Paraguai: A República Camponesa (1810-1865) de Mário Maestri

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Paraguai: A República Camponesa 1810-1865 de Mário Maestri Publica-se muito sobre a guerra do Paraguai, porém se conhece pouco sobre a formação social paraguaia. Atento a esta realidade e disposto a superá-la o historiador Mário Maestri, competente especialista em estudos sobre as origens da guerra do Paraguai, escreve Paraguai: A República Camponesa 1810-1865. Boa parte da historiografia que analisa os conflitos da bacia do Prata, no século XIX, empenha-se para examinar as disputas territoriais, os direitos de navegação fluvial, as questões diplomáticas, as batalhas épicas, até mesmo a biografia dos comandantes beligerantes, sendo breves e por vezes carregadas de estereótipos as econômicas análises sobre a sociedade paraguaia. Em 2014, lembra-se 150 anos do início do maior conflito militar da América Latina, no qual Brasil, Argentina e Uruguai, por seis longos anos, combateram contra o Paraguai. Na busca de uma compreensão mais refinada sobre as raízes seminais daquele cenário precisamos conhecer melhor o povo paraguaio, entender como foi o desenvolvimento da sua singular organização social na América, abreviada após a guerra grande (1864-1870). Dividido em cinco capítulos, Paraguai: A República Camponesa 1810-1865 aborda a sociedade paraguaia desde a época colonial, no século XVI, concentrando-se mais detidamente no século XIX. Destaca-se na obra de Maestri a análise sobre os chacareros, segmento social formado majoritariamente por mestiços de ameríndios, sobretudo guaranis, com colonos espanhois natos e crioulos, sendo proprietários de minifúndios produtores de gêneros agrícolas e da cria do gado, em uma rudimentar agricultura de subsistência. Elucida-se a relação desenvolvida entre a população paraguaia e a terra. A autonomia sobre a chácara e sobre a família criou laços culturais que são singulares na América do Sul e se diferenciam substancialmente do escravismo colonial brasileiro, onde, por exemplo, muito marginalmente os trabalhadores conseguiam a posse da terra, cultivavam chácaras e se formavam famílias de cativos. A conquista da independência paraguaia sobretudo em relação a Buenos Aires que, entre 1776-1810, fora capital do Vice-Reino do Prata do qual a província do Paraguai fazia parte, foi tema discutido com precisão na obra. As mercadorias importadas e exportadas do Paraguai deveriam necessariamente ser tarifadas no grande porto sul-americano, Buenos Aires, rota vital para acesso ao oceano. A independência paraguaia, declara em 1811, apenas na década de 1840 foi reconhecida por diversas nações, como o Brasil, a Argentina, a Inglaterra, etc. Uma independência forjada nos grandes congressos da pátria. A formação dos congressos republicanos, entre 18101814, com mais de mil deputados em grande parte representantes dos pequenos camponeses foi apropriadamente destacada como elemento fundamental para a consolidação da pequena propriedade no Paraguai, em detrimento dos setores realistas-espanholistas e liberais-portenhos. Congressos democráticos, pois certamente a população do país era inferior a 300 mil pessoas. Durante as deliberações na jovem nação, destacou-se o Doutor Francia, filho de pai brasileiro, de origem desconhecida, ele abraçou a causa de uma independência total em relação à Espanha e a Buenos Aires. Formado em Teologia, em Córdoba de Tucumán, advogado rábula, rousseaniano convicto, Francia defendeu com tenacidade os interesses dos pequenos e médios chacareros. Entre 1814 a 1840, no governo do ditador supremo José Gaspar Rodriguez de Francia, houve uma luta intransigente pela consolidação da independência paraguaia, que ensejou uma economia autosustentável com restritos contatos comerciais com as nações vizinhas. Naquele contexto, fortaleceram-se os setores minifundiários de camponeses arrendatários e proprietários que defendiam a soberania da pátria e a sua própria sobrevivência. O período áureo dos pequenos camponeses, liderados pelo Doutor Francia, consolidou a república camponesa do Paraguai. Na época, também ocorreu a expansão dos monopólios estatais da erva-mate, do tabaco e da madeira de construção; a reorganização do Exército, uma exigência dos camponeses que não queriam deixar suas propriedades para combater em batalhas, e a expropriação de propriedades dos inimigos da independência, sobretudo dos espanhois, dos crioulos e da Igreja católica, então nacionalizada. Atento as especificidades dos conceitos, Mário Maestri disserta sobre o sentido do título ditador que Francia recebera, pois atualmente esta palavra tem acepção antidemocrática. No entanto, Francia fora democraticamente eleito Ditador com poderes

