Parecer - Lei Municipal nº 14.223 – Ordenação dos elementos que compõe a paisagem urbana – Restrição aos anúncios externos indicativos e vedação absoluta aos publicitários – Inconstitucionalidade formal absoluta da lei e inconstitucionalidade material parcial

May 25, 2017 | Autor: G. Louis Hage Hum... | Categoria: Direito Ambiental, Direito Urbanístico, Direito do Urbanismo, Meio Ambiente Urbano
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Parecer - Lei Municipal nº 14.223 – Ordenação dos elementos que compõe a paisagem urbana – Restrição aos anúncios externos indicativos e vedação absoluta aos publicitários – Inconstitucionalidade formal absoluta da lei e inconstitucionalidade material parcial

Referência para citação. HUMBERT, Georges Louis Hage. Parecer - Lei Municipal nº 14.223 – Ordenação dos elementos que compõe a paisagem urbana – Restrição aos anúncios externos indicativos e vedação absoluta aos publicitários – Inconstitucionalidade formal absoluta da lei e inconstitucionalidade material parcial. In Cammarosano, Márcio e Humbert, Georges Louis Hage . Direito Público - Estudos e Pareceres. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

Autor - Georges Louis Hage Humbert Sumário: 1 Resumo da consulta e principais dúvidas destas extraíveis – 2 A Lei nº 14.223: esclarecimentos iniciais – 2.1 Histórico da lei – 2.2 Objeto, finalidade e fundamento legal – 2.3 Conceitos e demais prescrições técnico-legais – 3 Opinião legal – 3.1 Aplicabilidade da lei, prazos, obrigações do particular e do poder públicos e sanções cabíveis – 3.2 Reflexos socioeconômicos – 3.3 A constitucionalidade da lei – 3.4 Direito adquirido e a questão das licenças urbanísticas já concedidas – 3.5 Medidas judiciais cabíveis – 4 Conclusão

1 Resumo da consulta e principais dúvidas destas extraíveis Consulta-nos a empresa ***, doravante denominada, simplesmente, ***, acerca da Lei Municipal nº 14.223, publicada em 26.9.2006, em vigor a partir da data sua data de publicação, que dispõe sobre a ordenação dos elementos que compõem a paisagem urbana, visíveis, a partir e logradouro público, no território do Município de São Paulo. Do quanto exposto pela consulente, extraímos as seguintes indagações inerentes à matéria: i) Incidência da lei e suas consequências quanto à utilização de logotipos e, em especial, no que tange ao de propriedade da empresa, situado no topo do edifício; ii) Quais restrições aos anúncios impostas pela norma;

iii) Qual seu âmbito geral de incidência, e quais possíveis repercussões socioeconômicas; iv) Constitucionalidade da lei; v) Finalmente, viabilidade de questionamento da norma e quais possíveis medidas judiciais cabíveis na espécie.

2 A Lei nº 14.223: esclarecimentos iniciais Para a adequada compreensão da norma em debate, bem como para sua correta interpretação e aplicação, alguns esclarecimentos iniciais são indispensáveis. Passemos a eles

2.1 Histórico da lei A presente regra é originária do Projeto de Lei nº 379/06, de iniciativa do Poder Executivo Municipal, aprovado pela Câmara Municipal na forma de Substitutivo. Há quase trinta anos a matéria vem sendo detidamente regulamentada pelo Poder Público. No Município de São Paulo, a primeira Lei a versar acerca da matéria foi o Decreto-Lei nº 15.186, o qual instituiu a Comissão de Proteção à Paisagem Urbana. Recentemente, merecem destaque as leis nº 12.115/96 e nº 13.525/03, expressamente revogadas por esta publicada em setembro do corrente ano. Neste passo, insta salientar que há, historicamente, uma preocupação da administração quanto à ordenação da paisagem urbana, visando sempre o controle e organização do uso de mensagens visuais nos espaços públicos, respeitando o interesse coletivo, as necessidades ambientais, culturais e paisagísticas, mas também os direitos e prerrogativas individuais.

2.2 Objeto, finalidade e fundamento legal O objeto da Lei nº 14.223/06 é a ordenação da paisagem urbana. Sua finalidade é adequar, através de medidas excessivamente restritivas, os anúncios existentes nos espaços públicos da cidade de São Paulo, impondo, para tanto, restrição absoluta aos anúncios publicitários nas propriedades privadas. Visa solucionar o problema da poluição visual e combater o excesso de publicidade externa, tendo como fundamento, pelo menos a priori, a competência Municipal legislativa e material, prevista no art. 30,

I, II, VIII e IX, da Constituição Federal, inerente às matérias que versem sobre interesse local, ordenamento territorial e proteção do patrimônio histórico-cultural.1

2.3 Conceitos e demais prescrições técnico-legais Com a finalidade anunciada a Lei ora sob enfoque apresenta uma série de definições, conceitos e explicitações técnico-legais que devem ser conhecidas. Dentre essas definições, o conceito de anúncio, suas espécies e formas devem ser analisados detidamente, uma vez que se trata do principal objeto de incidência da norma. O art. 6º da Lei Municipal dispõe que é considerado anúncio qualquer veículo de comunicação visual, presente na paisagem, desde que visível de logradouro público, sendo que, não só a área de exposição, mas também a estrutura do anúncio é levada em consideração para todos os efeitos legais.2 Subdivide-se tal definição em diversas espécies, interessando-nos, neste particular, o anúncio indicativo, de identificação da atividade no local de seu exercício, bem como o anúncio publicitário, destinado à veiculação de publicidade em local

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Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; (...) VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

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Art. 6º. Para os efeitos de aplicação desta lei, ficam estabelecidas as seguintes definições: I - anúncio: qualquer veículo de comunicação visual presente na paisagem visível do logradouro público, composto de área de exposição e estrutura, podendo ser: a) anúncio indicativo: aquele que visa apenas identificar, no próprio local da atividade, os estabelecimentos e/ou profissionais que dele fazem uso; b) anúncio publicitário: aquele destinado à veiculação de publicidade, instalado fora do local onde se exerce a atividade; c) anúncio especial: aquele que possui características específicas, com finalidade cultural, eleitoral, educativa ou imobiliária, nos termos do disposto no art. 19 desta lei; (...).

