Parecer jurídico sobre a admissibilidade de constituição de sociedades de advogados em Angola - 2012

July 15, 2017 | Autor: Sofia Vale | Categoria: Angola, Direito Empresarial, DIREITO COMERCIAL, Legal Opinion
Share Embed


Descrição do Produto

Parecer jurídico sobre a admissibilidade de constituição de sociedades de advogados em Angola Sofia Vale1 Ireneu Matamba2

I.

Sumário

Sociedades de advogados: possibilidade de constituição, quer como sociedade civil simples, quer como sociedade civil sob forma comercial. A questão da aplicabilidade do regime geral, na falta de regime especial (980º do Código Civil vs 109º do Estatuto da ordem dos Advogados de Angola).

II.

Relatório

Pelo Ilustre Bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) foi-nos

solicitado

um

parecer

jurídico

sobre

a

possibilidade

de

constituição de sociedades de advogados, nos termos da legislação em vigor. Foi-nos em especial requerido que nos debruçássemos sobre a ilegalidade do artigo 18º da Lei nº 19/12, de 11 de Junho – Lei das Sociedades Unipessoais (LSU), bem como se não havendo ilegalidade, o sobredito artigo carece ou não de ulterior regulamentação, tendo também em atenção o que se dispõe no Estatuto da OAA (artigo 109º). A OAA vem sendo sucessivamente questionada por parte dos seus membros sobre a possibilidade de os advogados prestarem os seus 1 2

Professora da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola. Assistente da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola.

1

serviços através de sociedades de advogados, preocupados que estão com a regularidade das estruturas de que fazem parte. Por outro, no exercício da nossa função docente, temos sido alvo de diversas indagações, o que, aliado à solicitação do Exmo. Bastonário, justifica plenamente a elaboração do presente parecer, que, embora singelo, tem o intuito de tentar esclarecer o assunto. Entendemos que à questão em apreço são aplicáveis o Código Civil (CC), mormente os seus artigos 980º e ss, a Lei nº 1/04, de 13 de Fevereiro – das Sociedades Comerciais (LSC), em especial os artigos 1º, 2º, 8º, máxime o número 2, 1ª parte, 217º e ss, 301º e ss, a Lei nº 19/12, de 11 de Junho – Lei da Sociedades Unipessoais, o Decreto 28/96, de 13 de Setembro - Aprova o Estatuto da Ordem dos Advogados, o Decreto 56/05, de 15 de Agosto - De alteração aos estatutos da Ordem dos Advogados.

III.

Fundamentação

A matéria relativa às sociedades tem a sua regulamentação, em primeiro lugar, a nível do CC, nos artigos 980º e ss. Consagra o referido artigo 980º que:

Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens e serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade. Esta acaba por ser a noção geral de sociedade e dela se infere a noção de sociedade civil simples. Estas são constituídas ao abrigo do principio do consensualismo, nos termos do artigo 981º, nº 1, 1ª parte, que confirma a regra do artigo 219º do CC. O Professor Jorge Manuel Coutinho de Abreu, no seu manual curso de direito comercial, volume II – das sociedades, na página 42, define 2

as sociedades com objecto civil ou não comercial, as sociedades que não tenham por objecto a prática de actos de comércio, o exercício de uma actividade mercantil . O supracitado Professor refere, a título de exemplo, as sociedades de profissionais liberais para o exercício das respectivas actividades . E no mesmo sentido, os como civis

professores Antunes Varela e Pires de Lima, nos seus comentários ao artigo 980º do Código Civil Português (CCP), páginas 284 e seguintes

podem citar-se como casos de sociedades constituídas apenas por sócios de indústria, e sem capital, os de dois ou mais advogados ou médicos que se associam no exercício das suas profissões liberais (…) .

referem que

Além da classificação doutrinal tradicional da advocacia como profissão liberal, a própria Lei da Advocacia no seu artigo 1º, nº 1 consagra que a advocacia é exercida em regime de profissão liberal(…) . Já o artigo 3º, nº 1, refere que o exercício da advocacia assenta

essencialmente associações .

