Para Uma Etnografia da Arqueologia: Como Diferentes Aprendizados Influenciam na Interpretação de Contextos Arqueológicos

June 28, 2017 | Autor: F. Do Nascimento ... | Categoria: Archaeology, Sociology of Knowledge, Archaeological Fieldwork
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CAMPUS DE LARANJEIRAS DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA ARQUEOLOGIA BACHARELADO FELIPE DO NASCIMENTO RODRIGUES

PARA UMA ETNOGRAFIA DA ARQUEOLOGIA: COMO DIFERENTES APRENDIZADOS INFLUENCIAM NA INTERPRETAÇÃO DE CONTEXTOS ARQUEOLÓGICOS

Laranjeiras 2014

FELIPE DO NASCIMENTO RODRIGUES

PARA UMA ETNOGRAFIA DA ARQUEOLOGIA: COMO DIFERENTES APRENDIZADOS INFLUENCIAM NA INTERPRETAÇÃO DE CONTEXTOS ARQUEOLÓGICOS

Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Arqueologia do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Arqueologia. Orientador: Prof. Dr. José Roberto Pellini.

Laranjeiras 2014

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO CAMPUS DE LARANJEIRAS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Rodrigues, Felipe do Nascimento R696p

Para uma etnografia da arqueologia: como diferentes aprendizados influenciam na interpretação de contextos arqueológicos / Felipe do Nascimento Rodrigues.; orientador José Roberto Pellini.- Laranjeiras, 2014. 74 f. : il.

Monografia (Bacharelado em Arqueologia) –Universidade Federal de Sergipe, 2014.

1. Arqueologia

2. Estudos etnográficos. 3. Ciência e evolução 4. Trabalho de campo 5.Sociologia do conhecimento. I. Pellini, José Roberto. II. Título.

CDU 902.01/1

FELIPE DO NASCIMENTO RODRIGUES PARA UMA ETNOGRAFIA DA ARQUEOLOGIA: COMO DIFERENTES APRENDIZADOS INFLUENCIAM NA INTERPRETAÇÃO DE CONTEXTOS ARQUEOLÓGICOS

Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado em Arqueologia do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Arqueologia. Orientador: Prof. Dr. José Roberto Pellini.

Laranjeiras, _____ de____________ de ______.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ Prof. Dr. José Roberto Pellini (Orientador) Universidade Federal de Sergipe

____________________________________________ Prof. Dr. Gilson Rambelli Universidade Federal de Sergipe

_____________________________________________ Profª. Ma. Caroline Murta Lemos Universidade Federal de Sergipe

AGRADECIMENTOS

Antes de tudo, agradeço a meus pais. Se não fosse por eles eu não teria chegado onde estou. Agradeço a todos os meus amigos, que sempre me apoiaram no decorrer do Curso, sejam eles da Universidade, da Nossa Escola ou dos “campos da vida”. Agradeço aos professores da Universidade Federal de Sergipe por ter contribuído para minha formação profissional. Ao Professor José Roberto Pellini, por ter me escutado quando apareci com “uma ideia meio louca”, e por ter me ajudado a levá-la adiante e produzir este trabalho; ao professor Gilson Rambelli, por ter me cedido a oportunidade de uma bolsa de estudo; ao professor Leandro Duran por ter tido muita paciência durante aulas práticas e por meio de criticas construtivas, ter mostrado o melhor caminho a seguir. Agradeço a todos que responderam as entrevistas de bom grado, sempre respondendo perguntas posteriores às entrevistas. Obrigado pela paciência. A special place also for the BHFS team, whose members helped me a lot in the Field session and also by lending some papers to help me with this research. Also to the good friends made in Sozopol. Similar to the speech of someone on the last day presentation of the squares: “The best find in this site was friendship”. Ao pessoal do campo em Santa Catarina, agradeço a oportunidade a mim proporcionada de poder participar desse trabalho. Contribuiu em muito para minha formação profissional. A todos vocês, o meu muito obrigado.

PARA UMA ETNOGRAFIA DA ARQUEOLOGIA: COMO DIFERENTES APRENDIZADOS INFLUENCIAM NA INTERPRETAÇÃO DE CONTEXTOS ARQUEOLÓGICOS Felipe do Nascimento Rodrigues 1 RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo tentar compreender como os diferentes aprendizados influenciam na interpretação de contextos arqueológicos. Para tanto, foram utilizadas como base as discussões teóricas da Arqueologia, bem como lançado mão de práticas comuns à etnografia. Contudo, ao invés de estudar “o outro”, o foco fora dado aos próprios arqueólogos, em uma tentativa de enxergar a Arqueologia e os arqueólogos sob uma nova perspectiva, e partir daí contribuir para a sua inserção nas discussões sobre ciência que já abarcam diversas outras áreas do conhecimento. Palavras-chave: Sociologia do conhecimento. Teoria da arqueologia. Trabalho de campo.

ABSTRACT

The present work has for objective try to understand how different learning influence in the interpretation of archaeological contexts. To do so, it was taken as a base some of the theoretical discussions in archaeology and made use of common practices to ethnography, this time, instead of studying “the other”, the focus was on archaeologists themselves in an attempt to see archaeology and archaeologists under a new perspective and this way contribute to the insertion of archaeology in the current discussions about science that already embrace many other areas of knowledge. Keywords: Sociology of knowledge. Theory of archaeology. Fieldwork

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Graduando de Bacharelado em Arqueologia pela Universidade Federal de Sergipe.

LISTA DE TABELAS

TABELA 1: Lista dos voluntários da Bulgária ........................................................................ 28 TABELA 2: Lista dos voluntários do Brasil ............................................................................ 28

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8 CAPÍTULO 1 .......................................................................................................................... 10 1.1 O PÓS-MODERNISMO CIENTÍFICO.......................................................................... 15 CAPÍTULO 2 .......................................................................................................................... 17 2.1 O TRABALHO DE CAMPO ......................................................................................... 17 2.2 ARQUEOLOGIA E ANTIQUARIANISMO ................................................................ 19 2.3 EVOLUCIONISMO ....................................................................................................... 20 2.4 HISTÓRICO CULTURALISMO ................................................................................... 22 2.5 PROCESSUALISMO .................................................................................................... 23 2.6 PÓS-PROCESSUALISMO ........................................................................................... 24 CAPÍTULO 3 .......................................................................................................................... 26 3.1 BULGÁRIA ................................................................................................................... 29 3.2 BRASIL .......................................................................................................................... 35 3.3 ANÁLISE COMPARATIVA ........................................................................................ 40 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 42 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 45 ANEXOS ...................................................................................................................... 47 A – Entrevista com Voluntário A .................................................................................. 47 B – Entrevista com Fernanda ......................................................................................... 49 C – Entrevista com Ducilene ......................................................................................... 51 D – Entrevista com Voluntário B................................................................................... 53 E – Entrevista com Voluntário C ................................................................................... 55 F – Entrevista com David............................................................................................... 57 G – Entrevista com Voluntário D .................................................................................. 59 H – Entrevista com Jacopo............................................................................................. 60 I – Entrevista com Voluntário E .................................................................................... 62 J – Entrevista com Claire ............................................................................................... 63 K – Entrevista com Lilly ................................................................................................ 64 L – Entrevista com Aja .................................................................................................. 66

INTRODUÇÃO

Desde que surgiu, a arqueologia é tida como uma prática voltada “aos outros”. Antiquários colecionavam itens “exóticos” pelo fato de estes chamarem atenção ou para demonstrar superioridade étnica. Poucas vezes por interesse científico ou cultural. Com o passar do tempo e de diversas revoluções científicas, a Arqueologia foi ganhando espaço de respeito como ciência humana e assim estabelecendo suas bases ao redor do mundo. A Arqueologia avança demais no estudo da cultura material, do passado, do presente, mas há pouca crítica dentro do próprio fazer arqueológico. Essa é a proposta deste trabalho. Por que estudamos “os outros” com tanto afinco, elaborando os mais complexos questionamentos e cadeias operatórias, mas quando olhamos para nós mesmos não nos questionamos quanto à relação que temos com o sítio? Os arqueólogos são os elementos mais importantes de toda essa temporalidade do campo material. São eles que através de suas práticas, técnicas, aprendizados e ferramentas estão no limiar entre natural e cultural (EDGEWORTH, 2006) que estão constantemente trazendo de volta à vida os objetos há muito tempo esquecidos. E onde ficamos nós, arqueólogos, nesse meio? O que temos de diferente das “outras culturas” que nos dá o “direito” de não sermos estudados? “The material culture of archaeologists

themselves

remains

exempt

from

ethnoarchaeological

analysis”

(EDGEWORTH, 2006). Foi a partir desses questionamentos em mente que o presente trabalho foi pensado, com algumas variações, obviamente; mas cuja finalidade é colocar o arqueólogo como objeto de estudo, mais especificamente, observar como os diferentes aprendizados

dos

arqueólogos,

influenciam em suas

interpretações

de

contextos

arqueológicos. Para isso foi necessário participar de duas distintas escavações arqueológicas, uma na Bulgária e outra no Brasil, ambas com suas especificidades, desde a localização do sítio até os métodos de escavação utilizados. E uma vez lá, observar as dinâmicas interpessoais e de trabalho, fazendo entrevistas com alguns dos participantes, para desse modo tecer comentários e exemplificar como a interpretação arqueológica está sujeita aos “individualismos”, representados nesse caso, pelos distintos aprendizados profissionais. Alheio a essa discussão, o presente trabalho vem contribuir também para as discussões teóricas no cenário nacional. 8

Como base para este trabalho, houve a necessidade de familiarizar-se com a sociologia (ELIAS, 2008; HOCHMAN, 1994; ARAÚJO, 2006) do conhecimento e as distintas correntes de pensamento, de modo a se poder encaixar o atual cenário da Arqueologia na discussão sobre ciência. Fato que por mais imperceptível que seja para alguns, influencia diretamente nossas práticas profissionais e formas de pensar.

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CAPÍTULO 1

Ciência,

“conjunto

de

conhecimentos

socialmente

adquiridos

ou produzidos,

historicamente acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens próprias, que visam compreender e poss., orientar a natureza e as atividades humanas” (FERREIRA, 2004: 465). Tal “conjunto de conhecimentos” tem origem nas necessidades cognitivas do homem (MASLOW, s.d. apud ARAÚJO, 2006: 131), desde os simples “porquês” de quando se é criança às mais complexas explicações sobre fenômenos naturais (KUHN apud HOCHMAN, 1994). Pode-se dizer que a ciência é organizada em paradigmas; são realizações científicas universalmente reconhecidas que, por um período de tempo, fornecem soluções modelares para uma comunidade científica, ou seja, cada área da ciência tem seus modos de partir em busca do conhecimento e responder a seus problemas. Tais soluções modelares, chamam-se paradigmas, os quais são hereditários e estão constantemente sendo rediscutidos, aprimorados e muitas vezes substituídos. Para o Thomas Kuhn as mudanças de paradigmas são chamadas de revoluções científicas. Elas acontecem quando o número de “anomalias”, problemas que surgem e são impossíveis de se responder com os métodos vigentes da atual comunidade, crescem cada vez mais dentro dessas áreas e percebe-se que há uma ineficácia com o atual método de pesquisa para responder determinadas questões. A revolução cientifica pode ser identificada quando técnicas distintas da “ciência normal” começam a ser utilizadas sem restrições teóricas, de modo que investigações extraordinárias tentem dar conta dos fenômenos até então inexplicáveis (KUHN, s.d. apud LORENZI; ANDRADE, s.d.: 110). A partir dessas investigações, os fundamentos do paradigma em vigor serão modificados e as antigas explicações e compreensões dos fenômenos mudarão de modo que se obtenham respostas novamente. Esse processo não ocorre de uma hora para outra, é algo que demora a acontecer e a se concretizar pelo simples fato dessas ideias novas estarem indo contra toda uma tradição hereditária de conhecimento, um “regime hierárquico”, que rege o conhecimento científico (HOCHMAN, 1994). 10

Dentro do Universo científico existe “algo” comum a todas as áreas descrito por Bourdieu como Campo Científico, ainda segundo o autor, esse é o Lócus de uma competição na qual está em jogo especificamente o monopólio da autoridade científica, definida de modo inseparável, como a capacidade técnica e o poder social de um agente falar e agir legitimamente em assuntos específicos (BOURDIEU apud HOCHMAN, 1994), em outras palavras, local de competição por capital científico, termo a ser abordado mais adiante. Tal local de “conflito ideológico” é pré-determinado, sua dinâmica é totalmente determinada e ele rege o modo como as disputas ocorrem. Ao invés de ser influenciado pelas interações internas, ele acaba influenciando-as, gerando uma competição desigual por conhecimento. Apesar de haver uma influência interna por parte do campo científico, o mesmo também sofre influência do meio social, essa, a depender da importância do campo cientifico para a sociedade, pode ser bem aproveitada, pois seu poder de refração (BOURDIEU, s.d. apud LORENZI; ANDRADE, s.d.) permite com que ele tire o melhor a partir das demandas externas. Todo esse contexto afeta diretamente as decisões mais “básicas” de uma pesquisa que siga esse modelo estruturalista e hierárquico de busca ao conhecimento. Após falar sobre o conceito estruturalista de campo científico proposto por Bourdieu, abordarei agora uma versão construtivista posterior: Os campos Transcientíficos (ou arenas Transepistêmicas), proposto por Karin Knorr-Cetina. Diferentemente do estruturalismo, hierárquico, pré-determinado, essa perspectiva construtivista permite uma maior “liberdade”; o pesquisador está “solto”, ele tem que “se virar”, fazer uso de tudo à sua disposição e se adaptar ao ambiente em que ele está inserido de modo que sua pesquisa aconteça e que seja bem sucedida (HOCHMAN, 1994). Tendo as ideias da autora como base, pode-se dizer que os campos transcientíficos são os ambientes fora do laboratório onde os cientistas devem conviver com pessoas que não pertencem à sua área específica: Administradores, empresários, etc. E também desenvolver outros tipos de atividades, além das científicas. Essas relações “não científicas” influenciam diretamente nas pesquisas e mostram-se tão necessárias quanto a pesquisa em si. “São relações de dependência mútua em termos de recursos e suporte” (KNORR-CETINA apud HOCHMAN, 1994: 227). Segundo Bourdieu, “crédito científico” é um capital simbólico, representado pela autoridade e pela competência científica, que pode ser acumulado, transmitido e reconvertido 11

em outras formas de capital, dentro do mercado da produção de conhecimento.

Crédito

científico também pode ser visto do ponto de vista financeiro, verbas para pesquisa, liberdade de pesquisar o assunto que quiser. Desse ângulo, pode-se dizer que o crédito científico de um cientista é a melhor maneira que ele tem para sobreviver e crescer no atual meio científico. Após relacionar a ciência com o mercado, partimos a uma pergunta direta: Existe uma relação entre capitalismo e ciência? Como é essa relação? Sim, existe uma relação entre capitalismo e ciência. A partir das leituras de Knorr-Cetina (apud HOCHMAN, 1994), pode-se dizer que as relações entre capitalismo e o processo de formação do conhecimento vai muito além das analogias de termos utilizados no modelo econômico para tentar explicar um modelo não tão conhecido. A comunidade científica transformou-se em mercado, os cientistas tornaram-se capitalistas, antes integrados por normas, agora são integrados pela competição; a pressão de outros cientistas influencia em métodos novos e na busca por resultados cada vez melhores para se destacar (aumentando assim o crédito científico de determinado pesquisador). Apesar de serem capitalistas, cientistas ainda são tratados isoladamente “num sistema auto contido e quase independente” formado por pequenos capitalistas ou corporações que se sustentariam explorando uns aos outros (KNORR-CETINA apud HOCHMAN, 1994: 225). Como visto em Santos (1995), a ciência é usada de forma a exercer controle sobre a natureza e sobre o desconhecido por parte do homem. Uma ferramenta de controle. Mas a ciência não só serve para controlar, ela também está contida dentro de uma ferramenta de controle. Há uma relação dialética. A partir do momento que devemos nos adaptar a modelos, comunidades, arenas e/ou campos científicos, de modo que possamos desenvolver um trabalho tido como coerente para o mundo científico, nós estamos sendo regulados. A ciência moderna não consegue conviver com outras formas de conhecimento, assim como outras maneiras de ver o mundo, ela é excludente e individualista. O conhecimento organizado e sistematizado em universidades e sociedades de saber, desde que essas surgiram na época medieval, é algo esotérico e restrito a um círculo fechado de indivíduos e compreensível apenas por poucos. O profissional deve ter um vocabulário compreensível apenas por seus pares (WILENSKY, s.d. apud PEREIRA NETO, 1997). A principio, o conhecimento científico era tido como algo distinto da vida cotidiana das sociedades, afastado da política e da vida prática, isolado e não se relacionava em nada com 12