diverso daquele onde a atividade divulgada é exercida, cujas restrições impostas pela nova lei são as mais drásticas, consoante será descrito a seguir. Ainda quanto aos anúncios, de acordo com o art. 13, a sua área total, seja este de qualquer das espécies, compreenderá a soma das áreas de todas as superfícies de exposição do anúncio, incluindo-se aí o seu suporte ou estrutura. Quanto aos locais em que estes anúncios poderão ser veiculados, as restrições e limitações alcançam os bens móveis (que inclui carros, motocicletas e bicicletas) e imóveis públicos ou privados, desde que sejam visíveis a partir de logradouro público ou de bem de uso comum do povo. Já quanto ao mobiliário urbano, conceituado pelo art. 6º, VIII, como sendo o conjunto de elementos que podem ocupar o espaço público, implantado direta ou indiretamente pela administração municipal, a lei não apresenta qualquer restrição, sendo que estes espaços, de titularidade do Poder Público, serão os únicos em que serão permitidos os anúncios publicitários. Importante, também, se faz precisar alguns termos legais. Fachada é qualquer das faces externas de uma edificação principal ou complementar, tais como torres, caixas d’água, chaminés ou similares. Testada ou alinhamento é a linha divisória entre o imóvel de propriedade particular ou público e o logradouro ou via pública. Por empena cega, entende-se a fachada de edifícios que não contenham janelas. Já cobertura é a laje que cobre um edifício, construída sobre o último andar. Passemos a externar nossa opinião legal.

3 Opinião legal 3.1 Aplicabilidade da lei, prazos, obrigações do particular e do poder públicos e sanções cabíveis A lei já esta em vigor. A despeito de estipular prazo final para cumprimento das obrigações por ela impostas, o qual se esgota em 31.12.2006, sua aplicabilidade é imediata. Atente-se para o fato de que há previsão expressa de regulamentação da norma, o que pode gerar novas e detalhadas prescrições quanto à ordenação da paisagem urbana. Entretanto, o decreto regulamentador não poderá exceder o quanto já dispõe a lei, limitando-se a sua especificação e completude.

A norma não produzirá efeitos uniformes. Sua hipótese de incidência é diferenciada e dependerá da tipicidade do anúncio. Com efeito, todas as espécies de anúncios estarão sujeitas às limitações legais, sendo certo que o caso onde haverá maior gravame é o dos anúncios publicitários, já que, a partir de 31.12.2006, sua vedação será absoluta, devendo ser removidos todos aqueles que não estejam situados em mobiliário urbano, incluindo aqueles que já possuíam licença anteriormente deferida pela Administração Pública. Assim, ficam proibidos outdoors, anúncios luminosos, backlights, publicidades nas paredes laterais de edifícios, totens, estruturas infláveis, anúncios em automóveis, etc. Quanto ao anúncio indicativo, a lei estabelece o limite de um único anúncio por imóvel, excepcionando-se o caso daqueles em que o imóvel possua mais de 100m de testada.3 Impõe-se, aqui, dispor sobre as condições referentes à área dos anúncios. Na hipótese da testada do imóvel possuir metragem linear inferior à 10m, a área total do 3

Art. 13. Ressalvado o disposto no art. 16 desta lei, será permitido somente um único anúncio indicativo por imóvel público ou privado, que deverá conter todas as informações necessárias ao público. §1º Os anúncios indicativos deverão atender as seguintes condições: I - quando a testada do imóvel for inferior a 10,00m (dez metros) lineares, a área total do anúncio não deverá ultrapassar 1,50m² (um metro e cinqüenta decímetros quadrados); II - quando a testada do imóvel for igual ou superior a 10,00m (dez metros) lineares e inferior a 100,00m (cem metros lineares), a área total do anúncio não deverá ultrapassar 4,00m² (quatro metros quadrados); III - quando o anúncio indicativo for composto apenas de letras, logomarcas ou símbolos grampeados ou pintados na parede, a área total do anúncio será aquela resultante do somatório dos polígonos formados pelas linhas imediatamente externas que contornam cada elemento inserido na fachada; IV - quando o anúncio indicativo estiver instalado em suportes em forma de totens ou estruturas tubulares, deverão eles estar contidos dentro do lote e não ultrapassar a altura máxima de 5,00m (cinco metros), incluídas a estrutura e a área total do anúncio. (...) Art. 16. Nos imóveis públicos ou privados com testada igual ou maior que 100,00m (cem metros) lineares poderão ser instalados 2 (dois) anúncios com área total não superior a 10,00 m² (dez metros quadrados) cada um.

anúncio não poderá ultrapassar o limite de 1,5m², e se for superior à 10m e inferior a 100m, poderá ter área máxima de 4m². Nos imóveis com mais de 100m de testada serão permitidos dois anúncios indicativos, com área total não superior à 10m², com distância mínima de 40m entre eles. A Altura máxima para qualquer tipo de anúncio, incluindo os em forma de totem, será de 5m, incluindo, nestes casos, a sua haste de sustentação. Por esta razão, e em caráter preventivo, recomenda-se que todos os anúncios se adequem a esta norma. Nos casos que o imóvel abrigue mais de uma atividade, a lei, em seu art. 13, §10, faculta a subdivisão dos anúncios, desde que a área total permitida permaneça respeitada.4 Ou seja, em prédios comercias onde estejam instalados mais de uma empresa, a área disponível para o anúncio indicativo deverá obedecer àquelas regras já expostas, facultando-se a subdivisão do espaço em quantos forem necessários, podendose, desta forma, anunciar diversas marcas dentro de um mesmo espaço destinado ao anúncio. A proibição quanto à colocação de anúncios indicativos nas empenas cegas e nas coberturas das edificações também é absoluta. Também é vedada absolutamente a colocação de qualquer tipo de anúncio em imóvel não edificado, a não ser que neste seja exercido alguma atividade possuidora da licença devida.5 A única hipótese permissiva aos anúncios publicitários é aquela que se refere a sua colocação no mobiliário urbano, compreendido como aquele de titularidade do poder público e cuja forma de utilização e demais regras dependerão de nova lei a ser editada, uma vez que o dispositivo que versava acerca da matéria e previa o processo de licitação para concessão destes espaços foi vetado pela Câmara.

