PARQUE URBANO DA PAZ: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO CONCEITO NO PARQUE NACIONAL DA TIJUCA

June 15, 2017 | Autor: Gapis Ufrj | Categoria: Protected areas, Areas Protegidas, Unidades de Conservação, Parques Urbanos
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Ano VII • Nº 11 • Semestral • Janeiro de 2005 • Salvador, BA

Departamento de Ciências Sociais Aplicadas Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano

INDEXAÇÃO: A Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE é indexada por: – GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais < http//www.geodados.uem.br > – Universidad Nacional Autónoma de México CLASE Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades: < http://www.dgbiblio.unam.mx > A RDE foi classificada pelo QUALIS da CAPES como Nacional A pelas áreas de Planejamento Urbano e Regional/Demografia (área do Programa responsável pela sua edição) e Arquitetura e Urbanismo.

Depósito legal junto à Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Ficha Catalográfica – Sistema de Bibliotecas da Unifacs RDE – Revista de Desenvolvimento Econômico. – Ano 1, n. 1, (nov. 1998). – Salvador: Departamento de Ciências Sociais Aplicadas 2./ Universidade Salvador, 1998. v.: 30 cm. Semestral ISSN 1516-1684 Ano I, n. 1 (nov. 1998), Ano I, n. 2 (jun. 1999), Ano 2, n. 3 (jan. 2000), Ano 3 n. 4 (jul. 2001), Ano 3, n. 5 (dez. 2001), Ano 4, n. 6 (jul. 2002), Ano 4, n. 7 (dez. 2002), Ano 5, n. 8 (jul. 2003), Ano 6, n. 9 (jan. 2004), Ano 6, n. 10 (jul. 2004). Ano VII, n. 11 (jan. 2005). 1. Economia – Periódicos. II. UNIFACS – Universidade Salvador. UNIFACS. CDD 330

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Ano VII • Nº 11 • janeiro de 2005 • Salvador, BA

RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

EDITORIAL Ano VII • Nº 11 • Janeiro de 2005 • Salvador, BA

EXPEDIENTE: Revista de Desenvolvimento Econômico A Revista de Desenvolvimento Econômico é uma publicação semestral do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador – UNIFACS.

UNIVERSIDADE SALVADOR – UNIFACS REITOR: Prof. Manoel Joaquim F. de Barros Sobrinho VICE-REITOR: Prof. Guilherme Marback Neto PRÓ- REITOR DE GRADUAÇÃO: Profª Maria das Graças Fraga Maia PRÓ- REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO: Prof. Luiz Magalhães Pontes PRÓ-REITOR COMUNITÁRIO: Prof. Sérgio Augusto Gomes V. Viana PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO: Profª Verônica de Menezes Fahel DEP. DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS: Prof. Manoel Joaquim F. de Barros PROG. DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO – PPDRU: Prof. Alcides dos Santos Caldas CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Alcides Caldas Profª Dra. Bárbara-Christine Nentwig Silva Prof. Dr. José Manoel G. Gândara Prof. Dr. Luiz Gonzaga G. Trigo Prof. Dr. Fernando C. Pedrão Prof. Dr. Noelio D. Spinola Prof. Dr. Pedro Vasconcelos Profª Dra. Regina Celeste de Almeida Souza Profª Dra. Rosélia Piquet Prof. Dr. Rossine Cruz Prof. Dr. Sylvio Bandeira de Mello e Silva Profª Vera Lúcia Nascimento Brito Prof. Victor Gradin EDITOR Prof. Dr. Noelio D. Spinola SECRETÁRIO: José Gileá de Souza CAPA E EDITORAÇÃO GRÁFICA: Joseh Caldas FOTOLITOS E IMPRESSÃO: PRINTFOLHA LTDA TIRAGEM: 1.000 exemplares Os artigos assinados são de responsabailidade exclusiva dos autores. Os direitos, inclusive de tradução, são reservados. É permitido citar parte dos aartigos sem autorização prévia desde que seja identificada a fonte. É vedada a reprodução integral de artigos sem a formal autorização da redação.

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Alameda das Espatódias, 915 - Caminho das Árvores, Salvador, Bahia, CEP 41820-460 - Tel.: 71-273-8557 E-MAIL: [email protected][email protected]

Departamento de Ciências Sociais Aplicadas Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano – PPDRU

A RDE nº 11 é editada neste mês de novembro de 2005, reduzindo substancialmente o atraso cronológico registrado nos últimos anos. Graças ao apoio da direção da Unifacs em dezembro estará, com o seu nº 12 , sanada definitivamente a defasagem existente, que, na obrigação de manter-se a fidelidade à ordem de numeração, causava transtornos para todos. Esta é a primeira de uma série de boas notícias chegadas neste final de ano. Comemora-se o reconhecimento pela CAPES do Doutorado em Desenvolvimento Regional e Urbano que inicia sua primeira turma em 2006, trabalhando nas áreas de concentração relativas à dimensão regional do desenvolvimento e administração do desenvolvimento. Este doutorado, segundo suas peculiaridades, é o primeiro do país. Outro fato importante consiste na promoção da RDE pelo Qualis da CAPES ( área de Planejamento Urbano e Regional / Demografia) para a categoria de Nacional A o que, certamente, estimulará uma maior oferta de produção científica pela comunidade acadêmica. Registra-se, ainda, a ampliação do Conselho Editorial que fica mais rico com a cooperação dos professores doutores José Manoel G. Gândara ( da Universidade Federal do Paraná) e Luís Gonzaga G. Trigo ( da USP). Este número veicula sete artigos com um percentual de 71% originários de outros estados da federação. No primeiro artigo Alcides Caldas, e sua equipe, analisa a importância dos arranjos produtivos no contexto da promoção do desenvolvimento local e as indicações geográficas protegidas como forma de agregar valor aos produtos agrícolas, conferindo-lhes um tratamento específico, largamente aplicado nos países desenvolvidos. Por seu turno, Sandro Bagattolli e Ivo Theis apresentam um texto em que examinam as perspectivas locais e regionais de integração energética no contexto do Mercosul O terceiro artigo, de Sônia Peixoto, Marta Irving e equipe, apresenta e discute um novo conceito, o de Parque Urbano da Paz, em construção no Parque Nacional da Tijuca. Saindo do mundo ecológico para o financeiro-industrial, é apresentado no quarto artigo o trabalho de Rodrigo Valente Serra e Ana Cristina Fernandes que analisam a distribuição dos royalties petrolíferos no Brasil e os riscos de sua “financeirização”. Segundo os autores o petróleo, escasso, está financiando fundos de estabilização financeira Gino Giacomini Filho e René Henrique Licht no quinto artigo, examinam os atributos de responsabilidade social em organizações do grande ABC. Sirlei Pitteri examina no sexto artigo o desenvolvimento econômico sustentável dos pequenos municípios paulistas, apresentando os resultados da pesquisa realizada na região da Nova Alta Paulista. Por fim, Carlos Alberto Costa Gomes, fechando a edição, apresenta um tema extremamente oportuno analisando as relações do espaço urbano com a criminalidade. Com esta diversidade temática a RDE trabalha de forma compatível com a área do desenvolvimento regional, cujo grau de abrangência é bastante amplo e multidisciplinar. Noelio Dantaslé Spinola EDITOR

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SUMÁRIO

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MAIS ALÉM DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS PROTEGIDAS COMO UNIDADES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL

ALCIDES DOS SANTOS CALDAS, PATRÍCIA DA SILVA CERQUEIRA E TERESINHA DE FÁTIMA PERIN

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PERSPECTIVAS LOCAIS/REGIONAIS DO MERCOSUL

DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NO CONTEXTO

SANDRO G. BAGATTOLI E IVO M. THEIS

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PARQUE URBANO DA PAZ: A CONSTRUÇÃO PARQUE NACIONAL DA TIJUCA

DE UM NOVO CONCEITO NO

SÔNIA PEIXOTO, MARTA IRVING, ANA PAULA LEITE PRATES E IARA VASCO FERREIRA

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A DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES PETROLÍFEROS NO BRASIL E OS RISCOS DE SUA “FINANCEIRIZAÇÃO” RODRIGO VALENTE SERRA E ANA CRISTINA FERNANDES

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ATRIBUTOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EM ORGANIZAÇÕES DO GRANDE ABC GINO GIACOMINI FILHO E RENÉ HENRIQUE LICHT

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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL MUNICÍPIOS PAULISTAS

DOS

PEQUENOS

SIRLEI PITTERI

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ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE: UMA BREVE VISÃO DO PROBLEMA CARLOS ALBERTO COSTA GOMES

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MAIS ALÉM DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS: AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS PROTEGIDAS COMO UNIDADES DE DESENVOLVIMENTO LOCAL Alcides dos Santos Caldas1 Patrícia da Silva Cerqueira2 Teresinha de Fátima Perin3 Resumo

Esse artigo tem o objetivo de refletir sobre a importância dos arranjos produtivos como forma de organização do processo produtivo local e as indicações geográficas protegidas como uma forma de agregar valor aos produtos agrícolas que se diferenciam dos produtos dos arranjos produtivos indústrias: plásticos, ferramentaria, metalúrgicos – merecendo por isso um tratamento específico. As indicações geográficas protegidas são formas de organizações territoriais, que visam a valorização das potencialidades locais, sua organização e gestão territorial. Tratase de um instrumento de desenvolvimento local. Pode-se considerar que na organização do território e de sua cadeia produtiva o primeiro estágio de desenvolvimento é a identificação e organização do Arranjo Produtivo e sua qualificação. O segundo estágio é a Indicação de Procedência, para assim chegar ao terceiro estágio de organização, que é a Denominação de Origem, a qual qualifica e agrega valor a produção agrícola local, tornando a região produtora competitiva, articulada com os circuitos nacionais e internacionais de comércio. Uma região demarcada com o selo de uma denominação de origem é um reconhecimento de distinção que organiza o território a partir da região produtora, e que rompe com as fronteiras municipais, construindo uma nova configuração territorial, a partir do processo produtivo local.

Palavras-chave: arranjos produtivos locais, indicação geográfica protegida, potencialidades locais, gestão local, desenvolvimento regional/local.

Abstract

This article has as its main objective to reflect about the importance of productive arrangements as a form of organization of local productive process and about the protected geographical indications as a way of aggregating value to agricultural products that differentiate from the industrial productive arrangements’ products: plastics, metallurgic tools, etc – deserving than, a specific treatment. The protected geographical indications are forms of territorial organizations that aim the valorization of local potentialities, and its territorial managing and organization. It is an instrument of local development. It can be considered that in a territorial organization and in its productive chain the first stage of development is the identification and organization of the Productive Arrangement and its

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qualification. The second stage is the Origin Identification, which allows reaching the third stage of organization: the Origin Denomination. This last one qualifies and aggregates value to local agricultural production, making the productive region competitive and articulated with national and international commerce circuits. A region that is demarcated with an origin denomination mark has a distinction recognition that organizes the territory as a productive region that ruptures municipal frontiers, constructing a new territorial configuration based on the local productive process. Key Words: local productive arrangements, protected geographical indications, local potentialities, local managing, local/regional development.

Introdução

Após o encerramento da Cúpula de Cancún (2003), convocada pela Organização Mundial do Comércio (OMC), ficou estabelecido o não-aumento dos subsídios para os produ-

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Geógrafo (UFBA, 1986); Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFBA, 1995); Doutor em Geografia (Universidade de Santiago de Compostela-Espanha, 2001). Coordenador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento de Tecnologia do Agronegócio (GPAgro/UNIFACS). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da UNIFACS. [email protected].

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Mestre em Análise Regional (UNIFACS), Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento de Tecnologia do Agronegócio (GPAgro/UNIFACS), Economista (UCSal), Pesquisadora da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI). [email protected].

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Mestranda em Análise Regional (UNIFACS), Pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento de Tecnologia do Agronegócio (GPAgro/UNIFACS), Bolsista CAPES, Pedagoga (USP). [email protected].

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tos agrícolas da União Européia e dos Estados Unidos. Nesse evento, foi também debatida a segurança alimentar, destacando-se questões relacionadas com a procedência dos produtos para o consumo, uma das exigências dos mercados mais exigentes como o europeu, o norte-americano e o japonês. A importância desse assunto para as regiões periféricas como a nossa deve estar na ordem do dia. Uma das estratégias para se alcançar esses mercados é informar ao consumidor o modo de produção, a elaboração e a procedência do produto, como também a forma de fazêlo, comercializá-lo e distribuí-lo. Esse novo estilo de consumo mundial é uma variável que deve ser incorporada no processo de produção local, o que pode vir a se tornar uma variável de desenvolvimento local, pois agrega valor à produção, a forma de fazer e de gerir trazendo aumento da auto-estima dos que produzem e melhoria de sua qualidade de vida. Uma região certificada sob os critérios de uma denominação de origem é também uma forma de enfrentar as barreiras não tarifárias estabelecidas no comércio internacional. Aliás, este é um quesito fundamental para se atingir: o rastreamento alimentar, uma das principais reivindicações do consumo alimentar mundial. Logo se torna premente reconhecer o direito do consumidor de conhecer a qualidade, as características de produção e a procedência do que se está consumindo. Vivemos atualmente numa economia globalizada, a qual Santos (1994, p. 48) definiu como

ração em sua base local de produção, revisitando o seu território, identificando as suas potencialidades e descobrindo novas formas produtivas, através do uso da criatividade, visando a adequar-se às novas exigências do mundo globalizado e inserir-se neste contexto. As regiões demarcadas como foram tema de destaque na Cúpula de Cancún (2003), quando a União Européia defendeu a adoção de regras mais precisas para regulamentar rótulo de origem de alimentos e bebidas. A pretensão da União Européia era que a OMC aumentasse o apoio às “indicações geográficas”, principalmente a de 41 nomes de regiões produtoras de vinhos4 e de queijos5. Isso significa que apenas os produtos de certas regiões tradicionais da Europa, como o vinho La Rioja, da Espanha, e o queijo Roquefort, da França, poderiam ter etiquetagem dessas indicações geográficas. Dessa forma, a região argentina de La Rioja, a qual recebeu o nome de La Rioja dos colonizadores espanhóis, ficaria proibida de mencionar essa indicação geográfica em seus vinhos, ou seja, a província teria que abandonar o direito de usar esse nome em seus produtos. Essas questões, em época de globalização, trazem para a escala do local, desafios que necessitam ser superados, com o fim de buscar a organização da produção, a melhoria tecnológica dos processos e arranjos produtivos, a geração de emprego e renda, o aumento da autoestima dos produtores.

[...] uma estrutura de relações econômicas que abarca todo o planeta, em que as condições de vida de uma localidade estão influenciadas pelas relações econômicas que esta mantém com o resto do globo. É o estágio supremo da internacionalização, a ampliação do sistema-mundo de todos os lugares e de todos os indivíduos, embora em graus diversos.

Para atender a essas exigências, regiões e localidades passam por processo de reestruturação/estrutu-

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O desenvolvimento local dentro da globalização é uma resultante direta da capacidade dos atores e da sociedade local se estruturarem e se mobilizarem, com base nas suas potencialidades e a sua matriz cultural, para definir e explorar suas prioridades e especificidades, buscando a competitividade num contexto de rápidas e profundas transformações. No novo paradigma de desenvolvimento, isto sig4

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nifica, antes de tudo a capacidade de ampliação da massa crítica e da informação. (Buarque, 1999, p.15).

Local não é sinônimo de pequeno e não se refere necessariamente à diminuição ou redução. Pelo contrário, considera a maioria dos que trabalham com a questão local que não se trata de um espaço micro, podendo ser tomado, como unidade local, um município ou uma região compreendendo vários municípios ou parte desses. De acordo com Franco (2000, p. 16), o desenvolvimento local é entendido como [...] um novo modo de promover o desenvolvimento que possibilita o surgimento de comunidades mais sustentáveis, capazes de suprir as suas necessidades imediatas; descobrir ou despertar para valorização de suas potencialidades e possibilidades; e fomentar o intercâmbio externo, aproveitando-se de suas vantagens locais.

Portanto, as políticas de desenvolvimento local convertem-se numa necessidade premente para as diversas localidades que buscam incluirse no processo produtivo. O ponto de partida é a convicção de que as regiões e lugares, a partir de suas especificidades e potencialidades, podem encontrar formas de transformações de suas realidades, em busca de melhoria da qualidade de vida, a partir dos processos globais. A última Cúpula da Organização Mundial do Comércio de Cancún (2003) discutiu temas relevantes para as regiões periféricas que buscam inserir-se no contexto global. O conhecimento da procedência do produto de consumo torna-se uma exigência dos consumidores e, nesse sentido, é preciso buscar formas de atendê-la. Os municípios da Bahia, devem adequar-se a esta nova realidade e, para isso, a organização dos produtores, a uniformização

Vinhos aguardentes: Beaujolais, Bordeaux, Bourgogne, Chablis, Champagne, Chianti, Cognac, Grapa (di Barolo, del Piemonte, di Lombardia, del Trentino, del Venetto, etc. Graves, Liebfraumilch, Malaga, Madeira, Medoc, Porto, Ouzo, Rhin, , etc. Asiago, Comte, Feta, Fontina, Gorgonzola, Grana, Padano, Manchego, Mozzarella di Bufala Campagna, Parmeggiano, Reggiano, Reblochon, Roquefort, Queijo de São Jorge.

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Quadro 1 – Aspectos comuns das abordagens de aglomerados locais

da produção, sob critérios de qualidade, a forma de elaboração do processo produtivo, o marketing local/ regional e a articulação dos processos de comercialização são atividades que devem ser implementadas.

Arranjos produtivos: aspectos teóricos e metodológicos

Atualmente pode-se afirmar que as fontes locais da competitividade são importantes, tanto para o crescimento das empresas quanto para o aumento da sua capacidade inovadora. Segundo Cassiolato e Szapiro, a idéia de aglomeração torna-se explicitamente associada ao conceito de competitividade, principalmente do início dos anos 1990, o que parcialmente explica seu forte apelo para os formuladores de políticas. (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p. 1). Nesse entendimento, distritos industriais, clusters, arranjos produtivos tornam-se tanto objeto de investigação como objeto de ação de políticas públicas e, sobretudo com viés tecnológico. Esse aprendizado vem com a experiência desenvolvida na aglomeração especial de empresas tanto em áreas hi-tech (Vale do Silício), como em setores tradicionais (Terceira Itália). Nesse contexto o conceito de aglomeração relacionado com o de redes encontra um ambiente fértil de articulação e funcionamento. A cooperação entre os atores sociais ao longo da cadeia produtiva, calcada na experiência japonesa e da Terceira Itália, passa a ser cada vez mais destacada como elemento fundamental na competitividade. A literatura sobre aglomeração nos países em desenvolvimento utiliza uma simples e operacional definição de clusters como sendo apenas uma concentração espacial de firmas com ênfase em uma visão de empresas como entidades conectadas nos fatores locais para a competição nos mercados globais”. (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003 apud SCHMITZ e NDVI, 1999). Os quadros 1 e 2 mostram algumas características organizacionais e dos atores envolvidos no processo de aglomeração.

Localização

Proximidade ou concentração geográfica

Atores

Grupos de pequenas empresas; Pequenas empresas nucleadas por grande empresa; Associações, instituições de suporte, serviço, ensino e pesquisa, fomento, financeiras, etc.

Características

Intensa divisão de trabalho entre firmas; Flexibilidade de produção e organização Especialização; Mão-de-obra qualificada; Competição entre firmas baseadas na inovação; Estreita colaboração entre as firmas e demais agentes; Fluxo intenso de informações; Identidade cultural entre os agentes; Relações de confiança entre os agentes; Complementaridade e sinergias

Fonte: Lemos, C.(1997).

Quadro 2 – Principais ênfases das abordagens de aglomerados locais Abordagens

Ênfase

Papel do Estado

Distritos Industriais

Alto grau de economias externas Redução dos custos de transação.

Neutro

Distritos Industriais Recentes

Eficiência coletiva baseada em economias externas e em ação conjunta.

Promotor e, eventualmente estruturador

Manufatura Flexível

Tradições artesanais e especialização; Promotor Economias externas de escala e escopo; Redução dos custos de transação; Redução de incertezas.

Milieu Inovativo

Capacidade inovadora local; Aprendizado coletivo e sinergia; Identidade social, cultural e psicológica; Redução de incertezas.

Promotor

Parques Científicos e Tecnológicos

Property-based; Setores de tecnologia avançada; Intensa relação instituições de ensino e pesquisa/empresas; Hospedagem e incubação de empresas;Fomento à transferência de tecnologia.