elas. “Elementos intelectuais vs Elementos sociais”, a única relação entre ambos é quando há necessidade de justificar algo relacionado ao poder. (PREMEBIDA; NEVES, 2009). Segundo Hochman (1994: 203) e Marinho (apud PEREIRA NETO, 1997: 111), pode-se dizer que mesmo tendo sua gênese condicionada por relações sociais, o isolamento no mundo moderno é uma condição para eficiência do trabalho científico em busca da conquista de um monopólio de competência e consequentemente do território profissional exclusivo. Tal isolamento no mundo moderno é uma das características fundamentais da comunidade científica (HOCHMAN, 1994: 203). O isolamento é condição para eficiência do trabalho científico, para a pesquisa da ciência normal. É justamente o seu isolamento da dinâmica social, o seu autoenclausuramento, mesmo que sua gênese tenha sido fortemente condicionada por relações sociais, que permite o controle. A busca pelo conhecimento, às vezes como comunidade científica, às vezes como campo científico, entre outros, tem um determinado modo de organização entre os pesquisadores. O modo que será abordado agora é a hierarquia. Antes de adentrar no domínio científico, vale frisar que a hierarquia, antes de tudo é um modelo de relação social, dos quais a ciência supostamente deveria estar isolada e não se relacionar de maneira alguma, uma vez que tal envolvimento pode prejudicar a eficiência do trabalho científico. A hierarquia está presente no habitus (BOURDIEU apud SILVA, 2002:119) dos mais diversos campos da produção de conhecimento, desde um laboratório de pesquisa em Química Bioinorgânica (SILVA, 2002) até um trabalho de campo em arqueologia. O laboratório tem seu coordenador, um professor cujos feitos acadêmicos (créditos científicos) o colocaram naquela posição de destaque e dele deriva toda a linha de pesquisa do laboratório (SILVA, 2002: 111). Assim como um trabalho de campo tem seu coordenador e dele vem todas as ordens de como proceder e qual perspectiva deve-se ter em mente para trabalhar lá. Abaixo dos coordenadores, vêm outros professores (quando há) vinculados à determinada Instituição e depois os estudantes. Tudo isso ocorre de maneira vertical, nada que vem de “baixo” sai sem ser visto e analisado por quem está “acima”. O presente trabalho é um exemplo disso. Essa hierarquia faz com que as coisas funcionem de maneira controlada (mesmo que por uma pessoa) e segura, salvo algumas exceções. Para demonstrar tal hierarquia, faremos uso da comunidade Kuhniana, tal como em Hochman (1994: 202), na qual, para se tornar 13

cientista deve-se, impreterivelmente, fazer parte da mesma e respeitar uma clara noção de autoridade e de hierarquia. Os componentes mais antigos e mais eficientes na resolução dos problemas científicos podem treinar os mais jovens nos padrões da comunidade. Ou seja, “os alunos de hoje serão os professores de amanhã”. Essa organização hierárquica faz com que a comunidade se mantenha estável, mas ela quebra o dinamismo da busca ao conhecimento, uma vez que esta vai ser sempre condicionada por alguém, ao invés de seguir o seu caminho. Quanto ao quesito da produção do conhecimento, a hierarquia pode influenciar de maneira prejudicial ou benéfica, sendo que dependerá do contexto no qual se deseja levar adiante determinada pesquisa. No exemplo da comunidade Kuhniana, a hierarquia influencia de maneira positiva (para quem está seguindo seus moldes), pois quem é experiente está capacitando os novatos para melhor compreender e explicar os fenômenos científicos com os quais terão que lidar. Apesar de todos esses processos de isolamento da sociedade, autoenclausuramento, entre outros, o homem é um ser social, logo ele está sob influência de determinados contextos sociais e hoje em dia, mais do que nunca, de contextos econômicos também. Segundo Manheim (apud HUNGER; SOUZA NETO, s.d.), “o conhecimento é socialmente relativo, com relações a certas condições do ser social, especialmente das classes sociais ”. Deixando claro que apesar de supostamente isolados, os pesquisadores estão lidando com algo que é influenciado diretamente por quesitos puramente sociais. O conhecimento é inerte a todas as pessoas. Todos têm a sua maneira de desenvolvê-lo, pontos de vista podem divergir, mas isso não quer dizer que um esteja “certo” e o outro “errado”. São simplesmente maneiras distintas de construí-lo, maneiras essas, profundamente influenciadas pela cultura social que nos cerca. Um suposto conhecimento científico é uma maneira à parte de conhecimento, do mesmo modo que as “superstições de outros povos” são uma forma de conhecimento. O que acaba determinando se tal forma de pensar está “certa” ou “errada” é todo um condicionamento por trás dos pensadores (economia, tradição, etc.) que acabam se tornando maneiras de “intimidar” outras pessoas a aceitarem argumentos, não o conhecimento em si. Não se pode esquecer que o conhecimento está limitado ao seu tempo, às tecnologias e ideias trabalhadas por pesquisadores passados ou contemporâneos. Não há como alguém “prever”

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um tipo de aprendizado novo, o conhecimento adapta-se aos contextos sociais, econômicos e temporais. Fazendo uso das palavras de Silva (2002: 109): [...] o conhecimento científico produzido em determinado contexto, traz a reboque os efeitos da organização social do ambiente de pesquisa, as idiossincrasias dos produtores (cientistas) e as limitações impostas pelo meio (em termos operacionais, tecnológicos e de acesso à informação, por exemplo), enfim, reflete a cultura do contexto em todas as suas peculiaridades.

A industrialização da ciência (SANTOS, 1995: 34) elevou ainda mais o grau de influência de contextos socioeconômicos na produção do conhecimento, como exemplo disso pode-se citar o fato do pesquisador com acesso a um equipamento de ponta, que produz um conhecimento mais “preciso” e gera mais “capital científico”, mas ao mesmo tempo que possibilita alguns poucos de produzir algo de destaque, impossibilita muitos outros que não tem acesso a tal equipamento. A utilização do equipamento durante o processo torna-se algo que valida ou invalida uma pesquisa, gerando assim uma hierarquização da comunidade científica baseada em relações autoritárias e desiguais. Os contextos socioeconômicos devem ser levados em conta na hora de se analisar os pensamentos de um autor, pois tais pensamentos foram desenvolvidos, mesmo que isolados, sob influência direta desses contextos. De modo que se possa ter uma melhor compreensão do pensamento do autor, deve-se ter uma ideia básica de tudo que o cerca, desde a comunidade em que ele vive, a tecnologia da qual ele dispõe, até os fatores econômicos mais simples ou mais complexos. Tudo isso exerce determinada pressão durante o processo de produção do conhecimento, resultando em determinadas perspectivas sobre o objeto de estudo. Não se pode ter a mesma visão ao analisar trabalhos de autores distintos, escritos sob circunstâncias distintas. 1.1 O PÓS-MODERNISMO CIENTÍFICO Indo de encontro à perspectiva da ciência moderna, como foi dito no início do capítulo, abordaremos agora a Ciência Pós-moderna, defendida por autores como Araújo (2006) e Santos (1995). Estamos diante de uma “revolução científica que ocorre em uma sociedade revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não pode ser mais apenas um paradigma científico, tem de ser um paradigma social” (SANTOS, 1995:37). Para se chegar a tal paradigma social, a humanidade deve passar por transformações também, não somente a ciência. A ciência pós-moderna é um trabalho reflexivo; antigamente, o trabalho que era 15

deixado para filósofos é feito hoje em dia pelos próprios cientistas que pesquisam e refletem sobre seus próprios trabalhos. Afinal, não há ninguém melhor para refletir sobre nosso próprio trabalho do que nós mesmos. É uma diferente abordagem se comparada com a ciência moderna, mas que ao mesmo tempo preenche lacunas da mesma. A ciência pós-moderna chega para resolver os problemas causados pela ciência moderna e suas tecnologias (SANTOS, 1995). A ciência pós-moderna traz consigo algumas propostas, entre elas pode-se citar as seguintes: superar as dicotomias entre o natural e o social, revalorizando assim os estudos humanísticos; quebrar barreiras impostas por fronteiras estabelecidas pela ciência moderna para a realidade, barreiras essas que atrapalham consideravelmente a dinâmica do conhecimento científico; a ciência passa a ser vista como uma forma de conhecimento entre tantas outras, não como única – ciência não é razão universal, ela é contextual e relativa; unir pesquisador a objeto, proporcionando assim uma maior integração sujeito-objeto; buscar conhecimento em outras fontes, tal como o senso comum, o que proporciona uma maior integração, interdisciplinaridade e maior variedade de dados (SANTOS, 1995). Acima de tudo, a ciência pós-moderna é uma ciência humanizada. Ela é subjetiva e relativa. Diferente de toda a objetividade e precisão dos trabalhos científicos hoje em dia. Mesmo em áreas tidas como subjetivas para o conhecimento, a objetividade deu um jeito de adentrar e se firmar como algo que dá validade a tal pesquisa. “Se não houver exatidão de dados, não é válido”. É uma ciência que vê em pé de igualdade o sujeito (cientista) e o objeto. Ambos são cruciais para a realização da mesma, logo devem ser vistos com a mesma importância, diferente do que normalmente ocorre, em que o pesquisador é mais um entre muitos outros, e o que se destaca é o resultado de anos de trabalho, extensos períodos de pressão de uma comunidade da qual ele está supostamente isolado, para no fim, tudo se repetir novamente no mesmo ciclo. Uma ciência humanizada pode fazer a diferença perante tanta objetividade e exatidão, mesmo que isso não acarrete em uma mudança completa dos paradigmas vigentes, ela pode plantar a semente para um novo método de raciocinar e de levar a ciência adiante; uma ciência feita por cientistas humanos e não por “ignorantes especializados” (SANTOS, 1995: 46); por pessoas que tenham conhecimento sobre a realidade em que vivem, permitindo assim que o conhecimento total seja aplicado localmente, adaptando-o às necessidades específicas de suas comunidades. 16

CAPÍTULO 2

Neste capítulo trataremos sobre a prática arqueológica no decorrer dos anos desde os períodos iniciais da arqueologia antiquarista no século XIV, passando por todas as correntes seguintes – evolucionismo e histórico-culturalismo –, até as discussões atuais entre o processualismo e o pós-processualismo (LEMOS, 2011). O objetivo do capítulo é abordar a relação íntima teoria-prática existente nessas correntes e como isso influencia os elementos organizacionais do sítio, as técnicas (seja utilizando as mesmas ou criando novas) e a interpretação, de maneira sucinta. [...] essa separação da prática e da teoria é ilusória, já que a prática arqueológica vai além da esfera técno-metodológica, sendo fundamentada e articulada de acordo com pressupostos teóricos (arqueológicos ou não) adquiridos no presente, carregados de intenções sociais, econômicas e políticas (LEMOS, 2011:12-13).

Ou seja, pretendemos estudar como os momentos histórico-econômicos e os pressupostos teóricos dessas distintas correntes de pensamento influenciaram e ainda influenciam na prática da arqueologia. Iremos abordar seguindo uma ordem cronológica: Antiquarismo, do século XIV à XIX; Evolucionismo, do século XIX ao XX; Histórico-Culturalismo do século XX aos anos 1960; Processualismo, de 1960 aos dias atuais; Pós-Processualismo de 1980 aos dias atuais (LEMOS, 2011). Mas antes de entrarmos nessa discussão, trataremos brevemente sobre o trabalho de campo propriamente dito. Como o campo era trabalhado antes de se ter todos esses avanços teóricos que temos a nossa disposição hoje em dia? Podemos acabar nos surpreendendo com algumas características que perduraram ao longo dos séculos... 2.1 O TRABALHO DE CAMPO Os trabalhos de campo antigamente, nos séculos XVIII, XIX e início do XX consistiam, grosso modo, em uma elite intelectual (Arqueólogos, Naturalistas, Antiquários, etc.) que pagava trabalhadores para coletar e escavar, enquanto que a análise desses materiais coletados era feita em gabinetes. Esse trabalho era feito como algo amador, sem treino ou domínio de certos conhecimentos, como diz Lucas (2001:5): 17

The Idea of a distinct profession of archaeologists was not fully developed and fieldwork was highly variable because of the people doing it- all were effectively amateurs, though towards the end of the century there was an increasing concern for professionalization.

Sempre com foco nas coleções, o trabalho de campo era visto como um meio de abastecê-las. Os questionamentos, as novas abordagens, todos eram relacionados às coleções, não havia interesse no sítio ou em seu contexto espacial ou temporal: The defining feature of archaeological work before the 1870s was this focus on collections rather than the observation of material in situ (Kehoe 1998:34), and, even when this did occur, it was, as with geology, from a desire to answer questions posed by these collections. Most archaeologists, as well as naturalists, stayed at home or at the academy waiting for the material to come to them (LUCAS, 2001:5).

Com o passar do tempo e de certas mudanças, o trabalho de campo se tornou mais profissional. Uma dessas mudanças foi a grande especialização de quem nele trabalha: os trabalhadores, antes amadores, foram substituídos por estudantes e profissionais de arqueologia que além de escavar, passaram a catalogar, mapear artefatos e fotografar (às vezes). São através de práticas como essas, fichas de contextos e outros registros, que os diretores mantêm controle sobre a qualidade e quantidade do trabalho de campo (LUCAS, 2001). Mesmo com o passar do tempo e com essas mudanças, uma dinâmica organizacional permaneceu a mesma: a hierarquia em campo. A interpretação, o resultado final do trabalho de campo, quem determina é o Diretor/Supervisor da escavação (LUCAS, 2001). No começo das práticas de campo, a hierarquia era determinada diretamente pelo poder econômico. Normalmente os coordenadores eram aristocratas ou estavam a serviço de um capital maior. Hoje em dia os diretores tem seu capital simbólico, o capital científico (BOURDIEU, s.d. apud LORENZI; ANDRADE, s.d.: 114) que o colocou naquela posição de líder, há uma hierarquização da produção de conhecimento arqueológico. Ainda assim, mesmo com tantas mudanças no campo teórico das ciências humanas e da Arqueologia, podemos notar semelhanças que perduram até hoje: Nos anos 1870, o trabalho de campo era um fator determinante para a validade científica da Arqueologia (LUCAS, 2001). The paradox is then, that fieldwork became established as the basis of the discipline in the nineteenth century, as the guarantee of its scientific validity, because it was done by the same people who interpreted the material 18

gathered from that fieldwork. It was this fact that defined archaeology and a host of other disciplines as scientific enterprises (LUCAS, 2001: 12).

Hoje em dia, uma parcela significativa de arqueólogos também pensa assim. Fruto do objetivismo imposto pela ciência moderna (SANTOS, 1995). Outra semelhança também merece destaque: a especialização em campo de muitos arqueólogos hoje em dia criou uma divisão de classes: arqueólogos de contrato e acadêmicos. Enquanto uns coletam dados, outros produzem novos dados com o que foi coletado (há exceções), nas palavras do próprio autor: “Is there a danger that we may return to the pré1870’s situation (with often the same class implications too) where one group of archaeologists do fieldwork while the ‘real’ archaeologists stay in their armchairs?” (LUCAS, 2001:12). 2.2 ARQUEOLOGIA E ANTIQUARIANISMO Antiquário, do latim antiquariu, é um estudioso, colecionador ou comerciante de antiguidades ou antigualhas (FERREIRA, 2004). Essa prática surgiu na Europa, mais precisamente durante o período Renascentista, uma época de grandes mudanças sociais, econômicas e culturais com a transição do sistema de feudos para as grandes cidades-estados italianas: “Mudanças sócio-econômicas causadas pelo fim do feudalismo no norte da Itália fizeram com que os eruditos renascentistas, para justificar essas mudanças, se voltassem para as sociedades clássicas – Grécia e Roma” (TRIGGER, 2004 apud LEMOS, 2011:19). Lemos (2011: 20) completa afirmando que: No norte Europeu, a motivação para o desenvolvimento do antiquarismo se encontrou não no Renascimento e sim no patriotismo decorrente do declínio do feudalismo e início dos estados nacionais, por volta do século XVI.