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Art. 13. (...) §10. Na hipótese do imóvel, público ou privado, abrigar mais de uma atividade, o anúncio referido no caput deste artigo poderá ser subdividido em outros, desde que sua área total não ultrapasse os limites estabelecidos no §1º deste artigo.

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Art. 17. Não será permitido qualquer tipo de anúncio em imóveis não-edificados, de propriedade pública ou privada, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo. Parágrafo único. Caso seja exercida atividade na área não-edificada, que possua a devida licença de funcionamento, poderá ser instalado anúncio indicativo, observado o disposto no art. 13 desta lei.

A lei considera infração a exibição de anúncio: (i) sem a devida licença; (ii) com dimensões diversas da aprovada; (iii) fora do prazo constante da licença, ou que não conste, de forma visível o número da licença ou CADAN; (iv) em mau estado de conservação como também; (v) o não atendimento a intimação do órgão público para a regularização ou remoção do anúncio; e (vi) a desobediência ao disposto nas leis que versem sobre a matéria. Os anúncios publicitários deverão ser retirados e os indicativos adequados à lei, até dia 31.12.2006, sendo, neste último caso, o prazo prorrogável por mais 90 dias, mediante justificação do interessado. A lei também aplicar-se-á aos anúncios licenciados ou cujo procedimento de licenciamento encontre-se pendente, consoante dispositivos 49 e 52.6 A matéria é controvertida e voltará a ser abordada no tópico 3.4. Atente-se, por último, que não são considerados anúncios os nomes, símbolos, entalhes, relevos ou logotipos, incorporados à fachada por meio de aberturas ou gravados nas paredes, sem aplicação ou afixação, integrantes de projeto aprovado das edificações e, da mesma forma, a identificação das empresas nos veículos automotores utilizados para a realização de seus serviços. Por isso, será permitida a colocação de anúncio indicativo nos carros e bagageiros das motocicletas que sirvam para realização de serviços da empresa.7

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Art. 49. Os pedidos de licença de anúncios indicativos e de autorização de anúncios especiais pendentes de apreciação na data da entrada em vigor desta lei deverão adequar-se às exigências e condições por ela instituídas. Art. 52. A Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras publicará, no Diário Oficial da Cidade, no prazo de 30 (trinta) dias a partir da publicação desta lei, todas as licenças dos anúncios indicativos, com a respectiva data de emissão, número do Cadastro de Anúncios – CADAN, nome da empresa responsável e data de validade de cada anúncio.

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Art. 7º Para os fins desta lei, não são considerados anúncios: I - os nomes, símbolos, entalhes, relevos ou logotipos, incorporados à fachada por meio de aberturas ou gravados nas paredes, sem aplicação ou afixação, integrantes de projeto aprovado das edificações; (...) XIII - a identificação das empresas nos veículos automotores utilizados para a realização de seus serviços.

Válido mencionar que, em consonância com o art. 32 da Lei nº 14.223,8 para todos os efeitos desta extraíveis, são considerados solidariamente responsáveis pelo anúncio, o proprietário e o possuidor do imóvel em que o anúncio estiver instalado. Significa que estas pessoas são os possíveis sujeitos ativos das infrações dispostas nos artigos 39 a 43 desta lei, estando sujeitas às penalidades ali previstas. Esta responsabilidade é extensível à empresa instaladora, no que diz respeito aos aspectos técnicos e de segurança de instalação e remoção do anúncio, à empresa de manutenção, quanto à manutenção e aos profissionais incumbidos da parte estrutural e elétrica. Quanto à veracidade das informações prestadas, os responsáveis pelo anúncio respondem administrativa, cível e criminalmente. As sanções previstas, em resumo, são a aplicação de multa, o cancelamento da licença e a remoção do anúncio à custa do infrator. A nova lei, no art. 39, apresenta um rol taxativo de infrações, que compreendem as seguintes práticas: 1. Exibir anúncio: a) sem a necessária licença de anúncio indicativo ou a autorização do anúncio especial, quando for o caso; b) com dimensões diferentes das aprovadas; c) fora do prazo constante da licença de anúncio indicativo ou da autorização do anúncio especial; d) sem constar de forma legível e visível do logradouro público, o número da licença de anúncio indicativo ou CADAN; 8

Art. 32. Para efeitos desta lei, são solidariamente responsáveis pelo anúncio o proprietário e o possuidor do imóvel onde o anúncio estiver instalado. §1º A empresa instaladora é também solidariamente responsável pelos aspectos técnicos e de segurança de instalação do anúncio, bem como de sua remoção. §2º Quanto à segurança e aos aspectos técnicos referentes à parte estrutural e elétrica, também são solidariamente responsáveis os respectivos profissionais. §3º Quanto à segurança e aos aspectos técnicos referentes à manutenção, também é solidariamente responsável a empresa de manutenção. §4º Os responsáveis pelo anúncio responderão administrativa, civil e criminalmente pela veracidade das informações prestadas.