Indutor, promotor e, eventualmente, estruturador

Redes locais

Sistema intensivo em informação; Complementaridade tecnológica identidade social e cultural; Aprendizado coletivo; Redução de incertezas.

Promotor

Fonte: Lemos, C. (1997)..

De acordo com Lemos (1997) os aglomerados se territorializam de diversas formas, alguns baseados nas economias externas e outros nas questões relacionadas com a capacidade de competitividade do local (ver quadro 2). Os arranjos produtivos locais surgem da idéia de aglomeração, os

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quais segundo Lastres (2004, p. 4) fundamentam-se na visão evolucionista sobre inovação e mudança tecnológica, a qual destaca: •Reconhecimento de que inovação e conhecimento colocamse cada vez mais visivelmente como elementos centrais da dinâmica e do crescimento de

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nações, regiões, setores, organizações e instituições; A compreensão de que a inovação constitui-se em processos de busca de aprendizado, o qual enquanto depende de interações, é socialmente determinado e fortemente influenciado por formatos institucionais e organizacionais específicos; A idéia de que existem marcantes diferenças entre os agentes e suas capacidades de apreender, as quais refletem e dependem de aprendizados anteriores; O entendimento de que existem importantes diferenças entre sistemas econômicos e de inovação de países, regiões, setores, organizações, etc, em função de cada contexto social, político e institucional específico; A visão de que se, por um lado, informações e conhecimentos codificados apresentam condições crescentes de transferência – a dada a eficiente difusão das tecnologias de informação e comunicações – conhecimento tácito de caráter localizado e específico continuam tendo um papel primordial para o sucesso inovativo e permanecem difíceis de serem transferidos.

A partir desses pilares uma definição de arranjos produtivos é esboçada pela Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – RedeSist (IE-UFRJ) a qual define o termo como um conjunto de agentes econômicos, políticos e sociais, localizado em um mesmo território, desenvolvendo atividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem. SPILs geralmente incluem empresas produtoras de bens de serviços finais, fornecedoras de equipamentos e outros insumos, prestadoras de serviço, comercializadoras, clientes, etc., cooperativas, associações e representações e demais organizações voltadas à formação e treinamento de recursos

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dos atores no próprio território, e promover ou ser passível de uma integração econômica e social no âmbito local.

... a idéia de território não se resume apenas à sua dimensão material ou concreta.

Caracterização dos Arranjos Produtivos Locais no Brasil



humanos, informação, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento. Lastres (2003,5).

Identifica-se um Arranjo Produtivo Local, segundo o SEBRAE (2004), pela existência da aglomeração de um número significativo de empresas que atuam em torno de uma atividade produtiva principal. Para isso, é preciso considerar a dinâmica do território em que essas empresas estão inseridas, tendo em vista o número de postos de trabalho, faturamento, mercado, potencial de crescimento, diversificação, entre outros aspectos. Por isso, a noção de território (conceito desenvolvido e básico da geografia crítica), é fundamental para a atuação em Arranjos Produtivos Locais. No entanto, a idéia de território não se resume apenas à sua dimensão material ou concreta. Território é um campo de forças, segundo Raffestin (1980) uma teia ou rede de relações sociais que se projetam em um determinado espaço. Nesse sentido, o Arranjo Produtivo Local também é um território onde a dimensão constitutiva é econômica. Portanto, o Arranjo Produtivo Local compreende um recorte do espaço geográfico (parte de um município, conjunto de municípios, bacias hidrográficas, vales, serras, etc.) que possua sinais de identidade coletiva (sociais, culturais, econômicos, políticos, ambientais ou históricos). Além disso, segundo o SEBRAE (2004) os arranjos produtivos locais devem manter ou ter a capacidade de promover uma convergência em termos de expectativas de desenvolvimento, estabelecer parcerias e compromissos para manter e especializar os investimentos de cada um

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Segundo o Termo de Referência elaborado pelo Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (GTP APL), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, um APL deve ter a seguinte caracterização: 1. ter um número significativo de empreendimentos no território e de indivíduos que atuam em torno de uma atividade produtiva predominante; 2. que compartilhem formas percebidas de cooperação e algum mecanismo de governança. Pode incluir pequenas, médias e grandes empresas. a) Estruturação do APL’S no âmbito do Governo Federal O Governo Federal está organizando o tema Arranjos Produtivos Locais (APL) por meio das seguintes medidas: (I) incorporação do tema no âmbito do PPA 2004-2007, por meio do Programa 1015 - Arranjos Produtivos Locais, e (II) instituição do Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (GTP APL) pela Portaria Interministerial nº 200 de 03/08/04, composto por 23 instituições, sendo onze ministérios e suas vinculadas, além de instituições não-governamentais, de abrangência nacional. b) Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais No que diz respeito ao governo federal, na articulação interinstitucional com o objetivo de promover a complementaridade das ações das entidades parceiras no apoio a APL’s, estão 22 entidades governamentais e não governamentais, sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, vem se reunindo desde março de 2003. Em agosto de 2004 foi instalado o Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais - GTP APL, por Portaria Interministerial nº

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200, de 03.08.04, envolvendo essas mesmas instituições, com o apoio de uma Secretaria Técnica, lotada na estrutura organizacional do MDIC, com o objetivo de adotar uma metodologia de apoio integrado a arranjos produtivos locais, com base na articulação de ações governamentais. As atividades desse Grupo de Trabalho estão focalizadas em 11 APL’s pilotos, distribuídos nas 5 regiões do país, com o propósito de testar a metodologia de ação integrada. A escolha dos APL’s – pilotos teve como base um Levantamento da Atuação Institucional em APL, que registram as localidades em que 11 instituições, daquelas que participam do Grupo de Trabalho, atuam com a ótica de abordagem de APL. Os registros compreendem APL’s em seus diferentes estágios de desenvolvimento em termos de: a) integração com o território, e b) capacidade de cooperação entre firmas e com entidades de apoio entre outros. As instituições são: SEBRAE, APEX Brasil, MDIC, Sistema C&T, MI, BNDES, BB, CEF, BN, BASA e MME. A seleção levou em consideração os seguintes aspectos: a) maior número de instituições atuantes no APL; b) pelo menos um APL em cada macrorregião; e c) alguma diversidade setorial no conjunto de APL’s selecionados. A lógica do apoio aos APL’s parte do pressuposto de que diferentes atores locais (empresários individuais, sindicatos, associações, entidades de capacitação, de educação, de crédito, de tecnologia, agências de desenvolvimento, entre outras) podem mobilizar-se e, de forma coordenada, identificar suas demandas coletivas, por iniciativa própria ou por indução de entidades envolvidas com o segmento. Nesse sentido, a metodologia de atuação conjunta em APL busca um acordo entre os atores locais para organizarem suas demandas em um Plano de Desenvolvimento único, e, ao mesmo tempo, comprometê-los com as formas possíveis de solução, em prol do desenvolvimento do APL. Assim, a metodologia do GTP APL tem como principal eixo o reconhecimento e a valorização da iniciativa local, por meio do:

a) estímulo à construção de Planos de Desenvolvimento participativos, envolvendo necessariamente, mas não exclusivamente, instituições locais e regionais; b) busca de acordo por uma interlocução local comum (articulação com os órgãos do Grupo de Trabalho) e por uma articulação local com capacidade para estimular o processo de construção do Plano de Desenvolvimento (agente animador). O segundo eixo da metodologia complementa o anterior promovendo: a) o nivelamento do conhecimento sobre as atuações individuais nos APL’s; b) o compartilhamento dos canais de interlocução local, estadual e federal; e c) o alinhamento das agendas das instituições para acordar uma estratégia de atuação integrada. Arranjos produtivos na Bahia

No Brasil, nos últimos dez anos a organização dos processos produtivos locais ganha destaque como forma de engajar as produções locais no sistema produtivo nacional e internacional e pode-se dizer de uma maneira geral que as fontes locais da competitividade são importantes, tanto no crescimento das empresas quanto para o aumento da sua capacidade inovadora. Nesse contexto as organizações territoriais ganham espaço na identificação de suas potencialidades locais e de competitividade empresarial. Na Bahia os Arranjos Produtivos Locais são um programa instituído pelo Governo do Estado da Bahia, com o apoio do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e suas ações buscam a integração das diversas secretarias estaduais no seu desenvolvimento. A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação – Scti lidera esse processo, através da Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado da Bahia – Fapesb. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2005), os arranjos produtivos na Bahia estão focados em 31 municípios, localizados em

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diversas regiões baianas, os quais atuam em 15 atividades, com financiamentos de 11 instituições públicas e privadas (ver Quadro 3), destacando-se o Sebrae, o Banco do Brasil, o Banco do Nordeste do Brasil, a Secti-Ba e o IEL. Das atividades financiadas, vale destacar aquelas direcionadas aos arranjos produtivos típicos de regiões semi-áridas, tais como a apicultura e a ovino/ caprinocultura, como também a fruticultura irrigada implantada, principalmente ao longo do Vale do Rio São Francisco. Na Região Metropolitana, especificamente em Salvador e Camaçari, se concentra o maior número de instituições que apóia o desenvolvimento dos arranjos produtivos, seguida dos municípios de Juazeiro, Paulo Afonso, Barreiras e Jacobina. A gestão dos arranjos produtivos locais na Bahia é coordenada por uma rede composta pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação, e constituída pela Secretarias Estaduais de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária; Seagri, Planejamento – Seplan; Indústria, Comércio e Mineração – SICM; Banco de Desenvolvimento do Estado da Bahia – Desenbahia; Federação das Indústrias do Estado da Bahia, Fieb; e o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas do Estado da Bahia, Sebrae e tem como objetivos: • Promover uma maior articulação entre os diversos atores que realizam ações em APL; • Desenvolver ações conjuntas que garantam “foco” e resolubilidade na seleção e nas ações de suporte aos APL´s; • Alavancar um maior número de recursos e definir sua implantação; • Garantir um ambiente favorável à consolidação e implantação dos APL´s; • Desenvolver estudos e pesquisa voltados à identificação de APL´s, do Estado da Bahia, montar estratégia de formação e de seu modelo de gestão, elaborar o projeto de financiamento dos arranjos produtivos identificados;

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Quadro 3 – Arranjos Produtivos Locais na Bahia por município e instituição financiadora N. ordem 1

Município

APL

Instituição financiadora

Salvador

Confecções, Polímeros, Tecnologia da Informação, Turismo.

2

Juazeiro

Fruticultura, Apicultura

3

Paulo Afonso

4

Barreiras

Psicultura, Agroindústria, Apicultura Fruticultura

Instituto Euvaldo Loidi, MDIC, CNI, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Banco Brasil, Sebrae, Sistema C&T, Secti-Ba. Banco do Brasil, Sebrae, Apex, BNB, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Codevasf, MDIC, Secti-Ba. IEL, BNB, Apex, Sebrae,

5 6

Camaçari Jacobina

Metal-Mecânico, Petróleo e Gás Rochas Ornamentais

7 8 9 10

Remanso Porto Seguro Monte Santo Eunápolis

11 12 13 14 15 16 17

Maracás Abaíra Ilhéus Prado Valente Alagoinhas Itanhém

18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

Teixeira de Freitas Vitória da Conquista Inhambupe Livramento de N. Senhora Caravelas Medeiros Neto Ibirapuã Itamaraju Nova Soure Senhor do Bonfim Bom Jesus da lapa Ibotirama Oliveira dos Brejinhos Jussara

Ovino/Caprinocultura, Apcultura Aqüicultura, Turismo, Bebidas Ovino/Caprinocultura Apicultura, Madeiras e Móveis, Ovino/caprinocultura Floricultura Bebidas Turismo, Apicultura, Agroindústria Agroindústria. Apicultura Agroindústria Cerâmica Ovino/Caprinocultura Granitos e artefatos de pedras Apicultura, Fruticultura Agroindústria Apicultura Fruticultura Apicultura Agroindústria Confecções Agroindústria Apicultura Ovino/Caprinocultura Apicultura Apicultura Ovino/Caprinocultura Ovino/Caprinocultura

Sistema C&T, Sebrae, BNB, MI, Codevasf, Bradesco CNI, Bradesco, IEL, Secti-Ba Secti-Ba, Sistema C&T, MME, IEL, Bradesco, CNI, Codevasf, BNB, Sebrae, BB, Sebrae, IEL, Codevasf, BNB, Sebrae, IEL, Sebrae, BB Sebrae, IEL, Apex, Secti-Ba, Sebrae, IEL, Secti-Ba, BB, Sistema C&T BB, IEL Secti-Ba, Apex, IEL Secti-ba, IEL, MME BB, IEL BB, IEL, Sistema C&T Sebrae Sebrae BB BB BB BB BB BB Codevasf Codevasf Codevasf IEL

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2005.

• Convergência de metodologia; • Coordenação das ações das instituições de apoio. Os Arranjos Produtivos identificados no Estado da Bahia são classificados em duas categorias, aqueles relacionados aos setores de atividade da agricultura e da indústria:

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Agricultura: ovino/caprinocultura, floricultura, aqüicultura, carnes e grãos, fruticultura irrigada, sisal, cana-de-açúcar e derivados; Indústria: rochas ornamentais, transformação plástica, complexo metal-mecânico, tecnologia da informação, petróleo e gás, vestuário, calçados e alimentos.

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A partir da identificação dos APL’s por ramo de atividades foram selecionados como prioritários: sisal, rochas ornamentais, cacau, ovino/caprinocultura, e fruticultura irrigada. O que se percebe é que o desenvolvimento dos arranjos produtivos locais na Bahia, apesar dos esforços de diversas instituições públicas,

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federais e estaduais, ainda encontrase na fase de estudos de levantamentos preliminares, identificação e viabilidade.

Quadro 4 – Diferenças entre Denominação de Origem e Indicação Geográfica Protegida Itens

As indicações de procedência como unidades de desenvolvimento local

No Brasil as Indicações Geográficas Protegidas estão regulamentadas pela Lei nº. 9.279/96 do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual e são classificadas em Indicações de Procedência e Denominação de Origem. Vale destacar que o Instituto das Indicações Geográficas Protegidas já uma realidade, desde os anos 1970 na Europa (Espanha, Itália, França, Alemanha, Portugal) e na América Latina (México, Peru, Bolívia), como vermos mais adiante. As Indicações de Procedência, segundo o INPI se diferem das Denominações de Origem pelo seu caráter particular e de qualidade da produção. Pode-se dizer que as Indicações de Procedência são um instrumento de organização local da produção, e as Denominações de Origem como instrumento de organização qualitativa do processo de produção. De acordo com o estabelecido na Lei nº. 9.279/96, no Brasil ainda não existe instalada nenhuma denominação de origem.

As denominações de origem: conceito e história

O desenvolvimento mais significativo da cultura e regulamentação técnica e legal das denominações de origem procede, indiscutivelmente, da Europa. Legendre (1995) assinala que é muito antigo o costume de designar os produtos com o nome do lugar de sua fabricação ou de sua colheita. Por exemplo, o queijo Roquefort adquiriu sua notoriedade sob o nome de seu local de origem desde o século XIV. Interessante notar que, desde o século XVI, já havia a preocupação em se proteger os vinhos produzidos na Galícia, especificamente na Comarca do Ribeiro, conforme foi publicado nas Ordenanças municipais de Ribadavia, em 1579, as quais dizem:

Meio Natural

Renome/Prestígio

Denominação de Origem

Indicação de Procedência

O meio geográfico não tem necessariamente uma O meio geográfico marca e importância especial, sendo que o nome personaliza o produto; a geográfico pode referir-se à origem do produto, à delimitação da zona de produção localização da cantina ou ao local de é indispensável. engarrafamento. Indispensável

Não necessariamente indispensável.

Mesmo existindo mais de um tipo de produto, eles estão ligados por certa homogeneidade de características.

Pode ser aplicada a um conjunto de produtos de características diferentes que tenham em comum apenas o lugar de produção, o centro de distribuição ou o local de engarrafamento.

Regime de Produção

Há regras específicas de produção e características qualitativas mínimas dos produtos.

Não existe uma disciplina de produção à qual devam ser submetidos os produtos; existe apenas uma disciplina de marca.

Constâncias das características

Os produtos devem conservar um mínimo de qualidade e uma certa constância nas suas características.

Não implica um nível de qualidade determinada nem da constância de características.

Volume de Produção

Há um limite de produção por hectare, que tem relação com a qualidade do produto.

Não existe limite de produção.

Uniformidade da Produção

Fonte: Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, 2005. [...] que non se debe meter viño na vila de partes onde non se colle bo, o que producirá gran dano porque baixo unha cuba de bo viño que se pode cargar sobre mar, polo tanto, non se pode metr viño algún na vila en ningún tiempo del año, de la otra parte del rio Miño, ni dende el rigueiro de Jubín para fuera, ni dende el puente de Paoz para arriba, ni dende la Lazea de Fontán de Mendo abaixo, ni dende la Baroza arriba y desde los dichos términos a dentre se pueda meter en la dicha vila. (apud EIJÁN, 1920, p. 344).

As denominações de origem vinculam-se às regiões especializadas na produção e elaboração de determinados produtos, os quais apresentam características semelhantes, seja na forma de fazê-los, produzi-los ou coletá-los. A utilização de denominações de origem pressupõe a delimitação de territórios onde a produção, as práticas culturais, as produções máximas, os sistemas de elaboração, o controle de qualidade, a base tecnológica, a qualificação profissional, o marketing, os critérios de produção e elaboração, a configuração territorial, reunidos numa marca, garantem a especificidade da região e a fazem diferenciar-se de outras regiões produtoras, podendo também designá-las como uma marca ou grife do território.

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As denominações de origem são um meio eficaz para identificar e assegurar a qualidade de um produto elaborado num território com características específicas, homogêneas e bem demarcadas, com o objetivo de garantir a sua procedência e, o mais importante, para firmar a relação de confiança que se estabelece entre o consumidor e o produtor e o seu local de produção. As denominações de origem estão regulamentadas em diversos países. Por isso, o seu estudo já apresenta um significativo arcabouço teórico-conceitual dentro do qual se destacam: a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, o Acordo de Madrid de 1891, o Acordo de Lisboa de 1958, o Protocolo de Harmonização de Normas sobre Propriedade Intelectual no Mercosul, a resolução nº 75 do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual, a qual estabelece as condições para o registro das indicações geográficas no Brasil e a lei nº 9.279, de 14/05/ 1996, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade intelectual no Brasil e que, no seu art. 178, conceitua denominações de origem como [...] o nome de uma região determinada ou de um lugar determi-

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nado que serve para designar um produto agrícola ou alimentício originário de dita região, na qual a sua qualidade ou características se devem fundamentalmente ao meio geográfico, e onde a sua produção, transformação e elaboração se realizam na zona geográfica determinada.