A arqueologia nessa época não era vista como disciplina, mas sim como uma prática que não seguia metodologia de trabalho nenhuma (LEMOS, 2011), para auxiliar na obtenção de objetos descritos em documentos ou com algum apelo exótico, estético ou histórico para aumentar essas coleções e assim ir auxiliando na construção de um discurso para o futuro baseado em evidências do passado. A prática arqueológica no antiquarismo era um reflexo da teoria, uma “bagunça” influenciada por diversas áreas afins. Essa prática começou a tomar um viés científico depois de algumas mudanças e aplicação das mesmas durante as coletas em campo ou nas 19

classificações das coleções: o conceito de estratigrafia na geologia que teve algumas de suas noções aplicadas em campo por alguns pesquisadores e a especialização de áreas afins da História Natural, em que alguns colecionadores se tornaram especialistas em Botânica ou zoologia, por exemplo (LEMOS, 2011). Esse contexto gerou certas mudanças na forma como essa prática era encarada na época, levando museus a se tornarem instituições de pesquisa e suas coleções se tornando públicas e com um caráter mais científico. A prática científica da arqueologia começou a surgir em torno do século XVIII, com Thomas Jefferson (LEMOS, 2011). Essa breve descrição da prática antiquarista deixa claro que não havia um trabalho sistematizado de arqueologia. O que havia era a adaptação de várias técnicas, métodos e às vezes pressupostos teóricos de outras áreas para a arqueologia. Mas isso foi de suma importância, uma vez que essas adaptações foram os primeiros passos rumo a uma disciplina, como vai ficando cada vez mais claro no decorrer dos séculos. 2.3 EVOLUCIONISMO Foi durante o evolucionismo que a arqueologia começou a se consolidar como uma prática científica. A sistematização da prática de campo, o registro total e a escavação total de um sítio são reflexos do considerado “pai” da arqueologia de campo britânica, Pitt Rivers (LUCAS, 2001). Seu histórico militar contribuiu bastante para o desenvolvimento de uma prática arqueológica sistemática e hierárquica, presente até os dias de hoje. O método da escavação total consistia em escavar e registrar o máximo possível de material encontrado para se obter conhecimento sobre ele através da seriação do mesmo (LEMOS, 2011). What really matters to him in the archaeological Record are objects and how they reflect upon human history. While his concern for detailed recording may have been motivated in general by a desire for totalisation, his particular aims were dominated by the need to provide a secure context for objects, to establish their proper place in the evolutionary scale of culture. (LUCAS, 2001: 25)

Apesar de haver toda uma preocupação em registrar o máximo possível de informações em campo, o foco da prática arqueológica de pesquisadores evolucionistas, tais como Petrie, Pitt Rivers e outros, ainda eram os objetos e não o sítio. Assim, podemos notar que há semelhanças com o antiquarismo, ao focar no objeto, mas que também há disparidades, uma vez que agora a prática está focada em registrar as informações, ao invés de apenas coletar objetos que chamem atenção.

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From this perspective, the proximity of late nineteenth century archaeology to antiquarianism is much closer; what unites them is a focus on the object rather than the site. What separates them is a concern to place the finds in an evolutionary/historical rather an aesthetic/speculative context (LUCAS, 2001: 32).

Deve-se destacar também a presença das discussões entre pesquisadores, o que mostra indícios de reflexão por parte deles. No início do século XX, as discussões estavam voltadas para as técnicas de campo. Tais divergências apresentavam-se no cenário britânico; Bersu e outros discutiam a “maneira correta” de se escavar um sítio. Alguns favoreciam a verticalidade das seções estratigráficas, enquanto outros utilizavam métodos que abrangiam técnicas que enfatizavam o plano do sítio como, por exemplo, Bersu (LUCAS, 2001). Essas divergências se faziam presente em um cenário ainda maior, o mundial, em especial no eixo acadêmico Estados Unidos/Inglaterra. A arqueologia americana era institucional e fortemente influenciada pela antropologia (particularismo histórico), enquanto que a inglesa tinha um caráter mais individual e evolucionista. Isso nos leva a diferentes maneiras de se trabalhar com as mesmas técnicas, exemplificando com as palavras do autor, “[...] The relevant point here is that the stratigraphic revolution in North America was clearly quite different from that in Britain at the same time” (LUCAS, 2001: 48). É importante também sempre ter em mente toda a carga não acadêmica que estava por detrás da arqueologia evolucionista. “Diferentemente do antiquarismo, no evolucionismo a arqueologia promovia a noção de um passado nacional, procurando um estado com uniformidade étnica” (THOMAS, 2004 apud LEMOS, 2011). [...] a arqueologia tinha como principal função não mais justificar a formação dos estados e sim promover a noção de um passado nacional; o nacionalismo era a essência do passado, procurando uma origem para o presente em um estado com uniformidade étnica (THOMAS, 2004 apud lemos, 2011:28-29). Além da construção nacionalista, o evolucionismo biológico e cultural justificava a

colonização

de

povos

tidos

como

inferiores,

visando

à

expansão

territorial

e

consequentemente econômica. No século XIX, os Estados Unidos almejavam a criação de um passado nacional como forma de demonstrar superioridade étnica e assim justificar a tomada das terras indígenas (TRIGGER, 2004 apud LEMOS, 2011). Esses valores são carregados até hoje em dia, como exemplo pode-se citar uma conversa com um dos instrutores Búlgaros sobre a representação de um cavaleiro na moeda local, exaltando um passado glorioso de

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grandes guerreiros trácios perante a cada vez maior influência turca na economia da região Balcânica. Nessa corrente já vai ficando cada vez mais consolidada a cientificidade da arqueologia, com o começo dos debates teóricos sobre a prática, já se vê uma preocupação com o que se faz. Não se faz de qualquer jeito, como os aventureiros antiquários. Passemos agora para o histórico-culturalismo e suas preocupações em classificar tudo que veem pela frente. Ou melhor, abaixo. 2.4 HISTÓRICO CULTURALISMO Da arqueologia histórico-culturalista pode-se dizer que ela tinha seu foco também na descrição do artefato. Mas diferentemente dos períodos anteriores, os pesquisadores dessa época se preocupavam em identificar os materiais arqueológicos e a qual grupo eles pertenciam, em uma tentativa de reconstrução cultural. Apesar de já se levar em conta outros vestígios, tais como vestígios faunísticos e florísticos (LEMOS, 2011), o foco ainda se mantinha no objeto, uma vez que essas evidências extras eram usadas para fornecer informações complementares aos objetos. “A arqueologia nesse cenário cumpriu o papel de identificar a que grupos étnicos históricos os materiais arqueológicos pertenciam, revelando a história da nação, entendendo como os seus ancestrais viviam” (TRIGGER, 2004 apud LEMOS, 2011). Com a Europa severamente afetada pelas dificuldades econômicas, a fé no progresso tecnológico e consequentemente, no progresso cultural, cai por terra (LEMOS, 2011). Isso afeta drasticamente a maneira de se pensar dos pesquisadores, consolidando a ideia difusionista da cultura em que os grupos eram incapazes de criar, mas somente de adaptar o que eles aprendiam de outros. Um exemplo disso são algumas pesquisas na Amazônia que comparam os povos amazônicos como “aprendizes” de povos andinos economicamente e culturalmente “mais avançados”. Esses estudos eram baseados em métodos puramente descritivos, tais como: seriações, tipologias e cronologias. São métodos cuja eficácia já caiu por terra hoje em dia (ex: seriação), mas que ainda devem ser levados em consideração devido à grande quantidade de dados produzida, especialmente em regiões, tais como o Brasil, onde a prática arqueológica no século XX foi completamente baseada em trabalhos desse tipo. O grande exemplo é o Programa Nacional de pesquisas Arqueológicas (PRONAPA).

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A partir do fato de que a maioria dos histórico-culturalistas considera que a arqueologia se resumia à prática da escavação, e justamente pela escavação ser destrutiva, os registros eram os mais descritivos possíveis, em uma tentativa de diminuir o dano causado pela sua própria prática (LEMOS, 2011). Mesmo depois de muitas décadas, essa prática continua a todo vapor; apesar de algumas modificações e especificidades tecnológicas, hoje é comumente aplicada na arqueologia de contrato ou resgate; onde o que vale é ter a maior quantidade possível de informações sobre o sítio que vai ser destruído. De uma maneira ou de outra, ele deixará de existir. 2.5 PROCESSUALISMO O processualismo surgiu após a Segunda Guerra Mundial, um período caótico no contexto econômico-social para toda a Europa, em que os países tentavam se reerguer da destruição causada pela Grande Guerra. Do outro lado do oceano Atlântico, os Estados Unidos passavam por um período de progresso econômico e avanços tecnológicos que os colocavam como potência à frente de todos os outros países do globo, em especial a União Soviética. Essa perspectiva materialista, anti-histórica e positivista influenciou várias disciplinas, entre elas a Antropologia, com o Neoevolucionismo de Leslie White e Julian Steward (LEMOS, 2011). Essa nova abordagem é diferente do evolucionismo do séc. XIX, pois acredita que as mudanças culturais não são estágios obrigatórios de se passar, mas que acontecem por casualidades econômicas, ambientais e tecnológicas (LEMOS, 2011). No contexto da Guerra Fria, foi uma maneira “de naturalizar a hegemonia econômica e política dos Estados Unidos como um processo evolutivo inevitável” (TRIGGER, 2004 apud LEMOS, 2011). E assim nasce a nova arqueologia, não como uma ruptura epistemológica e metodológica completa com o passado, como pregava Lewis Binford, mas também como uma continuidade dos estudos funcionalistas da década de 20 que encontraram um contexto sócio-político propício depois da segunda guerra mundial para se desenvolverem e se justificarem sob a luz de novas perspectivas e teorias (LEMOS, 2011: 49).

Afinal, quão nova seria essa arqueologia? Pode-se dizer que mesmo seguindo alguns passos da arqueologia evolucionista, a arqueologia processual inovou e abriu caminhos a partir do momento que se resolveu quebrar a tradição simplista da coleta e acúmulo de dados. O objetivo era utilizar métodos funcionais para explicar os sítios arqueológicos. Objetos, apesar de ainda exercerem grande fascínio para muitos arqueólogos, tem a mesma 23

importância que a paisagem ou outros elementos que antes eram esquecidos em detrimento da representatividade dos mesmos. (LUCAS et al., 2001 apud LEMOS, 2011). A metodologia processualista para obter tais resultados consiste no uso constante de métodos estatísticos, desde a etapa em campo quando se começa a registrar a quantidade de um tipo de vestígios até o relatório final com diversas análises e vários gráficos. O fato de o ser humano ser visto pelo poder de maximização dos recursos (LEMOS, 2011) reflete sobre a paleoeconomia e processos adaptativos quando se olha para o passado. Mas também reflete o quão influenciáveis somos nós cientistas, levando uma abordagem atual do modo de vista capitalista (produzir o máximo gastando o mínimo) para um passado em que tal ideia nem sonhava em ser concebida. Isso para exemplificar como a arqueologia processualista e sua prática mudaram se comparadas com as correntes anteriores. Enquanto que em sua fase inicial (séculos XVIII, XIX e início do XX) a arqueologia se enquadrava na área das ciências da terra, com essas abordagens de agora ela foi se aproximando mais ainda das ciências exatas, com o intuito de poder se encaixar na categoria de ciência moderna. Essa prática é muito comum hoje em dia em especial na arqueologia de contrato em que o escavador é mudo, é apenas um técnico em escavar e não um interpretador (LEMOS, 2011), e não há exemplo melhor da influência do capital econômico do que a arqueologia de contrato. Como dito anteriormente, ela influencia tanto na interpretação do sítio (quando há uma) como na maneira que tal sítio vai ser abordado. Após o surgimento da arqueologia processual, alguns pesquisadores começaram a levantar questões de todos os gêneros, como é típico das revoluções científicas (KUHN, s.d. apud HOCHMAN, 1994: 206) e a partir daí o pós-processualismo foi dando seus primeiros passos, em busca de ainda mais reflexividade, uma vez que “the crucial point in the foregoing discussion is that without reflexivity, without a concern for how our concepts and practices affect interpretation, the routinised methodologies usually employed in the Field can become very constraining” (LUCAS, 2001: 169). 2.6 PÓS-PROCESSUALISMO O pós-processualismo surge em uma época de grandes crises que afetam o mundo inteiro, desde crises econômicas e sociais dentro do sistema capitalista à falência do sistema soviético, acarretando em guerras civis, tudo isso contribuindo para o fim do otimismo tecnológico do pós-guerra/ Guerra Fria (LEMOS, 2011). Apesar de todas essas consequências gravíssimas no cenário socioeconômico do mundo, o contexto de modo geral contribuiu 24

positivamente para uma reflexão ainda mais profunda no campo teórico das ciências de modo geral e da arqueologia especialmente. O positivismo já não atendia às mesmas expectativas se comparado com alguns anos atrás e ainda mais especificamente, para certos pesquisadores, o processualismo já não explicava a diversidade cultural da pré-história. Isso tudo foi de grande importância, uma vez que permitiu tentar entender os padrões simbólicos culturais (crenças, valores sociais) e como foram moldados. Já que eles são os principais fatores na estruturação da mudança cultural ou na resistência pela mesma (LEMOS, 2011). A ciência (aqui representada pela arqueologia pós-processual) deve ser tratada como uma forma de conhecimento entre tantas outras, não como a única. Ciência não é razão universal, ela é contextual e relativa (SANTOS, 1995). Isso pode ser visto como o reflexo de um campo emergente da ciência nos dias atuais: a ciência pós-moderna. “Um conhecimento não dualista, um conhecimento que se funda na superação das distinções tão familiares e óbvias que até pouco considerávamos insubstituíveis: Natureza/Cultura, Natural/Artificial etc.” (SANTOS, 1995:39). E no caso da arqueologia, o dualismo entre a teoria e a prática. A prática pós-processual causa muita polêmica, pois até hoje ela está no centro das críticas e discussões entre processualistas e pós-processualistas. O argumento principal é que a teoria pós-processual não atingiu a prática arqueológica (LEMOS, 2011). Temos aqui o encontro entre o paradigma vigente e o paradigma emergente, nas palavras de Boaventura de Sousa Santos (Processualismo e Pós-processualismo respectivamente). Observando mais nitidamente, poderíamos dizer que estamos passando por uma revolução científica (KUHN, s.d. apud LORENZI; ANDRADE, s.d.). Terminamos o capítulo com um questionamento: como definir o que é a real prática arqueológica? Porque temos que separá-la da teoria? Porque não simplesmente tratá-las como uma e evitar nos colocarmos em ainda mais dualismos e discussões que nos tiram de nosso real foco de cientistas – produzir conhecimento? À medida que ficamos alheios ao mundo real, presos em nossas discussões, frutos de determinadas especificidades acadêmicas influenciadas pelo capital científico, acabamos perdendo o contexto geral e vamos ficando para trás se comparados com outras áreas, ou até mesmo com nossa própria área em outros países.

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CAPÍTULO 3 A ideia principal era traçar um perfil dessas entrevistas de modo a se ter uma ideia geral sobre o que os entrevistados que participaram desses campos pensam da Arqueologia e de algumas especificidades da mesma. Para isso, as perguntas foram elaboradas durante e após as escavações, observando as dinâmicas em campo e fora de campo, possibilitando elaborar perguntas que pudessem abranger desde uma noção geral sobre o que é arqueologia, até algo mais especifico sobre o contexto no qual se insere o sítio escavado. Para melhor organizar o capítulo e a leitura do mesmo, irei dividi-lo em dois grandes blocos: um tratando do trabalho de campo na Bulgária e o outro aqui no Brasil. Em cada um desses serão analisadas as respostas das entrevistas feitas, e assim discutiremos as ideias que surgiram no decorrer da leitura das mesmas, para no final do capítulo ser feita uma análise geral comparativa entre os dois blocos. Para atingir o objetivo desse trabalho fez-se uso de duas metodologias distintas: a observação participante e entrevistas semi-estruturadas. A observação participante foi basicamente trabalhar junto com os participantes, estando sujeito às mesmas condições que todos no projeto, e registrando os acontecimentos do dia em um diário de campo. As entrevistas foram pensadas durante e depois das temporadas de campo. Foram pensadas baseando-se no que foi observado e vivido em campo, porém enviadas por email, uma vez que o ritmo em campo não permitiu realizá-las ao vivo; uma vez que iria interferir na dinâmica e consequentemente atrasar o trabalho, logo, o email acabou se tornando a ferramenta mais viável. Importante notar também que alguns participantes pediram para não ter os nomes divulgados por questão de privacidade, sendo identificados por letras em ordem alfabética. Para tentar analisar como diferentes formações resultam em diferentes práticas e em diferentes arqueologias, participei de dois trabalhos de campo que serviram de laboratór io para avaliar tais questões: O que é arqueologia em sua opinião? Como você vê a Arqueologia? (Ciência? Arte?) Como é o seu curso de Arqueologia? Você gosta dele? Qual a contribuição que esse trabalho de campo trouxe para sua formação profissional?

