PARECER. - Vice-presidente da República. Responsabilidade. Decretos.

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Adriano Soares da Costa​ .   

  PARECER        PARECER.  ATUAÇÃO  DO  VICE­PRESIDENTE  NO  EXERCÍCIO  DA  PRESIDÊNCIA.  EDIÇÃO  DE   DECRETOS  DE  ABERTURA DE  CRÉDITOS  SUPLEMENTARES  SEM  COBERTURA  ORÇAMENTÁRIA  OU  LEGAL.  AUSÊNCIA  DE  RESPONSABILIDADE  QUANTO  AO  SEU  CONTEÚDO.  1.  O  Vice­presidente  da  República,  quando  no  exercício  da   Presidência  por  motivo  de  viagem  internacional   oficial  do  Presidente  da  República,  ocupa  a  mesma  posição  jurídica   do  titular,  estando  em situação jurídica de ​ coposição​ .  2.  Os  atos  administrativos  praticados  pelo  Vice­presidente da República quando em ​ coposição​ ,  preparados  pela  assessoria  da  Presidência  e  em  conformidade  com  as  políticas  públicas  e  econômicas  do  titular  do  cargo,  são  postsincronizados​ ,  é dizer, são  expressão da vontade   do titular por ato expletivo, sem autogenia,  praticado  pelo copositor derivado.  3.  Ausência   de  responsabilidade.   Inexistência  de  crime  de  responsabilidade  do  Vice­presidente  da  República.  Ato  presidencial  postsincronizado  pelo  ato do Vice­presidente. 

    1. Consulta.    Consulta­nos  o  Deputado  Federal,  XXXXXXX,  do  Partido  XXX,  sobre  a  responsabilidade  jurídica,  no  capítulo  dos  crimes  de  responsabilidade,  do  Excelentíssimo  Senhor  Vice­presidente  da  República,  Michel  Miguel  Elias  1/13 

         

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Temer  Lulia,  como  agente  político,  pela  edição  de  decretos  dispondo  sobre  a  abertura  de  créditos  suplementares  solicitados  pela  assessoria  do  Gabinete  da  Presidência,  quando  estava  em  viagem  internacional  a  Excelentíssima  Senhora  Presidente da República, Dilma Vana Rousseff.    Informa  o  Consulente  que  a  imprensa  teria  publicara  ter  o  Vice­presidente  da  República  assinado  pelo  menos  três  decretos  não  numerados  de  crédito  suplementar  para  diversos  órgãos  do  Poder  Executivo,  estados  e  municípios,  e  liberado, sem o consentimento do Congresso, como exigido  por lei, cerca de R$  8  bilhões, conforme  noticiado pelo portal  do jornal O Globo de 08 de dezembro  do ano corrente.    Saliente­se,  então,  que  o  objeto  da  consulta  resume­se  apenas  à  questão  dos  limites  da  responsabilidade  dos  atos  do  Vice­presidente  no  exercício  da  Presidência  da  República,  quando  da  prática de atos administrativos executivos  de política econômica ou de gestão estabelecidas pela titular do mandato eletivo,  sem  ingressar  na  questão  da  existência,  ou  não,  de  cobertura  orçamentária  e  legal quando da edição de cada um daqueles decretos presidenciais.      2. Precisando conceitos sobre a competência dos atos administrativos1.    O  agir  administrativo  é  exercício  da  função  pública.  Ela,  a  função  pública, é  o  2 poder  jurídico  dirigido  a  um  fim  público;   um  feixe  de  poderes­deveres  que  enchem e demarcam o âmbito de atuação legítima do órgão público ou do agente  público,  é  dizer,  a  sua  ​ competência  funcional​ .  Os  poderes  para  a realização do  interesse  público  são afetados  a entidades existentes na estrutura  organizacional  da  Administração  Pública,  criados  eles  e  elas  por  lei,  que  demarcam    O  texto  reproduz,  em  larga  medida,  a  exposição que  fiz  no  capítulo  1  da  minha  obra  ​ Teoria  da  improbidade  administrativa​ ,  obra  inédita.  Sobre  os  pressupostos  teóricos de  que  me sirvo  na elaboração do presente parecer,  indico:  COSTA,  Adriano Soares da. ​ Teoria da incidência  da norma jurídica​ , 2ª  ed., São Paulo: Malheiros, 2009;   Idem​ . ​ Instituições de direito eleitoral​ . 9ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2013, esp. capítulo 1.  2   ALESSI,   Renato.   ​ Instituciones  de  derecho  administrativo​ ,  tomo  I,  tradução  da  3ª  edição  italiana  por  Buenaventura Pellisé Prats, Barcelona: Bosch, 1970, p.81.   1

