconceptual, a neoexperimental e a de movimento social. Este movimento tem as suas origens no sistema de hipertexto de Ted Nelson, surgido nos anos 60, e no Projeto Gutenberg de Michael Hart, em inícios dos anos 70 (Cardoso et al., 2009a). A fase paleoconceptual tem como referente inicial o ano de 1963, com o hipertexto de Nelson, e prolonga-se até 1979, com o aparecimento da Usenet, “caracterizada pelas primeiras experiências da tecnologia digital em rede e a influência mútua que os desenvolvimentos, tanto na ciência como na comunicação conceptual, pensavam ter um sobre o outro” (id., ibid.: 55). A fase neoexperimental, caracterizada pela “experimentação das possibilidades tecnológicas, através de uma abordagem de tentativa e erro”, que levou “ao desenvolvimento de aplicações e à sua difusão a grandes audiências, encorajando o trabalho online em cooperação e em grande escala” (id., ibid.: 55), tem início em 1980 e prolonga-se até 2000, período em que surgem o sistema operativo Linux, o 1

Como o Open Society Institute, que ajuda a financiar a publicação em países onde está ativo.

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Projeto Genoma Humano, a Wikipedia e revistas académicas online. É também neste período que começa a consolidar-se aquilo que Himanen et al. (2001) denominam “ética hacker”. Atualmente, pode dizer-se que o Open Access se apresenta como movimento social, numa fase que se caracteriza pelo amadurecimento de ideias sobre esta temática em ação concreta, por parte da comunidade científica, suscitada pela Iniciativa Open Access de Budapeste, em fevereiro de 2002, seguida das declarações de Bethesda e de Berlim, em 2003 (Cardoso et al., 2009a). Estas três iniciativas assumem elevada importância no contexto do movimento Open Access e são, muitas vezes, designadas “declarações BBB”. A relevância destes eventos deveu-se sobretudo ao facto de terem sido momentos de definição do movimento Open Access e de distinção de dois modelos complementares dentro da iniciativa: por um lado, o acesso livre e sem restrições a revistas científicas e, por outro, o acesso a repositórios institucionais, visando essas duas estratégias o mesmo objetivo — maior e melhor acessibilidade a publicações académicas e científicas. O contexto de subida de preços de subscrição originou preocupação e revolta relativamente às publicações comerciais no meio académico. Conley e Wooders (2009) sugerem que “antes de 1990 as publicações comerciais eram parte fundamental da comunicação académica” devido às suas competências irreproduzíveis na academia,2 mas que por volta do ano 2000 esta comunicação deixa de ter uma base eminentemente “papirocêntrica” para se basear em documentos eletrónicos e na Internet. Afirmam mesmo que “em 2008 publicações em papel são essencialmente um anacronismo e a sua atual existência é resultado de histerese” (id., ibid.: 74). Contudo, a transição para um novo modelo de publicação parece mostrar-se lenta, não obstante o facto de as publicações comerciais atualmente entravarem, mais do que facilitarem, a comunicação académica, devido a inovações tecnológicas. Segundo Conley e Wooders destacam-se as seguintes inovações: —



ao nível da formatação, o desenvolvimento de processadores de textos acessíveis (que permitem aos investigadores redigir manuscritos de qualidade), formatos de texto independentes da plataforma em que foram criados (como o PDF), e serviços profissionais de edição online; ao nível da distribuição, o surgimento de canais de distribuição eletrónica de acesso generalizado, como o correio eletrónico, Web browsers, arquivos de artigos gratuitos que integram uma indexação eficaz e de pesquisa automatizada.

As atuais potencialidades técnicas de disseminação do conhecimento científico são subaproveitadas principalmente devido a barreiras exteriores, ou adjacentes, ao campo científico. Estas barreiras sociais, legais, económicas e institucionais

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Entre as quais uma formatação adequada, capacidade de distribuição, publicidade, serviços de subscrição e produção.

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impedem o aproveitamento dos recursos técnicos disponíveis para os cientistas, “uma vez que as estruturas sociais ainda estão em larga medida dessincronizadas com a sua filosofia de funcionamento” (Cardoso et al., 2009a: 58). Os investigadores que publicam os seus artigos em revistas sem esperar ganhos monetários encontram no movimento Open Access, no PKP (British Columbia) e no Science Commons/Creative Commons, plataformas de empowerment que lhes possibilitam diminuírem a dessincronização ou histerese entre as potencialidades da sociedade do conhecimento e as práticas científicas dominantes. A criação destas plataformas serve, de algum modo, para potenciar a prática de utilização do open access, uma vez que as suas potencialidades ainda estão muito desaproveitadas, em relação àquilo que é promulgado pelos defensores do movimento. Num contexto como o descrito anteriormente, a pertinência dos esforços para tornar livre o acesso ao conhecimento científico torna-se evidente (id., ibid.). Ao contrário da lógica da maioria das publicações, os cientistas não esperam obter recompensas financeiras pelos artigos publicados, mas antes compensações de caráter simbólico, designadamente reconhecimento pelos pares, progressão na carreira, financiamento para futuros projetos de investigação, entre outros. A compensação pela publicação de artigos baseia-se, não em royalties ou direitos de autor, mas no prestígio de publicarem em revistas com impacto na sua área. No seguimento da crise de acesso, vários estudos salientam que o fator de impacto, pelo número de citações, das publicações em open access tende a ser maior do que o das restantes. Um exemplo é a análise de Harnad e Brody (2004), que compara artigos em open access com artigos em regime restrito nas mesmas revistas, para controlar outras variáveis explicativas da diferença de citações. Concluem que nos vários campos da Física, o rácio de impacto entre os artigos de acesso livre e os de acesso restrito tende a variar entre 2,5 e 5,8. Num estudo citado por Ortellado e Machado (2006) acerca da comparação do impacto das publicações em regime de acesso aberto e restrito concluiu-se que as variações de impacto científico através das citações dos periódicos é mais favorável nas revistas de acesso livre do que nas publicações tradicionais. Em algumas áreas, como as humanidades e as ciências sociais e, em particular, as Letras e Linguística, esse impacto superava os 1200%, em História os 1000% e no caso da Antropologia e Sociologia representava cerca de 852%. As citações dos artigos em regime de open access superaram sempre, em grande número, as citações dos artigos publicados com acesso restrito. Estes dois dados permitem concluir que o acesso livre aos artigos tem um impacto muito positivo ao nível das citações e, por consequência, nas carreiras dos investigadores, o que ajuda a compreender e alicerçar a ideia de que alguma da resistência encontrada a este regime poderá estar mais associada a outros atores e instituições do que propriamente aos cientistas em si. Os resultados de um inquérito feito a autores demonstram que a maioria destes estaria disposta a fazer o autoarquivamento das suas publicações se os seus empregadores ou financiadores o exigissem, pelo que as instituições de ensino e investigação e as entidades financiadoras se afiguram nas melhores posições para promover o open access (Swan e Brown, 2004a e 2004b; Harnad, et al., 2008).

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Quadro 1.1

Comparação do impacto das publicações de acesso restrito e acesso aberto

Área Biologia Biomedicina Química Medicina Clínica Terra e Espaço Engenharia e Tecnologia Física Matemática Psicologia Administração Antropologia e Sociologia Comunicação Economia Educação Geografia, Urbanismo e Desenvolvimento História Letras e Linguística Psicologia e Psiquiatria

Citações Número Impacto % artigos acesso aberto / de artigos acesso acesso aberto de acesso aberto acesso restrito aberto / total < 1% < 1% < 1% < 1% 5,8% < 1% 10,1% 4,3% 2,1% < 1% < 1% < 1% < 1% < 1% < 1% < 1% < 1% < 1%

4117/640.100 8106/1.345.207 2506/1.039.817 2914/3.413.447 24.668/37.2413 2649/643.314 106.040/930.059 6656/135.012 1120/49.865 286/68.070 238/65.496 39/14.334 365/49.027 101/42.250 179/57.287 108/191.679 80/31.424 881/176.586

+ 49% + 218% + 136% + 193% + 217% + 47% + 134% + 66% + 84% + 243% + 852% + 136% + 391% + 291% +181% + 1016% + 1236% + 321%

8,11/5,13 34,07/13,47 16,16/6,44 25,69/7,19 22,3/7,77 4,06/2,95 13,95/6,16 4,7/2,76 9,24/5,81 4,54/1,04 5,32/0,55 2,78/1,24 6,4/1,41 3,66/0,81 1,8/0,54 1,5/0,12 7,87/0,53 8,36/1,73

Fonte: Ortellado e Machado (2006) (adaptado de Harnad e Brody, 2004)

Desse ponto de vista, é percetível que a resistência encontrada à publicação em regime de acesso aberto não tem acontecido tanto devido aos investigadores, mas sobretudo às próprias editoras, que se veem confrontadas com um sistema de publicação que significa, muitas vezes, perdas de mais-valias e lucros. Assim, ao contrário do que pretendem algumas editoras, vários estudos têm demonstrado que entre os cientistas predomina a ideia de que a divulgação e disseminação dos seus artigos na Internet é uma excelente forma de os mesmos serem lidos por um maior número de pares e consequentemente citados, tendo um impacto positivo nas suas carreiras. Deste modo, o principal obstáculo ao desenvolvimento e generalização da publicação em regime de acesso livre não parece ter sido criado pelos cientistas, mas antes por bloqueios sociais, legais, económicos e sobretudo institucionais. Se entre os cientistas não predomina a ideia de restrição ao conhecimento científico, mas antes uma certa abertura ao acesso e disponibilização do mesmo, o que se verifica é que muitos dos bloqueios passam efetivamente pelas editoras e pelos seus interesses económicos. Se tivermos em conta que parte relevante das publicações científicas e técnicas tem origem em projetos de investigação financiados por recursos públicos, com pequena ou inexistente contrapartida privada, ou resulta de teses de doutoramento, muitas vezes também financiadas por recursos públicos, a comercialização do produto desse conhecimento, por parte das editoras, parece revelar-se muito pouco dispendiosa, ficando os custos associados à sua edição, quase na totalidade, assegurados pelos recursos públicos investidos no decurso do projeto, e pelos leitores que compram as publicações. É neste contexto que as

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editoras alcançam margens de lucro elevadas, sendo o autor desprovido do controlo sobre o conhecimento que produz, não lhe sendo permitido disponibilizar o trabalho a investigadores ou outros atores, sem estar a infringir a lei dos direitos de autor que a editora detém (Ortellado e Machado, 2006). Uma das grandes vantagens do open access é o facto de permitir que os investigadores deixem de estar condicionados pelas editoras para difundir e disseminar os resultados das suas pesquisas científicas, tendo um maior controlo sobre o seu próprio trabalho. Para além dessa vantagem, o acesso livre ao produto das pesquisas científicas promove de forma inequívoca uma maior articulação entre ciência e sociedade, uma vez que as barreiras de acesso são esbatidas e que qualquer cidadão pode aceder a esses resultados, sejam cientistas, estudantes, jornalistas ou outros. Em janeiro de 2004, a OCDE redigiu um documento, que resultou de um encontro dos governos dos vários países desta organização, e ainda da China, Rússia e África do Sul, onde explicita e reconhece a importância de tornar livre todas das pesquisas que sejam financiadas por recursos públicos (OCDE, 2004). Em 2007 esse acordo é reforçado e explicitado, num relatório que resultou fortemente do encontro de 2004, onde ficou consagrada a necessidade de se criarem orientações e princípios comuns para facilitar o acesso eletrónico a esses dados (OCDE, 2007). Neste documento ficou explanado que a partilha e acesso aberto a dados de pesquisa com financiamento público não só permite maximizar a investigação, como também fornece um retorno maior do investimento público. Ainda assim, o que se tem constatado é que o sistema tem sofrido alguma resistência e que o seu potencial ainda está fortemente condicionado, uma vez que uma grande parte das editoras ainda não disponibiliza este formato de publicação. Mais do que do debate sobre regimes de publicação, o Open Access forma-se enquanto movimento social que nasce no seio da comunidade científica, estruturando-se em torno da ideia do conhecimento científico como um bem público que, portanto, deverá estar acessível a todos. Apesar de os defensores do movimento terem depositado uma expetativa elevada neste método de divulgação de resultados, o que se tem verificado, ao longo dos últimos anos, é que os investigadores das várias áreas científicas não têm aderido ao movimento, do ponto de vista das práticas, como era expectável. Esta situação poderá acontecer devido a um conjunto de fatores, designadamente pela própria representação que os cientistas têm da gestão das suas carreiras académicas. Isto é, a questão de procura de reconhecimento entre os seus pares leva a atitudes conservadoras face ao risco de publicação, e assim, sem uma forte indução à mudança impulsionada pelos seus pares nas redes de investigação, a primeira escolha será sempre a da aposta no modelo já conhecido, o que pode explicar a resistência inicial ou relutância a uma maior aderência ao movimento. Para compreender o Open Access enquanto movimento social importa então observar como a ciência está a sofrer influências das mudanças ocorridas a um nível mais macro, na sociedade, na economia e na tecnologia, na era da informação. Só perspetivando mudanças sociais, económicas e tecnológicas mais amplas, é possível compreender o impacto na própria ciência (Guédon, 2004).

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Sociedade em rede, sociedade informacional e ciência informacional A Ciência Aberta, enquanto movimento social e enquanto projeto de transformação das práticas científicas contemporâneas, desenvolve-se no quadro da sociedade em rede. Um contexto social que não é o mesmo que sociedade de informação. Como refere Castells (2002), embora o conceito de sociedade da informação saliente o papel da informação nas sociedades, acaba por o fazer num sentido mais lato. Acabando por nos remeter para o questionamento sobre se a comunicação do conhecimento não tem sido sempre crítica em todas as sociedades e, consequentemente, limitando as capacidades explicativas do uso do conceito de sociedade de informação como capaz de captar a essência das mudanças em curso nos mais diferentes campos, incluindo a ciência. Enquanto definição mais estruturada e capaz de dar sentido às múltiplas ocorrências transformativas no campo do conhecimento e da ciência surge então a categorização das sociedades contemporâneas como “informacionais” (Castells, 2002), e não “de informação”, sublinhando dessa forma o seu atributo central: uma forma de organização social na qual a produção da informação, o seu processamento e transmissão se tornam as fontes principais da produtividade e do poder, em virtude das novas condições tecnológicas emergentes. De algum modo podemos sugerir que a ciência, isto é, a forma como a pensamos e realizamos, é hoje uma ciência de caráter informacional. Ao usar o conceito adjetivo “informacional”, Castells procura estabelecer um paralelo com a distinção entre “indústria” e “industrial”: uma sociedade industrial não é apenas uma sociedade onde existe indústria, mas aquela em que as formas sociais e tecnológicas da organização industrial permeiam todas as esferas da atividade, começando pelas atividades dominantes, localizadas no sistema económico e na tecnologia militar, e atingindo os objetos e hábitos do quotidiano. A sociedade informacional é, assim, produto de um determinado contexto histórico: as três últimas décadas do século XX. Do mesmo modo a ciência informacional, aquela que se baseia na apropriação dos métodos comunicativos em rede e das lógicas que moldam os contributos da ciência para as dimensões de política, cultura e economia contemporâneas, é uma ciência do nosso tempo histórico. A sociedade em rede é o tempo e espaço onde habitamos hoje. Todas as épocas possuem os seus modelos preferenciais de organização social, que moldam o tempo e o espaço. No nosso caso, o tempo que vivemos e o espaço onde nos deslocamos são transformados pelas redes. Os instrumentos que criaram as condições para que a economia, a política e a cultura do nosso tempo sejam tão diferentes das vividas pelas gerações anteriores acompanham-nos nos bolsos dos nossos casacos, nas malas ou secretárias, e dão pelo nome de telemóveis, tablets e computadores em ligação à Internet — a rede tecnológica que permitiu que a forma como as famílias organizam o seu dia a dia e as empresas a sua atividade comercial seja hoje mais flexível e readaptável do que nunca. A nossa sociedade é o produto histórico de três mudanças fundamentais, sendo a primeira cultural, com os movimentos de contestação cultural do Maio de 68 e de oposição à guerra do Vietname. A segunda, de índole tecnológica, é o nascimento da Internet em 1969 e a revolução computacional. E, por último, a crise global do petróleo do início dos

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anos 70 e a consequente globalização e desregulação da atividade económica e financeira em busca de novos mercados para além dos nacionais. A organização social em rede está na origem de múltiplas mudanças das nossas formas de interação social, produção científica e cultural, organização política, modelos de desenvolvimento, organização económica e financeira e, mesmo, de novas formas de criminalidade e terrorismo. Alguns exemplos podem ser encontrados, por exemplo, nas novas éticas face ao trabalho e ao dinheiro, baseadas na “ética hacker” de valorização do prazer na criação em detrimento do trabalho como um dever. Na proposta de ciência aberta, na busca de uma maior partilha do conhecimento e de dados científicos, através do open access/data, com o objetivo de tornar de novo a ciência em força dinâmica e de inovação social. Ou na conceção do modelo de desenvolvimento informacional, baseado nas tecnologias de informação — infraestrutura, produção e conhecimento —, o qual ainda hoje, mesmo em plena crise, pilota as decisões macroeconómicas. É no contexto da sociedade em rede que se alteram as formas comunicativas, dando origem à “comunicação de rede”, produto da junção de redes como o YouTube, Facebook, Twitter e Skype à antiga comunicação de massas, mudando a nossa perceção cultural de posse, distribuição, produção e socialização e, com isso, constituindo a base para o desenvolvimento de uma “cultura de pertença em rede” e para os protestos que em 2011 nos acompanharam em todo o mundo. Mas é também uma sociedade dual, de oposições e desequilíbrios, entre espaços de fluxos e lugares, onde o individualismo e o comunalismo se encontram em permanente busca de novos equilíbrios. Daí que também esteja na génese das redes financeiras automatizadas que estiveram na base da maior crise financeira dos últimos 100 anos ou da gestão global da Al-Quaeda. A sociedade em rede é o nosso tempo e espaço, onde as redes são colocadas ao nosso serviço, dos nossos objetivos e da nossa busca de autonomia e de sentido para as nossas vidas. Estamos a assistir à erosão do paradigma comunicacional anterior e à emergência de um novo. Tal emergência tem implicações para a economia, para o nosso quotidiano e para o equilíbrio de poder que os média oferecem aos agentes políticos, económicos e culturais das nossas sociedades. Esta mudança comunicacional pode ser testemunhada numa série de eventos e de transformações das práticas e representações dos média e do seu papel na sociedade. Os exemplos são diversos e podem ser encontrados nas mais visíveis tendências, como as quedas acentuadas na venda de jornais, a crescente proliferação de redes P2P de distribuição de conteúdos audiovisuais e a crescente presença de publicidade na Internet, e nas menos visíveis, como o papel das redes sociais nas rotinas diárias dos cidadãos e organizações, a relação, por vezes concorrente e, ocasionalmente, simbiótica, entre jornalistas e cidadãos na cobertura de eventos no Twitter e noutros sites de micro-blogging, as apropriações, por parte dos cientistas, de práticas de open access, open source e open science, e a passagem da desmercantilização da produção dos média para a partilha online. Esta transformação comunicacional conduz-nos a questionar a produção, distribuição e, consequentemente, o consumo dos conteúdos de média, sejam eles de informação, de entretenimento, de conhecimento ou, claro está, de comunicação nas sociedades contemporâneas. Uma tal mudança oferece um terreno fértil de

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análise e de nova teoria sobre o futuro dos paradigmas comunicacionais e o seu papel na transformação social. À medida que se desenvolveram, televisão, rádio e imprensa tornaram-se conhecidos durante o século XX como média de massas (Thompson, 1995) e assumiram o papel central no sistema dos meios de comunicação (Ortoleva 2004), dando origem a um novo paradigma comunicacional. Esse mesmo paradigma de comunicação de massa (Mattelart, 1996; Thompson, 1995; Ortoleva 2004) constituiu o modelo comunicacional das sociedades industrializadas sob um modelo industrial de desenvolvimento, no período apelidado por Giddens (1991) modernidade tardia. De Bell a Touraine (Webster, 1995; Castells, 2002) e de Poster (2000) a Castells (ibid.), o papel da informação e da comunicação na mudança social das nossas vidas tem sido discutido nos últimos quarenta anos (Webster, ibid.). O aparecimento da Internet em 1969 e o longo caminho de quarenta anos, de laboratórios e apropriação científica a domicílios e empresas, a par da generalização da sua apropriação pessoal e organizacional no nosso quotidiano, apresentam uma clara mudança no nosso ambiente comunicacional (Castells, 2009; Colombo e Bettetini, 1993; Silverstone, 2006; Lash e Lurry, 2007; Hesmondhalgh, 2007; Varnelis, 2008). Acreditando que é possível argumentar empiricamente que as mutações ocorridas na comunicação vão para além de uma simples reconfiguração do modelo de comunicação de massa, através da soma da Internet a um conjunto de práticas e representações já presentes, gostaríamos de argumentar que, se o modelo comunicacional das sociedades de desenvolvimento industrial foi a comunicação de massa, assistimos atualmente à construção de um novo modelo comunicacional que ocorre na era informacional de desenvolvimento das nossas sociedades. Devemos, assim, considerar que, de modo lento mas constante, a comunicação em rede está a substituir a comunicação de massa e os seus paradigmas comunicacionais nas nossas sociedades. Ao passarmos de um sistema de dietas mediáticas à base de comunicação de massa para um modelo baseado na comunicação em rede (Cardoso, et al., 2009b) e para a apropriação individualizada da comunicação de massa, que Castells (2009) apelidou autocomunicação de massa, focamo-nos igualmente na análise de um mundo onde, cada vez mais, o utilizador dos média partilha com as organizações empresariais um dos papéis mais importantes no sistema mediático em emergência. A comunicação em rede é o resultado combinado da ação histórica das forças da globalização da comunicação e da mediação em rede, isto é, a adoção viral da autocomunicação de massa (Castells, ibid.), da comunicação multimédia interpessoal e da comunicação mediada de “um-para-muitos” por grande parte da população mundial, onde as tecnologias de massa interagem com tecnologias de comunicação interpessoal e em que ocorre a disponibilidade de escolha entre diferentes graus de interatividade. Os quais, por sua vez, nos permitem combinar formas mais ativas com meios menos ativos de envolvimento na vida pública e privada. O modelo de comunicação em rede é, portanto, estruturado em torno da apropriação social de dois tipos de práticas, aos quais acedemos mediante múltiplas interfaces tecnológicas: as atividades de baixa interatividade e as atividades de elevada

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interatividade. O que nessas práticas observamos é uma característica comum de mediação por ecrãs, mas diferenciada por práticas muito distintas. Essas práticas baseadas em alta e baixa interatividade representam o epítome, respetivamente, dos conceitos de pesquisa e navegação, e de difusão e zapping, que constituem diferentes práticas e graus de envolvimento em atividades comunicacionais e, consequentemente, diversas dimensões interativas. Encontramo-nos, também, a experimentar um tempo em que a centralidade se afasta do conceito de público e se aproxima dos conceitos de participante (Silverstone, 2006) e de utente, independentemente do grau de interatividade com que uma tal utilização dos meios de comunicação tenha que lidar. Enquanto participantes e utilizadores de média, assumimos diferentes papéis nesse contexto comunicacional em rede. Esses papéis podem ser distinguidos num triângulo conceptual, construído por um elevado número de participantes envolvidos nas funções de distribuidores, inovadores e classificadores de experiência. A mudança comunicacional resulta da transformação do consumo dos média, isto é, entretenimento, comunicação e oferta de notícias e informação, mas igualmente produção de conhecimento em geral, incluindo a dimensão científica. Uma vez que o sistema de ensino é baseado na comunicação do conhecimento produzido e, por sua vez, o sistema científico depende da produção de conhecimento, uma alteração do paradigma de comunicação também se faz sentir na dimensão científica — como tal, influenciando de igual modo toda a sociedade. Num mundo onde o consumo já não é inteiramente dirigido por empresas de média e começa a ser partilhado com os participantes através da disponibilização da tecnologia, esta dimensão de mudança comunicacional é também uma mudança de caráter cognitivo, ou seja, traduz-se em tensões dentro do sistema educacional, através de confrontos: o face a face versus a distância em tempo real; a palestra expositiva versus a palestra interativa; a apresentação multimédia versus a comunicação oral acrescida da escrita no quadro. O modelo comunicacional que parece caracterizar as nossas sociedades contemporâneas é definido pela capacidade de globalização comunicacional, juntamente com a interligação em rede da comunicação de massa com a comunicação interpessoal e, consequentemente, com a emergência da mediação em rede sob diferentes padrões de interação. Tais padrões tomam a forma de autocomunicação de massa (Castells, 2009) quando usamos o Twitter, os blogues ou SMS em cadeia, comunicação interpessoal multimédia quando utilizamos o MSN, o Google Chat ou até mesmo o Skype, comunicação mediada de “um-para-muitos” quando usamos o Orkut, Facebook ou Hi5 com os nossos “amigos” e, claro está, a comunicação de massa. Todos esses padrões têm em consideração os anteriores modelos de comunicação e, através da evolução da mediação, permitem-nos reconfigurá-los num novo modelo comunicacional — sem esquecer o papel do face a face. Na formulação proposta por Castells, a análise da mudança social que nos permite concluir pelo surgimento de uma nova estrutura social, suficientemente diferenciada das anteriores, baseia-se na deteção de transformações estruturais nas relações de produção, de poder e de experiência. São ainda essas transformações que, segundo o mesmo autor, conduzem a uma mudança significativa das

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formas sociais e à emergência de uma nova cultura (Castells, 2003). A sociedade informacional é, assim, correlativa de uma reestruturação do capitalismo jogada na globalização das principais atividades económicas, na flexibilidade organizacional e num maior poder por parte do patronato nas suas relações com os trabalhadores, só possível pela coincidência temporal com um novo tipo de tecnologias — as tecnologias de informação — apropriado pelo tecido económico. A par desta reestruturação do capitalismo, assistimos durante três décadas ao quase desaparecimento do estatismo enquanto paradigma de estruturação das relações de produção no mundo contemporâneo. Mas a sociedade informacional não vive apenas das dimensões económicas. As três últimas décadas do século XX, por via do surgimento dos movimentos sociais do final dos anos 60 e da sua multiplicação nas décadas seguintes, trouxeram novas formas de encarar a experiência e de definir objetivos de reivindicações sociais. Como refere Castells, as ambições dos jovens participantes nesses movimentos reivindicativos “incluíam uma reação multidimensional à autoridade arbitrária, uma revolta contra as injustiças, e a procura da experimentação pessoal” (Castells, 2003). Embora reconhecendo que as mudanças promovidas por esses movimentos foram fundamentalmente culturais, Castells assinala que produziram impacto sobre a economia e a tecnologia, bem como sobre os processos de reestruturação daí resultantes. Exemplos dessa influência são, segundo este autor, o espírito libertário motivador do uso individualizado e descentralizado da tecnologia, o distanciamento face às políticas sindicais tradicionais (na base do enfraquecimento do movimento sindical), a abertura cultural (que estimulou a manipulação experimental de símbolos) na base do modelo atual de apropriação social dos média, o cosmopolitismo e internacionalismo como ponte para um espaço global de sociabilização e, por fim, a aversão ao Estado, que enfraqueceu a legitimidade dos sistemas democráticos. A estrutura da sociedade informacional possui como uma das suas características principais a lógica de rede. Embora a rede tenha acompanhado as sociedades humanas ao longo da história enquanto forma organizacional, só com o desenvolvimento das tecnologias de informação e a sua domesticação pelas estruturas organizacionais das empresas se tornou possível a disseminação de um modelo que alia a flexibilidade à eficácia e à eficiência. As nossas sociedades são assim informacionais — pelo facto de a produção da informação, o seu processamento e transmissão se tornarem as fontes principais da produtividade e do poder — mas também em rede — porque, da mesma forma que a organização hierarquizada do modelo industrial permeou toda a sociedade industrial, também o modelo descentralizado e flexível da rede permeia as nossas sociedades contemporâneas. Assim, após três décadas de existência, a Internet está a difundir-se a uma velocidade sem paralelo quando comparada com qualquer outro meio de comunicação, e está a tornar-se rapidamente a ferramenta que se utiliza para quase tudo. Mas porquê agora? Algumas das razões são técnicas: a difusão do PC e, mais tarde, de toda uma gama de aparelhos de computação e comunicação; a facilidade de utilização da World Wide Web; a emergência de uma literacia informacional entre as novas gerações; a promoção da utilização da Internet no trabalho e no sistema educacional. Mas a Internet é também um produto da esfera científica de investigação;

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os seus primeiros utilizadores (e criadores) foram cientistas, o seu desenvolvimento ocorreu num contexto contracultural académico dos anos 60, respondendo em simultâneo a duas necessidades fundamentais da sociedade: maior liberdade criativa intelectual e de parceria intelectual no quadro da investigação. Mas se a Internet surgiu no meio académico, por outro lado, com o evoluir das três últimas décadas, pessoas e empresas adotaram a Internet e, ao fazê-lo, transformaram-na. No entanto, nos últimos anos essa ferramenta tecnológica transformou-se de novo num elemento central de mudança das culturas e práticas de investigação entre a comunidade científica. A hipótese que estrutura o trabalho que neste documento se apresenta é, portanto, a de que a Internet constitui uma ferramenta transformadora para a conceção, desenvolvimento e promoção de projetos científicos. No entanto, ela também pode continuar a ser utilizada estritamente apenas enquanto meio adicional de fazer algo que já fazemos, não trazendo transformação e dando-nos uma contribuição limitada e não necessariamente inovadora. Se o raciocínio atrás exposto for válido, não deveremos centrar a nossa atenção apenas na difusão estatística da Internet entre os centros de I&D e a comunidade científica sem ter presente que o sentido da sua utilização é uma variável fundamental para a aferição e valorização do seu papel na mudança social, razão pela qual este trabalho se estende à análise dos projetos de cientistas e equipas, procurando aferir se, como, e em que medida, a Internet facilita esses projetos, se se torna num obstáculo ou se se mantém relativamente neutra (como mero facilitador, sem valor acrescentado). De algum modo o que ao longo das próximas páginas tentaremos fazer será captar o possível contributo inovador da transformação da Internet enquanto facilitadora de novas formas de ciência, numa dialética entre velhos modos de fechamento e a necessidade de inovar num quadro cada vez mais aberto de pensar e fazer ciência. Ou, se preferirmos, a dialética entre a ciência como mera produtora de tecnologia e a ciência como força dinâmica e de inovação social. Do movimento Open Access ao Open Science: dois conceitos, uma realidade Apesar da centralidade conferida, nos últimos anos, ao tema do acesso aberto aos artigos científicos, enquanto produto do trabalho levado a cabo pelos investigadores nas mais variadas áreas científicas, o que se tem vindo a verificar é que este regime de abertura não se restringe unicamente aos resultados das investigações consubstanciados nas publicações científicas, mas antes se tem alargado a um conjunto de práticas de abertura que remete para todo o processo científico, desde o seu início até ao produto final. Nesta perspetiva, este texto baseia-se na ideia e hipótese segundo a qual, mais do que uma mera tendência editorial de acesso livre a publicações científicas, assiste-se atualmente e crescentemente, entre a comunidade científica, a um movimento social mais alargado de abertura da ciência, que se concretiza não apenas na acessibilidade às publicações científicas resultantes das investigações, mas também numa

