Parcerias e estratégias de produção na construção de edifícios

June 24, 2017 | Autor: S. Burattino Melhado | Categoria: Building Construction, Production Process, Industrial Production
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PARCERIAS E ESTRATÉGIAS DE PRODUÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS Márcio Minto Fabricio Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia de Construção Civil telefone: (011) 818-5422. e-mail: [email protected]

Fred Borges da Silva Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia de Construção Civil telefone : (011) 818-5422. e-mail: [email protected]

Silvio Burrattino Melhado Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Departamento de Engenharia de Construção Civil e-mail : [email protected] Av. Prof. Almeida Prado, trav. 1, no. 271 - São Paulo-SP - 05508-900 ABSTRACT: This paper presents a research which has the main objective of investigating the partnering relationship between construction companies and its suppliers as a strategic action to improve the global efficiency of the production process. For that purpose, firstly a theoretical investigation was done in order to highlight partnering concepts in contemporary industry environment. Secondly, complementing the research, it is presented a study case in a large Brazilian building construction company that develops a wide politic of partnering with its main suppliers. The advantages and disadvantages of these partnering are also discussed. KEYWORDS: building industry, production strategy, partnering relationship RESUMO: O presente trabalho investiga o estabelecimento de parcerias entre construtoras e seus fornecedores, como forma de ampliar a eficiência global do processo de construção. Para tanto, é realizada uma investigação teórica sobre o significado, as modalidades e os resultados das relações de parceria na indústria contemporânea. Complementando o trabalho, é apresentado um estudo de caso em uma grande empresa construtora e incorporadora de edifícios que desenvolve uma política ampla de parcerias com os seus diversos fornecedores e são analisadas as vantagens e limitações destas parcerias. PALAVRAS CHAVES: construção de edifícios, estratégias de produção, relações de parceria

1. INTRODUÇÃO O setor de construção de edifícios vem passando por profundas evoluções, em um mercado extremamente competitivo e exigente, no qual a qualidade e a produtividade são variáveis estratégicas à sobrevivência e à prosperidade das empresas. Pode-se verificar que muitas empresas de construção têm se voltado para suas práticas internas e vêm buscando controlar e incrementar seus processos. Percebe-se no setor um crescente movimento de implantação de Sistemas de Gestão da Qualidade como forma de controlar os processos produtivos e garantir a qualidade de seus produtos. Neste movimento pela qualidade, é cada vez maior o número de construtoras que buscam obter certificados de qualidade ISO 9002 ou 9001 (atualmente já existem mais de 20 construtoras no país certificadas ISO 9002 e duas certificas ISO 9001). Particularmente no estado de São Paulo, existe o QUALIHAB que constitui uma modalidade de certificação evolutiva (com 4 níveis de exigência) específica para o setor de construção e que vêm sendo exigida pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, subordinada ao governo estadual) para contratação de construtoras que realizam as obras habitacionais promovidas por este órgão que, nos últimos anos, envolveram um volume de 120 mil unidades habitacionais contratadas. Atualmente, existem no estado de São Paulo mais de 200 construtoras engajadas na obtenção evolutiva do certificado QUALIHAB. Apesar desse intenso movimento pela qualidade que começa a contagiar algumas construtoras, o processo produtivo na construção de edifícios é caracterizado pela intervenção de inúmeros agentes com responsabilidades parciais mas conexas sobre o empreendimento. Assim, como nos outros setores industriais, parte significativa do valor agregado ao produto final é desenvolvido por terceiros – fornecedores –; e organizar essa rede de suprimentos de forma à atender as necessidades dos processos de “montagem” final do produto é uma tarefa complexa, como em qualquer sistema de produção. Com essa configuração produtiva, quaisquer iniciativas em direção a melhoria da qualidade e redução de custos do produto final (edifício) devem necessariamente considerar os múltiplos intervenientes na cadeia de produção do setor. Assim, é lógico e necessário que os programas de gestão e certificação da qualidade que focam, num primeiro momento, as mudanças internas às empresas, rumo ao maior controle e à busca de um processo de melhoria contínua, desenvolvam-se em direção à Gestão do Processo como um todo, envolvendo cada vez mais os agentes externos à construtora (figura 1) e colocando a formação de parcerias e a busca de sinergia com os

fornecedores como elo essencial para se alcançar uma qualidade e produtividade superior. fornecedores

Controle da Qualidade

Limites da Empresa

Garantia da Qualidade e melhoria contínua dos processos da empresa

Gestão por Processo envolvedo fornecedores e clientes – Qualidade além dos limites da

clientes

Figura 1. Ampliação dos objetivos e ações rumo a Gestão da Qualidade Para tratar a problemática das parcerias na construção de edifícios, o presente trabalho busca definir e caracterizar as diferentes formas de parcerias na indústria contemporânea e explorar as dificuldades e potencialidades destas no ambiente setorial da construção.

