Para uma introdução à história do livro impresso no Brasil: o caso do Padre José Joaquim Viegas de Menezes

June 8, 2017 | Autor: Emerson Eller | Categoria: Typography, Printing History, Imprensa, Minas Gerais, Engraving and Printing
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SSN 2179-7374

ISSN 2179-7374 Ano 2015 - V.19 – N0. 03

PARA UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO LIVRO IMPRESSO NO BRASIL: O CASO DO PADRE JOSÉ JOAQUIM VIEGAS DE MENEZES FOR AN INTRODUCTION TO THE HISTORY OF THE PRINT BOOK IN BRAZIL: THE CASE OF FATHER JOSÉ JOAQUIM VIEGAS DE MENEZES

Emerson Nunes Eller 1

Resumo As tecnologias de impressão se estabeleceram no Brasil de forma tardia, porém alguns estudos apontam para a existência de raros impressos que antecedem à instalação da Imprensa Régia no Rio de Janeiro em 1808, que por sua vez marca oficialmente o surgimento das atividades ligadas à impressão no país. À margem da história oficial, encontra-se a existência de um livreto raro, impresso por Padre José Joaquim Viegas de Menezes na capitania de Minas Gerais, no ano de 1806. A concepção de tal obra, bem como o contexto no qual ela está inserida, são ainda repletos de aspectos políticos, e nesse sentido, pretende-se fazer alguns apontamentos históricos, levantando assim questões pertinentes ao campo das artes gráficas, e em especial, ao do design gráfico ou tipográfico. Palavras-chave: história do livro impresso; artes gráficas; imprensa; Minas Gerais; Brasil; José Joaquim Viegas de Menezes. Abstract The printing technologies established themselves in Brazil belatedly, but some studies point to the existence of rare prints prior to installation of the Royal Press in Rio de Janeiro in 1808, which in turn marks officially the emergence of activities related to printing in the country. Alongside the official history is the existence of a rare booklet printed by Father José Joaquim Viegas de Menezes in the captaincy of Minas Gerais, in 1806. The design of such a work and the context in which it’s embedded are also full of political aspects, so in that sense it’s intended to do some historical notes thus raise relevant issues to the field of graphic arts, specially to the graphic or typographic design. Keywords: history of the print book; graphic arts; press; Minas Gerais; Brazil; José Joaquim Viegas de Menezes. 1. Introdução Após o nascimento da tipografia no ocidente em 1450, através do uso dos tipos móveis criados pelo alemão Johannes Gutenberg, as práticas tipográficas se difundiram, e

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Doutorando em Belas Artes, Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa – FBAUL, Mestre em Design, Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, [email protected]