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Já havia participado de trabalhos de campo antes? Caso sim, quais diferenças você notou entre esse campo e os outros? (Desde material presente para se trabalhar até o contexto do sítio em si). De que forma você acha que esse trabalho pode contribuir não só para a ciência, mas para a sociedade? Como você vê o trabalho de campo? Uma atividade interpretativa? Coleta de dados? O primeiro campo foi realizado na Bulgária, em um sítio localizado na ilha de Saint Kirik, no Mar Negro. A ilha pertence à municipalidade de Burgas, mais especificamente, cidade de Sozopol, região sul da Bulgária. O sítio em si consistia de várias deposições de vestígios e estruturas arquitetônicas. Desde o período grego, com um templo dedicado ao deus Apolo (daí o antigo nome da cidade, Apollonia Pontica), passando por romanos até o período medieval, evidenciado pelas estruturas de uma igreja bizantina. O projeto foi organizado por uma escola de campo, a Balkan Heritage Field School, e esteve aberto a voluntários de todo o mundo, o único pré-requisito era domínio da língua inglesa e pagamento de uma taxa de inscrição que cobria todas as despesas, desde estada à alimentação e material didático. Esse foi entregue via email antes de viajarmos para situar os participantes sobre o contexto do sítio, da história da região e das escavações anteriores à temporada de 2013. O sítio, localizado na região sul do País, é um destaque entre os vários sítios da região meridional brasileira devido ao seu grau de conservação, tamanho e função. Trata-se de um sítio pré-histórico e diferentemente do sítio búlgaro que está localizado na região urbana; esse se encontra em área rural e de acesso limitado a depender do tempo. A equipe voluntária foi escolhida pelos diretores do projeto, e toda uma atenção foi dada para situar os participantes com o contexto do sítio através de artigos e textos enviados via email. O sítio foi tratado com uma abordagem interdisciplinar, variando da área de interesse dos pesquisadores envolvidos. Simultaneamente e independentemente à escavação principal, estavam ocorrendo outras atividades como prospecção e coleta de material em banhados. Tudo isso de modo a produzir uma análise interdisciplinar não somente do sítio, mas também da área como um todo. Por ser um sítio pré-histórico e por ter um solo não propício à

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conservação de vestígios, o trabalho tinha que ser feito de maneira cuidadosa, ao qual os voluntários foram instruídos a respeito nos dias iniciais. Os blocos distintos: a escavação na Bulgária em 2013 e a escavação mais recente no Brasil, no primeiro semestre de 2014. As perguntas foram as mesmas para os dois grupos. Como era de se esperar, o grupo da Bulgária teve respostas mais diversas, justamente por ser um grupo mais diverso devido ao teor do campo: um campo aberto a voluntários, cuja única restrição era o interesse por arqueologia e o domínio da língua inglesa para melhor comunicação. Os participantes tinham as formações mais distintas possíveis, desde Linguistas até arqueólogos e historiadores da arte. Já na escavação realizada no Brasil, as respostas foram mais especificas dentro da arqueologia por ter sido algo mais direcionado, de caráter acadêmico. Logo, os participantes ficaram restritos a ser à Arqueologia ou áreas afins (graduação em História ou pós-graduação em áreas que trabalham diretamente com arqueologia), tanto os brasileiros quanto os que vieram de fora do país. Tabela 1: Lista dos voluntários da Bulgária. Nome

Idade

Formação

Nacionalidade Sexo

Voluntária E

--

História da arte

EUA

F

Claire

24

Línguas clássicas

EUA

F

Lilly

24

Antropologia

EUA/BG

F

Aja

24

História da Arte

CA

F

Tabela 2: Lista dos voluntários do Brasil. Nome

Idade

Formação

Nacionalidade Sexo

Voluntário A

26

História

BR

M

Fernanda

26

História

BR

F

Ducilene

23

Arqueologia

BR

F

Voluntário B

22

Arqueologia

BR

M

Voluntário C

18

Arqueologia

BR

M

David

29

História

BR

M

Voluntário D

27

Arqueologia

BR

M 28

Jacopo

19

Arqueologia

com IT

M

ciências forenses

Tendo isso em mente, passemos aos blocos e a interpretação das perguntas. 3.1 BULGÁRIA O habitus (BOURDIEU, 1990 apud SILVA, 2002) do projeto era determinado pela coordenadora de campo e pela diretora do Projeto. Ambas com função de supervisionar o sítio, “tomar conta” dos estudantes e voluntários e analisar algum achado tido como marcante. A interação, ou rede (CRISTÓVÃO, s.d. apud SILVA, 2002) de colaboração mútua era estabelecida pelo coordenador do projeto, esse raramente ficava em campo junto com o resto da equipe. Sua função era mais burocrática, no escritório, tomando cuidado para que não faltasse nada que pudesse atrasar as pesquisas. O sítio estava dividido em quadras de 5x5 m, idêntica às escavações em forma de caixa do Sir Mortimer Wheeler do século XX, cada uma sendo escavada por grupos de 2 (dois) a 4 (quatro) voluntários (o termo será utilizado para se referir a todos os participantes que não faziam parte da organização), sob supervisão de profissionais vinculados a ONG Balkan Heritage Field School, esses eram 4 (quatro) (mais os outros 3 (três) com cargos de chefia). Em campo eles supervisionavam diretamente o trabalho dos voluntários, chamavam atenção quando necessário; instruíam sobre o uso de equipamentos (detector de metais, por exemplo), e como desenhar em campo, aferir medidas de nível de profundidade e examinar o material encontrado. Também eram eles que acompanhavam mais de perto os trabalhos, logo eram os mais aptos a trocar feedbacks com o corpo diretor e definir o melhor caminho a seguir, e assim delegar tarefas aos voluntários. A organização do projeto era hierárquica: Diretora da escavação > Coordenadora da escavação e Coordenador do projeto > Supervisores e Instrutores de campo > Voluntários e auxiliares. Tal hierarquia era seguida de forma harmoniosa por todos (à exceção de um dia em que uma discussão em campo entre um voluntário e seu supervisor afetou a prática arqueológica e, logo, a harmonia e o rendimento), com um sentimento de camaradagem e espírito de cooperação que rompia as formalidades comumente presentes em um sistema hierárquico, 29

onde todos eram conscientes da importância do que faziam e do respaldo disso para as comunidades cientifica e leiga. Um dos entrevistados deixou essa relação bem clara: “O conhecimento, comprometimento e profissionalismo da equipe eram de primeira. Diferente de alguns projetos onde voluntários são meramente utilizados como mão de obra, eu senti que éramos tratados com respeito e nos fizeram sentir como membros valorosos de uma equipe” (Voluntária E). Todo esse contexto era passado e/ou absorvido pelos voluntários na forma do habitus – “Manual de condutas, faz com que os agentes se comportem de uma determinada maneira em determinadas circunstâncias e de acordo com as variáveis do lugar e do momento” (BOURDIEU, 1990 apud SILVA, 2002) – e da Doxa: [...] O fato de pertencer a um grupo profissional exerce um efeito de censura que vai muito além das coações institucionais e pessoais: há questões que não são colocadas, que não podem ser colocadas, porque tocam nas crenças fundamentais que estão na base (BOURDIEU, 1990 apud SILVA, 200).

Ao serem perguntadas sobre o que é arqueologia e onde acham que ela se encaixa melhor, se como ciência ou como arte, a grande totalidade das entrevistadas respondeu como sendo ambos, ciência e arte (uma delas deu uma resposta inesperada, a ser tratada mais a frente). Cada qual com seu devido momento de aplicação sejam na prática metódica e cautelosa de escavação e catalogação, ou na parte mais artística de renovação de artefatos e conservação dos mesmos. Para melhor exemplificar, será citado um trecho de entrevista com a voluntária Aja, graduada em História da arte, que chamou bastante atenção: Na Universidade de Mount Alisson, havia uma frase que meus professores repetiam sempre e que eu acho verdadeira. Arqueologia é a mais humana das ciências e mais científica das artes. Há aspectos da arqueologia que refletem essa verdade de maneira convincente. (Aja)

Enquanto a maioria das entrevistadas teve essa opinião, uma delas defende a arqueologia como uma ciência que usa elementos artísticos e outra foi ainda mais longe, após dar uma opinião que se assemelha a maioria dos entrevistados, admitiu que para ela, arqueologia é mais como uma história. Arqueologia para mim tem duas metades: Uma é ciência e outra é arte. Durante a escavação eu a rotularia como ciência, uma vez que há muito mais o que conhecer além dos tipos de artefatos encontrados. Você precisa desenhar as camadas estratigráficas, tomar as medidas das dimensões, dos achados, etc. Depois disso eu considero como uma arte: Avaliar o dano, conservação. Mas para ser honesta, eu acho que a arqueologia é mais como uma história. (Claire) 30

A partir de uma pergunta geral como essa, pode-se ter uma ideia de quão influenciável o homem é, principalmente no que diz respeito ao aprendizado. Têm-se diversas opiniões (algumas contrárias, outras de acordo) sobre o único tema que une essas pessoas: Arqueologia. Passando à pergunta seguinte, uma mais específica sobre como é o curso de Arqueologia (ou então qual a relação dele com a arqueologia, para os que não estão diretamente em uma graduação em Arqueologia), as respostas foram ainda mais variadas devido pelo simples fato de nenhum dos entrevistados estudar arqueologia propriamente dita, alguns são historiadores da arte, formados em Língua clássica e outros antropólogos. Apesar de estarem relacionadas de alguma forma com a arqueologia, as especificidades de cada curso traz diferenças marcantes quando se analisa as respostas dadas. Desde uma linguista que nunca tinha feito arqueologia antes de entrar no mestrado, até a historiadora da arte que descobriu sua vocação para a arqueologia por ter que participar de uma escavação arqueológica para cumprir créditos da universidade; e a antropóloga americana que sempre quis trabalhar com arqueologia clássica, mas a sua universidade só oferecia escolas de campo nas Américas. Todas tiveram que correr atrás da arqueologia, passando por dificuldades, tendo um quadro de disciplinas sobre arqueologia diminuto em sua graduação, às vezes até nulo; isso não as impediu de seguir adiante, moldando sua percepção de arqueologia baseada em suas vivências em sala de aula, em campo e tão importante quanto estas duas: as vivências pessoais. Minha primeira introdução à arqueologia academicamente foi como resultado de compensação de créditos que eu havia perdido durante meu primeiro ano na universidade de Mount Alisson. Se eu tivesse que tomar a decisão de atender a escola de campo da MTA em Belise durante o curso de verão, eu iria compensar 3/5 dos créditos necessários, assim me dando fôlego para meus estudos nos anos seguintes. Pensando de volta nas experiências que tive com meu pai e minha apreciação e paixão imediata pela arqueologia, eu sabia que seria uma carreira que eu seguiria de um jeito ou de outro. Após participar em 2010, eu voltei para o projeto por dois anos consecutivos, pois o Dr. Grant Aylesworth era incansável em me passar as experiências que eu queria e precisava dentro da arqueologia (Aja).

Por ter sido uma atividade totalmente focada na prática arqueológica, em ensinar técnicas de campo e de tratamento de material, uma pergunta, que levanta mais uma vez o dualismo na arqueologia, foi feita: Como os participantes veem o trabalho de campo? Como uma atividade interpretativa? Ou como uma técnica de coleta de dados? Os participantes de 31

modo geral deram uma resposta que refletia a prática que estava sendo feita no sítio: coleta de dados. Interpretação nesse contexto foi mínima, o que era bem claro quando se observava a nossa prática: escavando com instrumentos pesados, o sedimento era depositado em carrinho de mão, fazia-se uma vistoria bem geral com auxílio de uma colher e depois dispensávamos o sedimento no local propício para isso. A interpretação era feita em laboratório, quando se analisava as coleções de cerâmica, de moedas e restos humanos e animais já existentes de temporadas anteriores e contextualizadas com coleções de outros sítios próximos, de modo a se ter também uma análise espaço-temporal. Eu acho que o trabalho de campo pesa mais em direção a uma coleta de dados. Algumas análises certamente são feitas em campo, mas a interpretação verdadeiramente válida normalmente requer a coleta e a comparação dos dados de vários sítios das mais diversas temporadas (Voluntária E).

Ao mesmo tempo em que a prática implicava diretamente na estrita coleta de dados para aumento das coleções, podia-se ver também que alguns voluntários discutiam sobre o sítio, sobre os artefatos descobertos; de fato, tinha-se uma prática interpretativa, mas era algo marginalizado, não o foco do trabalho. O que não deixa de ser importante, uma vez que durante as palestras, muitos dos supervisores acabavam dando informações para saciar a curiosidade e evitar que alguns dos voluntários divagassem demais sobre o assunto e perdessem o foco na prática. Uma das respostas chamou bastante atenção para o fato de a arqueologia ser dinâmica e estar sempre em constante adaptação, assim como as mais diversas práticas científicas: Trabalho de campo é ambos. O trabalho de campo e a escavação em si são processos ou técnicas para coleta de dados. Antes, durante e depois, o trabalho de campo permite interpretação. Seja apresentado em uma exibição em um museu ou galeria, há apenas especulação sobre quais resultados podem sair de uma escavação, e como o trabalho de campo se amarra em sociedades contemporâneas e passadas. O trabalho de campo tem implicações que precisam ser documentadas e tornadas públicas – e pode ser abordado dessas duas maneiras. Trabalho de campo, como a arqueologia, é dinâmico, diverso, adaptável e pode ser abordado de várias maneiras. É importante ter isso em consideração quando se pensar sobre teorias do trabalho de campo e da arqueologia (Aja).

“Com relação à contribuição que esse trabalho de campo trouxe para sua formação profissional”, essa pergunta, apesar de aparentar ter sido específica para alguém que estuda arqueologia, é tão aberta como as outras, e tendo um grupo de entrevistadas tão multidisciplinar, as respostas foram deveras interessantes. Desde a linguista Claire, que teve 32

horizontes abertos para novas possibilidades de trabalho após entrar em contato com a arqueologia – “I know that I would like to work in a museum, and the fieldwork has helped me to think more seriously about an archaeological museum rather than only art museums” –, até a professora que se tornou mais interessante para os alunos: Com o passar de 35 anos de ensino, meu interesse e estudo próprio de culturas antigas e o que sabemos sobre elas a partir da arqueologia ajudaramme a criar e usar várias unidades curriculares em Egito, Grécia clássica e Europa e Japão Medievais. Isso certamente me fez uma professora mais interessante! (Voluntária E).

Quando foram perguntadas se já haviam participado de outras escavações, as voluntárias em sua minoria responderam que sim. Essa experiência foi a primeira do gênero para a maior parte delas, apesar de não dominarem as técnicas de campo foram rapidamente assimiladas devido a competência da equipe e da vontade de aprender dos participantes. Mesmo não tendo conhecimento prático sobre a dinâmica e o funcionamento de uma atividade dessas, alguns voluntários foram capazes de fazer certas comparações dignas de nota, como por exemplo, esta comparação entre a escavação na Bulgária e uma nos Estados Unidos, relacionando especificidades da arqueologia em cada região e como elas afetam a prática arqueológica: Eu nunca havia participado de trabalhos de campo antes, mas muitos amigos meus da universidade já participaram de escavações antes. Uma coisa que eu percebi em muitas escavações americanas, especificamente, foram as limitações que o NAGPRA impõe em sítios de contexto mortuário. Em Sozopol, nós escavamos quatro conjuntos de remanescentes em nosso sítio e não tivemos que chamar as autoridades ou fechar o sítio. Nos Estados Unidos, existem muitas leis especiais para proteger remanescentes de nativos americanos, e enquanto nós entendemos a necessidade de algumas delas, essas leis normalmente amarram as mãos dos arqueólogos trabalhando nos Estados Unidos (Lilly).

Aja, que participou de escavações anteriormente, mencionou/comparou outro fato muito interessante: o registro diário das informações das quadras e das atividades realizadas pelos participantes. A cada voluntário foi dado um caderno de anotações e a instrução de anotar tudo que foi feito no dia, incluindo coordenadas dos achados, profundidades atingidas e também o que achassem conveniente de anotar com relação à sua área de escavação. Esses diários eram conferidos pelos supervisores e utilizados como fonte de informação pelos mesmos. Eles mantinham diários próprios, com todas as informações gerais do sítio e de cada quadra pela qual eles eram responsáveis, mas caso acontecesse algum infortúnio e eles não

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pudessem anotar algum dado (normalmente aquele que se grita do outro lado do sítio sobre certo nível de profundidade), os diários dos voluntários eram consultados. Ambos os registros tinham importância no decorrer do trabalho, mas o que entra para o registro do sítio é o diário escrito pelo supervisor; o dos voluntários tinha mais finalidade didática, afinal esse foi um campo didático, cujo um dos objetivos era ensinar a prática de campo. Para melhor exemplificar, façamos uso da comparação feita por Aja com um sítio que ela já escavou na América Central: Belize FS: Grant e a especialista em arquitetura Maia Liwy Grazioso lidavam com toda a informação coletada da escavação. Eles tinham os diários de campo. Durante meu primeiro ano em Belize, não se sabia se o projeto iria adiante porque só tínhamos o mínimo de participantes necessários para o projeto fluir: 9 estudantes. Essa foi a única temporada que a escola de campo da MTA não teve um livro de textos para os cursos de verão (apesar de que era um livro que eu já havia lido anteriormente para minha disciplina de Arqueologia Maia ANTH 3991). AP EX: A cada participante foi dado um caderno para manter um diário de campo e tomar notas durante toda a duração do projeto. Nós éramos responsáveis por nossa própria informação (Aja).

Um dos fatos mais marcantes na escavação foi a constante visita de turistas e moradores locais ao sítio, equipes de televisão e jornais nacionais; um dia o Ministro da Cultura búlgaro apareceu, o que demonstra a importância atribuída ao sítio e o reconhecimento das pessoas sobre sua herança. Nesse contexto foi pensada a próxima pergunta: como você acha que esse trabalho de campo contribui não somente para a arqueologia, mas também para a sociedade? As respostas foram variadas, incluindo a de uma participante que por ser de nacionalidade búlgara, se sentiu inspirada pelo sítio e pela importância que ele tem para a história do seu país. Minha escavação em Sozopol em 2013 contribuiu enormemente para nosso conhecimento. Durante a escavação em Apollonia Pontica de 2013, eu fui parte de uma equipe que confirmou que o famoso templo de Apolo era localizado em nossa escavação! Foi uma descoberta incrível, e enquanto minha quadrícula não tinha tantos achados como outras, eu ainda sinto que estava contribuindo para o bem maior da escavação como um todo. Por anos, historiadores debateram onde esse grandioso tempo era localizado, e nós fomos capazes de encerrar esses debates! O povo da Bulgária ganhou mais um pedaço de sua notável história (Lilly).