2. ESTRATÉGIAS DE OBTENÇÃO DOS INSUMOS Na indústria contemporânea, a aproximação entre empresas através da formação de parcerias, alianças estratégicas, etc. é uma tendência inquestionável. A indústria (particularmente inspirada pela automobilística) desenvolveu e utilizou, ao longo do século, algumas estratégias já tradicionais para lidar com a sua rede de fornecimentos, conforme detalham WOMACK et. al. (1990): ƒ

uma primeira estratégia consiste em selecionar fornecedores independentes, através de concorrências de preço, para o fornecimento dos materiais e componentes com determinados padrões, especificações e normalização a serem atendidos. Essa é a estratégia predominante na construção de edifícios (ver item 3) e tem a vantagem de dotar a empresa de grande flexibilidade, na medida em que os custos e as responsabilidades pela produção são rateados entre várias empresas e as flutuações no volume de produção são imediatamente refletidas nos volumes de compra. As críticas a esta estratégia recaem sobre os resultados pobres em termos de coordenação entre os produtos e serviços fornecidos e a pequena sinergia entre os processos dos fornecedores e das empresas clientes;

ƒ

uma estratégia antagônica à primeira foi desenvolvida por Henry Ford, no início do século; a de realizar dentro da própria empresa todos os componentes necessários a sua linha de produção,

de forma que a empresa controle o maior número possível de etapas da cadeia produtiva. Além dessa estratégia ser viável apenas para grandes empresas com significativas escalas de produção e condições de assumir os investimentos financeiros, uma série de outros inconvenientes vêm da dificuldade em organizar, coordenar, gerir, manter milhares de pessoas envolvidas e numerosos equipamentos; ƒ

Uma solução derivada da estratégia de verticalização anterior foi desenvolvida pela GM de Alfred Sloan, nos anos 20: a criação de divisões decentralizadas dentro da própria companhia para realizar os insumos, buscando a criação de centros de lucro independentes de forma que se pudesse impor a eficiência e a competitividade de mercado às várias divisões, coordenadas pela empresa central; persistem, porém, a necessidade de grandes investimentos e uma pequena flexibilidade , como na alternativa anterior.

O primeiro problema das estratégias anteriores está na radicalização da política para obtenção dos insumos, de forma que, ou se tem flexibilidade às custas de um precário domínio e pequena possibilidade de interferência nos processos de geração dos insumos (comprados segundo determinadas especificações, mas pelo menor preço), ou se tem um grande poder de controle dos processos de fabricação dos insumos mas, em contrapartida, exige-se uma grande corporação cuidando e investindo na produção e pouca flexibilidade. Nessas estratégias, têm-se pequena abertura para o diálogo e cooperação com os fornecedores independentemente de serem fornecedores internos ou externos à empresa. A necessidade de se estabelecer uma relação mais evoluída (de parceria) com os fornecedores é inerente às principais referências teóricas que vêm pautando as mudanças empresariais e industriais, dos pontos de vista estratégicos e operacionais nos últimos anos; dentre as quais pode-se destacar, segundo MERLI (1994): • Gestão da Qualidade Total - filosofia / estratégia empresarial de origem japonesa; • Cadeia de Valores - estratégia empresarial e de concorrência; • Engenharia Simultânea - maneira de conceber e desenvolver produtos integrados aos processos; • Just-in-Time - estratégia de gestão da produção e dos fluxos. Na tabela 1 são apresentadas algumas das principais conexões que evidenciam o papel das parcerias frente às várias correntes de modernização empresariais e industriais/operacionais listadas anteriormente.