2. Manter o anúncio em mau estado de conservação; 3. Não atender a intimação do órgão competente para a regularização ou a remoção do anúncio; 4. Veicular qualquer tipo de anúncio em desacordo com o disposto nesta lei e nas demais leis municipais, estaduais e federais pertinentes; 5. Praticar qualquer outra violação às normas previstas nesta lei ou em seu decreto regulamentar. As infrações ―1‖, ―3‖ e ―4‖ trazem situações objetivas, do que basta a prática de ato contrário ao ali disposto para que o administrado esteja sujeito as penas legais. A infração ―2‖ comporta uma análise subjetiva, já que somente uma detida análise e perícia do anúncio é que justificará a aplicação de pena com base neste dispositivo legal. A prática de qualquer destes atos acima descritos, assim como a desobediência a qualquer outro dispositivo e imposição legal deste corpo legislativo, ensejará a aplicação das penas previstas nos artigos 40 a 43. São elas a multa, o cancelamento imediato da licença do anúncio indicativo ou da autorização do anúncio especial e a remoção do anúncio. O art. 41 prevê que, na aplicação da primeira multa, sem prejuízo das demais penalidades cabíveis, os responsáveis serão intimados a regularizar o anúncio ou a removê-lo, quando for o caso. A norma não prevê o procedimento de aplicação da multa. Somente ―fala‖ em aplicação imediata, concedendo prazo apenas para a posterior remoção do anúncio. Entendemos que, conquanto a Lei não tenha se manifestado expressamente, a aplicação da multa deverá ser consequência de um processo administrativo, onde seja garantida ao interessado o contraditório e a ampla defesa, sob pena de violação ao princípio constitucional do devido processo legal. Ainda no capítulo das infrações e penalidades, o art. 42, em seguida, preceitua que na hipótese do infrator não proceder à regularização ou remoção do anúncio instalado irregularmente, a Municipalidade adotará as medidas para sua retirada, ainda que esteja instalado em imóvel privado, cobrando os respectivos custos de seus responsáveis, independentemente da aplicação das multas e demais sanções cabíveis. A menos que exista perigo iminente ou prejuízo à ordem pública, há que entenda que este dispositivo institui um poder exacerbado da administração, e uma violação ao

direito fundamental a propriedade, podendo ser contestada a retirada forçada do anúncio, pelo Poder Público, sem que haja autorização judicial neste sentido. Por fim, insta mencionar que, pelo art. 43, as multas serão aplicadas da seguinte forma: 1. Primeira multa no valor de R$10.000,00 por anúncio irregular; 2. Acréscimo de R$1.000,00 para cada metro quadrado que exceder os 4m²; 3. Persistindo a infração após a aplicação da primeira multa e a intimação referidas nos itens 1 e 2, sem que sejam respeitados os prazos ora estabelecidos, será aplicada multa correspondente ao dobro da primeira, reaplicada a cada 15 dias a partir da lavratura da anterior, até a efetiva regularização ou a remoção do anúncio, sem prejuízo do ressarcimento, pelos responsáveis, dos custos relativos à retirada do anúncio irregular pela Prefeitura. Destaque especial merece a regra que fixa(va), ao próprio Poder Público, a obrigação de, através da Secretaria de Subprefeituras, publicar no Diário Oficial, até o dia 26.10.2006, e a cada Subprefeitura a obrigação de veicular pela internet, todas as licenças dos anúncios indicativos, com a respectiva data de emissão, número do CADAN, nome da empresa responsável e data de validade de cada anúncio, o que permitirá ao interessado verificar, tempestivamente, a regularidade do anúncio de sua propriedade, para seja tomada eventual providência de adaptação ou retirada. Similar obrigação é imposta à Secretaria Municipal de Habitação, que deverá(ia) providenciar a publicação, dentro do mesmo prazo, mas apenas no Diário Oficial da Cidade, da lista contendo todas as licenças dos anúncios publicitários e demais informações a estes pertinentes. 3.2 Reflexos socioeconômicos9 Se for declarada constitucional, a lei provocará, certamente, reflexos sociais e econômicos danosos ao meio publicitário. Diante da restrição absoluta à publicidade externa e das limitações de altura, local de instalação e área impostas aos demais anúncios, a situação é preocupante.

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Fonte: O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e Observatório da Imprensa.

O setor movimenta R$200 milhões por ano e poderá ver seu ritmo de investimentos drasticamente reduzido. Estima-se que mais de 20 mil empregos estarão ameaçados, já que a lei, se vier a produzir efeitos da forma como atualmente posta, provocará uma queda de cerca de 60% do faturamento das empresas. Não é por outra razão que empresas de mídia externa já questionam judicialmente a lei, através de ação proposta pelo Sindicato de Empresas de Mídia Externa (SEPEX). Todavia, no que tange à produção e impressão de cartazes as consequências poderão ser mais amenas. Diante do que prescreve a própria lei, a utilização do mobiliário urbano, para fins publicitários, parece ser uma alternativa a este possível decréscimo de investimento do setor de mídia externa. Isto porque, a exclusividade conferida ao mobiliário urbano como única via de publicidade externa permitida por lei, irar gerar a sua valorização, com conseqüente aumento de arrecadação municipal, fato que, certamente ensejará, cada vez mais, seja disponibilizado este tipo de espaço para que ocorra a veiculação de anúncios publicitários. Na prática, poderá ocorrer apenas a mera transferência dos locais da publicidade, ou seja, passará dos espaços privados ou públicos, para o assim denominado mobiliário urbano, o que acarretará maiores custos para os investidores deste setor, mas não inviabilizará a máquina produtiva que a subsidia com matéria-prima, a que fornece maquinário ou mão de obra. Com efeito, será necessário, de início, que o Município implante mobiliário urbano de qualidade em toda a cidade, já que isto ainda não foi concretizado, fato que, certamente prejudicará o início da ampla colocação de anúncios publicitários nestes logradouros públicos. Acaso haja omissão do Poder Municipal quanto a matéria, aquele que se sentir lesado poderá recorrer ao Poder Judiciário, com fundamento na própria Lei nº 14.223, mediante o remédio constitucional do Mandado de Injunção por omissão do Poder Público, já que esta cria o direito subjetivo ao acesso a mobiliário urbano para os fins de colocação de anúncios publicitários. Outrossim, a redução dos espaços externos para colocação de publicidade gerará uma intensa corrida e busca pelos espaços internos de grande circulação, tais quais, shopping centers, aeroportos, hotéis, clubes, estádios de futebol, cinemas. E o aumento de publicidade nestes locais poderá, também, compensar o déficit publicitário provocado pela nova lei.