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maior visibilidade e transparência nas metodologias desenvolvidas pelos investigadores no decurso das suas pesquisas, nas estratégias e ferramentas de observação e de recolha de informação empírica, bem como na divulgação e disseminação dos dados recolhidos em si, designadamente através da disponibilização online de bases de dados. Esta tendência mais generalizada de transparência e visibilidade do processo científico leva a acreditar que está em curso, entre a comunidade científica, um ideal de maior transparência, acessibilidade e difusão da informação. Ou seja, mais do que facilitar o acesso livre aos artigos científicos na Internet, o que se assiste é, cada vez mais, a outros movimentos paralelos e similares, não apenas respeitantes ao produto final das pesquisas, mas também aos instrumentos de observação e recolha de informação empírica, bem como aos dados recolhidos em si, o que se reflete numa maior colaboração e cooperação entre cientistas. Perante este cenário de abertura das várias etapas do processo de investigação científica, sem restrições, na Internet, é possível considerar que se está perante um novo modelo de investigação, não se restringindo meramente ao acesso livre a publicações científicas — open access — mas antes envolvendo a ciência de uma forma mais lata. Nesta lógica, o open access refere-se apenas a uma das componentes de um movimento que se assume mais amplo, sendo necessário passar de uma visão unicamente centrada no acesso livre às publicações científicas para um conceito mais amplo e abrangente de abertura científica, como é a noção de open science (ciência aberta). Definição de ciência aberta A opção pelo termo “ciência aberta” no âmbito deste trabalho é explicada pela lógica unitária dos diferentes esforços de abertura, paradigmáticos de um novo modelo de ciência. Este modelo, baseado na abertura e na colaboração, é alternativo a um outro modelo mais tradicional, que integra ora isolamento, ora um certo grau de abertura, mas de forma irregular e inconsistente. Existe um secretismo no trabalho dos cientistas, só quebrado para eventuais publicações ou apresentações públicas. A ciência aberta afigura-se como um movimento que, mais do que um distanciamento, visa uma aproximação às normas mertonianas. É também produto de tensões entre esferas institucionais, tal como Merton identificara na relação entre a ciência e o sistema de propriedade intelectual: “O comunismo do ethos científico é incompatível em abstrato com a definição da tecnologia enquanto ‘propriedade privada’ numa economia capitalista. […] As patentes proclamam direitos exclusivos de uso e, frequentemente, de não uso. ” (Merton, 1996: 273) A designação de ciência aberta reflete a disponibilização online dos vários produtos do processo de pesquisa, desde a fase de observação e recolha de dados à sua forma final sob o formato de publicação. Estrutura-se também enquanto alternativa complementar à estratégia da propriedade intelectual relativa à produção e distribuição de informação, partindo do pressuposto que a privatização de dados e informação tende a atrasar o avanço científico, tal como o progresso económico e social (David, 2003). Esse regime de propriedade conduz a situações de escassez artificial, que poderiam ser eliminadas através das funcionalidades desenvolvidas

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no meio digital, em especial na Internet (Vadén, 2006). Os direitos de propriedade intelectual — direitos e patentes — têm por missão manifesta a promoção de incentivos, inovação, benefícios económicos e regulação justa no acesso a conteúdos por eles protegidos. No entanto, essa visão não é universalmente aceite: John Sulston e Joseph Stiglitz, dois laureados com o prémio Nobel, questionam serem essas as reais consequências da aplicação da propriedade intelectual ao domínio científico, e sugerem que, na realidade, o resultado tem sido um considerável atraso no progresso da ciência. A definição de ciência aberta avançada por Maurer não é estanque mas tende a englobar: “(a) publicação completa, franca e rápida de resultados, (b) ausência de restrições relativas a propriedade intelectual e (c) transparência, radicalmente aumentada em fases de pré- e pós-publicação de dados, atividades e decisões dentro dos grupos de investigação” (Maurer, 2003: 4). Por sua vez, González define ciência aberta como a aplicação de “princípios e cláusulas open source para proteger e distribuir os frutos da pesquisa científica” (González, 2006: 329). Para Paul A. David (2003), a ciência aberta é vista como o modelo científico alternativo ao modelo de propriedade intelectual de alocação de recursos para produção e distribuição de informação, que depende de um sistema de incentivos não mercantis. Na sua perspetiva, os custos de acesso impostos pelos detentores de direitos de propriedade intelectual sobre o conhecimento técnico e científico têm consequências nefastas para programas de pesquisa exploratória, considerados vitais no paradigma da economia do conhecimento. David parte da delineação de uma economia das ideias: a “ideia” detida por um indivíduo não tem o mesmo valor que assume quando é disseminada comunitariamente, acumulando os benefícios da partilha e aplicação dessa mesma ideia (spillover dos benefícios). Porque há de então alguém pagar pelo benefício de outrem? Segundo este autor, ideias e conhecimento são bens que possuem a propriedade de expansibilidade, permitindo uma utilização não rival entre vários agentes e, embora o custo inicial possa ser elevado, os custos marginais de disseminação são muito reduzidos ou nulos. O conhecimento científico integra algumas características do bem público puro, pois (i) compreende utilização não rival e elevado custo para impedir que seja utilizado por terceiros, e (ii) falta de eficácia dos mercados competitivos na sua produção e distribuição. Seguindo essa lógica, as descobertas científicas seriam subaproveitadas se fossem apenas transacionadas em mercados competitivos. As formas de garantir lucro privado com novos conhecimentos constituem patentes e copyright que, enquanto monopólios, trazem ineficiências para a sociedade em geral. Mas a dinâmica do progresso científico também torna vantajosa a abertura do conhecimento: só assim é possível validar descobertas e reduzir a duplicação desnecessária de esforços de investigação. Como afirma João Caraça: Resumindo, o caráter público da disponibilidade do conhecimento científico (note-se que o acesso a esse conhecimento é dado apenas a uma parte restrita da sociedade, a comunidade disciplinar correspondente) garante a sua validade e permite uma avaliação da sua qualidade, por outras palavras, do seu valor e da novidade criada pela sua

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circulação, através da explicitação das opiniões dos pares sobre aquela matéria. (Caraça, 1999: 72)

Num sistema de ciência aberta, os incentivos estão ligados ao reforço da “pesquisa coletiva”, favorecendo os “spillovers da pesquisa” relativamente aos “spillovers de produto” característicos da inovação comercial (David, 2003). Dimensões da ciência aberta: open source, open data e open access A definição de open science dada por J. Daniel Gezelter3 prende-se com open source, open notebook, open data, open metadata, open peer review, open access e ciência 2. 0, que representam quatro componentes fundamentais: — — — — —

transparência na metodologia experimental, observação e recolha dos dados (open source, open notebook); disponibilização pública, com possibilidade de reutilização, dos dados científicos (open data, open metadata); disponibilização pública e transparência na comunicação científica (open peer review, open access); utilização de ferramentas Web para facilitar a colaboração científica (ciência 2.0). na conceptualização da problemática de abertura científica foram formuladas várias nomenclaturas como forma de agregar o esforço realizado nesse sentido, dando lugar a uma miríade de termos para designar os novos modos de produção científica.

Este movimento — ou protomovimento — de abertura das ciências é, em grande medida, devedor de um movimento precursor que advoga a abertura do código dos programas informáticos: o movimento Open Source. O GNU Project, fundado em 1983 por Richard Stallman, e a Free Software Foundation, criada em 1985, insurgiam-se contra a apropriação privada do código de software, inicialmente escrito e trocado livremente por programadores. Estas iniciativas tinham por objetivo a promoção de direitos de utilização, estudo, cópia, modificação e redistribuição de programas informáticos — o acesso ao código-fonte era condição desses direitos. Essas ideias ganharam maior expressão com o famoso sistema operativo Linux, um sistema semelhante ao Unix, cujo kernel4 fora escrito por Linus Torvalds. Defensor do movimento open source, Eric S. Raymond formulou aquilo que denominou “lei de Linus” (Linus’ law) em 1997, num texto intitulado “Release early, release often”. Esta “lei”, que segundo Raymond estaria na base do pensamento de Linus sobre o desenvolvimento colaborativo de software, baseava-se na ideia de 3 4

Bioquímico, coordenador do OOPSE (object-oriented parallel simulation engine: http: //oopse. org/), fundador do Jmol (open-source Java viewer for chemical structures in 3D: http: //www. jmol. org/) e do Open Science Project (http: //openscience. org/). Componente central do sistema operativo.

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que “com um número de olhos suficientes, todos os bugs são banais”, ou seja, “com uma base suficientemente grande de beta-testers5 e codesenvolvedores, quase todos os problemas serão rapidamente caracterizados e a solução será óbvia para alguém” (Raymond, 2000 [1997]). A colaboração na produção de artigos científicos está relacionada com a produtividade dos cientistas. Segundo um estudo realizado por Lee e Bozeman, existe uma correlação positiva com significância estatística entre o número de colaborações em que os cientistas se envolvem e a sua produtividade, medida em número de artigos publicados (contagem “normal”). Quando se mede a produtividade em número de artigos publicados divididos por número de coautores (contagem “fraccional”), não existe relação significativa (Lee e Bozeman, 2005). Isto significa que, através da colaboração, os autores tomados individualmente registam um aumento nas publicações mas, quando tomados no seu conjunto, a colaboração não aumenta a produtividade da comunidade. No entanto: Importa lembrar que muitos estudos simplesmente não poderiam ser realizados por cientistas individuais agindo isoladamente — não num ambiente de investigação no qual a ciência se torna cada vez mais interdisciplinar, dependente de equipamento e baseada em projetos. (id., ibid.: 694)

Outra questão prende-se ainda com a qualidade dos artigos publicados em coautoria. Segundo alguns estudos (Figg et al., 2006; Lokker et al., 2008), o número de vezes que um artigo é citado em outros artigos correlaciona-se positivamente com o número de coautores que o produziram. Baseado nestas ideias, e numa tentativa de dar um nome ao trabalho colaborativo em ciência com uma filosofia análoga ao desenvolvimento do software open source, Nicholas Thompson utilizou o termo open source biology para descrever a sua aplicação ao campo da Biologia. J. Cascio, fundador da página WorldChanging, fala de open source science. Estes termos foram os primeiros a surgir para dar conta destas práticas científicas emergentes. Atualmente, a organização Chemists Without Borders segue a nomenclatura proposta por Cascio. O instituto Cambia, que também propõe a adoção do modelo open source às ciências da vida, apelida a sua iniciativa de inovação descentralizada de BiOS, acrónimo para biological innovation for open society, biological open source ou biological innovation through open science. Richard Jefferson, CEO do Cambia, lançou a Initiative for Open Innovation (IOI) no verão do ano de 2009, visando a promoção da transparência e flexibilidade no sistema de patentes. Open notebook science é outro termo, proposto por Jean-Claude Bradley, que traduz a disponibilização pública dos registos experimentais (bloco de notas ou caderno laboratorial) em tempo real, constituindo um dos termos com mais elevados níveis de abertura de entre os aqui analisados, bastante ilustrativo da lógica da

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Um beta test é um teste a um produto informático anterior ao seu lançamento. É a última etapa da fase de testes, envolvendo muitas vezes comunidades de utilizadores

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ciência aberta. A ideia é simples e eficiente, permitindo o acesso a registos de observações e experiências a todos os membros do grupo de pesquisa, bem como a qualquer outra pessoa com acesso à Internet. Não é de admirar que a plataforma do grupo de Bradley, a UsefulChem, se tenha tornado potenciadora de colaborações interlaboratoriais a nível internacional. Por sua vez, Peter Murray-Rust avança o termo open data para definir um movimento cuja filosofia sugere que certos dados estejam disponíveis livremente para quem os quiser utilizar, sem restrições de patentes, copyrights ou outros mecanismos de controlo. Advoga a disseminação pela comunidade científica da preocupação de que estes produtos científicos sejam legíveis por máquinas. É neste contexto que o mesmo autor defende a criação do que chama open standards, num documento introdutório ao grupo Blue Obelisk, que consiste em “mecanismos comunicacionais visíveis que atuam como acordos nos protocolos de comunicação de informação”. Estes mecanismos são visíveis na medida em que emergem de forma espontânea no trabalho científico, seja este tradicional ou aberto, sendo depois operacionalizados em estruturas de organização e tratamento de informação. As possibilidades trazidas pela remoção das barreiras e restrições ao acesso, utilização e partilha dos produtos da investigação, sejam estes dados, ferramentas, técnicas experimentais ou registo dos desenvolvimentos da pesquisa, podem ser entendidas através do documento Introduction to Science Commons,6 de John Wilbanks e James Boyle. O Science Commons, tal como o Creative Commons, são projetos que pretendem reduzir os custos transacionais através de licenças em que as permissões de utilização são explícitas a priori.7 Assim, não é preciso recorrer a contratos e advogados, tendo os criadores de um dado trabalho a possibilidade de o partilhar através de acordos individuais que se adaptem melhor às realidades emergentes, face ao sistema de propriedade intelectual existente e restritivo. A mudança de um regime de contratos para normas de utilização permite, por exemplo, aos cientistas integrar várias fontes de dados, sabendo à partida que utilizações lhes poderão dar. O Science Commons é um projeto que integra o Creative Commons, que por sua vez fornece licenças que permitem aos criadores dar diferentes graus de abertura ao seu trabalho. Este último nasce ligado às áreas culturais e de direitos de autor — música, texto, blogues, fotografia, filmes, etc., — mas os seus fundadores já anteviam as vantagens de aplicar o modelo de creative commons à ciência. Ao fazê-lo, depararam-se com controlos em várias etapas do processo de partilha de material científico. Embora o controlo seja importante em alguns casos, existem barreiras desnecessárias à partilha entre investigadores. O seu objetivo passa então por “baixar barreiras económicas, legais e técnicas à pesquisa, data mining e relacionamento de publicações científicas”, possibilitando a criação de uma “teia semântica” para a ciência. Outro objetivo do Science Commons é facilitar a “aquisição de materiais e testes” por parte de outros investigadores, pois se os direitos de reprodução (copyrights) 6 7

http: //sciencecommons. org/wp-content/uploads/ScienceCommons_Concept_Paper. pdf. Para maior clarificação dos objetivos e finalidades do Science Commons e do Creative Commons, ver anexo 2.

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guardam os documentos publicados em publicações peer reviewed, as patentes protegem invenções (umas mais originais que outras) e uma teia de acordos e contratos guardam as ferramentas, materiais, conjuntos, bases de dados e transferência de conhecimento informal da ciência do dia a dia (Willbanks e Reynolds, 2006: 4).

O trabalho do Science Commons baseou-se em estudar os problemas atrás enunciados e tentar reduzi-los tanto quanto fosse possível. Segundo Wilbanks e Reynolds, a equipa focou-se nos projetos que reforçassem as conquistas prévias e que fossem ao encontro da experiência que o Creative Commons tinha em negociar acordos padronizados entre comunidades, fundindo soluções legais e técnicas, tornar os acordos compreensíveis para não advogados e usar metadados e a teia semântica para produzir uma “abertura utilizável” e contratos legíveis por computador. No seu sítio Web, que também utiliza o termo open science, podem encontrar-se delineados aquilo que os membros do Science Commons consideram ser os princípios deste novo modelo de ciência: —







Literatura científica em open access da pesquisa financiada: esta deve ser disponibilizada digitalmente na Internet, com permissão para ler, fazer download, copiar, distribuir, imprimir, pesquisar, fazer ligações a outros artigos, indexar, integrar em software enquanto dados, sem qualquer barreira senão o próprio acesso à Internet. Acesso às ferramentas da pesquisa financiada: relativo aos materiais necessários para a replicação da pesquisa — linhas celulares, animais, ferramentas de ADN, reagentes e outros, que devem ser descritos em formato digital, disponibilizados sob termos de utilização ou contratos standard, com infraestrutura ou recursos para responder aos pedidos de cientistas qualificados, e com créditos aos cientistas que criaram essas ferramentas. Disponibilização de dados da pesquisa financiada no domínio público: dados de pesquisa, conjuntos e bases de dados e protocolos devem estar no domínio público. Este estatuto garante a possibilidade de livremente distribuir, copiar, reformatar e integrar dados da pesquisa em novos trabalhos, assegurando que, à medida que novas tecnologias são desenvolvidas, os investigadores poderão aplicá-las sem barreiras legais. A tradição científica de citação, atribuição e reconhecimento deve ser cultivada sob a forma de normas. Investimento numa ciber-infraestrutura aberta: dados sem estrutura e anotações são uma oportunidade perdida. Os dados da pesquisa devem fluir para uma infraestrutura aberta, pública e extensível, que suporte a sua recombinação e reconfiguração em modelos computorizados, a sua pesquisa por motores de busca e o seu uso por cientistas e contribuintes. Esta infraestrutura deverá ser tratada como bem público.

A competitividade e o secretismo que pautaram o trabalho científico em tempos parecem já não se enquadrar nas novas visões da ciência de um número crescente de investigadores. A Internet está-se a tornar um suporte para os cientistas disponibilizarem notas laboratoriais e as primeiras descobertas, com vista ao aumento do

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ritmo do progresso científico e integrando uma dimensão de debate mais alargada. Estas novas práticas não se enquadram na cultura académica tradicional, em que tipicamente o cientista trabalha só e sem revelar os resultados até à sua publicação, sem aprofundar todos os detalhes do processo de pesquisa. Atualmente, alguns cientistas trabalham de forma transparente e eminentemente pública, através da publicação na Internet de elementos da pesquisa. Isto permite-lhes disponibilizar os seus resultados e as suas notas laboratoriais para outros, em qualquer ponto do globo. Permite também alargar o debate dentro e fora da academia, integrando contribuições e aumentando a possibilidade de interdisciplinaridade. Um estudo realizado sobre a resolução de problemas (Lakhani et al., 2007) é ilustrativo dos pontos anteriores. A amostra para este estudo é constituída por 166 problemas científicos de laboratórios de 26 firmas, operando em diversas áreas industriais. A maioria dos problemas havia sido alvo de esforço empregue na sua resolução por parte dos laboratórios das respetivas firmas. Foram publicados no sítio Web InnoCentice. com, especializado em “emitir” problemas científicos, juntamente com informação relacionada. A sua resolução era recompensada monetariamente pela firma que o emitira. Os resultados deste estudo revelam as vantagens da lei de Linus aplicada à ciência: cerca de 30% do total de problemas foi solucionado através desta estratégia. O fator que mais promove a resolução de um dado problema é a heterogeneidade de interesses e perspetivas dos cientistas atraídos por ele, algo raramente alcançado em organizações. A maioria das soluções não provinha de trabalho em equipa mas de contributos de indivíduos isolados. Os proponentes de soluções tendem a declarar que estas eram baseadas inteiramente ou parcialmente em trabalhos prévios, sugerindo a eficácia da aplicação ou a recombinação de conhecimento anterior. Outra característica destes indivíduos era a sua elevada especialização. Um dos resultados mais curiosos é a constatação de que uma maior distância do campo de especialidade do resolvente ao problema aumenta as suas probabilidades de resolvê-lo. A abertura de informação sobre problemas científicos complexos a um número elevado de outsiders é, pois, uma estratégia eficiente para a sua resolução, uma vez que os cientistas utilizam o conhecimento adquirido dentro da sua área para resolver problemas. A abertura de informação reduz os efeitos negativos dessa “busca localizada”: os autores denominam esta estratégia “busca por difusão” (broadcast search), cujas premissas fundamentais são, por um lado, a conceção do conhecimento como sendo desigualmente distribuído por toda a sociedade e, por outro lado, que a localização do locus de inovação é tendencialmente a do conhecimento mais “viscoso”, isto é, de mais difícil acesso ou transferência: Consideramos que a significância deste efeito pode ser devida à capacidade de outsiders, de campos relativamente distantes, não estarem familiarizados com os problemas e aplicarem soluções novas ao domínio do problema, embora sejam bem conhecidas por eles. (Lakhani et al., 2007: 12)

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Tal como se tem vindo a referir, outra das dimensões de abertura da ciência contemporânea pode ser encontrada no movimento Open Access, que se considera parte da Ciência Aberta, e que a integra, ao nível do acesso a publicações científicas, um processo de descentralização que potencia a reutilização e a disseminação do conhecimento ao mesmo tempo que minimiza a sua recriação (isto é, repetição de experiências/investigações por desconhecimento/falta de acesso a resultados já existentes) (Cardoso et al., 2009a).

O problema da repetição torna evidente a pertinência das licenças Creative Commons e Science Commons na criação de ligações automáticas entre artigos ou bases de dados, através de uma teia semântica. Os metadados usados nos documentos integram a categorização e as permissões de utilização, pelo que os cientistas poderão utilizar ferramentas automatizadas para condensar fontes múltiplas de informação na investigação, conhecendo no final qual o grau de permissão que possuem sobre os dados disponíveis. A ciência aberta necessita de bases tecnológicas para o seu funcionamento. Para Bowker, as infraestruturas informacionais são plataformas centrais para a economia do conhecimento. Para as desenvolver são necessários standards para que os bits que nelas circulam adquiram sentido. Mas esses standards não se aplicam apenas à informação: “as práticas discursivas e de trabalho das pessoas são forçadamente estandardizadas para que a infraestrutura técnica funcione” (Bowker, 2001), ou seja, máquinas e comportamentos individuais e coletivos deverão ser estandardizados. O movimento em torno da disseminação livre de bens culturais, conhecido por “cultura livre” ou copyleft, que se insurge contra direitos de distribuição fechados, influenciou a forma como muitos veem as restrições no acesso ao conhecimento científico, especialmente sob a forma de publicações. Pese embora o facto de haver algumas semelhanças, a produção e a distribuição de conhecimento científico diferem da produção e da distribuição de bens culturais — sobre grande parte dos últimos projetou-se uma lógica de produção do tipo comercial, por vezes de forma massificada (Eco, 1993). A comunicação científica é principalmente direcionada a uma restrita comunidade de peritos, devido às elevadas competências necessárias à sua compreensão. Pode afirmar-se que o rigor e tecnicidade da linguagem científica se afiguram, por si só, como uma barreira de acesso para todos aqueles que não a dominem. Contudo, as exigências cognitivas da ciência não a tornam um sistema fechado: a atividade científica não é autossuficiente nem completamente autorregulada, carece de suporte e, portanto, de legitimação; está relacionada com outras instâncias, que se inscrevem em diversas estruturas sociais: a organização política e administrativa do Estado, a academia, agentes económicos, meios de comunicação social e a sociedade civil são alguns exemplos. Existem ainda outros fatores que influenciam os modos de fazer ciência, como as culturas científicas — disciplinares ou institucionais — e o desenvolvimento tecnológico. Não obstante a busca de objetividade através do afastamento de elementos subjetivos, culturais ou históricos no

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trabalho científico, seria ilusório considerar que este trabalho se faz num “éter”. É neste enquadramento que a ciência pode ser objetivada como prática social: tomando-a pelo produto de um tipo de atividade humana, não tecendo considerações de tipo ontológico ou epistemológico relativas ao seu objeto e/ou ao conhecimento produzido, mas atendendo aos aspetos processuais e pondo o enfoque nas relações entre os agentes envolvidos. O movimento Open Science, ou Ciência Aberta, tem raízes na matriz cultural e normativa que deu origem também ao Open Access. Aqui, para além dos já analisados, encontram-se elementos partilhados com as mais diversas áreas, como a democracia participativa, democracia económica, transparência institucional, luta contra a exclusão no capitalismo informacional e formação de comunidades nas redes sociais. É um exemplo da vontade dos cidadãos de utilização plena dos recursos postos à disposição na sociedade da informação. O movimento Open Science, tal como o Open Source, substitui as tradicionais lógicas hierárquicas e centralizadas por estratégias modulares, em dinâmicas horizontais de colaboração de pares. Atualmente predomina uma nova forma de organização social em rede (Castells, 2002), assistindo-se à emergência do que Yochai Benkler (2006) denomina “produção por pares” (peer production), uma forma e produção comunitária, descentralizada e autosseletiva. A ciência e a economia do conhecimento estão assim também ligadas num modo de produção com ênfase na dimensão colaborativa de onde resultam bens comuns, com base na partilha de recursos entre indivíduos que cooperam em rede sem responderem ao mercado ou a diretrizes de gestão centralizada. A crescente utilização das TIC na investigação científica produz uma rápida acumulação de stocks de dados observacionais, modelos matemáticos de sistemas do mundo real, simulações e outros dados gerados através da computação, informação descritiva e explicativa científica, e assim por diante. […] A acumulação de informações científicas de maneira a facilitar a sua utilização e distribuição por outros utilizadores é um meio fundamental para realizar as potencialidades para maior coordenação e integração da investigação, e para suportar maior especialização e aumento das capacidades dentro da comunidade científica internacional. (David, 2000: 9)

Os modelos do passado da prática científica já não são considerados isoladamente como os mais adequados às necessidades da comunidade científica atual ou às exigências inerentes ao seu novo papel. Os movimentos Open Access e Open Science nascem neste contexto. As inovações nas TIC criaram espaços para ação que não faziam parte do horizonte científico. Os cientistas pioneiros que estão relacionados com estas novas dimensões da ciência aperceberam-se das potencialidades para o desenvolvimento do seu campo e tentam ajustar-se às novas realidades. Um estudo de 2010, efetuado pela Research Information Network (RIN) e pela National Endowment for Science Technology and the Arts (NESTA), baseado em entrevistas a 18 investigadores no Reino Unido, refere os benefícios e os obstáculos relativos à prática de “abertura” identificados pelos cientistas. Como benefícios surgem: (i) aumento da eficácia da investigação (duplicação evitada, disponibilidade rápida de ferramentas e protocolos); (ii) promoção do rigor académico e melhoria na

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PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

qualidade da investigação (a abertura facilita a revisão e o escrutínio); (iii) aumento da visibilidade e do âmbito da pesquisa, promovendo compromissos (dentro e fora da comunidade científica); (iv) reutilização de dados sob novos pontos de vista (agregação e análise de dados de diferentes fontes); (v) promoção da colaboração e construção de comunidades (colaboração e partilha de conhecimento transversais a fronteiras institucionais, nacionais e disciplinares); e (vi) aumento do impacto económico e social da pesquisa (através da inovação no setor privado e nos serviços públicos, com maior retorno do investimento público na investigação). Barreiras à livre circulação de conhecimento também foram identificadas: (i) falta de benefícios e recompensas (para compensar os esforços necessários à mudança); (ii) falta de competências, tempo e outros recursos (para desenvolver, manter e utilizar infraestruturas necessárias à abertura num contexto de subdesenvolvimento de standards, linhas orientadoras, convenções e serviços de gestão e curadoria); (iii) culturas de independência e competição (em que os dados e outros produtos científicos são vistos como capital intelectual); (iv) preocupações relativas à qualidade (extensão dos mecanismos de controlo de qualidade aos novos materiais produzidos, informação contextual necessária); (v) restrições éticas, legais e outras ao acesso (dados confidenciais, pessoais ou restringidos por licenças) (RIN/NESTA, 2010). O facto de os cientistas começarem a aderir à publicação em regime de open access é um destes ajustamentos. Outro fenómeno é a crescente partilha das ferramentas utilizadas na investigação científica e a disponibilização das bases de dados relativas à pesquisa empírica desenvolvida no curso das investigações. Considera-se, assim, que este novo modelo, aqui denominado ciência aberta, se estrutura em volta de três eixos principais, como de resto já foi mencionado ao longo do texto: — — —

partilha de ferramentas de pesquisa; partilha de dados; partilha de acesso na forma de publicações.

Em síntese, a figura 1.1 apresenta as várias componentes do movimento Open Science. De uma forma esquemática consegue-se explicitar que o Open Access é uma das dimensões fundamentais do movimento mais amplo, designado Ciência Aberta, sendo o mesmo constituído por três dimensões centrais: open source, open data, open access. No que respeita à partilha de ferramentas de pesquisa, primeiro elemento do Open Science, Dan Gezelter, que trabalha com computação e simulação, refere que “garantir o acesso ao código fonte é o equivalente a publicar a metodologia quando um tipo de ciência envolve experiências numéricas”, e que de outra forma não é possível “dar a céticos a possibilidade de repetir […] a experiência”. Defende que é preciso abertura de código pois, caso contrário, “experimentação numérica não é ciência”, devido à impossibilidade de verificação. Este caso é ilustrativo das consequências das barreiras no acesso, na utilização e na reutilização de conhecimento produzido no processo de investigação. As resistências à transparência no processo de produção científica baseiam-se em argumentos sobre incentivos e sustentabilidade. Gezelter lembra que os

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Open Science

Open Access

Open data

Open Source

Figura 1.1

Dimensões constituintes da Ciência Aberta

incentivos à carreira de cientista estão relacionados com a produtividade, muitas vezes medida por (i) artigos em publicações tradicionais com elevado fator de impacto, e (ii) importância do trabalho, medida pela contagem de citações do artigo. Assim, a abertura da ciência não está contemplada na estrutura de incentivos. Gezelter explica: Ambas as medidas ajudam a determinar o financiamento e as promoções, e fazer ciência aberta é neutro ou danoso segundo estas medidas. O tempo dedicado à limpeza do código para disponibilização, a criar uma base de dados de imagens microscópicas ou a escrever um blogue é tempo em que não se está a escrever uma proposta ou um artigo.8

Portanto, segundo o seu raciocínio, a exigência de publicação relativa aos projetos acabados deveria ser acompanhada pela exigência da disponibilização na Internet da informação e das ferramentas informáticas utilizadas. Assim, a comunidade científica seria levada a adotar esse regime de publicação para o seu trabalho. Tal como no caso apresentado do software Open Source, quando se procura transparência na 8

http://www.openscience.org/blog/?p=269

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pesquisa experimental e, não menos importante, a possibilidade de confirmar ou infirmar a validade dos resultados de uma investigação, é frequente recorrer-se aos dados e às notas laboratoriais. Os e-notebooks laboratoriais, entre outras vantagens, afiguram-se como uma solução parcial para este problema. Na sua forma ideal contêm dados provenientes diretamente dos instrumentos de laboratório, estão acessíveis a todos os membros da equipa e apresentam um registo temporal das anotações. Também possibilitam a manutenção de registos de qualidade, que podem ser alvo de citações ou mesmo partilhados para serem utilizados por outros investigadores nas suas próprias pesquisas, atribuindo crédito aos seus produtores originais automaticamente, através de um sistema de citação homogeneizado.9 Para além de ferramentas de pesquisa, como as abordadas anteriormente, a Internet tornou possível a publicação online de dados produzidos pelos investigadores, uma segunda dimensão da abertura da ciência. Alguns partidários desse movimento consideram que existe uma quantidade significativa de conhecimento, sob a forma de dados e metadados, desperdiçada no modelo tradicional de produção científica. Neste modelo, a transmissão de conhecimento assenta na publicação de resultados selecionados, descartando outras bases da pesquisa que poderiam ser disponibilizadas e reutilizadas. A publicação de literatura científica é a última etapa de um processo com origem em dados que são analisados, sintetizados e interpretados. Segundo Bowker (2001), os dados eram tradicionalmente considerados o suporte para os artigos científicos, que eram o fim a que se destinavam e que encerravam o produto final do conhecimento científico em revistas especializadas. Atualmente, os dados são vistos como um fim em si mesmo: a catalogação dos fenómenos e elementos constitutivos da natureza, desde o nível molecular à biodiversidade, é exemplo da lógica de autonomia dos dados face aos argumentos científicos; as bases de dados, produto de agências governamentais, expedições científicas ou coleção amadora, estão a ser integradas em grandes aglomerados de dados, que servirão de base a pesquisas futuras. Os metadados assumem assim uma maior importância, especialmente para as ciências ambientais, em que a unidade temporal pode variar do dia para o milénio, sendo a longevidade dos dados fulcral. A maioria dos dados é arquivada em ficheiros privados e não em repositórios institucionais, sendo eventualmente perdidos, o que constitui um desperdício. Embora o volume de dados tenda a ser grande demais para ser integrado em tabelas publicadas juntamente com os artigos, raramente é grande o suficiente para não poder ser transferido pela Internet, ainda que exista atualmente falta de arquivos apropriados para dados científicos. Paralelamente, também não existem motivações para os investigadores empreenderem esforços no sentido de tornar os seus dados aptos para publicação e posterior importação, problema que seria solucionado se a publicação de dados tivesse o estatuto de uma publicação citável. Para que tal sistema de incentivo seja criado, é necessário responder a dois critérios: 9

Nature, 447, Editorial, 3 de maio de 2007, disponível em:

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OS MOVIMENTOS OPEN ACCESS E OPEN SCIENCE

Biblioteca/ Livraria

Ficheiros privados

Publicação

Manuscrito

Figura 1.2

Dados

Metadados

Biblioteca/ Livraria

Portal Web

Publicação

(Mundial) Centro da Dados

Manuscrito

Dados

Metadados

Desaproveitamento de dados e metadados

Fonte: Klump et al. (2006). As linhas a tracejado simbolizam a publicação limitada dos dados em revistas científicas convencionais

persistência: exige identificadores de localização persistentes, tal como DOI ou URN, e de repositórios que garantam funcionamento a longo prazo; — qualidade: para os dados esta dimensão traduz-se em credibilidade, usabilidade e interpretabilidade. Para a publicação de dados proposta por Klump et al. (2006) é necessário que os direitos de propriedade intelectual sejam salvaguardados por um modelo de licença que implique atribuição autoral mas que permita o acesso livre aos dados (figura 1.2). A possibilidade de criação de trabalhos derivados é algo inerente à natureza do tipo de informação em questão, que deve poder ser interpretada ou reanalisada. —