Como também da participante canadense que deixou claro que existem muitas dificuldades na interação entre arqueologia e sociedade em seu país (no mundo inteiro), que é 34

necessária uma interação maior, pois a arqueologia e a sociedade tem uma relação singul ar: uma fortalece a outra. É de meu entendimento que a sociedade e a arqueologia iriam ter um encontro mais positivo se houvesse uma maior transparência no processo. Desse jeito, seria possível identificar claramente as pessoas que são apaixonadas por sua herança e os arqueólogos poderiam unir-se a elas. É difícil se aproximar de um público que não tem interesse em ouvir no momento. Mas não cabe apenas aos arqueólogos alcançar a comunidade na qual eles trabalham. É também de igual importância que as comunidades reforcem essa ideia e peçam aos arqueólogos para trabalhar com sua herança em sua comunidade. Se houvesse um meio de motivar ambos os lados, ao invés de um esperar que o outro lado tome uma iniciativa. Ninguém fala se cada um ficar esperando que o outro se manifeste antes (Aja).

Mesmo tendo consciência disso, ainda existem conflitos entre ambos devido ao fato da ciência se distanciar da sociedade com o argumento de que a neutralidade é necessária para a objetividade científica, uma vez que, “influências do contexto social são consideradas negativas para a sociedade científica e tecnológica e, assim, concebidos como apartados de qualquer processo de construção da objetividade e validade científica” (PREMEBIDA; NEVES, 2009: 8). Esse auto enclausuramento das ciências em geral é algo que a arqueologia não pode de maneira alguma empreender. Deve-se quebrar esse paradigma de que as pessoas leigas não podem se relacionar diretamente com a etapa de pesquisa arqueológica, pois são pontos negativos para a mesma. A arqueologia só existe por conta das pessoas e da sociedade, o mínimo que os arqueólogos podem fazer é incluir os interessados nessas etapas de produção de conhecimento, de modo a despertar interesse entre a sociedade de modo que ela se conscientize sobre o que é seu e assim valorize seu patrimônio. 3.2 BRASIL Diferentemente do campo na Bulgária, no Brasil o campo fazia parte de todo um projeto de pesquisa com financiamento de instituições brasileiras e estrangeiras, e de autoria de vários pesquisadores. Justamente por fazer parte de um projeto de pesquisa, não divulgaremos dados sobre o trabalho de campo (também por não ser o objetivo deste trabalho), nos restringiremos a falar sobre a dinâmica e a organização do campo de maneira geral. Para depois tratar sobre as entrevistas. Quanto aos voluntários, esses vieram de diversas regiões do Brasil: Sul, Sudeste e Nordeste do país, e da Inglaterra. Esses eram estudantes de graduação em Arqueologia, História, pós-graduandos em áreas afim da Arqueologia e arqueólogos já formados. Os 35

voluntários de fora do país vieram todos da Inglaterra e estudam “Arqueologia com ciências forenses”, um curso que já especifica um pouco mais o aprendizado na graduação. Esse ano estarei dando continuidade ao segundo ano de um curso de graduação chamado “arqueologia com ciências forenses”. Esse curso em particular tem grande ênfase no aspecto científico e laboratorial da arqueologia. Hoje em dia eu posso admitir que aprecio bastante o curso a partir de sua perspectiva bioarqueológica enquanto que não gosto muito da parte forense devido à minha relutância em trabalhar com remanescentes humanos (Jacopo).

O sítio tinha uma hierarquia organizacional que funcionava tranquilamente, os supervisores de campo escavavam junto com os voluntários e ficavam sempre à disposição para tirar dúvidas e instruir na melhor maneira de como proceder e, caso fosse necessário, o coordenador estava disponível para dúvidas e para tomar decisões. Alguns dos voluntários, por terem mais experiência em campo, foram designados com alguns “cargos de confiança”, por assim dizer, em que outros voluntários iam até eles para tirar dúvidas e saber como proceder em determinada situação, dando mais dinâmica à escavação e evitando sobrecarregar os supervisores. Quanto à organização e dinâmica do sítio, serão trabalhadas em conjunto com as perguntas da entrevista. Passemos agora então à primeira pergunta: O que é arqueologia? Como você a vê? Ciência ou arte? A maior parte dos entrevistados desse bloco definiu a arqueologia como uma ciência – alguns deram respostas bem interessantes. Algo que se deve notar é que a maioria (houve exceções) dos entrevistados que cursam ou cursaram uma graduação de Arqueologia definiu a mesma como uma ciência, às vezes, uma ciência que faz uso de outros elementos. Vejo a Arqueologia como uma ciência. Creio que as ciências humanas têm seu viés interdisciplinar, e assim a Arqueologia pode ser pensada por vieses das Artes, Biologia, Geografia, História, Antropologia, etc. Para mim, a Arqueologia interpreta a cultura material e produz um discurso sobre esta (Voluntário B).

Seria isso um reflexo de todo o positivismo científico no qual a Arqueologia tenta enquadrar-se e uma tentativa de se justificar como prática científica? Alguns dos voluntários que não tiveram a mesma intimidade com a arqueologia como os que cursam uma graduação trataram a arqueologia com um olhar mais abrangente: Percebo a arqueologia como uma interpretação de experiências e de criações da humanidade. Como a arqueologia não existe por si só, quer dizer, faz 36

parte de uma construção, pode significar tanto uma interpretação artística quanto científica de tais experiências. Se partirmos de um olhar empírico, experimental e metódico, veremos a arqueologia como uma ciência ao melhor estilo do cartesianismo moderno. E o contrário também ocorre. Apesar disso, toda escolha científica parte de um ponto de vista subjetivo, quase estético, em que o arqueólogo seleciona suas assertivas – por algum motivo ou outro (Fernanda).

Ao serem indagados sobre o seu curso de Arqueologia (há voluntários que são formados em outros cursos afins, tal como História, mas que desde cedo tiveram contato com a arqueologia) foi possível perceber certo regionalismo na formação desses profissionais. Isso até certo ponto é bom, uma vez que formará profissionais aptos a lidar com as exigências de sua região: Um curso que capacita profissionais que possam atuar nas diversas áreas da arqueologia, no entanto nos especializa em conservadores de arte rupestre, algo importante para o estado do Piauí que conta com muitos sítios de arte rupestre cadastrados. O curso agrada bastante, principalmente com o crescente número de novas e importantes, disciplinas ofertadas (Ducilene).

Mas caso seja demais, esse regionalismo pode atrapalhar na formação desses mesmos profissionais na medida em que pode restringir os arqueólogos por não lhes dar uma formação que os prepare para trabalhar com a arqueologia no cenário nacional – o Brasil é um país de proporções continentais, tem uma diversidade cultural vasta, e isso se reflete claramente na arqueologia. Sou formado pelo curso de bacharelado da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Este possui duas ênfases: Arqueologia do Capitalismo e Arqueologia das Sociedades Pré-Coloniais Americanas. O curso tem uma série de disciplinas que se seguem, como metodologia arqueológica I, II e III e História do Pensamento Arqueológico, Teoria arqueológica I, II e III. Também há uma sequencia dependendo da Ênfase escolhida- no caso de Précoloniais: Sociedades pré-coloniais: americanas I, II, Brasileiras e Regionais. Noutra ênfase: Arqueologia do Capitalismo I, II e III e Top. Especiais. Em resumo é isso. Apesar desta ênfase existem alguns TCC’s defendidos que nada tem em haver com as ênfases em especial, alguns sobre Arqueologia Pública, ou na área da Filosofia da Ciência. Eu gosto do curso, apesar de sua formação depender muito do esforço próprio devido às limitações dele (Voluntário B).

E aqui abro um trecho para falar de maneira breve sobre uma experiência pessoal, mas que reflete esse mesmo tema. Quando fui selecionado para participar desse projeto, fiquei muito empolgado, obviamente, mas junto com a empolgação veio a hesitação de estar pisando em terreno desconhecido; não sabia nada sobre arqueologia no sul do Brasil, no máximo conhecia um ou outro arqueólogo que trabalhava na área, mas em questão de conhecimento arqueológico, posso arriscar dizer que ele era perto de nulo. 37

Como exemplo poderia citar a própria instituição em que estudo, os primeiros trabalhos e orientações de pesquisa, logo que entrei, eram em sua grande parte direcionados ao acervo do sítio Justino, no MAX, um sítio sem precedentes e muito importante no cenário nacional que merece toda a atenção. Mas não podemos ficar presos em nossos regionalismos. Quando isso acontece, acabamos por limitar nossos conhecimentos e perdemos o contexto geral da arqueologia, que é muito maior do que apenas o que temos à nossa frente. Após essas perguntas mais gerais sobre arqueologia, passemos agora ao foco do trabalho: o trabalho de campo. Para isso, foi perguntado aos voluntários como eles veem o trabalho de campo: atividade interpretativa? Coleta de dados? Trabalhos de campo podem ser feitos de maneiras distintas, tudo depende no que se está procurando. Se levarmos em consideração a escavação que participei em Campo Belo do Sul podemos considerar que trabalho de campo não somente como uma atividade interpretativa, portanto uma escavação feita para entender o passado do sítio e de seu povo. Entretanto, ele também foi realizado de maneira tão técnica que pode ser considerado um procedimento de coleta de dados para obter certas informações específicas que são então estabelecidas como um estudo científico. Em geral, eu pessoalmente acredito que um trabalho de campo deve ser feito cientificamente, não somente apoiando o trabalho como um meio de se chegar ao fim, mas também como um meio para que os dados possam ser coletados analiticamente e precisamente (Jacopo).

Como uma prática científica nos moldes da ciência moderna, a prática arqueológica é feita como uma coleta de dados, afinal todo cientista precisa validar seu trabalho com registros e evidências do que foi feito, independente da área de atuação. Mas não podemos nos prender a apenas coletar e registrar esses dados da maneira mais precisa possível, devemos também interpretar, tentar pensar o “local de retirada” desses dados arqueológicos, uma vez que o local de onde tais registros foram feitos, pode nos dizer tanto quanto (às vezes até mais do que) os dados que foram coletados. Muitas vezes experiências em campo nos dão mais informações do que uma técnica, que por tentar se validar como científica, acaba passando por cima de muita informação. Têm coisas que só o campo pode responder. Interpretações, ideias, metodologias, experiências, etc. surgem no momento em que se está em campo. As discussões, por mais absurdas que sejam (ou pareçam) são importantes... Porque se está pensando o sítio... As pessoas que lá viveram (Voluntário A).

Pode-se perceber bastante interesse nesse trabalho de campo por parte de todos os envolvidos, alguns por trabalharem com esse tema, outros por quererem trabalhar no futuro, outros por ter achado o sítio fascinante (posso me colocar entre esses) e outros até 38

“quebraram” com esse regionalismo ao expor seus pensamentos sobre a contribuição que esse campo trouxe para sua formação profissional: Grande. A oportunidade acrescentou muito, principalmente por poder conhecer mais da cultura dos grupos indígenas que habitavam o Sul do Brasil e investigar uma possível associação entre os sítios do Nordeste com os do planalto catarinense (Ducilene).

A interdisciplinaridade desse campo também mereceu bastante destaque nas falas dos voluntários. Além de o campo ser muito bem estruturado e por si só ter contribuído para o aprendizado de todos os envolvidos, a interdisciplinaridade, as diferenças metodológicas eram passadas e aprendidas facilmente, produzindo um conhecimento não só sobre o sítio, mas um conhecimento profissional que será levado adiante por quem participou: Uma experiência única ter participado de um campo tão bem estruturado e planejado, que deu tanta atenção para os envolvidos, sem dúvida é algo que eu vou levar para toda a minha vida. O aprendizado retirado do campo é imenso, por mais que as aulas teóricas sejam importantes, nada substitui ou se compara com o aprendizado na prática, a convivência com pessoas que tu não conhece durante as três semanas de campo. Tudo isso engrandeceu e muito a minha formação profissional (Voluntário C). Além disso, é muito bom escavar com pessoas de outros vínculos acadêmicos. É possível observar diferentes técnicas de escavação, metodologias de campo, registro de material, etc. Algo que será útil para próximas escavações. Sempre temos de estar abertos a coisas novas... Afinal a ciência é construída e desconstruída a todo o momento (Voluntário A).

Ao se pedir um breve histórico sobre participações em trabalhos de campo, pôde-se perceber uma pluralidade de experiências, desde voluntários que já haviam participado de escavações e prospecções em vários locais, até os voluntários que estavam tendo sua primeira experiência de campo. Toda atividade de campo além de ser um momento de produção de conhecimento, é um momento de aprendizado para todos os envolvidos. As diferenças entre os distintos trabalhos de campo foram mais no quesito técnico, desde a metodologia utilizada até o equipamento, o prazo de conclusão e a interdisciplinaridade da equipe. Já trabalhei em outros campos sim, neste último em especial eu gostei dos trabalhos com a geofísica e a interdisciplinaridade envolvendo diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros. O que não foi comum nos meus trabalhos anteriores (Voluntário D).

Deve-se mencionar a relação ciência-sociedade, que nesse trabalho se reflete como a interação do projeto com a comunidade local e estadual. O sítio foi visitado por alunos de escola da região e por jornais locais e estaduais. Esse tipo de divulgação é crucial para a arqueologia, principalmente por estarmos na comunidade deles, para todos os fins nós somos 39

“estranhos mexendo no que não é nosso”. Tal contribuição deve vir “na forma de cultura, aprendizado, interação com a comunidade da região, preservação de um passado que as pessoas tem um contato direto e muitas vezes nem sabem” (Voluntário C). Esse tipo de prática é vista com certa frequência, arqueólogos realizam as pesquisas e somem da região. Não existe nenhum tipo de diálogo com a comunidade (mais uma vez a exclusão advinda da ciência moderna). Quando perguntados sobre essa contribuição “científico-social”, todos são de acordo que deve haver um diálogo entre arqueólogos e sociedade, cabe a nós pesquisadores saber como melhor abordar o assunto e a quem devemos nos dirigir para termos respaldo dentro da comunidade. Alheio a isso, também entendo que um dos papéis da Ciência é a produção de conhecimento... Mas esse conhecimento não pode ficar somente dentro da academia. A difusão deve ocorrer justamente como forma da sociedade obter subsídios para mudar a sua realidade (Voluntário A).

3.3 ANÁLISE COMPARATIVA Após tratar sobre esses distintos trabalhos de campo, baseado em entrevistas realizadas com os voluntários que escavaram em ambos, foi possível ter uma noção de como os aprendizados influenciam na interpretação desses contextos. Em ambos os sítios utilizamos equipamentos semelhantes, cada um com algo específico (detector de metais no sítio Búlgaro e estação total no sítio Brasileiro, por exemplo). Essas pequenas diferenças técnicas refletem maneiras distintas de se pensar a teoria e de como colocá-la em prática. Tomemos como exemplo o relato de um dos participantes que veio de fora para a escavação no Brasil: Eu participei de vários trabalhos de campo, e até hoje posso dizer que todos me deram diferentes sensações e me ensinaram várias coisas diferentes. Meus dois principais trabalhos de campo foram: A escavação em Campo Belo do Sul, Santa Catarina, onde trabalhei em um contexto forense, etnográfico e paleobotânico, enquanto que meu segundo foi em Tusculum, Itália, onde meu trabalho foi estritamente clássico e Histórico. A maior diferença que notei foi o método científico empregado e o interesse que as diferentes equipes tinham pelos sítios. Em Campo Belo do Sul havia um grande foco no método científico utilizado na escavação e no decorrer da pesquisa, dando grande interesse tanto aos achados como ao processo. Em Tusculum, entretanto, havia grande interesse pelo produto final, sem haver a mesma preocupação com o processo do trabalho. Isso traz uma grande diferença no material utilizado no Brasil e na Itália (Jacopo).

Esse testemunho foi utilizado somente agora para exemplificar essa diferença e melhor contextualizar a relação entre os trabalhos de campo que são objetos dessa pesquisa. Pelo relato ser sobre um sítio clássico, temos um elo ainda mais firme. Cada sítio foi visto por uma 40

ótica distinta, porém ambos foram trabalhados com maestria. Métodos modernos e tecnologia de ponta em um lado, e métodos que refletem os primeiros momentos da arqueologia Histórico-culturalista e equipamentos gastos do outro: Minha única experiência de campo foi através da Balkan Heritage. Eu entendo que, possivelmente devido a orçamentos limitados, os equipamentos e métodos utilizados eram básicos e possivelmente atrasados, mas a organização e supervisão geral do projeto foram excelentes (Voluntária E).

Se tentássemos inverter, trabalhar um sítio pré-histórico com as técnicas e abordagens teóricas usadas no outro, a perda de informação seria tremenda; caso tentássemos trabalhar um sítio clássico com o mesmo nível de detalhamento que trabalhamos o sítio pré-histórico, o projeto não teria fim devido à grande quantidade de material encontrada.