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obviamente, se modificaram ao longo dos últimos cinco séculos. O primeiro livro impresso em Portugal foi o “Pentateuco”, em hebraico, no ano de 1487. Por sua vez, no Brasil, até 1808, a corte portuguesa impediu o surgimento da tipografia, proibindo seu uso e controlando a produção gráfica na então colônia. Entretanto, apesar da tipografia e outras tecnologias de impressão terem se estabelecido no Brasil de forma tardia, fontes asseguram a existência de raros impressos que antecedem à instalação da Impressa Régia no Rio de Janeiro em 1808. Nesse contexto, pesquisadores como Berger (1984), Cunha (1986) e Veiga (1898), destacam importantes trabalhos como os do tipógrafo português Antônio Isidoro da Fonseca e os do padre mineiro José Joaquim Viegas de Menezes. Vindo de Lisboa, Antônio Isidoro da Fonseca instalou sua segunda oficina no Rio de Janeiro em 1746, de onde saiu no ano seguinte o até então considerado, primeiro impresso tipográfico brasileiro. A referida atividade teria rendido a deportação do tipógrafo português, ficando proibido de regressar à colônia. Dentre essas raras peças, está também o livreto com poesias de Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcelos, impresso por Padre José Joaquim Viegas de Menezes, em Vila Rica de Minas, no ano de 1806.2 A técnica utilizada por Padre Viegas foi a calcografia, a qual aprendeu junto ao conhecido e também mineiro, Frei José Mariano da Conceição Veloso na Oficina Tipográfica, Calcográfica e Literária do Arco do Cego, em Lisboa. Frei José Mariano da Conceição Velloso esteve à frente das atividades exercidas na Oficina do Arco do Cego. A oficina exerceu um importante papel no desenvolvimento de técnicas de impressão e, principalmente, para a difusão da cultura do impresso nos dois países, sobretudo no Brasil. A Oficina do Arco do Cego teve curta duração (1799 a 1801), e seus impressos eram dedicados principalmente ao desenvolvimento da agricultura na então colônia. Apesar de não ter tido longos anos de atividade, a referida oficina publicou 83 títulos. A tipografia e outras tecnologias de impressão destacavam-se naquele período como atividades complexas que dependiam do domínio de técnicas, máquinas e equipamentos especiais. Por isso, salienta-se o trabalho executado por esses pioneiros no Brasil colônia, como é o caso do Padre Viegas, que mesmo com a carência da tecnologia necessária, “abriu” em chapas de cobre, textos com modelos em itálico, e ainda com caracteres “modernos” inspirados em modelos classificados hoje como “didones”.3 Paralelamente à tipografia, um outro processo de impressão tornara-se muito popular na Europa durante o século XVIII – a calcogravura ou gravura em placas de metal, sendo então o cobre, o principal material utilizado na confecção das chapas. A gravura em metal serviu a diversos campos de atuação e ofícios, dentre eles a joalheria, abridores de cunho para moedas, artista de reprodução, ilustradores etc. Essa técnica se destacou pela facilidade de reprodução e multiplicação do original sobre o papel. A gravura em metal era comumente utilizada para estampar desenhos, símbolos ou

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Apesar de alguns autores situarem a referida obra no ano de 1807, o presente artigo seguirá apontando para o ano anterior a este, tendo como base a pesquisa de Cunha (1986) que através da obra fac-similada, destaca uma observação manuscrita que aponta 1806 como o ano de impressão do artefato. 3

Didone é uma categoria tipográfica reconhecida pela Association Typographique Internationale (ATypI), e faz parte do sistema de classificação VOX-ATypl. As fontes dessa categoria têm como principal característica o alto contraste entre traços grossos e finos, serifas retas finas e hastes verticais bem marcadas.