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materialmente  o  seu  modo  de  atuação  e,  formalmente,  o  campo  de  atuação.  Notem.  A  competência  estabelece  fronteiras  importantes  para  delimitar  a  legitimidade ou não do ato administrativo.    A  competência  é  a  parcela  dos  deveres­poderes  da  Administração  Pública  punctualizada  em  um  determinado  órgão.  É  dizer,  o  ordenamento  jurídico  prescreve  um  feixe  de  atribuições  a  uma  unidade  interna  ou a  um determinado  cargo,  emprego  ou  função  ocupado  ou  exercido  por  agente  público  e  lhe  afeta  poderes para a realização da finalidade pública colimada. ​ Órgão ​ é, pois, o centro  de  funções  administrativas,  que  nada  mais  são  do  que  os  poderes­deveres  enfeixados  para  a  realização  de  uma  finalidade pública e  ocupado/exercido por  3 agentes públicos, que são os seus portadores ​ .    Para a  existência do ato  administrativo, é preciso que o  órgão que o expeça seja  parte  da  Administração  Pública.  Se,  porém,  a  expedição  for  feita  por  quem  é  parte  da  Administração Pública,  porém não possua competência específica para  agir  legitimamente,  o  ato  administrativo  existe,  porém invalidamente.  Os casos  de incompetência, absoluta ou relativa, devem ser analisados no âmbito do plano  da validade, para que se possa pesquisar a sua nulidade ou anulabilidade, é dizer,  4 a sua possibilidade ou não de convalidação ​ .    i. Desconcentração e descentralização​ .    Os  deveres­poderes  que  enchem  o  conceito  de  função  pública  são  distribuídos  especificamente  para  cada  um  dos  órgãos  que  compõem  a  Administração  Pública.  Se  eles  são  repassados  para  pessoas  jurídicas  que  formam  a  chamada  Administração  Indireta,  diz­se  que  houve  ​ descentralização  ​ das  competências    ALESSI,  Renato.  ​ Instituciones​ …,  cit.,  p.77.  Usando largamente  o  pensamento  de Alessi, porém  enfatizando o  feixe  de  atribuições  (ofícios),  MELLO,  Celso  Antônio  Bandeira   de.  ​ Apontamentos  sobre  a  teoria  dos  órgãos  públicos​ ,  1ª  ed.,  3ª  tir.,  São  Paulo:  RT,  1984,  pp.66­67.  É   tanto  "órgão"  o  agente  público  como  a  estrutura  organizacional na qual está inserido.  4   ALESSI,   Renato.   ​ Instituciones​ …,  cit.,  p.272.  Tanto  a  incompetência  absoluta  quanto  a  relativa  são  extralimitações  do  poder​ ,  variando   apenas  o  grau  da  invalidade  e  a  aproveitabilidade,  ou  não,  do  ato  administrativo.  3

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originalmente  próprias  da  Administração  Direta  ou  de  serviços  que,  não sendo  próprios,  interessa  sejam  prestados  por  meio  de  empresas  criadas  por  ela;  se,  doutra  banda,  a  especificação  das  competências é  delimitada dentro dos órgãos  que  compõem  a  Administração  Direta,  distribuídas  pelos  cargos  que formam a  sua  estrutura  interna,  observando­se  as  várias  lâminas  de hierarquia,  diz­se que  há ​ desconcentração​ .    A  desconcentração  é  afetação  de  competências  pelo  ordenamento jurídico para  os  diversos  níveis  de  hierarquia,  cada  qual  com  um  ​ espaço  próprio  de atuação  delimitado.  Os níveis hierárquicos superiores não podem, sem expressa previsão  normativa,  invadir  aqueles  espaços  funcionais  de  escalão  mais  abaixo  na  pirâmide  da estrutura do órgão. É dizer, o poder de mando conferido ao superior  hierárquico não o autoriza  a substituir­se ao agente público competente, fazendo  em  seu  lugar  o  que  não  está  no  âmbito  da  sua  atribuição  de  mais  elevado  coturno.    ii.  Teoria  da  desconcentração:  posição  jurídica,  lugaridade,  esfera  jurídica,  título legitimário  e âmbito de atribuições.    Posição  jurídica  é  a  expressão  da  lugaridade  do  sujeito  de  direito  no  mundo  jurídico,  involucrada  pelos  direitos,  deveres,  situações,  que  formam  a  ​ esfera  jurídica  em  que  o  sujeito  se  insere  e  lhe  identifica  no  mundo  frente  a  outros.  Denomino  ​ lugaridade  ​ a  qualidade  "espacial"  da  posição  jurídica, é  dizer, a  sua  característica  de  ter  um  lugar  punctual,  localizável,  no  seio  de  situações  e  relações  jurídicas  de  que  faça  parte  o  sujeito  de  direitos.  Aqui  e  ali,  por  comodidade,  me  referirei  à  ​ lugaridade  posicional  quando  estiver  falando  explicitamente sobre esse aspecto importante das posições jurídicas.    Há  posição  jurídica  onde  quer  que  se  encontre  um  sujeito  de  direito;  é  mais  saliente a  sua percepção frente  a outras posições, quer estejam inseridas  no seio  de  uma  relação  jurídica  existente,  quer  não  haja  relação  jurídica  entre  ela  e  outras,  ou  exista,  conviva  e  possa,  eventualmente,  relacionar­se  no  seio  de  4/13 