Dessa maneira, pode-se questionar se as denominações de origem são efetivamente uma garantia de qualidade. É evidente que a elaboração de qualquer produto, sob determinados padrões de qualidade, assume uma perspectiva de futuro para uma determinada região. As denominações de origem asseguram, para um conjunto de produtores, reconhecimento, confiança, aumento da auto-estima, uniformização da produção, competitividade intra e extra-região produtora e a garantia de espaço da região no mundo da competitividade. Entretanto, exigem, do produtor, a responsabilidade de produzir com qualidade, de seduzir o cliente e de despertar o sentimento de confiança e tradição do consumidor em relação à procedência do produto. As denominações de origem no mundo e no Brasil

O país com maior tradição no estabelecimento das denominações de origem e suas variações é a França. Nesse país, esse sistema adquiriu uma expressiva importância econômica, cultural, sociológica e ambiental, sendo considerado parte do patrimônio nacional. A experiência francesa remonta ao século XVIII, quando surgiu a primeira appellation d’origine, Châteauneuf-duPape. Somente em 1935, foi aprovado o sistema jurídico para as denominações de origem e criado o Institute Nacional de las Appellation de Origine (INAO), vinculado ao Ministério de Agricultura. A classificação do território como um sistema de denominações de origem é incentivado e bastante desenvolvido na Europa, a partir anos 1970, quando a União Européia decidiu generalizar um sistema de qualificação e etiquetação de seus territórios, que visava relacionar o pro-

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Avanços significativos vêm sendo desenvolvidos no sentido de definir ou delinear a marca Brasil.



duto ao território produtor e aos produtores responsáveis pelo processo de elaboração, identificados por características semelhantes utilizadas em seus processos de produção. O exemplo mais clássico de um sistema de denominação de origem é aquele que diz respeito ao mundo dos vinhos. A União Européia é a maior produtora de vinhos de qualidade do mundo. Em 1999, segundo a FAO, esse continente produziu 92,28% de todo o vinho fabricado no mundo e é detentor, também, de 55,57% dos vinhedos cultivados em todo o mundo. A partir, principalmente, dos anos 1970, a então Comunidade Européia implementou esse sistema com o objetivo de sistematizar, organizar, padronizar, comercializar e promover os vinhos produzidos nesse continente. São exemplos os vinhos produzidos sob o sistema de denominações de origem: aqueles do Porto e de Dão (Portugal), de Bordeaux, Provença e da Champanhe (França - Appelation D’origine Controlée), de La Rioja, Ribera del Douro, Ribeiro (Espanha - Denominación de Origen), do Sarre, da Mosela e Fraken (Alemanha – Gebiet), da Sicilia, Puglia, Toscana (Itália – denominazione controllata), etc. Somente na Espanha existem 54 denominaciones de origen de vinhos, que representam 57,19% do total de uva destinada a vinificação. A grande quantidade dos vinhos elaborados nesse país está protegida por esse sistema, o qual garante a qualidade do produto elaborado e está associado a um território produtor. No México, a tequila é o melhor exemplo para ilustrar uma denominação de origem de uma bebida alcoólica obtida de uma variedade

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agrícola, produzida numa limitada zona do México el agave azul tequilana Weber, a qual se protege desde 1974 e se vincula à denominação de origem Tequila, como figura protegida pela propriedade industrial a uma norma oficial mexicana, não obstante esta bebida já estar sujeita ao cumprimento de normas desde a Lei de Propriedade Industrial de 1942. No caso do Peru, as denominações de origem assumem um status de importância do Estado e foram instituídas através do decreto legislativo 823 da Lei de Propriedade Industrial, que dispõe, em seu Artigo 218, que “es el Estado Peruano el titular de las denominaciones de origen peruanas y sobre ella se concede autorizaciones de uso”. Em 1990, através da resolución directoral nº 072087, de 12 de dezembro, a República do Peru declarou que a denominação de origem Pisco é uma denominação exclusiva para os produtos obtidos da destilação dos caldos resultantes unicamente da fermentação de uva madura, elaborada na costa dos estados de Lima, Ica, Arequipa, Moquegua e nos vales de Locumba, Sama e Caplina do Departamento (Estado) de Tacna. Mediante uma lei de 4 de março de 1992, a República da Bolívia autoriza o uso da denominação de origem apenas ao Singani, um produto legítimo e exclusivo da produção agroindustrial boliviana. Trata-se de uma aguardente obtida pela destilação de vinhos de uva moscatel fresca, produzida, destilada e engarrafada nas zonas de produção de origem da região de Potosí. Em novembro de 2000, a República da Venezuela, através da resolución nº 206, de 14 de novembro, reconhece Chuao como denominação de origem do cacau proveniente da zona de Chuao, um dos primeiros povoados fundados na Venezuela, na metade do século XVI, onde foi instalada uma fazenda de cacau em 1568, pertencente à família Caribe. Avanços significativos vêm sendo desenvolvidos no sentido de definir ou delinear a marca Brasil. Um exemplo disto foi o recente reconhecimento da cachaça, perante a comu-

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O CACCER desempenha o papel de representação única de todos os produtores da região...



nidade internacional, como produto genuíno brasileiro, diferenciando do rum produzido em Cuba e em Porto Rico. O decreto nº 4.042, publicado no Diário Oficial de 21/12/ 2001, esclarece que cachaça é a denominação típica e exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38% a 48% em volume, a 20º Celsius, obtida pela destilação do mosto fermentado de cana-de-açúcar. Já o rum é definido como bebida com graduação alcoólica de 35% a 54% em volume, a 20º Celsius, obtida do destilado alcoólico simples do melaço, total ou parcialmente em recipiente de carvalho. O decreto também define a caipirinha como bebida típica brasileira, com graduação alcoólica de 15% a 36% a 20º Celsius, obtida exclusivamente com cachaça, acrescida de limão e açúcar. No Brasil, as primeiras iniciativas de demarcação de territórios produtores foram estabelecidas pelo Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado (CACCER), localizado no município de Patrocínio, no Estado de Minas Gerais, instituído em 1993 e contando atualmente com 3.500 produtores rurais e 160 mil hectares plantados com pés de café. A criação do conselho permitiu a demarcação de uma região de origem que produz café de alta qualidade e o lançamento de uma marca para o produto denominada “Café do Cerrado”. Em 2005 “Café do Cerrado” foi reconhecida pelo INPI como a segunda indicação de procedência do Brasil.O CACCER desempenha o papel de representação única de todos os produtores da região, garantindo a qualidade dos serviços, a padronização do produto, o controle de estoques, o marketing institucional, etc. Também estabelece cotas dos produtores,

acompanha o a embalagem, o armazenamento e o embarque do produto. Vale destacar, também, a criação, em 2003, da indicação de procedência que provavelmente se converterá na primeira denominação de origem do Brasil, Vale dos Vinhedos, localizada na Serra Gaúcha, produtora de vinhos finos, nos municípios de Bento Gonçalves e Garibaldi, no Estado do Rio Grande do Sul. Importante destacar ainda nesse estado, a solicitação de reconhecimento ao INPI, de três outras indicações de procedência: Vinhos de Montanhas, envolvendo os município da região de Pinto Bandeira, Vinhos brancos de Monte Belo do Sul e o Charque da Campanha, na região da Campanha Gaúcha. No estado de Santa Catarina foi promulgada a lei nº 12.177, de 07/01/2002, a qual dispõe sobre a certificação de qualidade, origem e identificação de produtos agrícolas e de alimentos e estabelece outras providências. Estrutura e desenolvimento das denominações de origem/indicação de procedência

As denominações de origem estão relacionadas com a marca e necessitam, para o seu pleno desenvolvimento, a harmonia e o equilíbrio dos atores sociais na produção do território. Dessa forma, deve existir um conselho de desenvolvimento e regulação da denominação de origem, composto pelos produtores (grandes, médios, pequenos), sindicatos patronais e de trabalhadores, técnicos especializados, representantes de cooperativas e associações profissionais, representantes dos governos estadual e municipal, que terão as seguintes incumbências: a) representar institucionalmente a denominação de origem; b) coordenar, orientar e fiscalizar a produção, a elaboração, a comercialização e a distribuição dos produtos que utilizarão a marca da região produtora; c) expedir e controlar os certificados de origem; d) expedir os selos de garantia e os códigos de barras; e) organizar o plano de propaganda;

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f) vigiar o mercado nacional e internacional, evitando e perseguindo as falsificações. A estrutura administrativa de uma denominação de origem deve funcionar nos moldes da democracia moderna, garantindo a participação dos atores sociais que efetivamente produzem na região. O funcionamento de um sistema vinculado a uma denominação de origem sugere a criação da agência de desenvolvimento e regulação da denominação de origem, a qual terá a incumbência de operacionalizar as deliberações do conselho regulador e efetivamente fazer valer os estatutos, os quais deverão ser aprovados em assembléia geral, instância máxima de deliberação da estrutura administrativa da denominação de origem. Essas agências deverão ser compostas por uma estrutura administrativa enxuta e deverão funcionar através de redes, devendo existir apenas um coordenador executivo da DO; um secretário executivo da DO; uma coordenação de controle e qualidade; uma coordenação de desenvolvimento tecnológico e uma coordenação de desenvolvimento local. As denominações de origem como unidades de planejamento e indutor do desenvolvimento local

Com as transformações substantivas no contexto das relações comerciais globais, o território passa, então, a ser alvo de modificações de suas estruturas produtivas que visam à identificação e à promoção de suas potencialidades (físicas e humanas), no sentido de aplicar as políticas de renovação que objetivem a incorporação dos territórios periféricos ao cenário produtivo estadual, regional, nacional e internacional, logrando assim a melhoria da qualidade de vida da população envolvida. Atualmente, organizar o território diz respeito, sobretudo, à necessidade da requalificação territorial voltada para as suas potencialidades, segundo os moldes da flexibilização, da transferência de tecnologia, da requalificação dos recursos humanos, da melhoria da imagem

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... a capacidade de inovação de um território está vinculada, efetivamente, à natureza criativa de seus habitantes...



do território, da potencialização das inovações e das criatividades locais. Nesse sentido, a inovação é entendida como a aplicação de novos conhecimentos ou invenções à melhoria ou à modificação dos processos para a produção de novos bens (MÉNDEZ, 1997). A melhoria desses processos produtivos pode ser a aplicação prática de um invento na transformação ou a melhoria de um determinado produto, mas pode também ser constituída pela reformulação dos processos de gestão do trabalho, o que pode conferir nova feição à organização interna do processo produtivo. Deve-se partir, então, do pressuposto de que a capacidade de inovação de um território está vinculada, efetivamente, à natureza criativa de seus habitantes na sua capacidade de transformar seus recursos, sejam eles humanos, ambientais, culturais ou artísticos, em produtos de atração e de comercialização. Nas últimas décadas, também, as questões relacionadas ao desenvolvimento das atividades produtivas estão sendo repensadas e a noção de localidade assume um papel fundamental nas estratégias utilizadas pelas empresas, com o objetivo de manter a sua sobrevivência. Nesse sentido, a idéia de desenvolvimento local assume o centro das discussões sobre essa nova dimensão da produção. Nesse sentido, o desenvolvimento local deve contemplar as ações dos atores sociais locais, as lógicas integradas de valorização dos recursos humanos e de suas capacidades para atuarem na transformação do território em que vivem, potencializando, assim, os espaços de decisão da comunidade local, visando à melhoria da qualidade de vida de seus habitantes.

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O Estado da Bahia está caracterizado por concentrar, na Região Metropolitana de Salvador, a produção e conseqüentemente a população e o consumo estaduais em detrimento dos territórios interioranos. Na Bahia, a desconcentração da produção é de fundamental importância para garantir níveis de bem-estar social adequados à nova perspectiva do desenvolvimento sustentável, definido pelo Relatório Brundtland como “aquele que satisfaz as necessidades da geração presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer suas próprias necessidades”. A partir da sua instalação, o conselho de desenvolvimento e regulação da denominação de origem que, conforme vimos anteriormente, deve ser composto pelos representantes dos atores sociais envolvidos em toda a cadeia produtiva, bem como representantes da sociedade civil, terá a incumbência de zelar pelo bom funcionamento do sistema da denominação de origem e deverá, também, funcionar com um braço executivo através da instalação da agência de desenvolvimento e regulação da denominação de origem. Esta estratégia poderá dinamizar a região de origem com o incremento dos avanços tecnológicos empregados na constante capacitação dos recursos humanos da região, o aumento da demanda de comércio e serviços, o desenvolvimento do marketing territorial, a melhoria da infra-estrutura de transportes e de comunicações, a geração de emprego e renda, a organização dos produtores, o que induzirá à melhoria da qualidade de vida da população local e, conseqüentemente, a sua inserção nas relações econômicas e comerciais. As denominações de origem como instrumento de inclusão social

As políticas locais devem, no mundo da globalização, buscar a inclusão social, a qual deve assumir as prerrogativas da inclusão no mundo produtivo, inclusão no mundo do consumo, inclusão no mundo da cidadania e do respeito aos direitos humanos.

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As denominações de origem têm como um dos seus objetivos o investimento na base produtiva local, através da transferência de tecnologia, do incentivo à organização dos produtores, a sua capacitação, buscando o desenvolvimento da criatividade, do reconhecimento do trabalho realizado, elevando a auto-estima dos atores sociais envolvidos em todos os processos da cadeia produtiva. A defesa do território produtor e do produto elaborado e da marca instituída de comunicação com o mercado, sustentará todos os critérios de qualidade, sejam eles relacionados com a sustentabilidade institucional, econômica, ambiental, social, cultural e política, os quais serão acompanhados por sistema de indicadores de desenvolvimento sustentável. Nos critérios de qualidade devem estar garantidas as preocupações sociais e não deverá ser admitido, em nenhuma região produtora que utilize a marca de uma denominação de origem o trabalho infantil, o analfabetismo, a fome, o tráfico de drogas e armas, o desrespeito aos direitos humanos. Dessa forma, a instituição das denominações de origem estaria contribuindo para a construção de novas regiões, pautadas nos princípios da solidariedade, da colaboração da redução dos desequilíbrios socioterritoriais e do exercício da cidadania.

Conclusão

A organização do território é uma necessidade do mundo contemporâneo, no qual as transformações vivenciadas nos últimos vinte anos provocaram significativas modificações nas formas de pensar e agir, criando novas estruturas, formas, processos e funções. As regiões e os lugares, nesse contexto ganham relevo, pois no novo estilo de consumo mundial, a identidade local ganha destaque no comércio mundial, portanto a personalidade (forma do fazer) do lugar torna-se uma vantagem competitiva local. Os Arranjos Produtivos Locais, em franco desenvolvimento no Brasil são uma forma de organização da produção territorial, agregando ato-

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Na Bahia é possível exemplificar futuras denominações de origem da Bahia: uvas de Juazeiro, charutos do Recôncavo, cachaça de Abaíra, feijão de Irecê, dendê de Taperoá...



res locais ou não, visando a competitividade da produção da região produtora. As Indicações Geográficas Protegidas ainda em fase embrionária no Brasil, pode ser entendida como uma qualificação para o desenvolvimento do Arranjo Produtivo, por incluir em seus critérios, físicos, sociais e subjetivos, as características essenciais de uma nova forma de olhar o território. Na Bahia é possível exemplificar futuras denominações de origem da Bahia, pois, na realidade, seus nomes já são familiares no Estado e estão associados aos lugares de origem do produto, tais como: mangas de Juazeiro, uvas de Juazeiro, charutos do Recôncavo, cachaça de Abaíra, papaia do Extremo Sul, cravo-da-índia da Bahia, de Valença, feijão de Irecê, dendê de Taperoá, cacau de Ilhéus, couro de Ipirá, caprinos do Sertão, caprino defumado de Campo Formoso, sisal de Valente, café do planalto de Conquista, camarão de Valença, flores da chapada Diamantina, mel do Recôncavo, mel de Nova Soure, sempre-viva de Mucugê, bromélias da Chapada Diamantina, flores de Maracás, helicônias de Ituberá, helicônias de Una, etc. Nossas regiões agrícolas devem estar preparadas para desenvolver suas potencialidades locais e conquistar seu espaço no contexto da economia globalizada, com uma produção qualificada, agregando valor ao produto, garantindo desenvolvimento e justiça social. Assim estará apta a competir no mercado mundial.

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PERSPECTIVAS LOCAIS/REGIONAIS DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA NO CONTEXTO DO MERCOSUL Sandro G. Bagattoli1 Ivo M. Theis 2 Resumo

A formação de blocos econômicos, na esteira do processo de globalização, evidencia o ressurgimento e o reordenamento das dimensões local e regional sob o ponto de vista de assimilação de influências externas. Mas, ela também significa a busca da superação de obstáculos trazidos à superfície por condições completamente novas e de difícil controle. A questão energética, primordial para o desenvolvimento, já se encontra em fase de integração nos países que compõem o Mercosul mesmo antes da consolidação da integração econômica. Neste contexto, podem ser identificados alguns impactos da integração energética do Mercosul e ações locais que busquem gerar vantagens, sobretudo no âmbito da gestão de energia elétrica. As tendências de reconfiguração dos sistemas energéticos dos países membros trazem novas possibilidades de aumento de eficiência no consumo, de incremento da atividade econômica e de melhoria das condições materiais de vida. Palavra-chave: Blocos econômicos; desenvolvimento local/regional; energia; globalização; integração.

Abstract

The constitution of economic blocs, in the broader framework of the globalization process, shows the resurgence and restructuring of the local and regional spaces from the point of view of the external influences. But it also means that efforts are made in order to defeat the main obstacles brought to surface by completely new and unknown conditions. On the other side, the energy question,

usually considered crucial for the socioeconomic development, is a subject which leads the countries which constitute the Mercosul to look for integration – even before the economic integration had been completed. Here we will try to analyze the impacts of the energy integration of the Mercosul, as also the local policies oriented to produce advantages, particularly in the case of electricity management. The hypothesis is that the reconfiguration tendencies of the energy systems of the Mercosul countries may generate new possibilities to increase demand efficiency, to promote economic growth and to improve the social conditions of life. Key words: economic bloc; energy; globalization; integration; local/regional development.

Introdução

O fenômeno da globalização trouxe consigo um aspecto que vem chamando a atenção de estudiosos e formuladores de políticas: o ressurgimento da dimensão local/regional. É aí que ações de resistência ou o predomínio das influências de homogeneização impostas pela globalização se manifestam em vista do enfraquecimento do Estado nacional como principal agente de coordenação econômica. O apareci-

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mento de blocos regionais parece vir ao encontro da busca por uma posição mais forte no contexto internacional, na medida em que se incorporam novos mercados e se procuram melhores estratégias de negociação em nível mundial (GALVAN, 1994; CICCOLLELA, 1994). No âmbito do Mercosul, assistese, antes mesmo de uma eventual consolidação econômico-comercial, a uma integração energética em relação ao gás natural e à energia elétrica (por exemplo, via Itaipú). Por suas particularidades, essa integração envolve aspectos que a diferenciam de simples transações comerciais. São instalações físicas de capital intensivo, com custos fixos elevados, de longos períodos de maturação e recuperação do investimento. É premissa deste trabalho que existe forte correlação entre o crescimento econômico e o consumo de energia 3 para países periféricos, como o Brasil, cujos níveis de consumo não correspondem às necessidades básicas da população. Desta forma, o processo de desenvolvimento4 ainda depende de crescimento econômico baseado em consumo crescente de energia. Pretende-se identificar algumas características da integração energética que se traduzem em potencialidades para as regiões e/ou localidades abarcadas pelo bloco econô-

Mestre em Desenvolvimento Regional e professor da Universidade Regional de Blumenau [[email protected]]; Doutor em Geografia Econômica pela Universität Tübingen [Alemanha] e professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau [[email protected]]. Sobre o que aqui se entende por energia e como ela pode ser classificada, sugere-se consultar Theis (2000, p. 38-56). Que implica em melhor distribuição de renda, redução das desigualdades sociais, ampliação das liberdades políticas (cidadania) e uma exploração mais sustentável do meio ambiente.

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A questão energética requer que se analisem os impactos sobre as economias locais...



mico, notadamente as que subentendem uma atividade econômica mais intensiva. Ao mesmo tempo, intenta-se focalizar as conseqüências de um processo sabidamente exógeno, apontando elementos que possam indicar condições de competitividade, partindo-se do entendimento da provável inexorabilidade dos processos de globalização e formação de blocos econômicos. A questão energética, no contexto de um mercado competitivo, requer que se analisem os impactos sobre as economias locais resultantes da integração de fontes de energia, antes separadas por divisas geopolíticas. Estes impactos podem se traduzir na forma de ameaças ou oportunidades. Essas, por sua vez, podem redundar em potencialidades que venham a contribuir para a inserção positiva do local/regional no mundo globalizado, mediante a aplicação de um modelo adequado de gestão energética. Propõe-se, portanto, discutir as dificuldades e as vantagens da ampliação do mercado brasileiro de energia para os países do Mercosul.

Os blocos econômicos no contexto da globalização

A globalização pode ser entendida como um processo que tornou fronteiras territoriais, sociais e culturais menos rígidas, permitindo uma interpenetração entre influências locais e distantes (AMIN, 1999). É uma tendência dominante desde o final do século XX, que se refere ao caráter crescentemente global, interligado e interdependente da economia capitalista mundial, manifestando-se, talvez, de forma mais explícita na dimensão dos fluxos financeiros, respaldados num impressionante desenvolvimento tecnológico,

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baseado nas tecnologias da informação e comunicação (CHESNAIS, 1996; DOWBOR, 1996; LECHNER & BOLI, 2000; MILANOVIC, 2003; PETRELLA, 1996). A mundialização das relações produtivas e comerciais, aliada ao processo de integração econômica, tem provocado tanto a reestruturação quanto a reorganização territorial do modelo de produção fordista5. Na medida em que se reduz a capacidade de intervenção e se modifica o próprio significado do Estado nacional como agente regulador e planificador, emergem estruturas supranacionais e supra-estatais voltadas para a ampliação de transações econômicas no contexto de uma ideologia que privilegia o mercado como principal base de integração entre países (CICCOLELLA, 1994; GALVAN, 1994). Por outro lado, o termo que define a globalização como uma economia internacional aberta, com grandes fluxos de capitais e investimentos entre países, não é realista. O que se vê é um sistema econômico que se articula em escala global, cujos fluxos financeiros e de comércio, porém, se concentram no eixo EUA-EuropaJapão, o mesmo se aplicando ao domínio das tecnologias de ponta (AMIN, 1999; GALVAN, 1994). Os componentes deste eixo se estruturam em três blocos econômicos principais: a Associação Norte-Americana de Livre Comércio (NAFTA), com pretensão de se transformar em Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), a União Européia e, conforme Dowbor (1996), a “Zona de Coprosperidade Asiática”. Nos países de Terceiro Mundo, em particular na América Latina, o surgimento do Mercosul, embora sem representar a escala e a dinâmica observadas entre os mega-blocos liderados pelos países desenvolvidos, é uma tentativa de buscar uma inserção mais vantajosa no cenário econômico internacional, a par da intensificação de cooperação econômica e institucional entre seus membros (SILVA, 1990).