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ilustrações, mas também poderia ser usada para impressão de textos, como destaca-se mais adiante. 2. Padre José Joaquim Viegas de Menezes (1778-1841) Para traçar um breve perfil de José Joaquim Viegas de Menezes, o presente artigo apoiase principalmente, na importante obra biográfica “Ephemerides Mineiras (1664-1897)”, de José Pedro Xavier da Veiga, publicada em 1897 pela Imprensa Oficial do Estado de Minas. Bem como, na biografia paterna escrita por Joaquim Mariano Augusto de Menezes (filho do referido padre), publicada originalmente em 1859 pelo “Correio Oficial de Minas” e transcrita mais tarde pela Revista do Arquivo Público Mineiro (1906, p. 255-274). Nascido em 1778, em Vila Rica de Minas (atual Ouro Preto), José Joaquim Viegas de Menezes foi abandonado na calçada da rua, junto à casa de D. Anna da Silva Teixeira de Menezes, e assim, “como tantos outros, igualmente destinados à glória, entrara na vida pela porta da desgraça” (Veiga, 1897 p. 6). Entretanto, independentemente das circunstâncias em que foi concebido, Viegas de Menezes foi recebido com caridade por D. Anna, que lhe deu um nome, um lar e estudos. A sua filiação paterna não é conhecida, porém, sabe-se que sua mãe biológica foi D. Joanna Caetana Josefa Viegas, pois a senhora revelou-se como tal em 1830 através de um testamento, quando o seu filho já estava com idade avançada. Ainda na infância, num colégio particular do arraial de Sumidouro (município de Mariana), Viegas de Menezes já demonstrava seus primeiros sinais de sensibilidade artística. Nas horas do recreio, ao invés de acompanhar os demais alunos nas brincadeiras naturais de uma criança, despendia seu tempo, munido de lápis e pincéis, reproduzindo e criando objetos. Foram esses “toscos ensaios as primeiras e espontâneas manifestações do seu temperamento artístico” (Veiga, 1897, p. 7). Mais tarde, após obter destaque em um curso de filosofia em Mariana e já com notável vocação para o sacerdócio, o jovem Viegas de Menezes partiu para São Paulo onde recebeu, o subdiaconato. Pouco tempo depois, já em Vila Rica de Minas, o jovem de 19 anos decidiu mudar-se para Portugal com a intenção de ordenar-se padre e doutorar-se em Coimbra. Assim, em 1797, embarcou-se em uma “dolosa” viagem que teria durado 101 dias. Depois dessa longa travessia pelo Atlântico, Viegas de Meneses teria chegado doente em Lisboa, e ao invés de seguir para Coimbra, decidira ficar nesta cidade para tratar de sua saúde. Sabe-se então, que em Lisboa ordenou-se padre, e para além de uma carreira sacerdotal, envolveu-se ainda com o meio artístico e industrial 4 da capital portuguesa, onde foi acolhido com amizade por outro mineiro, o Frei Velloso. Como sabemos, Frei José Mariano da Conceição Velloso, esteve à frente da “Oficina Tipográfica, Calcográfica e Literária do Arco do Cego” durante todo o seu período de funcionamento (1799 a 1801), e a convite de Frei Velloso, o Padre Viegas de Menezes tornou-se colaborador da importante oficina. Dentre os trabalhos executados 4

Veiga (1897) destaca ainda que o Padre Viegas de Menezes satisfazia sua curiosidade através de visitas em notáveis estabelecimentos artísticos e industriais. Suas observações em uma Fábrica de Louça em Benfica, por exemplo, teriam o habilitado a colaborar mais tarde, já no Brasil, com uma fábrica do mesmo seguimento que existiu nos arredores de Ouro Preto.

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ali, coube ao Padre Viegas de Menezes a tradução e edição do “Tratado de Gravura” de Bosse (1801), “com o objetivo de tornar acessível aos membros do complexo tipográfico, montado em Lisboa, pelo sábio brasileiro, as técnicas de ilustração que complementariam as obras ali impressas” (CUNHA, 1986, p. 21). Nesse mesmo sentido, Rizzini destaca: Seminarista de Mariana e padre de Lisboa, aí aprendeu Viegas de Meneses desenho e suas aplicações com Conceição Veloso, na “Tipografia Calcográfica, Tipoplástica e Literária do Arco do Cego”, de que era o frade director. Estudou pintura, praticou as diversas maneiras de gravar em metal, e traduziu e publicou o tratado clássico do francês Abraão Bosse. De volta a Vila Rica, viveu modestamente das suas ordens, manejando o pincel e o buril nas horas de lazer. (RIZZINI, 1945, p. 315)

Como observamos, após encerrar sua breve estada em Lisboa, José Joaquim Viegas de Menezes retorna ao Brasil em 1802 e se instala novamente em Vila Rica de Minas. Assim, na então província de Minas Gerais, uma vez que era ilegal qualquer atividade de impressão, Padre Viegas de Menezes passa a aplicar suas habilidades artísticas apenas em momentos de lazer. Pintou retratos de importantes figuras da então província, além de imprimir alguns “santinhos” utilizando a calcogravura para estampar. Mais tarde, dedicando-se ainda mais às artes gráficas, fundou o jornal “O Compilador Mineiro” (1923-1924). José Joaquim Viegas de Menezes faleceu em Ouro Preto, em julho de 1841. Infelizmente sua obra não foi devidamente catalogada, assim, não podemos mensurar em totalidade seus feitos artísticos, mas o pouco que se conhece é o suficiente para o colocar em destaque na historiografia das artes gráficas brasileiras. Desta forma, os poucos estudos que abordam esse tema, dão ao Padre Viegas os títulos de precursor da imprensa e de primeiro gravador em metal no Brasil, priorizando assim, seus registros de santos, e também, o opúsculo que será abordado mais adiante neste artigo. 3.