         

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situações  jurídicas,  ainda  que  apenas  indiretamente,  como  ocorre  com  as  situações  jurídicas uniposicionais  ou unitópicas.  A posição jurídica é produto da  subjetivação  do  ordenamento  jurídico;  o  que  está  difuso  e  afina,  adelgaça,  punctualizando­se em um  sujeito de direito  como ponto­limite é  o que origina a  posicionalidade.  E  o  sujeito  assume  não  apenas  uma,  mas  diversas  posições  jurídicas no tráfego da sua vida jurídica.    Onde  haja  um  sujeito de direito, ainda que não dotado de personalidade jurídica,  e  haja  a  sua  inserção  em  uma  situação  jurídica,  há  posição  jurídica  por  ele  ocupada. Se lhe é conferida titularidade de direitos e deveres, há posição jurídica  como  termo  de  uma  relação  jurídica.  A  posição  jurídica,  dessarte,  é  o  espaço  punctual  que o sujeito  de direito ocupa no mundo jurídico e demarca, no âmbito  da  sua  esfera  jurídica,  a  sua  lugaridade  frente  a  outras  ou,  também,  em  estado  relacional  com  outras.  Estar  diante  de  outras  esferas  jurídicas  não  é  o  mesmo  que estar em relação jurídica com elas. O ser sócio de uma empresa é ter posição  jurídica  relacional  com  os  demais  sócios,  tendo  cada  um  deles  os  direitos,  deveres,  pretensões,  obrigações,  que  enchem  o  conceito  de  esfera  jurídica;  ademais,  há  vínculo  relacional  também  com  a  própria  sociedade  da  qual  faz  parte.  Diferentemente,  ser  agente  público  é  ter  posição  jurídica  dentro  da  estrutura  organizacional  da  Administração  Pública  por  meio  de  um  ​ título  legitimário  que  outorga  aquela  qualidade  jurídica.  Trata­se  de  uma  situação  jurídica  uniposicional,  diversamente  daquela  pluriposicional.  Aquele  ​ título  jurídico  legitimário  o  faz  estar  frente  a  outros  agentes  públicos  e  a  pessoas  privadas,  não  necessariamente  dentro  de  uma  relação  jurídica,  porém  sempre  com  o  seu  múnus  público,  atribuições  específicas  e,  quando  fazendo  parte  de  uma  relação  jurídica,  com  direitos  e  deveres,  formando  a  sua  esfera  jurídica5.  Em  cada  relação  jurídica  que  ingresse  com  essa  titulação,  estará  com  a  sua  lugaridade  posicional  demarcada  extensionalmente  pelo  plexo  de  poderes­deveres que lhe sejam afetos.    CASTRO,  Torquato.  ​ Teoria da  situação  jurídica  em  direito  privado nacional​ . São Paulo: Saraiva, 1985, p.86:  "O  título  [ato  legitimário]  é  a razão  ou  fundamento  jurídico  por  que  a pessoa alcança uma posição de sujeito ao  interno  de  uma  situação  jurídica.  Ninguém  é  sujeito  ​ fora  ou  ​ dentro  da  existência  de  uma  situação  jurídica  pela  qual receba essa investidura."  5