[…] esta falta de acesso a dados científicos é um obstáculo à pesquisa interdisciplinar e internacional. Causa duplicação desnecessária de esforços de pesquisa, para além de que torna a verificação de resultados difícil, ou mesmo impossível. (Klump et al., 2006: 79)

O problema da reutilização dos dados tem dimensões políticas e técnicas. Para criar e manter bases de dados de larga escala, úteis a vários campos disciplinares, são precisas políticas de incentivo e configurações técnicas que escapam aos especialistas de uma dada área. Os conflitos de interesses disciplinares também dificultam estas iniciativas: o informático pode estar interessado na aplicação das últimas tecnologias de visualização, enquando o cientista precisa de atualizar bases de dados em formatos obsoletos. Neste contexto, campos como a bioinformática e iniciativas de manutenção das infraestruturas de informação adquirem cada vez mais importância. Existem variações ao longo do tempo nas configurações de hardware e software e nas práticas das pessoas. No entanto, para uma infraestrutura eficiente estas diferentes configurações devem ser intercambiáveis. Os standards são a ferramenta para estabilizar as eventuais variações, e existe uma gama contínua de estratégias

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PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

para a sua implementação: podem ser aplicados de forma centrada num só standard, imposto coercivamente ou resultado da emergência de monopólios; pode também existir uma proliferação de standards, integrados, por exemplo, através de API (application program interfaces) que permitem a partilha de dados entre diferentes aplicações. A Internet é ilustrativa de uma plataforma em que o modelo de múltiplos standards prevaleceu, pelo que deve ser considerada enquanto múltiplas redes interligadas, e não apenas uma grande rede. A open science compreende então esforços para disponibilizar bases de dados de acesso aberto para a utilização e o cruzamento dos dados científicos. Ao pensar na integração de bases de dados abertas, é inevitável abordar a questão dos standards e dos metadados. Apenas com esta preocupação com a disponibilização de dados será possível criar uma rede de fontes que permitam a interoperabilidade de dados e que não constitua um “caos informacional”, no qual seja impossível aos investigadores guiarem-se nas buscas pela informação pretendida. Transformações no modo de fazer ciência: o papel das TIC e da Internet Como explicitado ao longo das últimas páginas, a utilização da Internet e das tecnologias da informação e da comunicação (TIC) no trabalho científico está a transformar os modos de fazer ciência. O novo contexto de comunicação e transmissão de dados entre investigadores deu origem a novas ideias sobre as possibilidades da ciência e também sobre a sua missão. A problemática aqui discutida, de “abertura” das ciências, nasce como resultado deste novo contexto comunicacional. Ao longo das últimas décadas, o desenvolvimento das TIC tem influenciado, à escala global, uma parte considerável da atividade humana. No domínio da ciência são inúmeras as transformações possibilitadas pela aplicação dos novos desenvolvimentos tecnológicos. As mais recentes TIC surgem muitas vezes como promotoras diretas de descobertas no campo científico: exemplo disso é a forma como a tecnologia computacional tem impulsionado disciplinas como a Biologia ou a Química. No entanto, seria errado limitarmos o impacto das TIC na ciência apenas às áreas em que ele é mais visível: a forte presença de ferramentas informáticas nas diferentes etapas da pesquisa científica produz um impacto menos óbvio mas de grande utilidade para o trabalho científico, e a sua aplicação por parte dos cientistas no seu dia a dia tem aumentado muito nos últimos anos (Nentwich, 2005). Tal como a ciência faz parte da cultura das sociedades mais industrializadas, existem culturas científicas no interior da ciência que informam prioridades e modos de organização do trabalho. A quantidade crescente de conhecimento científico disponível na Internet estruturou um novo contexto para a ciência. Mas não é apenas a maior disseminação desse conhecimento que se apresenta como novidade: as novas ferramentas disponibilizadas aos cientistas, principalmente através de plataformas de comunicação na Internet, conduzem a alterações no modelo de produção científica, permitindo, entre outras coisas, maiores níveis de

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colaboração, internacionalização, transparência e impacto do trabalho científico. A configuração de um novo modelo que explore as possibilidades trazidas pelas TIC, reconhecidas como potenciadoras de inovação no campo científico, é alvo de interesse por parte de académicos, instituições e entidades governamentais (OCDE, 2004). Hoje, as sociedades humanas encontram na ciência grande parte das forças criativas e de inovação aplicadas nas mais diversas esferas sociais. Como refere Ziman (1999: 437), “falar sobre a ciência na sociedade moderna é falar sobre a sociedade moderna em quase todos os seus aspetos”. Muitos dos elementos que caracterizam o contexto da inovação nas sociedades a nível global estão, de forma mais ou menos direta, ligados a descobertas científicas. Giddens (1991) sugere que vivemos num contexto social, baseado na reflexividade de base científica e comunicacional, onde os sistemas periciais assumem uma importância fundamental. Existe um consenso global, generalizado nas mais diversas instâncias de decisão, relativo à importância do conhecimento científico para o desenvolvimento económico e social (Watson et al., 2003). Contudo, existe também a consciência de que a pesquisa científica cria novos riscos (Beck, 1992 [1986]), o que exige à ciência que opere com maior transparência e em diálogo com outras instituições sociais (Pidgeon, 2008). A ciência é operada através de um conjunto de práticas de pesquisa e investigação sistemáticas, que têm por objetivo a criação de conhecimento sobre a realidade. Tendo raízes na Antiguidade Clássica, tem sofrido várias alterações ao longo do tempo até se constituir na sua forma moderna. Na busca por conhecimento sobre a realidade, a conquista da objetividade científica constitui um empreendimento comunitário, baseado num universo de colaborações estimulado por melhorias nos meios de transporte e comunicação, criando “redes de observadores cada vez mais vastas e densamente relacionadas” (Daston, 1999: 91). A descoberta científica é divulgada para a comunidade de investigação através de um processo de comunicação, avaliação por outros cientistas, publicação em vários meios, comprovação através da repetição e comparação com outros resultados e, finalmente, citação e integração no corpo de conhecimento de um campo de investigação. (Barjak, 2006: 1351)

O desenvolvimento das TIC e, mais recentemente, as inovações trazidas pela revolução digital ampliaram as possibilidades de colaboração e de aplicação de novas tecnologias no interior da ciência. Alguns caracterizam estas transformações recentes como uma “mudança radical” nas práticas científicas; outros vão mais longe, assumindo que “a própria essência da ciência está a mudar” (Jankowski, 2007). Estas mudanças resultam principalmente da utilização de redes eletrónicas, que facilitam o contacto entre investigadores, e de unidades de computação com elevada capacidade de processamento e armazenamento, que permitem trabalhar grande volume de dados. Atualmente, os componentes informáticos e das TIC estão integrados na maioria dos processos de produção e distribuição do conhecimento científico. O trabalho mais comum dos cientistas tende a utilizar recursos das novas tecnologias:

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PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

elaboração de textos, comunicação entre cientistas, cálculos, visualização e apresentação de resultados são exemplos de tarefas em que a aplicação das TIC é generalizada. Como sugere Nentwich, o computador em rede, o correio eletrónico, as bases de dados online, a World Wide Web, as publicações eletrónicas, as listas de discussão, as conferências eletrónicas e as bibliotecas digitais não são senão algumas das tendências que influenciam cada vez mais o trabalho quotidiano da comunidade científica (Nentwich, 2005: 542).

Este novo contexto dá origem a processos de reestruturação extremamente complexos. As TIC e a sua aplicação no campo científico estão em desenvolvimento constante, revelando-se por vezes aptas a colmatar certas limitações técnicas que impediam um dado progresso científico. Muitos outros fatores concorrem na estruturação da prática científica e na relação desta com as TIC. No entanto, o seu uso está disseminado pelas instâncias de investigação e desenvolvimento (I&D), o que se traduziu em mudanças substanciais das práticas científicas nas últimas décadas. Aemergência de novas disciplinas como a bioinformática, especializadas na aplicação de computadores e outras tecnologias à Biologia, traduz a forma como os investigadores geram novos ramos de pesquisa possibilitados apenas pela aplicação de recursos tecnológicos recentes. O campo científico é bastante permeável às novas tecnologias, delas se servindo para avançar no seu processo de compreensão e explicação da realidade. O Journal of Visualized Experiments (JoVE) é um exemplo da utilização tecnológica por parte dos investigadores. Trata-se de uma revista científica online, com revisão por pares, dedicada à publicação de experiências biológicas em formato de vídeo, aproveitando a tecnologia de difusão de vídeo pela Internet para dar acesso a visualizações de procedimentos experimentais nas ciências da vida. Tem por objetivo ajudar os cientistas a enfrentar dois desafios: (i) a baixa transparência e difícil reprodutibilidade das experiências biológicas e (ii) as exigências, em termos de tempo e de trabalho, de aprendizagem de novas técnicas experimentais. São múltiplas as formas de associação entre o trabalho científico e as novas TIC. O primeiro impacto desta associação é em grande parte dependente das atividades dos pioneiros na sua aplicação. No entanto, à medida que uma tecnologia se difunde, o contexto institucional de aplicação tecnológica torna-se mais importante (Nentwich, 2005; Armbruster, 2008). Assim, as diferenças internas à ciência, entre as suas disciplinas e campos de pesquisa, implicam uma matização das transformações trazidas pela implementação das TIC. Este aspeto constitui o principal motivo pelo qual se decidiu focar a análise comparativa nacional nas diferenças entre as áreas de investigação face a transformações relacionadas com as TIC. No capítulo 3 procura-se listar, interpretar e catalogar alguns desses diferentes processos de transformação no campo da ciência, com recurso aos dados recolhidos pelo inquérito por questionário. As transformações nas práticas científicas, promovidas e fomentadas pela Internet, suscitaram a criação de novos termos para ilustrar as formas emergentes de fazer ciência. No entanto, segundo Jankowski (2007), alguns termos prevalecem sobre outros. Os exemplos são: ciber-ciência, ciber-infraestrutura, e-ciência, e-research.

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Ciber-ciência é o termo proposto por Nentwich para traduzir “toda a atividade de pesquisa académica e científica no espaço virtual gerado pela rede informática e pelas tecnologias avançadas de informação e comunicação em geral” (Nentwich, 2005: 543). É um conceito abrangente, relativo às alterações trazidas pelas novas tecnologias ao modo de fazer ciência. A genealogia do termo remete para um artigo de 1996 escrito por Wouters e, embora tenha surgido em artigos e conferências posteriores, só ganhou força no terreno institucional de Nentwhich, o Institute of Technology Assessment, parte da Academia das Ciências austríaca, sem nunca ter extravasado esse domínio institucional. Por sua vez, a ideia de ciber-infraestrutura tem a sua raiz em iniciativas norte-americanas e numa linha de financiamento da National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, expressas no que ficou conhecido por Relatório Atkins, de 2003. Este relatório advoga uma revolução na ciência, espelhada numa “linguagem promocional e visionária presente no documento” e num “orçamento anual proposto na continuidade deste estilo promocional e de relações públicas: mil milhões de dólares” (Jankowski, 2007). Segundo o relatório, a ciber-infraestrutura distribuída de computadores e outras TIC está para a economia do conhecimento como as infraestruturas modernas (transportes, água, eletricidade, etc.) estão para a economia industrial (Atkins et al., 2003: 5). As primeiras iniciativas de ciber-infraestrutura estavam ligadas às ciências naturais e biológicas, nas quais o elevado volume de dados requer grandes velocidades de processamento. E-ciência é um termo com origem no Reino Unido, cunhado em 1999 no lançamento de um programa de financiamento, pelo então diretor-geral do Office of Science and Technology. Tal como a ciber-infraestrutura, a e-ciência foca-se nas ciências naturais e biológicas, estando associada à arquitetura de redes de computadores Grid (grid computing) para processamento de grandes volumes de dados. Na página Web do National e-Science Centre (http: //www. nesc. ac. uk/), estabelecido em 2001 para se tornar “veículo primário para coordenação e alocação de fundos de projetos de e-Ciência no Reino Unido”, pode ler-se uma definição avançada do termo: No futuro, e-ciência referir-se-á à ciência de larga escala que irá basear-se cada vez mais em colaborações globais distribuídas, possibilitadas pela Internet. Caracteristicamente, uma das particularidades destes empreendimentos é requererem acesso a grandes coleções de dados, a recursos de computação de larga escala e a visualização de alta performance depois trazida de volta aos cientistas utilizadores individuais.

Estes desenvolvimentos no Reino Unido distinguem-se dos seus equivalentes nos Estados Unidos pela existência de apoio governamental também à esfera das ciências sociais através de um gabinete de “estímulo e coordenação da e-ciência nas ciências sociais”, o National Centre for e-Social Science (Jankowski, 2007). Por sua vez, e-research é um termo mais utilizado no trabalho dos cientistas sociais e dos académicos das humanidades que integram as potencialidades da Internet, hipertexto, visualização virtual e comunidades cibernéticas. Por exemplo, o Virtual Knowledge Studio for the Humanities and Social Sciences (VKS), na

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PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Holanda, analisa e promove a aplicação das novas tecnologias, de forma interdisciplinar, nos trabalhos das humanidades e das ciências sociais, com a colaboração de peritos informáticos.10 Esses termos, que partilham muitos elementos similares, traduzem também abordagens conceptuais comuns às novas realidades do trabalho científico: suportes informáticos de trabalho e comunicação, redes internacionais de investigação, emergência de novas fontes de dados, supercomputadores, clusters e computação Grid. Suportes informáticos de trabalho e comunicação: o computador, as redes e outras TIC são atualmente a base de grande parte do trabalho científico. As notações em cadernos ou blocos de notas, a calculadora e a máquina de escrever foram sendo substituídos por processadores de texto, folhas de cálculo e outras ferramentas informáticas. O correio eletrónico, por exemplo, disseminado por um grande número dos utilizadores da Internet, é amplamente utilizado na comunicação entre investigadores, permitindo contactos e trocas de informação imediatos entre virtualmente quaisquer pontos do globo. Redes internacionais de investigação: estas redes de investigadores têm vindo a ganhar relevo no seio do trabalho científico. Para além de fatores de ordem política e económica, o aumento desta colaboração deve-se às inovações no campo da comunicação e à necessidade de elevados recursos computacionais, que muitas vezes exigem cooperação internacional, para trabalhos em campos como, por exemplo, o estudo das partículas elementares, em que grandes volumes de informação são gerados através dos seus métodos de observação. Emergência de novas fontes de dados: atualmente, a forma tradicional de “produto científico”, o “documento”, perdeu parte da centralidade que detinha no meio académico. Os arquivos eletrónicos e a Internet propiciam aos investigadores o acesso a bancos de dados cada vez mais diversos. A disponibilização de informação útil à pesquisa na Internet é cada vez maior, seja na forma de bases de dados, inventariações ou catálogos enciclopédicos.11 Muitas vezes esses dados são produzidos por cientistas ou outros profissionais qualificados, e disponibilizados para utilização por parte de outras pessoas, o que significa que o investigador tem agora maior acesso a mais informação em formato digital, passível de ser analisada por ferramentas informáticas. Supercomputadores: estes computadores representam a vanguarda na capacidade de processamento, particularmente na velocidade de cálculo, e são usados por universidades e centros de pesquisa para processamento de grandes quantidades de informação. São reunidos grandes volumes de dados em suporte digital, resultados de técnicas de observação de fenómenos complexos, que, para serem processados de forma eficiente e em tempo útil, exigem velocidades de processamento e rigor matemático só alcançados por estas unidades. Clusters e computação Grid: estas tecnologias centram-se na “utilização de computadores distribuídos enquanto uma unidade unificada de recursos de 10 11

http: //www. virtualknowledgestudio. nl/. Um exemplo é o sítio Web Proteopedia (http: //www. proteopedia. org/), uma coleção de informação funcional e estrutural sobre proteínas, ADN e outras macromoléculas.

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OS MOVIMENTOS OPEN ACCESS E OPEN SCIENCE

Regulação instituicionais/disciplinares códigos, práticas /universidade, centros, investigadores)

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Colaboração

Restrições culturais, sociais e étcias (Cidadãos e media)

Figura 1.3

Dinâmicas de e-research

Fonte: Dutton e Jeffreys (2010)

computação”, podendo reunir “supercomputadores, sistemas de armazenamento, fontes de dados e dispositivos especializados” (Baker et al., 2002). Um cluster é um conjunto de computadores interligados, com uma melhor relação custo-benefício relativamente a um só computador com velocidades de processamento comparáveis. A Grid é uma arquitetura que possibilita a colaboração entre recursos informáticos de diferentes domínios administrativos. Assemelha-se aos clusters, pois baseia-se em processamento paralelo em rede, utilizando diversas máquinas em simultâneo para um mesmo trabalho, mas expande-se para unir centros de computação em colaborações interinstitucionais. Os clusters e a Grid diferem, pois esta última tem ligações menos rápidas, é mais heterogénea e encontra-se geograficamente dispersa.

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PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Transformações e abertura: a ciência aberta como um novo paradigma de investigação Não se traduzindo em novos campos de saber, mas antes em novas formas de pensar e executar o processo de produção do conhecimento científico, os termos anteriormente elencados e as suas abordagens conceptuais comuns podem, no entanto, traduzir-se num novo paradigma de pesquisa científica, o qual se tem vindo a designar, ao longo do trabalho, por ciência aberta. Não se trata, então, de um debate sobre paradigmas científicos, no sentido de Kuhn (1962), que lidam com as teorias e os métodos que informam as leituras científicas da realidade durante o período em que são aceites pela comunidade científica, mas antes de questões relativas à forma como os cientistas partilham e integram nas suas pesquisas os vários tipos de conhecimento produzidos pela comunidade. Uhlir e Schröder (2007) designam estas novas abordagens como “paradigmas de investigação”, enquanto Bechhofer et al. (2010) utilizam a expressão “metaciência”. A análise do fenómeno das práticas de abertura, às quais a ciência aberta é devedora, pode ser feita sob diversas perspetivas. Para a sua compreensão, devem ser definidas conceptualmente como ideais. Há que considerar que, enquanto objeto de análise, se trata de um tipo ideal, isto é, de um constructo analítico que reúne elementos dos fenómenos em causa mas que não encontra correspondência com casos concretos na realidade. Embora existam várias definições e nomenclaturas para os diferentes processos de abertura da ciência, no presente texto defende-se que, na sua generalidade, esses processos têm em vista principalmente a disseminação e difusão, sem restrições de acesso e o mais imediatamente possível, da informação científica nas redes digitais. A ciência aberta surge também e principalmente como uma reação de académicos contra restrições de acesso ou de utilização de conhecimento com origens externas ao campo científico, algo que se tornou mais comum no contexto da economia do conhecimento, ou relacionadas com o funcionamento do edifício institucional da ciência. A remoção de barreiras e a disponibilização de conhecimento permitiria a integração mais eficiente das TIC num processo cumulativo de produção científica. Num contexto económico e social semelhante ao atual, em que indústria e forças armadas adotaram a prática de promover ativamente a produção de conhecimento científico com vista à obtenção de vantagens competitivas, a ciência acarretará sempre algum grau de fechamento. No entanto, pode-se imaginar a possibilidade de que uma parte considerável do trabalho científico se altere segundo os princípios da ciência aberta, e que estes se tornem parte integrante do funcionamento institucional científico, bem como das representações sociais sobre a ciência. Nesse caso, a designação ciência aberta poderá ser temporária, substituída no futuro pela de ciência tout court, e os processos de abertura a ela subjacentes passarão a estar inscritos nos códigos instituídos da prática científica. A partir de uma tentativa de definição conceptual de ciência aberta, como se foi realizando ao longo deste texto, é possível relacionar esse ideal científico com normas instituídas na ciência moderna. Robert K. Merton, pioneiro na sociologia

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da ciência, identificava quatro imperativos institucionais inerentes ao ethos científico (Merton, 1938; 1996), nomeadamente: —



— —

comunismo: é um sentido lato e não técnico de propriedade comum do conhecimento; os produtos da ciência são vistos como resultado da cooperação social e são atribuídos à comunidade, constituindo uma herança coletiva e não algo apropriado individualmente; universalismo: as contribuições para a ciência não devem depender de culturas específicas e o conhecimento deve ser sujeito a critérios impessoais preestabelecidos, não contradizendo a observação e conhecimento previamente confirmado; desinteresse: o cientista deve ser isento, assumindo uma atitude impessoal relativamente às suas próprias ideias; ceticismo organizado: trata-se de uma norma metodológica e institucional, relacionada com os outros elementos do ethos científico, que exige que o conhecimento seja submetido a escrutínio sob critérios lógicos e empíricos.

Estas normas são muitas vezes referidas como CUDOS (communism, universalism, desinterestedness and organized skepticism) e são apresentadas como características funcionais da ciência moderna. O ethos identificado por Merton não enquadra todo o comportamento dos homens de ciência: tal como em todas as instituições, a coexistência de normas potencialmente contraditórias gera ambivalência nas relações entre cientistas (Merton, 1963). O conceito de “ambivalência sociológica” de Merton está na base de um estudo conduzido por Mitroff, que enuncia contranormas identificadas pelos cientistas nas entrevistas que realizou. Assim, os imperativos institucionais de Merton coexistiam com contranormas tais como o “particularismo”, o “interesse” e o “dogmatismo organizado” (Mitroff, 1974). Durante o período conhecido como Guerra Fria, em particular na sua fase final, a ciência tornou-se crescentemente privatizada, introduzindo novos padrões no seu modo de funcionamento inicial. Essa transformação foi acelerada após a lei Bayh-Dole nos EUA, de 1980, copiada pela maioria dos países europeus, que permite às universidades serem proprietárias de patentes sobre invenções dos seus funcionários (Rodriguez, 2007). Também em meados dos anos 80, avanços na biologia molecular sugeriram uma ligação direta entre a investigação fundamental e o mercado farmacêutico, motivando um aumento exponencial do patenteamento das descobertas para posterior exploração comercial (Eisenberg, 2006). Por sua vez, o projeto de mapeamento do genoma humano, que se realizou entre 1990 e 2003, é um fator central para compreender as transformações ocorridas na ciência. Na Biologia os investigadores não estavam adaptados à big science, ao contrário do que se passava na Física, onde a colaboração internacional estava fortemente instituída e a divisão do trabalho se estendia por pequenos subprojetos. Trata-se de um projeto central para transformações significativas nos modos de produção, distribuição e utilização do conhecimento científico, e especialmente no papel da Biologia na investigação científica. (Bucchi, 2004: 128)

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PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Segundo Luísa Oliveira (2000) e Gibbons et al. (1994), a ciência passou por processos de especialização no domínio cognitivo, de profissionalização no domínio social e de institucionalização no domínio político. Esses processos tiveram por consequências a estruturação do conhecimento científico em disciplinas, uma certa conceção de ciência e de cientista, um conjunto de normas sociais que regulam este sistema e a identificação de lugares/instituições que participam na construção e funcionamento do edifício científico […] As bases de sustentação deste modelo teriam vindo a ser destruídas ao longo do tempo, fundamentalmente devido à massificação do ensino e à apropriação da função de investigação pelas universidades, na medida em que um número crescente de indivíduos tornou possível uma disseminação do conhecimento académico pela sociedade, constituindo o suporte de um novo modo de produção do saber. (Oliveira, 2000: 100)

Simultaneamente, a relação entre a ciência e as suas aplicações sociais tem vindo a intensificar-se e a diversificar-se nas suas formas. O estreitar dessas relações influenciou a ciência, ao ponto de alguns autores identificarem mudanças qualitativas no modo como o conhecimento científico é produzido. Gibbons et al. sustentam a tese de que se está perante um novo modo de produção de conhecimento científico, denominado modo 2 e caracterizado por ser transdisciplinar, com uma forma organizacional não hierárquica que se reporta a contextos sociais e integra a reflexividade (Gibbons et al., 1994). No modo 2 a produção de conhecimento faz-se em relação com o contexto social da sua aplicação, sendo influenciada por este, opondo-se assim ao modo 1, que alude ao conhecimento produzido no interior de contextos disciplinares autónomos. Do novo modo surgem instituições híbridas, como empresas spin-off derivadas da investigação, que intensificam a conexão entre universidade e indústria. John Ziman considera que o ethos descrito por Merton é inerente ao funcionamento do que designa “ciência académica”. No entanto, a nova ciência aplicada, designada pelo autor “ciência pós-académica”, rege-se por normas antitéticas às propostas por Merton: por oposição à mnemónica mertoniana CUDOS, Ziman contrapõe a PLACE — patenteada (proprietary), local, autoritária, encomendada (commissioned) e especialista (Ziman, 1995; 1996). Outra abordagem conceptual às transformações ocorridas nas relações entre Estado, indústria e academia consiste no modelo de análise usado por Etzkowitz e Leydesdorff (2000), denominado hélice tripla. Esse modelo diferencia três configurações históricas destas relações. Na primeira situação, hélice tripla I, o Estado envolve a academia e a indústria, dirigindo as relações entre estas. Na segunda situação, hélice tripla II, as esferas institucionais apresentam fortes fronteiras e as relações entre estas são circunscritas. No modelo denominado hélice tripla III, as esferas institucionais sobrepõem-se na infraestrutura de produção de conhecimento. Nesse último modelo, o objetivo comum é criar um ambiente de inovação consistindo em empresas spin-off das universidades, iniciativas trilaterais para o desenvolvimento económico baseado

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no conhecimento, e alianças estratégicas entre empresas (grandes e pequenas, que operam em áreas diversas e em diferentes níveis tecnológicos), laboratórios públicos e grupos de investigação académica (Etzkowitz e Leydesdorff, 2000: 112).

É no contexto de transformação atrás descrito que se pode pensar a ciência aberta como um movimento social. Para Castells (2004), esses movimentos devem ser compreendidos nos seus próprios termos. O primeiro elemento para a definição do movimento é a sua identidade, sob que forma se autoapresenta, ou aquilo que diz ser. Nesse aspeto, os defensores da ciência aberta partilham uma identidade enquanto comunidade científica que procura o progresso da ciência através da libertação do conhecimento das suas amarras, sejam elas legais, económicas, tecnológicas ou outras. O segundo elemento de definição são os seus adversários, aquilo que o movimento tenciona combater. O movimento opõe-se às barreiras da livre circulação da informação e conhecimento produzidos nos diferentes processos de investigação. Em terceiro lugar, a visão que o movimento tem sobre si mesmo, o seu objetivo ou projeto, deve também integrar a definição do movimento. Aqui, a ciência aberta pretende transformar alguns dos elementos da forma de se fazer ciência, tal como a sua relação com um conjunto complexo de instituições e de agentes sociais, desde as editoras que comercializam as revistas científicas até à legislação sobre a propriedade intelectual, passando pelo sistema de reputação e recompensas na ciência. Essa mobilização dá-se no contexto de adaptação às novas realidades da sociedade em rede, onde surgem espaços sociais emergentes e desregulamentados, e pode ser vista como uma luta pela definição das normas a instituir nesses novos espaços (Burns e Flam, 1987). O movimento ciência aberta institui-se no contexto de um domínio institucional que possui uma relativa autonomia no seu processo de produção de um tipo específico de conhecimento. Essa autonomia advém também do facto de se tratar de instituições com linguagens e organização social próprias, nas quais os cientistas são socializados. Pierre Bourdieu concebe a ciência como um campo “como outros campos, um lugar de lógicas práticas, mas com a diferença de que o habitus científico é uma teoria realizada, incorporada” (Bourdieu, 2001: 81). A associação entre teoria e prática significa que o campo reconhece e integra diversas lógicas de funcionamento guiadas teoricamente. A dinâmica de produção teórica tem-se intensificado com o desenvolvimento do próprio conhecimento científico, e a tarefa de institucionalização na ciência é operada em grande medida através da própria organização dos cientistas em torno de disciplinas e problemas específicos, uma vez que a autoridade para definirem o seu trabalho lhes é reconhecida. No entanto, os domínios institucionais e culturais intercetam-se em vários pontos, existindo por vezes tensões entre projetos científicos e outras esferas da sociedade. O conceito de imaginário pode assumir o sentido de “visões, carregadas de elementos normativos, não apenas do que deve ser feito ‘no mundo’ mas também como essa mudança deve ser processada” (Smith, 2009: 462). Os ideais da ciência aberta estão também relacionados com imaginários sociotécnicos que circulam nas sociedades contemporâneas, ideais partilhados de um futuro de ordem social e tecnológica. As dinâmicas sociais e os projetos dos cientistas aqui analisados estão

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PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

relacionados com mudanças que ocorrem na sociedade em geral. Essas mudanças estão também na origem de processos análogos que decorrem noutras esferas sociais, como o conceito de “bens comuns” num contexto digital (Benkler, 2003), o Open Source como organização social de produção e inovação tecnológica, baseado num novo conceito de direito de propriedade (Castells, 2005), ou noutros movimentos sociais, tais como o movimento Cultura Livre cuja expressão pode ser encontrada no Creative Commons, que aborda o uso, a circulação e distribuição de bens culturais (Lessig, 2004). Acredita-se que as especificidades do campo científico tornam os referidos objetos de análise particularmente relevantes para o estudo da mudança social transversal a outros domínios da sociedade e da organização dos agentes nela envolvidos. Para além do enquadramento da ciência aberta enquanto movimento social, o recurso ao conceito de “comunidades epistémicas”, avançado por Peter Haas (1992), é fulcral para compreender esta mobilização social específica. Esse conceito traduz as redes de especialistas, cujo papel tem vindo a assumir uma importância cada vez maior nas sociedades contemporâneas, que articulam relações de causa e efeito em problemas complexos, ajudam os Estados a definir os seus interesses, enquadram os temas para o debate coletivo, propõem políticas específicas e identificam pontos salientes para negociação (id., ibid.: 2).

Estas comunidades reivindicam autoridade derivada do conhecimento relevante para a elaboração de políticas dentro do seu domínio de especialidade. Os elementos que as definem são: — —

— —

conjunto partilhado de normas e princípios, que estão na base da ação social dos membros da comunidade; crenças causais partilhadas, derivadas da sua análise das práticas inerentes a um conjunto de problemas no seu domínio de especialidade, e que estruturam a sua visão das relações múltiplas entre ações políticas possíveis e os seus resultados; noções partilhadas de validade, critérios intersubjetivos e definidos internamente utilizados para validar o conhecimento no seu domínio de especialidade; um projeto político comum, conjunto de práticas associadas a problemas para os quais a sua área de especialidade é dirigida, presumivelmente pela convicção de que o bem-estar do homem será melhorado como consequência.

Aqueles que advogam a ciência aberta movem-se e comunicam em várias esferas. Utilizam canais de comunicação informal, como blogues, redes sociais e listas de correio eletrónico, para se manterem em contacto, definirem estratégias e um enquadramento comum dos temas relevantes. Por outro lado, utilizam também os canais de comunicação formais da ciência, a publicação em revistas, e outros canais instituídos, como as comunicações em conferências, onde apresentam os seus projetos e/ou resultados. É possível, portanto, encontrar um artigo que defenda as normas da ciência aberta em revistas científicas. Para além desses canais de comunicação, existem

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canais políticos e mediáticos que os aderentes do movimento utilizam de modo a participarem na definição de agendas, colocando as questões nos seus próprios termos. Embora, até agora, se tenha abordado a sua componente de ação coletiva, os processos de abertura na ciência estão ainda relacionados com as escolhas individuais dos cientistas e com o contexto no qual essas escolhas são feitas. Como sugere Foray (1997), um sistema de inovação aberto acarreta o problema do “dilema do prisioneiro”, estudado pela teoria dos jogos. Num sistema onde o fechamento é a prática dominante, a adoção da abertura por parte de alguns agentes vai reforçar, a curto prazo, a prática de fechamento por parte dos restantes. Isto acontece porque a abertura exige esforços adicionais, trazendo menor benefício do que o fechamento. Uma situação de transição da convenção de fechamento para a de abertura pode ser pensada recorrendo ao problema do “dilema de múltiplos prisioneiros uniforme” (UMPD — uniform multi-prisoner’s dilemma), descrito por Schelling. Este problema pode ser definido por uma situação em que: 1. 2.

3.

4.