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CONCLUSÃO

Com base em todas as discussões, leituras, práticas e observações realizadas no decorrer desse trabalho, pôde-se perceber que a influência que os aprendizados têm sobre os arqueólogos é tremenda, apesar de ser difícil de perceber sem parar para pensar no assunto. Nossa habilidade de “perceber” características que diferenciam “artefatos” de “não artefatos” , além de ser adquirida e praticada culturalmente, na forma de aprendizado (seja esse prático ou teórico), é imperceptível para alguém acostumado com o serviço. Ela está inserida na rotina de campo desse profissional e só é “percebida” quando ele desconhece algum objeto, ou fica em dúvida quanto à sua “artificialidade”. Vem daí a necessidade de praticar o exercício de tentar esquecer essa rotina de modo a evitar se deixar influenciar por ela – uma das dificuldades encontradas durante a parte prática desse trabalho –, uma vez que “It is impossible for you, Who are part of the universe, to achieve the viewpoint of an observer standing outside that universe that includes you. You can only see one end of the stick; for the other end is you” (J.W DUNNE, 1956 apud EDGEWORTH, 2006: 298). Ao se encontrar um objeto em campo durante a escavação, caso ele seja “digno de nota” (construção cultural advinda de aprendizados acadêmicos), as pessoas irão se aproximar para querer ver, tocar, sentir o objeto. Isso é instintivo. Após essa experiência sensorial, elas irão tecer comentários acerca do objeto: seu contexto de deposição assim como o contexto de uso; como ele era utilizado. “Sempre em termos de ação-significado em relação com as açõespossibilidades corpo humano”. Ou seja, sempre ligando o objeto ao homem e a uma provável relação existente entre eles. Cada inferência desse tipo varia de indivíduo para indivíduo; alguns podem concordar em alguns aspectos, discordar em outros, outros podem ser completamente distintos. Varia de acordo com os aprendizados, que são os mais distintos; por mais que passe por “filtros padronizantes”, essa diversidade é intrínseca do ser humano e de sua criação cultural. Quanto mais “completo” o aprendizado do arqueólogo, quanto maior a sua vivência em campo, mais bem provido de conhecimento e melhor capacitado ele estará para tomar decisões sobre como proceder com os trabalhos e assim fazer com que as interpretações sejam as mais seguras possíveis.

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Todo esse contexto de aprendizados se insere em um contexto ainda maior: o dos discursos de poder. Tais discursos podem ser observados desde as relações de gênero, até a não divulgação dos nomes de entrevistados. As relações de gênero foram claramente visíveis nos trabalhos de campo, a maior expressão disso é a quantidade cada vez maior de mulheres em campo, fazendo as mesmas atividades que homens; se comparado com o início da arqueologia, têm-se um aumento vertiginoso. Dos participantes do campo na Bulgária que responderam as questões, todos eram mulheres. A preferência pelo anonimato também está relacionada a essa discussão de poder na arqueologia. No Brasil, metade dos participantes preferiu permanecer no anonimato enquanto que na Bulgária apenas uma participante não se manifestou quanto à divulgação de seu nome. Porque no Brasil alguns preferiram anonimato enquanto na Bulgária a maioria dos entrevistados deu o nome sem hesitar? Isso reflete uma comunidade científica fechada e excludente, espelhada nos paradigmas da ciência moderna, chegando ao ponto de gerar receio das pessoas divulgarem seus nomes, acabando por remover a identidade delas em um meio científico que indivíduos acabam tornando-se máquinas. Pode-se dizer que esse cenário é mundial para a ciência, assim como a arqueologia. Porém, em outras localidades, já se discute mudanças há mais tempo (Inglaterra, por exemplo), enquanto que no Brasil, pela arqueologia ser mais recente, esse cenário se agrava de maneira considerável. Tais discursos de poder sedimentam a Arqueologia e a sua prática de uma maneira excludente, em que novas ideias ao invés de serem aceitas, são refutadas de imediato. Há ausência de algo muito simples: diálogo. Isso é reflexo de “uma sociedade de conflitos em que se duvida da validade e legitimidade das afirmações, numa desconfiança mútua entre os grupos. O pensamento passa a ser considerado em termos de suas raízes, perguntamos a origem da ideia ao invés de considerarmos a suposição” (MERTON, 1974 apud LORENZI; ANDRADE, s.d.: 108). O reflexo disso na prática é uma transmissão de conhecimentos e aprendizados hierárquica, na qual quem tem mais “capital científico” transmite o conhecimento, mas de uma maneira que inibe a interpretação individual por parte de quem recebeu. A interpretação deve ser feita da mesma maneira que foi ensinada, sem espaço para inovação ou questionamentos. Tornando indivíduos pensantes em reprodutores de ideias, restringindo assim possíveis quebras de paradigmas e produção de novos conhecimentos.

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Diferentes formações, advindas de diferentes paradigmas e áreas do conhecimento resultam em diferentes práticas e diferentes arqueologias. A partir do momento que se tem tamanha diversidade, evita-se a formação de um “paradigma vigente” que inibe maneiras distintas de pensar, uma vez que não há algo que consiga padronizar tamanha variedade de conhecimentos. Essa é a importância de se ter diferentes aprendizados em campo. Diferentes aprendizados

possibilitam maior

liberdade

de

expressão

e consequentemente, de

interpretação. O que nos remete ao fato das voluntárias da Bulgária se expressarem e se identificarem quanto às suas opiniões, enquanto que no Brasil nos vemos diante de um paradigma vigente, que rege nossas discussões e nossas práticas “à rédea curta”, muitas vezes inibindo seus próprios pesquisadores de se manifestar abertamente. Além da liberdade de expressão e de interpretação, os nossos aprendizados dão valor às nossas investigações científicas: Hoje sabemos que ou suspeitamos que as nossas trajetórias de vida pessoais e coletivas (enquanto comunidades científicas) e os valores, as crenças e os prejuízos que transportam são a prova íntima do nosso conhecimento, sem o qual as nossas investigações laboratoriais ou de arquivo, os nossos cálculos ou os nossos trabalhos de campo constituiriam um emaranhado de diligências absurdas sem fio nem pavio. No entanto, este saber, suspeitado ou insuspeitado, corre hoje subterraneamente, clandestinamente, nos não ditos de nossos trabalhos científicos (SANTOS, 1995: 53).

Deve-se pensar em formar profissionais mais reflexivos hoje em dia. Arqueólogos que sejam críticos, que tenham consciência de si mesmos enquanto indivíduos pensantes e contribuintes para a produção de novos conhecimentos e na disseminação de aprendizados. E desse modo, dar os primeiros passos para “quebrar as barreiras impostas pelas fronteiras da ciência moderna para a realidade” (SANTOS, 1995) e caminhar rumo a uma ciência mais humanizada. Uma arqueologia interativa com a sociedade e com o senso comum, uma vez que a primeira não é nada sem a segunda. O presente trabalho foi pensado como uma forma de fazer uma análise crítica do modo como a arqueologia vem sendo pensada e transmitida atualmente, em especial no Brasil, e também para contribuir para a corrente pós-processual da arqueologia no cenário brasileiro, ao tentar, a seu modo particular, “[...] to present a radical alternative - a critically self conscious archaeology aware of itself as practice in the present [...]” (SHANKS; TILLEY, 1992).

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ANEXOS

ANEXO A – Entrevista com Voluntário A2 Vou tentar responder de uma forma breve e não formal. Não vou responder pergunta por pergunta. Vou fazer em forma de um texto único... em que as respostas vão aparecendo... muito do que penso tem alguma relação com minha caminhada acadêmico. Minha formação acadêmica é em História. Iniciei com a Arqueologia três anos antes de me formar, como bolsista de Iniciação Científica, no setor de Arqueologia. Nos meus primeiros anos pesquisei sítios Guarani, a partir da distribuição da cultura material na área do sítio. Nesse período haviam atividades de campo (escavação) todos os anos entre 6 e 10 dias.. Além das outras atividades de prospeecção, levantamentos e atividades de educação patrimonial. Iniciei o mestrado na área de Ciências Ambientais, com levantamentos de sítios em uma área que havia passado em algumas partes por investigação. Por não ser em Arqueologia diretamente, minhas análises e interpretações talvez tenham grandes contribuições das ciências Biológicas, Naturais e Exatas, algo que ao meu ver, ser imprescendível ao arqueólogo. Durante esse período participei de quatro escavações, além de intensivas prospecções em campo. É de fundamental importância ao arqueológo esse contato com as atividades de campo. Arqueólogo sem atividade de campo...não é arqueólogo. Têm coisas que só o campo pode responder. Interpretações, idéias, metodologias, experiências, etc...surgem no momento em que se está em campo. As discussões, por mais absurdas que sejam (ou pareçam) são importantes...porque se está pensando o sítio...as pessoas que lá viveram. A coleta e o registro dos dados é fundamental. Um registro mal feito pode comprometer todo resto de análise. Além disso, é muito bom escavar com pessoas de outros vínculos acadêmicos. É possível observar diferentes técnicas de escavação, metodologias de campo, registro de material, etc. Algo que será útil para próximas escavações. Sempre temos de estar abertos a coisas novas...afinal a ciência é construída e desconstruída a todo momento. Nesse momento iniciei a estudar sítios Jê (Tradição Taquara/Itararé). Mas nunca tinha me deparado com algum tipo de sítio cerimonial. Sabia da existência, mas nunca tinha registrado. Nesse sentido, o campo possibilitou uma aproximação com essa categoria de sítio e o material encontrado.

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As entrevistas foram reproduzidas ipsi literis, de modo que se optou pela não modificação de eventuais problemas de correção ortográfica. Como fora dito, as entrevistas foram feitas por meio eletrônico (email).

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Vejo a Arqueologia como uma Ciência capaz de responder perguntas sobre o passado e presente que nenhuma outra ciência pode dar, tomando como fonte a cultura material e imaterial. Ao mesmo tempo que é única...ela não pode abrir mão de outras ciências. Possivelmente o arqueólogo seja um pesquisador interdisciplinar...porque sem um pouco de Biologia, Geologia, História, Antropologia, Ecologia, Botânica, Química, Física, etc, nosso trabalho inexiste. Como Ciência, a Arqueologia necessita de um objetivo, uma metodologia e resultados...se não tivermos isso estaremos fazendo outra coisa, menos Ciência. Talvez essa seja uma das grande críticas de outras áreas em relação a Arqueologia... de muitas vezes não deixarmos claro o que queremos, como faremos e o que resultou. Alheio a isso, também entendo que um dos papéis da Ciência é a produção de conhecimento...mas esse conhecimento não pode ficar somente dentro da academia. A difusão deve ocorrer, justamente como forma da sociedade obter subsidios para mudar a sua realidade.

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ANEXO B – Entrevista com Fernanda O que é arqueologia em sua opinião? Como você vê a arqueologia? (Ciência? Arte?) Percebo a arqueologia como uma interpretação de experiências e criações da humanidade. Como a arqueologia não existe por si só, quer dizer, faz parte de uma construção, pode significar tanto uma interpretação artística quanto científica de tais experiências. Se partirmos de um olhar empírico, experimental e metódico, veremos a arqueologia como uma ciência ao melhor estilo do cartesianismo moderno. E o contrário também ocorre. Apesar disso, toda escolha científica parte de um ponto de vista subjetivo, quase estético, em que o arqueólogo seleciona suas assertivas – por algum motivo ou outro. Como é o seu curso de arqueologia? Você gosta dele? Minha formação acadêmica não se deu em curso de Arqueologia. Na graduação, cursei História e o atual mestrado é em Ciências Ambientais, ambos no Centro Universitário Univates, Instituição de caráter comunitário. No entanto, desde os primeiros passos acadêmicos estive envolvida com o Setor de Arqueologia estabelecido em parceria com o Curso de História. Ao longo dos anos, o setor de Arqueologia acabou por tomar um formato interdisciplinar bastante interessante quando da interação com setor da botânica, ecologia e geomorfologia, vizinhos de corredor. Em pouco tempo, agregou-se também a química e suas infinitas possibilidades. Diante da minha agradável experiência interdisciplinar (ou talvez quase isso), posso dizer que não estudo para ser uma arqueóloga, mas para utilizar as técnicas da arqueologia (e de outras ciências) para compreender processos de ocupação pretéritos. Como você vê o trabalho de campo? Uma atividade interpretativa? Coleta de dados? Uma coleta de dados é uma atividade interpretativa. A interpretação sempre acompanha um trabalho científico. Qual a contribuição que esse trabalho de campo trouxe para sua formação profissional? Apesar de não pesquisar os Jê Meridionais, já escavei sítios relacionados a esse grupo na região do Vale do Taquari, Rio Grande do Sul, muito próximo aos sítios de ocupação Guarani em que eu trabalho. Consideram-se - na área de trabalho em que eu estou inserida - a possibilidade de uma “zona” de fronteira cultural entre essas duas sociedades pré-coloniais. Dessa forma, conhecer o sítio Abreu & Garcia representou conhecer uma parcela da história que pode apresentar respingos na minha área de pesquisa. Além disso, as técnicas de campo 49

observadas, assim como a ideia do projeto geral na qual a escavação estava inserida apresentaram-se extremamente interessantes. Já havia participado de trabalhos de campo antes? Caso sim, quais diferenças você notou entre esse campo e os outros? (Desde material presente para se trabalhar até o contexto do sítio em si). Sim, já participei de outras atividades de campo. Como mencionei acima, Já havia escavado sítios relacionados aos Jê Meridionais, no entanto, nunca havia escavado um sítio arqueológico tão bem preservado. Uma experiência única. Minhas maiores experiências anteriores haviam ocorrido em sítios relativamente perturbados, prejudicando, muitas vezes, o exercício interpretativo. De que forma você acha que esse trabalho pode contribuir não só para a ciência, mas para a sociedade? A proposta do projeto no qual a escavação do sítio Abreu & Garcia se insere possui uma vertente única no sul do Brasil: interligar o conhecimento sobre a sociedade em questão e sobre o ambiente. E relação à segunda pergunta, acredito que o trabalho científico não precise possuir, necessariamente, uma utilidade justificada. A contribuição da arqueologia é percebida, muitas vezes, de maneira heterogênea pela sociedade. Como posição pessoal, entendo que para fazer sentido social precisa ocorrer alguma representação com a sociedade. Se alguém se sente representado pela história que está sendo contada, a pesquisa já possuiu uma contribuição.

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ANEXO C – Entrevista com Ducilene O que é arqueologia em sua opinião? Como você vê a arqueologia? (Ciência? Arte?) Arqueologia é uma área do conhecimento que busca, por meio de investigações do passado (escavações, pesquisas bibliográficas) entender a cultura de povos antigos, sejam de um passado mais recuado, ou mais recente. A divisão das áreas do conhecimento é algo que parece ser didático e a intenção aparenta ser a de facilitar os estudos e debates, e não sustentar pensamentos de segregação ou corporativistas. Ainda será importante para o entendimento mais amplo do mundo que nos rodeia saber o quanto há de válido, mas um tanto precipitado na forma dual de interpretar as coisas... Esse pensamento parece um reflexo de Descartes que refletiu as oposições (por exemplo: razão e emoção, corpo e mente) enquanto somos as todas as

coisas em um

organismo só. Vejo a Arqueologia da mesma forma: é tanto ciência, quanto arte. Não são extremos opostos, nem coisas extremamente antagônicas. Arte, ciência, filosofia, etc. são complementares em suas funções. Como é o seu curso de arqueologia? Você gosta dele? Um curso que capacita profissionais que possam atuar nas diversas áreas da arqueologia, no entanto nos especializa em conservadores de arte rupestre, algo importante para o estado do Piauí que conta com muitos sítios de arte rupestre cadastrados. O curso agrada bastante, principalmente com o crescente número de novas, e importantes, disciplinas ofertadas. Qual a contribuição que esse trabalho de campo trouxe para sua formação profissional? Grande.

A oportunidade acrescentou muito, principalmente por poder conhecer mais da

cultura dos grupos indígenas que habitavam o Sul do Brasil e investigar uma possível associação entre os sítios do Nordeste com os do planalto catarinense. Já havia participado de trabalhos de campo antes? Caso sim, quais diferenças você notou entre esse campo e os outros? (Desde material presente para se trabalhar até o contexto do sítio em si). Sim. Durante a graduação tive a oportunidade de trabalhar na conservação de sítios de pinturas rupestres e com escavações em sítio colonial. Na pós-graduação trabalhei nos sítios de contato do litoral piauiense. A diferença mais evidente está na própria paisagem. Os locais escolhidos para serem habitados tem características específicas de solo, vegetação, sistemas de drenagem da água,

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etc. Isso influencia as práticas socioculturais dos grupos os tornando distintos em suas peculiaridades. Algo diferente das minhas experiências foram as casas subterrâneas e a possibilidade de encontrar vestígios de ossos de cremados. De que forma você acha que esse trabalho pode contribuir nao só para a ciência,mas para a sociedade? O trabalho fortalece o sentimento de pertencimento da comunidade com os grupos indígenas da região, bem como aproxima a pesquisa acadêmica da rotina dos moradores circunvizinhos. Creio ser de bastante importância para os diversos públicos desde de gestores a estudantes à medida em que os resultados podem ser inseridos no material didático das escolas. Como você vê o trabalho de campo? Uma atividade interpretativa? Coleta de dados? Tanto atividade interpretativa, quanto coleta de dados. Um trabalho que está sempre transformando as informações em conhecimento simultaneamente.