3.3 A constitucionalidade da lei Quanto à competência legislativa, inicialmente cumpre esclarecer, em razão da matéria tratada, se supostamente estaríamos diante da hipótese de competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal, para legislar sobre direito urbanístico, prevista no art. 24, CF.10 Parece-nos que esta competência não é a aplicável à espécie. Isto porque, a competência formal prevista no citado dispositivo constitucional, se refere à edição de normas gerais e este é um caso em que se vislumbra, sem maior esforço, flagrante interesse local. Ademais, trata-se de ordenação dos espaços urbanos e controle do uso e ocupação do solo urbano, que integram o rol das competências municipais expressas no art. 30, CF, supracitado. Entretanto, não se pode olvidar que a vedação absoluta à colocação de anúncios publicitários, como prevê a lei ora analisada, ultrapassa a esfera do interesse local e mera ordenação da paisagem urbana, uma vez que ultrapassa a esfera urbanística para atingir frontalmente uma atividade Econômica, cuja regulamentação da matéria é de competência do governo federal. Como leciona o eminente constitucionalista André Ramos Tavares, citando o consagrado Manoel Gonçalves Ferreira Filho, com espeque no art. 174 da Carta Magna,11 tem-se ―o Estado (no caso a União), atuando como agente normativo e regulador da atividade econômica‖. E conclui que ―sobre a competência concorrente, cabe somente a União legislar sobre normas gerais em matéria de consumo e produção‖.·A atividade dos demais entes da federação, limitar-se-á a mera

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Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; (...).

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Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. §1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

complementação das ditas normas gerais, razão pela qual ―não poderá ir além do imprescindível para atender a suas peculiaridades‖.12 Consequentemente, a nosso sentir, em que pese a finalidade da Lei Municipal nº 14.223 de ordenar os espaços e paisagens urbanas, preservando o meio ambiente urbano, de interesse efetivamente local, ao estipular a vedação absoluta a um exercício de um direito e de uma atividade econômica, extrapolou os limites de sua competência que, no caso, seria apenas regulatória, organizadora e fiscalizatória, mas jamais extintiva de direitos. No presente caso, o que se tem é a esfera Municipal interferindo diretamente em uma atividade econômica, qual seja, a publicitária, pelo que se denota claramente estarse exorbitando de sua competência, em violação frontal e direta à distribuição de competências predispostas na Constituição Federal. Há, destarte, desrespeito à competência da União para legislar sobre a matéria. De outro lado, além da violação direta à distribuição de competência constitucional, a lei como posta fere também diversos princípios encartados e direitos subjetivos assegurados na nossa Norma maior, na Lei Orgânica Municipal e no Plano Diretor da Cidade de São Paulo. Primeiramente, insta ressaltar que a citada lei possui vício de origem, que a macula desde o seu nascimento. Salta aos olhos que, da leitura combinada do art. 182 da CF; art. 2º, II, do Estatuto da Cidade; art. 41, VI e VII, art. 143 da Lei Orgânica do Município de São Paulo; art. 10, III, e art. 92, III, do Plano Diretor da cidade,13 é requisito, para aprovação

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Cf. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.

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Constituição Federal: ―Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. §1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.‖ Estatuto da Cidade: ―Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...)

de lei que verse sobre ordenação da paisagem e meio ambiente urbano, a existência de ampla participação popular, com, minimamente, a realização de duas audiências públicas a serem amplamente divulgada, o que ―aparentemente‖ não ocorreu no caso em debate. Significa, então, que o princípio constitucional informador do direito urbanístico, da gestão democrática da cidade e participação popular, insculpidos nos artigos acima mencionados, foi desrespeitado. Ademais, outro princípio constitucional informador do direito urbanístico foi flagrantemente violado pela nova Lei sobre ordenação da paisagem urbana. Trata-se do princípio do planejamento, previsto no art. 182 da CF e no art. 2º, IV, do Estatuto da Cidade.

II - gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; (...).‖ Lei Orgânica do Município: ―Art. 41. A Câmara Municipal, através de suas Comissões permanentes, na forma regimental e mediante prévia e ampla publicidade, convocará obrigatoriamente pelo menos 2 (duas) audiências públicas durante a tramitação de projetos de lei que versem sobre: (...) VI - zoneamento urbano, geo-ambiental e uso e ocupação do solo; VIII - política municipal de meio ambiente; (...) Art. 143. O Município organizará sua administração e exercerá suas atividades com base num processo de planejamento, de caráter permanente, descentralizado e participativo, como instrumento de democratização da gestão da cidade, de estruturação da ação do Executivo e orientação da ação dos particulares.‖ Plano Diretor de São Paulo: ―Art. 10. A Política Urbana obedecerá às seguintes diretrizes: (...) III - a gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, principalmente aqueles que trazem mais riscos ao ambiente natural ou construído; (...) Art. 92. São diretrizes da Política de Paisagem Urbana: (...) III - a garantia da participação da comunidade na identificação, valorização, preservação e conservação dos elementos significativos da paisagem urbana; (...).‖

É que para ordenação da paisagem urbana, se faz necessário que a lei se adeque ao planejamento preexistente. Esta questão encontra-se plena e detidamente regulamentada pelas Leis Municipais e pelo Plano Diretor de São Paulo. É a inteligência contida no §1º do art. 182 da Constituição, já citado, no art. 2º, IV do Estatuto da Cidade, ao lado dos arts. 143 da LOM e nos arts, 10, V; 15, I; 264, IV e 270 do Plano Diretor.14 Contudo, ao instituir a Lei nº 14.223, o legislador não se fundamentou, não se valeu e sequer mencionou qualquer plano urbanístico já existente, para impor a regra de forma adequada e pertinente a cada região e zona municipal. Foi elaborada ao arrepio da lei, sem qualquer planejamento. Sendo esta uma exigência legal expressa e requisito para conformação de qualquer norma pertinente à matéria tratada pela Lei nº 14.223, resta forçoso concluir tratar-se aqui de mais uma inconstitucionalidade, que a torna nula.