Técnica e Processo de Impressão: A Gravura Em Metal

A gravura em metal, calcografia ou calcogravura é um processo de gravura que utiliza uma matriz de metal, podendo basear-se em distintas técnicas, sendo a mais comum delas, e a que mais interessa a esse artigo, a gravura a buril ou talho doce. Esse processo consiste em obter desenhos a partir de uma matriz de chapa de metal, normalmente o cobre. Para isso, são feitas incisões sobre a chapa de cobre, utilizando-se uma ferramenta de ponta afiada, conhecida como buril. Essa ferramenta pode ter formatos, tamanhos e espessuras variadas, o que permite diferentes incisões, mais profundas, mais rasas, mais estreitas ou mais largas. Ao penetrar na chapa de metal, essa ferramenta deixa-a “aberta”. Depois de aberta, a chapa deve ser entintada com auxílio de uma esponja embebida em tinta. A tinta deve ser uniformemente espalhada, a fim de penetrar nos sulcos da chapa de cobre. Em seguida, o gravador deve limpar superficialmente a prancha com o auxílio de trapos, deixando apenas os sulcos entintados, aqueles que correspondem ao desenho incisado. Para finalizar, segue-se o processo de impressão em papel, que consiste em pressionar a chapa calcográfica, utilizando-se para isso, uma prensa cilíndrica, para transferir a tinta para o papel onde será impresso o desenho, tal como foi burilado. Nesse processo o contorno da chapa acaba por ser também 139

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registrado no papel, e tal registro pode ser chamado de “testemunho”, “cubeta” ou simplesmente “marca da chapa”. Apesar de igualmente fazer uso de uma prensa para transferir a tinta de uma matriz para o papel, a tipografia, enquanto tecnologia de impressão, se diferencia da gravura em metal em diversos aspectos. A tipografia, se distingue principalmente pelo uso dos “tipos móveis”, ou seja, blocos pré-fabricados em chumbo (ou em madeira) que contêm em relevo uma letra ou um símbolo gráfico. Os tipos quando dispostos lado-alado podem compor uma palavra ou um texto inteiro. Uma vez que as peças são fundidas a partir de matrizes, elas poderão ser combinadas e reutilizadas em composições distintas. Assim, enquanto a matriz de cobre, usada na gravura em metal, é única, os tipos móveis permitem o reaproveitamento das peças a cada trabalho. A calcogravura, é um processo de impressão ainda muito utilizado nos dias atuais, porém o seu uso se restringiu, visto que, a aplicação de técnicas como essa, utilizadas potencialmente apenas para reprodução de imagens, se diferem completamente na sociedade atual, onde a reprodução e a cópia assumem totalmente o aspecto mecanicista e passa a ser regra. Então, assim como a tipografia e outros processos artesanais, a gravura é utilizada hoje por seu aspecto manual e artístico e não para fins restritos à reprodução. Mas se enfocarmos apenas o aspecto de reprodução, perceberemos o trabalho árduo que o artista gráfico teria com a repetição das últimas etapas da calcogravura descritas anteriormente, tintagem e impressão, respectivamente, e assim quantas vezes fossem necessárias para atingir o número de cópias pretendidas.5 O processo de impressão utilizado por José Joaquim Viegas de Menezes para imprimir o primeiro livreto literário em terras brasileiras foi este aqui exposto, a gravura em metal ou calcogravura. O importante opúsculo em homenagem ao então Governador da Capitania de Minas Gerais foi impresso em 1806, tendo conhecimento de que levou aproximadamente noventa dias para serem “abertas” quinze chapas de cobre correspondentes às quinze páginas da obra literária. Para cada página, a técnica de impressão foi empregada uma vez, ou seja, para um exemplar completo, incluindo frente e verso do papel, a técnica repetiu-se quinze vezes. Desta mesma maneira, Cunha (1986), destaca o trabalho repetitivo do padre impressor e ainda aponta para a existência de quatro exemplares até então catalogados no Brasil. O mais completo deles, pertencente ao Arquivo Público Mineiro e outros dois à Biblioteca Nacional, sediada no Rio de Janeiro. O quarto e último exemplar a ser catalogado, pertence à Biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Pode-se concluir então que, para a produção dos quatro exemplares catalogados hoje no Brasil, a técnica se repetiu sessenta vezes, configurando-se assim como um volume de trabalho que possivelmente não passaria despercebido às autoridades locais. E no que diz respeito a isso, o texto publicado pela Revista do Arquivo Público Mineiro ressalta: O governador Pedro Maria, portanto não recorria em vão aos talentos do padre Menezes, e este, ante a vontade do capitãogeneral – que valia por certo como uma determinação irresistível – recordou-lhe, comtudo, mui respeitosamente, a proibição expressa e