Existem n pessoas, cada uma tem as mesmas escolhas binárias — A (para abertura) ou F (para fechamento) — e as mesmas recompensas. Cada uma tem uma escolha preferencial independentemente daquilo que os outros façam, e a mesma escolha é preferida por toda a gente. No nosso caso, a escolha preferencial é F. Existe, então, uma tendência natural para a norma de não cooperação. Qualquer que seja a escolha que um jogador faça, quanto maior for o número daqueles que escolhem a sua alternativa não preferencial (A), melhor esse jogador estará. Assim, todos os jogadores têm interesse no compromisso de uma maioria dos restantes para com as normas de disseminação (escolha A), mas para todos é mais proveitoso ficar de fora (F), uma vez que os frutos da opção A têm a natureza de bem público. Como resultado, existe uma forte probabilidade de que o sistema fique preso numa situação de não cooperação. Existe, contudo, uma solução específica para o problema de coordenação no caso do UMPD (ao contrário de um “dilema do prisioneiro” de dois agentes): existe um número k, maior que 1, tal que, se k ou mais indivíduos escolherem a sua alternativa não preferencial, ser-lhes-á mais proveitoso do que escolherem a sua alternativa preferencial; mas tal não acontece se o seu número for inferior a k. (Foray, 1997: 79-80).

No problema apresentado, a variável k representa o número mínimo de cooperantes para o qual se torna mais vantajoso cooperar do que não o fazer. No entanto, importa referir que, independentemente do cenário verificado, a não cooperação será sempre mais proveitosa para cada agente individual. A figura 1. 4 ilustra uma situação hipotética do dilema acima descrito. Para a abertura se tornar convenção, são necessários “esforços ao nível da organização social, alguma forma de coletivização da escolha ou conseguir impor um acordo, ou ainda reestruturar incentivos para que as pessoas façam o contrário do que fariam naturalmente” (Schelling, citado em Foray, 1997: 80). A convenção

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PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

6 5

Não-cooperação

4 3 Cooperação

2 Benefício 1 0 -1 -2 -3

1

2

3

4

5

Número de cooperantes Figura 1.4

Ilustração gráfica do “dilema de múltiplos prisioneiros uniforme” de Schelling

resultante desse processo seria frágil; no entanto, é possível que a abertura se torne a escolha preferencial: em processos de colaboração de dimensão superior a k, a sinergia, troca de informação e utilização eficiente do novo conhecimento gera resultados positivos, reforçados por adaptações institucionais e pela estandardização de procedimentos. Neste caso, os agentes que escolhem a não colaboração não irão beneficiar das externalidades positivas dos ajustamentos institucionais e tecnológicos à norma de abertura. Em síntese, uma reflexão mais aprofundada levará inevitavelmente à pergunta: será este conceito temporário? A ciência aberta não será, antes, uma atualização do modelo científico vigente? Esta interrogação ganha especial pertinência se considerarmos a dimensão de partilha e de colaboração como uma necessidade, mesmo nos modelos tradicionais de produção científica, ainda que se revistam de maior lentidão e opacidade. Muitos cientistas, principalmente aqueles que conduzem investigação com financiamento público, afirmarão fazer ciência aberta. Assim, estar-se-á então, porventura, perante uma alteração do modus operandi científico? As respostas a estas interrogações de pesquisa serão desenvolvidas no capítulo 3, aquando da análise empírica acerca das representações e práticas de abertura dos investigadores inquiridos no âmbito do inquérito por questionário. Por agora, apresenta-se a estratégia metodológica e caracterizam-se os investigadores inquiridos, no âmbito deste estudo.

Capítulo 2

Uma metodologia para as práticas e representações de abertura

Etapas e procedimentos metodológicos Para a realização do estudo que se apresenta foram desenvolvidas duas etapas metodológicas fundamentais, com o sentido de analisar e compreender as representações e práticas dos investigadores em relação ao movimento Open Science. Numa primeira etapa foi conduzido um extenso levantamento da produção bibliográfica existente neste domínio. Importa, contudo, salientar a relativa escassez de estudos sistemáticos conduzidos sobre esta temática, pelo que se decidiu recorrer a fontes não convencionais, ou seja, trabalhos de descrição das práticas de ciência aberta por parte dos seus praticantes, tais como textos em blogues de cientistas, artigos jornalísticos e declarações de princípios. O corpus de referências assim constituído, apresentado no capítulo anterior, não tem por objetivo principal a recolha de abordagens científicas sobre o objeto, mas sim a constituição de um conjunto de referências dos esforços de autodefinição do movimento e de partilha de informação entre os participantes e interessados, sendo os próprios cientistas a maioria dos envolvidos nestas formas de comunicação. De facto, os nomes de cientistas ativistas, que também eles redigiram textos sobre a abertura científica, surgem frequentemente em secções de comentários de textos dos seus pares sobre o mesmo tema, o que ilustra a utilização da Internet para o contacto e a aproximação entre membros desta comunidade, que unem esforços no sentido de conferir um sentido coletivo integrado a estas práticas e de delineação de objetivos comuns.1 Numa segunda etapa metodológica foi conduzido um inquérito por questionário online, enviado por correio eletrónico, a três subcontingentes constituídos para esse fim, separados para efeitos deste estudo a partir da sua natureza e do seu enquadramento geográfico. 1

Estes espaços afiguram-se como plataformas de diálogo entre os intervenientes desta mobilização de cientistas. 45

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PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Por um lado, um subcontingente nacional, cujo trabalho de recolha foi orientado para cientistas das mais diversas áreas, associados ou a desenvolver trabalho em centros de investigação nacionais avaliados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) com classificações iguais ou superiores a “fair”. Para este fim foi consultado o endereço electrónico da FCT2 e, a partir da identificação dos centros que cumpriam as condições acima indicadas, foram visitados os seus sítios e daí retirados os dados necessários. Por outro lado, um subcontingente internacional, constituído por membros da rede europeia Cost, procurando cobrir os vários domínios científicos. A recolha de informação foi efetuada através do sítio Web da Cost,3 onde foi possível consultar dados de contacto relativos aos membros de cada projeto. Por fim, um conjunto de autores que publicaram em regime de open access, constituído a partir de recolha da informação que constava do Directory of Open Access Journals (DOAJ) da Universidade de Lund, acessível a partir do seu sítio Web,4 designadamente nas edições de revistas científicas das áreas Life Sciences, Social Sciences and Humanities, e Engineering, procurando manter entre estas uma representatividade tão equitativa quanto possível. Este subconjunto é constituído por autores que publicaram nessas revistas, e pelos seus diretores e membros dos conselhos editoriais. Todas estas pesquisas foram auxiliadas por buscas acessórias em http://www.google.pt, para recolha dos dados inexistentes ou omissos nos sítios mencionados. A partir da recolha de informação relativa a estes três subconjuntos foi constituída uma base de dados na qual eram reunidos os endereços de correio eletrónico dos investigadores, para posterior envio do questionário online. Definição e constituição da amostra de investigadores inquiridos A recolha de e-mails anteriormente enunciada deu origem a uma base de dados com 3427 endereços de correio eletrónico de investigadores nacionais, 1408 endereços de correio eletrónico de autores indexados no DOAJ e 4847 endereços de correio eletrónico de investigadores da rede Cost. A estratégia metodológica passou por enviar o inquérito por questionário ao conjunto dos 9682 investigadores, considerando-se que a uma maior taxa de resposta e de investigadores inquiridos corresponde uma possibilidade maior de aceitação das conclusões retiradas da análise dos inquéritos, razão pela qual se optou pela inclusão de todos os investigadores que responderam de forma completa ao inquérito por questionário. No presente trabalho serão apresentados os dados empíricos resultantes do total de respostas completas dos investigadores nacionais, perfazendo uma amostra de 646 inquiridos, ao que corresponde uma taxa de resposta de 18, 9%, e da rede 2 3 4

http://www.fct.mctes.pt/unidades/index.asp?p=1 http://www.cost.esf.org/domains_actions http://www.doaj.org

UMA METODOLOGIA PARA AS PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DE ABERTURA

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europeia, cuja amostra é constituída por 642 inquiridos, correspondendo a uma taxa de resposta de 13,3%. No âmbito deste trabalho foram considerados apenas os dois primeiros subcontigentes referenciados, sendo as respostas dos autores de open access analisadas futuramente noutro contexto. A constituição de amostras desta natureza visa o encontro da diversidade de atores, atitudes e práticas relativas à abertura da ciência, tornando possível não apenas a comparação entre aqueles que adotam e/ou advogam este princípio e aqueles mais relutantes em fazê-lo, mas também a clarificação das características que favorecem a adoção de plataformas online para esse fim, bem como do tipo de utilização que delas é feita. A interação entre diferenciações internas do campo científico, características dos investigadores e posições face à abertura científica será igualmente objeto de escrutínio, a par da consideração dos elementos culturais e valores subjacentes a estes posicionamentos, com o propósito de aferir o desenvolvimento diferencial destas lógicas segundo os grupos analisados.5 Também a idade dos inquiridos será considerada enquanto variável fundamental, uma vez que, ao longo desse eixo, existem contrastes culturais e no relacionamento com as tecnologias. Relativamente à amostra a abordar neste âmbito, e tendo em conta a dificuldade colocada pelo mapeamento cristalizado de um contingente cuja atividade se reveste, frequentemente, de considerável mobilidade não apenas profissional mas — e sobretudo — geográfica, a opção tomada orientou-se no sentido da constituição de amostras não probabilísticas, isto é, de todos os investigadores que mostraram disponibilidade para responder ao inquérito por questionário enviado por correio eletrónico, não havendo outro critério subjacente. Apesar de não se ter assegurado a representatividade da amostra de investigadores, o que implica alguma prudência na leitura dos dados, tal não retira a pertinência analítica e a validade aos resultados empíricos encontrados. Na realidade, “é raro trabalhar-se com uma amostra perfeitamente representativa”, a qual “nunca é exatamente aquela que se tinha previsto. […] É necessário substituir a noção global de representatividade por uma noção mais ampla, a de adequação da amostra aos objetivos estabelecidos” (Ghiglione e Matalon, 2001: 58). Apesar de a constituição de uma amostra não probabilística não colocar em causa a validade dos resultados empíricos, a grande desvantagem em relação às amostras probabilísticas pode residir no facto de não garantir que os grupos inquiridos estejam representados em termos proporcionais à realidade existente na população (Bryman e Cramer, 2003). No caso da amostra recolhida é possível constatar que existe alguma discrepância entre a proporção dos investigadores nacionais, segundo a área científica, e aquela que é referida nos dados oficiais nacionais. É possível verificar que os investigadores das Ciências Sociais e Humanidades, que correspondem a 21,1% do total nacional, estão claramente sobrerrepresentados na amostra nacional, constituindo 5

Os grupos analisados são os seguintes: investigadores de Ciências Sociais e Humanidades; investigadores de Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias e Ciências da Terra e do Universo (MFIETU); e investigadores de Ciências da Vida.

48 Quadro 2.1

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Investigadores nacionais, por área (%)

Ciências Sociais e Humanidades Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) Ciências da Vida Total

Nacionais

Amostra

21,1 69,7

42,9 33,4

9,1 100,0*

23,7 100,0

Notas: N = 646; * neste e noutros quadros acontece a soma em coluna de percentagens não igualar exactamente 100,0%, devido a que os valores das percentagens em linha são arredondados; neste caso a soma é 99,9, mas tal corresponde efectivamente a 100, 0%, tendo em conta o arredondamento. Fonte: autoelaboração a partir de IPCTN07/GPEARI/MCTES

42,9% da mesma (quadro 2.1).6 O mesmo acontece no caso das Ciências da Vida, que representam 9,1% do total nacional de investigadores e 23,7% da amostra. Inversamente, a maioria dos investigadores nacionais (69,7%) são das áreas de Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU), que estão sub-representados na amostra nacional deste estudo, compondo apenas 33,4% dos inquiridos. Importa tecer algumas considerações sobre as opções metodológicas tomadas. De entre as diversas metodologias disponíveis para a condução de pesquisa profícua no âmbito da ciência e, em particular, de processos de abertura aplicados aos modos de fazer ciência, optou-se pela aplicação de um inquérito por questionário a uma população bem definida mas de considerável fluidez: os cientistas. Este instrumento de pesquisa presta-se a intenções diversas e assume figurinos de alguma heterogeneidade, desde o apuramento de dados objetivos sobre um problema bem definido, à descrição da representação de um tema de interesse geral ou de caráter científico por parte de uma comunidade. No entanto, esta técnica não se reduz a um jogo de questões baseado na convicção de que a habilidade retórica nos conduz a uma solução. Mais do que reduzir-se a uma arte de definição ou de resposta à pergunta “o que é?”, ele constitui, na realidade, a arte de conduzir a — ou de tornar possível — uma definição cada vez mais exata e precisa, mediante a sujeição da definição inicial ao confronto com o seu objeto, e da inquietação de espírito ao rigor de uma persistência vigilante que não se apoquenta em saber aquilo que ainda não sabe, e não somente aquilo que julga saber já.

6

As tipologias usadas pelo GPEARI podem ser convertidas na tipologia de disciplinas utilizada neste estudo, à exceção da Biologia, que se agregou às Ciências da Vida e que surge enquanto MFIETU nos dados do GPEARI. Apesar de isto significar que a sobreposição das categorias não é total, decidiu-se avançar com as comparações.

UMA METODOLOGIA PARA AS PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DE ABERTURA

49

Caracterização da população em estudo: os investigadores nacionais e os investigadores da rede Cost Tendo em conta que o presente livro pretende dar a conhecer resultados empíricos resultantes da aplicação de um inquérito por questionário aplicado a investigadores nacionais e da rede Cost, importa apresentar quais as principais características distintivas dos investigadores inquiridos. Assim, neste ponto apresentamos as características fundamentais dos dois subcontigentes analisados no âmbito deste livro: os investigadores nacionais e os da rede Cost. São consideradas na análise variáveis de natureza sociodemográfica e do contexto profissional dos investigadores e, em alguns casos, os dados dos investigadores nacionais inquiridos no âmbito deste estudo são comparados com a realidade dos dados oficiais dos investigadores nacionais. Perfil sociodemográfico dos investigadores Como se pode constatar pela análise do quadro 2.2, a quase totalidade dos investigadores do subcontingente nacional são de nacionalidade portuguesa (95,4%). Por oposição, e tal como se poderia prever, os investigadores da rede Cost apresentam uma distribuição dispersa por diversas nacionalidades, com especial concentração de cidadãos de nacionalidade europeia (quadro 2.3). A percentagem de investigadores de ambos os subcontingentes que trabalham fora do seu país de origem é diminuta, aproximando-se de 8% no caso dos investigadores nacionais e de 10% nos investigadores da rede Cost (quadro 2.4). Para o caso nacional, a maioria consiste em investigadores de nacionalidade estrangeira a trabalhar em Portugal, e os restantes são principalmente de nacionalidade portuguesa que trabalham no estrangeiro (quadro 2.5). Os últimos parecem escolher o Reino Unido, em 14,3% dos casos, enquanto país de destino para trabalhar. Quanto aos investigadores da rede Cost que trabalham fora do seu país de origem (quadro 2.6), o seu local de eleição também é o Reino Unido (10,1%), seguindo-se França (8,7%), Suécia e Suíça (7,2%). Segundo dados do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais (GPEARI), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), o total nacional de investigadores compreende cerca de 30 mil ETI (equivalente a tempo integral — ver quadro 2.7).7 No entanto, a amostra do estudo é constituída por 646 investigadores ligados a centros de investigação avaliados pela FCT, instituto público de promoção e financiamento da atividade científica, 7

ETI (equivalente a tempo integral): medida de quantificação pessoa/ano. “Os efetivos em ETI são calculados somando o número de indivíduos a tempo integral com as frações do dia normal de trabalho dos indivíduos a tempo parcial. O termo de referência para o tempo integral, contudo, é sempre a unidade ”pessoa/ano". Se a unidade tiver um trabalhador (investigador ou outro) a tempo integral em atividades de I&D apenas uma parte do ano, este deve ser contabilizado como uma pessoa a tempo parcial. “ (GPEARI, s/d: 4)

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UMA METODOLOGIA PARA AS PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DE ABERTURA

Quadro 2.2 Nacionalidade dos investigadores nacionais % Portugal Brasil Espanha Itália Reino Unido Bulgária Alemanha França Holanda Argentina Roménia

95,40 1,2 0,8 0,6 0,5 0,3 0,3 0,3 0,3 0,2 0,2

N = 646

Quadro 2.3 Nacionalidade dos investigadores da rede Cost % Itália Alemanha Espanha Polónia Portugal Roménia Bélgica França Grécia Reino Unido Bulgária Holanda Suécia Finlândia Noruega República Checa Dinamarca Israel Irlanda Lituânia Sérvia

7,0 5,5 5,1 4,7 4,2 4,0 3,9 3,7 3,7 3,7 3,6 3,3 3,3 3,0 3,0 3,0 2,8 2,8 2,6 2,6 2,3

% Eslováquia Hungria Áustria Eslovénia Suíça Croácia Estónia Turquia Chipre (República de) Letónia Malta Islândia Ucrânia Austrália Brasil Antiga República Jugoslava da Macedónia Luxemburgo Federação Russa EUA Índia Laos

2,3 2,3 2,0 2,0 1,9 1,7 1,6 1,6 1,6 1,1 0,9 0,5 0,5 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,3 0,2 0,2

N = 642

Quadro 2.4

Não Sim N = 646

“Encontra-se atualmente a fazer investigação numa instituição Nacionais

Cost

7,6 92,4

10,7 89,3

51

UMA METODOLOGIA PARA AS PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DE ABERTURA

Quadro 2.5 Investigadores nacionais: país onde se situa a instituição onde faz investigação, quando fora do país de origem % Portugal Reino Unido EUA Espanha Bélgica França Canadá Holanda

67,30 14,30 6,1 4,1 2,0 2,0 2,0 2,0

N = 49

Quadro 2.6 Investigadores da rede Cost: país onde se situa a instituição onde faz investigação, quando fora do país de origem % Reino Unido França Suécia Suíça Alemanha Holanda Noruega Portugal Bélgica Dinamarca Áustria Grécia Irlanda Itália

10,1 8,7 7,2 7,2 5,8 5,8 5,8 5,8 4,3 4,3 4,3 2,9 2,9 2,9

% Espanha Austrália Finlândia Islândia Israel Japão Coreia do Sul Luxemburgo Eslováquia Eslovénia República Checa Hungria EUA Chipre (República de)

2,9 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4 1,4

N = 69

como ”excelente", “muito bom” ou “bom”, não integrando os centros com as categorias “regular” e “fraco”. Relativamente ao género dos investigadores nacionais, a distribuição não apresenta clivagens acentuadas: o masculino representa 56,1% e o feminino 43,9% do total nacional de investigadores, segundo dados do GPEARI (quadro 2.8). Na amostra do estudo esta divisão apresenta-se com o mesmo sentido, embora com uma diferença ligeiramente menor (masculino 53,7% e feminino 46,3% — ver quadro 2.9). Essa paridade entre géneros está relacionada com mudanças estruturais que têm vindo a ocorrer na sociedade portuguesa, nomeadamente nas últimas décadas, que resultaram no aumento das qualificações das mulheres. Por outro lado, a rede Cost apresenta uma acentuada masculinização dos investigadores que a integram (cerca de 70% destes pertencem ao género masculino).8

8

Essa questão poderá estar relacionada com o facto de a média de idades dos investigadores dessa mesma rede ser superior face à média dos nacionais (ver pp. 11 e 12).

52

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 2.7 Investigadores nacionais, por área ETI Ciências Sociais e Humanidades Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) Ciências da Vida Total

%

5.955,50 19.645,70

21,1 69,7

2.574,70 28.175,89

9,1 100,0

Fonte: autoelaboração a partir de IPCTN07/GPEARI/MCTES

Quadro 2.8 Investigadores nacionais, por género

ETI Percentagem

Masculino

Feminino

Total

15817,3 56,1

12358,6 43,9

28175,9 100,0

Fonte: IPCTN07/GPEARI/MCTES

Quadro 2.9 Investigadores por género (%)

Feminino Masculino

Nacionais

Cost

46,4 53,6

30,2 69,8

N = 646

N = 642

Embora a distribuição por género seja relativamente equitativa para a totalidade dos investigadores inquiridos, esta igualdade não se verifica em todas as áreas de investigação (quadro 2.10). Nas áreas de MFIETU, que apresentam maiores diferenças, cerca de três em cada quatro investigadores são do género masculino (73,1%). Nas áreas de Ciências Sociais e Humanidades a diferença de género é menor e opera-se no sentido oposto: cerca de três em cada cinco investigadores (59,9%) são do género feminino. As Ciências da Vida surgem como áreas em que existe uma acentuada igualdade de género. Os investigadores são recrutados nas camadas mais escolarizadas da população. O sistema de ensino superior confere os diplomas necessários ao exercício dessa atividade. Ao comparar a distribuição dos diplomados do ensino superior por género e área (quadro 2.11) com a dos investigadores (quadro 2.10) é possível identificar um deslocamento de pouco mais de 10% no sentido da masculinização da atividade de investigação, quer no total quer por área, à exceção das Ciências da

53

UMA METODOLOGIA PARA AS PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DE ABERTURA

Quadro 2.10 Investigadores nacionais, por género e área (%)

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

59,9 40,1

26,9 73,1

49,7 50,3

Feminino Masculino N = 646

Quadro 2.11 Diplomados no ensino superior, por género e área (2005) (%)

Feminino Masculino

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

Total

72,3 27,7

41,4 58,6

78,5 21,5

65,2 34,8

N = 70.023 Fonte: autoelaboração a partir de INE

Quadro 2.12 Distribuição de investigadores nacionais, por géneroe faixa etária (%)

Feminino Masculino

Até 29 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos ou mais

53,3 46,7

48,5 51,5

47,2 52,8

40,8 59,2

38,1 61,9

N = 646

Vida, onde esse hiato é quase o dobro (cerca de 30%). Isso pode significar um maior fechamento ao género feminino da atividade de investigação nessas áreas. A distribuição de género nos investigadores está também relacionada com a idade dos mesmos. Ao analisar os resultados obtidos (quadro 2.12), torna-se evidente que a diferença de género nos investigadores mais velhos é maior do que nos mais novos. A preponderância do género masculino faz-se sentir em todas as faixas etárias à exceção da mais jovem, na qual o género feminino suplanta o masculino em 6,6%. O isomorfismo dos deslocamentos identificados e a aproximação das diferenças de género dos investigadores mais jovens às dos diplomados do ensino superior parecem sustentar a hipótese de estar a ocorrer um ajustamento gradual da distribuição de género dos investigadores às transformações dos padrões de género na formação de nível superior.

54

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 2.13 Investigadores nacionais, por faixa etária (%) Nacionais

Cost

09,3 35,8 29,9 18,6 06,5

00,2 08,9 31,2 34,9 24,8

N = 646

N = 641

Até 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 a 59 anos 60 anos ou mais

Quadro 2.14 Estatísticas — idade dos investigadores

Média Mediana Desvio padrão Mínimo Máximo

Nacionais

Cost

42,3 41 10,3 25 77

52,5 53 9,5 29 79

N = 646

N = 641

Em termos comparativos entre os investigadores nacionais e os da rede Cost, como se pode observar pelo quadro 2.13, trata-se de duas populações com distribuições etárias bastante distintas: cerca de 45% dos nacionais têm menos de 40 anos, enquanto na rede Cost apenas cerca de 9% se encontram nas faixas etárias abaixo dos 40, o que demonstra que os investigadores da rede Cost são, em média, mais velhos do que os nacionais. Em termos de idades dos inquiridos (quadro 2.14), existe cerca de 50 anos de diferença entre os mais novos e os mais velhos (variando entre os 25 e os 77 anos nos investigadores nacionais e entre os 29 e os 79 nos da rede Cost), o que indica tratar-se de uma população heterogénea ao nível etário. A média de idades dos investigadores nacionais aproxima-se dos 42 anos, enquanto a dos investigadores da rede europeia atinge os 52 anos. Relativamente à dispersão, as distribuições das idades de ambos os subcontingentes apresentam desvios padrão9 de cerca de 10 anos, o que traduz também uma acentuada diferenciação de idades. Contexto profissional dos investigadores A maioria dos investigadores inquiridos, quer nacionais (72%) quer da rede Cost (58%), estão inseridos profissionalmente em instituições de ensino superior (quadro 9

Média dos desvios ou diferenças das idades dos indivíduos em relação à média de idades total.

55

UMA METODOLOGIA PARA AS PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DE ABERTURA

Quadro 2.15 “Em que contexto desenvolve atividade profissional?” (%)

Centro de investigação Instituição de ensino superior Organismo de administração pública Instituição empresarial ou industrial Outro Total

Nacionais

Cost

54,3 72,1 03,3 02,8 03,6 136,10

36,8 58,1 05,0 04,2 05,1 109,20

N = 642

N = 646

Quadro 2.16 Investigadores nacionais, por contexto e por área 1 (%)

Ciências Sociais e Humanidades Empresas Estado Ensino superior Instituições privadas sem fins lucrativos Total

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Vida Ciências da Terra e do Universo (MFIETU)

8,8 11,3 68,9 11,1 100,0

38,4 9,8 39,9 12,0 100,0

16,4 21,6 45,9 16,1 100,0

Fonte: autoelaboração a partir de IPCTN07 / GPEARI / MCTES

2.15). O segundo contexto de inserção profissional mais frequente é em centros de investigação, que absorvem cerca de metade dos investigadores nacionais e cerca de um terço da rede europeia de investigação. Considerando o total de respostas, observa-se que os investigadores nacionais tendem a ter um maior número de inserções profissionais (136,1%) comparativamente com os da rede Cost (109,2%).10 Dos dados recolhidos pelo GPEARI ressalta o facto de a grande maioria dos investigadores nacionais das áreas de Ciências Sociais e Humanidades desenvolverem investigação no ensino superior (68,9%), suplantando em larga medida a representação das restantes áreas neste contexto de investigação (quadro 2.16). Segundo esses dados, os mesmos investigadores são também aqueles que têm uma menor representação nas empresas (8,8%). Os investigadores das áreas de MFIETU destacam-se pela tendência inversa: a sua representação nas empresas é a mais elevada (38, 4%) e no ensino superior a mais baixa (39,9%). Relativamente às Ciências da Vida, a representação dos seus investigadores nas empresas e no ensino superior apresenta valores intermédios (16,4% e 45,9%,

10

Dado que se trata de uma pergunta de respostas múltiplas, o somatório das percentagens não perfaz 100%.

56

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 2.17 “Investigadores nacionais, por contexto e por área 2 (%

Centro de investigação Instituição de ensino superior Organismo de administração pública Instituição empresarial ou industrial Outro

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

56,7 67,9 4,7 0,0 4,0

47,7 83,8 1,9 6,9 3,2

59,5 63,4 2,6 2,0 3,3

N = 646

respetivamente). Destacam-se face a outras áreas pelo facto de terem a maior proporção de investigadores a trabalhar no Estado (21,6%). A integração de investigadores destas áreas no Serviço Nacional de Saúde poderá ser um fator determinante para explicar esta última constatação. De acordo com os dados apurados a partir da aplicação do inquérito por questionário à amostra de investigadores conseguida, a inserção em instituições de ensino superior é a mais comum para todas as áreas de investigação (quadro 2.17). A maior proporção de investigadores das áreas de MFIETU inseridos nestas instituições (83, 8%), comparativamente às restantes áreas (cerca de 65%), poderá estar ligada às exigências infraestruturais em disciplinas dessas áreas, onde a investigação tende a ser enquadrada em instituições de ensino superior, que concentram recursos financeiros e tecnológicos elevados. Essa hipótese poderá também ser a razão pela qual os investigadores dessas áreas são os que apresentam menor grau de inserção em centros de investigação, os quais, geralmente, dispõem de menores recursos face às instituições de ensino superior. Outra constatação prende-se com o nível de empregabilidade dos investigadores das áreas de Ciências Sociais e Humanidades em organismos de administração pública, que é elevado quando comparado com o das outras áreas, por oposição à menor empregabilidade desses mesmos investigadores em instituições empresariais ou industriais. Neste último contexto, os investigadores com maior inserção são os das áreas de MFIETU. Embora se constate que a maioria dos investigadores se integra institucionalmente em centros de investigação e em instituições do ensino superior, o tipo de inserção parece estar relacionado com a duração da atividade de investigação (quadro 2.18).11 Os investigadores que desenvolvem actividade há menos de 11 anos encontram-se integrados em centros de investigação em maior proporção relativamente aos restantes. Estes são os que se inserem em instituições de ensino superior em menor proporção.

11

Dado que se trata de uma pergunta de respostas múltiplas, o somatório das percentagens não perfaz 100%.

57

UMA METODOLOGIA PARA AS PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DE ABERTURA

Quadro 2.18 Investigadores nacionais, por contexto e duração da atividade de investigação (%)

Centro de investigação Instituição de ensino superior Organismo de administração pública Instituição empresarial ou industrial Outro

Menos de 6 anos

6 a 10 anos

11 a 20 anos

Mais de 20 anos

61,1 54,7 2,1 4,2 5,3

57,3 62,7 4,3 5,4 4,3

50,0 77,5 3,6 0,5 2,3

52,8 87,5 2,1 2,1 3,5

N = 646

Quadro 2.19 Setor de atividade (%)

Apenas público Misto ou privado

Nacionais

Cost

84,2 15,8

84,6 15,4

N = 640

N = 616

Estes dados parecem ilustrar diferentes etapas nas carreiras de investigação a nível nacional: os investigadores que procuram seguir essas carreiras tendem a iniciar a atividade em centros de investigação, aspirando a uma posterior inserção em estabelecimentos de ensino superior, onde se encontram as posições de topo da carreira. Outra questão consiste no facto de serem os inquiridos que desenvolvem investigação há menos tempo que têm maior inserção em instituições industriais ou empresariais, denotando uma possível mudança recente na profissionalização de investigadores em início de carreira, que integram o mundo empresarial em maior proporção face àqueles com maior experiência. Como se pode verificar pelo quadro 2.9, a maioria dos inquiridos (cerca de 85% para ambos os subcontingentes) apenas trabalham no setor público. Isto revela o caráter eminentemente público da ciência em Portugal e na rede europeia em análise. Importa, no entanto, referir que a amostra é constituída, no caso nacional, por investigadores em instituições financiadas pela FCT, um instituto público, e no caso da rede europeia, por investigadores associados à Cost, uma rede intergovernamental de cooperação no domínio da ciência e tecnologia à escala europeia. Para se analisar a experiência que os inquiridos têm da atividade de investigação observou-se a duração, em anos, dessa mesma atividade (quadro 2.20). Constata-se que mais de metade dos investigadores nacionais desenvolvem essa atividade há 11 anos ou mais (56,7%). Apenas 14,7% realizam investigação há menos de 6 anos, enquanto 22,3% o fazem há mais de 20 anos. Os inquiridos deste contingente são, portanto, maioritariamente indivíduos com uma experiência considerável nas atividades de investigação. No entanto, a duração dessa atividade no

58

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 2.20 Investigadores, por duração da atividade de investigação (%)

Menos de 6 anos 6 a 10 anos 11 a 20 anos Mais de 20 anos

Nacionais

Cost

14,7 28,6 34,4 22,3

1,4 8,7 32,7 57,2

N = 646

N = 642

Quadro 2.21 Investigadores nacionais: “Algum dos projetos em que participa atualmente está inserido numa rede de investigaçãocom cientistas de outros países?” % Não Sim

39,2 60,8

N = 646

caso dos inquiridos da rede Cost é acentuadamente superior, já que a maioria (57,2%) exerce essa atividade há mais de 20 anos e a percentagem dos que a exercem há 11 anos ou mais é de 89,9%. Apenas 1,4% desses investigadores desenvolvem investigação há menos de 6 anos. A componente de internacionalização do trabalho científico parece ser uma dimensão importante nas instituições nacionais de investigação. Exemplo disso é a percentagem considerável de investigadores inseridos em redes internacionais de investigação (60,8%) (quadro 2.21). A internacionalização é um aspeto basilar da ciência moderna e a proliferação de projetos que envolvem cientistas de vários países tem vindo a acentuar-se. A FCT dá “apoio à participação da comunidade científica em Programas Multilaterais e Redes Científicas, em Organizações Internacionais, bem como em projetos ou realizações conjuntas, integrados em acordos e convénios de cooperação científica e tecnológica ou ainda em acordos culturais de natureza bilateral celebrados entre Portugal e outros países ou instituições”.12 Como sugere o quadro 2.22, os investigadores que menos se inserem em redes de investigação internacionais são os das áreas de Ciências Sociais e Humanidades, onde o trabalho de investigação desenvolvido muitas vezes se insere em questões de âmbito nacional.13 Tal como Whitley (2000) refere, os domínios das diferentes ciências e, consequentemente, os seus produtos, podem estar mais ou menos ligados a determinados contextos históricos e culturais. 12 13

http://alfa.fct.mctes.pt/apoios/cooptrans/index.phtml.pt De referir, no entanto, que nessas áreas os estudos comparativos têm vindo a ganhar importância ao longo das últimas décadas.