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Essa perspectiva de bloquização mundial, considerada duradoura, inspira a estratégia de consolidação e incremento dos vínculos comerciais e financeiros internos ao Mercosul, ainda que não se tenha certeza que o bloco adquira um papel ativo no plano internacional (ARROYO, 1994). Na vertente econômica e, em especial, na da integração física de infra-estruturas, a unificação de iniciativas pode trazer ganhos nos circuitos produtivos internos, mais do que os relacionados às vantagens do bloco frente ao exterior. Isto porque a infra-estrutura é motor do crescimento intra-regional, dentro do que Ciccolella (1994) entende como a construção de novos cenários e paisagens industriais, nas áreas de contato entre os países membros ou nas áreas já industrializadas. No relacionamento externo, a transnacionalidade dos blocos econômicos, considerados como um todo único, propicia poder de barganha e negociação maior do que se os membros atuassem separadamente. Assim, a soberania do bloco aumenta o poder e a influência dos Estados-partes (CASTEX, 2000). Quatro são os níveis de cooperação econômica na formação dos blocos regionais: a) Livre comércio – redução ou eliminação de taxas aduaneiras e restrições ao intercâmbio comercial. b) União aduaneira – livre comércio e estabelecimento de uma tarifa externa comum, estágio em que se encontra o Mercosul atualmente. c) Mercado comum – Livre comércio e União Aduaneira somados à livre circulação de pessoas, serviços, bens e capitais. d) União política e econômica – mercado e sistema monetário comuns.

A integração energética e o desenvolvimento

Celso Furtado (1998) caracteriza o subdesenvolvimento como a au-

O fordismo é um modelo de desenvolvimento que tem como importantes características a produção e o consumo em massa (THEIS, 1997).

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sência de condições endógenas de crescimento econômico, absorção de empregos, distribuição de renda e preservação da identidade cultural. O que, então, se pode entender por desenvolvimento? O conceito de desenvolvimento se refere a um processo de longo prazo, baseado na alocação eficiente de recursos e no crescimento sustentado do produto agregado, promovido pelo emprego de mecanismos socioeconômicos e institucionais, tendo em vista o incremento rápido e em larga escala dos níveis de vida das massas mais pobres de países e regiões periféricos (TODARO, 1997). Embora assuma a eficiência alocativa e o crescimento da produção econômica como pressupostos, o conceito vai além ao prever o recurso a mecanismos não-econômicos e, sobretudo, ao mirar com clareza os destinatários de seus benefícios – a população empobrecida de espaços marginalizados! Mas, desenvolvimento também é um processo histórico em que, tanto nos países capitalistas centrais como nas formações periféricas, tem lugar uma dada exploração de recursos naturais. Conflitos entre os grupos e classes sociais, baseados na oposição de interesses em relação ao processo de acumulação, condicionam o conflito entre a sociedade e o meio ambiente no capitalismo contemporâneo (REDCLIFT, 1995). Portanto, o conceito de desenvolvimento ultrapassa o simples crescimento econômico, apresentando fundamentos para certo patamar de capacidade produtiva e padrão de consumo. A atividade econômica, porém, deve estar estruturada para além da simples reprodução de padrões culturais externos, estando aí presente o consumo, principalmente através de um modelo que privilegie o “empoderamento” [do inglês empowerment] das capacidades e dos recursos internos, propiciando um ganho de autonomia nas relações externas. Em países periféricos, é notória a insatisfação de necessidades fundamentais; aí estão ausentes níveis mínimos de homogeneidade em relação a condições de vida, liberda-



... o crescimento econômico tem uma profunda correlação com o aumento do consumo de energia.



des políticas e acesso a padrões de consumo garantidores de patamares básicos de satisfação das necessidades humanas. Para Myrdal (1967), países subdesenvolvidos apresentam economias desintegradas e uma série de barreiras socioeconômicas que dificultam a igualdade de oportunidades para seus membros. Por outro lado, constata-se, historicamente, que o crescimento econômico tem uma profunda correlação com o aumento do consumo de energia. Estudos do PNUD mostram evidências empíricas das relações entre índices de desempenho econômico, consumo energético e desenvolvimento (PAULA, 1997). A integração econômica entre diferentes regiões pode proporcionar condições para a aceleração do desenvolvimento, notadamente em relação a vetores como a produção, a disponibilidade e o consumo de energia. Além da comercialização de produtos de energia, a integração energética também se dá através da complementação dos sistemas energéticos, de sua integração física e de programas e projetos comuns aos países relacionados. Com efeito, na Europa, os principais países já tiveram seus sistemas elétricos interconectados décadas antes da formalização da União Européia, processo que contribuiu para a integração econômica. Atualmente, a Europa possui uma das mais integradas redes de transmissão de eletricidade do mundo e suas transferências inter-países se dão em uma base de cooperação não-compulsória (PAULA, 1997). Se o que se busca é o desenvolvimento dos países que integram o Mercosul, e este passa, em algum grau, pelo crescimento da atividade, então o aprimoramento de técnicas de aproveitamento e racionalização

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econômicos voltados para a área energética devem ser temas permanentes na sua agenda. Se a interdependência econômica e tecnológica é irreversível, abrese a perspectiva de um mundo tendente a ser fortemente condicionado pela técnica, não obstante estarem a ciência e a tecnologia sob controle dos países capitalistas centrais. Por isso, um bloco econômico de menor dimensão, como o Mercosul, deve mobilizar meios endógenos de aproveitamento de suas fontes de energia. Isso pode ser logrado mediante o desenvolvimento de processos tecnológicos e econômicos apropriados ao seu contexto, tendo como primados a produtividade, a competitividade, a relação custo/benefício, a eficácia e o aprimoramento constante de técnicas que contribuam para o crescimento econômico dos países integrantes do bloco. Importante: este esforço não pode desprezar a questão ambiental, posto que o sub-setor energético impacta, em maior ou menor grau, a natureza. Apesar de muitas vezes desprezadas ou subestimadas, externalidades ambientais precisam ser devidamente consideradas.

A integração energética no Mercosul

A interligação energética já vem sendo tema de entendimentos entre Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia, pelo menos vinte anos antes da formalização do Mercosul, criado pelo Tratado de Assunção, em março de 1991, envolvendo exploração de quedas d’água e importação de energia elétrica (Paraguai e Argentina) e gás natural (Bolívia e Argentina) (LEITE, 1997). Pode-se dizer, inclusive, que a configuração fronteiriça baseada em cursos fluviais proporcionou gestões de aproveitamento conjunto de fontes de energia, como a hidroelétrica entre Brasil e Paraguai (Itaipú). Quanto à Argentina, o Brasil comercializa energia elétrica com aquele país através da estação conversora de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Na década de 1980, após os choques do petróleo e dos juros, ficou cada vez mais clara a necessidade

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de uma integração que tomasse em conta os recursos naturais do continente e definisse um novo modelo de desenvolvimento que, pelo lado da produção, reduzisse a dependência de fontes externas e, pelo lado da demanda, otimizasse o consumo (ROSA et al., 1998). Durante os anos 1990, diante de um quadro de escassez de energia elétrica, que veio a confirmar-se no início deste século, a integração energética do Mercosul implicou na inserção do gás boliviano e argentino na matriz energética brasileira, sendo a finalidade principal a liberação da pressão sobre o consumo de energia elétrica e dos derivados do petróleo (ALBERTO Jr., 1997; DYER, 1999; STEIN, 1997). Sobre as potencialidades de comercialização e diversificação energética na América do Sul, pode-se lembrar que São de longa data os entendimentos governamentais entre Brasil e Bolívia quanto ao gás natural e Colômbia quanto ao carvão. Mais recentemente, tiveram lugar entendimentos com a Argentina sobre o gás natural, operação que põe em evidência a interdependência crescente das várias formas de energia primária em um balanço energético que se torna cada vez mais diversificado. No balanço global haverá deslocamento parcial do óleo combustível e reajuste na repartição da responsabilidade pelo suprimento de energia elétrica no sistema integrado, para que nele se introduza a usina a gás com suas características específicas (LEITE, 1997).

O setor elétrico brasileiro, a exemplo do chileno e do argentino, também passou por reformas estruturais que, de acordo com o discurso oficial, tiveram por objetivo incrementar sua eficiência econômica (PAULA, 1997). Vários países procuraram implementar mudanças institucionais, através de desregulamentação, estímulo à competição e maior participação do capital privado na infraestrutura (ROSA et al., 1998), mudanças inspiradas no modelo inglês6. No caso do Brasil, não obstante a reforma ter sido feita em um contexto de elevado risco de déficit de ener-

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... é séria a questão que envolve a especulação financeira, suportada pela liberalização dos luxos financeiros internacionais.



gia7 e tendo por motivação principal a execução de políticas macroeconômicas que repousavam na privatização de ativos estatais, efetivaramse significativas mudanças nos processos de comercialização de energia elétrica, através da desverticalização das etapas de geração, transmissão e distribuição, e a implementação de marcos concorrenciais de um mercado livre. Esta nova composição permitiu, em tese8, o intercâmbio comercial de energia elétrica entre vendedores e compradores de várias regiões do país, antes subordinados às companhias concessionárias. Quais seriam os aspectos relevantes a serem discutidos na hipótese deste quadro ser estendido aos consumidores e produtores de energia elétrica, situados nos outros países do Mercosul? Por um lado, as interconexões físicas têm como pressupostos a confiabilidade do sistema interligado, a transparência na apropriação de custos e precificação da energia elétrica e a segurança político-institucional e jurídica dos países interligados, haja vista as esferas de influência relativas ao controle das fontes de energia. É de se imaginar, por exemplo, os reflexos de uma crise em algum país-membro que pudesse levar à interrupção do fornecimento de energia a outro país parceiro, depois deste planejar a expan-

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são de sua capacidade com base em abastecimento externo. Também é séria a questão que envolve a especulação financeira, suportada pela liberalização dos fluxos financeiros internacionais. Como a moeda comercial adotada fora da Europa ainda é o dólar, toda crise cambial envolve o imediato aumento dos preços das mercadorias provenientes do exterior, impactando o balanço de pagamentos do país e sobreonerando os custos diretos de consumo e indiretos relativos à participação da energia na produção industrial. Este quadro pode ocorrer mesmo em uma situação de estabilidade dos preços de produção, por exemplo, do gás ou da eletricidade. Mas ele tende a resultar principalmente de movimentos especulativos, fato freqüente no Brasil nos últimos tempos. Exemplo disso foi a previsão do Banco Central do Brasil de um aumento de 25% nos preços de energia elétrica para o ano de 2003 (Valor on-line, São Paulo, 30/10/02), ocasionado justamente pela depreciação cambial.

Possibilidades locais/regionais Efeitos positivos da integração energética

Em um panorama que exclua eventuais problemas como os referidos anteriormente, a integração energética pode trazer, através da ampliação da base de recursos e da diversificação da matriz energética, um notável incremento da eficiência do conjunto. Podem contribuir aí a operação interligada de sistemas elétricos, a quantidade e o baixo preço da energia elétrica oriunda do Paraguai (ORCINOLI, 1997), a complementaridade da produção térmica Argentina quando da baixa hidraulicidade 9 brasileira, e a participação do gás natural como substituto de combustíveis mais caros em processos industriais ou no consumo final.

Baseadas na liberalização econômica do setor energético, através da desverticalização e privatização de ativos e da implementação de um mercado concorrencial. Atribui-se a este fator, aliado à não execução completa das mudanças, o maior peso nos problemas de racionamento ocorridos no início deste século. Esta dinâmica ainda se encontra em fase de consolidação, apesar de estarem presentes as premissas legais e regulamentares. Menor afluência de água aos reservatórios das usinas.

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Sabe-se que a indústria de eletricidade tem grande influência sobre os demais sub-setores econômicos, visto sua expansão repercutir diretamente sobre as finanças públicas, os níveis de investimento e outras variáveis macroeconômicas. Além disso, a energia elétrica participa, em algum grau, de praticamente todas as atividades da sociedade, seja no seu consumo direto residencial (influenciando o orçamento doméstico), comercial ou por fazer parte da produção industrial (tendo todos os produtos sua cota de energia embutida em seu custo). O crescimento econômico desejado estaria, então, associado a menores custos, obtidos a partir do aumento da eficiência da exploração de fontes de energia elétrica. As fontes de energia dos países do Mercosul são mais próximas aos grandes centros de carga do sul/sudeste do Brasil, cuja potencialidade hidroenergética está próxima do esgotamento, tornando-as mais competitivas comparativamente aos projetos de geração e, principalmente, de transmissão de energia elétrica da Amazônia. A constatação de que a geração de energia na bacia amazônica está relacionada com a necessidade de maior área inundável por MW instalado10 remete a outro tema que merece igual consideração: a análise das implicações ambientais da produção e do uso de energia. A preocupação com a otimização da extração dos recursos naturais não-renováveis e o manejo dos recursos renováveis, para os mesmos níveis de crescimento econômico, também fazem parte do conceito de desenvolvimento sustentável. Na visão de Monestier (1992), o ser humano é protagonista de uma relação mais harmoniosa com o meio ambiente na medida em que também leva em conta externalidades, além dos parâmetros de custos e investimentos. Logo, não é descabida a afirmação de que o aproveitamento otimizado das fontes energéticas no Mercosul pode conduzir a uma considerável diminuição nas taxas de exploração do meio ambiente, comparativamente com a atuação de cada país, cabendo no futuro consolidar novas fontes alter-

nativas, menos poluentes ou degradantes do meio ambiente. Desse modo, evitar-se-iam medidas mais agressivas ou mais polêmicas em relação ao meio ambiente local, como, por exemplo, a instalação de usinas térmicas ou nucleares. O papel da dimensão local/regional

Amin (1999) entende que o fenômeno da globalização traz, em seu bojo, novas disposições de relacionamento social e cultural entre os diversos atores, podendo uma nova corrente de prosperidade emergir da integração e interconexão entre o local/regional11 e o global. Esta possibilidade muda a perspectiva de que o local, o nacional e o global sejam esferas diferentes de ação e organização. É uma compreensão que destaca o relacionamento entre áreas e campos de influência múltiplos e interdependências assimétricas como o aspecto mais característico da atual globalização. As evidências parecem indicar que a idéia de uma dimensão global como fluxo de dominação e transformação e de uma dimensão local como fixada na tradição e na continuidade perde importância. Ela não leva em conta a interação entre o local e o global nem a lógica da evolução dos mesmos, consubstanciada na tendência à formação de blocos econômicos. No entanto, uma visão não ingenuamente otimista relativa ao sucesso de blocos econômicos de economias periféricas sugere que, em certa medida, é importante observar como esta interconectividade pode ser trabalhada com vistas a se tornar uma vantagem. Assim, na área das políticas industriais e de infra-estrutura, esforços podem ser feitos no sentido de aproveitar vantagens do processo de globalização – no caso, da dinâmica de operação de blocos econômicos.

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Nesta perspectiva, inscrevem-se ações locais voltadas ao que Bagattoli (2005) denomina de gestão estratégica de energia elétrica [GEEE], filosofia de ação gerencial que se orienta pelos princípios da administração estratégica; o objetivo é prover o consumidor de energia elétrica de um posicionamento estratégico frente ao ambiente externo, ao mesmo tempo em que adota todos os meios tradicionais de gestão energética no ambiente interno, no sentido de reduzir custos e eventualmente gerar receitas com a obtenção e o uso da energia elétrica. Ao lado de sub-programas da GEEE, como conservação de energia e gerenciamento de carga, os consumidores podem atuar num hipotético mercado integrado e competitivo do Mercosul através da condição de consumidores livres12 e/ou produtores de energia elétrica. Um benefício intrínseco à integração energética poderia ser precisamente a diminuição dos custos de produção e a maior competitividadepreço dos produtos em virtude da redução do custo da energia. Igualmente, quanto ao meio ambiente, haveria a expectativa positiva de que empreendimentos que impactassem a base local de recursos naturais seriam evitados como resultado da otimização de fontes de energia a partir de uma coordenação das disponibilidades do bloco econômico. Em outro plano, regiões que reúnam condições de promover nexos causais entre integração energética e possibilidades de aumentar a competitividade podem melhorar sua posição de inserção nos mercados nacional e internacional. Como exemplo, uma profícua cooperação entre universidades e empresas pode, de forma coordenada, no âmbito do processo de integração

Claro: existem aproveitamentos hidroelétricos com grande eficiência MW/área inundada na Região Norte. A dimensão local/regional indica uma certa área geográfica de extensão subnacional, na qual se reconhecem uma dada comunidade de indivíduos – pertencentes a distintos grupos e classes sociais – e as atividades socioeconômicas, i.é. produção, distribuição, troca e consumo, que asseguram a sua reprodução (Scott, 1998; Corrêa, 2000). Para referir ao processo de acumulação que tem lugar neste espaço se emprega o conceito de desenvolvimento local/regional, i.é. o processo localizado de mudança social sustentado que tem como fim a melhoria contínua das condições materiais de vida da comunidade que vive no espaço local/regional (Boisier, 1996). Consumidor livre: pressupõe, mediante o atendimento de alguns pré-requisitos, uma desvinculação de obrigatoriedade de compra de energia elétrica da concessionária local, podendo adquiri-la de qualquer outro agente do setor elétrico.

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energética entre os países do bloco, fundamentar-se, sem altos custos, em estratégias de: a) Equacionamento de otimização técnico-econômica da matriz energética, considerando a disponibilidade de energia elétrica, do gás natural, do petróleo (óleo combustível) e biomassa (lenha ou resíduos industriais). b) Compra de energia elétrica, individualmente ou em conjunto de consumidores reunidos por comunhão de interesses, considerando que existe a previsão de que todos os consumidores em alta tensão serão consumidores livres. c) Comercialização de energia elétrica, nas figuras do autoprodutor13, do produtor independente14 ou do comercializador15 de energia elétrica no sistema interligado ampliado. Essas estratégias parecem indicadas na expectativa de funcionamento de um mercado energético integrado e competitivo, dentro do próprio Mercosul, a partir do que resultou da reestruturação do setor elétrico brasileiro. Aí parece haver espaço para empresas regionais agirem como produtores independentes ou autoprodutoras vendedoras de energia elétrica proveniente de co-geração16 para clientes fora do espaço geográfico brasileiro, utilizando-se das interconexões existentes. Os agentes comercializadores, por sua vez, podem contribuir para o aparecimento de mais um nicho de mercado com grande potencial de evolução.

Considerações finais

Dentro do processo de formação de blocos econômicos, o Mercosul, embora ainda não consolidado em nível econômico-comercial, apresenta um razoável estágio de integração energética, que dificilmente sofrerá condição de refluxo. A despeito de haver variáveis não completamente controladas, como o câmbio especulativo e ocasionais crises políticas e sociais, sobressaem aspectos positivos quanto ao aproveitamento integrado de fontes de energia dos países-membros, em uma ampliação e

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liberalização do mercado entre agentes consumidores e produtores. Na frente econômica, possíveis reduções de custos podem ser traduzidas em menores tarifas, dar maior competitividade-preço aos produtos dos países membros e desonerar os orçamentos domésticos. Em uma hipótese de incremento da competitividade em nível global, a melhoria do saldo da balança comercial e o ingresso de divisas, mais eventuais reduções de pressões macroeconômicas de cunho fiscal em investimentos no setor de infra-estrutura energética, abririam a possibilidade de alocação de recursos em outras áreas de desenvolvimento, o que seria benéfico para os países que integram o Mercosul. Na frente ambiental, a redução das taxas de exploração do meio ambiente, tendo em vista a operação otimizada de sistemas energéticos interligados, é fator de indiscutível relevância para a sustentabilidade do desenvolvimento. Mesmo no espaço local, novas fronteiras de possibilidades surgem quando se passa a investigar as vantagens que podem ser adquiridas desta nova conformação do global e do local/regional na figura de um bloco econômico como o Mercosul, inclusive por meio da inserção ativa de consumidores de energia elétrica. Todavia, para além das vantagens econômicas que cada país integrante do bloco econômico possa vir a derivar, o processo de integração energética realmente só fará algum sentido se – repousando numa redução da demanda e numa diversificação das fontes de energia, com progressivo peso das alternativas/renováveis – os ganhos puderem se traduzir em menor impacto ambiental e, sobretudo, em efetiva melhoria das condições materiais de vida das comunidades em nível local/regional.

