Paraiso em chamas: Construção midiática do movimento Blackmetal norueguês.

July 24, 2017 | Autor: Gabriel Carven | Categoria: Journalism, Heavy metals, Journalism And Mass communication, Heavy Metal Music, Blackmetal
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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 9º. Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo (Rio de Janeiro, ECO- Universidade Federal do Rio de Janeiro), novembro de 2011

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Paraíso em chamas: Construção midiática do movimento Black Metal na Noruega. Gabriel Ferreira Carvalho 1

Resumo: Recentemente é noticia o ataque sofrido pela Noruega. Neste mesmo país, no início da década de noventa, igrejas foram queimadas e muito foi noticiado sobre os acontecimentos. O uso de referências “nazistas” foi amplamente utilizado pela mídia em questão, para referenciar os acontecimentos gerados por grupos ligados a música, o Black Metal. Na época a grande mídia (tradicional) apenas noticiava os acontecimentos, enquanto Fan-zines conseguiam entrevistas com os causadores dos ataques. Considera-se aqui a linguagem e o discurso do jornalismo como instrumentos de construção de uma realidade que é multifacetada. Na atualidade blogs e sites tomaram o espaço que era do Fan-Zine, de informativo contracultural, ou alternativo à grande mídia. Este artigo analisa o caso “Inner Circle”, em texto e vídeo documentários principalmente, norueguês pela ótica da divulgação midiática, imprensa tradicional e alternativa. Palavras-chave: Noruega; Mídia; Varg Vikernes; Jornalismo; Discurso.

1. Introdução: Noruega e Mídia. No Brasil a Noruega é mais conhecida pelo bacalhau e pela tradição em vitórias em cima da seleção brasileira de futebol. Situada no extremo norte da Europa ocidental divide fronteira com a Suécia e com a Finlândia, chamados países Escandinavos ou nórdicos. Na década de 90 o país ficou mais conhecido pelo estilo musical chamado de Black Metal. Segundo nota publicada no site de noticias “negodito” este fenômeno musical é tão conhecido pelo mundo que a Noruega possui cursos para embaixador se especializar no assunto, apenas para responder perguntas sobre o Black Metal enquanto música e 1

Bacharel em Comunicação Social- habilitação jornalismo e Mestrando em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta grossa.

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cultura e os acontecimentos gerados pelo movimento intitulado de Inner Circle, ou “Circulo Interno”. Segundo o site de noticias o governo norueguês oferece aulas sobre Black Metal para os diplomatas residentes no país. Kjersti Sommerset, representante do Ministério do Exterior, afirma, na entrevista divulgada pelo site, que as aulas visam dar maiores subsídios para que os representantes de países estrangeiros possam entender o que significa o Black Metal para o povo norueguês. Em entrevistas concedidas a produção do vídeo-documentário “Ruido das Minas” aparecem depoimentos de bandas que afirmam que uma das principais influências da cena black metal norueguesa foi o grupo brasileiro, de Minas Gerais, Sarcófago, que no final dos anos 80 lançou álbuns que serviram de base para a sonoridade desenvolvida por alguns dos maiores ícones do Black Metal, especificamente o disco INRI, de 1987. Na Noruega, a partir do final dos anos 80 e até meados dos anos 90, oito igrejas foram incendiadas, e um bombeiro morreu durante um desses incêndios. Varg Vikernes, que na época tinha 20 anos, era o único membro da banda de Black Metal Burzum e o maior suspeito destes incêndios. Conhecido como Coutn Grishnacht, foi condenado a 21 anos de prisão (não apenas por queimar igrejas). Na época a polícia começou a investigar grupos ligados ao estilo musical e que possuíam ideias politico-culturais assumidas anti-cristãs. Grupos como Satanic Terrorists e Devil Worshippers, os quais eram presididos por Arseth Oystein, também conhecido por Euronymous, membro da banda de Black Metal Mayhem e dono da loja de discos e gravadora Helvete. (MOYNIHAN, MICHEAL; DIDRIK SODERLIND, 1998). Em uma das entrevistas concedidas ao Fan-zine norueguês “Slayer Magazine”, um dos membros do Inner Circle e membro da banda Emperor, Faust, afirmava: “Algumas coisas aconteceram, outras não, as bandas velhas falavam de igrejas em chamas – as bandas de hoje põem fogo nelas”. (KRISTIANSEN, 2011). A época Euronymous, com 25 anos, era a figura mais visada na dita cena Black Metal, principalmente por ser o dono da loja de discos e também do selo de distribuição de bandas o “Deathlike Silence”. A Helvete era a única loja que vendia discos de Heavy Metal na cidade. Varg Vikernes, que era acusado de incendiar as igrejas estava ainda em liberdade, chegou a integrar a banda Mayhem e, ao lado de Euronymous, eram os grandes nomes da cena underground norueguesa.