59

UMA METODOLOGIA PARA AS PRÁTICAS E REPRESENTAÇÕES DE ABERTURA

Quadro 2.22 “Algum dos projetos em que participa atualmente está inserido numa rede de investigação com cientistas de outros países?", por área (%)

Não Sim

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

43,7 56,3

35,6 64,4

35,9 64,1

N = 646

Quadro 2.23 “Nos projetos em que participa atualmente é: …” (%)

Apenas investigador/a Apenas coordenador/a Coordenador/a e investigador/a

Nacionais

Cost

49,8 01,1 49,1

16,4 06,7 76,9

Contrastando, por exemplo, com a Física, onde as competências experimentais são generalizáveis para vários problemas e tópicos […], nas Ciências Humanas […] as competências estão frequentemente ligadas a certos assuntos e áreas. Aqui, as competências estão muitas vezes relacionadas com culturas, textos e períodos particulares, pelo que não podem ser transferidas imediatamente para outros, muito menos tornar-se tópicos generalizados e abstratos. (id., ibid.: 132-133)

Essa especificidade das Ciências Sociais e Humanidades pode justificar, em parte, a menor inserção dos seus investigadores em redes internacionais. Contudo, importa referir que se trata de uma diferença pouco acentuada. Cerca de 56% (mais de metade) desses investigadores encontram-se, de facto, em redes internacionais de investigação, sendo cerca de 64% os das restantes áreas a responder afirmativamente a essa questão. Os investigadores nacionais parecem dividir-se equitativamente pelos desempenhos das funções de apenas investigador e de coordenador e investigador simultaneamente (49,8% e 49,1% respetivamente — ver quadro 2.23). A percentagem daqueles que assumem apenas a função de coordenador é residual (1,1%). Na rede Cost, apenas 16,4% dos investigadores afirmam desempenhar apenas a função de investigador, o que indica que a grande maioria (cerca de 84%) desempenha funções de coordenação. Em síntese pode referir-se que os investigadores nacionais apresentam algumas características distintivas face aos da rede Cost. Designadamente, é possível verificar, através da observação dos dados estatísticos resultantes da aplicação do inquérito por questionário, que os investigadores da rede Cost são ligeiramente mais velhos que os nacionais, existindo uma maior percentagem com 20 ou mais anos de atividade. Para além dessa característica, existe uma maior masculinização

60

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

dos investigadores na rede Cost do que entre os investigadores nacionais que responderam ao inquérito por questionário. Ainda assim, é constatável que nas duas amostras existe uma maior percentagem de investigadores do sexo masculino do que do sexo feminino. No caso nacional, verifica-se que apenas no escalão etário até aos 29 anos existe uma maior percentagem de investigadores do sexo feminino. Ainda a nível nacional, é possível verificar que a atividade de investigação é desenvolvida por uma elevada percentagem de investigadores em instituições do ensino superior, e que as empresas acolhem sobretudo os das áreas de MFIETU e menos os das Ciências Sociais e Humanidades. Para além desse aspeto é constatável um predomínio dos que exercem a sua atividade unicamente no setor público. À parte a informação de caráter mais sociodemográfico acerca da carreira dos cientistas, é central neste estudo analisar as atitudes, valores e práticas referentes ao processo de abertura em ciência. No capítulo 3 apresentam-se os principais resultados resultantes da aplicação do inquérito por questionário, designadamente no que respeita as três vertentes do movimento de Ciência Aberta — disponibilização de ferramentas de pesquisa, de dados utilizados e resultantes da investigação e do produto dos estudos, no formato de publicação

Capítulo 3

Representações e práticas relativas à ciência aberta nas suas várias dimensões

No presente capítulo pretende-se apresentar um conjunto de indicadores estatísticos produzidos através da aplicação do inquérito por questionário aos investigadores nacionais e aos da rede Cost. Como foi mencionado na estratégia metodológica, uma vez que não foi possível assegurar, na totalidade, a representatividade da amostra, o objetivo deste capítulo não é apresentar resultados generalizáveis para os dois contingentes de investigadores, mas sobretudo identificar algumas tendências que permitam constatar que a abertura da ciência não é só perspetivada como uma alternativa possível e vantajosa para um número crescente de investigadores, como é, de facto, aplicada na prática por um conjunto de cientistas no decurso das respetivas investigações desenvolvidas. Não obstante, parece ser ainda uma prática pouco utilizada no contexto nacional, sobretudo em relação àquilo que eram as expetativas dos defensores do movimento. Pretende-se, assim, compreender em que medida os investigadores nacionais e os pertencentes à rede Cost disponibilizam ferramentas, materiais, dados e publicações em regime de open access e como perspetivam este movimento recente de abertura da ciência. A constituição de amostras como aquela que foi selecionada neste estudo visa sobretudo captar a diversidade de atores, atitudes e práticas relativas à abertura da ciência, tornando possível não apenas a comparação entre aqueles que adotam e/ou advogam este princípio e aqueles mais relutantes em fazê-lo, mas também a clarificação das características que favorecem a adoção de plataformas online para esse fim, bem como do tipo de utilização que delas é feita. Uma das variáveis centrais é exatamente a área científica, que permite explicar algumas diferenças existentes nas representações e práticas relativas às várias componentes da ciência aberta, como será explicitado ao longo da apresentação dos resultados. Outra variável importante é a idade dos inquiridos, que se revela importante na leitura de alguns indicadores, como será também evidenciado. Uma terceira variável que, apesar de menos central, também se mostrou importante é a duração da atividade de investigação, ou seja, a experiência dos 61

62

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

investigadores que, em alguns casos, explica diferentes perspetivas acerca do movimento Ciência Aberta. A lógica com que se apresenta este capítulo prende-se primeiramente com analisar alguns indicadores referentes ao processo de abertura no geral, para posteriormente distinguir as três principais componentes do movimento Ciência Aberta, isto é, a partilha das ferramentas e do processo de pesquisa, a disponibilização dos dados propriamente ditos e a transparência e acesso à comunicação científica formal, analisando para cada dimensão, primeiramente, as representações e, subsequentemente, as práticas dos investigadores inquiridos. Como foi mencionado no capítulo 1, a colaboração em ciência foi fomentada por vários fatores estruturais, dos quais o surgimento da Internet é de facto um dos mais fundamentais. No entanto também os voos mais baratos e as telecomunicações foram responsáveis, bem como a valorização, ao nível da distribuição de financiamento, de redes científicas, discussão de ideias e partilha de resultados em conferências (Melin, 2000). A inquirição feita no âmbito deste trabalho auscultou os investigadores relativamente às suas representações e práticas de “abertura” de conhecimento científico nas redes da Internet e os principais resultados apresentam-se em seguida. Antes de mais, inicia-se a apresentação de alguns indicadores generalistas que permitem traçar uma tendência geral ao nível das perspetivas e práticas de abertura da ciência. Exemplo disso são as questões relativas à disseminação e aplicação do conhecimento resultante dos projetos de investigação que não são empreendimentos ad hoc aquando do final dos projetos, antes são parte do móbil dos investigadores logo no momento de conceção dos seus projetos. Como se pode constatar pelo quadro 3.1, a questão do tipo de acesso a dar aos resultados da investigação é considerada por 77,9% dos investigadores nacionais e por 84,3% dos da rede Cost.1 A forma como poderão partilhar com outros investigadores os materiais e dados utilizados no decurso da investigação é assinalada por 77,2% dos nacionais e 86,1% da rede europeia. Estas duas questões constituem as mais frequentes preocupações manifestadas pelos investigadores e caracterizam-se por constituírem dinâmicas internas à comunidade científica, estando relacionadas com mecanismos de comunicação essenciais ao funcionamento da ciência. A promoção da inovação junto de entidades públicas é uma questão considerada por cerca de dois terços (64,9%) dos investigadores nacionais e por 78,8% dos da rede Cost, enquanto 44,4% dos investigadores nacionais e 55,3% da rede europeia assinalam a promoção junto de entidades privadas. Estes resultados remetem para vários modelos teóricos sobre o contexto da produção científica nas sociedades contemporâneas. A preocupação com questões de comunicação interpares ou de promoção da inovação junto de entidades públicas e privadas pode refletir os “modos de produção do conhecimento científico”

1

Dado que se trata de uma pergunta de respostas múltiplas, o somatório das percentagens não perfaz 100%.

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

63

Quadro 3.1 “Quando concebe os seus projetos de investigação, tem em atenção: …” (%)

Que tipo de acesso dar aos resultados da investigação Como poderá partilhar com outros investigadores os materiais e dados por si utilizados no decurso da investigação Como poderá promover a inovação baseada na sua investigação junto de entidades públicas Como poderá promover a inovação baseada na sua investigação junto de entidades privadas (empresas) Que tipo de licença Creative Commons ou Science Commons irá utilizar para o grau de acesso aos dados, materiais e resultados da sua investigação

Nacionais

Cost

77,9

84,3

77,2

86,1

64,9

78,8

44,4

55,3

14,6

47,2

N=646

N=642

identificados por Gibbons et al. (1994), a “ciência académica” e “pós-académica” de Ziman (1995), ou diferentes configurações da “hélice tripla” de Etzkowitz e Leydesdorff (2000). As percentagens de investigadores que manifestam atenção à promoção de inovação junto de entidades públicas e privadas exteriores ao campo científico, característica de uma ciência mais aplicada, não são de descurar, o que remete para a configuração de hélice tripla III, em que as relações entre a academia, o Estado e a indústria se estreitam. No entanto ficam muito aquém das percentagens daqueles que manifestam atenção à partilha de resultados, materiais e dados, prática tendencialmente orientada para o seu campo de atividade e característica da ciência académica e do modo 1 de produção de conhecimento. Estes dados parecem indicar que, embora presentes, as transformações recentes na ciência estão longe de eliminar as suas dinâmicas anteriores. Por último, uma percentagem considerável de investigadores (14,6%) consideram a utilização do tipo de licença Creative Commons ou Science Commons para o acesso aos dados, materiais e resultados da sua investigação. Essas licenças fazem parte de um tipo específico de licenciamento, utilizado para o livre acesso a bens culturais e científicos. Podem ser usadas para “permitir o acesso e a reutilização de dados por outros investigadores […] em determinadas condições impostas pelo licenciador” (Fitzgerald e Austin, 2008: 45-46). No entanto, a questão do licenciamento difere da questão dos acessos por vários motivos, embora estejam intimamente associadas. A simples disponibilização de conteúdos na Internet, por exemplo, sem o recurso a licenças abertas, pode impedir que uma pessoa interessada em usar esses conteúdos, mas com preocupações éticas, o faça, uma vez que as permissões dadas pelos autores ou detentores dos direitos não estão explícitas. As licenças abertas em questão têm por finalidade a explicitação dos usos legítimos, sendo legíveis por humanos e máquinas (o que permite automatizações e integração rápida de informação com recurso a algoritmos e programas informáticos). Os investigadores da rede Cost manifestam um padrão de resposta semelhante aos nacionais relativamente às várias questões abordadas, com percentagens ligeiramente superiores, à exceção da atenção relativa às licenças supramencionadas. Dos

64

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.2 “Quando concebe os seus projetos de investigação, tem em atenção: …”, por área (%)

Que tipo de acesso dar aos resultados da investigação Como poderá partilhar com outros investigadores os materiais e dados por si utilizados no decurso da investigação Como poderá promover a inovação baseada na sua investigação junto de entidades públicas Como poderá promover a inovação baseada na sua investigação junto de entidades privadas (empresas) Que tipo de licença Creative Commons ou Science Commons irá utilizar para o grau de acesso aos dados, materiais e resultados da sua investigação

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

84,5

75,0

69,9

83,4

72,2

73,2

71,1

58,8

62,1

35,7

58,3

40,5

14,4

18,5

9,2

N = 646

primeiros, cerca de metade manifestam ter em atenção qual a licença aberta que irão aplicar aos vários produtos da investigação, uma proporção três vezes superior à verificada entre os investigadores nacionais. Tal como foi observado para o total de investigadores, as questões relativas à comunicação de resultados e partilha de dados são as que concentram, em todas as áreas, maior atenção na conceção dos projetos de investigação (quadro 3.2).2 Uma análise mais fina sobre as relações da produção científica nas diferentes áreas com o Estado e a indústria permite identificar matizes nas formas como estes se relacionam. Ao perguntar se consideram a promoção da inovação junto de entidades públicas ou privadas quando concebem os seus projetos, pode-se averiguar se os investigadores estão orientados para uma investigação mais aplicada, e em que setor se aplicará a inovação por eles produzida. Podem identificar-se diferentes tendências através dos dados obtidos. A primeira, dar maior atenção à promoção da inovação junto de entidades públicas do que junto das empresas, é claramente identificável nas Ciências Sociais e Humanidades e nas Ciências da Vida. A segunda verifica-se nas respostas dos investigadores de Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU), nas quais a percentagem dos que manifestam preocupação com a promoção da inovação junto de entidades públicas não difere da orientada para entidades privadas. As Ciências Sociais e Humanidades caracterizam-se por serem as áreas onde mais investigadores afirmam conceber projetos tendo em atenção a partilha de resultados, materiais e dados. Caracterizam-se também por apresentarem a maior percentagem dos que assinalam ter em atenção a promoção de inovação junto de entidades públicas e a menor que o faz junto de entidades privadas. Neste aspeto,

2

Dado que se trata de uma pergunta de respostas múltiplas, o somatório das percentagens não perfaz 100%.

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

65

Quadro 3.3 “Qual a sua opinião relativamente às seguintes formas de acesso a instrumentos de pesquisa (dados, materiais físicos, etc.) a partir de investigação com financiamento público?”

Utilizar portais de partilha baseados na adesão voluntária dos investigadores para solicitar o uso de dados e materiais para investigação própria Generalizar acordos predefinidos e pré-formatados para a transferência de materiais e dados, com o objetivo de facilitar a partilha entre investigadores Catalogar as suas bases de dados para consulta na Web por parte de outros investigadores Colocar os dados no domínio público

Nacionais

Cost

5,45

4,74

5,41

4,67

5,33

5,18

4,98

4,84

Quadro 3.4 “Qual a sua opinião relativamente às seguintes formas de acesso a instrumentos de pesquisa (dados, materiais físicos, etc.) a partir de investigação com financiamento público?”, por área (médias)

Utilizar portais de partilha baseados na adesão voluntária dos investigadores para solicitar o uso de dados e materiais para investigação própria Generalizar acordos predefinidos e pré-formatados para a transferência de materiais e dados, com o objetivo de facilitar a partilha entre investigadores * Catalogar as suas bases de dados para consulta na Web por parte de outros investigadores ** Colocar os dados no domínio público *

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

5,59

5,32

5,36

5,60

5,16

5,39

5,48

5,32

5,08

5,29

5,00

4,35

* p = 0,01, ** p = 0,05

estão mais próximas do modo 1, da ciência académica e da configuração de hélice tripla I do que as restantes áreas. Através da análise do quadro 3.3, observa-se que a utilização de portais para a partilha voluntária, a generalização de acordos de transferência e a catalogação de bases de dados na Web são os itens que apresentam as médias mais elevadas entre os investigadores nacionais.3 Entre os da rede Cost, apenas a catalogação das bases de dados apresenta valores distantes do ponto médio da escala. Tal sugere que a comunidade nacional de investigadores considera importante que se criem plataformas online e ferramentas institucionais que facilitem a troca de materiais e dados. Ambos os subcontingentes concordam em considerar importante a catalogação das bases de dados para consulta na Web, o que indica um reconhecimento por parte da comunidade científica dos benefícios de um sistema integrado de localização de dados produzidos por outros investigadores.

3

Estas médias têm por base uma escala de Likert de 1 a 7, em que 1 representa “discordo totalmente” e 7 significa “concordo totalmente”.

66 Quadro 3.5

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

“Qual a sua opinião relativamente à necessidade de investimento público e privado na criação de uma ciberinfraestrutura que: …” (médias)

Possibilite a criação de uma "teia semântica" que cruze artigos, bases de dados e outros elementos, integrando várias fontes, em diferentes formatos, ligadas através de termos comuns Distribua software Open Source para a sua área científica produzido por outros investigadores Agregue pesquisas de sucesso em motores de busca (ex.: Google) com o objetivo de as partilhar futuramente com outros investigadores Promova a integração na Web de dados do seu domínio científico através de uma classificação comum

Nacionais

Cost

5,82

5,34

5,64

5,40

5,53

5,41

5,49

5,13

Os investigadores das Ciências Sociais e Humanidades são os que mais concordam com a necessidade de criação dessa infraestrutura, nas várias vertentes apresentadas (quadro 3.4). Os investigadores das Ciências da Vida são os que apresentam um grau de concordância menor com a colocação de dados no domínio público Analisando o quadro 3.5, verifica-se que, quer os investigadores nacionais, quer os da rede Cost tendem a concordar com a necessidade de criação de infraestruturas científicas digitais, seja pelo cruzamento de artigos, bases de dados e outros elementos, pela distribuição de software Open Source, ou ainda pela compilação de bases de dados na Web.4 Um dos indicadores fundamentais da abertura da ciência é a disponibilização online de conteúdos de natureza científica das pesquisas desenvolvidas. Através do inquérito aplicado, não só foi possível identificar a percentagem de investigadores que o fazem, como o tipo de conteúdos que são mais divulgados, permitindo compreender qual a dimensão da ciência aberta que é mais praticada pela comunidade científica inquirida, articulando essa informação com os pontos das várias componentes da ciência aberta apresentados subsequentemente. Cerca de 37% dos investigadores nacionais afirmam disponibilizar conteúdos científicos nas páginas da Web (quadro 3. 6). Já entre os investigadores da rede Cost este valor declina para 25, 5%. Estes resultados revelam que a disponibilização, por parte dos cientistas, de conhecimento científico através da Internet, embora não seja a prática dominante, representa um procedimento que não é marginal. A área científica onde os investigadores estão inseridos revela ser uma variável a considerar relativamente a esta prática (quadro 3.7). Cerca de 70% dos investigadores das áreas de MFIETU que possuem página na Internet afirmam que a utilizam para disponibilizar conteúdos de natureza científica. Com valores menos elevados surgem os investigadores das Ciências Sociais e Humanidades (57%) e das Ciências da Vida (50,6%).

4

Médias das respostas superiores a 5, numa escala em que 1 representa “discordo totalmente” e 7 significa “concordo totalmente”.

67

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.6 “Disponibiliza conteúdos de natureza científica nessa(s) página(s)?" (%) Nacionais

Cost

24,6 36,8 38,5

15,9 25,5 58,6

N = 646

N = 642

Não Sim Não possuem páginas

Quadro 3.7 Investigadores nacionais: “Disponibiliza conteúdos de natureza científica nessa(s) página(s)?", por área (%)

Não Sim

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

43,0 57,0

31,6 68,4

49,4 50,6

N = 397

Quadro 3.8 Investigadores nacionais: “Disponibiliza conteúdos de natureza científica nessa(s) página(s)?”, por faixa etária (%)

Não Sim

Até 29 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos ou mais

69,6 30,4

43,4 56,6

27,7 72,3

35,6 64,4

28,6 71,4

N = 397

A idade dos investigadores também parece influenciar o facto de disponibilizarem ou não conteúdos científicos nas suas páginas na Internet (quadro 3.8). Ao contrário do que poderia ser esperado, são os investigadores das faixas etárias acima dos 40 anos que mais disponibilizam esses conteúdos. Aqueles que menos o fazem são os mais jovens, com idades até 29 anos. Conforme sugere o quadro 3.9, parece haver uma relação entre o tipo de investigação tipicamente realizada5 e a prática de partilha online de conteúdos científicos. A relação manifesta-se nos dados relativos às MFIETU — a percentagem que não partilha esses conteúdos duplica na investigação orientada para o exterior face 5

Procedeu-se a uma classificação dos investigadores segundo as preocupações mencionadas na conceção dos seus projetos de investigação. Aqueles que referem haver preocupação com a promoção de inovação junto de entidades públicas ou privadas foram categorizados como realizando investigação orientada para o exterior, no sentido de ser investigação orientada para a sua aplicação externa ao campo científico.

68

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.9 Investigadores nacionais: “Disponibiliza conteúdos de natureza científica nessa(s) página(s)?”, por área e tipo de investigação (%) Disponibiliza conteúdos de natureza científica nessa(s) página(s)?

Não orientada para o exterior

Orientada para o exterior

Ciências Sociais e Humanidades*

Não Sim Não possui página Total

24,6 33,3 42,1 100,0

20,8 33,2 46,0 100,0

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo**

Não Sim Não possui página Total

12,1 60,6 27,3 100,0

21,1 47,4 31,6 100,0

Ciências da Vida***

Não Sim Não possui página Total

11,8 44,1 44,1 100,0

30,6 24,5 44,9 100,0

* N = 259; ** N = 185; *** N = 132

à que não o é (21% e 12%, respetivamente). Nestas áreas, a produção de conhecimento com vista à sua aplicação surge associada a uma menor percentagem que disponibiliza conteúdos científicos online. Nas Ciências da Vida essa diferença é ainda mais acentuada, sendo a disparidade da proporção daqueles que não disponibilizam conteúdos no mesmo sentido mas triplicando o valor. Os dados relativos às Ciências Sociais e Humanidades sugerem que, nessas áreas, a investigação aplicada não diminui a partilha de conteúdos científicos online. Ao analisar os conteúdos científicos disponibilizados pelos investigadores (quadro 3.10),6 os artigos aceites para publicação são os mais referidos, por 21,1% dos investigadores nacionais. Para além disso, 6,8% assinalam ainda que disponibilizam versões revistas e comentadas de artigos já publicados e 6,3% disponibilizam artigos já propostos para apreciação/publicação. Os investigadores disponibilizam principalmente literatura publicada ou por publicar em revistas científicas, o que pode relevar alguma insatisfação por parte dos autores com a forma tradicional de acesso às publicações que é estipulada pelas editoras de revistas técnicas e científicas. Para além disso, 20,3% disponibilizam artigos apresentados em conferências ou congressos. Este é um outro tipo de literatura científica que tem a vantagem de transmitir work in progress, desenvolvido em simultâneo com a apresentação pública de trabalhos que podem vir a ser publicados sob formas mais ou menos alteradas. As apresentações ou slides, também usados nesses contextos, são disponibilizadas por 15,2% dos investigadores.

6

Dado que se trata de uma pergunta de respostas múltiplas, o somatório das percentagens não perfaz 100%.

69

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.10 Tipo de conteúdos disponibilizados (aqui ou geral, já que diz respeitoa tudo o que se disponibiliza) (%)

Artigos aceites para publicação Artigos apresentados em conferências ou congressos Materiais de docência Teses e dissertações Apresentações ou slides Outros documentos Relatórios Fotografia, vídeo ou áudio Software Versões revistas e comentadas de artigos já publicados Bases de dados de projetos Artigos propostos para apreciação/publicação

Nacionais

Cost

21,1 20,3 17,0 15,2 15,2 14,6 11,1 10,8 07,1 06,8 06,5 06,3

15,7 14,6 12,5 07,8 09,8 10,3 09,0 09,5 01,9 03,6 07,3 04,2

N = 646

N = 642

Outro tipo de conteúdos disponibilizado online, por cerca de 17% dos investigadores, é material de docência. Esta é uma nova forma de transmissão de conhecimento entre professores e alunos, complementar aos métodos mais tradicionais (aulas, sebentas, etc.). Apenas uma pequena percentagem dos investigadores nacionais (6, 5%) afirma disponibilizar nas suas páginas Web as bases de dados de projetos. Essa prática traduz uma componente forte da ciência aberta: a abertura de dados utilizados pelos investigadores para poderem ser reutilizados por terceiros. Para os diversos tipos de conteúdo, à exceção das bases de dados, onde é ligeiramente superior, a proporção de investigadores da rede Cost que os disponibiliza é menor do que no caso dos investigadores nacionais. Analisando esta informação por área científica,7 nas MFIETU, onde esta prática é mais frequente, cerca de um em cada três investigadores afirma disponibilizar artigos apresentados em conferências ou congressos (34,3%), artigos aceites para publicação (32,9%) e teses e dissertações (30,6%). Também se destacam por apresentarem uma percentagem de disponibilização de software (15,7%) muito acima das demais áreas (cerca de 3%, ver quadro 3.11). Os investigadores das Ciências Sociais e Humanidades encontram-se numa posição intermédia, em termos das percentagens de disponibilização dos vários tipos de conteúdos. Partilham principalmente artigos apresentados em conferências ou congressos (18,4%), outros documentos (17,3%), artigos aceites para publicação (15,2%), materiais de docência (14,4%) e apresentações ou slides (14,1%). Já os das Ciências da Vida apresentam baixas percentagens relativas à partilha dos vários tipos de conteúdos. Aquilo que mais frequentemente afirmam disponibilizar são artigos aceites para publicação, embora apenas 15% desses investigadores o façam. Cerca de um em cada dez destes investigadores afirmam ainda 7

Dado que se trata de uma pergunta de respostas múltiplas, o somatório das percentagens não perfaz 100%.

70

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.11 Tipos de conteúdos disponibilizados, por área (%)

Ciências Sociais e Humanidades Artigos apresentados em conferências ou congressos Outros documentos Artigos aceites para publicação Materiais de docência Apresentações ou slides Fotografia, vídeo ou áudio Relatórios Artigos propostos para apreciação/publicação Teses e dissertações Versões revistas e comentadas de artigos já publicados Bases de dados de projetos Software

18,4 17,3 15,2 14,4 14,1 9,7 9,4 9,4 9,0 7,9 6,9 2,9

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Ciências Engenharias, Ciências da Vida da Terra e do Universo 34,3 14,8 32,9 25,5 23,1 13,4 19,0 6,0 30,6 7,4 7,9 15,7

3,9 9,2 15,0 9,8 5,9 9,2 3,3 1,3 4,6 3,9 3,9 2,6

N = 646

disponibilizar materiais de docência (9,8%), fotografia, vídeo ou áudio (9,2%) e outros documentos (9,2%). Note-se que estas áreas, comparativamente às restantes, apresentam as menores percentagens de disponibilização de todos os tipos de conteúdos visados, sem exceção. Representações e práticas dos investigadores relativas à abertura e partilha de ferramentas de pesquisa Uma das componentes fundamentais daquilo que se tem vindo a designar ciência aberta prende-se com a abertura e partilha do processo de investigação e das ferramentas e conteúdos utilizados no decurso da mesma, isto é, a divulgação e disseminação, por parte dos investigadores, do processo de pesquisa em si e das ferramentas por eles utilizadas. Aquilo que se mencionou no capítulo 1 e que J. Daniel Gezelter identifica como transparência na metodologia experimental, observação e recolha dos dados (open source, open notebook) e que Jean-Claude Bradley propõe como open notebook science. Por sua vez, os membros do Science Commons referem-se a esta componente da ciência aberta como o acesso às ferramentas da pesquisa financiada, relativo aos materiais necessários para a replicação da mesma. Representações dos investigadores relativas à abertura e partilha de ferramentas de pesquisa A prática de disponibilização de notas laboratoriais online, que os seus praticantes apelidam open notebook science, é defendida como uma das práticas que mais promovem a transparência científica. Um dos seus aspetos centrais é a disponibilização da descrição dos vários procedimentos de pesquisa, incluindo resultados

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

71

Quadro 3.12 “Qual a sua posição relativamente à prática de disponibilizar as notas laboratoriais online, mesmo aquelas relativas a experiências falhadas ou com resultados ambíguos?” (%)

Não devem ser disponibilizadas Devem ser disponibilizadas em simultâneo com a publicação dos resultados em revistas Devem ser disponibilizadas à medida que são produzidas, integrando a dimensão do diálogo e do debate na própria pesquisa

Nacionais

Cost

16,4

51,5

47,1

37,8

36,5

10,7

N = 482

N = 439

Quadro 3.13 “Qual a sua posição relativamente à prática de disponibilizar as notas laboratoriais online, mesmo aquelas relativas a experiências falhadas ou com resultados ambíguos?”, por área (%)

Não devem ser disponibilizadas Devem ser disponibilizadas em simultâneo com a publicação dos resultados em revistas Devem ser disponibilizadas à medida que são produzidas, integrando a dimensão do diálogo e do debate na própria pesquisa

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

11,2

18,1

22,0

39,4

51,5

52,8

49,5

30,4

25,2

N = 482

negativos ou inconclusivos que, embora não tendam a ser publicados, “não são necessariamente diferentes de resultados positivos no que diz respeito a considerações de desenho experimental, execução ou importância” (Young et al., 2008: 1419). Apenas 16,4% dos investigadores nacionais afirmam que essas notas não devem ser disponibilizadas (quadro 3.12). A grande maioria destes considera que, idealmente, os registos laboratoriais devem ser fornecidos — seja em simultâneo com a publicação dos resultados (47,1%), seja à medida que são produzidos (36,5%). Os investigadores da rede Cost parecem distanciar-se dos níveis de abertura identificados junto do subcontingente nacional: cerca de metade (51, 5%) afirmam que os registos laboratoriais não devem ser disponibilizados de todo, cerca de 40% defendem que devem ser disponibilizados em simultâneo com a publicação dos resultados e apenas 10% à medida que são produzidos. Analisando este indicador por áreas científicas, variável que se considera de grande utilidade para explicar as diferenças encontradas nas perceções dos investigadores (quadro 3.13), as Ciências Sociais e Humanidades são as que apresentam maior percentagem de investigadores a afirmarem que as notas laboratoriais devem ser disponibilizadas à medida que são produzidas (cerca de 50%) ou em simultâneo com a publicação (cerca de 40%). Apenas 11,2% desses investigadores afirmam que não devem ser disponibilizadas de todo, percentagem que

72

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

duplica nas Ciências da Vida e nas MFIETU. Dos investigadores destas últimas áreas, cerca de 50% defendem que devem ser disponibilizadas em simultâneo com a publicação dos resultados, enquanto menos de 1/3 afirmam que devem ser disponibilizadas à medida que são produzidas. Estes resultados revelam a forte influência das normas de abertura sobre as práticas ideais do trabalho científico junto da comunidade nacional de investigadores. Práticas dos investigadores relativas à abertura e partilha de ferramentas de pesquisa Não obstante a grande maioria dos investigadores nacionais e cerca de metade dos investigadores da rede Cost afirmarem que as notas laboratoriais devem ser publicadas online, apenas 4,2% dos primeiros e 3% dos últimos afirmam fazê-lo na prática (quadro 3.14). Ou seja, existe um desfasamento entre a posição e opinião dos investigadores acerca da maior transparência do processo científico e aquilo que são as suas práticas efetivas, ficando aquém do que era expectável. Ainda assim, é possível verificar a existência de uma tendência para a Internet estar a tornar-se um suporte para os cientistas disponibilizarem notas laboratoriais e as primeiras descobertas, ainda que para já o façam numa percentagem diminuta. Apesar de ser uma prática reduzida nos dois subcontigentes de investigadores inquiridos, segundo os dados apresentados no quadro 3.15, respeitantes às áreas científicas dos investigadores nacionais, essa prática encontra maior expressão junto dos investigadores das MFIETU (5,1%) e das Ciências Sociais e Humanidades (4,3%). Os investigadores que menos o fazem são os das Ciências da Vida (2,6%). À exceção dos investigadores da faixa etária com 60 anos ou mais, que apresentam a maior percentagem dos que disponibilizam as suas notas laboratoriais (cerca de 7%), o aumento da idade está associado à menor propensão para essa disponibilização (quadro 3.16). Outro indicador relevante para a análise da primeira dimensão da ciência aberta é o desenvolvimento de software para a utilização no decurso da investigação e a forma como o mesmo é licenciado. No que respeita o primeiro aspeto, verifica-se que cerca de 40% dos investigadores de ambos os contingentes assinalam ter sido desenvolvido software, no decurso de um projeto, para investigação nas suas áreas (quadro 3.17). Como seria de prever, são os investigadores das áreas de MFIETU que mais assinalam esta resposta (quadro 3.18). De facto, é mencionada pela grande maioria desses (cerca de 70%), por oposição às restantes áreas, onde uma minoria, cerca de um em cada quatro investigadores, afirmam ter sido desenvolvido software no âmbito de projetos em que tenham participado. Segundo De Roure e Goble (2009), o desenvolvimento de software científico é uma questão problemática: os cientistas possuem aplicações desafiadoras e alteráveis que compreendem bem mas com difícil comunicação ou estabilização. Estão concentrados na obtenção rápida de

73

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.14 “Disponibiliza as suas notas laboratoriais online?" (%) Nacionais

Cost

48,5 04,2 47,4

67,9 03,0 29,1

N = 646

N = 642

Não Sim Não aplicável

Quadro 3.15 “Disponibiliza as suas notas laboratoriais online?”, por área (%)

Não Sim Não aplicável Total

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

30,3 4,3 65,3 100,0

54,2 5,1 40,7 100,0

73,2 2,6 24,2 100,0

N = 646

Quadro 3.16 “Disponibiliza as suas notas laboratoriais online?”, por área (%)

Não Sim Não aplicável Total

Até 29 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos ou mais

58,3 5,0 36,7 100,0

51,5 4,3 44,2 100,0

48,7 4,1 47,2 100,0

38,3 2,5 59,2 100,0

45,2 7,1 47,6 100,0

N = 646

resultados científicos para competir com os seus pares e construir a sua reputação. Os cientistas procuram confiança no seu software mas, paradoxalmente, estão menos preocupados com soluções genéricas que possam ser replicadas nas suas comunidades e que evoluam sistematicamente. (id., ibid.: 91)

As dificuldades inerentes ao desenvolvimento desse tipo de software tornam ainda mais pertinentes os esforços de sistematização metódica do código utilizado e de posterior disseminação junto da comunidade científica. Dos que assinalaram ter sido desenvolvido software no decurso de projetos em que tenham participado, cerca de 60% dos investigadores nacionais e 50% dos da rede Cost afirmam que esse software não foi licenciado, e cerca de 25% de ambas

74

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.17 “No decurso de um projeto em que tenha participado, alguma vez foi desenvolvido software para utilização em investigação na sua área?" (%)

Não Sim

Nacionais

Cost

59,1 40,9

57,2 42,8

N = 646

N = 642

Quadro 3.18 “No decurso de um projeto em que tenha participado, alguma vez foi desenvolvido software para utilização em investigação na sua área?”, por área (%)

Não Sim Total

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

72,2 27,8 100,0

30,6 69,4 100,0

75,8 24,2 100,0

as populações afirmam que foi licenciado sob uma licença Open Source (quadro 3. 19). Os restantes 25% da rede Cost e apenas 13, 6% dos investigadores nacionais assinalam que o software foi disponibilizado sob copyright. O licenciamento de software científico é uma das questões debatidas pelos proponentes da Ciência Aberta. Se tiver correspondência com um repositório digital para dados experimentais, um repositório aberto de software terá a vantagem de permitir que os resultados não sejam somente relatados na literatura arquivística, mas que o sejam em conjunto com descobertas experimentais que podem ser repetidas pelos utilizadores e pelos pares. (Yoo e Metaxas, 2005: 505)

Para além disso, sem a disponibilização do código fonte, o método experimental com recurso à computação é uma caixa negra, o que leva inevitavelmente ao questionamento sobre o caráter científico de tais procedimentos. Verifica-se, ao analisar o quadro 3.20, que a percentagem de investigadores que afirmam que o software não foi licenciado não varia de forma acentuada consoante a área de investigação, rondando os 60%. No entanto, as Ciências Sociais opõem-se às restantes áreas por apresentarem uma percentagem acentuadamente menor (apenas pouco mais de metade) de investigadores que afirmam utilizar licenças Open Source. A percentagem de investigadores que afirmam que o software não foi licenciado aumenta consoante a progressão para os escalões etários mais velhos e a percentagem que assinala ter sido usada uma licença Open Source diminui (quadro 3.21).