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Autoprodutor: é a empresa que produz sua própria energia para seu consumo, podendo, no entanto, comercializar um eventual excedente. Produtor Independente: é a empresa constituída com a única finalidade de produzir energia elétrica através da construção e operação de usinas. Comercializador de energia elétrica (retail agent): é uma empresa cuja finalidade é a de compra e venda de energia elétrica, sem participar como proprietária de instalações, seja como comerciante (intermediário) ou como corretor entre negócios, além da prestação de assessoria para as negociações dentro do mercado de energia elétrica. Sobre a geração de energia elétrica como sub-produto do processo produtivo, a partir, por exemplo, da queima de resíduos ver Brandt (2002).

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PARQUE URBANO

DA PAZ: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO CONCEITO NO PARQUE NACIONAL DA TIJUCA Sônia Peixoto1 Marta Irving2 Ana Paula Leite Prates3 Iara Vasco Ferreira4 Resumo

O presente trabalho objetiva apresentar e discutir um novo conceito, o de Parque Urbano da Paz, em construção no Parque Nacional da Tijuca. A proposta teve como inspiração o olhar sobre a realidade local, constituída por um patrimônio natural de grande importância para a conservação, sob forte pressão urbana e associada a um contexto de conflito, violência e exclusão social. Sob essa ótica, uma unidade de conservação pode representar um mecanismo essencial para a discussão de cidadania e para uma reflexão ética sobre desenvolvimento e conservação ambiental na lógica da sustentabilidade. Palavras-chave: parque nacional, Tijuca, paz, inclusão social, sustentabilidade

Abstract

The present work aims to present and discuss a new concept, Peace Urban Park, in phase of elaboration for the Tijuca National Park. The proposal was inspired by the direct observation of the local reality, characterized by an important natural patrimony but also associated to strong urban pressure, conflict, violence and social exclusion. In this context, a protected area could represent an important mechanism for the discussion of citizenship and ethical reflection about development and environmental conservation in the framework of sustainability.

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Key Words: National park, Tijuca, peace, social inclusion, sustainability

Introdução

As áreas protegidas constituemse em um dos mais bem sucedidos instrumentos de conservação da biodiversidade No entanto, seus benefícios diretos aos seres humanos vão muito além daqueles oriundos da conservação in situ. Podem ser citados como exemplos: a conservação dos recursos hídricos; das belezas cênicas; a proteção dos solos evitando e controlando a erosão; o assoreamento dos rios e represas, mantendo regular a vazão dos rios etc; a proteção de sítios históricos e/ ou culturais; a manutenção e produção da fauna silvestre; a disponibilização de oportunidades de recreação em contato com a natureza; a geração de conhecimentos por meio da educação ambiental; o manejo dos recursos florestais; assegurar a qualidade do ar e da água; e ordenar o crescimento econômico regional (organizando e enfocando todas as ações do desenvolvimento integral rural e urbano, pela geração de oportunidades estáveis de emprego e renda), bem como de economias locais sustentáveis. Neste contexto, os Parques Nacionais assumem uma enorme impor-

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tância ao conjugarem diversos objetivos, entre eles a melhoria da qualidade de vida das comunidades que vivem no seu entorno e se beneficiam diretamente de seus atributos naturais e cênicos (IUCN, 1999). Em países em desenvolvimento, os parques nacionais urbanos representam áreas protegidas de extrema vulnerabilidade com relação à sua base de recursos naturais e, freqüentemente estão associados a contextos sistemáticos de violência e risco, motivados pelas questões de exclusão social e pelas pressões urbanas para uso do solo. Este quadro de vulnerabilidades tende a delinear novas demandas para a gestão, com enfoque nitidamente ético e social. Em áreas de violência e risco, a estratégia de conservação dos recursos naturais emerge, muitas vezes, como uma alternativa para a construção de cidadania e capital social. Ressalta-se, ainda, que a gestão da biodiversidade, nesse caso, será pouco eficiente se não forem considerados novos valores em sua prática, principalmente no que diz respeito aos novos conceitos de participação e controle social. Um dos poucos exemplos de Parques Nacionais totalmente situados em malha urbana, o Parque Nacional da Tijuca, no estado do Rio de Janeiro, sofre com a problemática de

Bióloga, Chefe do Parque Nacional da Tijuca, IBAMA, [email protected] Bióloga, PhD., Programa Eicos/Universidade Federal do Rio de Janeiro, [email protected] Engenheira de Pesca, PhD, Ministério do Meio Ambiente, [email protected] Socióloga, MSc., Ministério do Meio Ambiente, [email protected]

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pressão urbana associada à violência. Apesar de conter símbolos emblemáticos como o Cristo Redentor, o seu ícone mais conhecido e cartão postal do Brasil, representa também uma área de grande tensão social, tendo em vista a lógica de ocupação do entorno, que privilegiou a coexistência de residências de baixa renda e de moradias de luxo. Por outro lado, na cidade do Rio de Janeiro, as áreas de encosta foram historicamente ocupadas por moradias de populações de baixa renda, sendo submetidas com freqüência, ao controle do tráfico de drogas. Além disso, a Floresta da Tijuca representa rota privilegiada da cidade e em seu perímetro são sistematicamente registrados casos de violência, gerando um sentimento de intranqüilidade entre a população do entorno, visitantes regulares e turistas. Sendo assim, novas estratégias vem sendo desenhadas para a gestão da área protegida visando associar o simbólico relacionado ao Parque Nacional em uma nova perspectiva que traduza uma abordagem humanizante e solidária que promova benefícios ambientais e sociais. É neste sentido que surge o conceito de Parque Urbano da Paz. Deste modo, o trabalho objetiva discutir um novo conceito, em construção no Parque Nacional da Tijuca, que poderá ser aplicado e inspirar estratégias com esse objetivo nas demais unidades de conservação situadas nos grandes centros urbanos do país.

O paralelo entre natureza e violência urbana

Os índices de violência e criminalidade são fatores importantes para o desenvolvimento sustentável e a preservação das áreas naturais protegidas por conta de acarretarem altos custos sociais, econômicos e ambientais. O trabalho realizado pelo ISER (2000) afirma que “a maioria dos crimes cometidos ocorre em regiões de alta concentração de habitantes com condições precárias de qualidade de vida. A proporção de habitantes que moram em municípios de mais de 100 mil habitantes é a variável que mais correlaciona com taxas de homicídios estaduais no Brasil. Dentro do estado do Rio



O Mapa de Violência no Brasil revela um crescimento anual de 5,5% na ocorrência de crimes como homicídios...



de Janeiro, a proporção de habitantes que moram em área urbana é a variável que apresenta maior impacto na taxa de homicídios municipal. Estas relações se mantêm mesmo após controlar o efeito de renda, a desigualdade e a educação, mostrando que a urbanização parece ser um dos fenômenos principais para explicar as elevadas taxas de homicídio no Brasil.” Ainda, segundo o referido trabalho, as Áreas de Planejamento Municipais (APs) que circundam o Parque Nacional da Tijuca (Zona Sul, Zona Norte, Barra da Tijuca e Jacarepaguá) apresentam, somadas, a taxa de 200,5 homicídios por cem mil habitantes/ano, sendo que as duas restantes somadas apontam para a metade da taxa verificada. Esse dado nos remete as situações verificadas em conflitos armados entre civis ou estados de guerra entre países onde o número de mortos nos traduzem a realidade dessa violência. Em áreas transfronteiriças onde países, historicamente, encontram-se em guerra, o conceito dos “Peace Parks” vem sendo empregado como forma de minimizar esses conflitos, protegendo a biodiversidade ao tempo em que se trabalha a aproximação dos povos (Marincic, 2003). O Mapa de Violência no Brasil, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO, 2004), abordando juventude, violência e cidadania, revela um crescimento anual de 5,5% na ocorrência de crimes como homicídios no Brasil, aumentando para 54,5% em 2002, contra 30% em 1980, sendo o país o quinto no ranking de homicídios de jovens. Ainda de acordo com a pesquisa, o estado do Rio de Janeiro ocupa agora o primeiro lugar no ranking de

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homicídios no país, com as taxas subindo de 50,9 em 2002 para 56,3 em 2004, por cem mil habitantes, com crescimento de 10,6% comparandose os períodos. A Cidade do Rio de Janeiro apresenta taxa de 64,2 cem mil habitantes, em quarto lugar entre as regiões metropolitanas do país. No entorno do Parque Nacional da Tijuca encontram-se 43 assentamentos de baixa renda (favelas) circundando a unidade, algumas das quais apresentando altas taxas de homicídios aliadas a diminuição da renda per capita em 2,2,% e ao desemprego girando em torno dos 3,5% (ISER, 2001). Constata-se que o crime organizado já se encontra instalado nas favelas. Em cada uma delas os chefes do tráfego de drogas comandam verdadeiros “exércitos” de jovens. Os criminosos lucram milhões com a venda ilícita e dispõem de granadas, sofisticadas metralhadoras e eficiente equipamentos de comunicação. A situação é tão grave que o Governo Federal analisa o uso de tropas federais no Rio de Janeiro, como ocorreu na Conferência Mundial do Meio Ambiente em 1992 e o Ministro da Justiça, em entrevista, declarou que “a medida pode ser precisa porque a guerra entre os traficantes se assemelha a uma situação de guerrilha urbana”, conforme divulgado nos veículos de comunicação nacionais e internacionais (www.dnoti cias.com. pt). A situação de violência na cidade se reflete na consecução dos objetivos de manejo, não só do Parque Nacional da Tijuca, mas também nas demais unidades de conservação estaduais e municipais inseridas na malha urbana da cidade do Rio de Janeiro, destacando-se o Parque Estadual da Pedra Branca e o Parque Municipal do Mendanha. Alguns projetos de integração com as comunidades do entorno se iniciaram demonstrando ser possível a conversão de iniciativas conservacionistas para o bem estar social, estabelecendo o início da factual relação entre a natureza e paz.

O Conceito de Parques da Paz

De uma maneira geral, o conceito de Parques da Paz surge a partir da

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noção de cooperação para a paz em áreas de fronteira e são diversas as iniciativas em curso, de abrangência mundial, envolvendo a interação permanente e a cooperação entre áreas protegidas divididas por fronteiras. Da mesma maneira, sempre parece ter havido o reconhecimento de que essas áreas têm um simbólico valor para a paz a para a ação conjunta de conservação. Na publicação “Transboundary Protected Áreas for Peace and Cooperation” é apresentado e discutido esse conceito, assim como são elencadas algumas das principais áreas potenciais nos diversos continentes. (SANDWITH et al, 2001) Segundo IUCN (op. cit), já em 1932, o Waterton-Glacier International Peace Park foi criado para comemorar a longa história de paz e amizade entre os Estados Unidos e o Canadá e também para enfatizar os aspectos da interação sob a ótica natural e cultural entre os dois países. E, desde então, muitas tem sido as iniciativas nessa direção, não apenas no que se refere a áreas protegidas efetivamente estabelecidas em zonas de fronteira mas também com relação à cooperação entre regiões vizinhas. Neste sentido, desde 1997, a IUCN tem promovido a estratégia de Parques para a Paz como um mecanismo de fomento e cooperação regional para a conservação, prevenção de conflitos, reconciliação e desenvolvimento regional sustentável. Muitos são atualmente os conceitos e definições usados para Parques da Paz e, freqüentemente, este termo é relacionado a áreas protegidas com um significativo passado de conflito. No entanto, segundo a IUCN, Parques para a Paz são áreas transfronteiriças formalmente dedicadas à proteção e manutenção da diversidade biológica e dos recursos naturais e culturais e para a promoção da paz e cooperação. Evidentemente que esse conceito não se aplica diretamente a um parque urbano, inserido nos limites de um mesmo estado ou município mas ele funciona como inspiração para uma nova proposta, em construção,

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... a estratégia para valorização da paz pode se vincular também à gestão como uma alternativa para se trabalhar o conflito e a cidadania.



vinculada às áreas protegidas urbanas, submetidas a um elevado grau de pressão antrópica e tensão social. Nessas áreas, a estratégia para valorização da paz pode se vincular também à gestão como uma alternativa para se trabalhar o conflito e a cidadania. Assim, a área protegida passa a ter um valor simbólico ampliado e se internaliza no imaginário não apenas como possibilidade de lazer e contato com a natureza mas também como elemento central de qualidade de vida e dignidade para o cidadão urbano. Assim, um Parque Nacional pode se transformar, além de meio de conservação da base de recursos naturais em símbolo e veículo de novos valores.

O Contexto do Parque Nacional da Tijuca – Um parque urbano

O Parque Nacional da Tijuca foi criado em 6 de julho de 1961, através do Decreto Federal nº 50.92, sendo que em 08 de fevereiro de 1967, o Decreto Federal nº 60.183, alterou o nome do Parque Nacional do Rio de Janeiro para Parque Nacional da Tijuca, e definiu seus limites. Parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica o Parque Nacional da Tijuca se constitui numa unidade de conservação de reconhecida importância ecológica, cultural e histórica (Plano de Manejo, 1981). Inserido na malha urbana da uma grande metrópole, teve seus limites corrigidos e ampliados em 2004, aumentando sua singular complexidade em termos gerenciais por conta da crescente e significativa pressão antrópica a que está exposto, inclusive, em suas novas áreas administrativas – conjunto Petro For-

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ros/Covanca, Vila Rica e Parque Lage (conforme proposta de correção e ampliação de limites do Parque Nacional da Tijuca elaborada pela equipe técnica do Parque Nacional da Tijuca e apresentada à Diretoria de Ecossistemas do IBAMA em junho de 2004). O Parque Nacional da Tijuca é gerido pela parceria entre o IBAMA e a Prefeitura do Rio de Janeiro, possuindo, atualmente, uma área de 3.953,22 hectares incrustada entre alguns dos principais bairros residenciais do Município do Rio de Janeiro, abarcando o Jardim Botânico, Gávea, São Conrado, Alto da Boa Vista, Tijuca, Grajaú, Jacarepaguá, Itanhangá etc, constituídos de assentamentos de baixa renda, classe média e alta, sendo que algumas dessas áreas apresentam alta concentração populacional, acelerado estágio de favelização e alarmantes índices de violência. Apesar da proibição de urbanização em áreas acima da cota 100, de acordo com a Lei Municipal nº 322/1976, a ocupação das encostas vem aumentando constantemente ao longo do século, incluindo-se as áreas dos Maciços da Tijuca e Serra da Carioca. De acordo com o mapeamento de uso do solo elaborado pelo Instituto Pereira Passos da Secretaria Municipal de Urbanismo da Cidade do Rio de Janeiro, em 2000, constata-se que com base nos critérios de risco para a unidade de conservação, algumas favelas merecem atenção especial, não só pela possibilidade de degradação ambiental, mas também pela atuação de criminosos em assaltos aos visitantes e usuários, a ocorrência de acampamentos clandestinos e a paralisação de projetos socioambientais em desenvolvimento, tais como de educação ambiental e integração com as comunidades do entorno, em especial, Rocinha, Cerro Corá, Vila Rica, Guararapes, Borel e Dona Marta. A comunidade da Rocinha, por exemplo, possui 56.304 habitantes (FGV, 2004), sendo uma das maiores favelas da América Latina e localizada na área de influência direta do Parque Nacional da Tijuca. Apresenta o mais baixo índice de

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... o trabalho desenvolvido nessas comunidades é necessário uma espécie de “concordância” informal das facções criminosas que comandam essas áreas.



escolaridade da cidade do Rio de Janeiro, sendo que 31,7% têm entre quatro e sete anos de estudos, além da quarta menor renda da cidade (R$ 434,00) e 8,7% de desempregados, ainda segundo o Mapa do Fim da Fome II realizado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com a Ação da Cidadania. O trabalho socioambiental versus a violência atual

Na Rocinha, especificamente na localidade denominada Laboriaux a equipe técnica do Parque vem construindo, em parceria com a própria comunidade, um projeto que visa reafirmar a participação da sociedade no desafio de preservar os recursos naturais do Parque Nacional da Tijuca. Trata, ainda, de minimizar o avanço da ocupação urbana sobre os limites da unidade, envolver os atores sociais na conservação ambiental e integrar meio ambiente, arte e cultura de forma a ampliar a participação do cidadão na gestão ambiental. Em abril de 2004, por conta de um confronto armado entre facções do crime organizado, dez pessoas foram assassinadas como uma das conseqüências da violência, destacando-se a morte de dois policiais e quatro transeuntes. Devido a esse recente episódio, o projeto teve que ser paralisado para que não haja ameaça à integridade física dos participantes governamentais e da sociedade civil ao tempo em que está sendo re-estudado na perspectiva da inclusão de um novo componente que preveja a abor-

dagem da violência como um fator inerente ao trabalho com comunidades na malha urbana do Rio de Janeiro. Atualmente qualquer que seja o trabalho desenvolvido nessas comunidades é necessário uma espécie de “concordância” informal das facções criminosas que comandam essas áreas. Viabilizar essa concordância de maneira legalizada e com a rapidez em que as ações conservacionistas de proteção do entorno do Parque Nacional precisam ser realizadas é o grande desafio enfrentado pela equipe da unidade. Apesar dos índices de violência da cidade, o Parque Nacional da Tijuca, continua desenvolvendo vários projetos com as comunidades do seu entorno usando a estratégia de trazer para dentro de seus limites esses atores sociais. Dentre os projetos podem ser citados: Educação por Natureza e Voluntariado (em parceria com a Fundação Roberto Marinho); Monitores Ambientais (parceria com o Instituto Terra Brasil); Ecoturismo e Visitas Guiadas (parceria com os Institutos Terra Limpa e Terra Brasil); Atendimento às escolas municipais (parceria com a Secretaria Municipal de Educação); Espaços Sagrados (em parceria com entidades religiosas); Mutirões (Sociedade de Amigos do Parque Nacional da Tijuca); Programa de Prevenção a Incêndios Florestais, com geração de emprego e renda, dentre outros. O Parque conta também com projetos desenvolvidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro que protegem parte dos limites, empregam a mão-de-obra das comunidades, realizam intervenções urbanísticas nas favelas, tais como os Projetos Favela Bairro e Bairrinho, com implementação de infraestrutura e equipamentos urbanísticos; o Projeto Ecolimites, que objetiva a colocação de marcos físicos no entorno das unidades de conservação; e o Mutirão Reflorestamento que restaura a cobertura florestal das bacias hidrográficas e atua na prevenção da expansão das comunidades.

A construção de um novo conceito

O Parque Nacional da Tijuca possui atributos excepcionais de beleza

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cênica e natural: maciços rochosos, quedas d’água, riachos, fauna e flora da Floresta Atlântica, mirantes e outros atrativos. O parque tornou-se, ao longo dos anos, simultaneamente, importante área de lazer e prática de esportes e ponto de atração turística nacional e internacional, visto nele estarem situados alguns dos marcos e símbolos da cidade e mesmo do país, tais como: estátua do Cristo Redentor no Corcovado, a Vista Chinesa e a Capela Mayrink. Associada ao ufanismo que o carioca demonstra pelo Parque Nacional da Tijuca encontra-se a violência imposta pelo narcotráfico à população da cidade do Rio de Janeiro determinando, inclusive, códigos implícitos de divisão e uso de espaços públicos, em especial nas próprias favelas, onde os traficantes se apresentam como gerenciadores territoriais de direito. Para Zaluar (1998) “a imagem da favela ficou registrada como área de precariedade urbana, como o lugar de carência, da falta, do vazio a ser preenchido pelos sentimentos humanitários, do perigo a ser erradicado pelas estratégicas políticas que fizeram do favelado um bode expiatório dos problemas da cidade”. Ainda segundo a autora, com a chegada do tráfico de drogas, na década de setenta, “a favela passou a ser representada como um covil de bandidos, zona franca do crime, hábitat natural das classes perigosas”. Apesar desse imaginário, constata-se que, mesmo nas favelas situadas em zonas de conflito armado, também existem substanciais redes de solidariedade a partir das quais, podem ser construídos novos conceitos e modelos que objetivem a preservação dos parques urbanos situados em metrópoles com altas taxas de violência, associando proteção da natureza, paz e solidariedade. Trata-se de uma problemática complexa que envolve questões de habitação, urbanização, segurança pública etc, bem como a desconstrução de representações simbólicas. Entretanto, no entorno das unidades de conservação, onde se existem conflitos armados, não há como o poder público ambiental se ausentar ou ignorar tal situação.