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Para informações diversas sobre métodos, técnicas e instrumentos utilizados na gravura em metal, consulte também BUTI, Marco; LETYCIA, Anna. Gravura em Metal. São Paulo: Edusp, 2002.

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penas respectivas quanto ao uso da imprensa no Brazil, constantes da celebérrima ordem régia de 6 de julho de 1747, que já reproduzimos. (VEIGA, 1898, p. 177)

Ainda nesse sentido, pode-se acreditar que ele tenha também recebido alguma ajuda ou colaboração operacional para levar adiante tal produção. Cunha (1986), destaca a possibilidade de que ele – ao deixar Lisboa rumo à Minas Gerais – tenha levado consigo algumas chapas de cobre. Entretanto, restam dúvidas sobre em quais circunstâncias ele utilizaria uma prensa para impulsionar a produção gráfica numa província onde existia um controle rigoroso sobre qualquer atividade ligada aos impressos. Sendo assim, é também pouco provável que havia à sua disposição uma prensa cilíndrica nos padrões tecnológicos do século XVIII, com rolo de metal e roda giratória. Por isso, Cunha (1986), diz acreditar que o padre mineiro, tenha utilizado uma prensa fixa, que teria pertencido à Casa dos Contos.6 Para endossar sua hipótese, a autora aponta para uma possível dificuldade de equilíbrio na impressão, que segundo ela fica evidente nos dois exemplares da obra pertencentes à Biblioteca Nacional com sede no Rio de Janeiro. Por outro lado, autores como Moreira (2000) e Frieiro (1957), apontam para a hipótese de que o padre Viegas de Menezes teria construído sua própria prensa para tocar suas produções gráficas (Figura 1). Assim, com a genialidade que lhe cabia, e recorrendo ao poder de improvisação, utilizaria então, a madeira como matéria prima, e seguindo os moldes de uma prensa fixa comum da época, teria ele burlado as leis locais e construído o maquinário suficiente para a produção de seus impressos. Ainda nesse sentido, vale a pena corroborar essa hipótese, ressaltando o fato de que o Padre já havia realizado algumas gravuras anteriores, se tornando conhecido na sociedade por dominar tais talentos artísticos. Como destaca Veiga (1989), no texto a seguir: De regresso em Villa-Rica, consagrava o padre Viegas de Menezes as horas que sobravão-lhe dos seus deveres sacerdotaes, ora á pintura a óleo, executando quadros e retratos que patenteavão seus talentos artíticos, ora a trabalhos chalcographicos, manejando habilmente o buril. Entre estes trabalhos, gravava e imprimia para obsequiar os amigos, ou para amenisar a solidão de sua vida concentrada, diversas estampas religiosas, com dísticos alusivos, sendo certo, segundo fidedigno testemunho contemporaneo, que suas gravuras a talho doce, não competindo com as francezas, inglezas o allemãs de seu tempo, podião, todovia, rigurar a par das melhores que nessa época produzia a régia officina de Lisbôa. (VEIGA, 1898, p. 177)