75

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.19 “Como foi licenciado esse software?” (%) Nacionais

Cost

60,9 25,8 13,6

50,9 24,0 25,1

N = 264

N = 275

Não foi licenciado Licença Open Source Copyright

Quadro 3.20 “Como foi licenciado esse software?”, por área (%)

Não foi licenciado Licença Open Source Copyright Total

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

57,1 16,9 26,0 100,0

63,3 29,3 7,3 100,0

56,8 29,7 13,5 100,0

N = 264

Quadro 3.21 “Como foi licenciado esse software?”, por idade (%)

Não foi licenciado Licença Open Source Copyright Total

Até 29 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos ou mais

47,1 35,3 17,6 100,0

52,9 33,3 13,8 100,0

66,7 23,0 10,3 100,0

65,3 18,4 16,3 100,0

66,7 16,7 16,7 100,0

N = 264

Os dados aqui apresentados parecem indicar uma maior preocupação dos investigadores mais jovens em abrir o código fonte do software científico desenvolvido nas suas pesquisas. Representações e práticas dos investigadores relativas à partilha de dados utilizados na investigação Outro dos indicadores chave da ciência aberta diz respeito à disponibilização na Web dos dados recolhidos e utilizados no decurso das pesquisas, constituindo, em muitos casos, bases de dados. O que Peter Murray-Rust designa open data.

76

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Esta disponibilização pública dos dados científicos serve não apenas para validar as análises feitas pelos investigadores, se outros quiserem testar os resultados alcançados, como também para rentabilização e reutilização, não exigindo um novo esforço de recolha dos mesmos. Deste modo, para vários autores, esta componente é uma das fundamentais da ciência aberta, porque não só oferece transparência aos resultados e conclusões alcançados nas pesquisas científicas, como permite a utilização por outros investigadores para os mais diversos fins científicos. Representações dos investigadores relativas à partilha de dados utilizados na investigação Embora os investigadores nacionais tendam a concordar com o facto de que a disponibilização, em regime de open access, dos dados utilizados nas pesquisas científicas permitirá maior esclarecimento e debate, os da rede Cost mostram-se céticos em relação a essas vantagens (quadro 3.22).8 Quer os nacionais quer os da rede europeia tendem a ser céticos também relativamente ao combate mais fácil à fraude científica (com valores médios de cerca de 4), um dos pontos mais defendidos pelos que advogam este tipo de acesso aos dados científicos. Um dos aspetos mais controversos da ciência aberta é quem deve ser responsabilizado financeiramente pelos custos de abertura dos conteúdos científicos. No que respeita à dimensão da disponibilização dos dados em regime aberto, verifica-se que, embora quase 1/5 dos investigadores dos dois subcontingentes de inquiridos afirmem que os custos inerentes à disponibilização de dados em regime de acesso livre devem ser suportados por quem os consultar, cerca de 40% dos mesmos entendem que devem ser financiados pelo projeto e 30% pelo Estado (quadro 3.23). Menos de 5% afirmam que devem ser os investigadores a suportar esses custos. Isto significa que existe uma dispersão quanto à opinião de quem deve assegurar os encargos da disponibilização livre dos dados científicos. Conforme se pode constatar claramente pelo quadro 3.24, quanto mais velhos os investigadores, maior a propensão para afirmarem que os custos devem ser suportados por quem os consultar, opção escolhida por apenas 11,7% dos investigadores com idades até 29 anos e por 28,6% dos que têm 60 anos ou mais. Deste ponto de vista, os investigadores mais jovens parecem mais recetivos a outras alternativas para suportar os encargos inerentes à acessibilidade dos dados, para além de quem consulta esses dados. Já uma percentagem considerável de investigadores mais velhos consideram essa alternativa como uma possibilidade. A grande maioria dos investigadores nacionais (71,1%) e da rede Cost (79,1%) afirmam que, na colocação de dados no domínio público, a utilização das normas de atribuição e citação da comunidade científica é mais adequada que a utilização de licenças que especifiquem os usos possíveis desses dados (quadro 3.25). No

8

Valores próximos de quatro, representando o ponto intermédio da escala de 1 a 7, em que 1 representa “discordo totalmente” e 7 significa “concordo totalmente”.

77

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.22 “Com a divulgação de dados aberta à comunidade em geral, acredita que: …” (médias) Nacionais

Cost

5,14 5,07 4,34

4,46 4,47 3,90

Existirá uma maior possibilidade de esclarecimento e debate A comunidade científica poderá progredir de forma mais célere Combater-se-ão as fraudes científicas com maior facilidade

Quadro 3.23 “Segundo a sua opinião, quem deveria suportar os custos inerentes à apresentação, acesso e armazenamento de dados no regime de open access?" (%)

Os financiadores do projeto O Estado Quem consultar esses dados Outro Os investigadores

Nacionais

Cost

41,2 29,3 17,8 08,7 03,1

38,2 29,8 19,5 07,8 04,8

N = 646

N = 642

Quadro 3.24 “Segundo a sua opinião, quem deveria suportar os custos inerentes à apresentação, acesso e armazenamento de dados no regime de open access?”, por idade (%)

Os financiadores do projeto O Estado Quem consultar esses dados Outro Os investigadores Total

Até 29 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

26,7 43,3 11,7 15,0 3,3 100,0

48,5 25,5 16,0 6,9 3,0 100,0

40,9 28,0 15,5 11,9 3,6 100,0

50 a 59 anos 60 anos ou mais 36,7 30,0 24,2 5,8 3,3 100,0

35,7 33,3 28,6 2,4 0,0 100,0

N = 646

entanto, essas normas não previnem que alguma entidade possa patentear os dados: a disponibilização de dados, em si, nem sempre é suficiente para prevenir patentes. O problema que advém da libertação pública de dados é que isso permite que uma outra parte melhore os dados disponibilizados e registe patente dessas melhorias. […] Quando informação ou dados integram uma invenção patenteável, os direitos subsequentes podem ser suficientemente amplos para cobrir o uso dos dados que formam parte da invenção. […] Consequentemente, alguns projetos de investigação mobilizaram métodos de licenciamento […] numa tentativa de manter os dados “abertos”, ao invés da simples libertação dos dados para o domínio público. (Fitzgerald e Pappalardo, 2008: 154)

78

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.25 “Na colocação de dados no domínio público, o que seria mais adequado?” (%)

Utilizar licenças que especifiquem os usos possíveis Utilizar as normas de atribuição e citação predefinidas pela comunidade científica

Nacionais

Cost

28,9

20,9

71,1

79,1

N = 318

N = 273

Práticas dos investigadores relativas à partilha de dados utilizados na investigação Tal como já se verificou em relação à dimensão da disponibilização das ferramentas e das metodologias do trabalho científico, consubstanciada na apresentação das notas laboratoriais, seria expectável que, em relação ao acesso livre a dados, não houvesse correspondência entre as posições dos investigadores e as suas práticas. No entanto, tal como é visível através da leitura dos indicadores seguintes, de facto, uma percentagem considerável de investigadores nacionais e da rede Cost têm o hábito de disponibilizar o acesso a esses dados. Esta realidade é visível, desde já, através do quadro 3.26, em que ressalta o facto de a percentagem de investigadores que já facultaram o acesso público a dados por eles utilizados na investigação ser relativamente alta, quer nos investigadores nacionais (73,1%) como nos da rede Cost (77,4%). Este tipo de comportamento é derivado da ideia, partilhada por uma grande parte da comunidade científica, de que o livre acesso e a partilha de dados reforça a investigação científica aberta, encoraja a diversidade de análises e opiniões, promove novas pesquisas, permite testar hipóteses e métodos de análise novos ou alternativos, apoia estudos de recolha e medição de dados, facilita a educação de novos investigadores, permite a exploração de tópicos não abordados pelos investigadores iniciais, e permite a criação de novos conjuntos de dados pela combinação de várias fontes (Arzberger et al., 2004: 139).

Retomando a perspetiva de Foray (1997), o número de investigadores que partilha dados, isto é, que é ativo numa colaboração comunitária dispersa mas efetiva, pode já ter ultrapassado a constante k do “dilema de múltiplos prisioneiros uniforme” de Schelling. Se esse for o caso, os benefícios das colaborações na ciência poderão já ter sido reconhecidos, e as políticas recentes das instituições ligadas à promoção e desenvolvimento científico, como o incentivo à cooperação, à internacionalização e à partilha de resultados de forma livre, poderão ser manifestações de adaptações institucionais à norma da abertura. O facto de a abertura, a transparência e a interoperabilidade constarem num documento da OCDE intitulado Principles and Guidelines for Access to Research Data from Public Funding, enquanto princípios

79

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.26 “Faculta, ou já facultou, o acesso público a dados utilizados na sua investigação?" (%)

Não Sim, Sim, Sim, Sim,

para uso individual para uso institucional público para uso institucional privado sem quaisquer restrições de uso

Nacionais

Cost

26,9 33,7 17,3 02,8 19,2

22,6 20,9 23,2 01,4 31,9

N = 646

N = 642

Quadro 3.27 ““Faculta, ou já facultou, o acesso público a dados utilizados na sua investigação?”, por área (%)

Não Sim, para uso individual Sim, para uso institucional público Sim, para uso institucional privado Sim, sem quaisquer restrições de uso Total

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

27,4 33,6 16,6 2,9 19,5 100,0

19,9 32,4 19,0 3,2 25,5 100,0

35,9 35,9 16,3 2,0 9,8 100,0

N = 646

para a investigação com financiamento público, constitui um indício de que tal transformação institucional poderá estar já a decorrer (OCDE, 2007). Considerando os investigadores nacionais por área científica, os das Ciências da Vida são aqueles em que a percentagem dos que afirmam nunca terem facultado o acesso público a dados é mais elevada, embora não ultrapasse os 36% (quadro 3.27). Cerca de um em cada quatro (27,4%) investigadores das Ciências Sociais e Humanidades e cerca de um em cada cinco (19,9%) das MFIETU assinalam também essa resposta. Estes resultados sugerem que a maioria dos investigadores já facultaram, em algum momento, o acesso público a dados que utilizaram nas suas pesquisas, o que indica uma prevalência da norma de abertura na produção de conhecimento científico nacional. A menor propensão dos investigadores das Ciências da Vida em disponibilizarem publicamente os seus dados é um ponto sobre o qual se argumenta de forma mais aprofundada. José L. Garcia e Hermínio Martins, num artigo sobre as transformações do ethos científico, com especial enfoque na biotecnologia, afirmam que, “por todo o mundo académico ocidental, e especialmente na investigação científica, dentro e fora das universidades, nos âmbitos da biotecnologia e de outras ciências e tecnologias da vida, estão sendo disseminados os traços tipicamente característicos dos campos comercial e empresarial” (Garcia e Martins, 2009: 83).

80

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Vários estudos, citados no artigo supramencionado, ilustram este ponto. Investigadores da Universidade de Harvard, num estudo realizado em 1997 e publicado no Journal of the American Medical Association, assinalava que um quinto das faculdades das Ciências da Vida atrasou a publicação de investigações por razões estratégicas, comerciais ou relacionadas com problemas de patentes (Bowring, 2003). Sheldon Krimsky analisou a estreita ligação entre indústria e universidade nas áreas das Ciências da Vida. Entre 1983 e 1988, cerca de 35% dos cientistas biomédicos e biólogos da National Academy of Sciences mantinham laços com a indústria biotecnológica (Krimsky et al., 1991). Num outro estudo, todos os artigos publicados por cientistas de Massachusetts em 14 publicações das Ciências da Vida e Biomédicas, durante o ano de 1992, foram analisados. Os seus resultados indicaram que 15% dos autores tinham interesse financeiro nos seus artigos e que 34% dos artigos tinham pelo menos um autor com interesse financeiro (Krimsky et al., 1996).9 Num inquérito a investigadores das Ciências da Vida americanos, cerca de 20% afirmaram terem protelado a publicação dos seus resultados por mais de seis meses nos três anos anteriores (Blumenthal et al., 1997). Um outro estudo, baseado num inquérito a geneticistas, concluiu que cerca de metade (47%) dos inquiridos que haviam pedido informações adicionais, dados ou materiais relacionados com investigações publicadas viram pelo menos um dos seus pedidos negados e 28% afirmaram que não lhes foi possível confirmar os resultados publicados devido a essa recusa (Campbell et al., 2002). Mais recentemente, num inquérito a geneticistas e a outros cientistas das Ciências da Vida, 44% dos primeiros e 32% dos últimos assinalaram eles próprios terem sonegado dados nos seus diálogos ou nas publicações (Blumenthal et al., 2006). A ligação dessas áreas com indústrias como a farmacêutica, que depende bastante de direitos de propriedade intelectual (Cohen et al., 2000), também pode ajudar a explicar o maior fechamento encontrado nessas áreas. Segundo Rai e Eisenberg (2003), o desenvolvimento de produtos farmacêuticos sempre foi um empreendimento baseado em patentes, embora a pesquisa biomédica tenha por tradição a partilha do conhecimento fundamental. O estreitamento dos laços entre a pesquisa fundamental e a aplicação comercial tem vindo a erodir essa tradição: nas últimas décadas os direitos de propriedade alargaram-se a montante (upstream) do produto final, englobando também as descobertas fundamentais que serviriam de base ao desenvolvimento futuro de novos produtos: a descoberta de novos fármacos é agora extremamente dependente de conhecimento básico de genes, proteínas e vias bioquímicas associadas. As receitas previsíveis dessa

9

Neste estudo, o critério de “interesse financeiro” de um autor advém do facto de (1) ser um membro do conselho consultivo de uma empresa que desenvolva produtos relacionados com a sua especialidade, (2) estar listado como inventor em patentes ou pedidos de patente para produtos ou processos próximos dos conteúdos da publicação em causa, e (3) ser administrador, diretor ou acionista maioritário numa empresa envolvida em atividades comerciais relacionadas com a sua especialidade (Krimsky et al., 1996: 398-399).

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

81

pesquisa fundamental tornaram mais fácil a obtenção de patentes para descobertas que, em épocas passadas, pareceriam demasiadamente distantes da aplicação útil da proteção por patentes. (id., ibid.: 289)

Um exemplo de uma barreira desse tipo, citado por Murray et al. (2009), são as patentes que a DuPont Corporations obteve sobre os métodos Oncomouse. A DuPont participou no financiamento parcial da pesquisa que lhes está na base, realizada por um investigador da Universidade de Harvard. A empresa controlou a distribuição e o uso dessa tecnologia, impedindo o seu acesso por parte da comunidade científica, situação que foi alterada através de acordos do National Institute for Health (NIH), que circunscreveram as restrições dos direitos de propriedade intelectual sobre a utilização de ratos geneticamente modificados. As consequências dessas medidas, identificadas pelos autores, consistem no aumento da sua utilização na investigação e também na diversificação dos percursos de pesquisa. Para além disso, para os casos em que as limitações eram relativas ao acesso em si e não apenas às aplicações posteriores, a abertura deu origem a publicações científicas de uma natureza mais fundamental e de maior qualidade (id., ibid.). Outro exemplo pode ser encontrado no patenteamento das células estaminais embrionárias humanas, que restringe quer o método da sua criação, quer direitos de utilização. A estratégia de controlo do mercado dessas células, mobilizada por parte dos detentores das patentes, incluía licenças sobre o seu uso, uma das quais concedia à Geron direitos exclusivos para desenvolver produtos terapêuticos ou de diagnóstico a partir de células estaminais neuronais, cardiomiócitos e células dos “ilhéus de Langerhans”,10 para além de direitos não exclusivos para desenvolvimento e comercialização de produtos baseados noutros tipos de células (Murray, 2007). Um estudo por Lei et al. indica que as patentes não são um problema em si mesmas para os investigadores: o que mais restringe a troca de materiais são os interesses financeiros das administrações institucionais, que encorajam a utilização de acordos de transferência de material na troca de ferramentas patenteadas (Lei et al., 2009: 39). Outra questão analisada centra-se nos suportes utilizados pelos investigadores para essa disponibilização. As páginas online das instituições onde desenvolvem atividade são o suporte mais utilizado para disponibilizar os dados, quer pelos investigadores nacionais quer pelos da rede europeia: cerca de 40% de ambos os subcontingentes que disponibilizam o acesso público a dados fazem-no através de uma dessas páginas (quadro 3.28).11 Em segundo lugar surgem as páginas ou blogues criados de raiz para os projetos, assinalados por cerca de 18% dos investigadores nacionais e 25% dos da rede europeia. Isso indica que os dados tendem a ser disponibilizados em suportes ligados ou à instituição em que trabalham, ou ao projeto específico em questão, e não em arquivos ou portais dedicados que integrem diversas fontes de dados, o que tornaria a pesquisa mais fácil. 10 11

Formações glandulares do pâncreas. Uma vez mais, dado que se trata de uma pergunta de respostas múltiplas, o somatório das percentagens não perfaz 100%.

82

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.28 ““Em que suporte disponibiliza esses dados?” (%

Formato standard da instituição onde desenvolve atividade Página ou blogue criado de raiz para o projeto Blogue ou página pessoal Portal Página da publicação em open access na qual publicou o respetivo artigo Plataforma de publicação (ex.: OJS) Página de rede social (ex.: Facebook)

Nacionais

Cost

40,4 18,3 16,6 09,1 07,1 06,7 00,8

39,6 24,6 05,4 07,4 19,5 16,6 01,2

N = 472

N = 496

Importa salientar que parece existir uma diferença fundamental entre os investigadores nacionais e os da rede Cost quanto aos suportes que utilizam para disponibilização de dados. Dos primeiros, cerca de 17% assinalam disponibilizá-los num blogue ou página pessoal, uma percentagem consideravelmente maior que entre os segundos. Isso parece indicar que os investigadores nacionais utilizam mais os recursos disponíveis na Internet, geralmente usados para outros fins, para disponibilizarem os seus dados. Dos que integram a rede europeia Cost, 19,5% disponibilizam-nos na página da publicação em open access onde publicaram o respetivo artigo e 16,6% numa plataforma de publicação, enquanto apenas cerca de 7% dos investigadores nacionais referem esses recursos. Isso indica que um número considerável de investigadores da rede Cost utiliza recursos de publicação de artigos para disponibilizarem também os dados utilizados. Esta prática não encontra grande expressão junto dos investigadores nacionais, o que nos leva a recomendar a sensibilização de investigadores e editoras científicas nacionais para a partilha de dados relacionados com artigos científicos publicados. As páginas de rede social, formato que mais explora os recursos da chamada Web 2.0, surgem então como os formatos nos quais a disponibilização de conteúdos científicos tende a ser menor (cerca de 1%): os dados científicos disponibilizados na Internet pelos investigadores parecem colonizar principalmente mecanismos da Web 1.0. Debates recentes dentro das comunidades científicas têm vindo a debruçar-se sobre a aplicação das tecnologias da Web 2.0 à partilha e à colaboração entre cientistas. Embora a maioria dos investigadores que disponibilizam dados utilize formatos tendencialmente não editáveis, 16, 5% dos nacionais e 27% da rede Cost afirmam disponibilizarem conteúdos num formato tendencialmente editável por terceiros (quadro 3.29). Estes dados indicam que a utilização de tecnologias que permitem a edição online conjunta, possibilitando a vários investigadores trabalharem sobre as mesmas informações, adquire uma expressão já assinalável junto dos investigadores (16,5% dos investigadores nacionais e 27% dos da rede Cost). As Ciências Sociais e Humanidades voltam a destacar-se das restantes pelo facto de integrarem maior percentagem de investigadores que afirmam disponibilizarem dados em formatos tendencialmente editáveis por terceiros (quadro 3.30).

83

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.29 “Formato em que os investigadores disponibilizam os dados (%)

Formato tendencialmente não editável Formato tendencialmente editável por terceiros (ex.: Wiki)

Nacionais

Cost

83,5 16,5

73,0 27,0

N = 472

N = 496

Quadro 3.30 Formato em que os investigadores disponibilizam os dados, por área (%)

Formato tendencialmente não editável Formato tendencialmente editável por terceiros (ex.: Wiki) Total

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

79,1 20,9

86,7 13,3

86,7 13,3

100,0

100,0

100,0

Quadro 3.31 “Na disponibilização dos seus dados, menciona explicitamente termos de utilização?" (%)

Não Sim

Nacionais

Cost

66,5 33,5

57,1 42,9

N = 472

N = 496

Cerca de 1/3 (33,5%) dos investigadores nacionais e 43% da rede Cost, valor ligeiramente superior, afirmam que explicitam os termos de utilização quando disponibilizam dados online (quadro 3.31). Não obstante o facto de serem proporções consideráveis, a maioria dos investigadores não explicita as condições de reutilização dos dados que disponibilizam, o que pode limitar as possibilidades de reutilização desses dados por parte de terceiros, como já foi referido relativamente à questão das licenças. Dos investigadores nacionais que explicitam os termos de utilização com a disponibilização dos dados, mais de 70% afirmam permitir quer a redistribuição quer a reutilização dos dados disponibilizados. Uma percentagem acentuadamente menor, cerca de 50%, permitem a sua colocação no domínio público, e apenas 23% autorizam a modificação desses dados (quadro 3.32). Isto significa, que apesar de existir uma percentagem considerável de investigadores que disponibilizam os dados utilizados, nem todos permitem a sua rentabilização total.

84

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.32 “Investigadores nacionais: “Segundo os termos explicitados, permite: …” (%)

Não Sim

Redistribuição dos dados

Reutilização dos dados

Modificação dos dados

Colocação dos dados no domínio público

28,0 72,0

20,7 79,3

76,9 23,1

46,4 53,6

N = 143

N = 145

N = 143

N = 140

Quadro 3.33 Usa diferentes graus de permissão consoante o tipo de informação que disponibiliza?" (%)

Não Sim

Nacionais

Cost

30,4 69,6

33,9 66,1

N = 125

N = 165

Dos que explicitam os termos de utilização dos dados disponibilizados, a maioria (cerca de 2/3) dos investigadores, quer nacionais, quer da rede Cost, afirmam diferenciar os graus de permissão consoante o tipo de informação disponibilizada (quadro 3.33). Representações e práticas dos investigadores relativas à disponibilização pública e transparência na comunicação científica (open access) A terceira dimensão do movimento Ciência Aberta é fundamental e remete para o que se tem vindo a designar movimento Open Access, isto é, o acesso livre e sem restrições às publicações científicas. A publicação é a principal forma de comunicação formal entre investigadores. É uma comunicação de natureza muito distinta das restantes: A comunicação formal é impessoal e tem lugar em revistas científicas, livros e, em certa medida, conferências. Espera-se que o artigo em revistas científicas seja uma peça de informação robusta e confiável. (Barjak, 2006: 1351)

Sendo uma prática altamente devedora do advento da Internet e das novas TIC, como aliás as restantes dimensões da ciência aberta, o acesso livre às publicações científicas, sem restrições de preço e de permissão, tem vindo a ser proclamado como uma prática promotora de um acesso mais democrático ao conhecimento

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

85

científico e como um movimento de reação aos crescentes monopólios comerciais de determinadas editoras, permitindo em simultâneo uma maior articulação entre ciência e sociedade e uma maior colaboração e cooperação entre a comunidade científica. Tendo em conta a centralidade do open access, importa analisar as respostas dos inquiridos acerca do (i) acesso a publicações científicas, das (ii) representações que têm acerca deste sistema de publicação e das (iii) práticas de disponibilização online de publicações científicas realizadas pelos mesmos. Uma vez que os beneficiários do open access são o “pesquisador que tem acesso fácil e gratuito aos resultados das pesquisas e […] também o autor que consegue um maior impacto do seu artigo sobre a comunidade científica […]”,12 decidiu-se inquirir os investigadores acerca da facilidade com que acedem a publicações na Internet, ou seja, questionar os investigadores enquanto utilizadores do open access, mas também acerca das práticas de disponibilização de publicações em acesso aberto, ou seja, os investigadores enquanto promotores deste movimento. Representações dos investigadores relativas à disponibilização pública e transparência na comunicação científica No que diz respeito ao acesso a publicações online, a maioria dos investigadores, quer nacionais (59,9%) quer da rede Cost (52,5%), afirmam acederem a boa parte das publicações de que necessitam (quadro 3.34). No entanto, importa assinalar que cerca de um terço de ambos os subcontingentes afirmam ter acesso a poucas ou apenas a algumas das publicações de que necessitam. Apenas cerca de 10% assinalaram aceder a todas as publicações de que têm necessidade. Os investigadores das áreas de Ciências Sociais e Humanidades são os que se deparam com maiores dificuldades no acesso às publicações online: dois em cada cinco desta área (cerca de 40%) acedem a poucas (4,7%) ou a algumas (36,8%) das publicações de que necessitam (quadro 3.35). Contrariamente, os investigadores das áreas de MFIETU têm maior facilidade: apenas um quinto assinalam que acedem a poucas (4,6%) ou a algumas (17,6%) das publicações de que necessitam. Os investigadores das Ciências da Vida ocupam uma posição intermédia: um terço destes assinala ter acesso a poucas (3,3%) ou algumas (30,1%) das publicações de que necessitam. Um dos indicadores importantes a realçar é o conhecimento, por parte dos investigadores, do modelo de publicação científica em regime de open access. De facto, constata-se que a grande maioria dos nacionais (78,5%) tem conhecimento da existência desta modalidade de publicação. No entanto, ela é ainda desconhecida para cerca de um em cada cinco investigadores (quadro 3.36). Ao comparar as diferentes áreas (quadro 3.37), torna-se evidente que os investigadores das Ciências da Vida se apresentam como sendo os que conhecem melhor a modalidade de publicação em regime de open access (92,2%). Por 12

Ortellado e Machado (2006: 11).

86

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.34 “Como descreveria o grau de facilidade do seu acesso a publicações online?” (%)

Acedo Acedo Acedo Acedo

a a a a

poucas publicações de que necessito algumas das publicações de que necessito uma boa parte das publicações de que necessito todas as publicações de que necessito

Nacionais

Cost

04,3 28,8 59,9 07,0

10,1 25,2 52,5 12,1

N = 646

N = 642

Quadro 3.35 “Como descreveria o grau de facilidade do seu acesso a publicações online?”, por área (%)

Acedo a poucas publicações de que necessito Acedo a algumas das publicações de que necessito Acedo a uma boa parte das publicações de que necessito Acedo a todas as publicações de que necessito

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

4,7

4,6

3,3

36,8

17,6

30,1

52,3

67,6

62,7

6,1

10,2

3,9

N = 646

Quadro 3.36 Investigadores nacionais: “Tem conhecimentoda existência da modalidade de publicação de trabalho científico em regime de open access?" Percentagem Não Sim

21,5 78,5

N = 646

oposição, a percentagem de investigadores das áreas de Ciências Sociais e Humanidades e de MFIETU que afirmam conhecer esta modalidade é consideravelmente menor (75,8% e 72,2% respetivamente). Aqui importa salientar que os investigadores das Ciências da Vida estão mais familiarizados com as implicações práticas da abertura do conhecimento por eles produzido, pois a inovação nessas áreas pode transformar-se na cura, prevenção ou melhores tratamentos para problemas de saúde, o que pode significar melhorias na vida da população em geral. Quando questionados acerca do conhecimento de políticas públicas que promovem este regime de publicação, apenas 24,1% dos investigadores nacionais,

87

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.37 “Tem conhecimento da existência da modalidade de publicação de trabalho científico em regime de open access?”, por área (%)

Não Sim

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

24,2 75,8

27,8 72,2

7,8 92,2

N = 646

Quadro 3.38 “Tem conhecimento da existência de alguma(s) política(s) pública(s) em Portugal [nacionais]/no país em que desenvolve investigação [Cost]de promoção de publicação em regime de open access?" (%)

Não Sim

Nacionais

Cost

75,9 24,1

64,2 35,8

N = 507

N = 642

Quadro 3.39 “No último ano, tomou conhecimento - por iniciativa da sua instituição de acolhimento - da existência de algum repositório de publicações em regime de open access?" (%)

Sim Não

Nacionais

Cost

46,9 31,6

55,3 44,7

N = 646

N = 642

aproximadamente 1/4, afirmam que têm conhecimento de políticas públicas de promoção da publicação em regime de open access em Portugal (quadro 3. 38). Este valor é superior nos investigadores da rede Cost, chegando a 35, 8%, o que poderá representar uma menor eficiência na implementação desse tipo de políticas por parte do Estado português, comparativamente com outros Estados europeus, ou pelo menos menor divulgação e publicitação. Cerca de metade dos investigadores nacionais (46,9%) e da rede europeia Cost (55,3%) afirmam ter tomado conhecimento da existência de um repositório de publicações em regime de open access por iniciativa da sua instituição de acolhimento (quadro 3.39).13 Em Portugal, um exemplo promovido institucionalmente é o Repositório Científico de Acesso Aberto em Portugal (RCAAP), um portal da 13

O somatório das percentagens não perfaz 100% devido a não respostas (21, 5%).