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Após o lançamento do primeiro opus de sua banda, o Burzum, Varg Vikernes passa a ter alguns desentendimentos com o dono da loja de discos. Varg Vikernes foi condenado a 21 anos de prisão pelo assassinato de Oystein Aarseth (Euronymous) em agosto de 1993. “Duas facadas na cabeça, cinco no pescoço e 16 facadas nas costas, foram um total de 23 facadas deferidas contra o guitarrista da banda Mayhem, no dia 10 de agosto de 1993 Varg dirigiu-se até o flat de Euronymous em Oslo. Uma briga começou e Euronymous foi apunhalado até morrer. Há rumores de que Euronymous planejava matar Varg Vikernes, e por isso este o matou”. (Video-Reportagem, Det Svarte Alvor, 1994).

Em março de 1993 a revista inglesa, kerrang!, uma das mais importantes revistas de musica da época, publicou em capa e matéria de 6 páginas, o que chamou de investigação sobre o lado “feio” do movimento black metal. Na capa estourava uma foto de Varg Vikernes empunhando facas e armas e foto da banda Emperor. Segundo entrevista de Faust e Varg Vikernes para o Vídeo-documentário Until the Light take us a matéria da revista Kerrang! Induzia o publico a crer que se tratava de um movimento satanista, o que nunca aconteceu, construindo uma realidade paralela a do movimento. Com a exaustiva cobertura midiática criou-se um movimento totalmente diferente do que era, “um movimento onde adolescentes de 15 anos queimavam igrejas e pixavam símbolos satânicos por acharem que era disso que se tratava, a mídia construiu um movimento que não existia”. (VARG VIKERNES, 2008)2. O vídeo-documentário Until the light takes us conta com entrevistas de vários membros do movimento Black Metal norueguês. Contem falas onde, por exemplo, Kristoffer Rygg, da banda Ulver, afirma ser nauseante ver a “beleza” de algumas culturas especificas serem contaminadas por determinadas facetas de outras não tão belas assim. Mas, o mesmo, coloca que acredita ser parte de um processo no caminho para o retorno a uma fonte primitiva. A produção áudio visual deixa claro algumas posições dos membros deste movimento, ao transparecer nas entrevistas que se trata de um retorno, um resgate da tradicional cultura pagã nórdica, uma identificação com a religião ancestral. A religião de Odin. Varg Vikernes (1998) relata que noruegueses não são cristãos. E que as igrejas que foram queimadas o foram por terem sido erguidas em cima de solos 2

As falas de Varg Vikernes e outros músicos, findando referencias, foram retiradas de entrevistas contidas nos vídeo-documentários analisados e referenciados durante o paper e não constam como Bibliografia de Referência.

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onde haviam antigos círculos de rituais pagãos. “Os cristãos não tiveram nenhum respeito com a cultura norueguesa, porque então o povo norueguês deveria respeitar os cristãos?” (VIKERNES, 1998). É frequente nos vide documentários sobre o assunto os entrevistados afirmarem que os jornalistas modificam o conteúdo de suas entrevistas e constroem suas falas em um contexto ao qual a fala fica deslocada. Em fala ao documentário, Until the light takes us, Vikernes afirma que as suas falas não foram simplesmente recortadas, o que aconteceu foi que o jornalista ao qual ele concedeu a entrevista foi até a policia local e o entregou. Após o ocorrido ele foi preso e o jornalista que o entregou passou a ser a fonte oficial de suas falas, onde todos os demais jornais, entrevistam o jornalista ao invés de falar com a fonte primária. O importante da relação estrutural entre a mídia e os definidores primários institucionais é que permite aos definidores institucionais estabelecer a definição ou interpretação primária do tópico em questão. Então esta interpretação „comanda a ação‟ em todo o tratamento subsequente e impõe os termos de referência que nortearão todas as futuras coberturas ou debates" (HALL et al., 1993, p.230 APUD VIZEU, p07, 2003).