em

Entendemos

escritórios

que

os

de

referidos

advogados,

escritórios

singulares

ou

ou

gabinetes

em

em

associação referidos pelo legislador compreendem, para além da prática da advocacia independente num mesmo espaço em que os advogados apenas partilham despesas (arrendamento, secretariado, relações públicas, equipamentos), as chamadas sociedades civis simples (com objecto e forma civil) de advogados. Neste caso, a responsabilidade dos advogados sócios que integram a sociedade de advogados seria ilimitada (art. 997º, n.º 1 do CC) Quanto à questão do exercício da advocacia através de sociedades de advogados depender, para a sua constituição, da emanação de lei especial (o que se poderia concluir da interpretação do art. 3º, nº 2 da Lei da Advocacia e art. 109º do Estatuto da OAA), entendemos que estas disposições legais não impedem de modo algum a constituição de sociedades de advogados ao abrigo da lei civil. De facto, não existindo 3

ainda lei especial, aplica-se, com todo o acerto, o que consagra a lei geral (art. 980º e ss do CC). A este propósito, o professor Coutinho de Abreu, na sua obra já

em regra, as sociedades civis podem adoptar (ou não) qualquer tipo societário mercantil . À mesma conclusão podemos chegar citada, diz que

com a leitura do disposto no artigo 1º, nº 3 da LSC. Para além da possibilidade das sociedades de advogados se constituírem sob a forma civil simples, podem também constituir-se sob a forma comercial, isto é, continuarem a ter como objecto a prática de actos civis e constituírem-se nos termos da LSC (art. 1º, nº 3 da LSC), adoptando um dos tipos referidos no art. 2º, nº 1 da LSC (dos quais têm mais relevância os tipos sociedade por quotas ou sociedade anónima, uma vez que permitem limitar a responsabilidade dos sócios-advogados ao valor das entradas que aportaram à sociedade). E, mais recentemente, nos termos da LSU (artigos 18º e 2º), adoptando o tipo de sociedade unipessoal, passando deste modo a serem regidas pelas sobredita lei. Assim, a entrada em vigor da Lei das Sociedades Unipessoais (LSU), veio justamente confirmar esse nosso entendimento, acrescentando apenas que as referidas sociedades civis, podem constituir-se unipessoalmente, (vide art. 18º da LSU) e que, como tal, já não têm a liberdade de escolha de qualquer dos tipos referidos no art. 2º, nº 1 da LSC mas tão-somente as referidas no art. 2º da LSU: sociedades por quotas e sociedades anónimas. Ademais, e como já referimos, só estes dois tipos têm relevância para efeitos de limitação da responsabilidade dos sócios perante os credores sociais. Entendemos que só não seria assim se, já tendo sido aprovada a lei das sociedades de advogados, a mesma proibisse as sociedades da adopção de um qualquer dos tipos comerciais, como aconteceu por exemplo em Portugal, nos termos do DL 513-Q/79, de 26 de Dezembro, artigo 1º, nº 1 e 2, que fez justamente aquela proibição.

4

Não nos olvidamos do princípio basilar segundo o qual lex specialis

derogat lex generalis . No entanto, a referida lex specialis da advocacia ainda não foi aprovada. Quando vier a ser, o Código civil passará a ser utilizado apenas a título subsidiário, mas até lá é ele o diploma basilar que deverá pautar o exercício da actividade de advocacia em sociedade em Angola.

IV.

Conclusão

Em função do supradito, entendemos que de acordo com o direito vigente, é possível constituírem-se sociedades civis de advogados, quer plural, quer unipessoal, podendo num e noutro caso serem na modalidade de sociedades civis puras ou simples ou na modalidade de sociedade civil sob a forma comercial, pois que, por um lado, ao consagrar-se no Estatuto da OAA e na Lei da Advocacia que as sociedades de advogados serão reguladas em lei especial não se está a retirar a possibilidade de elas se constituírem nos termos gerais do direito civil e, por outro lado, não existe qualquer disposição legal que proíba os advogados de se socorrerem do mecanismo societário previsto na lei civil para o exercício da sua actividade.

Este é, salvo melhor opinião, o nosso parecer.

Luanda aos 08 de Agosto de 2012

5

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.