88

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.40 “Publicar em regime de open access, …” (médias)

Permitirá maior discussão e consequente melhoramento dos meus artigos Pode não ter impacto na progressão da carreira Poderá prejudicar as minhas relações com as editoras tradicionais Pode prejudicar a obtenção futura de financiamento Pode prejudicar a longevidade do trabalho publicado nesse regime Pode prejudicar a minha posição profissional Pode prejudicar a viabilidade de instituições académicas Pode prejudicar o trabalho que já publiquei

Nacionais

Cost

4,93 3,45 2,70 2,61 2,36 2,29 2,21 2,17

4,76 3,84 2,86 2,79 2,60 2,18 2,24 2,15

Internet que agrega e indexa conteúdos de acesso livre ou restrito, depositados em diversos repositórios de instituições de ensino superior e outras organizações de I&D.14 Um dos objetivos fundamentais do estudo é perceber como é que os investigadores perspetivam o acesso livre às publicações científicas para depois se identificarem as suas práticas relativas à disponibilização de artigos científicos. Para compreender o que os investigadores pensam da ideia de publicar em regime de open access,15 é possível verificar que, o grau de concordância com a ideia de que publicar neste regime permite maior discussão e melhoramento dos seus artigos não é muito superior ao ponto médio da escala. Ainda assim, também se constata que a maioria dos investigadores tendem a discordar de que trará consequências prejudiciais às suas relações com as editoras tradicionais, à obtenção futura de financiamento, à longevidade do trabalho publicado nesse regime, à sua posição profissional, à viabilidade das instituições académicas e ao trabalho por eles publicado (quadro 3.40), o que significa que não veem nenhum inconveniente em publicar neste modelo. Os investigadores inquiridos de ambos os subcontingentes tendem a concordar com a ideia de que o modelo de open access se traduzirá numa melhor relação custo-benefício ao nível da relação entre a comunidade científica e os sistemas de publicação, como se pode ver pelas médias apresentadas (quadro 3. 41). Isto significa que, para grande parte destes investigadores, predomina a ideia de que a divulgação e disseminação dos seus artigos na Internet é uma excelente forma de os mesmos serem lidos por um maior número de pares e, consequentemente, serem mais citados. Os dados apontam para uma tendência, junto da comunidade científica, para considerar o modelo de publicação em open access como o que lhe é mais proveitoso, quando comparado com o modelo pago. Um estudo feito para o Nucleic Acids Research (Oxford University Press), uma publicação que havia transitado pouco tempo antes para um modelo de open access,

14 15

http: //www. rcaap. pt/about. jsp?locale=pt Escala de 1 a 7 em que 1 representa “discordo totalmente” e 7 significa “concordo totalmente”.

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

89

Quadro 3.41 Open access: relação custo-benefício para a comunidade científica (médias)

Considera que o modelo de open access terá, para a comunidade científica, uma relação custo-benefício melhor que a do modelo de acesso pago? (escala de 1 a 7)

Nacionais

Cost

5,07

4,87

indica algumas pistas sobre quais poderão ser os benefícios desta transição. Algumas das mudanças identificadas pelos autores no acesso a esta publicação são: Primeiramente, houve uma transição entre o acesso a resumos e a texto completo. […] Em segundo lugar, o open access levou a um aumento significativo do acesso aos artigos mais recentes, aqueles que estavam anteriormente embargados. […] Em terceiro lugar, trouxe novos utilizadores, especialmente de países da Europa de Leste. (Nicholas et al., 2007: 13)

Como Peter Suber indica, o facto de os autores não retirarem dividendos das suas publicações significa que não perderão receitas com a mudança para o open access. Para além disso, os autores desejam alcançar a maior audiência possível, de forma a serem reconhecidos, lidos, utilizados e citados (Suber, 2004: 4), logo este modelo adapta-se facilmente a esse registo. A visão sobre a relação custo-benefício do modelo de open access comparativamente ao modelo pago é diferente segundo as áreas científicas. Embora tendencialmente todas as áreas demonstrem uma tendência para privilegiar o modelo de open access, os investigadores das Ciências da Vida destacam-se por serem aqueles que mais manifestam essa visão (quadro 3.42). As MFIETU são as áreas onde o grau de concordância é menor (4,76). Os investigadores das Ciências Sociais e Humanidades tendem a manifestar graus de concordância apenas ligeiramente inferiores aos das Ciências da Vida (5,13). Embora 41,2% dos investigadores nacionais e 32% dos da rede europeia considerem que a qualidade das publicações em open access na própria área científica é inferior face às outras modalidades de publicação, e embora a percentagem que a considera superior seja marginal, cerca de metade avaliam-na como similar face às outras (quadro 3.43). Isso significa que, para um número substancial de investigadores, o modelo de open access é visto como uma transformação que não põe em causa a qualidade das publicações. Através da análise do quadro 3.44 verifica-se novamente que as diferentes áreas têm relações distintas com o regime de publicação em open access. Mais uma vez, são os investigadores das áreas das Ciências da Vida que mais valorizam este regime de publicação: 34,6% afirmam que entre uma e três das suas publicações de referência estão em regime de open access. Os investigadores das áreas de MFIETU tornam aqui a surgir como os que menos aderem a esse regime de publicação: apenas 13 4% afirmam que entre uma e três das suas publicações de referência operam em open access. As Ciências Sociais e Humanidades apresentam um valor

90

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.42Open access: relação custo-benefício para a comunidade científica, por área (médias)

Considera que o modelo de open access terá, para a comunidade científica, uma relação custo-benefício melhor que a do modelo de acesso pago? * (escala de 1 a 7)

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

5,13

4,76

5,34

* p = 0,01

Quadro 3.43 “Como avalia a qualidade geral das publicações da sua área científica em regime de open access face às outras modalidades de publicação?" (%)

Inferior Similar Superior

Nacionais

Cost

41,2 56,9 02,0

32,0 51,5 06,5

N = 408

N = 494

intermédio: 21,7%. Importa aqui sublinhar o facto de, relativamente à capacidade de precisão de resposta, os investigadores das Ciências Sociais e Humanidades serem os que mais assinalaram não saber quantas das suas revistas de referência são publicadas em regime de open access, o que indica que esse modelo de publicação terá tido menor impacto nessas áreas. A questão seguinte permite avaliar a relevância que os investigadores atribuem no regime de publicação em open access (quadro 3.45). Uma vez que se trata de escolher entre duas revistas com a mesma reputação, isto é, a mesma credibilidade e reconhecimento na área do investigador, esta escolha refletirá as representações dos investigadores sobre esse regime de publicação. A maioria (54,8%) dos investigadores nacionais respondem que, dada a equivalência na reputação, o regime de publicação é irrelevante. Isso traduz o normal funcionamento do sistema de reputação científico, no qual a publicação em revistas de prestígio assume relevância central para efeitos de carreira. No entanto, cerca de 1/4 (26,2%) dos investigadores nacionais assinalam que escolheriam a revista em regime de open access para publicar o seu trabalho. Estes investigadores parecem assumir que, tendo a mesma reputação, a publicação neste regime lhes traria maior benefício. Apenas 1/5 assinalam que escolheriam a revista de acesso pago ou restrito. Estes últimos parecem demonstrar uma posição oposta aos anteriores, considerando a publicação em regime de open access como, de certa forma, prejudicial para o seu trabalho.

91

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.44 “Das suas cinco revistas científicas de referência, nas quais mais gostaria de publicar um artigo seu, alguma é publicada em regime de open access?”, por área (%)

Não Sim, uma a três Sim, mais de três Não sei precisar

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

47,7 21,7 01,8 28,9

64,8 13,4 00,0 21,8

43,8 34,6 01,3 20,3

N = 646

Quadro 3.45 “Perante um convite para escrever para uma revista científica na sua área, e entre revistas com a mesma reputação, qual aceitaria mais rapidamente: o de uma revista em open access ou de uma revista de acesso pago/restrito?" (%)

Revista de acesso pago/restrito Revista em regime de open access É irrelevante

Nacionais

Cost

19,0 26,2 54,8

13,7 48,6 37,7

A rede Cost caracteriza-se por a revista em open access ser a escolha indicada por cerca de metade (48,6%) dos seus investigadores, proporção que quase duplica a verificada junto dos investigadores nacionais (26,2%). Os que mais assinalaram ser irrelevante o regime de publicação, dada a equivalência na reputação, são das áreas de Ciências Sociais e Humanidades (61%), por oposição às restantes, com valores próximos de 50% (quadro 3.46). Mais uma vez, são das áreas das Ciências da Vida os que parecem atribuir maiores benefícios à publicação em regime de open access: cerca de 40% afirmam que escolheriam este regime e apenas 12,4% que escolheriam o regime de acesso pago ou restrito. A restante metade dos investigadores das áreas de MFIETU, que não assinalaram que o regime de publicação lhes é irrelevante, divide-se entre a escolha de uma revista de acesso pago ou restrito (25%) e uma em regime de open access (24,5%). O mesmo acontece para os 40% das Ciências Sociais e Humanidades que não consideram o regime irrelevante: 20,9% assinalam que escolheriam uma revista em regime de open access e 18,1% uma revista de acesso pago ou restrito. A experiência de investigação está relacionada com a valorização de um ou outro regime de publicação, como se pode verificar pelos dados do quadro 3.47. Quem mais tende a considerar que o regime é irrelevante são os que desenvolvem investigação há menos de cinco anos (62,1%). Ainda assim, são esses investigadores que mais tendem a escolher uma revista em regime de open access (21,1%) face a uma revista de acesso pago ou restrito. Esta parece ser uma característica de todos os investigadores, adquirindo maior intensidade naqueles com experiência de investigação intermédia (entre 6 a 10 anos e entre 11 a 20 anos), à exceção do

92

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.46 “Perante um convite para escrever para uma revista científica na sua área, e entre revistas com a mesma reputação, qual aceitaria mais rapidamente: o de uma revista em open access ou de uma revista de acesso pago/restrito?”, por área (%)

Revista de acesso pago/restrito Revista em regime de open access É irrelevante

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

18,1 20,9 61,0

25,0 24,5 50,5

12,4 37,9 49,7

N = 646

Quadro 3.47 ““Perante um convite para escrever para uma revista científica na sua área, e entre revistas com a mesma reputação, qual aceitaria mais rapidamente: o de uma revista em open access ou de uma revista de acesso pago/restrito?”, por duração da atividade (%)

Revista de acesso pago/restrito Revista em regime de open access É irrelevante

Menos de 5 anos

6 a 10 anos

11 a 20 anos

Mais de 20 anos

16,8 21,1 62,1

17,8 28,6 53,5

17,6 31,1 51,4

24,3 18,8 56,9

N = 646

agrupamento que reúne investigadores com mais de 20 anos de experiência, o único em que se verifica uma tendência para a escolha do regime de acesso pago ou restrito (24,3%) face ao open access (18,8%). Um dos aspetos relevantes a analisar é o modelo de revisão de artigos que os investigadores consideram ser mais adequado no regime de open access. A modalidade de revisão de artigos colaborativa (collaborative peer review), que integra a revisão por direção editorial, pares e público, e que faz uso das potencialidades das TIC, permitindo que os leitores revejam artigos e tenham acesso a essas revisões, é assinalada como a mais indicada para o regime de open access por 18,2% dos investigadores nacionais (quadro 3.48). No entanto, a grande maioria (77,8%) indica a revisão tradicional, a revisão por direção editorial e pares, como a mais adequada neste regime. Outras modalidades de aceitação de artigos que não apresentem estas garantias, como a revisão pela direção editorial relativa apenas a erros grosseiros ou a aceitação automática sem qualquer tipo de revisão, raramente são indicadas como adequadas. Os referees podem decidir manter-se anónimos, ao contrário dos restantes membros da comunidade que façam comentários aos artigos, embora sejam incentivados a não o fazer. Segundo Pöschl (2010), as vantagens de tal sistema são as seguintes: —

os artigos em discussão permitem a disseminação rápida de resultados originais, sem revisões que ponham em causa a liberdade de expressão e a inovação (vantagem para autores e leitores);

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

93

Quadro 3.48 “No que diz respeito à revisão de artigos, qual entenderia ser o modelo mais adequado num regime de open access?” (%)

Peer review (revisão por direção editorial/pares) Collaborative peer review (revisão por direção editorial / pares/público) Moderation (revisão por direção editorial apenas relativamente a erros grosseiros) Automatic assessment (sem qualquer tipo de revisão)

— — — —

Nacionais

Cost

77,8 18,2 03,7 00,3

73,2 20,6 05,2 01,0

N = 595

N = 582

oferece feedback direto e reconhecimento a artigos de alta qualidade (vantagem para autores); previne ou minimiza a obstrução e plágio (vantagem para autores); proporciona documentação completa e citável de comentários, debates controversos, falhas científicas e informação complementar (vantagem para referees e leitores); revela deficiências e impede apresentação de manuscritos mal preparados, minimizando o desperdício no esforço (vantagem para referees, direções editoriais, editoras e leitores).

A versão final do artigo revisto integra maior densidade de informação científica e qualidade garantida por uma revisão por pares completa (com anonimato opcional dos referees) e revisões baseadas nos comentários dos referees e outros cientistas interessados (vantagem para leitores). Esta tendência para preferir o método de revisão tradicional para as publicações em regime de open access verifica-se em todas as áreas científicas, surgindo com maior intensidade nas respostas dos investigadores das Ciências da Vida, 85, 5% dos quais assinalaram esta preferência (quadro 3. 49). A preferência pela modalidade de revisão por pares colaborativa encontra maior expressão nas MFIETU (23%), valor superior ao verificado nas Ciências Sociais e Humanidades e nas Ciências da Vida (à volta dos 15%). A partir de uma análise de componentes principais (ACP), foram criados índices, construídos com base na média das respostas dadas nos subconjuntos de indicadores, que traduzem dimensões relativas às representações dos investigadores acerca das consequências do regime de publicação em open access. Como se pode verificar pelo quadro 3.50, os investigadores nacionais e da rede Cost não surgem com posições muito diferenciadas nos vários índices, que se baseiam numa escala de Likert de 1 a 7, em que 1 representa “discordo totalmente” e 7 significa “concordo totalmente”. A dimensão do maior acesso para autores e leitores é aquela com que os investigadores de ambos os contingentes mais tendem a concordar, principalmente os nacionais. A dimensão da digitalização, redução de encargos e maior acesso, embora com graus de concordância mais baixos, surge com um nível de concordância apenas ligeiramente inferior, novamente superior para os investigadores

94

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.49 “No que diz respeito à revisão de artigos, qual entenderia ser o modelo mais adequado num regime de open access?”, por área (%)

Peer review (revisão por direção editorial /pares) Collaborative Peer Review (revisão por direção editorial / pares/público) Moderation (revisão por direção editorial apenas relativamente a erros grosseiros) Automatic assessment (sem qualquer tipo de revisão)

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

75,4

75,3

85,5

17,2

23,2

13,1

06,6

01,5

01,4

00,8

00,0

00,0

N = 595

Quadro 3.50 Índices das representações sobre as consequências do regime de publicação em open access (médias)

Maior acesso para autores e leitores Digitalização, redução de encargos e maior acesso Melhores publicações Perda de qualidade das publicações Difícil arquivo

Nacionais

Cost

5,18 4,96 4,09 3,33 3,17

4,95 4,57 4,25 3,79 3,72

nacionais. Quanto à dimensão de melhores publicações, o grau de concordância dos investigadores da rede Cost ultrapassa em pouco o ponto médio (4) da escala, enquanto para os nacionais é quase coincidente com esse ponto. Isso significa que os últimos são mais céticos relativamente à melhoria da qualidade das publicações como consequência do regime de publicação em open access. Embora quer os investigadores nacionais, quer os da rede europeia tendam a discordar das dimensões de perda de qualidade das publicações e de difícil arquivo das mesmas, os últimos apresentam médias, logo níveis de concordância, ligeiramente mais elevados. Ao comparar as diferentes áreas, através do gráfico representado na figura 3.1, verifica-se que é nas áreas das Ciências da Vida que as representações relativas à dimensão de maior acesso para autores e leitores e também à dimensão de digitalização, redução de encargos e maior acesso são mais acentuadas. São também destas áreas aqueles que menos concordam com a dimensão da perda de qualidade. Apenas nas Ciências Sociais e Humanidades os inquiridos apresentam um grau de concordância relativo à dimensão da melhoria das publicações superior a 4, o ponto médio da escala, o que significa que os investigadores dessas áreas têm opinião inversa dos investigadores das restantes. Destacam-se também por serem os que mais concordam com a dificuldade de arquivo dos artigos como resultado da publicação em open access.

95

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

5.19126

5.27423

5.0987

5.19493

4.87345 4.89101 4.41328

3.89383

3.79403 3.53947

3.47333

3.42147

3.00959 2.776

2.9625

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharia, Ciências da Terra e do Universo

Maior Acesso

Perda de qualidade das publicações

Digitalização, maior acesso

Melhores publicações

Figura 3.1

Ciências da Vida

Difícil arquivo

Índices das representações sobre as consequências do regime de publicação em open access, por área

Práticas dos investigadores relativas à disponibilização pública e transparência na comunicação científica Para além das representações sobre esse regime de publicação, as práticas dos investigadores também são consideradas para aferir o grau de institucionalização dos processos de abertura aqui analisados. Como se pode observar no quadro 3. 51, cerca de 1/3 dos investigadores inquiridos, quer nacionais quer da rede Cost, afirmam terem proposto um artigo para publicação em regime de open access nos últimos dois anos. Embora se trate de uma percentagem considerável, que indica que essa não é uma prática marginal, a maioria dos investigadores continua a preferir o regime de acesso restrito para a publicação dos seus artigos. Os investigadores que mais propõem artigos para publicação em regime de open access são os das Ciências Sociais e Humanidades (38,6% — ver quadro 3.52). Nas Ciências da Vida e MFIETU, os que o fazem representam uma menor proporção (29,8% e 26,9%, respetivamente). Como ilustra o quadro 3. 53, a probabilidade de um investigador ter proposto um artigo para publicação neste regime cresce à medida que aumenta a idade. Esta tendência encontra uma exceção na faixa etária mais jovem (investigadores com idade até 29 anos), dos quais a percentagem que propôs artigos para publicação no regime de open access é das mais elevadas. Estes dados podem revelar um fator geracional: a descontinuidade da tendência pode derivar de novas visões sobre a comunicação científica formal junto dos investigadores mais jovens. Dos que apresentaram artigos para serem publicados em open access (aproximadamente 1/3 dos investigadores, como referido anteriormente), quase 90%

96

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.51 “Nos últimos dois anos, submeteu algum artigo para publicação em regime de open access?" (%) Nacionais

Cost

67,5 32,5

63,2 36,8

N = 507

N = 642

Não Sim

Quadro 3.52 “Nos últimos dois anos, submeteu algum artigo para publicação em regime de open access?", por área (%)

Não Sim

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

61,4 38,6

73,1 26,9

70,2 29,8

N = 507

Quadro 3.53 “Nos últimos dois anos, submeteu algum artigo para publicação em regime de open access?", por idade (%)

Não Sim

Até 29 anos

30 a 39 anos

40 a 49 anos

50 a 59 anos

60 anos ou mais

62,5 37,5

72,1 27,9

67,5 32,5

64,0 36,0

60,0 40,0

N = 507

afirmam que um artigo seu foi efetivamente publicado nesse regime nos últimos dois anos (quadro 3.54). Existem vários moldes de publicação em regime de open access. O mais comum, quando se consideram as publicações dos autores de ambos os subcontingentes, é o complete open access, ou seja, não existem restrições de acesso à versão publicada do artigo (quadro 3. 55). Cerca de 73% dos autores nacionais e por 63% da rede Cost publicaram artigos nesta modalidade. Por oposição, apenas cerca de 20% dos investigadores de ambos os subcontingentes publicaram artigos com livre acesso apenas ao resumo (abstract). Uma proporção considerável dos que publicaram nesse regime afirmam terem pago uma taxa aquando da publicação. Segundo os dados obtidos, é esse o caso de 18, 2% dos autores nacionais e de 27, 8% dos autores da rede Cost, o que denota a preocupação em transferir os custos dos leitores para os autores. A modalidade postprint, isto é, a publicação protelada da versão revista e publicada do artigo, foi mencionada por apenas 11,2% dos investigadores nacionais e

97

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.54 “Nos últimos dois anos, algum artigo seu foi publicado em regime de open access?" (%)

Não Sim

Nacionais

Cost

12,1 87,9

13,1 86,9

N = 165

N = 236

Quadro 3.55 “Em que moldes foram publicados os artigos em regime de open access?” (%)

Complete open access (o artigo é colocado em sistema de acesso aberto, sem qualquer tipo de restrições) Abstract (apenas o seu resumo é publicado em sistema de open access) Author/ institution fee (o artigo é colocado em sistema de acesso aberto, mas mediante o pagamento de uma taxa, a cargo do/a autor/a ou da instituição académica que o acolhe) Postprint (o postprint é colocado em arquivo aberto mas apenas passado algum tempo da publicação em sistema de acesso fechado) Partial open access (o artigo é colocado em sistema de acesso aberto, mas apenas parcialmente) Preprint (apenas o preprint, anterior à peer review, é colocado em arquivo aberto)

Nacionais

Cost

72,7

62,9

22,4

20,8

18,2

28,7

11,2

17,3

8,4

13,9

2,8

11,4

N = 143

N = 202

17,3% dos inquiridos da rede europeia. As modalidades nas quais o artigo é disponibilizado apenas parcialmente ou numa versão anterior à revisão são as que reúnem menores percentagens de investigadores, quer nacionais, quer da rede Cost. Embora as controvérsias sobre o open access incidam bastante sobre os custos da publicação serem suportadas pelos autores, as denominadas author fees, tal nem sempre é o caso, como se pode observar pelo quadro 3.56. Dos autores nacionais, apenas uma minoria, cerca de 34,9%, afirmam que houve necessidade de pagamento de despesas de publicação, dos quais 7,1% referem que a editora suportou esses custos (na rede Cost estas percentagens são de 54,3% e 11,2%, respetivamente, o que traduz um maior encargo por parte destes autores na publicação em open access). Dos autores que assinalam ter havido efetivamente despesas, a forma mais frequente de custeá-las foi através do financiamento do projeto em cujo âmbito se inserem, opção assinalada por 12,7% dos autores nacionais e por 18,6% da rede Cost. Segundo os dados obtidos, dos autores nacionais que publicaram em regime de open access, apenas 2,4% assinalam que as despesas foram suportadas por si ou pela equipa, enquanto na rede Cost esta proporção é consideravelmente superior, embora não chegue sequer a 10%. Dos autores em regime de open access inquiridos

98

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.56 “Quem suportou as despesas da última publicação em regime de open access?” (%)

Não houve necessidade de pagamento de despesas de publicação A editora ofereceu as despesas de publicação As despesas de publicação foram suportadas pelo financiamento do projeto As despesas de publicação foram suportadas com recurso a outro financiamento departamental As despesas de publicação foram suportadas com recurso a outro financiamento institucional As despesas de publicação foram suportadas pela equipa ou por si As despesas de publicação foram suportadas por outras fontes

Nacionais

Cost

JISC/OSI

65,1 07,1 12,7

45,7 11,2 18,6

36 19 25

04,8

07,8

08

06,3

04,3

09

02,4 01,6

08,5 03,9

04 01

N = 126

N = 258

no inquérito JISC/OSI de 2004,16 36% afirmaram que não houve necessidade de pagar despesas e 19% que a editora ofereceu esse pagamento. Ao todo, portanto, 55% desses autores publicaram sem terem de pagar, o que encontra equivalência nos autores em open access da rede Cost, mas fica aquém dos 72% dos autores nacionais. Os autores que mais assinalaram não ter havido necessidade de pagamento foram os das Ciências Sociais e Humanidades (83%), seguidos dos de MFIETU (68,4% — ver quadro 3.57). Essa situação é indicada pela maioria dos autores das áreas supramencionadas, o que não acontece nas Ciências da Vida, onde apenas 34,3% assinalam não ter havido despesas de publicação. Ainda assim, mesmo nessas áreas a percentagem de autores que indicaram terem, eles mesmos ou a sua equipa, suportado os custos é de apenas 5, 7%. Outras formas de custeamento das despesas mobilizadas por esses autores foram integrá-las no financiamento dos projetos (25,7%), ou o recurso a outros financiamentos (institucionais — 14,3%; departamentais — 11,4%). Relativamente à utilização de licenças Creative Commons/Science Commons verifica-se que apenas cerca de 10% do total de investigadores, quer nacionais, quer da rede Cost, afirmam ter utilizado estas licenças (quadro 3.58). Relembra-se que o Science Commons, tal como o Creative Commons, são projetos que têm como intuito fundamental reduzir os custos transacionais através de licenças. Assim, os criadores de uma dada publicação têm a possibilidade de partilhar através de acordos individuais sem terem de seguir o regime de acesso restrito. São por isso plataformas que fomentam e facilitam o processo de publicação em open access. Relativamente à salvaguarda dos artigos publicados em regime de acesso aberto, apenas 1/3 (33,9%) dos autores nacionais em regime de open access afirmam que nunca contribuíram para o arquivamento dos seus artigos publicados nesse regime, nem tencionam fazê-lo (quadro 3.59). Na rede Cost, essa é a resposta 16

Ver Swan e Brown (2004a). Trata-se dum inquérito levado a cabo pela Key Perspectives Ltd., em 2004, por conta do Joint Information Systems Committee (JISC) e do Open Society Institute (OSI), junto de uma coorte de autores que publicavam os seus trabalhos em open access e outra coorte que o fazia em revistas convencionais.

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

99

Quadro 3.57 “Quem suportou as despesas da última publicação em regime de open access?”, por área (%)

Não houve necessidade de pagamento de despesas de publicação A editora ofereceu as despesas de publicação As despesas de publicação foram suportadas pelo financiamento do projeto As despesas de publicação foram suportadas com recurso a outro financiamento departamental As despesas de publicação foram suportadas com recurso a outro financiamento institucional As despesas de publicação foram suportadas pela equipa ou por si As despesas de publicação foram suportadas por outras fontes

Ciências Sociais e Humanidades

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo

Ciências da Vida

83,00

68,40

34,3

7,5

5,3

08,6

5,7

10,50

25,7

0,0

5,3

11,4

1,9

5,3

14,3

0,0

2,6

05,7

1,9

2,6

00,0

N = 126

Quadro 3.58 “Utiliza (ou já utilizou) as licenças Creative Commons / Science Commons?" (%)

Não Sim

Nacionais

Cost

91,8 08,2

89,4 10,6

N = 646

N = 642

assinalada pela maioria dos autores desse tipo de publicações (52,6%). Os que o fizeram e tencionam fazê-lo novamente correspondem a 38, 3% dos autores nacionais e a apenas 15,6% da rede europeia. Existe claramente um maior esforço no sentido do arquivamento por iniciativa própria de artigos publicados em regime de open access por parte dos autores do subcontingente nacional. No que respeita o número de anos passados desde que os investigadores publicam em regime de open access, no sentido de apreender se é uma prática recente ou algo com maior durabilidade, deteta-se que é uma prática recentemente adotada pela maioria dos investigadores nacionais (quadro 3.60). Apenas 30% dos que publicam nesse regime o fazem há mais de dois anos, dos quais só cerca de 10% há mais de quatro anos. Os autores da rede Cost demonstram ter mais experiência na prática da publicação em regime de open access: cerca de 40% fazem-no há mais de dois anos, dos quais 20% há mais de quatro. Outro aspeto importante é o feedback obtido da parte dos leitores. A maioria dos autores que publicaram em regime de open access, quer nacionais (77,7%), quer

100

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Quadro 3.59 “Alguma vez contribuiu diretamente para a salvaguarda de artigos seus, publicados em regime de open access, enviando-os diretamente para serviços de arquivo editoriais ou académicos?" (%) Nacionais

Cost

33,9 27,0 00,9 38,3

52,6 28,6 03,2 15,6

N = 115

N = 154

Não, nem tenciono fazê-lo Não, mas tenciono fazê-lo Sim, mas não tenciono fazê-lo novamente Sim, e tenciono fazê-lo novamente.

Quadro 3.60 “Há quanto tempo publica em regime de open access?” (%) Nacionais

Menos de um ano Um a dois anos Três a quatro anos Mais de quatro anos

Cost

%

% cum.

%

% cum.

22,4 47,3 20,0 10,3

22,4 69,7 89,7 100,0

17,5 42,0 21,7 18,9

17,5 59,4 81,1 100,0

N = 165

N = 212

da rede europeia de investigação (82,9%), avaliam a sua qualidade enquanto equivalente à obtida a partir de publicações de acesso não livre (quadro 3.61). Ambos os contingentes apresentam percentagens que ultrapassam os 10% de autores que avaliam o feedback dos leitores na publicação em regime de open access como sendo melhor, face ao regime pago, enquanto as percentagens dos que o avaliam como sendo pior não ultrapassam os 3%. Tal como realizado para as representações, recorreu-se ao método da ACP para a criação de um conjunto de índices, calculados através das médias de indicadores correlacionados entre si sobre diferentes aspetos valorizados pelos investigadores ao escolherem onde publicar o seu trabalho (quadro 3.62). Os indicadores utilizados consistiam em itens com uma escala de Likert associada, variando novamente entre 1 e 7, na qual 1 representa “nada importante” e 7 significa “muito importante”. Como se pode constatar, a dimensão mais valorizada, quer pelos investigadores nacionais, quer pelos da rede Cost, é a do impacto e prestígio da publicação, com médias acima dos 5, 5 (elevada importância). Esta dimensão remete diretamente para o sistema científico de normas de creditação e recompensa. Inversamente, a origem institucional e a versão em papel é a dimensão menos valorizada por ambos os contingentes, com médias um pouco abaixo do ponto médio da escala (4). Esta dimensão remete para uma visão mais tradicional do sistema de publicação científico, associando o prestígio à origem institucional e à existência de uma versão em papel. Quer a dimensão mais valorizada, quer a menos são idênticas para os investigadores nacionais e os da rede Cost. No entanto, os

101

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Quadro 3.61 “Em comparação com o sucedido na publicação em regime pago, o feedback obtido da parte dos leitores/das leitoras na publicação em regime de open access foi: …" (%) Nacionais

Cost

77,7 16,0 05,3 01,1

82,9 11,2 02,9 02,9

N = 94

N = 205

Aproximadamente o mesmo Melhor Pior Nunca publiquei sem ser em regime de open access

Quadro 3.62 “Índices de valorização de publicações (médias)

Impacto e prestígio Publicação fácil e rápida Acesso livre e versão eletrónica Origem institucional e versão em papel

Nacionais

Cost

5,70 3,97 4,16 3,95

5,55 4,43 4,01 3,86

investigadores dessa rede europeia tendem a valorizar a dimensão da publicação fácil e rápida em detrimento da dimensão do acesso livre e da disponibilização de uma versão eletrónica, enquanto os nacionais, inversamente, valorizam a segunda em detrimento da primeira. Essa diferença poderá indicar que as estratégias de publicação dos investigadores nacionais, por comparação, se centram mais na disseminação do seu trabalho por uma larga audiência, e que as estratégias da rede Cost se centram mais na quantidade de trabalhos publicados. Se se quiser ter uma visão diferenciada por áreas, no que respeita ao contexto nacional, verifica-se que os investigadores das Ciências Sociais e Humanidades contrariam acentuadamente a tendência dos investigadores das restantes áreas ao nível da importância atribuída à origem institucional e versão em papel das publicações (figura 3.2). Enquanto esta dimensão é a menos valorizada pelos investigadores das últimas, apresentando médias abaixo do ponto médio da escala, para os primeiros a origem institucional e a versão em papel das publicações é uma dimensão importante, somente subordinada ao seu impacto e prestígio. Espaços multidimensionais das representações e práticas relativas à ciência aberta Representações dos investigadores nacionais relativas aos processos de abertura da ciência Com o intuito de representar os espaços multidimensionais relativos às categorias

102

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

5.57674

5.74664

5.85425

4.64962

4.18346

4.00367

4.3159

3.78357 3.92621 3.60922

Ciências Sociais e Humanidades

Impacto e prestígio Origem institucional e origem em papel

Figura 3.2

Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharia, Ciências da Terra e do Universo

3.19408

Ciências da Vida

Publicação fácil e rápida Acesso livre e versão electrónica

Índices de valorização de publicações, por área

de resposta de um conjunto de indicadores respeitantes à abertura em ciência, recorreu-se à realização de duas análises de correspondências múltiplas (ACM), com o objetivo de apresentar graficamente as configurações, desenhadas pelas projeções das categorias dos indicadores utilizados, o que permite a identificação de perfis ou de tipologias (Carvalho, 2008: 31). A primeira diz respeito à dimensão das representações dos investigadores inquiridos, tendo em conta a sua área científica e respeitante a processos de abertura nos dois tipos de comunicação científica: formal (publicações) e informal (informação), sendo possível verificar associações entre as áreas científicas e as representações dos investigadores destas sobre a publicação em regime de open access e sobre a livre disponibilização de dados. Para tal, incluíram-se variáveis que se referem à valorização das revistas publicadas nesse regime e dos benefícios da disponibilização de dados para a comunidade científica. O resultado é o espaço bidimensional apresentado na figura 3.3. Ao analisá-la, verifica-se que as áreas científicas surgem associadas a diferentes representações sobre a abertura do conhecimento científico. As Ciências Sociais e Humanidades (CSH) são as áreas que surgem mais associadas às representações positivas face à livre disponibilização de dados, e também à perceção do regime de publicação enquanto irrelevante. Estão ainda associadas, em conjunto com as Ciências da Vida (CV), à consideração de que o modelo de open access terá uma relação custo-benefício melhor para os cientistas que o acesso pago.