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ANEXO D – Entrevista com Voluntário B Vejo a Arqueologia como uma ciência. Creio que as ciências humanas tem seu viés interdisciplinar, e assim a Arqueologia pode ser pensada por vieses das Artes, Biologia, Geografia, História, Antropologia, etc. Para mim, a Arqueologia interpreta a cultura material e produz um discurso sobre esta. Sou formado pelo curso de bacharelado da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Este possui duas ênfases: Arqueologia do Capitalismo e Arqueologia das Sociedades PréColoniais Americanas. O curso tem uma série de disciplinas que se seguem, como metodologia arqueológica I, II e III e História do Pensamento Arqueológico, Teoria arqueológica I, II e III. Também há uma sequencia dependendo da Ênfase escolhida- no caso de Pré-coloniais: Sociedades pré-coloniais: americanas I, II, Brasileiras e Regionais. Noutra ênfase: Arqueologia do Capitalismo I, II e III e Top. Especiais. Em resumo é isso. Apesar desta ênfase existem alguns TCC’s defendidos que nada tem em haver com as ênfases em especial, alguns sobre Arqueologia Pública, ou na área da Filosofia da Ciência. Eu gosto do curso, apesar de sua formação depender muito do esforço próprio devido às limitações dele. Este campo foi uma ótima oportunidade de conhecer e estudar uma das culturas indígenas que existiam no Sul do Brasil. Além disto, o destaque para um projeto muito bem estruturado e com verba incomum na área científica. A oportunidade de pela primeira vez trabalhar e conhecer mais a Arqueologia de Santa Catarina. Dentre os trabalhos que participei incluíam-se escavações em um sítio provavelmente do séc. XIX localizado em Porto Alegre, trabalhos em sítios de dunas na região de Rio Grande e cerritos no Uruguai. Além disto, fiz trabalhos de prospecção, coletas e sondagens em projetos de contrato, todos no PR. Dentre a maioria dos projetos que participei estavam vinculados a projetos de contrato, logo a questão tempo tornou-se determinante. Porém mesmo sendo projetos com um bom financiamento, o uso de geotecnologias por exemplo não era de tamanha precisão, além do GPR que nunca o tinha visto. Creio que os trabalhos a serem desenvolvidos em laboratório também são muito interessantes.

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Bom, creio que o projeto tinha suas contribuições cientificas por si próprio. Quanto à parte social, diversos os possíveis “usos sociais” que a arqueologia tem adquirido. Sejam em processos de musealização, produção de material e uso didático, usos turísticos, etc. Creio que para isso, mediações com a comunidade envolvida devem ser feitas. O projeto em si tem diversas formas de extroversão do material arqueológico, porém creio que se fosse proposta uma integração local (no caso do Abreu & Garcia), deveriam ser realizadas outras ações. Quanto à visão de trabalho de campo, penso que quando se fala em “campo” refere-se a um momento de coleta de dados. Mas obviamente é também um momento de interpretação, que se encaixe na sua problemática de pesquisa. Creio que estudos recentes demonstram que ao coletar dados (por exemplo estratigrafia) já se está interpretando-os.

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ANEXO E – Entrevista com Voluntário C O que é arqueologia em sua opinião? Como você vê a arqueologia? (Ciência? Arte?) A minha visão sobre a Arqueologia já mudou em muitos aspectos, entretanto em meu atual terceiro semestre de graduação tenho a opinião de que a Arqueologia é uma ciência que busca, através dos vestígios materiais deixados pelo homem, entender e estudar o pr óprio homem. Tenho a visão de que a Arqueologia não estuda somente o antigo, o enterrado, o que não é mais usado, mas sim de que a Arqueologia pode e deve estudar o vivo, o atual, o em uso. Acredito que a Arqueologia teve e continua tendo um papel fundamental na criação da história e de identidade de um povo, no que deve ou não ser lembrado e esquecido. Como é o seu curso de arqueologia? Você gosta dele? Curso de Arqueologia na FURG é um curso bem teórico, a maioria dos professores estudam ou tem projeto no período pós-colonial. O curso é carente em vários aspectos, alguns professores ficam sobrecarregados com as disciplinas que tem que ser dadas. O curso é dividido em duas enfases a colonial e a pré colonial. No geral eu acho o curso bom, entretanto existem pontos que necessitam melhorar, e muito. Qual a contribuição que esse trabalho de campo trouxe para sua formação profissional? Uma experiência única, ter participado de um campo tão bem estruturado e planejado, que deu tanta atenção para os envolvidos, sem dúvida é algo que eu vou levar para toda a minha vida. O aprendizado retirado do campo é imenso, por mais que as aulas teóricas sejam importantes, nada substitui ou se compara com o aprendizado na prática, a convivência com pessoas que tu não conhece durante as três semanas de campo. Tudo isso engrandeceu e muito a minha formação profissional. Já havia participado de trabalhos de campo antes? Caso sim, quais diferenças você notou entre esse campo e os outros? (Desde material presente para se trabalhar até o contexto do sítio em si). Não. De que forma você acha que esse trabalho pode contribuir nao só para a ciência,mas para a sociedade? Na forma de cultura, aprendizado, interação com a comunidade da região, preservação de um passado que as pessoas tem um contato direto e muitas vezes nem sabem. Como você vê o trabalho de campo? Uma atividade interpretativa? Coleta de dados?

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A interpretação é intrínseca ao trabalho de campo, deve ser. O Arqueólogo quando vai a campo, jamais deve pensar somente na coleta de dados, mas sim em todo o contexto encontrado no campo.

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ANEXO F – Entrevista com David O que é arqueologia em sua opinião? Como você vê a arqueologia? (Ciência? Arte?) Vejo a arqueologia como uma ciência, onde busca resgatar e estudar vestígios de sociedades antigas(pré-histórica,histórica e etc..) para melhor entende-las já que nem sempre é possível compreende las apenas com registros escritos. Como é o seu curso de arqueologia? Você gosta dele? Na verdade curso graduação em História, meu contato com a arqueologia foi através de um estágio realizado no Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville durante o tempo de 2 anos , onde de fato despertou meu interesse pelo tema arqueologia. Qual a contribuição que esse trabalho de campo trouxe para sua formação profissional? De fato não basta apenas a teoria e o contato prévio com laboratório em relação a curadoria e a pratica de campo, é importante para compreender o contexto do sitio pesquisado, não apenas em escavações mas em monitoramentos de obras como eu havia participado, quando eu era estagiário do Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville. Com as saídas de campo do museu participei de vistorias de sambaquis que haviam sido vandalizados, monitoramento de obras que estavam em torno de sítios tipo sambaqui e sítios históricos, além da participação de escavações(sítio histórico e pré-histórico) A prática em campo é essencial para interpretação

não

apenas

do

sitio

em si

mas também dos

artefatos

encontrados

tornando tangível o conhecimento adquirido em sala. Já havia participado de trabalhos de campo antes? Caso sim, quais diferenças você notou entre esse campo e os outros? (Desde material presente para se trabalhar até o contexto do sítio em si). Sim no Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville participei monitoramento e escavação nos sambaquis,geralmente localizado em locais de mangue e rios(exceção do sambaqui do Morro Do Ouro, localizado na região central de Joinville, no meio urbano) é encontrado muito material faunístico(ossos de peixes,de mamíferos e conchas) e ossos humanos muito bem conservados além de vários artefatos líticos e ocre, diferente do sitio histórico escavado (Alameda Brüstlein) ou Rua das Palmeiras cartão postal da cidade de Joinville localizado num centro urbano , as quadriculas escavadas estavam localizado a saída das portas e janelas de prédios históricos os materiais encontrados eram restos construtivos,(telhas,tijolos e pedaços de rebocos) a garrafas, talheres e cabeças de bonecas.Lugares diferentes onde se é possível,utilizar ferramentas diferentes picaretas , pás, cavadeiras no sitio histórico e já no sambaqui tratando-se de um sitio mortuário,ferramentas menores e maior cuidado ao escavar. 57

É necessário estarmos habituados aos vários sítios e suas tipologias para melhor proveito ao escavar. De

que

forma você acha que

esse

trabalho pode

contribuir não só para a

ciência,mas para a sociedade? Acredito que com a arqueologia é possível resgatar a memoria de alguns lugares,desde obras de centros históricos onde estruturas antigas foram aterradas á lugares inóspitos como campos,banhados

e

é necessário além do

mangues resgate

onde pode-se encontrar e registros

dos vestígios

estruturas trabalhar

pré-históricas com a

,mas

educação

patrimonial,se possível com o local escavado como o acervo advindo da escavação. Como você vê o trabalho de campo? Uma atividade interpretativa? Coleta de dados? A visão do trabalho de campo pode ser interpretada de acordo com a proposta da escavação realizada, se a escavação for acadêmica de fato haverá maior cuidado e tempo para o trabalho de campo, diferente do trabalho de contrato que temos o empreendedor da obra cobrando prazo para dar continuidade/iniciar a obra sendo que no relatório final haverá a analise do salvamento/monitoramento do sítio, mas não com a devida profundidade de uma pesquisa acadêmica.

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ANEXO G – Entrevista com Voluntário D Arqueologia na minha opinião é uma ciência com certeza, que busca a compreensão das sociedades do passado através da sua cultura material, dotada de teorias e metodologias próprias porém interdisciplinares. Eu gostei do meu curso de graduação, mesmo que ele apresente um grande problema estrutural, mas além disso o principal problema dele foram os problemas interpessoais entre o corpo

docente

e

a

sua

responsabilidade

como

educadores

de

uma graduação.

Este campo foi muito importante pois me possibilitou praticar e exercer o lado prático da arqueologia, possibilitando pensar a respeito do "outro" a partir do momento que os materiais começam a aflorar do solo. Também possibilitou o contato com outros profissionais do Brasil e da Europa, aumentando a trama de relações e diálogos a respeito da arqueologia. Um exercício extremamente benéfico. Ja trabalhei em outros campos sim, neste último em especial eu gostei dos trabalhos com a geofísica e a interdisciplinaridade envolvendo diversos pesquisadores brasileiros e estrangeiros. O que não foi comum nos meus trabalhos anteriores, a outra vantagem de participar de um projeto com um financiamento considerável é utilização de equipamentos em boas condições de uso. Este trabalho contribuiu e ainda está contribuindo tanto para a ciência quanto para a sociedade, colocando em evidência a ocupação humana pré-histórica na região, trazendo a tona reflexões acerca do passado e do indígena contemporâneo no sul do brasil. O trabalho de campo é parte essencial da arqueologia, é uma atividade interpretativa e de coleta de dados, a arqueologia não existe sem teoria e prática, assim como não existe sem o campo e o laboratório, são caminhos naturais para a construção do conhecimento. Em especial o do passado remoto da humanidade.

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ANEXO H – Entrevista com Jacopo What is Archaeology for you? Where do you think it fits best: as a science or as an art? I think that Archaeology is a science, which integrates scientific technique and analysis with humanist studies to reconstruct as reliably as possible our past. However if I had to position Archaeology within one single subject I would definitely place it within the sciences due to its great analytical aspect. By this, I mean the use of modern standard techniques that make part of nowadays Archaeology. What is your archaeology course like? Do you enjoy it? This year I will be following the second year of an undergraduate course called “Archaeology with Forensic Science”. This particular course greatly emphasizes the scientific and laboratory aspect of Archaeology within a bio-archaeological and forensic side. As of today I can admit that I greatly appreciate this course from its bio-archaeological traits while I do not enjoy as much the forensic part due to my reluctance to work with human remains. Which contribution did this field work brought to your professional formation? Fieldwork did not give a great contribution to my present work probably due to the lack of work I have done in field. However there has been some work which has massively helped me with my passion with my work, which has been my laboratory work. Working both in a palaeobotanical and general scientific lab it has helped me understand furthermore what my inspiration for my future could be and it give me strong basis to work on. Have you ever been in field works before? If Yes, which differences did you noticed between this and the others? (Since the material used, up to the site and it's context itself) I have participated to several fieldworks, and until today I can say that they all gave me different feelings and taught me very different things. My main two fieldworks where I participated where a dig in Campo Belo do Sul, Santa Catarina, where I worked in an ethnographic, forensic and palaeobotanical context, while my second one was in Tusculum, Italy, where my work was strictly classical and historic. The main difference I noticed was the scientific method used and the interest the different equips had for the sites. In Campo Belo do Sul there was a great focus on the scientific method used within the dig and throughout the research, giving great interest both to the finds but also to the method and process. In Tusculum however there was just a great interest for the final product, therefore giving no specific process to the work. This therefore brings a great difference in material used since in Brazil specific equipment was used differently from the dig in Italy. 60

How do you think this field work can contribute not only to archaeology, but also to the society? Both fieldworks managed to give a greater knowledge about their land, helping not only the understanding on the geography but also of the origins of those sites themselves. For the Tusculum site however there has also been the extra aesthetic contribution since the dig was mainly centred in the exposure of an ancient roman villa and its main road, bringing to Tusculum a new touristic and pleasant attraction. How do you see a field work? As an interpretative activity? As a technique of data collection? Fieldworks can be done in different ways, it all depends on what someone is looking for. If we take into consideration the dig I have done in Campo Belo do Sul we can consider that fieldwork not only as an interpretative activity, therefore a dig done to understand the past of that site and its people. However, it was also done with such a technical process that it can be considered as a data collection procedure done to obtain specific pieces of information which are then set up as a scientific study. In general I personally believe that a fieldwork must be scientifically done, not only supporting it as a mean to reach the final product but also process in such a way that data can be collected analytically and precisely.

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ANEXO I – Entrevista com Voluntário E 1. For me, archaeology is a lifelong fascination. It’s a field of exploration, like outer space or the bottom of the sea. I think that, through archaeology, we explore how we became HUMAN. Science or art? Both! Fieldwork requires rigorous scientific methodology. Curating and interpreting finds requires an artistic intuition and maybe just a little magic! 2. I have never taken a formal archaeology course, though in college I minored in art history and studied famous excavations in Crete, Central America, Egypt, etc. My only formal training has been during the last 2 Balkan Heritage projects in Apollonia Pontica. 3. Over the past 35 years of teaching, my interest in and self-study of ancient cultures and what we know of them through archaeology have helped me create and use several curriculum units on ancient Egypt, classical Greece, and medieval Europe and Japan. It certainly made me a more interesting teacher! 4. My only field experience has been through Balkan Heritage. I understand that, possibly due to limited funding, the equipment and methods we used were quite basic and possibly outdated, but the overall organization and supervision of the project were outstanding. The knowledge, commitment, and professionalism of the staff were top-notch. Unlike some projects where volunteers are used merely as labor, I felt we were treated with respect and made to feel like valued members of a team. 5. Specifically, the Apollonia Pontica project contributes a great deal to our knowledge of Greek colonization in the Black Sea region, and how Greek, Thracian, and eastern cultures were integrated. Generally, we do archaeological field work for the same reasons that we explore anything; out of a thirst for knowledge, and to understand more about who we are by learning who we WERE. 6. I think that field work weighs more heavily toward data collection. Some analysis is certainly done in the field, but truly valid interpretation often requires the collection and comparison of data from various sites over many seasons.

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ANEXO J – Entrevista com Claire What is Archaeology for you? Where do you think it fits best: as a science or as an art? Archaeology for me has two halves: one is a science and one is an art. During the digging, I would label it as a science, as there's a lot more to know than the types of artifacts you find. You need to draw stratigraphical layers, take dimensions and findspots, etc. Afterwards, I consider it an art: assessing the damage, conservation. But to be honest, I feel like archaeology is more of a history. What is your archaeology course like? Do you enjoy it? (In your case, feel free to talk about your course and the relation you have with archaeology) I had never done archaeology before coming to Oxford, and I found it a bit challenging to adapt. However, the British (or at least, Oxford) way of teaching is much different than the American way, and I think this also handicapped me. I enjoyed very much the courses I took. Which contribution did this field work brought to your professional formation? I know that I would like to work in a museum, and the fieldwork has helped me to think more seriously about an archaeological museum rather than only art museums. Have you ever been in field works before? If Yes, which differences did you noticed between this and the others? (Since the material used, up to the site and it's context itself) Unfortunately, I've only been to one :( How do you think this field work can contribute not only to archaeology, but also to the society? It really depends. Sometimes I'm very cynical and think many people don't care about history or archaeology as much as archaeologists or historians do. I know, though, that as a child I loved learning about the artifacts in museums, so I hope field work in general can help inspire the younger generations. How do you see a field work? As an interpretative activity? As a technique of data collection? Although technology has gotten better and better and could probably easily dig the group up for us, I find it fascinating that humans still do the brunt of the work lest the artifacts break. Overall, it is a process to uncover and better understand the past.