Algo único também nos registros audiovisuais sobre o movimento da década de 90 é o fato de em todos ficar claro que os entrevistados defendem uma Noruega não cristã. Em uma fala de Vikernes ele utiliza a queima da biblioteca de Alexandria, como exemplo, para justificar a falta de registros sobre culturas da antiguidade. “Vemos mais poluição hoje do que anteriormente, claro que podem ter havido períodos piores, mas não sabemos, os cristãos queimaram os registros que nos diriam isso, como ao queimarem a biblioteca de Alexandria. Em todo lugar que católicos, protestantes, cristãos, chegaram a cultura foi destruída. Eles arruinaram essa cultura, destruíram, queimaram todos os registros destas culturas. Isto inclui as culturas européias, africanas, Asiáticas, americanas. O cristianismo é a raiz de todos os problemas do mundo moderno.”(VIKERNES, 1998)

Em 1998 foi publicado o livro Lords of Chaos: The Bloody Rise of the Satanic Metal Underground do jornalista norte americano Michael Moynihan e do norueguês Didrik Soderlind. Eles exploram no livro os acontecimentos através do que foi publicado pela mídia norueguesa, da queima de igrejas, do Inner Circle e o movimento Black

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Metal. O livro agora se encontra em projeto para se tornar filme, nas mãos do diretor japonês Sion Sono. Em entrevista concedida ao jornalista Pal Nordseth do Site Dagbladet.no, Satyr, da banda Satyricon, e um dos participantes do movimento da década de 90, afirmou: “Agora que o foco no black metal finalmente voltou-se para a música em si, o jornalismo de fofocas no formato de um livro será transformado em um filme. Visto que 'Lords of Chaos' é um livro incrivelmente ruim, eu apenas posso presumir que o filme será tão ruim quanto. É triste que uma história tão inexata, escrita por alguém que não entende o black metal, seja transformada como livro de referência. E é triste que alguém deseja ir tão longe para tirar proveito da história do black metal." (Satyr, 2008)

Tanto nos vide documentários quanto nas entrevistas a sites, fan-zines, os membros deste movimento mostram que o evento conhecido foi assim definido através da construção midiática, os jornalistas moldaram o evento e o transformaram no que ele foi conhecido, compondo os aspectos da construção social daquela realidade. “Os fatos constituem um imenso universo de matéria-prima; a estratificação desse recurso consiste na seleção do que irá ser tratado, ou seja, na escolha do que se julga matéria-prima digna de adquirir existência pública de notícia, ser noticiável, ter noticiabilidade”. (VIZEU, p07, 2003) Em um pronunciamento postado no site Burzum.org em 2004, Varg Vikernes falou sobre o livro Lord of Chaos e afirmou que a maioria das declarações feitas no livro foram mal interpretadas pelos jornalistas, os quais as colocaram fora de contexto. Ele acrescentou, ainda, neste pronunciamento do site: “Este livro serve apenas para um único propósito, que é o de criar um mito ao redor do meu nome e me mistificar. Se esse era o objetivo deles eles de fato tiveram sucesso com seu trabalho”. (VIKERNES, 2004). O estudo deste caso especifico norueguês recai sobre teorias construcionistas e estruturalistas do jornalismo. Onde a construção e utilização do discurso jornalístico pode criar realidades, reafirmar ideologias. Neste artigo e estudo deste caso, deu-se foco ao jornalismo como construtor da realidade social.

