Parmênides 1,29. A verdade tem um coração intrépido?

July 8, 2017 | Autor: Nicola Galgano | Categoria: Parmenides
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UNA MIRADA ACTUAL A LA FILOSOFÍA GRIEGA Ponencias del II Congreso Internacional de Filosofía Griega de la Sociedad Ibérica de Filosofía Griega

Madrid-Mallorca 2012

TÍTULO

Una mirada actual a la filosofía griega. Ponencias del II Congreso Internacional de Filosofía Griega de la Sociedad Ibérica de Filosofía Griega PRIMERA EDICIÓN

Abril de 2012 Reservados todos los derechos. De la edición © Sociedad Ibérica de Filosofía Griega (SIFG) De los textos © los autores Editor literario: Dr. Antoni Bordoy Comité editor: Dr. Francesc Casadesús Sr. D. Daniel Pons Sr. D. Raúl Genovés Sra. Da. Catalina Aparicio Comité Científico: Dr. Juan de Dios Bares (Universidad de Valencia) Dr. Alberto Bernabé (Universidad Complutense de Madrid) Dr. Tomás Calvo (Universidad Complutense de Madrid) Dra. Maria do Céu Fialho (Universidade de Coimbra) Dr. Víctor Gómez Pin (Universitat Autònoma de Barcelona) Dr. Enrique Hülsz (Universidad Nacional Autónoma de México) Dr. António Manuel Martins (Universidade de Coimbra) Dr. António Pedro Mesquita (Universidade de Lisboa) Dr. Ramón Román (Universidad de Córdoba) Dr. Álvaro Vallejo (Universidad de Granada) Los trabajos que forman parte del presente volumen han superado un doble proceso anónimo de revisión por pares. ISBN-10: 84-695-3074-7 ISBN-13: 978-84-695-3074-0

ÍNDICE

A modo de prólogo ..................................................................................................

I-III

SECCIÓN I HACIA UNA PERSPECTIVA GENERAL DE LA FILOSOFÍA GRIEGA Filosofía y misterios. Hacia una lectura del proemio de Parménides A. Bernabé .................................................................................................................

3

Determinismo, causas e modalidades crisipianas A. M. Martins ............................................................................................................

41

Tres situacions platòniques del record J. Sales i Coderch ......................................................................................................

55

SECCIÓN II EL NACIMIENTO Y LOS PRIMEROS PASOS DE LA FILOSOFÍA GRIEGA Parte 1: Poesía, teatro y mito ¿Por qué no morí antes o no nací después? (Hesíodo, trab. 175) N. L. Cordero ............................................................................................................

87

El cara a cara: un acercamiento a las relaciones entre el yo y el otro en la Odisea B. Álvarez Rodríguez...............................................................................................

99

A comédia aristofânica na Apologia de Sócrates C. de Souza Agostini................................................................................................

111

La sabiduría en Las bacantes de Eurípides Mª de los Á. Navarro González..............................................................................

123

Prometeo y la akrasia J. F. González Calderón ...........................................................................................

139

Parte 2 El mundo de los filósofos preplatónicos Mundos y cosmos en Anaximandro T. Calvo ......................................................................................................................

155

La hostilidad de los elementos en Homero y Empédocles M. Herrero de Jáuregui ...........................................................................................

163

En los caminos alados del sueño. Parménides y la metáfora del dormir y el despertar B. Berruecos Frank ...................................................................................................

173

DK 28 1.29 - A verdade tem um coração intrépido? N. Stefano Galgano .................................................................................................

189

La lucha por la ley: una nueva propuesta de lectura del fragmento 22 b 44 DK de Heráclito R. Caballero ...............................................................................................................

203

Los akousmata pitagóricos y las laminillas órficas de oro M. A. Santamaría Álvarez .......................................................................................

213

Parte 3 Aspectos generales de la filosofía griega preplatónica ¿Hay voluntad en la filosofía griega? J. García-Valiño Abós...............................................................................................

223

Discursos sobre eros: los erotikoi logoi en la literatura simposiaca-filosófica griega M. Martínez Hernández .........................................................................................

237

Φιλόπονος o ἀργός: la caracterización del filósofo griego antiguo entre biografía y comedia S. Grau .......................................................................................................................

249

Sobre la medicina antigua y el inicio de la ciencia P. Yuste Leciñena .....................................................................................................