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  Esfera  jurídica  ​ é  o  conjunto  dos  efeitos  que  dimanam  de  fatos  jurídicos  e  envolvem  o  sujeito  de  direito;  esse,  o  sujeito de direito, pode ter personalidade  jurídica ou ser ente despersonalizado, estando sempre presentes no suporte fático  de  todas  as  normas  que  se  refiram  a  efeitos  jurídicos  cuja  titularidade  seja  atribuída  à pessoa  ou ente, demarcando o campo de competências, atribuições e  possibilidades  jurídicas.  O  sujeito  de  direito  possui  várias  posições  jurídicas  involucradas  em  sua  esfera  jurídica.  Todos  os  efeitos  jurídicos,  sejam  eles  no  seio  de  uma  situação  jurídica ou de relação jurídica, que envolvem o  sujeito de  direito se  entrelaçam em um todo que forma a sua esfera jurídica, o seu modo de  ser e estar no mundo jurídico.6    O  conceito  de  ​ posição  jurídica  tem  sido  negligenciado  nos  estudos  jurídicos,  nada obstante  seja  importante para  a compreensão do que se passa nas situações  jurídicas,  nas  relações  entre  relações  jurídicas  e  nas  relações  internas  à  composição  da  relação  jurídica.  Um  sujeito  de  direito  pode  ter  mais  de  uma  posição  jurídica  dentro  da  mesma  relação,  ora  sendo  sujeito  ativo  ora  sendo  sujeito  passivo,  como  ocorre  nas  relações  de  ida­e­vinda,  ditas  relações  conversas, de uns frente  a outros com  direitos  e deveres  recíprocos7 . O  servidor  público,  por  exemplo,  ao  integrar  institucionalmente  a  Administração  Pública,  ocupa  posição  jurídica  específica  na  situação  jurídica  em  que  se  encontra  inserido estatutariamente; outrossim, estará  ocupando também diversas posições 

 ​ Consoante  pensamos, ​ esfera jurídica é o  conjunto de todas as posições, situações, relações e respectivos efeitos  jurídicos  que  dizem  respeito ao  sujeito  de  direito.  Faz parte  da  esfera  jurídica  tanto  o  direito  subjetivo  como  o  dever   ou  obrigação  que  onere  o  sujeito  de  direito.  É, portanto,  conceito  amplo  que  envolve  todas  as  situações  jurídicas  na  qual  o  sujeito  tenha  ​ lugaridade  posicional.​   Nesse  sentido:  CASETTA,  Elio.  ​ Manuale  di  diritto  ammnistrativo​ ,  14ª  ed.,  Milão:  Giuffrè, 2012, p.326:  "La  totalità delle stesse [interessi protetti dall'ordinamento]  e  dei  rapporti  imputabili  al  soggetti  ne   definiscono  la  soggettività  e  formano la  sua  sfera  giuridica, la  quale  è  ricondicibile  a  unità  proprio  attraverso  il  riferimento  al  suo  titolare". Outrossim,  com  precisão,  vide  MELLO,  Marcos Bernardes. ​ Teoria do fato jurídico​ : plano da eficácia. Vol.1, São Paulo: Saraiva, 2003, pp.74­77.  7  ​ PONTES  DE  MIRANDA,  Francisco  Cavalcanti.  ​ Tratado  ​ de  direito  privado​ ,  t.I,,  4ª ed., São Paulo: RT, 1977,  p.126:  "Relações  jurídicas  há que  permitem  duas  ou  mais  posições  para  cada  sujeito  de  direito:  o  que trocou  a  casa  ​ a  pela  casa  ​ b  deve   a  casa  ​ a​ ,  e  a  outra pessoa  lhe  deve  a  casa  ​ b​ .  A  pessoa  é  indiferente  às  posições;  é,  e  basta­lhe  o  ser. O  sujeito  de  direito  toma,  necessariamente, posição  nas relações e muitas vezes duas ou mais. O  direito  regula,  mediante  a  incidência  das  suas  regras,   essas  posições  e  suas  consequências."  Assim   também,  VILANOVA, Lourival. ​ As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo​ . São Paulo: RT, 1976, p.36.  6