2. Aporte Teórico Dos Contextos.

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O mundo atual é permeado por relações mediadas e é, também, revelado (quase que exclusivamente) através dos meios de comunicação (KELLNER, 2001). Quer dizer, precisamos elevar nossas discussões ao entendimento dos processos sofisticados que perpassam a comunicação, pois, assim, tem-se métodos mais eficazes para superação de cadeias de simples consumo, os mesmos, que criam o sistema entrópico de sustentação da sociedade. Ao tratar a sociedade atual como da cultura midiática em Kellner, Comasseto e Souza vão escrever:

Tudo é feito para impressionar e vender, é transformado em mega-evento, do escândalo das celebridades às guerras arquitetadas sob as lentes das câmeras e transmitidas pelos canais de jornalismo em tempo integral. Estamos tão acostumados ao espetáculo que nossa atenção já não responde a estímulos que não se caracterizem como tal. As corporações da mídia e os gigantes do mercado sabem disso melhor que ninguém, mas também sabem os governos, os atores da política e os protagonistas dos movimentos contrários à hegemonia dominante, que mais sobressaem pelo inusitado de suas ações e pela publicidade que lhes é dada que pelas próprias causas que querem levar a efeito. Estas, aliás, parecem desaparecer, fazer cada vez menos sentido, num mundo que só responde pelo trágico, pelo chocante, pelo maravilhoso que enche os olhos do espectador, mesmo quando à custa de milhares de vidas. (2006. P. 246)

Com isto pode-se entender a necessidade de se incorporar noções sobre os processos midiáticos de construção social da realidade a compreensão da construção cultural dos povos contemporâneos. Através da compreensão da instrumentalização da mídia, elevar-se-á a consciência cidadã, onde o constructo de eventos elevados a categoria de show, e\ou mega evento não mais satisfaça anseios sociais e culturológicos. Outra característica importante da mídia relacionada a esse aspecto é a possível exclusão, pelo debate público, de temas não retratados pelos meios. Têm mais chance de serem noticiáveis, portanto, os fatos que já se mostram presentes em um possível agendamento temático. Conhecida como teoria da agenda-setting, o estudo proposto por McCombs e Shaw em 1972 estabelece ainda que, em decorrência da escolha do que é notícia pelos jornalistas e da ausência de um repertório que garanta o conhecimento sobre diversos assuntos, o público tem sua percepção da realidade social construída, em grande medida, pelos meios de comunicação de massa. A linguagem jornalística torna-se a padronizadora ou encarregada de normalizar

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a sociedade, é ela que traz em si modos de amenizar um possível caos social. Esta vai corresponder a uma ideologia de um grupo e vai atribuir visibilidade, ou apresentar suas ideias através da mídia, ela torna‐se a ideologia dominante, o grupo que tem o poder sobre a informação. O poder da mídia, estaria, então, em fornecer temas que compõem o debate dos cidadãos, mostrar o que a sociedade deve, ou não, discutir. Além disto, deve, também, apresentá-las como se a definição tivesse acontecido baseado em critérios de noticiabilidade e que teria "a verdade" como princípio. Marcondes Filho (1989) relata que através da produção jornalística grupos e indivíduos encontram formas de afirmar publicamente opiniões e informações que julgam competentes para dar forma a posições pessoais e de classe. Ainda nos dias de hoje um dos fatores de credibilidade da produção jornalística é a dita objetividade e neutralidade na construção de noticias ou narração do recorte da realidade. Adelmo Genro Filho (1989) fala que esta (objetividade) esconde uma ideologia com o objetivo de reproduzir e confirmar as relações capitalistas. Para Genro Filho a “ideologia da subjetividade” do jornalismo esconde uma nova modalidade de sociedade, a do conhecimento, sempre ligada ao capitalismo no decorrer da história e que agora tem um potencial que o ultrapassa. A ideologia se apresenta através do discurso. Ele pretende coincidir com as coisas, ou seja, tenta unificar o pensamento, a linguagem e a realidade para obter a identificação de todos os sujeitos, formando uma imagem universalizada. Este tipo de discurso é denominado, por Chauí (1980), de discurso competente. O discurso competente pode existir em qualquer classe social, basta que os atores tenham prestígio e capacidade de convencimento dos outros sujeitos existentes no processo. Para entender melhor a criação deste discurso é preciso referi-lo a um processo histórico: a burocratização/organização. Dentro da organização se tem a impressão de que ninguém exerce o poder porque “este emana da racionalidade imanente do mundo organizado ou, se preferirmos, da competência dos cargos e funções que, por acaso, estão ocupados por homens determinados” (CHAUÍ, 1980, p. 10). Com a burocratização, a ideologia converteu-se em discurso anônimo e impessoal, ou seja, deslocou-se dos atores sociais legalmente reconhecidos para falar.