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A equipe do Parque Nacional da Tijuca vem enfrentando o desafio imposto o que se reflete, dentre outros aspectos, na continuidade de projetos para integração com as comunidades do entorno, mesmo em áreas que apresentam altas taxas de homicídios ou mortes, provocadas por conflitos armados. Tendo como instrumento a melhoria de sua efetividade na gestão, o parque desenvolve ações estratégicas e integrativas, que não excluem a participação de demais esferas governamentais e da sociedade civil organizada, na responsabilidade de atuação conjunta para a melhoria de qualidade de vida dos cidadãos. Destaca-se também a informação prestada à população do entorno, com relação à unidade de conservação, suas importâncias artísticas, históricas e ambientais e as formas de utilização deste espaço, a começar pelo seu conhecimento e a criação no imaginário dos cidadãos de um símbolo de natureza próximo que pode se harmonizar com a realidade de vida da cidade. No contexto do pioneirismo das ações desenvolvidas pelo Parque Nacional da Tijuca, como o reflorestamento da unidade realizado no século XIX para assegurar o abastecimento de água para a cidade do Rio de Janeiro e o primeiro Parque Nacional que compartilha a sua gestão com o poder local, entende-se que a perspectiva de se trabalhar no estabelecimento e difusão do conceito de Parque Urbano da Paz represente uma proposta inovadora e factível, a ser desenvolvida pelo Parque Nacional da Tijuca, através da incorporação do conceito nos seus projetos de manejo e de sua ampliação para as demais áreas protegidas que se caracterizam por esse quadro de confronto permanente entre a conservação da biodiversidade, o desenvolvimento do entorno e a inclusão social, num ambiente crítico de violência urbana. Além do exposto, entende-se que a adaptação de um modelo desenvolvido pela IUCN em parques associados a regiões de conflito (Parques da Paz), poderá permitir uma reflexão de base para a integração

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entre a conservação ambiental e as demandas da população do entorno, o que tende a colaborar para a minimização de conflitos e violência urbana e, a associação das áreas protegidas ao imaginário de natureza, paz e solidariedade.

Conclusões e recomendações

A Mata Atlântica é hoje uma das florestas mais ameaçadas do mundo tendo, no Brasil, apenas 7% de remanescentes de sua área original. Menos de 2% desses remanescentes encontram-se hoje sob a forma de unidades de conservação de proteção integral, como os parques nacionais. No entanto, exatamente nos limites de ocorrência da Mata Atlântica encontram-se as maiores cidades e aglomerações urbanas brasileiras, abrigando 70% da população do país. Além das unidades de conservação já existentes em seu domínio, recomenda-se como ação específica para a conservação e recuperação da Mata Atlântica, a criação de novas áreas protegidas com o objetivo urgente de proteção de seus remanescentes (MMA, 2000). O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) comemora seus quatro anos de existência, com a recente criação do Fórum Nacional de Áreas Protegidas, um espaço dedicado às amplas discussões que irão desde seu funcionamento até seus espaços de participação e controle social. Nesse sentido, torna-se necessária a discussão de propostas para a redução dos conflitos no entorno de unidades de conservação de proteção integral, bem como a reflexão sobre temas atuais, como a violência nos grandes centros urbanos brasileiros. Apesar do “Estado de Violência” instalado, a cidade do Rio de Janeiro vem tentando reagir à situação, através da ação conjunta e proativa do movimentos social, debates públicos em larga escala, com a participação dos setores governamentais, não governamentais e sociedade civil; campanhas em favor da melhoria da imagem da cidade, no Brasil e no exterior, além da estratégia de fomento e multiplicação dos projetos de cunho social. Entretanto, não exis-

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tem propostas que correlacionem questões de violência nas metrópoles e o compromisso de gestão da biodiversidade como parte integrante das ações que possibilitem a reversão da situação de tensão social na cidade do Rio de Janeiro. O desenvolvimento e a aplicação do conceito de Parques Urbanos da Paz aos parques nacionais poderá contribuir, significantemente, à noção de cidadania, além de fomentar a ação pública com esse objetivo, proporcionar a integração da variável social nos processos de gestão, atrair investimentos publicitários que ajudem a divulgar a importância da conservação da biodiversidade e dos espaços protegidos e viabilizar um olhar direto ao conflito urbano. Mas, essencialmente, poderá representar, simbolicamente, um forte elemento estruturador, na medida em que agrega valores éticos e morais, conforme os princípios das Nações Unidas para a proteção da vida e dignidade humana, incluindo-se, entre estes, os valores de patrimônio ambiental, diretamente relacionados à qualidade de vida e bem estar coletivo.

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A DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES PETROLÍFEROS NO BRASIL E OS RISCOS DE SUA “FINANCEIRIZAÇÃO” Rodrigo Valente Serra1 Ana Cristina Fernandes2 Resumo

No Brasil, as normas de distribuição das rendas públicas derivadas da extração petrolífera (royalties e participações especiais) expressam uma visão compensatória equivocada: como se tais rendas devessem ser canalizadas ao Estado como forma de compensar os impactos de adensamento urbano, ou outras externalidades negativas, provocadas pela indústria do petróleo. Fosse isso verdade, qualquer atividade geradora de externalidades negativas pagaria royalties. Neste artigo, de forma sucinta, recupera-se, com auxílio da economia clássica e neoclássica a gênese do conceito de renda mineral, para reivindicar políticas alternativas com os recursos dos royalties: a de construir um fundo de compensação pela alienação de um patrimônio público (o petróleo) e a de financiar políticas de promoção da justiça intergeracional. Políticas estas adicionalmente ameaçadas por uma tendência à “financeirização” dos fundos petrolíferos. Fundos estes que renunciam radicalmente o uso das rendas petrolíferas com propósitos de promoção de um desenvolvimento sustentável nos países produtores em nome da montagem de esquemas de proteção “macroeconômica”. É o petróleo, escasso, financiando fundos de estabilização financeira.

revenues (royalties and participações especiais or special shares) in Brazil. It works like the royalties from oil extraction should be transferred to the State to compensate for urban impacts or other negative externalities derived from the oil industry. If it was true, any activity which produces negative externalities would have to pay royalties. Taking into account the origins of the concept of mineral revenues supported on the classic and neoclassic economic schools, the present paper argues that the theoretical foundation of the oil royalties as these have been applied by Brazilian legislation are misguided and claims for changes in the current distribution of royalties revenues. A compensation fund is proposed in order to protect public property and promote intergenerational justice. This is quite an opposite view as regarding the worldwide dominant notion of “financialization” of petroleum funds. The latter have been changed into funds for supporting macroeconomic policies rather than focusing on sustainable development. Exhaustible oil income now finances policies of macroeconomic protection. Key words: oil revenues; fiscal federalism; Brazil: regional development.

Palavras-Chave: rendas petrolíferas; federalismo fiscal, Brasil: desenvolvimento regional

Abstract

There is a misunderstanding about the distribution rules of public oil

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Introdução O que não é possível, nem justificável, é que Estados (petrolíferos) que servem de suporte, de apoio, que têm suas estruturas modificadas pela presença de uma nova tecnologia que lá aporta e, por isso mesmo, modifica os níveis de vida, obrigando que as infra-estruturas estaduais sejam reforçadas, com ônus, altos para os seus parcos cofres, nada recebam a não ser o orgulho de dizer: ‘temos petróleo’. Não é lícito, portanto, que esses Estados, sem nada, ainda arquem com o ônus de suportar essas despesas, sem nenhuma retribuição àquilo que a natureza colocou no confronto de seus territórios. (Discurso do Senador José Sarney, Anais do Congresso Nacional, 1971, vol. 5, pág. 79)

Eis a visão triunfante que determinou a escolha de critérios para repartição espacial das rendas públicas do petróleo (royalties e participações especiais) 3 no país: uma visão que naturaliza os recebimentos destas receitas pelos territórios impactados negativamente pelo segmento de exploração e produção de petróleo e gás natural (E&P). Tal visão possibilita que hoje, no Brasil, a distribuição dos royalties entre as esferas de governo subnacionais (GSNs) seja refém de um forte determinismo físico, que premia estados e municípios por sua sim-

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Doutor em Economia Aplicada (IE/Unicamp); Professor/Pesquisador do Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Universidade Candido Mendes – Campos dos Goytacazes (RJ) – [email protected]

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Professora do Departamernto de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – [email protected]

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Os royalties são alíquotas fixas incidentes sobre o valor da produção do óleo cru e do gás natural na boca do poço; as participações especiais incidem sobre os lucros extraordinários de campos petrolíferos com elevada produção e rentabilidade. Para uma visão detalhada sobre estes instrumentos fiscais ver Gutman e Leite (2003).

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ples proximidade com os campos de exploração, mesmo que na plataforma continental. Esta opção equivale ao abandono da contribuição da economia clássica e neoclássica para o entendimento do conceito de renda mineral. Tal abandono reflete-se na perda de oportunidade de que os royalties possam promover duas importantes políticas: a de construir um fundo de compensação pela alienação de um patrimônio público, de um lado, e a de financiar políticas de promoção da justiça intergeracional, de outro. Este argumento será desenvolvido na primeira seção do presente artigo. Em que pese a importância desta discussão, o objetivo do artigo é discutir um outro aspecto do debate em torno da cobrança de royalties à atividade de petróleo e gás, que será focalizada na segunda seção: à luz da contribuição clássica e neoclássica tratadas na sessão anterior, alertar para o risco crescente de “financeirização” das rendas públicas do petróleo. Na medida que cresce a participação relativa do setor petróleo na matriz produtiva nacional e, na medida em que se eleva o preço internacional deste recurso, os royalties podem, definitivamente, deslocar-se das duas orientações políticas acima defendidas, alimentando, alternativamente, fundos de estabilização “macroeconômica”. O artigo não pretende apresentar com minúcias o conjunto de normas que regulam a cobrança dos royalties no país, a sua distribuição entre os entes federados e a sua aplicação. Contudo, neste espaço introdutório, devem ser feitas breves referências aos principais traços destas normas que distanciam o regime de repartição e aplicação dos royalties de uma política energética e de desenvolvimento regional sustentáveis. Na medida em que é trazida a contribuição das escolas clássica e neoclássica para o entendimento do conceito de renda mineral irão sendo desnudados os problemas referentes às normas de cobrança, distribuição e repartição dos royalties. No ano de 2004 foram distribuídos a título de royalties cerca de

R$ 5,04 bilhões. Deste total, dois terços destinaram-se diretamente às esferas de governo subnacionais: R$ 1,62 bilhões aos governos estaduais e R$ 1,70 bilhões aos municípios. Ao nível federal, foram beneficiários: o Ministério da Marinha (R$ 0,73 bilhões) e o Ministério da Ciência e Tecnologia (R$ 0,62 bilhões). Por fim, R$ 0,37 bilhões foram direcionados para um Fundo Especial, cuja função é repartir estes recursos com o conjunto dos estados e municípios brasileiros, segundo os mesmos critérios de repartição, respectivamente, do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Entre os principais traços deste regime de cobrança, repartição e aplicação dos royalties, destacam-se: • O royalty tem uma alíquota que varia entre 5% e 10% sobre o preço do óleo e gás, determinada pela ANP em função de características físicas e econômicas dos processos de extração; • A forma de descentralização destes recursos é geradora de hiper-concentração de receitas em poucos estados e municípios, sobretudo porque são usados critérios de proximidade com os campos petrolíferos. Se a produção ocorre em terra (onshore), recebem estados e municípios onde se localizam os campos, incluindo neste conjunto os municípios limítrofes à zona de produção. Se a produção é marítima (offshore) recebem estados e municípios cujas projeções de seus limites na plataforma continental incorporam campos ou poços petrolíferos, aqui também incluídos os municípios limítrofes às zonas de produção principal; • Não há vinculações criteriosas quanto à aplicação destes recursos, sobretudo nas esferas governamentais subnacionais, engrossando os royalties o “caixa único” destes entes;

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• Vem sendo permitida à União a alocação destes recursos para montagem de fundos de estabilização macroeconômica e às Unidades da Federação que os utilizem para salvaguarda das dívidas com o governo federal.

De como o desenvolvimento do conceito de renda mineral, desenvolvido pelas escolas econômicas clássica e neoclássica, poderia orientar políticas econômicas sustentáveis com os recursos dos royalties petrolíferos (...) a renda não é parte componente do preço das mercadorias (...). Estou convencido de que a clara compreensão deste princípio é da mais alta importância para o conhecimento da Economia Política (RICARDO: 1996 p.70).

Para os economistas clássicos, de uma forma geral, as rendas minerais possuíam a mesma gênese das rendas agrícolas 4, sendo pertinente, pois, uma leitura dos princípios da tributação agrícola idêntica àquela que se aplica ao setor mineral. Tal como postulado desde David Ricardo, em seus Principles of Political Economy and Taxation, de 1817, a renda, ou renda diferencial, equivale ao lucro extraordinário produzido por aqueles capitais empregados em terras mais produtivas, isto é, em condições favoráveis relativas à fertilidade, transporte interno e distância dos mercados consumidores. O lucro é extraordinário em relação ao lucro médio auferido pelos capitais empregados nas terras menos produtivas, ou marginais, cujas condições de produção (custos de produção) regulam o mercado agrícola. Importa observar, a partir do postulado pelos clássicos, que a renda diferencial não faz parte do preço. A renda surge em função da diferença de rentabilidade entre terras de produtividade distintas. Embora exista a figura do proprietário para cobrar

“Esse capitalista-arrendatário paga ao proprietário da terra, ao proprietário do solo explorado por ele, uma soma em dinheiro fixada contratualmente (...) pela permissão de aplicar seu capital nesse campo específico de produção. A essa soma de dinheiro se denomina renda fundiária, não importando se é paga por terras cultiváveis, terreno de construção, minas, pesqueiro, matas, etc.” (MARX: 1983, p. 126).

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é muito baixo) não deveria ser considerado como um imposto, mas como um encargo sobre a renda, cobrado em benefício do público – uma parcela da renda reservada desde o início pelo Estado, parcela esta que nunca pertenceu aos senhores de terra nem nunca fez parte de sua renda, e portanto não deveria ser contada para estes como parte de sua tributação, de molde a isentá-los de sua justa cota de participação em todos os outros impostos”.(MILL, 1986: p. 301)

Se for seguro classificar o setor petrolífero como gerador de rendas diferenciais, nem sempre é certo que este mesmo setor desta se aproprie...



esta renda diferencial do capitalista, e embora o capitalista tenha que computar este pagamento para controle de seu negócio, de fato, a renda só existe em determinada terra porque há uma outra de menor produtividade. Por isso a renda extraordinária deve ser tomada como residual, e não como um componente do custo de produção. Se for seguro classificar o setor petrolífero como gerador de rendas diferenciais, nem sempre é certo que este mesmo setor desta se aproprie: geração e apropriação de rendas diferenciais nem sempre andam juntas (CARCANHOLO: 1984). Como já visto, segundo a tradição clássica, a renda é gerada em função de haver uma diferença entre as condições de produção nas terras mais produtivas e aquelas vigentes nas terras menos produtivas, ou marginais. Mas isto somente explica a geração das rendas diferenciais, e não sua apropriação, a qual dependerá da barganha política entre os agentes econômicos e entre estes e o Estado. Seguindo a tradição clássica, a renda é efeito do preço elevado, e a sua apropriação pelo proprietário da terra seria realizada à custa de toda a sociedade. Para esta escola, portanto, a renda diferencial fundiária, ou mesmo a renda das minas, quando apropriada pelos proprietários, revela-se em um ganho para o qual estes não realizaram qualquer esforço. Este entendimento fez com que Mill, mais do que advogar uma taxação especial sobre a renda defendesse uma outra leitura para o imposto fundiário:

A adoção desta clara tomada de partido de Mill sobre a tributação das rendas diferenciais, se aplicada sobre o segmento de E&P, para o arrepio dos hodiernos defensores de um alívio tributário setorial, mais do que sustentar a função do royalty de captura de ganhos extraordinários, justificaria a não dedução desta parcela da base de cálculo para os demais impostos incidentes sobre a atividade. Como será visto por meio da contribuição dos economistas neoclássicos, a renda mineral não é originada de forma idêntica à renda da terra. Contudo, desde que a renda mineral seja vista também como residual, ou simplesmente como extraordinária, o royalty, portanto, pode ser interpretado como instrumento para capturar rendas diferenciais da indústria petrolífera. Se o governo nacional, em seu propósito de cobrança dos royalties, fosse inspirado na contribuição dos economistas clássicos, garantiria a este instrumento uma maior condicionalidade (em relação aos lucros das companhias) do que a hoje existente, uma vez que os royalties, no Brasil, como em muitos outros países, incidem sobre o valor da produção e não sobre o lucro das companhias 5. De outra forma, se a legislação que regula a distribuição dos royalties no Brasil fosse orientada pela contribuição dos economistas clássicos, não permitiria o rateio destes recursos com uma parcela das esfe-

O imposto territorial hoje vigente (o qual, na Inglaterra, infelizmente

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ras de governo subnacionais. As rendas extraordinárias ou são fruto de um monopólio legal, sustentado pelo Estado, e baseado na exploração de um bem público, ou são originárias de uma posição oligopolista, freqüente ao segmento de E&P, cuja política de formação de preços é regulada pela esfera nacional de governo. Enfim, a captura de rendas extraordinárias parece ser exclusividade da União, a não ser que fossem as esferas de governo subnacionais proprietárias das jazidas e/ou sobre estas realizassem a função regulatória, fato que não se evidencia no Brasil. Se a União, em função da demanda dos governos subnacionais, “aceita” dividir esta renda com as escalas inferiores de governo, não poderia fazê-lo de forma seletiva, como efetivamente faz, segundo critérios de impacto da atividade petrolífera sobre o território. Se assim faz, a norma de distribuição dos royalties, em desatenção à contribuição da economia clássica, definitivamente abandona a possibilidade de tratar corretamente o royalty como instrumento de captura de rendas diferenciais. Mas, é verdade, que esta função de captura das rendas petrolíferas pode, no caso Brasileiro, ser efetivada por outros instrumentos fiscais: para a captura de rendas extraordinárias o sistema tributário nacional oferece o imposto sobre o lucro líquido das firmas, para o setor petróleo e gás, em especial, o sistema tributário prevê a captura das rendas extraordinárias através das participações especiais, incidentes sobre campos de elevada produção e rentabilidade. Portanto, trabalhando com a hipótese de que o governo poderia utilizar outros instrumentos para captura das rendas minerais, a presente análise não pretende defender a idéia de que a principal fragilidade do regime legal dos royalties no Brasil seja a desatenção em relação à contribuição clássica, deixando de explorar suas possibilidades

O uso do royalty como instrumento de captura da renda petrolífera talvez encontre sua manifestação concreta mais nítida no caso dos países produtores do Oriente Médio. No reino da Arábia Saudita, entre o primeiro contrato de concessão, em 1933, e o histórico acordo de 1950, que instaurou o imposto de renda sobre a atividade petrolífera, o royalty (incidente sobre os lucros das companhias) funcionou como o único instrumento fiscal incidente sobre o setor.

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enquanto instrumento de apropriação de rendas extraordinárias. O foco da crítica recai, isto sim, sobre a desatenção das regras de aplicação dos royalties, no sentido de viabilizar políticas de compensação ao patrimônio exaurido (petróleo) e/ou de promover a justiça intergeracional, ou ainda, no sentido de viabilizar fontes alternativas de financiamento do serviço das dívidas públicas. Funções estas que são aclaradas com o desenvolvimento do conceito de renda mineral, apresentado em seguida.