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Estatuto da Cidade: ―Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...) IV - planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; (...).‖ Plano Diretor: ―Art. 10. A Política Urbana obedecerá às seguintes diretrizes: (...) V - o planejamento do desenvolvimento da Cidade, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; (...) Art. 15. São diretrizes do Desenvolvimento Econômico e Social: I - Do Sistema e Processo Municipal de Planejamento Urbano. (...) Art. 269. O Sistema e o Processo Municipal de Planejamento Urbano serão desenvolvidos pelos órgãos do Executivo, com a participação da sociedade, garantindo os instrumentos necessários para sua efetivação, sendo composto por: I - órgãos públicos; II - Planos Municipais, Regionais e, quando houver, planos de bairro; III - Sistema Municipal de Informação; IV - participação popular.‖

Desta forma, a edição de norma desta espécie não é de competência discricionária do Agente Público, diante das mencionadas imposições e deveres legais. É dizer, por via oblíqua, que, além dos supramencionados princípios constitucionais informadores do Direito Urbanístico, a elaboração da Lei Municipal nº 14.223 violou o princípio maior do Estado Democrático de Direito: o princípio da legalidade. Deste, decorre a ideia ―de que na relação administrativa, a vontade da administração pública é a que decorre de lei‖,15 emergindo disso mais um forte argumento, a inescusável inconstitucionalidade da regra analisada, uma vez que, no ato de sua formação, não observou aos requisitos legais expressamente previstos pela Constituição Federal e pelas Leis já citadas, hierarquicamente superiores a ora atacada. De outro lado, dado o caráter absoluto e indiscriminado com o qual a Lei tratou a questão dos anúncios publicitários, depreende-se, sem maior esforço, que violou a razoabilidade. Segundo o respeitado Celso Antônio Bandeira de Melo, Professor Titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da PUC-SP, a razoabilidade é princípio constitucional que norteia toda ação da administração pública. Assevera o citado jurista: Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.16

Ora, a competência conferida pela Constituição Federal às esferas do Poder Municipal para legislar acerca de matéria que verse sobre interesse local e de ordenação dos espaços urbanos, certamente não lhe conferiu a competência para extinguir, de forma absoluta e desprovida de maior embasamento técnico, planejado e até mesmo legal, o direito de anunciar-se, externamente, peças publicitárias.

15

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 67.

16

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 97.

Aparentemente poder-se-ia até mencionar que o objetivo e fim da Lei são louváveis. Não se pode negar que a publicidade descontrolada e que desatende aos requisitos legais prejudica o meio ambiente urbano, gerando desagradável poluição visual. Por isso, o Poder Municipal detém o poder-dever de ordenar, controlar e fiscalizar o exercício desta atividade, mas jamais o de extirpá-la, de forma absoluta e genérica, sob pena de ofensa a razoabilidade e flagrante excesso de poder. O fim a ser alcançado é a ordenação da paisagem urbana, o que não implica a extinção de todo e qualquer anúncio publicitário. Em suma, em nosso ver, as novas exigências e regras para os anúncios indicativos encontram-se, em alguns casos, dentro da razoabilidade exigível do Poder Público. Entretanto, a vedação absoluta e irrestrita dos anúncios publicitários é inconstitucional, por também infringir o princípio constitucional da razoabilidade inserto nos artigos 5º, II, LXIX, 37 e 84, CF.17 Demais disso, não é despiciendo lembrar que a nossa ordem econômica é capitalista. Como ressalta Pinto Ferreira, ―o princípio genérico é o da livre iniciativa‖.18 Este é princípio constitucional (art. 170, CF),19 e, mais do que isso, é fundamento da

17

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...) LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público; Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

18 19

Apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, op. cit. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...).

nossa República (art. 1º, IV, CF).20 É, segundo José Afonso da Silva, a consagração da economia de mercado.21 E a publicidade visual externa, é, inegavelmente, um dos mais valiosos instrumentos para consecução dos fins almejados pela economia de mercados. Não é por outra razão, que todas as leis que tratam da questão pertinente a tutela da paisagem e meio ambiente urbano propugnam ser necessário à coexistência harmônica entre o desenvolvimento da cidade e estas questões. É preciso ser realizada a ordenação da paisagem urbana. Mas deve-se, também, visar o equilíbrio entre os diversos elementos que a compõe — e isto inclui os anúncios e cartazes —, levando-se em consideração, ainda, as zonas em que serão realizadas determinadas intervenções do Poder Público com o fim de coibir a poluição visual e preservar o meio ambiente. Neste diapasão, prescrevem os artigos 149 e 160, V, da LOM, bem como os artigos 9º, 10, 11, 14, VI, 91, IV e VI, 92, II, e 93 do PDC,22 que o Poder Municipal, no 20

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (...).

21

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 742.

22

LOM: ―Art. 149. O Município, para cumprir o disposto no artigo anterior, promoverá igualmente: I - o controle da implantação e do funcionamento das atividades industriais, comerciais, institucionais, de serviços, do uso residencial e da infra-estrutura urbana, corrigindo deseconomias geradas no processo de urbanização; (...) Art. 149-A A lei ordenará a paisagem urbana, promovendo-a em seus aspectos estético, cultural, funcional e ambiental, a fim de garantir o bem-estar dos habitantes do Município, considerando, de modo integrado, o conjunto de seus elementos, em especial os sistemas estruturais, viário e de transporte público, a topografia, os cursos d’água, as linhas de drenagem os fundos de vales, como eixos básicos estruturadores da paisagem. (...) Art. 160. O Poder Municipal disciplinará as atividades econômicas desenvolvidas em seu território, cabendo-lhe, quanto aos estabelecimentos comerciais, industriais, de serviços e similares, dentre outras, as seguintes atribuições: (...) V - regulamentar a afixação de cartazes, anúncios e demais instrumentos de publicidade; (...).‖