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A Casa dos Contratos ou Casa dos Contos, foi um imóvel destinado ao recolhimento de impostos e arrecadação tributária da capitania de Minas Gerais. Durante a ação de repressão contra as atividades dos Inconfidentes Mineiros, a casa serviu ainda como uma espécie de prisão para aqueles mais intelectualizados ligados à revolução que fora interrompida pela Coroa Portuguesa.

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Figura 1: Prensa Fixa de Madeira Atribuída às Atividades Gráficas do Impressor Padre José Joaquim Viegas de Menezes em Vila Rica de Minas.

Fonte: Moreira (2008). Acervo Museu da Inconfidência, Ouro Preto.

4. A Primeira Obra Literária Impressa no Brasil: O Canto Encomiástico de Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcellos Esta obra foi composta por oitavas rimadas dedicadas ao então governador da capitania de Minas Gerais, D. Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello. O autor, Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcellos (1760 – 1812) era de origem portuguesa. Natural do Porto, formou-se em direito pela Universidade de Coimbra e em seguida dirigiu-se à Minas Gerais onde estabeleceu-se como uma figura notória ligada à elite política. Sua participação política, como vereador da Câmara de Vila Rica é marcada por um discurso no momento em que se expunha na praça central da cidade a cabeça de um dos principais articuladores da Inconfidência Mineira, o Tiradentes.7 Além de ocupações políticas de evidência na sociedade, Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcellos dedicou-se ainda às artes, principalmente no que diz respeito à escrita. Em destaque está a obra discutida nesse trabalho. Mas apesar de arriscar-se pelo campo das artes da escrita, de acordo com o próprio, faltava-lhe intimidade com a poesia, tanto que, na dedicatória da obra, o mesmo destaca: “Com alguma propensão para a Poezia, mas órfão d’arte, de estilo, facilidade, e graça, que costumão dar a instrucção, e o exercício, não fio muito de mim neste ramo”. Sem a intenção de colocar em questão as 7

De acordo com a Revista do Arquivo Público Mineiro (1896), seu infeliz discurso exaltava o despotismo e elogiava a medida punitiva recebida pelo inconfidente Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