O royalty como instrumento de promoção de políticas de justiça intergeracional6

Argumentou-se anteriormente que os economistas clássicos, de uma maneira geral, tratavam de forma semelhante a renda da terra e a renda mineral. Não seria justo, entretanto, deixar escapar uma sutil divergência de Mill (1986), que vislumbrava nas minas, diferentemente das terras, a possibilidade dos seus proprietários limitarem a quantidade extraída, a fim de não exaurir as jazidas com excessiva rapidez. Esta observação, embora não tenha derivado na elaboração de uma leitura original da renda mineral, parece ser uma importante contribuição para a compreensão do conceito mais moderno de renda mineral, o qual incorpora a dimensão temporal (finitude dos recursos), como será visto a seguir. É Harold Hotelling, em seu clássico artigo de 1931, “The Economics of Exhaustible Resources”, quem desenvolve de forma original a microeconomia aplicada à exploração dos recursos naturais não renováveis, precisando o conceito de renda mineral e formalizando uma resposta para determinação de um ritmo economicamente ótimo7 para extração dos recursos exauríveis. (KRAUTKRAEMER, 1998: pg. 2066) Tratando-se de um recurso não renovável, a sua extração presente implica na impossibilidade de uma extração futura. Tal fato gera um custo de oportunidade que deve ser considerado, pois diante da finitude do seu estoque, há uma tendência de

elevação nos preços com o decorrer do tempo. Para Margullis (1996: pg. 160), este custo deve ser igualado “ao valor que poderia ser obtido, em alguma época futura, da exploração do recurso em apreço.” Como a presença deste custo de oportunidade altera a formação do preço do recurso não renovável? Em equilíbrio, o mercado garante que o preço se iguale ao custo marginal de produção. Contudo, de acordo com Margulis (1996), como o recurso não é reproduzível, é necessário acrescermos ao preço o custo de oportunidade. A oportunidade de se explorar o recurso em algum tempo futuro e não hoje. Assim, o preço do recurso não renovável pode ser expresso por: P = CMG + COP

(1)

Onde: P = preço do recurso não renovável; CMG = custo marginal de produção (exploração) do recurso não renovável; COP = custo de oportunidade de se produzir o recurso não renovável em alguma data futura. Mas, pelo que já foi apresentado, o custo de oportunidade específico da exploração dos recursos minerais expressa a renda de Hotelling, que se iguala aos royalties pagos aos proprietários das jazidas minerais. Desta forma, a expressão (1) pode ser reescrita como: P = CMG + Royalty

(2)

A compreensão do enunciado por Hotelling, acerca da especificidade da renda mineral, permite compreender que esta permanece existindo ainda que em um ambiente competitivo. Pois esta renda existe não devido a nenhuma posição monopolista do proprietário da jazida, mas simplesmente em função da condição de não reprodutividade

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do bem mineral. Portanto, o preço dos recursos exauríveis será definido em um nível sempre superior ao custo marginal de produção. Isto revela que “a renda dos recursos minerais é conceitualmente diferente da renda ricardiana, da renda de escassez ou mesmo da renda econômica dos teóricos do rent seeking (POSTALI, 2002: p. 22). Mas como encontrar o valor para a renda de Hotelling, ou seja, como definir o valor do royalty? É preciso conhecer como variam no tempo o preço do mineral e o custo de oportunidade. Um proprietário de uma jazida mineral tem sempre duas escolhas: i) explorar o recurso hoje (ou permitir que um terceiro o faça); ii) manter sua jazida inexplorada. Há racionalidade para a manutenção de uma jazida inexplorada? Sim, se esta jazida, aos olhos de seu proprietário, prometer ganhos mais elevados no futuro. E como é possível ao proprietário da jazida processar este cálculo? Toma o proprietário o valor futuro do preço do mineral, e sobre este valor aplica uma taxa de desconto, trazendo este valor para o presente. Este valor futuro do mineral, trazido para o presente, e descontado o custo de produção, serve como parâmetro para o proprietário decidir-se sobre o momento da exploração. Esta decisão é tomada com base na comparação entre o valor presente das receitas líquidas esperadas com a exploração da jazida no futuro e a rentabilidade presente da mesma jazida. Como, num mercado em equilíbrio, as receitas líquidas dos negócios capitalistas igualam-se à taxa de juros (para a classe de risco a que pertence o negócio da mineração), é esta taxa que servirá como parâmetro para o proprietário da jazida na escolha entre o hoje e o amanhã como momento de exploração do recurso. E como varia no tempo o valor do royalty? O modelo de Hotelling estabelece a seguinte regra: o custo de uso (royalty) de um recurso não renovável varia a uma taxa igual à

Esta seção é orientada pelo estudo de Serra e Patrão (2003). Definindo-se um critério qualquer de mensuração do bem estar social (que tanto pode estar baseado na renda ou em fatores subjetivos), o ótimo econômico é um desenho de alocação dos recursos (escassos) de forma a gerar um nível de bem estar social superior a qualquer outra alternativa de alocação.

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taxa de juros; igualdade esta obtida através da condição de eficiência dinâmica. Se a taxa de valorização deste custo fosse maior que a taxa de juros do mercado, ocorreria um desequilíbrio, pois o proprietário do recurso manteria este recurso no solo, inexplorado, a fim de obter ganhos futuros com sua exploração posterior. Isto diminuiria a oferta presente do recurso e a conseqüente elevação do preço restabeleceria o equilíbrio. Ocorrendo o contrário, isto é, se a taxa de juros é superior ao valor futuro esperado para o recurso, o proprietário seria estimulado a extrair o recurso hoje, aumentando a produção e conseqüentemente a oferta, com posterior queda nos preços, diminuindo a sua produção e restabelecendo o equilíbrio. Enfim, a taxa de retorno esperada sobre os recursos no solo (in the ground) deverá ser igual à taxa de retorno sobre outros bens pertencentes à mesma classe de risco. Desta igualdade resulta ser indiferente extrair o recurso num período t, ou no período t+1. Diante da formulação de Hotelling, a questão que se apresenta é de alocação intertemporal de um recurso finito. Esta alocação considera um custo de oportunidade e uma taxa de desconto. Sendo a taxa ótima de extração aquela que garante um preço do recurso que permita a sua exaustão gradativa, proporcionando uma transição para um recurso energético do tipo backstop8. Embora o modelo de Hotelling seja o referencial para estudos de recursos naturais não renováveis, este sofreu restrições quanto à comprovação dos seus fundamentos em estudos empíricos, isto em função da presença concreta na indústria mineral de fatores não assumidos em seu modelo, tais como: concorrência imperfeita; descoberta de novas reservas; custos variáveis; avanços tecnológicos; ambiente de incertezas, principalmente atrelado ao peso da geopolítica na determinação do ritmo de exploração. Observou-se, de fato, que os preços dos recursos não renováveis nem sempre seguiram uma tendência de alta, como afirma Krautkraemer (1998: pgs. 2080 a

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2085), que conseguiu demonstrar o comportamento declinante dos preços depois dos anos setenta de alguns recursos como alumínio, carvão, ferro, chumbo, gás natural, níquel, petróleo, prata, estanho e zinco. Mas, para além destas fragilidades do modelo, a regra de Hotelling sofre de um constrangimento ainda mais severo, observado por Martinez-Alier (1989). Trata-se da impossibilidade de mensurar o valor dado pelas gerações futuras ao recurso natural. Ora, indivíduos que ainda não nasceram não podem expressar suas preferências no mercado. Portanto, a determinação do valor futuro do recurso não renovável e da taxa de desconto necessita de uma brutal decisão moral dos agentes econômicos hoje vivos: assumir que a sociedade futura não será nem mais nem menos egoísta do que a atual e assumir ainda que a sociedade por vir imputará o mesmo peso do que a atual às questões ambientais9. E, em razão destas decisões, eticamente comprometidas, seria definido um ritmo de exploração para os recursos não renováveis. Apesar das mencionadas restrições ao modelo, a idéia central é a existência de uma renda mineral, que, segundo Hotelling, é atualizada pela taxa de desconto dos ativos pertencentes à mesma classe de risco, fazendo com que seu proprietário seja indiferente ao período de extração. O que a regra de Hotelling propõe é uma trajetória de extração que garantiria uma melhor alocação temporal dos recursos. Um ritmo de extração, cuja decisão traz à tona o papel do royalty enquanto promovedor da justiça intergeracional:

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A idéia de que a extração presente impossibilita que gerações futuras usufruam dos benefícios do recurso traz à tona questões de justiça intergeracional e eqüidade, no sentido de se perguntar o que deve ser feito com a renda de Hotelling obtida pelo proprietário do recurso, 8

9

para não prejudicar os futuros consumidores” (POSTALI, 2002: p. 20-21).

Seja a jazida propriedade pública ou privada, o comprometimento dos recursos naturais não renováveis para a geração futura em função da extração atual é o ponto de partida para a questão da justiça intergeracional, pois se espera que esta renda gerada seja aplicada de forma a oferecer à geração futura uma fonte de renda alternativa, quando ocorre a exaustão do recurso. Hartwick (1977) recomendou que as rendas geradas por recursos não renováveis fossem investidas em acumulação de bens de capital. A idéia é que a geração atual deixe para a futura capital reprodutível, humano ou físico, o suficiente para que esta mantenha um padrão de vida satisfatório. Segundo Hartwick, é possível manter um nível de consumo per capita constante no decorrer do tempo e garantir a eqüidade entre gerações. Para isso, a geração atual deve converter parte da renda gerada (renda de Hotelling) pela extração de recursos não renováveis em máquinas e trabalho. É a transferência de estoque de recursos não renováveis em estoques de capital manufaturado e humano. Postali (2002: p. 21) resume com muita clareza o propósito da regra de Hartwick: (...) estabelece que um país deve usar a renda de seus recursos para financiar a diversificação da economia na direção de atividades mais dependentes de trabalho e capital físico do que de recursos naturais. Estas compensações às gerações futuras devem ser promovidas em escalas distintas. Ao nível nacional, cabe o ressarcimento dos nossos descendentes que não desfrutarão da riqueza mineral hoje extraída, pertencente à União. Um uso dos royalties adequado a esta proposição compensatória nacional seria o de promover a pesquisa e o desenvolvimento de fontes alternativas de ener-

Não se pretende neste trabalho um estudo mais detalhado sobre a tecnologia de backstop. Essas tecnologias são, presentemente, economicamente inviáveis. Como exemplo, temos a dessalinização das águas marinhas, energia solar, energia eólica. A idéia é que à medida que o recurso não-renovável vai se exaurindo, o seu custo aumenta até ficar maior que o custo da tecnologia de backstop. Martinez-Alier (1989: p. 156) chama de controverso princípio moral: an equal weight would have been given to the demands from all generations.

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gia, minimizando a dependência futura em relação ao recurso finito10. E nas esferas subnacionais, como promover a justiça intergeracional? Nas regiões que atendem à produção petrolífera são imobilizados capitais cuja função deixa de existir quando o petróleo esgotar. São estruturas industriais, equipamentos de infra-estrutura terrestre e portuária, escritórios de serviços, que se cristalizam nestas regiões e que, muitas vezes, podem responder pela dinâmica de crescimento local ou regional. É somente a qualidade finita destes impactos territoriais11, e não sua magnitude, que pode justificar a necessidade crucial de aplicação de parte dos recursos de royalties nas regiões produtoras (Leal e Serra: 2003). Este aspecto previsível dos movimentos de saída de capitais e de pessoas dos territórios que atendem à atividade de exploração de recursos não renováveis aponta para a justeza da aplicação de royalty nessas regiões. Ora, se uma região é intensamente impactada pela atividade petrolífera, maior será, ceteris paribus, seu esvaziamento econômico quando as reservas acabarem. Ao nível subnacional a política de promoção da justiça intergeracional deve ser realizada, portanto, através da diversificação produtiva, ou de alguma outra estratégia que procure minimizar os efeitos depressivos sobre a região que ocorrerão quando do esgotamento econômico das jazidas12. Sendo assim, chegase a uma segunda conclusão: o regime tributário do setor petróleo nacional, novamente em desatenção à contribuição teórica (neoclássica) sobre a renda mineral, não criou mecanismos legais rígidos para a promoção da justiça intergeracional, em qualquer nível governamental que se queira. Isto equivale a desperdiçar uma política sustentável para o setor energético nacional e para as cidades/regiões petrolíferas.



... a superação da crise implica a instauração de novos arranjos institucionais...



do modo de desenvolvimento fordista. Como é sabido, crise e ciclos de acumulação são componentes intrínsecos ao capitalismo, em vista dos variados conflitos que gera entre interesses antagonizados por sua força contínua e destrutivamente criadora. Sabe-se também que a cada nova crise acirram-se lutas competitivas induzindo ajustes sócio-econômicos, no tempo e no espaço. A crise, por sua vez, instaura condições para a disputa pela hegemonia do poder econômico e pelo poder político dos Estados, particularmente os Estados nacionais, por parte de frações de capital. Setorialmente definida – desde o interior dos blocos hegemônicos –, a superação da crise implica a instauração de novos arranjos institucionais que propiciarão as condições necessárias para o exercício da hegemonia pelos grupos econômicos vencedores. Ao mesmo tempo, para o conjunto do sistema econômico, os novos arranjos atribuem relativa consistência e estabilidade necessárias à sua reprodução sob a nova hierarquia político-econômica, mesmo que temporária, redefinindo os padrões de organização do sistema de trocas, da reprodução social e da relação capital-trabalho. Swyngedouw (1992) observa que a autonomização do capital financei10

A legislação nacional não parece incorporar a necessidade de dar uma destinação compensatória aos royalties repassados à esfera federal. Embora a legislação destine parte destas receitas ao Ministério de Ciência e Tecnologia, fortalecendo o fundo de pesquisa conhecido como CTPetro, ainda é incipiente o esforço nacional em atrelar os referidos recursos à políticas de desenvolvimento de fontes alternativas de energia.

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É verdade que qualquer município ou região, seja qual for sua estrutura produtiva, corre o risco da obsolescência de seu estoque de capital, do esvaziamento econômico (por motivos endógenos ou exógenos), e não por isso são beneficiários dos royalties. Contudo, os estados e municípios atingidos pela atividade de exploração de um recurso não renovável, inexoravelmente, vivenciarão um período de fuga de capitais móveis e obsolescência do imobilizado.

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Respeitando o princípio da promoção da justiça intergeracional, a constituição de um fundo perpétuo de investimento com os recursos dos royalties foi adotado pelo estado do Alaska, nos EUA, tomando as gerações futuras das regiões petrolíferas como “viúvas” ou “pensionistas” da atividade petrolífera. Sobre a experiência do Alaska ver Leal e Serra (2003).

Os Riscos de “Financeirização” dos Royalties Petrolíferos

A hipótese da financeirização dos royalties petrolíferos corresponde a fenômeno mais recente, associado aos efeitos do colapso do chama-

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ro no processo contemporâneo de acumulação detém importante papel na ruptura e transição do regime inaugurado no pós-guerra, que termina desencadeando a financeirização da produção capitalista de riqueza, isto é, a ampliação do poder relativo do capital financeiro na apropriação de excedentes frente a outras frações de capital – em direção à condição de hegemonia setorial do sistema economia-mundo –, o que induz à intensificação do recurso a ganhos financeiros como item essencial do leque de estratégias corporativas das demais frações de capital. Neste aspecto, observamos semelhança como o argumento proposto por Aloizio Teixeira e retomado por Braga (1997). A implosão da regulação do sistema financeiro mundial, com o fim do sistema de taxas de câmbio fixas, e da conversibilidade do dólar em ouro, as moedas começam a flutuar livremente de uma economia nacional para outra, configurando-se assim um mercado financeiro global que se intensifica junto com as instabilidades e tensões de variadas sortes que ele mesmo ajuda a produzir: dos choques do petróleo ao crescimento dos movimentos de relocalização das atividades produtivas, da crescente desregulação (e conseqüente exploração ampliada) do trabalho à intensificação da especulação financeira. Esta última vai constituir-se como uma das características do período de transição que sucede à eclosão da crise, para a qual o setor petróleo colaborou de forma destacada. Esta mudança de ênfase da produção de mercadorias para a especulação financeira vai impulsionar, assim, espetaculares crescimentos no mercado financeiro13, o que por

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Desvalorizações de moeda refletem prejuízos contabilizáveis dos quais as corporações precisam fugir.



sua vez, conduz a grandes flutuações das taxas de câmbio e revigorada instabilidade da atividade produtiva. Cresce a busca por economias cujas condições macroeconômicas, mesmo que temporárias, viabilizem ganhos no mercado de câmbio, agora fundamentais para a expansão da acumulação mesmo em atividades produtivas. Para a empresa corporativa, a decisão sobre mover-se de um país para outro agora contempla um novo fator locacional: as possibilidades de lucros obtidos com operações financeiras envolvendo mercados de câmbio. Desvalorizações de moeda refletem desvalorizações de ativos reais, ou seja, prejuízos contabilizáveis dos quais as corporações precisam fugir. O processo de globalização financeira pode, assim, ser entendido pela confluência de dois movimentos fundamentais: a progressiva liberalização (desregulamentação) financeira no ambiente doméstico e a crescente mobilidade dos capitais no plano internacional, como defendido pela escola regulacionista francesa 14 , espelhado em Carneiro: Estamos nos referindo especificamente à financeirização [da acumulação], entendida como uma norma de ação dos vários agentes econômicos, sejam eles empresas, famílias ou instituições financeiras. A questão essencial é que o aprofundamento das finanças de mercado modifica o comportamento dos vários tipos de agentes, cuja lógica de investimento se transforma e adquire um caráter especulativo. Quanto mais aprofundada a liberalização mais a lógica especulativa toma conta dos agentes. Ou seja, com mercados amplos e líquidos o objetivo de qualquer investimento não é o de adquirir ativos que possam produzir um fluxo de rendimentos que capitalizados à taxa de juros corrente supe-

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re o valor inicial desembolsado.” (CARNEIRO, 1999: p.7)

Diante disso, a acumulação de capital passa a se processar em um contexto de grande instabilidade e desordem que se auto-alimenta e, ao mesmo tempo, ajusta as empresas às mudanças nas relações inter-setoriais determinadas por um sistema monetário desorganizado e crescentemente especulativo, portanto, instável e incerto. Considerando, como argumenta Arrighi, que o sistema inter-empresas movimenta-se acionando as estruturas do Estado nacional em sua disputa por posições vantajosas na economia-mundo, a autonomização do capital financeiro vai operar grandes efeitos sobre a atuação deste. À medida que evolui a financeirização e transnacionalização da acumulação, prosperam, em paralelo, transformações relevantes na estrutura e natureza do Estado, com repercussões marcantes sobre as políticas cambiais, mas também sobre as políticas fiscais. Ao mesmo tempo em que é sua função primordial assegurar credibilidade ao mercado nacional, mantendo o serviço da dívida e realizando as reformas institucionais que favoreçam o ingresso e a rentabilidade de capitais externos, de outro também lhe cabe conduzir restritiva política fiscal de modo a reduzir déficits públicos e ampliar capacidade de pagamento de juros elevados, necessários para a manutenção do ingresso de ativos estrangeiros, essenciais ao balanço de pagamentos. São mudanças especialmente relevantes em países de grande fragilidade externa, como o Brasil Desta forma, a ação do Estado acaba por tornar-se refém da armadilha da “financeirização”. No Brasil, como em grande parte dos países “emergentes”, o fato de sua moeda não ser conversível, implica a adoção de uma estratégia de proteção contra a fuga de capitais especulativos. Uma estratégia que se guia pela estabilidade da moeda, alicer-

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çada em políticas de juros elevados, contingenciamento das despesas públicas e manutenção de reservas cambiais suficientes para sustentar um quadro de convencimento dos detentores dos capitais voláteis que, em última instância, acabam por ser os financiadores dos déficits destes países. O que se deseja denunciar com esta sumária apresentação do fenômeno da “financeirização”, é que também as rendas públicas do petróleo foram “capturadas” para servir de colchão de proteção da estabilidade macroeconômica da economia brasileira, assim como de muitos países produtores de petróleo. Tratase de mais um episódio de inobservância da contribuição das escolas econômicas clássica e neoclássica para o entendimento do conceito de renda mineral, e por extensão, de renúncia da execução de políticas energéticas e de desenvolvimento regional sustentáveis, tal como apresentadas na seção anterior. É claro que nos países mais sujeitos a instabilidades cambiais, mais dependentes de divisas externas e dos rendimentos do setor petróleo esta financeirização das rendas petrolíferas é mais notória. O Fundo de Investimento e Estabilização Macroeconômica da Venezuela (FIEMV)15, criado em 1998, pela presidente Caldera, é um exemplo valioso. Quando os preços do petróleo caíram, no rastro da crise financeira asiática de 1997, o então Presidente Caldera aceitou as recomendações do FMI de criar um fundo de caráter de estabilização. O fundo acumularia reservas quando o preço do petróleo estivesse elevado, e cobriria o orçamento público quando os preços estivessem em baixa. Seu explícito objetivo: prevenir flutuações na renda advindas da oscilação dos preços do petróleo, com efeitos sobre as necessidades fiscais do país, taxa de câmbio e o balanço de pagamentos. O fundo tinha regras diretas de acumulação. Baseado em um preço

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De menos de uma média de US$ 20 bilhões por dia, em 1970, o comércio mundial de moedas salta para mais de US$ 150 bilhões por dia, em 1979, aponta Swyngedouw (1994).