REPRESENTAÇÕES E PRÁTICAS RELATIVAS À CIÊNCIA ABERTA NAS SUAS VÁRIAS DIMENSÕES

Figura 3.3

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Espaço das representações dos investigadores nacionais relativas aos processos de abertura da ciência

As CV estão associadas às restantes categorias de valorização do regime de open access, ao passo que as MFIETU se associam às categorias de desvalorização da publicação nesse regime. Práticas dos investigadores nacionais relativas aos processos de abertura da ciência A análise realizada (ACM) para captar as práticas de abertura dos investigadores nacionais inquiridos, por área científica, permite concluir que no campo das práticas (figura 3.4) as CSH surgem associadas à publicação efetiva em revistas em open access, à não posse de página de Internet, e ainda à disponibilização pública de dados usados na investigação. Essa última categoria está também associada com as MFIETU, juntamente com a disponibilização de conteúdos científicos em páginas de Internet e com a não publicação em regime de open access. As CV, onde, ao nível das representações, o open access é altamente valorizado, também estão associadas

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Figura 3.4

PARA UMA CIÊNCIA ABERTA

Espaço das práticas dos investigadores nacionais relativamente aos processos de abertura da ciência

à não publicação efetiva nesse regime. Estão também associadas à não disponibilização, quer de conteúdos científicos em páginas de Internet, quer de dados usados na investigação.

Para uma ciência aberta

O presente livro procurou contribuir para responder a um dos desafios contemporâneos da ciência: como delinear os contornos de novas formas “abertas” de fazer ciência. O papel que a Internet e as novas ferramentas baseadas nas tecnologias de informação e comunicação assumem na abertura da ciência foi um dos aspetos centrais que se procurou explorar neste trabalho. Uma vez que tais ferramentas suportam novas plataformas de comunicação, os seus recursos são explorados pelos cientistas na busca e experimentação do seu adaptar aos novos contextos informacionais da sociedade contemporânea e às práticas de organização em rede. Com esta análise pretendeu-se, assim, estudar a relação entre valores, práticas e culturas científicas, e a utilização, por parte dos cientistas, da Internet como suporte de comunicação e colaboração no seu trabalho. Essa relação insere-se num contexto de transformação social mais alargado: a emergência da sociedade em rede e o despontar de uma ciência de base informacional. Os processos de abertura da ciência dependem, antes de mais, da permanente procura de reorganização dos modelos científicos. A dupla perspetiva que aqui se usou — a análise da transformação da ciência e a especial atenção ao desenvolvimento e usos das tecnologias de informação e comunicação nos processos de abertura e de promoção da transparência no trabalho científico — contextualizou o conteúdo e o método desta análise. Como já foi referido, a importância assumida pela ciência nas sociedades contemporâneas suscitou ao longo da segunda metade do século XX um crescente interesse pelo seu funcionamento. Tendo desempenhado um papel fundamental na construção da modernidade, a ciência encontra-se hoje presente, de forma mais ou menos direta, na maioria das atividades humanas das sociedades informacionais. Na base desse protagonismo está o reconhecimento de que, para além de permitir a construção de um conhecimento sistemático e operacional sobre a realidade, os produtos do trabalho científico estão na base dos progressos qualitativos medidos, por exemplo, pela Organização das Nações Unidas na sua avaliação do desenvolvimento humano. 105

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A ciência é composta por um conjunto de práticas sistemáticas de pesquisa e investigação, tendo por objetivo a produção de um tipo específico de conhecimento. Na busca desse conhecimento sobre a realidade, a conquista de objetividade científica é operacionalizada de forma partilhada, num universo de colaborações — o qual foi extremamente estimulado por melhorias nos meios de transporte e comunicação, que caracterizaram o século passado. E, de facto, a colaboração em ciência tem sido facilitada por condições estruturais — voos mais baratos, telecomunicações globais e, por último, o surgimento da Internet. Todas essas condições permitiram uma acrescentada valorização do recurso a redes, ao nível da distribuição de financiamento, do papel das redes de cientistas, da discussão de ideias e da partilha de resultados em conferências. Houve uma notável proliferação de conhecimento científico no século XX. No entanto, os conflitos bélicos desempenharam um forte papel como motor da inovação e da descoberta científica, o que, por sua vez, resultou num contexto de maior fechamento na produção desse tipo de conhecimento. Esse colonizar das práticas e culturas científicas, primeiro, pela cultura militar do segredo no contexto da guerra fria e, posteriormente, pela aliança universidade-empresas no contexto da globalização económica das duas últimas décadas, significou um certo fechamento da pesquisa científica face à sua comunidade de pares — do qual a ciência no início do século XXI é credora. No entanto, ao mesmo tempo que uma parte da ciência se deixou instrumentalizar por parte dos poderes políticos, económicos e militares, também a própria comunidade científica se tornou objeto de crítica. Porque a ciência passou a ser parte integrante de processos de decisão e também da construção da opinião pública, tornou-se mais exposta à crítica e, também, os cientistas se tornaram mais cientes de que o seu poder simbólico não depende apenas do seu trabalho científico, sendo eles simultaneamente responsabilizados e escrutinados por pares e pela sociedade. A ciência é constituída por diferentes culturas científicas que informam prioridades e modos de organização do trabalho. Como vimos, a quantidade crescente de conhecimento científico disponível na Internet formou um novo contexto informacional para a ciência, que é afetada pelas mudanças societais e culturais da sociedade em rede. Mas não é apenas a maior disseminação desse conhecimento que se afigura enquanto novidade: as novas ferramentas disponibilizadas aos cientistas, principalmente através de plataformas na Internet, trazem alterações ao modelo de produção científica, permitindo, entre outras coisas, maiores níveis de colaboração, internacionalização, possibilidades de transparência e impacto do trabalho dos cientistas. Essa é a realidade das duas últimas décadas de produção científica. A perceção social da profusão de conhecimento científico colocou ainda mais a ciência no papel de catalisador dos processos de inovação empresarial e, por sua vez, configurou um novo ideal de modelo científico, definido pelos poderes políticos e económicos, em que a inovação e a ciência aplicada e direcionada para produtos finais possuem um valor percebido como qualitativamente superior ao da investigação científica fundamental. O novo contexto de comunicação e transmissão de dados entre investigadores deu assim origem a novas formas de perceção sobre as possibilidades da ciência e também sobre a sua missão.

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A problemática de “abertura” das ciências aqui discutida nasce como um fruto deste novo contexto comunicacional e das dialéticas presentes no campo científico. As potencialidades de colaboração e transmissão de informação trazidas pelas novas tecnologias reforçaram as aspirações a uma maior abertura da ciência por parte de um número significativo de elementos da comunidade científica. No seu seio emergiram esforços no sentido da abertura e delinearam-se estratégias para alcançar essa abertura da forma mais eficiente. A opção da adoção do termo “ciência aberta” no âmbito deste livro é explicada pela lógica comum verificada em diferentes esforços de abertura científica, paradigmáticos de um novo modelo de ciência. Este modelo, baseado na abertura e na colaboração, é alternativo a um outro mais tradicional, que integra ora isolamento, ora um certo grau de abertura adotado de forma irregular, com um secretismo só quebrado para eventuais publicações ou apresentações públicas do trabalho dos cientistas. Embora se tenha, ao longo da análise aqui apresentada, percorrido diferentes definições teóricas de “abertura da ciência”, a definição de ciência aberta avançada por Maurer, não sendo exclusiva, é englobante e permite-nos uma visão clara do que são as pretensões dos que defendem e praticam essa abertura. Maurer (2003: 4) engloba nos processos de abertura a publicação completa, franca e rápida de resultados, a ausência de restrições relativas a propriedade intelectual e a transparência, radicalmente aumentada, em fases de pré e pós-publicação, de dados, atividades e decisões dentro dos grupos de investigação. Partindo dessa matriz de práticas dispersas na comunidade científica, surgiu durante a década passada a argumentação organizada em favor da abertura, como forma de resposta a uma prática de fechamento gradual de diferentes áreas da produção científica. Daí que, enquanto mobilização de cientistas que advogam novos modelos científicos mais abertos, a Ciência Aberta possa ser considerada um movimento social. O primeiro elemento para uma definição do movimento social é a sua identidade, a forma como se autoapresenta. Os defensores da Ciência Aberta partilham uma identidade enquanto comunidade científica que procura o progresso da ciência através da libertação do conhecimento das suas amarras, sejam elas legais ou económicas e tecnológicas, entre outras. O segundo elemento de definição são os seus adversários, aquilo que o movimento tenciona combater. Ele opõe-se às barreiras à livre circulação da informação e do conhecimento produzidos em diferentes etapas dos processos de investigação. Em terceiro lugar, a visão que o movimento tem sobre si mesmo, o seu objetivo ou projeto deve também integrar a sua definição. A Ciência Aberta pretende transformar alguns dos elementos da forma de se fazer ciência, tais como a sua relação com um conjunto complexo de instituições e de agentes sociais, desde as editoras que comercializam as revistas científicas até à legislação sobre a propriedade intelectual, passando pelo próprio sistema de reputação e recompensas. Essa mobilização dá-se no contexto de adaptação às novas realidades da sociedade em rede, onde surgem espaços sociais emergentes e não regulamentados, e pode ser vista como uma luta pela definição das normas a instituir nesses novos espaços (Burns e Flam, 1987). As especificidades do campo científico, como a sua relativa autonomia e elevada valorização social, tornam os referidos fenómenos de

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abertura particularmente relevantes para o estudo da mudança social e seus agentes no contexto da sociedade em rede. Aqueles que advogam a Ciência Aberta movem-se e comunicam em várias esferas. Utilizam canais de comunicação informal, como blogues, redes sociais e listas de correio eletrónico, para se manterem em contacto, definirem estratégias e um enquadramento comum de temas relevantes. Por outro lado, utilizam também os canais de comunicação formais da ciência, a publicação em revistas, e outros canais instituídos como as comunicações em conferências, onde apresentam os seus projetos e/ou resultados. Para além desses, existem canais políticos e mediáticos, que os aderentes do movimento utilizam de modo a participarem na definição de agendas, colocando as questões nos seus próprios termos. A Ciência Aberta não procura a redefinição dos paradigmas científicos, mas antes a transformação dos paradigmas de investigação. É, assim, constituída por práticas e valores orientados para alterar as formas de acesso ao conhecimento científico e às bases para a produção científica. Por outro lado, a proximidade entre os ideais da Ciência Aberta e certos mecanismos funcionais da ciência sugere que os primeiros têm por base uma reinterpretação das normas instituídas no trabalho científico, com o objetivo de as atualizar face aos novos contextos informacionais. Enquanto mobilização académica, a Ciência Aberta assume-se como reação à crescente privatização do conhecimento científico, derivada do estreitamento de relações entre ciência e mercados. Os cientistas aderentes a essas práticas e representações de abertura visam redefinir as interpretações práticas das normas de abertura com vista a uma reestruturação dos novos canais de comunicação possibilitados pelas tecnologias de comunicação e informação contemporâneas. A crescente importância dada ao princípio de abertura por parte dos investigadores e de agentes como o Estado, entidades financiadoras e organizações internacionais sugere que os benefícios da abertura também são reconhecidos já não apenas no quadro individual, mas ao nível das instituições que enquadram o trabalho científico e que progressivamente parecem adaptar-se às novas concretizações da norma de abertura. Por exemplo, a nível europeu, o European Research Council (ERC) estipula que as publicações derivadas dos projetos que financia sejam disponibilizadas em repositório e colocadas em open access num período máximo de seis meses após a publicação. O ERC incentiva também a disponibilização célere dos dados que sustentam a pesquisa.1 Por outro lado, o Sétimo Programa-Quadro financiado pela Comissão Europeia prevê o reembolso das despesas de publicação, incluindo as taxas aplicadas para a publicação no regime de open access.2 Para além disso, ainda ao abrigo deste programa-quadro, foi iniciado um projeto piloto em algumas áreas, de maneira que os beneficiários desse financiamento também devem depositar os seus artigos revistos num repositório ou garantir que, após um período de seis a doze meses, a publicação de encontra disponível em open access. Estes parecem ser exemplos de mudanças resultantes da 1 2

ERC (European Research Council), Scientific Council Guidelines for Open Access (17/12/2007): http://erc.europa.eu/pdf/ScC_Guidelines_Open_Acess_revised_Dec07_FINAL.pdf. FP7 Grant Agreement: ftp: //ftp. cordis. europa. eu/pub/fp7/docs/fp7-ga-annex2-v3_en.pdf

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adaptação institucional aos contextos comunicacionais emergentes de abertura na ciência. A análise dos dados apresentados neste livro revela um panorama onde as tecnologias de informação e comunicação contemporâneas são parte integrante do trabalho científico nacional e servem de base a práticas de partilha de informação por parte dos investigadores. Para além do correio eletrónico, utilizado pela totalidade dos inquiridos, várias ferramentas baseadas na Internet são utilizadas por proporções consideráveis de investigadores no âmbito da sua atividade. Embora a distribuição do uso da Internet se faça por todos os grupos de cientistas, há também especificidades, como por exemplo a utilização de páginas de Internet ou perfis em redes sociais, que tendem a manifestar-se de forma mais intensa junto dos investigadores mais jovens. E que, por sua vez, encontram maior expressão nas ciências das áreas de Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU), áreas que contam com maior financiamento internacional. É, também, no seio desse contexto disciplinar da ciência que foi possível identificar graus de abertura mais elevados em Portugal e na Europa, através da disponibilização de conteúdos científicos na Internet ou do acesso público a dados utilizados pelos inquiridos nas suas investigações. Por sua vez, as Ciências Sociais e Humanidades destacam-se por serem aquelas onde a utilização de blogues é mais frequente. Os dados obtidos na investigação que informa este livro, reforçam a ideia de que os investigadores portugueses e europeus estão a adaptar-se aos novos contextos comunicacionais e que a atividade de investigação está a colonizar e a domesticar o âmbito científico das redes digitais de âmbito global. Se essas redes trouxeram consigo novas possibilidades de partilha de informação, consideradas por alguns cientistas como potenciadoras da realização de ideais científicos mais abertos, deve-se às gerações mais jovens de investigadores o grande impulso às práticas de abertura. Pois elas foram socializadas num contexto em que as redes digitais assumem um papel cada vez mais importante na comunicação, o que provavelmente impulsionará ainda maior uso futuro na prática científica. Essa camada mais jovem está mais presente na Internet através de páginas pessoais, mas também apresenta valores mais elevados de utilização das tecnologias que estão a revolucionar a comunicação institucional, mediática, política, das empresas e dos indivíduos: as redes sociais, paradigma da Web 2. 0. Das novas ferramentas de comunicação e informação emergem espaços que, por serem novidade, são palco de lutas sobre a sua definição e regulamentação. Nomeadamente, as redes sociais mediadas podem ser utilizadas para a gestão das nossas redes pessoais, numa lógica de gestão de capital pessoal (Cardenas, 2010), ou então serem utilizadas para a gestão da autonomia, tal como foi identificado por Castells (Castells et al., 2003), em múltiplas dimensões tão diversas como: projetos de autonomia comunicativa, projetos de empreendedorismo, projetos de autonomia corporal, projetos de participação sociopolítica, projetos de autonomia individual e, também, projetos de desenvolvimento profissional, como por exemplo científicos. A autonomia profissional científica, neste contexto, deve ser lida enquanto os projetos individuais ou coletivos são construídos em torno da definição individual

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ou partilhada de cultura científica — isto é, uma certa representação da sociedade (Touraine, 2004) ou do campo da sociedade em análise. Já não tanto numa perspetiva de autonomia de trabalho ou profissional, num espaço ou tempo autónomos, mas sim no reconhecimento da prioridade à criação de uma autonomia moral, em torno do indivíduo, enquanto ator ou sujeito (id., ibid.). Em grande medida as esferas de autonomia aqui discutidas remetem para objetivos, por vezes associados a conflitualidades, que se desenrolam essencialmente em níveis simbólicos da produção científica. Como sugere Stalder (2010), a autonomia é cada vez mais criada a partir de redes semipúblicas — como é o caso das redes de investigação internacionais — que se estruturam a partir das diferentes dimensões da comunicação em rede e por encontros face a face mais ou menos frequentes. Ou seja, a mediação constitui-se hoje como central para o desenvolvimento da autonomia. A criação de autonomia profissional científica ou, se se preferir, a capacidade dos cientistas construírem percursos profissionais de acordo com os seus próprios planos, é algo que ocorre em diferentes escalas e com a diversidade inerente à nossa condição humana de criatividade e diferença. O contributo mais importante da análise de Félix Stalder (ibid.) reside na sua visão de que esses projetos de autonomia, sendo voluntários, são facilitados por protocolos de comunicação que se alicerçam na confiança estabelecida entre os participantes. Por sua vez, a confiança é fornecida pela informação pessoal disponível nas redes de pertença horizontais (id., ibid.), conferindo assim aos projetos de autonomia uma ligação fundamental às redes sociais mediadas que permitem a criação dessa base de confiança, sem a qual os projetos de autonomia partilhada coletivamente não podem ser ativados. É este contexto comunicacional que é fundamental compreender, pois é da sua definição que dependerá o enquadramento futuro em que se inserirão as práticas de ciência aberta. Segundo os cientistas inquiridos, a disponibilização pública de dados utilizados na investigação foi praticada pela maioria dos investigadores de todas as áreas, o que traduz um vigor considerável da norma de abertura na generalidade das instituições de investigação avaliadas pela FCT e que constituíram o universo de análise. Não obstante, existem neste aspeto diferenças entre as áreas de investigação. As Ciências da Vida apresentam a menor percentagem de investigadores que disponibilizam os dados por si utilizados, valor que atinge o máximo nas áreas de Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU). Por outro lado, os que exprimem a preocupação com a promoção de inovação junto de entidades públicas ou privadas surgem associados a menores graus de participação na partilha de conteúdos científicos. Essa relação apenas não se verifica nas Ciências Sociais e Humanidades. Já ao nível das representações, a generalidade dos cientistas tendem a concordar com os benefícios da disseminação de dados científicos, numa lógica de internalização cultural das bases da ciência moderna. No entanto, vão ainda um pouco mais longe, numa certa radicalização do discurso de abertura, ao considerarem que as notas laboratoriais devem ser disponibilizadas, embora tendencialmente não adotem essa prática. Há, assim, ainda um conjunto de barreiras à assunção das práticas, embora, em termos de valores, as mesmas estejam já internalizadas no discurso. Os dados, coligidos na investigação

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da comunidade científica nacional, sustentam as perspetivas teóricas que defendem existir um interesse generalizado dos cientistas no empenho da comunidade como um todo na livre circulação de informação. Contudo, devido à conceção dessa informação enquanto capital intelectual, existe simultaneamente um interesse dos investigadores em reter a informação para si mesmos, acumulando os benefícios dessa apropriação com os do acesso à informação disponibilizada por terceiros. Tal sistema tenderia para o fechamento, mas as normas funcionais instituídas na ciência, tais como as identificadas por Merton (1963), agem como fator de contrabalanço dessa tendência, mostrando o campo científico como um espaço de lutas simbólicas, as quais, por vezes, são experimentadas sob a forma de dilema pelos próprios cientistas — dilema que pode ser apresentado na questão: “Como abrir sem perder autonomia?” Como se sabe o open access constitui a possibilidade do acesso livre aos artigos científicos, base do sistema de comunicação formal da ciência. O surgimento da proposta de open access representa uma tentativa de regresso a uma matriz científica onde a presença do mercado editorial terá de reatualizar as relações de poder e equilíbrios, com pendor para uma maior força dos produtores de ciência face ao setor editorial, em oposição ao movimento de concentração de poder no campo das editoras (Thompson, 2005), a que assistimos ao longo da última metade do século XX. Verificou-se que existe a tendência de os investigadores atribuírem ao open access uma melhor relação custo-benefício para a comunidade científica face ao modelo de acesso pago. Essa tendência manifesta-se de forma mais intensa nas Ciências Sociais e Humanidades e nas Ciências da Vida, nas quais a maioria dos investigadores consideram que as publicações em open access são semelhantes às restantes em termos de qualidade. As áreas de Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) destacam-se por atribuírem menor valor e qualidade ao regime de open access. Por oposição, as Ciências da Vida são as que mais valorizam esse regime de publicação. Publicar em revistas em open access é uma prática recente junto dos investigadores nacionais, tendo sido as MFIETU as áreas pioneiras do processo. No entanto, o reconhecimento dos benefícios do open access não se traduz na sua adoção massificada: a maioria dos investigadores das diferentes áreas não propôs ainda artigos para publicação nesse regime nos últimos dois anos. Dentro da comunidade científica nacional são, de novo, as Ciências Sociais e Humanidades as áreas em que uma maior percentagem de investigadores apresenta efetivamente artigos em revistas em open access. As Ciências da Vida, aquelas onde o regime de open access é mais valorizado pelos cientistas, apresentam um valor de publicação em open access idêntico ao das MFIETU, áreas que por sua vez são as que menos valorizam essa forma de publicação. A análise aqui apresentada procurou delinear os contornos da problemática da ciência aberta e da sua manifestação nos contextos disciplinares nacionais, sempre que possível comparando-a com o quadro europeu. A conclusão que se pode retirar é que existe um nível de abertura considerável nas práticas dos investigadores portugueses, embora as áreas apresentem diferenças entre si ao nível do grau e da natureza dessa abertura. No plano comparativo, as de Matemática, Ciências

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Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) caracterizam-se por uma abertura mais expressiva ao nível da disponibilização de dados e conteúdos científicos online, enquanto as Ciências Sociais e Humanidades se destacam por apresentarem a maior proporção de autores em regime de open access. Por sua vez, as Ciências da Vida surgem como as áreas em que as práticas de abertura adquirem expressão mais baixa, quer na comunicação informal quer na formal, não obstante estarem associadas a uma forte valorização do regime de open access. As tendências identificadas constituem contributos para a compreensão do que será e como será o funcionamento da ciência no século XXI. A partilha formal e informal de conhecimento científico nas redes digitais adquire expressão considerável junto dos profissionais da ciência, e o enquadramento institucional do trabalho científico parece estar a mudar para incluir mecanismos de incentivo a essas práticas. Sendo esta uma investigação sobre a “ciência aberta”, é também com uma análise aberta aos desenvolvimentos futuros que se terminam estas páginas, procurando através de três conclusões principais trazer resposta à maior interrogação que nos acompanhou desde o início: quando será a “ciência aberta” apenas designada “ciência”? Ou seja, quando se atingirá um disseminar generalizado de representações e práticas que adote este paradigma de investigação como a norma da investigação científica? Como foi visto, a ciência contemporânea é uma ciência de base informacional numa sociedade cujo modo de desenvolvimento é informacional e se organiza privilegiando as redes como forma organizacional produtora de poder nas diferentes esferas de atuação da sociedade. Das matrizes de práticas informacionais da ciência — por sua vez oriundas da domesticação de uma tecnologia de base científica como a Internet — surgiu a possibilidade de desenvolvimento de uma argumentação em torno da radicalização da abertura como fator de valorização da prática científica e, consequentemente, do valor de bem público para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas. Esse discurso deu origem ao movimento social para uma abertura da ciência, o qual teve como consequência o incremento de práticas e políticas públicas contra o fechamento e pelo incentivo à abertura. Esse alargar do discurso à comunidade científica e aos poderes políticos teve, até agora, resultados desiguais. Por um lado, ao nível das representações dos cientistas, a valorização da abertura como princípio expresso no movimento social Ciência Aberta é hoje transversal na comunidade científica. Por outro lado, ao nível das práticas dos cientistas, ainda não se pode afirmar a existência de uma difusão generalizada. No entanto, a tentativa de contributo para a resposta à interrogação atrás exposta — isto é, quando será a “ciência aberta” apenas designada “ciência”? — implica nesta conclusão retomar de forma breve um ponto analisado atrás e central para a prática científica, o financiamento da pesquisa. Em Portugal, a percentagem de investigadores inquiridos que solicitaram financiamento público nacional ultrapassou nos últimos cinco anos os 95%. Quase 90% dos investigadores das Ciências Sociais e Humanidades solicitaram

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financiamento público para “de um a cinco projetos” nos últimos cinco anos, ou seja, até ao máximo de um projeto por ano em média, enquanto nas restantes áreas essa percentagem é menor, aproximando-se dos 75%. Ainda no mesmo contexto, importa salientar que o número de investigadores das Ciências Sociais que afirmam ter obtido em concreto o financiamento solicitado para mais de seis projetos é de 4%, bastante inferior aos 8, 2% das áreas de Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) e aos 11, 5% das Ciências da Vida. Para as diferentes áreas, apenas cerca de 10% afirmam não terem obtido financiamento público nos últimos cinco anos. No que respeita ao financiamento nacional privado, cerca de 50% não o conseguiram obter, pelo que se pode verificar que os investigadores dependem principalmente do financiamento público para os seus projetos. Embora não existam diferenças acentuadas entre as áreas, ao nível da obtenção deste tipo de financiamento, as Ciências Sociais e Humanidades caracterizam-se por solicitarem financiamento privado com menor frequência que as restantes áreas. Ao nível do financiamento internacional, muitas vezes dirigido às entidades tuteladas no quadro da União Europeia, apenas 50% dos investigadores nacionais das Ciências Sociais e Humanidades e das Ciências da Vida solicitaram financiamento público nos últimos cinco anos. Nas áreas de Matemática, Ciências Físicas, Informação, Engenharias, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) a percentagem dos que solicitaram esse tipo de financiamento é de 73, 6%, tendo cerca de 60% dos investigadores obtido efetivamente financiamento internacional público, enquanto nas áreas das Ciências da Vida e Ciências Sociais e Humanidades essa proporção ronda apenas os 45%. Se se tiver em conta os dados aqui apresentados quanto às origens dos financiamentos — maioritariamente públicos e nacionais — pode-se compreender que, pelo menos no caso português, a passagem da Ciência Aberta de movimento social a prática institucionalizada só será possível através de uma forte componente de políticas públicas e de divulgação de boas práticas, por parte de financiadores privados, em torno das práticas abertas de partilha de ferramentas de pesquisa, partilha de dados e partilha de acesso na forma de publicações.

Anexo 1

Explicação dos eventos de Budapeste, Bethesda e Berlim

Iniciativa Open Access de Budapeste Concebida numa reunião organizada pelo Open Society Institute, em dezembro de 2001, a Iniciativa Open Access tinha por objetivo o progresso internacional no sentido da disponibilização de artigos académicos, de todas as áreas, de forma gratuita na Internet. De acordo com os seus princípios, sugere que a tradição de publicação em revistas académicas por parte dos cientistas, sem esperar pagamento, aliada à Internet dá origem a um “bem público sem precedentes” — “a distribuição eletrónica à escala global de revistas académicas com revisão de pares e acesso gratuito a estas por todos os cientistas, académicos, professores, estudantes e outras mentes curiosas”. Defende ainda que o open access é economicamente sustentável, para além de capacitar os leitores para a descoberta de literatura relevante, conferindo maior visibilidade e impacto aos trabalhos publicados. Em termos práticos, apresenta duas estratégias complementares que têm por objetivo o acesso livre à literatura de revistas académicas com revisão por pares: (1) o autoarquivamento em repositórios (também conhecido por green open access), e (2) a publicação em revistas académicas de acesso livre (ou gold open access).1 Declaração de Bethesda sobre Publicação em Open Access Declaração de princípios elaborada numa reunião em abril de 2003 no Howard Hughes Medical Institute, com a presença de personalidades ligadas à Biomedicina, a Declaração de Bethesda sobre Publicação Open Access pretende assegurar acesso livre à literatura científica. Nela se encontra, entre outras indicações, uma definição de publicação em open access, caracterizada por duas condições:

1

http: //www. soros. org/openaccess/read. shtml 115

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o(s) autor(es) e o(s) detentor(es) de direitos garante(m) acesso gratuito, irrevogável e perpétuo, e licença para copiar, utilizar, distribuir, transmitir e apresentar o trabalho publicamente, criar derivados em qualquer meio digital, para qualquer propósito responsável, sujeito a atribuição da autoria, tal como o direito de fazer um pequeno número de cópias para uso pessoal; o depósito imediato à publicação em pelo menos um repositório suportado por uma instituição académica, sociedade académica, agência governamental ou outra organização que procure o acesso livre, a distribuição sem restrições, a interoperabilidade e o arquivamento a longo prazo de uma versão completa do trabalho e de todo o material suplementar, incluindo uma cópia da permissão acima indicada, num formato eletrónico apropriado.2 Declaração de Berlim sobre Open Access no Conhecimento das Ciências e Humanidades

A Declaração de Berlim é um documento que apoia o open access, subscrito por representantes de instituições científicas europeias, partindo do pressuposto de que a disseminação apropriada do conhecimento envolve torná-lo acessível em larga escala. Como estratégia de apoio à transição para o acesso livre eletrónico sugere (1) o apoio à publicação em open access para trabalhos de investigadores e bolseiros, (2) o encorajamento dos detentores do património cultural a disponibilizarem os seus recursos na Internet, (3) o desenvolvimento de formas de avaliação de contribuições em open access para garantir qualidade e boas práticas científicas, (4) a defesa do reconhecimento da publicação em open access para efeitos de avaliação e progressão académica, e (5) o crédito do mérito de contribuições para a infraestrutura de acesso livre através de desenvolvimento de software, fornecimento de conteúdos, criação de metadados ou publicação individual de artigos.3

2 3

http: //www. earlham. edu/~peters/fos/bethesda. htm http: //oa. mpg. de/openaccess-berlin/berlindeclaration. html

Anexo 2

Finalidades da Creative Commons e da Science Commons

A organização Creative Commons (http: //creativecommons. org) visa aumentar a quantidade de trabalhos disponíveis, de forma gratuita e legal, para partilha, uso, reconversão e remistura. Providencia aos criadores licenças com “todos os direitos reservados”, “alguns direitos reservados” e “nenhum direito reservado”. Assim os criadores estipulam os direitos que os utilizadores dos seus trabalhos possuem sobre os mesmos, podendo estes partilhá-los ou “remisturá-los” (o que pode implicar mudança de formato ou tradução para outra língua). Para os cientistas, o Science Commons (http: //sciencecommons. org) foca-se na possibilidade de abrir e dar acesso a várias etapas de uma pesquisa. Para isso, integra três linhas de ação: —





Tornar a pesquisa científica “reutilizável”: ajudar pessoas e organizações a abrir e marcar os dados e os produtos das suas pesquisas para serem reutilizados. Isto passa por publicações em regime de open access ou em repositórios abertos, utilizando, por exemplo, licenças Creative Commons nos artigos. O mesmo princípio é aplicado a dados, pelo que foi criado um protocolo para implementar em bases de dados. Tornar materiais de pesquisa acessíveis em “um clique”: através do sistema de licenciamento Science Commons, os cientistas podem utilizar contratos standard e modulares para transferência de materiais biológicos como ADN, células, animais ou anticorpos. É esta a base do projeto Acordo de Transferência de Materiais Biológicos do Science Commons, que integra nas suas licenças os meios para encontrar os materiais, possibilitando a construção de um sistema de troca análogo ao eBay. Integração de fontes de informação fragmentadas: através da integração de uma linguagem comum e legível por máquinas nos próprios dados, o Science Commons ajuda os cientistas a procurar, analisar e utilizar dados de diferentes fontes. A utilização do Protocolo para Bases de Dados Science Commons integra metadados com informações sobre as licenças nas próprias bases de dados, para facilitar a integração de várias fontes de informação, com diferentes permissões de utilização. 117

Referências bibliográficas

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