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qualidades artísticas do referido autor, e ainda, sem pormenorizar o conteúdo verbal da obra, é preciso reafirmar sua importância como um objeto impresso, frente é claro, às circunstâncias pelas quais a obra foi concebida. Portanto, o livreto em questão, ocupa de fato, um importante lugar na história das artes gráficas no Brasil. Não somente por representar uma atividade pioneira diante de leis impostas naquele período, mas pela primazia técnica empregada em tal atividade frente às dificuldades encontradas para assim executá-la. Desta maneira, a partir desse ponto, e sem distanciar dos assuntos discutidos até aqui, pretende-se colocar em questão algumas das qualidades visuais da obra. E para tanto, parâmetros que circundam o campo das artes, e principalmente do design gráfico e tipográfico, servirão como base. 4.1. Aspectos Visuais da Obra Através de uma versão fac-similar completa presente na publicação de Cunha (1986), foi possível ter acesso à todas as páginas do referido Canto Encomiástico, a fim de traçarmos uma breve análise segundo o seu aspecto visual e editorial. Com isso, além do evidente domínio da técnica de gravura, foi possível notar ainda, a noção de composição gráfica que o padre possuía. Portanto, como veremos, o texto foi bem arranjado e o livreto foi bem editado, seguindo para tanto, padrões de composição daquele período. Dessa forma, nota-se primeiramente, que a obra é dividida em seis partes, sendo elas: um retrato do homenageado e sua esposa, uma portada simples composta apenas por texto, uma dedicatória de duas páginas (frente e verso), dez páginas com vinte versos da obra devidamente enumerados, dez notas em uma única página e uma tabela em anexo nomeada como “Mapa do donativo voluntário”. Bem apropriado à uma obra de louvação à uma autoridade, como mencionado anteriormente, o livreto apresenta em sua primeira página um retrato do casal homenageado que pode ser visto na Figura 2. Com recorte à meio corpo, o desenho exibe as figuras em roupas elegantes, inseridas em uma moldura em forma de medalhão onde são exibidos os seus respectivos nomes. O restante da composição que envolve a figura do casal é composto por ornamentações, trazendo logo abaixo do retrato, dois brasões e proeminente à posição dos mesmos, uma coroa de louros. Como pode-se observar na figura a seguir, a gravura é rica em detalhes e logo revela os “dotes” artísticos do Padre Viegas de Menezes. Se por um lado a composição de texto a partir da gravura em metal se revela por vez mais complexa que o processo com tipos móveis, a técnica aqui serviu para aferir à obra uma diversidade de desenhos de letras. Nas duas páginas da dedicatória que antecede o poema, o burilista utilizou letras itálicas para a composição do texto. Da mesma maneira, procedeu-se na penúltima página, onde foram inseridas dez notas da obra. O desenho de letra em estilo itálico utilizado por Padre Viegas de Menezes pode ser observado logo abaixo, na Figura 3. Vale ainda destacar, a ênfase dada ao pronome de tratamento “V.EXcia”, que foi desenhado com altura superior às demais maiúsculas do texto, e que poderia assim evidenciar a preocupação em engrandecer a figura pública para qual estava sendo direcionada a obra. Seria então, um exemplo da utilização de um recurso visual do texto a fim de corroborar o seu sentido verbal.

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Figura 2: Retrato do Casal Homenageado. O Governador Pedro Maria Xavier de Ataide e Mello e sua Esposa Maria Magdalena Leite de Soiza Oliveira e Castro.

Fonte: Cunha (1986).

Figura 3: Recorte Extraído da Página de Dedicatória que Antecede os Versos. A Página foi Composta com Letras em Itálico para Diferenciar-se das Demais Páginas.

Fonte: Cunha (1986).

Já nos vinte versos que sucedem à dedicatória, assim como também, no mapa donativo que estava em anexo ao livreto, foram utilizadas letras inspiradas em modelos de fontes atualmente conhecidos como “didones” (Figura 4). Percebe-se ainda, que nessas páginas dos versos, o padre também fez uso de um recurso visual para dar maior ou menor ênfase às partes do texto, utilizando para isso, pesos e tamanhos diferentes de letras para o título de abertura e para o texto corrido. Em termos de composição gráfica, pode-se dar por certo o fato de que sua passagem pela Oficina Tipográfica, Calcográfica e Literária do Arco do Cego, em Lisboa, 144