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Tentar instituir a ideologia a partir de uma instituição genérica, sem sujeitos, lugar e tempo determinados, facilita o convencimento de que o sujeito social não é capaz de entender o mundo a partir de suas próprias ideias. Charaudeau (2006), vai mapear algumas questões, as quais, problematizam o papel do discurso das mídias jornalísticas na formação da opinião pública. Pelos quais perpassam a (des)construção do que é informar, estratégias de encenação da informação, gêneros do discurso de informação e o debate sobre a capacidade de manipulação ou não das mídias sobre a opinião pública. Ainda para Charaudeau (2006) o discurso se volta a outro fim além das regras normativas de uso da língua. Segundo ele o discurso provém da combinação de circunstâncias. O que se fala e o que se escreve com o modo pelo qual se fala. O autor divide ainda 3 tipos de lógica que orientam as produções midiáticas. A Lógica Econômica que trata do jornal enquanto empresa, a Lógica Tecnológica responsável pela qualidade de transmissão das mensagens e a Lógica Simbólica que é onde vai se construir as estratégias discursivas. Para Charadeau (2006) o universo da informação midiática é, portanto, efetivamente um universo construído. Não se configura a partir de reflexos do espaço público, como se afirma, mas no resultado de uma construção. A transmissão dos fatos nunca é realizada em sua totalidade, ou no modo como ocorre. Pois, anteriormente ao processo de transmissão ela sofre racionalizações, através dos critérios de noticiabilidade atribuídos pelos atores produtores. O momento midiático impõe ao cidadão a visão de mundo que foi previamente articulada e apresentada como se fosse, esta, a visão natural do mundo. Para Foucault (2006) por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo sua ligação com o desejo e com o poder. E Charaudeau (2006) pode ainda complementar ao afirmar que as mídias não constituem um poder, mas participam do jogo complexo do poder, na condição de lugar de saber e de mediação social indispensável à constituição de uma consciência cidadã. As relações são mediadas e entender estes processos são ferramentas para busca de teorias e práxis que possam dar conta de compreender estas relações. Assim como afirma Zerzan (1994) ao inferir que a autenticidade humana estaria nos instintos e busca-se, de certa forma, um modelo nos modos de vida primitivos. Mas a ação suposta-

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mente instintiva, que visa o desejo natural, não nos torna imunes à influência de racionalidades (econômica, politica, instrumental) e de uma cultura internalizada. O caso especifico da construção midiática sobre os acontecimentos na Noruega na década de 90 podem dar pistas, ou, servir como exemplo de como a realidade de sentidos é construída através dos instrumentos midiáticos.

3. Métodos. Em primeiro momento para confecção deste paper foi realizado análise documental, foram mais de 12 Fan-zines impressos de acervo pessoal do autor. Para contextualização dos eventos da época. Além do levantamento de entrevistas e reportagens ainda existentes em sites e blogs pela internet. O grosso da pesquisa se deu na analise de vídeo documentários produzidos sobre a cena underground norueguesa. Incluindo vídeo julgamento de Varg Vikernes, Det Svarte Alvor (1994), foram analisados seis obras, produzidas entre 1994 e 2008. São elas Satan rir Media|Satan Rides the Media (1998), Norsk Black Metal (2003), True Norwegian Black Metal – VBS Production (2007), Once Upon a Time in Norway (2008), Pure Fucking Mayhem (2008), Until The Light Takes Us (2008). O método utilizado foi da analise de conteúdo. Martin Bauer (2003) elenca várias vantagens nesse processo. Segundo o autor, a utilização de métodos como a análise de conteúdo permite ao pesquisador fazer inferências a partir de um texto para o contexto social, de maneira objetivada. Além disso, possibilita trabalhar com grande quantidade de material empírico. No que se refere especificamente ao seu emprego nas pesquisas em jornalismo, Herscovitz (2007) também ressalta que a análise de conteúdo pode ser utilizada para detectar tendências e modelos na análise dos critérios de noticiabilidade, enquadramentos e agendamentos.

