Para uma leitura da arte de Paula Rêgo

August 24, 2017 | Autor: Stefano Valente | Categoria: Art History, Art, Portuguese Studies, Painting, Modernism, Visual Arts, Portugal, Paula Rego, Visual Arts, Portugal, Paula Rego
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Para uma leitura da arte de Paula Rêgo



O que é mais marcante da obra de Paula Rêgo (Lisboa, 1935) é o seu ser
alheia à arte contemporânea e aos movimentos actuais (nomeadamente o
movimento modernista), nos quais, contudo, boa parte da crítica a inclui.

Trata-se, possivelmente, da enorme importância que o desenho "realista" tem
para a artista: os traços dela inserem-se numa poética de naturalismo
expressionista – mas um realismo que sempre se origina da observação do
verdadeiro. (Declara a própria Paula Rêgo: «É tudo copiado à vista». E, com
humildade ou ironia, acrescenta: «Aprender a desenhar é muito importante.
Eu também não sei muito bem, mas estou a aprender».)





Os temas tratados pela pintora fazem ressaltar uma visão escandalosa da
sexualidade e da morte – assuntos que, com certeza, não são novos nem
produzem uma ruptura totalmente original. È provável, porém, que tenhamos
de relevar um outro elemento das representações por Paula Rêgo: a ausência
de normalidade, ou melhor, a normalidade que é a exploração, a análise do
limite extremo da personalidade femenina – que, o mais das vezes, coincide
com um estudo psicológico (ou até quase anatómico) da solidão da mulher. A
mulher quase sempre é representada consigo própria, imersa no abismo do
tédio (veja-se, por exemplo, Lush) – que é também o momento em que qualquer
crise, qualquer delírio, qualquer abandono pode acontecer.





A de Paula Rêgo é, no fundo, a cristalização do instantâneo: do tempo –
quotidianamente grotesco, hórrido ou cruel, ou apenas banal – em que
bailarinas, meninas (As Meninas, obra conjunta com a escritora Agustina
Bessa Luís – 2001), loucas, ou simplesmente mulheres adormecidas, contam as
suas histórias. Histórias sempre impiedosas – como é sem piedade,
inelutavilmente, qualquer destino humano.





Bem se compreende, portanto, como a artista portuguesa (mas também inglesa
– pois foi viver para Londres em 1951, e aí tem continuado os seus estudos)
se ponha muito às margens do chamado mainstream da arte contemporânea,
marcado pela perda de significado, e, ao contrário, se reinsera na linha da
grande tradição figurativa europeia e expressionista (com fortes
referências à pintura da República de Weimar).

Enfim, talvez a mensagem principal da pintora seja o do seu quadro
"kafkiano" Metamorphosis, em que as pernas abertas do homem-Gregor Samsa
deitado e nu (pernas iguais às de uma mulher que está a parir) comunicam-
nos a imensa dor de toda a mudança – exactamente de toda a metamórfose –
que é implícita em cada vivência humana.


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