discricionários, perante maioria do eleitorado rural. O autor menciona os fatos e os interpreta a luz de uma apurada reflexão condizente com a sua experiência na produção de dezenas de livros de história. Suas principais fontes foram relatos de viajantes, além de uma refinada análise na historiografia especialista no tema. O período de governo da Carlos Antonio López (1844-1862) e os primeiros anos Francisco Solano López no poder também foram sagazmente detalhados no livro de Maestri. Nesse ponto já estamos nos aproximando do início da guerra grande. No governo de Carlos Antonio López ocorreu uma mudança de sentido da política paraguaia. No período Lopez I, assim como no Paraguai colonial, os comerciantes de Assunção, a igreja católica e os estancieiros tiveram maior representação social e política, em um processo tendencialmente restauracionista. O movimento de Carlos Antonio López para se relacionar mais intensamente com outras nações ocorreu sobretudo devido ao retorno do Império ao Prata e o isolamento da Argentina, ferrenha opositora de um Paraguai independente. Mário Maestri destaca erros estratégicos, ou no mínimo falta de visão estratégica, dos dirigentes paraguaios comandados pela família López. Primeiro na operação de 1845 contra Buenos Aires, quando as tropas comandadas pelo jovem Francisco Solano López não se acertaram com as províncias argentinas aliadas de Corrientes e Entre Rios; segundo, em 1852, na batalha de monte Caseros contra Rosas, de Buenos Aires, o Paraguai teve divergências com os aliados Império do Brasil e as referidas províncias Argentinas e não participara da derrota do seu tenaz impugnador da independência; terceiro, Francisco Solano López ajudou a província de Buenos Aires a ganhar tempo para vencer as forças da Confederação (províncias argentinas do interior), ao arbitrar as questões diplomáticas entre os estados argentinos, em 1859. Em 1861 ocorreu a reunificação argentina, após a batalha de Pavón, com o general Mitre. A abertura do Paraguai ao comércio internacional foi acompanhada de investimentos na infraestrutura civil e militar. Construiu-se estrada de ferro, fábricas de ferro (Ibicuy), pólvora e salitre. Tais medidas se tornaram viáveis, sobretudo após o aumento das receitas do Estado com as expropriações dos povos indígenas. Em 1848, Carlos Antonio López encampou 21 “pueblos de indios”, significativa área de terras e produção pecuária, concedendo aos nativos o simbólico título de cidadão da república, iniciando movimento de espanholização das comunidades guaranis. A viagem diplomática a Europa comandada pelo general, primogênito do presidente Carlos Antonio López, Francisco Solano López também foi trabalhada pelo autor. A questão Water Wich com os Estados Unidos da América e a expedição Pedro Ferreira de Oliveira, com o Império do Brasil, na primeira metade da década de 1850, dimensiona a atração que a pequena nação paraguaia despertava nos países de política expansionista da época. Mário Maestri analisa também a forma de entronização de Francisco Solano López na presidência do Paraguai. Haviam segmentos que se opunham a manutenção da família López na república paraguaia, ou então eram a favor de um de seus irmãos, Benigno e Venâncio, este acusado de conspiração. O autor sustenta que a tradicional historiografia paraguaia, em geral, foi dura com o Doutor Francia e elogiosa com Carlos Antonio López. A riqueza da família López não mereceu a mesma atenção. Analisa-se também o mito de que Benigno López seria o próximo indicado a ser presidente, em detrimento a Francisco Solano López, sempre mais ligado à política estatal que seu irmão. Seria injusto definir Paraguai: A República Camponesa 1810-1865 como apenas uma contribuição significativa à historiografia sobre a guerra do Paraguai. Vai muito mais longe. Com um texto elegante e agradável, Mário Maestri conduz o leitor a refletir e a entender a sociedade paraguaia. A variedade e a riqueza de fontes rigorosamente interpretadas revela uma erudita investigação. Quem deseja entender o maior conflito da América Latina está convidado a acompanhar a excelente narrativa crítica de Mário Maestri. Fabiano Barcellos Teixeira Doutorando em História pela Universidade de Passo Fundo-RS

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