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jurídicas,  por vezes como beneficiário de  direitos  subjetivos ou responsável por  deveres que lhe sejam afetos.    Ganha  em  interesse  prático  o  tema  quando  se  pensa  que  o  regime  jurídico  administrativo possui  um  estatuto  próprio, no qual os agentes políticos e agentes  públicos  se  inserem  quando  são  habilitados  e  empossados  em  seus  mandatos,  cargos,  empregos e funções. A  posição  jurídica  do agente público,  na qualidade  de  agente  público,  notem  bem,  é  definida  e  regrada  por  lei  e  regulamentos,  quando  aquela  os  autoriza.  A  esfera  jurídica  composta  por  direitos,  deveres,  múnus  e  atribuições  é  o  envoltório  em  que  se  metem  as posições jurídicas  dos  sujeitos de direito8; aqui, no interior de uma regulação estatutária.    Os  atos  administrativos  têm  como  pressuposto  de  validade  justamente  a  adequação  da  posição  jurídica  ocupada  por  quem  o  pratica  às  atribuições  do  cargo  que  ocupa. O servidor público que pratica um ato  estranho ao  âmbito das  suas  atribuições  disciplinadas  em  lei  age  invalidamente.  Ao  mesmo  tempo,  o  agente  público  não  pode  ser  responsabilizado  por  não  ter  praticado  atos  que  estejam  fora  do  âmbito  da  sua  competência  funcional.  O  procurador  tem  a  competência  de  analisar  a  fase interna de um  processo licitatório, por exemplo,  emitindo parecer jurídico sobre a sua regularidade formal ou não. Em sua análise  não  cabe  verificar  a  adequação  dos  orçamentos  apresentados  aos  preços  de  mercado.  A  análise  da  adequação  dos  preços  cotados  na  fase  interna  é  responsabilidade  do  setor  de  compras;  a questão do fracionamento, pertence ao  órgão  que  pediu a aquisição ou  ao setor financeiro que cabia controlar os gastos  públicos.  É  dizer,  o  controle  dos  atos  administrativos  apenas  pode  ser  feito,  quanto  ao  agente  público,  observando­se  os  limites  positivos  e  negativos  (excludentes)  da  sua  esfera  jurídica  funcional,  enchida  pela  competência  que a  lei  lhe  outorga,  que  diz  respeito  à  posição  jurídica  ocupada  pelo  sujeito  de  direito na situação jurídica institucional em que está inserido.     ​ PONTES  DE  MIRANDA,  Francisco  Cavalcanti.  ​ Tratado​ …,  t.I,  cit.,  p.127,  que  observou  a  correlação   conceitual entre sujeito de direito e posição.  8

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A  ​ lugaridade  posicional  é,  dessarte,  fundamental  para  se observar o âmbito de  atribuições  funcionais  demarcado  na  intimidade  da  sua  esfera  jurídica  e,  com  ela,  a  abrangência  da  sua  competência  funcional  no  quadro  organizacional  da  entidade  pública.  Se  um  deputado  federal  não  foi  eleito  para  compor  uma  determinada comissão parlamentar,  não  pode praticar atos jurídicos validamente  em  nome  dela  como  seu  membro,  porque  a  membridade  nasce  da  escolha  dos  pares, na forma regimental. É dizer, ainda  que  seja parlamentar como os demais  membros  da  comissão,  não  tem  título  legitimário  que  o  habilite  para  atuar  em  nome  dela, tampouco para atuar com  os seus membros  como se  fosse um deles.  O  membro  tem  posição  jurídica  na  comissão  perante  os  que  não  o  são  e  os  demais  que  são,  também,  membros  com  ele,  além  de  poder  assumir  posições  jurídicas dentro da comissão, como presidente, relator e que tais.    É  dizer,  dentro  da  situação  jurídica  em  que  se  encontra  o  sujeito  de  direito  inserido,  é  possível que se ocupem diversas posições como lugares  irradiadores  de  poderes­deveres,  bem  como de direitos,  deveres, ou seja,  atribuições fixadas  pelo direito objetivo. A lugaridade posicional demarca o eixo subjetivo definidor  do  âmbito  de  atribuições  conferidas  por  meio  do  ato  legitimário.  No  direito  processual  civil,  o  exemplo  mais  marcante  e  puro  é  o  litisconsórcio  necessário  unitário,  em  que  não  apenas  as  faculdades  processuais  são  comuns,  como  uniforme será o resultado.    iii. Situações jurídicas uniposicionais ou unitópicas: a "coposição" jurídica​ .    A  ​ unitopia  ​ é  um  fenômeno  encontradiço  nas  relações  de  direito  público,  nada  obstante  exista  por  igual  no  direito  privado.  A  compropriedade  é  exemplo  corrente  de  unitopismo:  há  uma só posição jurídica ocupada  por tantos quantos  sejam os proprietários  comuns. No direito público, há situações jurídicas em que  dois  ou  mais  sujeitos  de  direito  ocupam  a  um  só  tempo  a  mesma  posição  jurídica,  como  se  dá  com  o  presidente  da  República  em  viagem  internacional  oficial e o  seu vice, que fica no  país  exercendo as funções presidenciais. Não se  trata  de  ​ substituição​ ,  dado  que  ambos  estão  contemporaneamente  ocupando  a  8/13 