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serviu para que ele estivesse em contato direto com os recursos gráficos e tipos de letras que estiveram em voga naquele período. E assim, supõe-se que, submetido novamente à escassez de recursos e também de material de referência na então colônia, o Padre Viegas de Menezes recorreu à sua memória para então reproduzir com excelência, tais modelos de letras modernas já consagrados na Europa. Portanto, letras com notáveis contrastes formais entre fino e grosso, e com variáveis maiúsculas e minúsculas, foram utilizadas no desenvolver dos vinte versos. Por fim, o Padre mineiro teve ainda o cuidado de criar uma vinheta para cada um dos vinte versos dedicados ao governante da província. Como podemos perceber na Figura 4, as vinhetas foram criadas com ornamentos em estilo neoclássico, e com numeração correspondente a cada verso apresentado na obra. A numeração segue o mesmo estilo tipográfico utilizado nos versos, ou seja, com serifas finas e retas, porém com colunas verticais um pouco mais espessas, possuindo ainda altura semelhante ao título em caixa alta, “CANTO”. Esse título aparece apenas na primeira página de versos e destaca-se pela uniformidade do espaçamento entre-letras, que apesar de mais espaçadas mantêm-se em perfeito equilíbrio visual. Figura 4: Os dois Primeiros Versos do Opúsculo. Aqui Podemos Observar as Formas das Letras Calcografadas por Padre Viegas de Menezes e Ainda, as Duas Primeiras Vinhetas que Abrem os Versos.

Fonte: Cunha (1986).

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Considerações Finais

Como percebe-se, a peça gráfica colocada em destaque no decorrer desse trabalho, apresenta diversas nuances que a fazem ser reconhecida como uma das principais obras precursoras da imprensa no Brasil, sobretudo em Minas Gerais. Por serem poucos os estudos acerca desse artefato e do indivíduo que o concebeu, o assunto torna-se muito interessante aos olhos de pesquisadores ligados à diversas áreas, dentre elas, a história, a política e as artes gráficas, incluindo assim, é claro, o design. Desta forma, destaca-se portanto, não apenas o caráter artístico ou visual da obra, mas o apelo político e social do feito, por representar a rebeldia frente à repressão imposta naquele período. Ainda nesse sentido, se por um lado percebe-se uma força de oposição entre Brasil e Portugal – dado o período conturbado que sucede o movimento da conjuração mineira e que mais tarde culmina na independência do país –, por outro, nota-se mais uma vez o espírito de cooperação entre os dois lados, levando em consideração, por exemplo, as atividades da Oficina Tipográfica, Calcográfica e Literária do Arco do Cego, sediada em Lisboa, mas que tinha como seu diretor e mentor, o mineiro José Mariano da Conceição Velloso. O desenvolvimento econômico da colônia era o principal objetivo dos materiais produzidos naquela oficina, porém, em áreas como a agricultura. Mas indiretamente, como vimos, acabou por colaborar também com a cultura do impresso e com as artes gráficas. Para o design gráfico, estudos como esse, podem também representar a busca por uma tradição na produção gráfica brasileira, muitas das vezes ignorada por não configurar-se em um cenário dito como oficial. Não obstante, pesquisas como essas podem ainda sugerir a necessidade de reeditar a história dos impressos no país, pois apesar de alguns autores já terem colocado o tema em discussão, pouco ainda se conhece sobre as atividades de impressão que antecedem à instalação da Imprensa Oficial no Brasil, em 1808. Além disso, a “oxigenação” desse tema, através de questões ligadas às praticas atuais – como o design gráfico ou tipográfico – pode revelar novos aspectos importantes para o desenvolvimento de um cenário artístico-cultural a cerca da produção gráfica no Brasil na contemporaneidade. Agradecimentos O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil Referências CAMPOS, Fernanda Maria Guedes de et al. A Casa Literária do Arco do Cego (1799-1801): bicentenário. Lisboa: Biblioteca Nacional-Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999. CUNHA, Lygia F. F. Uma raridade bibliográfica: o canto encomiástico de Diogo Pereira de Vasconcellos impresso pelo Padre José Joaquim Viegas de Menezes, em Vila Rica, 1806. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1986. FRIEIRO, Eduardo. O diabo na livraria do cônego. Belo Horizonte: Itatiaia, 1957. VEIGA, José Pedro Xavier da. A imprensa em Minas Geraes: (1807 – 1897). Ouro Preto: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1898.

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ISSN 2179-7374 Ano 2015 – V. 19 – No. 03

Para uma Introdução à História do Impresso no Brasil: o Caso do Padre José Joaquim Viegas de Menezes

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