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DK 28 1.29 - A VERDADE TEM UM CORAÇÃO INTRÉPIDO? Nicola STEFANO GALGANO Universidade de São Paulo O artigo estuda uma das passagens mais famosas do Poema de Parmênides, o verso 29 do fragmento 1, Ἀληθέιης εὐκυκλέος ἀτρεμές ἦτορ, que literalmente pode ser assim traduzido: «o coração intrépido da verdade bem redonda». Essas palavras são proferidas por uma deusa anônima a um discípulo e querem expor o programa de ensino da divina mestra: o discípulo tem que aprender a verdade, mas também as opiniões dos mortais. Todos os estudiosos interpretam esse verso como metáfora, onde as expressões ‘coração intrépido’ e ‘bem redonda’ formam a imagem de uma ‘verdade imortal’ oposta às ‘opiniões dos mortais’. O artigo questiona esta interpretação metafórica, talvez platonizante, alegando três tipos de considerações: literárias, (imagem imprópria de um coração que não bate, intrépido), históricas (pela fisiologia da época o coração é também a sede do pensamento) e filológicas (o termo para significar ‘centro’ é καρδία e não ἦτορ). A nova tradução proposta mostra que Parmênides queria dizer algo mais simples, isto é, ‘a mente firme da verdade bem conexa’, apontando para um fenômeno psicológico, a persuasão, sucessivamente retomado no fragmento 2. O fragmento 1 do Poema de Parmênides contém uma passagem muito famosa nos versos 28-30. No Diels-Kranz1 encontramos: [...] χρεὼ δέ σε πάντα πυθέσθαι ἡμὲν Ἀληθτείης εὐκυκλέος ἀτρεμὲς ἦτορ ἠδὲ βροτῶν δόξας, ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθής.

A passagem em questão é «Ἀλητείης εὐκυκλέος ἀτρεμές ἦτορ» que literalmente pode ser traduzida assim: coração intrépido da verdade bem redonda. O verso apresenta também duas variantes – εὐπειθέος e εὐφεγγέος – reportadas por Sexto Empírico e Proclo, mas disso nos ocuparemos depois.

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Diels-Kranz 1989, 230.

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Vejamos, antes de tudo, algumas traduções, antes entre as mais clássicas e depois também entre as mais recentes: a) Burnet2: «the unshaken heart of wellpersuasive truth»; b) Zafiropulo3: «l’inébranlable coeur de la Vérité aux courbes splendides»; c) Untersteiner4: «il cuore immobile dela Verità rotonda»; d) O’Brian5: «the still heart of persuasive truth»; e) Reale6: «il solido cuore dela Verità rotonda»; Curd7: «the unshaking heart of well-persuasive truth»; g) Cordero8: «corazón inperturbable de la verdad bien redondeada». A lista poderia continuar longamente, mas é fácil ver que as traduções de todos estes estudiosos ilustres – e também daqueles que não apresentei aqui – são do mesmo teor. Então, vamos estabelecer o sentido geral desses versos. Como se sabe, o fragmento 1 de Parmênides narra uma viagem fantástica de um jovem aprendiz. A viagem acontece sobre um carro especial, puxado por éguas mágicas e orientado por donzelas divinas, filhas do sol. Saindo das casas da Noite, a viagem continua até uma porta divina onde uma deusa misteriosa toma o jovem pela mão. A deusa, anunciando que não é um mau destino que o conduz até ela, diz que ele deverá conhecer e aprender tudo, tanto a verdade, quanto as incertas opiniões dos mortais. Este é o sentido genérico. O verso do qual queremos tratar se coloca no fim da viagem e no início da lição da deusa, a qual ensina a ele a ordem das coisas do mundo. Portanto, os versos 28-30 são, por assim dizer, o índice do discurso da deusa, o qual se desenvolverá em duas partes: a primeira tratará da verdade, a segunda tratará das opiniões dos mortais. De que maneira a deusa expressa a noção de verdade que ela ensinará? Expressaa exatamente com o verso 1.29: Ἀληθείης εὐκυκλέος ἀτρεμές ἦτορ, que traduzimos provisoriamente – seguindo aproximadamente as várias traduções dos estudiosos – «o coração intrépido da verdade bem redonda». A descrição fantástica termina quando se chega às palavras da deusa e, pelo restante do poema, o tom muda numa lição ministrada com linguagem severa e sem ornamentos9. Colocado logo depois da descrição fantástica da viagem e no começo do discurso severo da deusa, nosso verso parece ter um destino diferente; de fato, sendo constituído de palavras da deusa deveria pertencer à Burnet 1920, cap. IV. Zafiropulo 1950, 130. 4 Untersteiner 1977, 125. 5 O’Brian 1987, 7. 6 Reale 1991, 89. 7 Curd 1997, 21. 8 Cordero 2005, 218. 9 Mesmo em passagens, onde são usados adjetivos de menor precisão, a descrição ainda é realística e bastante objetiva, como, por exemplo, na descrição dos mortais bicéfalos ou surdos ou mudos. De fato, a referência é à incapacidade dos sentidos de colher a realidade com coerência, assim como por um raciocínio duplo, com dois pesos e duas medidas, isto é, com uma mente bicéfala. 2 3