         

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mesma posição jurídica e praticando atos administrativos afetos exclusivamente  ao cargo de presidente da República; tampouco, é evidente, não estamos em face  da hipótese de  ​ sucessão​ , que é substituição definitiva. Dado que estão na mesma  posição  jurídica  simultaneamente,  é  conveniente  denominar  essa  situação  unitópica  de  ​ coposição​ .  Não  se  compõem  os  sujeitos;  põem­se  igualmente,  ou  seja,  co­põem­se,  mercê  de  um  título  legitimário,  ainda  que  precário,  coalescendo momentaneamente as funções públicas exercidas por ambos.    Podemos  falar  em  ​ coposição  própria  ​ e  ​ imprópria​ .  Na  coposição  própria,  o  unitopismo  plurissubjetivo  é  da  natureza  da  situação  jurídica,  como  a  compropriedade,  no  direito  material,  e  o  litisconsórcio  necessário,  no  direito  processual.  Assim,  os  sujeitos  de  direito  que  estão  em  unitopismo  plurissubjetivo  possuem  a  mesma  extensão  e  qualidade  originária  de  poderes­deveres,  bem  como  de  direitos,  deveres;  pretensões,  obrigações;  e  ações.  De  outra  sorte,  na  coposição  imprópria  há  posição  ocupada  originariamente  por  um  ou  mais  sujeitos  de  direito  e,  por  derivação,  ocupada  temporariamente  também  por  outro  ou  outros  sujeitos  de  direito,  como  ocorre  com  o  vice­presidente  da  República,  no  direito  material,  e  o  litisconsórcio  facultativo, no direito processual.     O  que  merece  aqui  a nossa atenção é o fato de termos a possibilidade jurídica de  que  dois  ou  mais  sujeitos  de  direito  ocupem  de  modo  simultâneo  a  mesma  posição  jurídica  unitopicamente.  Não  há  relação  biunívoca  entre  situação  jurídica  uniposicional  e  situação  jurídica  unissubjetiva,  como  aqui  e  ali  se  vê  afirmada9 . Como demonstramos, um ou mais sujeitos de direito podem ocupar a  mesma  lugaridade  posicional;  assim,  sendo  uma  a  posição  (unitopia),  mais  de  um sujeito podem ocupá­la (unissubjetividade ou plurissubjetividade).     Se,  porém,  para  a  prática  de  um  ou  mais  atos  específicos  o  titular  restar  impedido  e  outrem  lhe  fizer as vezes, não é  caso de ​ coposição​ ,  mas de simples   ​ Incidindo  nesse  equívoco:   MELLO,  Marcos Bernardes.  ​ Teoria​ …,  vol.1, cit., p.89,  nota  152;  e  ASCENSÃO,   José de Oliveira. ​ Teoria geral: direito civil​ , vol.3: Relações e situações jurídicas, São Paulo: Saraiva, 2010, p.17.  9