Estratégias Empresariais

Tabela 1. Correntes de modernização empresarial e operacional e as parcerias com os fornecedores Gestão da Qualidade:

Cadeia de Valores:

Se o papel dos fornecedores já era bastante

Segundo a visão de cadeia de valores de Michael

valorizado na primeira fase do movimento da

PORTER (1989), a rentabilidade de uma empresa está

qualidade – Controle da Qualidade; com a

atrelada a cinco forças competitivas: rivalidade entre os

evolução

tem-se

competidores, ameaça de entrada de novos concorrentes,

valorizado, crescentemente, o papel de todos os

poder de negociação dos compradores, ameaça de

envolvidos na cadeia produtiva numa estratégia -

produtos substitutos e poder de negociação dos

Group Wide Quality Control - que vincula a

fornecedores. Assim, o sucesso competitivo de uma

satisfação do cliente (interno e externo) às

empresa depende dos resultados de sua cadeia de valores

contribuições parciais dos vários participantes

envolvendo as atividades desenvolvidas interna e

engajados nas empresas envolvidas no processo

externamente à empresa. Neste contexto, o autor

produtivo.

esclarece que uma empresa perfeita, colocada numa

da

filosofia

da

qualidade

Assim, pode-se colocar a satisfação dos clientes e, portanto, a qualidade como atreladas aos resultados globais alcançados no planejamento, projetos, produção, comercialização e assistência técnica dos produtos. Como os fornecedores estão envolvidos

cadeia de negócios pouco atrativa e com clientes e fornecedores pouco capazes, está destinada ao fracasso, enquanto uma empresa, mesmo com falhas, colocadas entre fornecedores e clientes certos, tem grandes chances de obter êxito.

direta ou indiretamente nessas “etapas” do ciclo de

Do exposto, o relacionamento com os fornecedores surge

vida do produto, a sua importância é clara.

como uma das variáveis chaves à competitividade das

Estratégias Operacionais

empresas.

Engenharia Simultânea:

Just-In-Time (JIT):

Esta nova estratégia para o desenvolvimento de

Baseada na filosofia de eliminação total de desperdícios -

produtos está alicerçada na premissa de desenvolver

em especial de tempo – e na busca de processos

integralmente e paralelamente todos os aspectos

contínuos mas relativamente flexíveis, é uma forma de

envolvidos ao longo do ciclo de produção e

gestão da produção marcada pela eliminação de estoques

utilização dos produtos já a partir da concepção e

através do fornecimento dos componentes já prontos e no

projeto

conta,

momento de sua utilização. Tal lógica pressupõe uma

entre

grande confiança e sinergia com os fornecedores, de

características de produto x produção x utilização e,

maneira a sincronizar o processo produtivo da empresa

portanto,

com o de seus fornecedores. Esta grande interação

do

produto,

principalmente,

as

pressupondo

levando-se

em

inter-relações

a

fornecedores desde o projeto.

participação

dos

também pode demandar a capacidade de realizar projetos de componentes em conjunto com os fornecedores.

De forma contemporânea e ligada à perspectiva de empresas enxutas (lean), as parcerias com os

fornecedores articulam-se aos processos de desverticalização ou desintegração vertical pelos quais as empresas eliminam, fundem ou terceirizam etapas de seus processos produtivos ou administrativos. Essa eliminação ou terceirização de atividades propicia uma maior flexibilidade empresarial à medida em que transfere responsabilidades e riscos de parte do processo produtivo para os fornecedores e permite que a empresa se concentre em seus processos principais. Por outro lado, tal estratégia pressupõe, para ser bem sucedida, uma maior confiança e interação com os fornecedores, envolvendo até mesmo a transferência de tecnologia e de domínio entre processos conexos, que deve ser alicerçada por uma maior confiança mútua respaldada por parcerias que privilegiem a qualificação e a capacitação dos fornecedores frente às necessidades e estratégia de produção da empresa cliente. Um exemplo marcante que ilustra as afirmações anteriores, especificamente no caso da indústria automobilística, é a crescente transferência aos fornecedores da responsabilidade pelo fornecimento de sistemas completos (envolvendo vários componentes e serviços de montagem destes sistemas) que são entregues prontos no local e na hora adequados para serem utilizados pela linha de produção da montadora. Na construção, embora a desverticalização através da subempreita de serviços possa ser considerado um processo histórico, o fato novo é a recente preocupação de algumas construtoras com a qualidade dos serviços subempreitados e o surgimento de novos serviços mais qualificados, que envolvem o fornecimento não só da mão-de-obra, mas também dos materiais e eventualmente de projetos especializados. Outra tendência rumo à desverticalização no setor é a oferta de novos materiais e componentes industrializados que englobam ou eliminam etapas do processo produtivo (SILVA et. al. 1998).