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linguagem severa da lição. Mas, talvez por ser epílogo de uma descrição extremamente sugestiva e fantástica, os estudiosos não quiseram ver nele um sentido literal, preferindo uma leitura metafórica. Com efeito, já Sexto Empírico propõe uma interpretação alegórica do proêmio e diz que as éguas são os impulsos irracionais da alma, a via de muito conhecimento é a especulação filosófica, as donzelas são as sensações, etc. Quando chega ao nosso verso, diz que «o coração imóvel da verdade que bem persuade (aqui uma das variantes das quais falávamos) corresponde à base imóvel da ciência»10. Ou seja, em sua opinião, a alegoria se estenderia até compreender uma parte das palavras da deusa. Infelizmente, porém, nesse verso a alegoria não convence: antes de tudo, uma ciência com base imóvel, na Grécia e nas colônias gregas, na época de Parmênides, ainda não existia e o ‘cientista’ ainda se diferenciava pouco do sacerdote-poeta-mago-curandeiro; depois, e sobretudo, a verdade como imagem do conhecimento não é uma alegoria, assim como também o coração imóvel como base imóvel não é alegoria, são metáforas, onde isto quer dizer que a alegoria funciona por toda a primeira parte do proêmio, mas falha exatamente no nosso verso, pois, em 1.29 a linguagem de Parmênides muda. E, de fato, todos os estudiosos modernos que consegui consultar tratam este verso como uma metáfora. Em suas interpretações, eles dizem que a verdade é algo perfeito porque uma verdade imperfeita não é uma verdade. Acrescentam que a verdade tem um centro, que é seu núcleo mais resistente e imutável, porque uma verdade que muda não é uma verdade eminente; este núcleo é, então, o coração, enquanto sua imobilidade está representada pelo adjetivo «intrépido», que não treme, que não tem medo, que resiste a qualquer ataque e que, portanto, é estável. Para completar a imagem, temos a qualificação da verdade, que porém chega até nós em três variantes: Simplício reporta Ἀληθείης εὐκυκλέος11, a variante escolhida por Diels; Sexto empírico e outros, com pequenas diferenças de lição em diferentes manuscritos, escrevem Ἀληθείης εὐπειθέος12 e Proclo, por sua vez, escreve Ἀληθείης εὐφεγγέος13. Por razões de espaço, não podemos examiná-las aqui como gostaríamos. Qual das três variantes temos que aceitar para melhor traduzir nossos versos? Por enquanto deixemos suspensa a resposta e passemos a nos ocupar com a outra metade do verso: ἀτρεμές ἦτορ. Com raras exceções, todos os estudiosos

S.E. M. 7.114.2-3: «ἠμὲν Ἀληθείης εὐπειθέος ἀτρεμὲς ἦτορ”, ὅπερ ἐστὶ τὸ τῆς ἐπιστήμης ἀμετακίνητον βῆμα.» 11 Simp. in Cael. 557.25-558.2. 12 S.E. M. 7.111.35: «ἠμὲν Ἀληθείης εὐπειθέος ἀτρεμὲς ἦτορ». Os outros são Diógenes Laércio, Plutarco e Clemente. 13 Procl. in Ti. 1.345.15 10

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traduzem ‘coração intrépido’14. Vejamos então o sentido completo do verso segundo a interpretação mais comum. A deusa, depois de acolher o jovem, diz a ele: é necessário que tu conheças tudo, tanto a mais perfeita verdade em seu centro mais imóvel, quanto a opinião dos mortais nos quais não há certeza verdadeira. O período contém duas frases correlativas e, dizem os estudiosos, o nosso verso deve ser entendido em sentido metafórico. Entretanto, salta logo aos olhos uma falta de simetria entre as duas partes da correlação. Se, por um lado, há um centro imóvel de um círculo perfeito, por outro lado, não há algo móvel em um círculo imperfeito, mas apenas uma descrição realista da mentalidade dos mortais, os quais opinam com conceituações não confiáveis. Então, se esperávamos uma simetria, esta não se apresenta; assim, na correlação, metade é metáfora e metade é descrição realista. Todavia, mesmo assim parece haver algo que não está certo. Antes de tudo aquele ‘coração intrépido’ não parece uma metáfora muito feliz, pois, de fato, um coração que não treme, isto é, que não se movimenta oscilando, é um coração tolhido de sua característica principal: o movimento de pulsação. Segundo alguns autores, seria uma metáfora de origem militar, mas não há nenhum paralelo disto no texto15. Vejamos agora a relação entre ‘coração intrépido’ e a verdade com cada uma das três qualificações transmitidas pelos doxógrafos. O εὐφεγγέος de Proclo não diz nada do ἀτρεμές ἦτορ, isto é, não há nenhuma relação entre um coração imóvel e uma verdade resplandecente; até mesmo pode ser vista uma antítese, seja porque o esplendor por antonomásia, o sol, está sempre em movimento, seja porque a sensação de esplendor está associada a uma forte dinâmica, tanto de cintilação quanto de vitalidade. Que nexo então poderia haver entre imobilidade (ou intrepidez ou impavidez) e o resplandecer? Não há nexo. Portanto essas duas imagens, na versão de Proclo, estão justapostas inutilmente. Também o εὐπειθέος de Sexto Empírico não se junta com o restante do verso numa metáfora consistente. Com efeito, qual seria a pertinência da boa persuasão com o coração imóvel? Por que uma verdade persuasiva teria um coração imóvel? Ainda que ‘coração’ se entenda como centro ao invés de coragem (pois coragem não tem pertinência nenhuma com bem persuasivo), então por que o