PDC: ―Art. 9º É objetivo da Política Urbana ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da Cidade e o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado e diversificado de seu território, de forma a assegurar o bem-estar equânime de seus habitantes mediante: (...) VI - a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente e da paisagem urbana. Parágrafo único. São funções sociais do Município de São Paulo, como centro metropolitano e capital estadual (...). Art. 10. A Política Urbana obedecerá às seguintes diretrizes: (...) Art. 14. É objetivo do Desenvolvimento Econômico e Social sintonizar o desenvolvimento econômico da Cidade e a sua polaridade como centro industrial, comercial e de serviços com o desenvolvimento social e cultural, a proteção ao meio ambiente, a configuração do espaço urbano pautado pelo interesse público e a busca da redução das desigualdades sociais e regionais presentes no Município. (...) VI - a articulação das diversas políticas sociais com a política econômica, potencializando as ações

públicas

e

compatibilizando

crescimento

econômico

com

justiça

social,

desenvolvimento social, cultural e equilíbrio ambiental; (...). Art. 91 São objetivos da Política de Paisagem Urbana: I - garantir o direito do cidadão à fruição da paisagem; II - garantir a qualidade ambiental do espaço público; III - garantir a possibilidade de identificação, leitura e apreensão da paisagem e de seus elementos constitutivos, públicos e privados, pelo cidadão; IV - assegurar o equilíbrio visual entre os diversos elementos que compõem a paisagem urbana; V - favorecer a preservação do patrimônio cultural e ambiental urbano; VI - disciplinar o uso do espaço público pelo setor privado, em caráter excepcional, subordinando-o a projeto urbanístico previamente estabelecido, segundo parâmetros legais expressamente discriminados em lei. Art. 92. São diretrizes da Política de Paisagem Urbana: I - a criação de instrumentos técnicos, institucionais e legais de gestão da paisagem urbana, eficazes, visando garantir sua qualidade; II - a disciplina do ordenamento dos elementos componentes da paisagem urbana, assegurando o equilíbrio visual entre os diversos elementos que a compõem, favorecendo a preservação do patrimônio cultural e ambiental urbano e garantindo ao cidadão a possibilidade de identificação, leitura e apreensão da paisagem e de seus elementos constitutivos, públicos e privados; (...)

exercício de sua competência, deverá regular, organizar, controlar esta questão, sempre norteado pelo equilíbrio que se faz necessário, levando em consideração a diversidade e particularidade de cada ambiente, e as necessidades de cada atividade econômica. Propugna, portanto, a ordenação baseada no equilíbrio visual. Confere-se o poder de controle e fiscalização ao Município, porém, este poder deverá ser exercido de forma a possibilitar a integração do conjunto de elementos que forma a paisagem urbana (art. 149, LOM). Diante disto, consideramos que extirpar de forma absoluta os anúncios publicitários da paisagem urbana, em detrimento da efetivação de uma política de combate aos anúncios abusivos e ilegais, configura mais uma violação a princípio constitucional, desta feita o da livre iniciativa, que norteia a nossa ordem econômica, inserido nos artigos 170 a 181 da CF, ferindo também as demais normas infraconstitucionais que integram a LOM e o Plano Diretor, já que a Lei nº 14.223 desrespeita a consecução do equilíbrio e integração da paisagem urbana propugnada pelas leis que lhes servem de base e fundamento legal.

3.4 Direito adquirido e a questão das licenças urbanísticas já concedidas A questão do direito à colocação dos anúncios é complexa. A doutrina diverge quanto a natureza jurídica do ato administrativo que concede ao administrado o direito de anunciar em sua propriedade. Para José Afonso da Silva: (...) a atividade urbanística é função pública. Significa, pois, que particular algum tem direito subjetivo de exerce-la. (...) Assim, em matéria de anúncio, que diz respeito ao

Art. 93. São ações estratégicas da Política de Paisagem Urbana: I - elaborar normas e programas específicos para os distintos setores da Cidade considerando a diversidade da paisagem nas várias regiões que a compõem; II - elaborar legislação que trate da paisagem urbana, disciplinando os elementos presentes nas áreas públicas, considerando as normas de ocupação das áreas privadas e a volumetria das edificações que, no conjunto, são formadores da paisagem urbana; III - criar novos padrões, mais restritivos, de comunicação institucional, informativa ou indicativa; (...).‖

problema urbanístico da paisagem e da estética urbana, sua afixação e colocação, mesmo na propriedade do interessado, dependem não de licença, mas de autorização.23

Seguindo esta linha de pensamento, dificilmente será possível questionar a necessidade de adaptação dos anúncios indicativos e a revogação das licenças já concedidas anteriormente para instalação de anúncio publicitário, inviabilizando, ademais, qualquer impugnação, com base em alegação de direito adquirido, dado o caráter precário das autorizações urbanísticas. Ocorre que parte da doutrina, e mesmo o próprio ordenamento jurídico, qualifica o ato administrativo que permite a colocação de anúncios como licença. Disto decorre que estaríamos falando de um ato vinculado, consubstanciando, preenchidos os requisitos legais, em um direito subjetivo do requerente. Nesta hipótese, poder-se-ia suscitar que a revogação de licença, no caso dos anúncios publicitários, ou a alteração do conteúdo de licenças já operadas, como ocorre com os anúncios indicativos, estaria violando um direito fundamental assegurado pela nossa Constituição: o direito adquirido. Entretanto, ainda assim, a tese é difícil de ser sustentada. É que, como salienta José Afonso da Silva, apesar de presunção de legitimidade e definitividade do alvará de licença outorgado, este poderá ser revisto pela administração, com base em vários pressupostos, sendo que um deles, a revogação, seria aplicável no presente caso.24 Com efeito, a revogação dar-se-á quando sobrevier motivo de interesse público que desaconselhe a consecução da atividade urbanística licenciada. Em conclusão, ainda que se possa utilizar como argumento de defesa o direito adquirido em matéria urbanística para colocação de qualquer tipo de anúncio, a tese não é segura, uma vez que há incerteza e imprecisão científica quanto à natureza jurídica do ato administrativo que concede permissão para instalação dos anúncios. Noutro passo, existirão dificuldades em sustentar judicialmente esta tese, ainda porque a matéria envolvida é de caráter eminentemente público e de interesse da coletividade, razão pela qual não haveria que se falar em direito subjetivo absoluto do

23

SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 438-439. Para fundamentar seu entendimento, o autor cita as seguintes jurisprudências: RTJ 37/521 e RDA 61/189.