3. CONDICIONANTES SETORIAIS Ao analisar os condicionantes setoriais que estão por trás das relações das construtoras com seus fornecedores e das potencialidades e limitações da formação de parcerias, a primeira coisa que chama atenção é a quantidade e a variedade dos agentes envolvidos. Num empreendimento típico de

promoção

e

construção

de

edifícios,

pode-se

contabilizar

a

participação

dos

empreendedores/incorporadores, de agentes financeiros, das construtoras, dos fornecedores de materiais e componentes, de serviços subempreitados de obra e dos serviços de planejamento e de projeto, todos com significativas interferências e responsabilidades.

Os agentes envolvidos nesta cadeia apresentam diversos portes empresariais e diferentes níveis de tecnologia agregada em seus processos. Outra característica marcante é a preponderância de muitas pequenas e médias construtoras (muitas das quais são também incorporadoras), dispersas pelo território e com um forte vínculo a determinada cidade ou região. Pelo lado dos fornecedores, a heterogeneidade é ainda mais intensa, abrangendo o fornecimento de diferentes tipos de produtos e serviços e a participação de empresas de porte completamente díspares, indo desde grandes empresas nacionais e multinacionais com atuação em todo o país e com, relativamente, poucos concorrentes em seus ramos de atuação, até muitas pequenas e médias empresas que atuam localmente fornecendo os outros materiais - principalmente aqueles que envolvem processos de extração ou industriais menos complexos (MARTUCCI, 1990), além dos serviços de obra e de projeto. Assim, o poder de barganha das construtoras é bastante variado em relação aos seus fornecedores, indo de relações nas quais a construtora é dominante até o extremo oposto, no qual a força de negociação da construtora é bastante limitada. De modo geral, pode-se afirmar que o poder de negociação das construtoras é significativo quando se trata da contratação de subempreiteiros de obra, dos serviços de projeto e dos materiais e componentes fornecidos por pequenos empresas de extração ou fabricação; e é limitado, quando envolve a aquisição de materiais e componentes fornecidos por grandes fabricantes, principalmente dos produtos que tem reduzido número de fabricantes no mercado como cimento, vidros temperados, etc. Outra peculiaridade do processo produtivo do edifício é a sua articulação em torno de empreendimentos únicos, não repetitivos e vinculados a determinado local de produção (canteiro de obras) num processo que pode ser caracterizado como manufatureiro. Essa orientação em torno de empreendimentos únicos sugere a não repetitividade dos processos e procedimentos construtivos e uma intensa agilidade na introdução de inovações: “Paradoxalmente, verificamos uma enorme semelhança entre os canteiros de obra no Brasil, quase todos baseados na mesma organização de mão de obra e bastante limitados quanto à variabilidade das soluções técnicas adotadas(...) Esta limitação de soluções construtivas e de tipologias de produtos a conjuntos limitados é substancialmente intensa no mercado de incorporação privada, no qual é fácil de identificar o que cada empresa define como seu ‘padrão de obra’, refletido em um número limitado opções de materiais e mesmo de soluções arquitetônicas presentes em seus edifícios.” (AMORIM, 1996)

Apesar da não repetitividade estrita do produto, muitos dos procedimentos de produção (técnicas construtivas, ferramentas, outros) permanecem ou podem permanecer os mesmos na execução de várias obras de uma mesma empresa e de uma mesma tipologia de produto, permitindo uma certa continuidade na relação com os fornecedores.

Por outro lado, a execução da obra se configura como um processo seqüencial composto por etapas nas quais são executadas diferentes partes ou subsistemas que exigem materiais e serviços distintos. Isto somado à típica variabilidade no fluxo de obras das construtoras vai repercutir em fortes oscilações nas quantidades e tipos de insumos demandados o que inviabiliza o estabelecimento de fluxos contínuos no fornecimento de produtos e serviços.