Entre as exceções, por exemplo, Casertano (1978, 15) traduz: «sia il fondo immutabile della verità senza contraddizioni». 15 Jameson 1958, 26. Jameson afirma: «This phrase is a part of a military metaphor which, though never precisely formulated, runs trough the Way of Truth and is peculiarly representative of Parmenides’ feelings». Parece que Jameson conheça até mesmo os sentimentos de Parmênides, por isso não hesita em falar em metáfora militar, ainda que não explicitamente expressa, mas apenas latente, no texto parmenidiano. Eu penso que haja exagero, pois o texto, em minha opinião, não sugere tal metáfora. 14

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fato de bem persuadir deveria ter um centro imóvel? A metáfora se dissolveria em uma descrição mais simples: aquilo que bem persuade é uma verdade, mas uma verdade cujo centro é imóvel. Todavia, a imagem imediatamente proporia uma verdade com um coração, e isto continua incômodo, pois por que a verdade deveria ter um coração central? A ideia permanece confusa, porque continua a existir uma ambiguidade entre centro e imobilidade e ficamos sem saber se a verdade que ‘bem persuade’ é tal porque é central ou porque é imóvel. Além do mais, a correlação imporia uma opinião cuja verdade teria um centro móvel ou trépido ou ainda, seguindo a ambiguidade, estaria apenas fora do centro ou longe do centro. Portanto, mesmo no caso de εὐπειθέος a metáfora é bastante ruim e não alcança seu objetivo literário de explicar uma realidade com uma imagem, pois se a imagem ou a sua pertinência são impróprias, a realidade que se quer indicar não é explicada. Porém, no caso de εὐκυκλέος a interpretação metafórica do verso teve um sucesso extraordinário. De fato, a expressão ‘o coração imóvel da verdade bem redonda’ é uma afirmação que constrói uma imagem muito forte. Provavelmente é a expressão parmenidiana mais citada. Quase todos os textos que fazem referência a Parmênides ou ao seu poema, reportam esta expressão; parece quase uma logomarca parmenidiana. A imagem de uma verdade ‘bem redonda’ se aproxima do arquétipo da esfera, a qual representa a perfeição. A esfera parece ser um dos símbolos mais adequados para representar o conceito de ‘verdade’. Esta não pode ser se não perfeita, de fato, uma verdade imperfeita não é uma verdade. Do conúbio entre verdade e esfera surgiu esta poderosa imagem que não é apenas uma verdade ‘redonda’ mas até mesmo uma verdade ‘bem’ redonda: faz referência à rotundidade mais perfeita. Esta rotundidade tem um centro e este centro é um coração que nada teme. Metaforicamente a imagem se reforça imensamente, porque se trata do núcleo da verdade, da verdade última ou da verdade suprema, como é denominada pelos metafísicos. Claramente, esta verdade última só pode ser imperturbável e inviolável. Resulta, então, uma imagem poderosa que exercitou e continua exercitando um grande fascínio sobre o leitor. Entretanto, perguntemo-nos: por que a verdade, sendo redonda por causa de sua perfeição, deveria ter um centro ainda mais verdadeiro por sua imobilidade? Neste caso teríamos dois diferentes pontos de atenção numa mesma imagem e a metáfora se deslocaria ambiguamente da perfeição da circularidade à imobilidade da centralidade, isto é, se poderia imaginar que, sendo o centro uma metáfora da verdade, conforme nos afastamos do centro, nos afastamos também da verdade, onde o círculo é exatamente algo que se afasta mais ou menos do centro. Ao final das contas, portanto, a metáfora do centro imóvel enfraquece a metáfora da perfeição do círculo. Todavia, a objeção mais

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forte permanece ainda a impropriedade do uso da imagem de um coração imóvel, bastante infeliz, que não consegue explicar o sentido da noção de verdade que o jovem aprendiz tem que conhecer. Vimos até aqui o uso das três variantes transmitidas pelos doxógrafos e vimos também que a interpretação em sentido alegórico ou metafórico da passagem em questão não é plenamente satisfatória. Então, é necessário buscar outros caminhos. Mas para fazer isto é necessário deixar de lado o sentido metafórico que ressoa em nossa mente pela leitura tradicional dos versos. Principalmente, é necessário deixar de lado a visão da oposição entre verdade e opinião, que é uma das chaves de interpretação de toda a filosofia de Parmênides. É necessário fazer isto porque se, de um lado, é justo ver esta oposição na filosofia do eleata, por outro lado, isto não significa que ela esteja presente em cada verso do poema. Em nosso caso específico, embora estejam em questão verdade e opinião, é necessário levar em conta que os πάντα indicados pela deusa como objeto de saber são ἦτορ e δόξας, e não ἀλήθεια e δόξας. A objeção de que seja apenas uma referência sintática e que, portanto, no fundo, πάντα se refere a verdade o opinião16, não nos deve eximir da pesquisa de um possível significado de ἦτορ e δόξας que vá além do sentido metafórico e que possa revelar significados diferentes e, talvez, mais diretos. É necessário, então, rever os significados de ἀτρεμές ἦτορ. ἦτορ significa ‘coração’ e é usado somente na épica e na poesia, porque para os demais usos o grego antigo tem o termo καρδία. Já ἀτρεμές significa intrépido, que não treme. Vejamos antes de tudo as acepções de ἀτρεμές. No Liddell-Scott-Jones encontramos: «imóvel, calmo» ou ainda «estável, firme». Já como substantivo temos «calma». Para o verbo ἀτρεμέω temos: «não tremer, estar quieto ou calmo». Mesmo considerando sua matriz, isto é o verbo τρέμω, temos: «tremer, oscilar». Em suma, temos: intrépido, imóvel, tranquilo, calmo. Para ἦτορ, as acepções indicadas (LSJ) são: 4) coração (físico); 5) sede da vida, vida; 6) sede das sensações, paixão, desejo; 7) sede das capacidades de raciocínio. Convém notar que todas estas acepções são antigas e já se encontram na Ilíada ou na Odisseia ou em Hesíodo17. Cruzando os vários sentidos do substantivo com o adjetivo, temos as seguintes traduções possíveis:

Cfr. Cordero 1984, 183, n. 23. As correspondências são as seguintes: 1) Il. 22.452; 2) Il. 5.250, 13.84, 21.114; 3) Il. 3.31, 9.9, 19.307, 21.389, Od. 4.467, 19.136; Hes. Th. 139 ; 4) Il. 1.188. 16 17

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coração (físico) imóvel (ou estável ou calmo ou firme); ou ainda intrépido ou sem medo;

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sede da vida, vida imóvel (ou estável etc...);

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sede das sensações (paixão, desejo) imóvel (ou estável, etc...);

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sede das capacidades de raciocínio imóvel (ou estável, etc...).

Como vimos, a preferência dos estudiosos se orienta para a primeira acepção, tomando o termo ‘coração’ no sentido metafórico de centro, núcleo ou essência partindo da consideração de que o coração humano é o centro físico da estrutura corporal humana. Porém, esta acepção de ‘centro’ não se encontra entre os significados de ἦτορ. De fato, esta extensão de significado está registrada apenas com καρδία. Vejamos de novo o LSJ, para καρδία: -

coração;

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sede das sensações e das paixões (ira, medo, coragem, tristeza, alegria, amor);

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inclinação, desejo, propósito;

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mente;

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orifício cardíaco do estômago;

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coração da madeira (medula);

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núcleo ou estrutura de uma coroa de ouro;

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profundidade (do mar), em sentido metafórico.

Como é fácil de ver, um significado similar ao significado de ‘centro’ ou ‘núcleo’ se encontra nos pontos de 5) a 8). Além de que, estes significados são de datação muito posterior ao poema de Parmênides, como é possível ver no próprio LSJ. Portanto, a análise lexical põe em relevo que ἦτορ não tem o sentido figurativo de ‘centro’ e não pode ser traduzido com o sentido de núcleo, essência, parte central ou similares. Este termo, de per si, não sustenta a metáfora. Mesmo assim, Parmênides poderia ter sido o primeiro a usar ‘coração’ em sentido metafórico. Para averiguar, teremos que ir além do léxico e recorrer à análise do discurso parmenidiano. Nos versos 1.29-30, notamos o uso das conjunções correlativas ἠμὲν e ἠδὲ que sugerem uma simetria conceitual entre as partes conjuntas. Mas a interpretação metafórica rompe esta simetria. Porque, se de um lado temos «o coração imóvel da Verdade bem redonda», do outro não temos a metáfora correspondente (como poderia ser, por exemplo, ‘o centro móvel das opiniões muito imperfeitas’). Entretanto, se se estabelecesse uma tradução não metafórica, a simetria conceitual emergiria. É possível fazer isto? Eu penso que seja possível e, portanto, vejamos agora como reconstruir o verso. O termo que confunde, em minha opinião, é ἦτορ, o qual não deve ser traduzido com ‘coração’, mas com ‘sede das