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substituição​ , ainda  que para  um único ato. Nesse caso,  apenas o substituto pode  praticar  o  ato,  estando  em  situação  jurídica  unitópica  em  regime  de  exclusividade; aqui, nessa hipótese, pode­se falar em unissubjetividade.    Devemos  distinguir, desse modo, a ​ situação jurídica uniposicional unissubjetiva  da  ​ situação  jurídica  uniposicional  plurissubjetiva​ .  Aquela  é  a  espécie  mais  comum;  essa,  em  casos  tarifados  pelo  ordenamento  jurídico.  A  unitopia  unissubjetiva,  quando  ocorre  com  pessoa  (=  sujeito  de  direito  dotado  de  personalidade  jurídica),  é  o  que  chamamos  de  ​ status​ ,  vale  dizer,  qualidade  atinente à pessoa globalmente derivada da sua pertença a um núcleo institucional  regrado  por  normas  estatutárias  que  estabelecem  situação  jurídica  uniforme  e  homogênea10 . Ser cidadão, servidor  público, magistrado, advogado, eleitor, etc.,  são  ​ status  conferidos  à  pessoa  por  um  ato  legitimário,  que  é  sempre  um  ato  jurídico  ​ lato  sensu​ .  Dessarte,  o  ​ status  é efeito jurídico,  a qualidade de estar em  situação,  que  é  sempre  pressuposta  para  a  plena  incidência  da  disciplina  normativa homogênea (estatutária).      3.  Os  decretos  de  abertura  de crédito suplementar  preparados  pela equipe  econômica  da  Presidente  da  República:  ausência  de  responsabilidade  pessoal do Vice­presidente da República.    Embora  uniposicional,  a  situação  jurídica  da  ​ coposição  ​ é  de  igual  modo  plurissubjetiva.  Estamos  diante  de  dois  ou  mais  sujeitos  de  direito  ocupando  a  um  só  tempo  a  mesma  posição  jurídica,  exercendo  legitimamente  os  mesmos  deveres­poderes  que  lhe  são  conferidos,  razão  pela  qual,  ​ e.  g.​ ,  o  Presidente  da  República  assina  tratados  e acordos internacionais ​ como presidente, enquanto  o 

  Próximo  ao  que  sustentamos:   CASETTA,  Elio.  ​ Manuale…​ ,  cit.,  p.327.  É  importante  que  se   anote  que  a   doutrina italiana, não raro, confunde  o conceito de situação jurídica com o de  posição jurídica. Ativa ou passiva é  a  posição jurídica  assumida  pelo  sujeito  de  direito  como  termo ou polo  de uma relação  jurídica; aqui, consoante  estamos  expondo,  a  lugaridade  posicional  diz  da  posição jurídica, não  da  situação  jurídica,  que  é conceito  mais  amplo e diverso.   10

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seu  Vice,  exercendo  a  Presidência,  assina  decretos,  portarias  e  sanciona  leis,  como​  Presidente em exercício11 .    Até onde, porém, serão exercidos pelo Vice os deveres­poderes que a ​ coposição  imprópria  autoriza  é  matéria  definida  pela  natureza  derivada  do  seu  exercício,  que  se  dá  sempre  conforme  as  orientações  das  políticas  públicas  e  plano  de  governo  adotados  pelo  titular  originário.  O  Vice  poderia  agir  em  desconformidade  com essas orientações?;  evidentemente que sim, sem embargo  de  estar,  nessa  hipótese,  rompendo  a  harmonia  que  deveria  reger  o unitopismo  plurissubjetivo,  quebrando  a legitimidade política ­ não a jurídica, perceba­se! ­  do  seu  agir.  Se  essa  quebra da  legitimidade política implicaria abuso ou  desvio  de  poder,  é  a  natureza  do ato praticado  no exercício  dos  poderes­deveres  que  o  dirá,  donde  se  pode  desde  logo  observar  que  os  sujeitos  de  direito  unitopicamente  ocupando  a  mesma  lugaridade  funcional  são,  cada  um  por  si,  responsáveis  únicos pelos  seus próprios atos, salvo quando o ​ copositor derivado  atuar mimetizando o agir do ​ copositor originário​ .    O  agir  do  Vice­presidente,  como  copositor  derivado,  é,  aí,  ​ postsincronizado​ :  trata­se do fazer burocraticamente  o que o titular deixou para que fizesse em sua  ausência  do  território  nacional.  Noutras  falas,  a  vontade  que  manifesta  não é a  sua,  mas  a de  outrem. Fôssemos usar uma imagem aproximada, diríamos que o  copositor  derivado,  nessas  hipóteses  de  dizer  por  outrem, age como o  dublador  de  filmes:  fala  com  voz  própria  o  que  é  porém  expressão,  manifestação,  do  titular,  no  caso,  o  copositor  originário.  A  ​ postsincronização  do  ato  administrativo nada mais  é do que a atuação expletiva do copositor derivado em  manifestar  por  necessidade burocrática ato  próprio  do copositor  originário. Não 

  Um  dos  erros  comuns  sobre  o  ​ status  do  Presidente  da  República   em   viagem  ao  exterior  é   o  de  afirmá­lo   como  Chefe  de   Estado,  diversamente do  Vice­presidente,  que estaria exercendo  a chefia  de  Governo.  O  Presidente da  República  Federativa do Brasil, quando em viagem oficial, presenta o Estado  como Presidente,  é dizer,  a um só  tempo como  Chefe  de Estado  e  Chefe  de  Governo, razão  pela qual  pode  agir   internacionalmente  em   nome  do  País.  Note­se:  presenta  o  Estado   e  o  Governo;  não  representa,  como   fazem  os  presidentes  no  semi­presidencialismo  ou  os  monarcas,  na  monarquia  parlamentarista.  11