4. PARCERIAS: CONCEITUAÇÃO As definições de uma relação de “parceria”, encontradas na literatura e nas experiências práticas, são bastante heterogêneas e variáveis. Como enfatiza COOPER et. al. (1996), apesar de muitos trabalhos acadêmicos, publicações na imprensa ou utilizadas nas empresas apresentarem conceitos, idéias ou realidades semelhantes, não existe uma definição universalmente aceita. Além disso, de acordo com as conveniências de cada setor, de cada empresa e mesmo de cada processo produtivo, as relações de parceria são moldadas com diferentes escopos e variáveis níveis de interdependências entre os parceiros. “Parceria é um termo impreciso que abrange diferentes arranjos com vários graus de intensidade. Por tal razão, nenhuma definição única do termo é adequada(...)” (LORAINE, 1993) apud. (COOPER et. al., 1996)

Na construção de edifícios, a dificuldade em estabelecer uma definição única para o termo parceria é ainda maior, dado o variado poder de negociação das construtoras com seus fornecedores e o caráter discreto do processo produtivo; pode-se escolher entre dois níveis de abrangência para as relações de parceria, que podem ser encaradas como parcerias no âmbito do empreendimento isoladamente ou parcerias situadas nas relações entre as empresas. Para tentar tipificar as parcerias, optamos por classificá-las segundo três principais configurações, segundo vários trabalhos analisados por BARLOW et. al. (1997). A primeira configuração e a mais tradicional delas coloca a parceria como um compromisso contratual e de confiança que é assumido entre duas ou mais firmas para execução de um determinado empreendimento ou, em alguns casos, de vários empreendimentos. Essa visão é bastante corriqueira na construção de edifícios na qual, freqüentemente, os subempreiteiros, projetistas, etc. que são contratados ao longo do empreendimento e, a partir daí, são chamados de parceiros do empreendimento. Contudo, na realidade, essas relações são bastante centradas nos aspectos contratuais e de imagem das empresas envolvidas, com pouco ou nenhum mecanismo que garanta a sinergia entre os agentes na concepção das múltiplas características do empreendimento.

Trata-se, portanto, de uma visão de “parceria” bastante restrita que não contempla maiores intercâmbios técnicos e interrelações dos processos produtivos e de gestão dos envolvidos, o que as torna limitadas e de fácil ruptura. Numa segunda configuração, restrita ao empreendimento, a parceria pode ser vista como a formação precoce da equipe do empreendimento. Nesta alternativa, as parcerias são efetuadas desde o início (na fase de concepção e projeto do empreendimento), permitindo aos parceiros discutirem antecipadamente as interfaces quando as possibilidades de intervenção nos custos e de eliminação de problemas é maior. Está contida, neste caso, a interrelação dos processos dos envolvidos, mas apenas para a execução de um determinado empreendimento, sem prever continuidade após este. Tal alternativa é mais adequada para grandes obras de construção de indústrias ou de infraestrutura, que são realmente únicas, e tem porte suficiente para demandar tal esforço de coordenação entre empresas e processos para um único empreendimento, de forma a permitir a antecipação e resolução dos problemas, mas, com restrições quanto à melhoria contínua. Com tal entendimento, MOSLEY et. al. (1993) apud. BARLOW et. al. (1997), colocam parceria como sendo uma forma de planejamento estratégico visando a ampliação da eficiência do empreendimento de grandes obras. Por fim, a configuração de parceria potencialmente de maior impacto nos processos e na competitividade das empresas, mas também de mais difícil operacionalização, é a formação de alianças duradouras que permitam a melhoria contínua, ao longo do tempo, nas interfaces entre os processos dos parceiros, ampliando a sinergia entre as empresas envolvidas. Duas definições, apresentadas a seguir, ilustram os principais elementos deste tipo de relação de parceria: “...Parceria é um compromisso a longo prazo entre duas ou mais organizações com a finalidade de alcançar objetivos empresariais específicos maximizando a efetividade dos recursos de cada participante. Isto requer a mudança da relação tradicional para uma cultura compartilhada sem levar em conta limites organizacionais. A relação é baseada em confiança, dedicação para metas comuns, e uma compreensão das expectativas individuais e valores do outro” (CII,1991 p.2). “... aproximação administrativa entre duas ou mais organizações usada para alcançar objetivos empresariais específico voltados para maximização da efetividade dos recursos de cada participante. Esta aproximação está baseada em objetivos mútuos, um método acordado de resolução de resolução de problemas e uma procura ativa de mensuráveis melhorias contínuas” (BENNET & JAYES, 1995) apud. (BARLOW et. al., 1997).