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capacidades de raciocínio’18, isto é, mente19. Se ἦτορ for ‘mente’ se restabelece imediatamente a simetria conceitual, sugerida por ἠμὲν e ἠδὲ, onde, de um lado, temos ‘a mente’ que pensa pensamentos verdadeiros e, do outro, temos a opinião dos mortais que pensam pensamentos incertos. Então, a simetria conceitual giraria em volta de um método para diferenciar os pensamentos de verdade daqueles de opinião. Que esta seja a intenção do anúncio da deusa resulta claro pela divisão do poema. A deusa diz que o jovem conhecerá antes o pensamento da verdade e depois a opinião dos mortais. O programa se cumpre quando a deusa expõe, nos fragmentos de 2 a 8, os dois caminhos da verdade e sucessivamente, exatamente no fragmento 8, anuncia ter terminado o discurso da verdade e se prepara a falar das opiniões, avisando sobre o caráter enganador de suas afirmações. Portanto, a nossa hipótese da simetria anunciada por ἠμὲν e ἠδὲ parece levar a conclusões coerentes com o resto do poema. Porém seria necessário dar um sentido ao verso 1.29 por inteiro. Prossigamos com o adjetivo de ‘mente’, isto é, ἀτρεμές. O resultado é ‘mente que não treme’, isto é, firme, sólida, que não oscila. Que sentido pode ter esta expressão? Em minha opinião, significa uma mente onde o pensamento, quando é pensado, adere perfeitamente à mente; o pensamento se apresenta firme, sólido e sem aquela oscilação que é característica peculiar da dúvida. Neste caso, ἀτρεμὲς ἦτορ, longe de ser uma metáfora, é a descrição de uma sensação mental, isto é, a expressão de uma observação psicológica de Parmênides: quando a mente pensa coisas verdadeiras, permanece firme e sem oscilar, diferentemente daquelas formulações que nos deixam na dúvida, a qual é exatamente uma oscilação da convicção. Trata-se de duas maneiras de pensar, uma quando estamos convencidos daquilo que pensamos e outra quando não estamos convencidos; no primeiro caso estamos convencidos da afirmação ou da negação de uma asserção, no segundo não estamos convencidos porque a asserção pode ou não ser verdadeira. No primeiro caso, o pensado dá origem a uma sensação de estabilidade mental, que nós chamamos certeza, enquanto que no segundo caso, o pensado dá origem a uma certeza imprópria, uma certeza não verdadeira ou, nas palavras de Parmênides, um tipo de pensamento onde «não há certeza verdadeira» (ταῖς οὐκ ἔνι πίστις ἀληθήες). Jameson 1958, 27. Em seu artigo, Jameson afirma que ῆτορ não é uma palavra com associações intelectuais. Entre outras coisas, ele diz que a dúvida de Aquiles (Il. 1.188) pode ser suficientemente explicada com um conflito emocional profundo entre orgulho e respeito pela autoridade. Pode até ser que ‘emoção profunda’ seja suficiente, todavia e explicação de ‘ponderação’ é melhor e, portanto, permanece o sentido de âmbito intelectual de ἦτορ. 19 Alcméon, aproximadamente contemporâneo ou de pouco anterior a Parmênides, é o primeiro que faz referência ao cérebro como órgão das percepções e do pensamento. Antes dele, para a fisiologia antiga, a sede do pensamento era o peito. Para esta discussão, cfr. Longrigg 1993, 47 et passim. 18

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Se agora percorremos o campo semântico de πίστις, encontramos o significado de ‘persuasão’ e, portanto, o sentido de toda a expressão se esclarece bem: de um lado, temos a persuasão verdadeira e, de outro lado, a persuasão não verdadeira. Agora precisamos explicar a expressão Ἀληθείης εὐκυκλέος. Comecemos com Ἀληθείης, genitivo de ἀλήθεια. De que genitivo se trata? Segundo a tradução recorrente, é um genitivo partitivo – onde o ‘coração’ representa uma parte do todo da verdade – que segue a construção do genitivo partitivo subjetivo, onde o sujeito é a verdade. Mas, tendo descartado a tradução metafórica, temos que abandonar a ideia de um genitivo partitivo (ainda que subjetivo), já que ‘a mente (como parte) da verdade’ não tem sentido algum. Em nossa leitura, trata-se de um genitivo de origem20 e, portanto, o sentido resulta claro: a firme disposição mental que se origina da verdade. E aqui por verdade não se deve entender a verdade em sentido abstrato, isto é, a verdade em si mesma, mas a verdade de um pensamento ou de uma afirmação; então, se deve entender como ‘pensamento verdadeiro’. Quando na mente se forma um pensamento verdadeiro, ela se mantém firme porque o pensamento permanece firme e sólido nela; quando estamos convencidos de uma afirmação, esta convicção se manifesta na mente como uma sensação de firmeza, onde o pensamento não oscila, não vacila e não treme. Resta ainda o adjetivo εὐκυκλέος. Quase todos os autores traduzem ‘bem redondo’. Mas, abandonada a interpretação metafórica, que sentido pode ter uma verdade ‘bem redonda’? Na realidade κύκλος (de onde εὐκυκλέος) tem muitos significados, dos quais os mais antigos fazem referência à circularidade, mas também ao fechamento e à proteção. Na Odisseia, por exemplo, é o círculo dos caçadores que atacam o leão, um círculo fechado do qual não se escapa21. Na Ilíada encontramos κύκλος e εὐκυκλέος associados às rodas a aos escudos. Especificamente em relação aos escudos, κύκλος se refere à rotundidade do escudo, portanto como adjetivo, mas também à borda do escudo, não enquanto redonda, mas enquanto borda, portanto como substantivo, porque é a parte que mantém o conjunto do escudo e protege sua inteireza, como pode ser visto pela descrição do escudo de Agamenon, com dez bordas metálicas protetivas22. Em Heródoto e em Tucídides23 encontramos κύκλος com o sentido de forte, isto é, de construção militar fortificada circular24, portanto de novo e mais claramente com Veja-se, por exemplo, Smyth 1956, 314 et passim. Sendo genitivo de origem, tem sentido de causa e não impõe a distinção entre um possível genitivo subjetivo (a verdade bem persuasiva que tem um coração imóvel) ou objetivo, ainda que referido a πυθέσθαι. 21 Od. 4.792: «ὁππότε μιν δόλιον περὶ κύκλον ἄγωσι». 22 Il. 11.33: «ἣν πέρι μὲν κύκλοι δέκα χάλκεοι ἦσαν». 23 Hdt.1.98.; Th. 2.13.7.4-5. 24 Th. 6.99.1.2 20