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ANEXO K – Entrevista com Lilly - For me, archaeology is a gateway to our past as a human species. Though it has somewhat artistic characteristics (in drawing, restoring, and interpreting certain artifacts), I classify archaeology as a science because specific methods are employed to preserve the context of the finds. The whole process - from survey to post excavation - must be structured and documented, in quite a scientific approach. - I was always drawn to archaeology as a child, so I pursued a degree in anthropology when I went to university. My university was smaller, and did not offer many field schools - and the ones offered were in the Americas. Wanting to excavate Greek ruins, I searched online for possibilities and found the Balkan Heritage Foundation, that offered a wide range of archaeological courses. I participated in the 2013 Apollonia Pontica dig in present-day Sozopol, Bulgaria. It was a fantastic experience, and the instructors were very good about making the hard work feel meaningful and enjoyable. The course was quite good for those who had not done previous field work - like me - because the instructors were patient and thorough in explaining all the different equipment and steps. - Through this field work, I gained much more than just experience within an excavation site. We were also exposed to various aspects of archaeology outside of the dig. Through lectures, we became more aware of the historical context of our site. Various labs provided practice in such things are drawing artifacts, cleaning pottery, and restoring certain finds. We were all also given the opportunity to draw cross-sectional vies of our squares. Overall, this school contributed greatly to my professional archaeology skills. - I had not previously done field work, but I have many friends at university who had participated in digs. One thing I quickly realized with many American digs, specifically, was the limitations that NAGPRA places on sites within a mortuary context. In Sozopol, we excavated four sets of remains within our site and did not have to call in authorities or shut down our site. In the United States, there are many special laws in place to protect remains of any Native Americans, and while we understand the need for some of them, these laws often tie the hands of archaeologists working within the US. - I believe archaeological work is extremely valuable for societies. Not only does it help many cultures learn more about their history and traditions, it also allows us to understand and appreciate the incredible accomplishments of ancient societies and civilizations. The feats of our ancestors that archaeology uncovers are truly awe-inspiring.

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My own 2013 excavation in Sozopol also contributed greatly to our knowledge. During the 2013 Apollonia Pontica dig, I became part of a team that confirmed the famous temple to Apollo was located within our dig site! It was an incredible discovery, and while my square was not as full of finds as some of the others, I still felt like I was contributing to the greater good of the excavation as a whole. For years, historians had debated where this once-great temple had stood, and we were able to end those debates! The people of Bulgaria were able to gain one more piece of their remarkable history. - I believe field work is in many ways a mixture of interpretation and data collecting. Occasionally, some interpretation must occur when artifacts are analyzed because people naturally want to know what objects were used for - something which requires an amount of educated assumption. However, these interpretations may change over time, and the stories behind certain objects and their uses become clearer with more research. Since archaeology is an inherently destructive process, I believe that it is primarily a technique for data collection. It is an archaeologist's job to gather as much detailed evidence as possible within its context while the site is being unearthed. That way, if future archaeologists look at the data, they can reach potentially different - and more-informed - conclusions.

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ANEXO L – Entrevista com Aja What is archaeology for you? Where do you think it fits best: as a science or as an art? At Mount Allison University, there was a quote that my professors kept repeating that I find holds true. “Archaeology is the most humane of the sciences and the most scientific of the arts.” There are aspects to archaeology that reflect this truth quite eloquently. A lot of the dialogue that is out there on the theories involving archaeology are very based in the arts. This is a vital component to the development of archaeology as a discipline, as it builds awareness and opens up the discussion for ways that archaeology can be implemented into people's lives as a valuable investment. On the other hand, I find that the physical archaeological field work is extremely scientific. In order to produce a fruitful and successful dig, one has to take on the process with a considerable level of seriousness, meticulous planning and execution, and a well-established methodological discourse. Each piece of information is vital – take for example: acknowledging the changes in stratigraphy, recording elevations on a regular basis, correctly labelling and identifying finds, reporting to all of those involved in funding and supporting the excavation, writing a publication if necessary. All of these components are reflective of a scientific experiment. What is your archaeology course like? Do you enjoy it? (In your case, feel free to talk about

your

course

and

the

relation

you

have

with

archaeology.)

My first introduction to archaeology personally started long before I can remember. My dad has lived on the same farm land for the last 57 years and it was the same farm that I had grown up on until I moved to New Brunswick. Having grown up on a farm in rural Saskatchewan, my father would take me out into the field with him on the cultivator in the spring to get the soil toiled and ready for seeding while my mother was at work. Every once in a while, my dad would stop the tractor and the cultivator and take me outside into the field. We would take a few minutes to look for First Nations artefacts that had been up rooted by the cultivator and brought to the surface. Since we live along the river hills where there is substantial history with fur trade routes, my dad has been collecting various stone tools and projectile points since he was a young boy. This was an experience he shared w ith me growing up and that I have always held onto dearly.

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My first introduction to archaeology academically was the result of making up for credits I had lost during my first school year at Mount Allison University. If I had made the decision to attend the MTA Field School in Belize during the Summer Course session, I would make up for 3/5 courses, giving me extra breathing room for my studies in the following years. Thinking back on the experiences I shared with my dad, and my immediate appreciation and passion for archaeology, I knew that it would be a career I would be following up on one way or another. After participating in 2010, I returned to the project for two consecutive years because Dr. Grant Aylesworth was relentless in getting me the experiences I wanted and needed within archaeology. I cannot properly express my gratitude to him and his approach to helping students and others in archaeology. Meeting him and keeping up a close connection with him has been one of, if not the most crucial, events in my career thus far. I owe him so much. At Mount Allison University, the Anthropology Department is made of four professors, 3 of them full time with tenure and focusing on Maritime Aboriginal issues exclusively. The fourth and final professor is usually hired for a 9 month – 3 year contract. Grant Aylesworth, who was my program director for the Mount Allison University Field School in Belize, was hired for a 3 year contract from the 2010/2011 – 2012/2013 school year. His courses were balanced between anthropological theory courses already established by the department, and his own archaeology courses which came up as “Special Topics Courses.” (These courses can be listed with the same code as long as the topic is not to the same. So on a transcript it may look like I took the same course numerous times, but since the topic is different, it is acceptable.) The courses I took with Grant Aylesworth during the school year were: ANTH 3991: Mayan Archaeology (2010); and ANTH 4991: Archaeological Ethics, Law and Politics. As part of the field school, the courses I took were: ANTH 2991 A + B: Introduction to Field Methods I + II, and ANTH 3991: Cultural Material Analysis. After Grant finished up his contract, two other professors were hired that I took courses with: Dr. Michael Gregg and Dr. Moira McLaughlin. With Gregg, I took ANTH 3991: Controversial Issues in Archaeology, and with McLaughlin, I took ANTH 3991: Forensic Anthropology. Forensic Anthropology was the only anthropology course I took in my university career besides the introductory course that had a laboratory component attached to it.

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Out of all the archaeology courses I have taken over the years, the courses that have crossed over extensively into my developing career have been all three courses offered by the MTA Field School, Archaeological Ethics, Law and Politics, and Forensic Anthropology – both in field work applications and in open dialogue with colleagues, friends, and family. The reason for this is because the courses were self-motivating and the responsibility was up to you. It solidified for myself professionally and personally where the line of ethics lies. These courses have given me confidence and curiosity – the two building blocks I needed to have the courage to study archaeology in the first place and pursue it whole heartedly. Which contribution did this field work brought to your professional formation? Field work is arguably my strongest asset within my professional demeanour in archaeology. Since it is so visually based, it is easier for me to process the scene. I can see what sorts of tasks need to be tackled and work ahead of the process so to speak. Since I grew up on a farm and am no stranger to hard physical labour, I welcome with open arms the opportunity to participate in archaeological field work. I find it so invigorating. But my answer to this would not be the same if archaeology was not something that I was completely passionate about. Fieldwork has not necessarily brought any new aspect to my formation so much as it has refined qualities and concepts that I already deem as imperative to my professional demeanour. Have you ever been in field works before? If Yes, which differences did you notice between this and the others? (Since the material used, up to the site, and its context itself.) Up until this point in time, I have been on five archaeological digs. 2010: The Mount Allison University Archaeological Field School in Belize at La Milpa in the Programme for Belize Conservation Area [Participant] 2011: The Mount Allison University Archaeological Field School in Belize at La Milpa in the Programme for Belize Conservation Area [Research Intern] 2012: The Programme for Belize, University of Texas at Austin [Volunteer] 2013: The Balkan Heritage Foundation – Apollonia Pontica Excavations in Sozopol, Bulgaria [Volunteer / Participant] 68

2014: The Balkan Heritage Foundation – Apollonia Pontica Excavations in Sozopol, Bulgaria [Volunteer / Participant] There were a few crucial differences to note between what I discern as the two field schools I attended: the Belize Field School, and the Balkans Heritage Field School. Grant Aylesworth, in his establishment of the curriculum for the field school, included a lot of extra components to the dig. We were exposed to various field work methods and had work shops with various archaeological specialists all over North America. We worked exclusi vely with an exquisite project and artefact photographer from Canada; an under water archaeologist and art conservator from Mexico; a Mayan architectural specialist from Guatemala; a renowned archaeology professor, Mayan ceramics specialist, and founder of the Programme for Belize from Texas; a Mayan lithics specialist from Colorado; and, a forensic osteologist from Iowa – all in a four week season. One thing that I took away from that field school was the exposure to professions that tie into archaeology. With this, I realized that I could work in archaeology without approaching it directly. I could essentially mould myself into a career that focuses on archaeology without getting a Masters in Archaeology itself. In this way, I did not have to undermine my undergraduate education. I convocated from Mount Allison University in 2012 with a Major in Art History and a Double Minor in Anthropology and Religious Studies. Many people have questioned me on exactly what I could do with that. Numerous people made comments about how I will just change my occupation to something else soon enough because it must be really hard to find a job where I could use all three to my advantage. It was too specific of an undergraduate education. That may have been true, if Grant was not the one who introduced me to archaeological field work. He graciously took the time and made every effort for me to see all job prospects on the periphery of archaeology. He helped me connect the dots between what I had studied and how I could implement it into archaeological field work. Nearly five years later, I have now been accepted for a Masters in the Conservation of Archaeological and Museum Objects. Without his influence, I would not have been able to see this dream of mine to fruition. But Grant would not take all the credit. Part of the reason I am so successful is because I do not hold back due to fear. I do my research and take the time to make the right decisions for myself. 69

Due to the MTA Belize Field School, I learned about the basics. 1). I can actually handle and tolerate all aspects of archaeology work that I don't like, and everything else, I like a lot. 2). On that note, archaeology is something I want to do for the rest of my life and at this point, cannot imagine not doing. 3). I can approach archaeology any way I want – I can personalize it to my liking so it fits the best for me. The Balkan Heritage Field School handled things quite differently than what I had experienced in Belize. While Belize provided the structure for what I wanted out of a career, my experiences with the Balkan Heritage Foundation filled everything out for me. If it was not for participating in the AP EX in 2013, I would not have fit the final piece into my conservation puzzle. I cannot approach art conservation and hope to turn it into archaeological conservation. I cannot take that risk or that chance as it may be too far fetched to work out. It makes much more sense to find an archaeological conservation program that immediately focuses on what I want to learn. That is how I found the Durham University program in the first place. It also introduced me to archaeology in an international context. In Belize, we were isolated in the jungle. The tangible impact of the work done at La Milpa had an immediate effect on the surrounding communities in the greatest terms of economy and education. In Sozopol, however, the tangible impact of the work done at Apollonia Pontica opened up my eyes to the archaeological international stage. It was a considerably less private experience and more exposed. With television networks, journalists, and photographers going through every few days to see updates on what we were doing, it had a whole different vibe than the ambiance that Belize hosts. While I enjoyed my experiences in Belize, it was the experiences in Sozopol that solidified that really opened my eyes to what a career in archaeology is actually like. All aspects of it, not just ones that are hand picked for convenience. Here is a more general breakdown of the projects: Belize FS: Late Pre-Classic Mayan architecture in Plaza A of La Milpa – the fourth largest and covered Maya settlement in Belize. You have to travel about 7 km by truck, bring all of your equipment up a rock escarpment and into the middle of the forest to find the site. AP EX: Archaic Greek and Byzantian Period in one of the oldest Greek settlements along the Black Sea Coast. You walk through a tourist destination to reach a secure post-military location along the coast line. All of the equipment is stored on site. 70

Belize FS: With the focus on architecture and lithic clusters, there was little in terms of special finds. Ceramic was rare to come by so we kept all of our pieces and had to wash all of them. But the ceramic collected was construction fill. It was void of any special data that could help us date any of the ceramics. No rims, no engravings, no handles. Each piece found was no bigger than a quarter and extremely eroded. The setting was more impressive than the prospect of what we could actually learn. That was also why Grant supplemented our almost sterile site with exciting workshops. AP EX: There were numerous points of focus on this dig, especially since the site was interrupted by modern construction. With the ritual deposits, unidentified architectural features, and graves, just to name a few contexts, there was a lot to learn. Belize FS: The fieldwork focuses on traditional methods used by archaeologists when they started excavating upon the official establishment of the discipline. It was Grant's belief that this is practice for one to know whether they can handle the nitty-gritty of archaeology. When technology or equipment fails, you need to know what to do to move forward. No up-to-date equipment or technology were used on the dig site. Belize was sort of approached like a trial run. AP EX: The fieldwork here focused on traditional methods but also introduced a lot of equipment like metal detectors, dumpy levels, and photography. Belize FS: Grant and Mayan Architectural Specialist Liwy Grazioso were the two that dealt with all information collected from the dig. They had the field journals. During my first year in Belize, it was up in the air as to whether the project would go through because we had the absolute minimum for participation with 9 students. That was the only season the MTA Field School has ever not had a textbook for the summer courses. (Although it was a textbook I had to read anyway for my ANTH 3991: Mayan Archaeology course.) AP EX: Each participant was given a notebook so as to keep a field journal and take notes throughout the duration of the project. We were held responsible for our own information. Both field schools: -Included laboratory components with material analysis and conservation. 71

-Stated the importance of horizontal and vertical plan drawings. -Included educational field trips to the agenda relevant to the context of the project. -Were all inclusive with their prices. The only money that need be supplied elsewhere were for souvenirs and meals. -Were exceptional in the quality of instruction that they provided, although they were approached in two different ways. How did you think this field work can contribute not only to archaeology, but also to society? Fieldwork will contribute to society if the process is transparent. That is hard when there are many benefactors to a project, sponsors that have their own agendas, and the like. But in delivering absolute transparency on a project, you run the risk of dragging on the project longer than necessary. That may result in a loss of interest by investors due to the lack of a return – to put it simply. But without transparency, then you are intentionally restricting dimensions of an archaeological project that could really give it depth or could be detrimental to its development. It is a double edged sword. Archaeology and society are strengthened by each other. There needs to be a greater exchange between the two than what we are seeing. Unfortunately, a lot of it at this point in time may be financially driven and is therefore perceived – perhaps not negatively – but with hesitation. Archaeology is not getting sufficient funding so it requires heavier investments from sponsors, which they are reluctant and wary to pay. Society is observing this financial negotiation and questioning their own financial contribution. Each archaeological site or heritage does what it can to bring awareness and pride of such a space to society. But there is a great deal of subjectivity to it. How is it possible for one to argue that (making up an example here) that a neolithic monument in Southern Saskatchewan deserves the same attention and reverence as the iconic Parliament Buildings in Ottawa? Or how does one argue that Port Aux Basques in Newfoundland should have the same societal support as Stonehenge? Is that possible? Is that fair to expect that kind of support?

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Within Canada, one of the greatest divides that exists between society and archaeology is that the government does not support archaeological initiatives. However, greater uproar is being created on preserving Canadian heritage (whatever little of it we happen to have in comparison to other places in the world.) In the meantime, funding is being cut everywhere. Archaeological departments for provincial governments are being reduced to boards and small services with only one or two figure heads with minimal public interaction. It is of my understanding that society and archaeology would harvest a more positive encounter if there was greater aspect of transparency in the process. That way, you would be able to clearly identify the people that feel impassioned for their heritage and archaeologists can rally alongside them. It is difficult to reach out to an audience that for the most part may not want to listen at this point in time. But it is not so much on the archaeologists to reach out to the communities they are working in. It is also of equal importance for communities to step up and ask that archaeologists work with them on heritage in their community. If there was a way to motivate both sides, instead of one assuming or expecting one side to take initiative above the other. Nobody talks if you are each waiting for the other to speak up first. How do you see field work? As an interpretive activity? As a technique of data collection? Field work is both. The field work and excavations itself is a process or technique for data collection, absolutely. Prior to, during, and after, field work allows for interpretation. Whether it is showcased by an exhibition in a museum or a gallery, there is just speculation on what results may come from a dig, and how the field work ties into contemporary and past societies. Field work has implications which need to be documented and made public – and it can be approached in these two ways. Field work, like archaeology, is dynamic, diverse, adaptable, and can be approached many ways. It is important to keep this in consideration when thinking about archaeological and field work theories.

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