Assim, fala-se, neste último caso, de interdependências que vinculam em determinada medida o sucesso de uma empresa ao desempenho de seu parceiro e à capacidade de se buscar conjuntamente processo e produtos mais evoluídos e de maior aceitação pelo mercado.

5. ESTUDO DE CASO A empresa estudada é uma grande construtora e incorporadora de edifícios habitacionais com mais de cem edifícios em andamento no país, em sua maioria concentrados na região da Grande São Paulo. Por ser uma grande empresa, a construtora–incorporadora estudada tem um poder de barganha com os fornecedores bastante superior ao verificado nas construtoras típicas (em média, com porte bem mais modesto). Devido ao grande volume de obras da empresa, torna-se bastante interessante para os subempreiteiros e projetistas negociarem parcerias com esta empresa uma vez que ela podem responder por todo ou por parte significativa do volume de serviços de pequenos subempreiteiros e escritórios de projeto garantindo a sua sobrevivência e atrelando decisivamente tais fornecedores à empresa. Mesmo frente as médias e grandes empresas fabricantes de materiais e componentes, a construtora apresenta um porte significativo embora modesto. Assim, é importante destacar que não se trata de um estudo de caso representativo da realidade da maioria das construtoras brasileiras embora possa aclarar a problemática estudada e representar parcialmente uma referência importante até mesmo para o caso das construtoras de menor porte. A estratégia de posicionamento da empresa, conforme destacam FABRICIO et. al. (1998), centra-se na busca da redução dos custos e melhoria das condições de venda dos seus imóveis de forma a viabilizar a compra direta (autofinanciamento) de apartamentos pela classe média. Para permitir o autofinanciamento, a empresa desenvolve empreendimentos com várias torres que são entregues paulatinamente e, assim, o prazo final de construção é alongado de maneira a adequar o ritmo das obras (mais lento) à capacidade de desembolso dos clientes. Complementando essa estratégia, do ponto de vista da produção, a empresa tem dispensado grandes esforços na simplificação e padronização de seus edifícios, reduzindo custos pela eliminação de detalhes de projeto onerosos e pelos ganhos de escala conseguidos através da manutenção de um grande e encadeado fluxo de obras que permite a manutenção de um número relativamente constante de frentes de produção, propiciando reduções no custo final das obras e garantindo uma relativa constância no volume de insumos demandados. A simplificação e padronização conseguidas pela empresa facilita ainda o desenvolvimento de parcerias com os fornecedores uma vez que permite a empresa trabalhar com um número reduzido e conhecido de tipos e marcas de materiais, componentes e serviços, aproveitando a sua escala de produção para barganhar melhores condições de compra destes insumos.

É possível identificar a realização, pela construtora, de dois tipos de parcerias com abrangências distintas, envolvendo respectivamente os fornecedores de materiais e componentes e os de serviços de projeto e subempreiteiras. Essa distinção entre as parcerias deve-se não só a natureza do insumo fornecido – produtos ou serviços – mas também ao poder de negociação frente aos fornecedores e aos objetivos da construtora para cada tipo de insumo. Para os materiais e componentes, a empresa concentra-se no estabelecimento de parcerias com fornecedores renomados no mercado e utiliza-as para obter melhores condições de compra e, em alguns casos, também, como instrumento de marketing, garantindo aos clientes que seus apartamentos serão construídos com materiais de marcas conceituadas. Essas parcerias restringemse à alguns itens com significativa repercussão no preço final do edifício e especialmente aos produtos de acabamento que, além de serem significativos no custo do edifício, tem uma maior visibilidade e podem ser utilizados como marketing. Contudo, no caso das parcerias com os fornecedores de materiais e componentes, não é prioritário para empresa o desenvolvimento de materiais e componentes especialmente desenvolvidos ou interferências no processo produtivo dos fornecedores. Muito embora, existam alguns poucos casos isolados em que essa interferência, junto ao fornecedor, tenha ocorrido - levando ao desenvolvimento de componentes especiais -, na grande maioria das vezes, são utilizados os materiais e componentes padrões, disponíveis no mercado. Trata-se portanto de uma parceria de caráter mais contratual (item 4) cuja lógica é estendida para vários empreendimentos e embute uma estratégia de marketing cruzado com a utilização de materiais de qualidade consagrada. Já para os fornecedores de serviços de projeto e subempreiteiros, a estratégia de parceria da empresa é mais abrangente e ambiciosa. No caso das parcerias com os projetistas, a empresa desenvolveu uma série de normas e padrões de apresentação de projeto voltados a determinados critérios e soluções padronizadas, de forma a simplificar as obras e garantir uma maior construtibilidade, além de tornar os projetos mais transparentes, manuseáveis e adequados ao ambiente da obra. Outra exigência da empresa para com os projetistas parceiros é a realização de algumas reuniões de coordenação do projeto ao longo de seu desenvolvimento. O cronograma de reuniões bem como das entregas parciais e final dos projetos e os momentos das trocas de informação entre projetistas são definidos numa primeira reunião.