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o sentido de proteção. A ideia de uma verdade protegida circularmente se esclarece se recorremos a outra expressão, com outro significado que, ainda que de pouco posterior a Parmênides25, pode porém iluminar o sentido de εὐκυκλέος. Na Anábase de Xenofonte encontramos a expressão ‘amarrar com nós’ que, no fundo, nos parece a ideia mais clara referida a um círculo de proteção fortificado26. Portanto, trata-se de um círculo feito de partes mantidas estreitamente juntas, como cordas amarradas ou como as paliçadas de uma fortificação. Se se aceita este significado de εὐκυκλέος, se deve também reconhecer a extraordinária clareza expressiva de Parmênides, o qual diz que a verdade permanece sólida na mente quando todas as partes do discurso estão estreitamente unidas entre elas. Esta união estreita – do começo até o fim e, justamente por isto com um fim que se religa ao começo – é a característica do discurso verdadeiro, cuja verdade é bem protegida pela conexão estreita entre as suas partes. Então, toda a estrutura discursiva resulta sólida na mente e sem vacilos, por isto o pensado resulta firme e convincente. Não há necessidade de uma interpretação metafórica, porque a interpretação literal do verso 1.29 é plenamente coerente com o resto do sentido da passagem. Por fim, podemos traduzir: «a mente firme dada pela verdade bem conexa (bem persuasiva)». Onde ‘conexo’ deve ser entendido no sentido etimológico preciso de ‘ligado estreitamente’27, como cordas amarradas em círculo por nós ou como partes de uma paliçada de proteção. Esclarecido o sentido de 1.29, temos que ver se a passagem inteira quer dizer algo ou se, com esta interpretação não metafórica, ela perde todo o sentido. Vejamos então a tradução de 1.28-30: [...] Portanto é necessário que tu aprendas tudo, tanto a mente firme que vem da verdade bem conexa, quanto a opinião dos mortais, nos quais não se encontra certeza verdadeira.

Parmênides escreve seu poema provavelmente na primeira metade do século V, Xenofonte escreve entre o V e o IV. Portanto, podemos pensar em um intervalo de cerca de 80 anos. 26 X. An. 6.4.20.2. 27 Conexo, do lat. «Con + nexo = to join, fasten or link together» (Oxford Latin Dictionary 1968, 397); onde necto significa «to make by plainting or interweaving» (ibidem: 1166), portanto, com o sentido de entrelaçar, trançar, atar com nós. Talvez o termo ‘conexo’ não mais nos lembra o significado originário no qual estava incluído o sentido de redondeza e circularidade das tranças das guirlandas e das coroas. Porém, se é a leitura poética a perder, a leitura ponderada ganha muito, porque o sentido resulta pleno e claro. 25

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É fácil ver que imediatamente se restabelece a simetria conceitual introduzida pelas conjunções correlativas. De um lado há a certeza (a verdade bem conexa) e de outro a incerteza (a ausência de certeza verdadeira); de um lado há a mente firme e de outro a opinião. Esta leitura não metafórica acrescenta algo àquilo que já sabemos de Parmênides? A resposta é sim e não. Sim, porque certamente esta leitura diz muito de um Parmênides bastante na sombra. De fato, para além de sua fama de terrível28, é possível perceber antes de tudo que Parmênides é um filósofo do bom senso, do senso comum29. Mas o que quer dizer filósofo do senso comum? A questão é bastante complexa porque se trata do senso comum pré-platônico, do qual quase nada sabemos, considerando que estamos imersos no platonismo há mais de dois mil anos. Quem se aproxima do estudo dos pré-socráticos por vezes percebe de estar embaraçado, pesado e desviado pelo pensar platonicamente e gostaria de jogar fora as lentes e os filtros platônicos de nossa mentalidade. Mas tal não é fácil e, depois de um século e meio de estudos parmenidianos modernos, ainda se tende a falar da ‘verdade parmenidiana’ como se se tratasse de algo de matriz platônica, portanto, de uma verdade em si, uma verdade acima de qualquer coisa, uma verdade agostiniana. Qual era o senso comum na época de Parmênides? A resposta deveria estar nos textos, que, porém, oferecem dificuldades exegéticas agudas por pertencerem a uma época muito antiga. Do meu ponto de vista, porém, o verso 1.29 pode eliminar algumas sombras porque retira uma metáfora num ponto onde o autor expõe seu programa didático. Esse verso, lido metaforicamente – melhor seria dizer platonicamente – desvia completamente a intenção do autor. Com ele Parmênides nos indica qual é o programa de seu poema e nós tomamos a indicação e fazemos dela um quadro artístico, como aquele que admira o dedo, enquanto o dedo indica o céu. «O coração imóvel da verdade bem redonda» não é um quadro, não é um verso sugestivo e não é uma metáfora. É um índice que indica algo, é uma expressão concreta referida a algo concreto do senso comum. Parmênides diz: falarei tanto do conhecimento que tem a característica de ser certo, quanto do conhecimento que tem a característica de ser incerto; e o senso comum se revela numa descrição sensorial dos conceitos de certeza e incerteza. A característica sensorial do conhecimento certo é a mente que não treme, enquanto aquela do conhecimento incerto é a mente que oscila. Os homens que não sabem se convencem facilmente e com a mesma facilidade mudam de opinião ou, até Pl. Tht. 183.e.5-6. Esta feliz expressão – a meu ver, paradigmática no resgate da visão não platônica de Parmênides – é do prof. Cordero, que não se cansa de repeti-la em suas conferências. 28 29