4. Considerações.

Esta pesquisa aparece aqui ainda de forma inicial, portanto não da conta de explicar, ou ainda, fazer maiores inferências sobre a influência da produção midiática nestes contextos abordados.

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O que pode ser percebido ao olhar todos os vídeo documentários é que o conteúdo é relativamente o mesmo. Claro que são focos diferenciados abordados em cada um, mas a essência das entrevistas e linhas narrativas são muito semelhantes e muito próximas. O conteúdo principal é a tentativa da desmistificação do movimento da década de 90. A tentativa e o esforço maior das produções do ano 2000 em diante é desfazer a imagem que havia sido anteriormente construída pela mídia. E reconstruir esta imagem de forma, agora, mais madura, tanto pelos veículos de mídia, quanto pelos atores sociais e midiáticos envolvidos. Em olhar sobre matérias veiculadas tanto na imprensa televisiva, quanto, na escrita da década de 90, é notado como os meios de comunicação de fato construíram o movimento, que de acordo com os atores do mesmo, nunca existiu da forma como foi passado. O jornalismo, como representante social e legitimador do discurso, consegue construir realidades, e dotá-las de sentido. O que resta são dúvidas de, se nos dias de hoje, tais realidades ainda podem ser construídas. A utilização de ferramentas como o Twitter, parecem dificultar processos do jornalismo enquanto construção social da realidade e, isto será analisado no decorrer da pesquisa.

Referências BAUER, Martin. Análise de Conteúdo Clássica: Uma Revisão. In BAUER, M. & GASKEL, George. Pesquisa Qualitativa Com Texto, Imagem e Som. Editora Vozes: Petrópolis – RJ, 2003. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto. 2006. CHAUÍ, Marilena de Souza. Cultura e Democracia – O discurso competente e outras falas. 5ª Ed. São Paulo: Cortes, 1990. COMASSETO, Leandro Ramires. SOUZA, Jean Carlis. Reflexões sobre a comunicação numa sociedade desigual. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Vol. VIII, n. 2, mayo – ago. 2006. Disponivel em: Acesso em: 22 junho de 2011. FAUSTO NETO, Antônio. Mutações nos discursos jornalísticos: da construção da realidade à realidade da construção. In:FILIPPI, Ângela; SOSTER, Demétrio de Aseredo; ICCININ, Fabiana. (Orgs). Edição em jornalismo: ensino, teoria e prática. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2006. FOUCAULT, Michel (1970). A ordem do discurso. 13ª edição. Leituras Filosóficas. São Paulo: ed. Loyola, 2006.

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GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre, Tchê, 1987. HERSCOVITZ, Heloíza Golbspan. Análise de Conteúdo em Jornalismo. In: LAGO & BENETTI. Metodologia de Pesquisa em Jornalismo. Editora Vozes: Petrópolis-RJ, 2007 KELLNER, D. A cultura da mídia: estudos. Bauru, SP: EDUSC, 2001 KRISTIANSEN, Jon. Metalion: The Slayer Mag Diaries. Bazillion Points, 2011 MARCONDES FILHO, Ciro. O Capital da Notícia. Ática, 1989. MOYNIHAN, Micheal; DIDRIK, Soderlind. Lords of Chaos: The Bloody Rise of the Satanic Metal Underground. Feral House, 1Ed. 1998. VIZEU, Alfredo. O jornalismo e as teorias intermediarias: cultura profissional, rotinas de trabalho, constrangimentos organizacionais e as perspectivas da Análise do Discurso. Disponível em: Acesso em 30 de Julho de 2011. ZERZAN, John. Future Primitive: And other essays. Disponível em: Acesso em: 12 abril 2011.

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