Com os subempreiteiros, a política da empresa é similar à adotada com os projetistas. Para os subempreiteiros, é exigido o atendimento de uma série de procedimentos construtivos e o rígido cumprimento de prazos pré-estabelecidos pela construtora. Para garantir o cumprimento dos procedimentos e prazos, a empresa, juntamente com os seus subempreiteiros, realizam pequenos treinamentos dos operários no início de cada serviço considerado importante. Tanto para projetistas como para subempreiteiros, a oportunidade de intervenção nos padrões de serviço estabelecidos pela construtora é quase nenhuma, implicando em uma sinergia limitada. Na verdade, a construtora tem uma política de “parcerias” com os fornecedores de serviço pautada na sua capacidade técnica e pouco aberta à participação dos parceiros. Assim, pode-se destacar, conforme FABRICIO et. al. (1998), que a existência de parcerias não pressupõe, necessariamente, um relacionamento de igualdade entre os envolvidos e, no caso estudado, a construtora exerce seu poder de negociação preponderante frente aos projetistas e subempreiteiros e, com isso, molda as parcerias segundo suas estratégias e conveniências.

6. CONCLUSÕES A aglutinação dos agentes e a coordenação de sua atuação através da formação de parcerias pode, potencialmente, desempenhar um papel decisivo no sucesso dos empreendimentos e na competitividade das empresas de construção e incorporação, bem como dos seus fornecedores. Como sugere a análise das características setoriais e é amparado pelo estudo de caso apresentado, a heterogeneidade do setor e a fragmentação em empreendimentos únicos dificulta o estabelecimento de parcerias, dificultado previsões e contratos de longo prazo. Por outro lado, a constância dos processos e procedimentos construtivos utilizados ao longo de vários empreendimentos de uma empresa bem organizada (em especial aquelas certificadas ou que tem um sistema de gestão da qualidade), permite a busca de uma maior sinergia entre os processos dos fornecedores e das construtoras; significando que os ganhos desta convergência entre processos pode refletir-se ao longo de vários empreendimentos. As peculiaridades setoriais vão impor ainda o tratamento dos fornecedores segundo duas estratégias para se buscar uma maior sinergia na relação construtora – fornecedor. No caso dos materiais e componentes fabricados por grandes empresas, a dificuldade em se estabelecerem parcerias entre construtoras e fabricantes de materiais reside na diferença de porte

entre estes agentes, o que faz com que alguns fornecedores não consigam ou tenham dificuldade em orientar os seus processos ao atendimento individualizado para cada um dos seus clientes. Apesar disso, a necessidade de ampliação do “diálogo” entre as construtoras e os fabricantes, buscando maior sinergia, é cada vez maior e, na impossibilidade de se estabelecerem parcerias caso a caso com os grande fabricantes, é necessário buscar alternativas de cooperação de caráter mais coletivo, através de ações setoriais que permitam expor as necessidades dos construtores e viabilizem o fornecimento de insumos mais adequados às necessidades. Para os outros fornecedores, principalmente os subempreiteiros e projetistas, a formação de parcerias caso a caso pode ser viabilizada mais facilmente dado o caráter regional da produção que tende a aproximar naturalmente a construtora de determinados fornecedores. A dificuldade, no entanto, como caracterizado em FABRICIO & MELHADO (1998), é romper as barreiras culturais e organizacionais que tendem a nortear a relação por critérios de preço sem considerar o impacto do insumo adquirido no custo total de produção e, posteriormente, no uso e manutenção do edifício.

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