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mesmo, se convencem de coisas contraditórias. Já o sábio é capaz de alcançar uma convicção coerente que nada pode alterar. Mas é bom que o sábio conheça também as opiniões, para que não se diga que seja ignorante: portanto o sábio tem que aprender tanto as convicções imutáveis quanto as convicções que mudam nas mentes das massas indecisas. Eis o programa exposto no fragmento 1. Portanto, procurando justificar a resposta sim à pergunta anterior, acabamos justificando o não. De fato, que o programa fosse essa divisão entre verdade e opinião é coisa sabida desde a antiguidade. Portanto, neste sentido, esta leitura não acrescenta nada novo. Porém, emerge outro fato. Parmênides diz que é verdadeiro aquilo que não faz tremer a mente, isto é, aquilo que não suscita dúvidas. Ora, a dúvida, como é evidenciado nas demonstrações do fragmento 8, pode surgir tanto no pensar algo isoladamente, quanto na união entre pensamentos, ou seja, nos argumentos. O argumento é um proceder de pensamentos, o qual, para ser verdadeiro, deve avançar com conexões estreitas entre eles (εὐκυκλέος) e, portanto, ser muito persuasivo (εὐπειθέος) e cada pensamento tem que ser ligado a outro sem nenhuma dúvida, sem tremer, sem vacilar. Forma-se assim um caminho construído com certezas (o próprio fragmento 8 pode ser tomado como emblemático da argumentação parmenidiana construída com certezas): esta é a ὁδός parmenidiana, o método. Portanto, dado o critério (a certeza imperturbável) e dado o método (o argumento estreitamente conexo entre suas partes) se está nas condições de distinguir pensamentos verdadeiros a respeito das coisas, de pensamentos opinativos e incertos. O fato novo que emerge é esta clareza parmenidiana em relação ao critério e ao método de verdade. Isto nada tem a ver com o ‘coração imóvel da Verdade bem redonda’ que parece mais uma imagem do platonismo renascentista, com ecos, quem sabe, talvez até místicos. As palavras da deusa, no verso 1.29, não têm nada de místico, pelo contrário, são a introdução a um estudo naturalista segundo a recente tendência milésica. Parmênides discute a ἀρχή, segundo as exigências de seu tempo e, portanto, discute todo o ordenamento do cosmo. De tudo aquilo que se sabia, ou se acreditava saber, Parmênides dá um quadro, separando as coisas verdadeiras, segundo seu método e seu critério, das coisas nas quais não há convicção verdadeira, isto é, boatos, crenças e superstições, as quais não resistem à prova da dúvida (o argumento bem conexo). Que a necessidade de coerência e de não contradição estivessem presentes com força entre esses pensadores é testemunha um dos mestres de Parmênides30, o poeta Xenófanes, o qual põe claramente em evidência as contradições entre as

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várias cosmologias31. As novas exigências ‘científicas’ milésicas já requeriam um critério para fazer clareza sobre as muitas ideias acumuladas entre os vários povos a respeito da ordenação do mundo. A proposta de Parmênides é concreta: o critério é acolher aquelas ideias que não deixam dúvidas, onde a dúvida é tratada como a sensação de um fenômeno mental concreto, isto é, a sensação de uma mente vacilante – expressa pelo adjetivo δίκρανοι, do verso DK B 6.5 – em oposição à sensação de estabilidade dada pela convicção plena (a persuasão que acompanha a verdade, DK B 2.4). Com certeza, então, com esta tradução de 1.29, seria necessário examinar de novo todo o poema e reordenar os versos da, assim chamada, parte da doxa. De fato, o ordenamento de Diels coloca na primeira parte o discurso sobre a Verdade (aquela ‘bem redonda de coração intrépido’), enquanto na segunda parte coloca no mesmo grupo os discursos sobre a natureza, tanto aqueles segundo verdade persuasiva quanto aqueles segundo opinião, isto é, crenças e superstições. Não parece ser este o programa da deusa, portanto, seria necessário individuar e transportar para a primeira parte do poema aqueles fragmentos que expressam verdades físicas aceitas pela cosmovisão da época. A tradução não metafórica de 1.29 colabora a restituir o ‘terrível’ Parmênides a uma visão pré-platônica e com isto talvez ele perca um pouco de sua aura. Porém tomará contornos mais precisos, continuando a ser sim o iniciador da ontologia, mas sem o fardo de uma verdade metafísica de tipo platônico. Poderá, pelo contrário, ser visto como aquele que deu um passo concreto para frente na conquista humana da racionalidade. Bibliografia Todas as citações em grego dos autores antigos são do Thesaurus Linguae Grecae. -

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