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se trata de  ato autogênico, porém gestado por outrem, o titular, embora realizado  pelo copositor derivado.    Em  miúdos,  o  Vice­presidente  ­  ao  editar  decretos  que  abrem  crédito  suplementar  ­  está  apenas  cumprindo  uma  função  expletiva;  o  seu  ato  administrativo  aqui  é  ato  do  titular  tornado  seu  apenas  por  necessidade  do  serviço,  não  expressando  vontade  sua  autônoma, tampouco  executando  política  própria.  É  típico  exemplo  do  fenômeno  da  ​ postsincronização  do  ato  administrativo: o seu dizer o direito é apenas o dizer por outrem.    É  de  conhecimento  corrente,  ademais,  que o  Vice­presidente não teve qualquer  participação  na  formulação  da  política  econômica  do  governo  ou  nas  decisões  centrais  de  aplicação  dos  recursos  públicos.  Quando  solicitado  pela  Presidente  República,  o  Vice­presidente  cuidou  de  realizar  a  coordenação  política  para  buscar  construir  o  consenso  voltado  à  aprovação  pelo  Congresso  Nacional  de  medidas havidas por fundamentais para o ajuste fiscal Atuação bem delimitada e  com prazo certo, restringida ao cumprimento daquela missão.    Dado  que  a  declaração  de  vontade  que  manifesta  é  a  vontade  de  outrem,  verberada  pelo  Vice­presidente  por  necessidade  imposta  pela  burocracia,  o  ato  administrativo  praticado  é  apenas  em aparência  seu; o conteúdo  que expressa  é  produto  da  política  econômica  e  gerencial  da  Presidência  da  República,  elaborado  pelos  seus  auxiliares  diretos  e  de  confiança.  Dá­se  o  mesmo, ​ grosso  modo​ , com  o procurador  que  se faz presente na  cerimônia de matrimônio,  diz o  "sim"  pelo  outorgante,  manifestando  a  vontade  dele,  noivo,  não  a  sua,  procurador. A declaração de vontade não é a de quem a manifestou, mas daquele  por quem foi ela manifestada.    Resta  evidente,  destarte, que não se pode atribuir ao Vice­presidente a prática de  qualquer  ilicitude, não tendo responsabilidade jurídica pela prática de ato gerado  por outrem,  apenas contendo a sua assinatura  por razões burocráticas. O decreto  postsincronizado  é produto de processo autorizado pela presidente da República,  12/13 

         

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realizado  pela  sua  assessoria  e  apenas  assinado  pelo  Vice­presidente  expletivamente.      4. Resposta à consulta. Conclusão.    Após  a  análise  jurídica  realizada,  resta  sobejamente  demonstrado,  conforme  pensamos  e  é  a  nossa  convicção,  que  o  Vice­presidente  da  República,  no  exercício  da  Presidência,  exercita  os  poderes­deveres  da  coposição  derivada,  agindo  no  mais  da  vez  expletivamente  em  relação  aos  atos  da  Presidente  da  República.  Assim,  quando  assinou  decretos  adrede  preparados  pela  assessoria  econômica  da  Presidência,  que  cumpria determinações da  titular do mandato, o  Vice­presidente  apenas  assinou  burocraticamente  ato  administrativo  da  Presidência, manifestando a sua, dela, declaração de vontade.    A  coposição derivada  age, no mais da  vez, por ​ postsincronização​ , mimetizando  o  ato  do  real  emissor: o  titular, copositor originário. Nesse caso, cujos decretos  de  liberação  de  créditos  suplementares  são  exemplos  evidentes,  a  responsabilidade  do  ato  é  exclusivamente  da  fonte  da  vontade  manifestada por  outrem:  a  Presidência  da  República.  A  responsabilidade  jurídica  do  Vice­presidente é, desse modo, nenhuma!    É o parecer, s.m.j.    Advento do Senhor, Brasília/DF, 28 de dezembro de 2015.        ADRIANO SOARES DA COSTA  Advogado. Presidente da Instituição Brasileira de Direito Público ­ IBDPub. Conferencista.  Parecerista. Ex­juiz de Direito. 

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