24

SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, op. cit., p. 453.

particular, mas sim em supremacia do interesse público e esta permite à administração modificar a situação de fato, a depender das alterações circunstanciais concretas e em benefício da sociedade, sempre fundadas na supremacia do interesse público sobre o particular. Finalmente, não se pode olvidar, que, em regra, as ―licenças‖ já concedidas possuem prazo de validade. Vencido este, é necessário requisitar a renovação da licença, geralmente através de um procedimento mais simplificado que a concessão. Ocorre que, a nova lei estipula que as licenças vencidas após sua edição deverão ser requisitar novamente requisitada, observando os trâmites legais previstos nos seus artigos 24 e seguintes. Rezam estes artigos que o licenciamento do anúncio indicativo será promovido por meio eletrônico, conforme regulamentação específica, que ainda deverá ser editada, não sendo necessária a sua posterior renovação, desde que não haja alteração em suas características. Ou seja, depois de vencido os prazos estipulados para as licenças atuais, a futura licença, a ser expedida mediante este novel procedimento legal, terá caráter de definitividade, não necessitando de renovação, desde que não seja procedida qualquer alteração na característica, dimensão ou estrutura de sustentação do anúncio. Cumpre, por fim, mencionar que ficam dispensados de licenciamento os anúncios instalados em mobiliários e equipamentos urbanos, inclusive quanto ao seu cadastramento no órgão competente estabelecido no respectivo contrato.

3.5 Medidas judiciais cabíveis Para combater possíveis violações aos seus direitos, os interessados poderão, no caso concreto, de ações judiciais específicas, tais como: (i) a ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal frente à Constituição Estadual, perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, (ii) a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, perante o Supremo Tribunal Federal e (iii) o Mandado de Segurança, remédio constitucional que visa assegurar direito líquido e certo do jurisdicionado. Aqui, poderá haver o controle em concreto da constitucionalidade da Lei Municipal em face dos princípios e regras constitucionais acima desenvolvidas, como já se disse, de duas maneiras, através de uma ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal e através de uma ação de descumprimento de preceito fundamental.

Essas ações, entretanto, não são as medidas que apontamos dever ser utilizadas de imediato para resguardar eventual direito da consulente, pois elas não detêm legitimidade processual para tal. Já as entidades de classe que queiram tutelar os interesses de seus filiados, poderão manejar, com espeque nas violações constitucionais. À Consulente temos como certo que ação a ser utilizada deva ser o mandado de segurança.

4 Conclusão Do quanto foi exposto, restam forçosas as seguintes respostas aos quesitos que nos foram formulados: i) Quanto à incidência da lei e suas consequências, e quais restrições aos anúncios impostas pela norma, temos que logotipos que se enquadrem no conceito de anúncios publicitários, ou seja, aquele disposto em locais diversos daquele onde a empresa exerce a sua atividade, deverão ser, caso não se obtenha tutela judicial anterior favorável, removidos até o dia 31.12.2006. ii) Já os anúncios indicativos, no qual se enquadra o de titularidade da ***, localizado no topo do edifício, recomendamos que deva, se adequar às novas regras impostas a esta espécie, quais sejam: 1. Limitação do número de anúncio por testada do imóvel (um para testada inferior a 100m e dois para testada superior a esta medida); 2. Adequação às novas regrar quanto a área do anúncio (que não poderá ser superior a 4m² se a testada do imóvel for inferior a 100m, e não superior à 10m² se a testada for superior a 10m); 3. Adaptação aos limites de altura máxima do anúncio, que não poderá ser superior a 5m, incluindo a sua haste ou estrutura de suporte, repita-se, caso não se obtenha decisão judicial tutelando seu direito. Outrossim, ainda considerando a possibilidade de não obtenção da tutela judicial, válido lembrar que a hipótese do local onde situa-se o Logotipo da empresa se enquadre nos conceitos de empena cega ou o cobertura do edifício, supra expostos, este deverá ser retirado até o dia 31.12.2006. Todavia, ressalte-se que em se tratando de restrição absoluta imposta unilateralmente pela administração, resta os demais apontamentos de inconstitucionalidades e ilegalidades á tutelar os direitos da ***.

iii) Já quanto ao âmbito geral de incidência, e quais possíveis repercussões socioeconômicas, vislumbramos que, como desenvolvido nos tópicos 3.1 e 3.2, seu principal âmbito de incidência é destinado aos ―anúncios publicitários‖, os quais ficam peremptoriamente proibidos nos espaços externos públicos e privados. Contudo, destinam-se também às demais formas de anúncios, dentre os quais merece igual destaque os ―anúncios indicativos‖, já que, no que diz respeito a estes, há previsão de novas regras para sua exposição referentes a limites de altura, área e localização. No que tange às repercussões socioeconômicas, é inevitável que a nova lei, se permanecer válida na forma como promulgada, provocará prejuízos à atividade das empresas de mídia externa, podendo atingir o mercado de impressoras. Entretanto, existe a perspectiva de amenização deste impacto em razão do aumento de publicidade no mobiliário urbano e nas partes internas de imóveis públicos e privados de grande porte e circulação. iv) Noutro passo, a nosso juízo, a lei é inconstitucional, vez que fere os princípios da razoabilidade, livre iniciativa, pleno emprego, função social da propriedade e planejamento, bem como viola o princípio da legalidade, diante do flagrante desrespeito ao Estatuto da Cidade, à LOM e ao Plano Diretor. v) Finalmente, sustentamos que há viabilidade de questionamento da judicial da norma. A medida judicial cabível para tutelar os direitos da *** é o Mandado de Segurança. Repita-se, então, no que se refere aos atos perpetrados pelos fiscais e demais agentes públicos do Município de são Paulo, em concreto, o Mandado de Segurança, nas suas duas espécies — preventivo e repressivo —, é a ação a ser manejada. São Paulo, 20 de novembro de 2006.

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