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Notabilizada pelos trabalhos de Aglietta (1995); outro importante analista é Chesnais (1999).

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TSALIK (2003).

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de referência do barril (calculado através da média dos últimos cinco anos), o FIEMV crescia quando o petróleo estava com alta cotação internacional, por meio da captura da diferença entre o preço de mercado e o preço de referência. Com a redução do preço internacional do petróleo, abaixo do preço de referência, decrescia o principal do FIEMV, por via de transferências ao tesouro venezuelano. Regra adicional permitia que quando o fundo atingisse valor superior a 80% da média (dos últimos cinco anos) das receitas anuais com exportação de petróleo, o seu excesso de receita (acima destes 80%) poderia ser utilizado, com autorização do congresso, para auxiliar o pagamento do déficit público. Como forma de prevenir uma deterioração do FIEMV, a lei ainda exigia que o saldo do fundo não poderia ser menor do que um terço do saldo do ano anterior. Não obstante este engenhoso mecanismo, o funcionamento do FIEMV foi dificultado, sobretudo, pelas constantes mudanças de regras, muitas em oposição aos seus objetivos originais. Hugo Chavez, eleito em 1999, alterou-as, diminuindo as transferências para o FIEMV e aumentando seu poder discricionário sobre as receitas do fundo, podendo o presidente autorizar saques do fundo, por decreto16.

A “Financeirização” dos Royalties no Brasil

Evidencia-se no país dois flagrantes processos de alocação dos recursos dos royalties para fins distantes de políticas públicas sustentáveis, tal como preconizada pela contribuição das escolas clássica e neoclássica, a saber: i) a desvinculação de parte das receitas dos royalties pertencentes ao Ministérios da Ciência e Tecnologia, Ministério do Meio Ambiente e ao Ministério da Marinha, sem alteração da destinação integral a estes ministérios17; ii) a utilização dos royalties pertencentes ao Estado do Rio de Janeiro na negociação da sua dívida com a União. No primeiro caso, trata-se de uma desvinculação das receitas dos royalties pertencentes aos ministérios, em despesas, entidades e fundos

específicos. Desvinculação esta que não reduziu as participações relativas dos ministérios no rateio dos royalties, mas, sim, possibilitou que estas receitas pudessem ser destinadas a despesas de custeio dos referidos ministérios. Ora, tal desvinculação, trata-se, indiretamente, de uma medida de centralização dos recursos no Tesouro, na medida em que possibilita a diminuição da dotação orçamentária dos ministérios beneficiários dos royalties, uma vez que estes passam a poder contar com estes recursos (royalties) para cobertura de seus custeios. Principalmente no que tange à desvinculação operada nos ministérios do Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia, a busca de maior autonomia do Tesouro Nacional resulta em uma importante redução de recursos para políticas que estariam mais próximas do estipulado pela leitura da renda mineral feita pelos economistas clássicos e neoclássicos. A saber, a orientação legal, dada pela Lei 9478/97, para as despesas destes ministérios com recursos dos royalties eram: • Ministério do Meio Ambiente: desenvolvimento de estudos e projetos relacionados com a preservação do meio ambiente e recuperação de danos ambientais causados pelas atividades da indústria do petróleo. (Lei 9478/97). • Ministério da Ciência e Tecnologia: financiar programas de amparo à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico aplicados à indústria do petróleo”. (Idem) Uma vez que estes estudos e projetos possam ser concretizados em tecnologias de produção mais limpas e/ou mais baratas ou na recuperação de danos ambientas ocasionados pela atividade petrolífera, é possível interpretá-los como ações

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... o Estado do Rio de Janeiro hipotecou importante parcela de seus recebimentos futuros, com ampla aceitação do governo federal...



indiretas para promoção da justiça intergeracional, preconizada na seção anterior. Contudo, a desvinculação dos recursos dos royalties cabíveis aos referidos ministérios, limitou esta possibilidade, carreando parte destas receitas para o custeio da maquina estatal. O segundo episódio é mais grave, em termos de “financeirização” das receitas dos royalties. Com recursos dos royalties, o Estado do Rio de Janeiro operou uma securitização de sua dívida com a União. Parcela importante dos royalties deste estado foi convertida em títulos federais, resgatáveis mensalmente até o ano de 2014. Estes títulos serviram para incrementar o patrimônio do Rio Previdência. Hipotecou assim, o Estado do Rio de Janeiro, importante parcela de seus recebimentos futuros, com ampla aceitação do governo federal, uma vez que a antecipação de royalties tratava-se de um título líquido e certo, e ainda indiretamente indexado ao dólar, uma vez que o royalty incide sobre o preço internacional do petróleo.

Comentários Finais

Naturalizou-se a visão de que os royalties são devidos aos estados e municípios em função dos impactos que geram nas áreas de produção. Esta visão, aliás, faz parte do debate político corriqueiro nas regiões pe-

A ausência de impedimentos para que o governo pudesse emprestar dinheiro do fundo, significou uma verdadeira subversão com relação aos objetivos inicias: O FIEMV, criado para promover a disciplina fiscal, estava agora, estimulando justamente o contrário. A existência do fundo não impediu que, em 2000, com a elevação do preço do petróleo, o governo não elevasse suas despesas em 46%. O déficit público cresceu 10%, neste mesmo ano, paralelamente ao crescimento do preço do petróleo. A Lei nº 10.261, de 12/07/2001, desvinculou entre 25% e 70% das receitas daqueles ministérios para o ano de 2001. Esta mesma desvinculação foi estabelecida também para o ano de 2002, por intermédio da Medida Provisória nº2.214, de 31 de agosto de 2001. A determinação do rateio dos royalties, tal como demonstrada na introdução deste artigo, foi estabelecida pela Lei 9.478/97, a Lei do Petróleo.

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trolíferos do país, bem como nas casas legislativa das três esferas governamentais do país. Contudo, em nome de uma postura moralmente comprometida com as gerações futuras, deve-se combater esta idéia, ainda que já bastante cristalizada. Os economistas clássicos, ao tratarem da renda mineral, viram-na, como a renda da terra, susceptível à uma integral captura em benefício da coletividade. Que coletividade? Das regiões produtoras? Certamente não: ao avançarem na análise sobre a renda mineral, propuseram os royalties como pagamento de direitos, devidos aos proprietário das minas como compensação de uma riqueza exaurida. No Brasil, como as jazidas são propriedades da União, é a coletividade que deveria ser beneficiária dos royalties, e não apenas uma fração da população brasileira. Os economistas neoclássicos, ao incorporarem, definitivamente, a dimensão temporal à análise da renda mineral, explicitaram um uso bastante específico para os royalties: o de financiar políticas de promoção da justiça intergeracional, seja através da busca de fontes alternativas de energia, seja através de outras estratégias de proteção das rendas futuras, das gerações que não mais contarão com as riquezas minerais. Contribuições, portanto, importantes para defender-se uma readequação das normas de cobrança, distribuição e aplicação dos royalties no Brasil. Afora estas inobservâncias da contribuição das escolas clássica e neoclássica, cresce o risco de “financeirização” das receitas dos royalties, na medida em que estas receitas cresçam com o volume de produção e elevação dos preços dos hidrocarbonetos. Os royalties, que hoje já não são canalizados para políticas sustentáveis (energéticas ou de desenvolvimento regional), com a sua “financeirização”, passariam apenas a elencar o rol de instrumentos para uma arquitetura estatal financeira, focada na sustentação de posições efêmeras do “risco país” definidos pelas agências de rating.

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MESTRADO EM ANÁLISE REGIONAL O primeiro da sua categoria no Estado da Bahia RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

ATRIBUTOS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EM ORGANIZAÇÕES DO GRANDE ABC Gino Giacomini Filho1 René Henrique Licht2 Resumo:

O presente trabalho apresenta correlações entre a gestão de organizações de diferentes portes e suas atividades no campo da responsabilidade social contextualizadas no plano regional. Estudos e experiências envolvendo a responsabilidade social das grandes organizações são encontrados em profusão; porém, verifica-se que os voltados também para as organizações de menor porte poderiam propiciar uma visão diferenciada sobre os programas de gestão nas organizações e até influenciar políticas tendo em vista programas relacionados à administração socialmente responsável. Com a finalidade de subsidiar essa avaliação, foi apresentada uma visão conceitual de Responsabilidade Social em termos organizacionais, algo construído a partir de modelos bibliográficos. Também são apresentados indicadores a fim de caracterizar a Região do ABC paulista. O objetivo desse trabalho é o de verificar a ocorrência de atributos de responsabilidade social em práticas administrativas de organizações - empresas e instituições - da Região do ABC. Pretende também verificar a intensidade de tais atributos nessas organizações segundo o porte: Micro, Pequena, Média e Grande. Para tanto, foi empreendida pesquisa de campo com organizações da Região, conduzida por meio de entrevista com gestores dessas instituições. Os resultados mostraram que as organizações da Região do ABC praticam, em diferentes intensidades, os atributos de responsabilidade social, algo mais presente nas denominadas organizações de grande porte.

rativa, organizações regionais, região do ABC paulista, pequenas e grandes empresas.

attributes of social responsibility, something more present in “great” organizations.

Abstract

Key Words: Social responsibility, corporate social responsibility corporativa, regional organizations, região do ABC paulista, small and big organizations.

This article presents correlation between organizational management, according its sizes, and activities in the field of the social responsibility in the regional context. There are a lot of studies and experiences involving the social responsibility of the big organizations. However, we verify that small organizations aren´t studied in the same way. Such studies would be able to contribute with a differentiated vision about management processes in the social responsibility and to offer conditions to social polices in that direction. It was presented a conceptual vision of social responsibility throught an bibliographic model in order to build an theorical approach. Also indicators are presented in order to characterize the ABC Paulista area. The objective of that research is to verify the occurrence of attributes of social responsibility in administrative practices of organizations – companies and institutions – of the ABC region. It also intends to verify the intensity of such attributes in those organizations according to the size of them. For this, it was made descriptive research with organizations of the region, driven through interview with managers of those institutions. The results showed that the organizations of the Region of ABC practice, in different intensities, the

Palavras-chave: Responsabilidade social, responsabilidade social corpoRDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

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Introdução

As organizações empresariais e institucionais são componentes essenciais da sociedade, pois desempenham múltiplas funções que interagem com a cidadania e qualidade de vida das pessoas, fatores que as impulsionam para um desempenho socialmente responsável. A responsabilidade social (RS) corporativa tem se intensificado desde meados do século passado, em parte devido aos movimentos civis, consumeristas, trabalhistas e ambientais, que questionavam práticas empresariais deceptivas. As sociedades mais acostumadas com a escalada da industrialização mostravam sinais de insatisfação, pois muitos ganhos obtidos eram depreciados em função da perda na qualidade de vida. O ABC paulista3 é uma das regiões brasileiras que apresenta boa concentração de atividades econômicas, sendo conhecida nacionalmente também pelo bom nível de renda e índices favoráveis de qualidade de vida. Assim, questiona-se se essa região possui em suas organizações práticas de responsabilida-

Doutor e Livre-docente em Comunicação Social pela ECA/USP. Professor do Mestrado em Administração do IMES/São Caetano do Sul. [email protected] Doutor em Psicologia e Administração pela USP. Professor do Mestrado em Administração do IMES/São Caetano do Sul. [email protected] A região do ABC paulista é composta pelos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

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de social e, em as tendo, com que intensidade seriam conduzidas? Outro fator que motivou o presente estudo é a relativa carência de estudos que enfoquem não somente às grandes organizações, mas também as de menor porte, pairando sobre o mercado a dúvida sobre o desempenho socialmente responsável de todas. O objetivo desse trabalho foi o de verificar a ocorrência de atributos de responsabilidade social em práticas administrativas de organizações empresas e instituições - da Região do ABC. Pretendeu, ainda, verificar a intensidade de tais atributos nessas organizações segundo o porte: Micro, Pequena, Média e Grande. Para atingir tais propósitos, foi empreendida pesquisa de campo com organizações da região, conduzida por meio de entrevista com gestores das instituições visitadas e observação direta do pesquisador de campo. Houve também uso de pesquisa bibliográfica para construir os conceitos e atributos de responsabilidade social submetidos às organizações e também para possibilitar análise dos resultados obtidos.

A RS diante dos diferentes portes organizacionais e aspectos regionais

Segundo Drucker, a responsabilidade social organizacional teve um de seus primeiros contornos na obra The Human Needs of Labor, do industrial e filantropo inglês B. Seebohm Rowntree, em 1918, que discutia a responsabilidade do empregador com os empregados face ao seu poder e riqueza (2002, p. 323). Se, de um lado, as organizações disponibilizavam mais estrutura de consumo, mais informações e índices crescentes de conveniência, de outro, os cidadãos e a sociedade se ressentiam de efeitos colaterais, como desequilíbrio na distribuição de renda, efeitos danosos no meio ambiente, insalubridade no trabalho e consumo deceptivo. Obras clássicas 4 como Silent Spring, de Rachel Carlson, e Unsafe at Any Speed, de Ralph Nader, denunciaram descasos de organizações para

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... as grandes organizações teriam maior visibilidade pública, o que geraria mais interesse sobre suas ações de RS.



com a sociedade já em meados do século XX. A mobilização social pressionando empresários e governos foi trazendo mudanças neste quadro, atribuindo crescentes níveis de responsabilidade social para as organizações, algo que foi se expandindo também para as nações e governos. Atualmente, um dos fenômenos mais relevantes se refere à institucionalização das sociedades, em que o poder civil, a democracia, o estado de direito, a prioridade para os padrões de qualidade de vida ganharam espaço condicionando os interesses meramente lucrativos ou comerciais. Empresas e instituições que desfrutavam de privilégios legais e políticos, unicamente porque geravam exportações, produção e emprego, sofreram mudanças em sua gestão para incorporar atitudes de caráter social (WERHAHN, 1995). Ao longo dessas últimas décadas, foram incontáveis os casos de organizações que reorientaram seu programa de gestão tendo em vista o novo perfil de consumidor e cidadão: mais informado, melhor amparado por entidades oficiais e não governamentais, mais instrumentalizado por leis e ainda ciente do seu poder nas relações de consumo. Portanto, relacionar-se bem com o mercado de consumo, públicos de interesse (stakeholders) e cidadãos tornou-se importante questão para qualquer organização, seja ela lucrativa ou não, pequena ou grande, tornando-se contexto relevante em que a responsabilidade social condiciona a gestão organizacional. Mesmo assim, muitos indicadores e estudos

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apontam para uma relativa absorção das práticas socialmente responsáveis pelas organizações, já que muitos fatores dificultam tais ações, como características da cultura organizacional, limites financeiros e desconhecimento sobre o assunto. Smith (2003) e Tilley (2000) realizaram pesquisas junto a empresas do Reino Unido a fim de observar suas condutas em termos de RS. O primeiro concluiu que poucas empresas aplicam a responsabilidade social em sua totalidade, sendo deficientes principalmente quanto a seus stakeholders. O segundo, analisando apenas pequenas empresas, considerou que, pelo menos quanto à gestão ambiental, possuem ações tímidas e esperam reformas legais para serem atuantes nessa área, em que a maioria estaria operando à margem da legislação. Considerou que o desempenho das pequenas organizações na ética ambiental está ainda em estado embrionário. Tompson e Smith (1991) observaram que as pequenas empresas não são muito estudadas em termos de responsabilidade social por vários fatores, dentre eles: não teriam recursos para implementar as ações e projetos sociais; os métodos e modelos de RS aplicáveis às grandes organizações não serviriam para as pequenas, além do que as últimas teriam menos acesso a informações nessa área; as grandes organizações teriam maior visibilidade pública, o que geraria mais interesse sobre suas ações de RS. Os autores ainda sugerem que as práticas de RS nas pequenas empresas seriam similar às médias. Poucos contestariam a importância social e econômica das organizações de menor porte, principalmente na geração de empregos e produção de riqueza. Fischer e Grownwveld (1976) apuraram que, nos EUA, a porcentagem de invenções patenteadas levadas à aplicação comercial é maior em pequenas organizações do que em grandes. Concluíram também que a legislação relativa à responsabilidade social onera mais

CARSON, Rachel. Silent Spring. Boston: Houghton Mifflin Co., 1962. NADER, Ralph. Unsafe at Any Speed: The Designed-In Dangers of the American Automobile. New York: Grossman Publishers, 1965.

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as pequenas organizações, já que elas não conseguem diluir tais custos na cadeia produtiva como as grandes o fazem. Os autores consideraram ser necessário estabelecer vantagens às pequenas organizações, como subsídios e diferenciação no tratamento legal para que implementem ações na área de RS. Spence (1999) avaliou ser difícil estabelecer se as pequenas empresas são mais ou menos éticas que as grandes, já que características específicas das primeiras dificultam essa comparação, como personificação administrativa no proprietário, suscetibilidade grande às mudanças legais, acesso mais restrito a informações para a tomada de decisões. A autora constatou que essa dificuldade tem ocorrido pelo fato de que os valores éticos da pequena empresa são os mesmos dos seus proprietários, mas que esses apresentariam melhor afinidade de valores com seus funcionários do que as empresas de porte maior. Sarbutts (2003), ao considerar organizações grandes, médias e pequenas, argumentou que as pequenas e médias empresas seriam melhor percebidas pela sociedade em relação às grandes, pois teriam a vantagem de atender melhor os clientes, mostrando qualidades como honestidade, integridade e habilidade para se relacionar com as pessoas. Concluiu que a responsabilidade social corporativa nas pequenas e médias empresas é mais eficiente quando não há uma postura arrogante, quando a organização é flexível junto a seus públicos de interesse, aprende com eles e demonstra mudanças reais. A necessidade de pesquisar a responsabilidade social das organizações com o foco regional parece ganhar corpo face às peculiaridades que podem apresentar. É possível ilustrar essa postura com dois estudos relativos ao estado do Paraná. Ferreira e Passador (2002) puderam observar as práticas de responsabilidade social em empresas de Maringá, com 100 ou mais funcionários, concluindo que as ações apontam tanto para o público interno, esse em setores como saúde, educação e condições de trabalho, como para o ex-



A industrialização começou a ser uma marca da região a partir de metade do século XX...



terno, esse em forma de doações. Apuraram também que a responsabilidade social naquela região é realizada, de alguma forma, por 78% das empresas médias e grandes de Maringá. Aligleri e Borinelli (2001) pesquisaram grandes empresas também no estado do Paraná, região de Londrina, concluindo que o desempenho das organizações da região se assemelha às organizações nacionais baseando-se no modelo e pesquisa desenvolvidos pelo IPEA5. A pesquisa mostrou que quase três quartos das empresas realizam algum tipo de ação social. A Região do ABC também tem sido retratada em estudos sistematizados relacionados a responsabilidade social (DI TIZIO, 1999; MELO, 2001; SCIFONI, 1994; VALLE, 1997), já que os efeitos das atividades econômicas no seu grande contingente populacional tem provocado ações sociais, governamentais e empresariais nas últimas décadas. Diante desse quadro, é de se supor que a postura organizacional, tendo em vista a responsabilidade social, poderia estar sendo seguida por empresas e instituições sediadas na Região do ABC. São grupos empresariais e instituições que atuam na área automobilística, varejista, comunicações, educação, saúde, serviços, além de instituições de pequeno, médio e grande porte dos mais distintos setores econômicos. Desde o final do século XIX, e seguindo a linha iniciada pelas fábricas de cerâmica e móveis das fazen-

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das mantidas pelos monges beneditinos ainda no Século XVII, a região apostaria verdadeiramente na industrialização. O grande ABC já fizera uma feira agrícola e industrial em 1886 e já chamara a atenção pela plantação e industrialização do chá desde a primeira parte do século XIX (MÉDICI et al, 2001, p. 14). A industrialização começou a ser uma marca da região a partir de metade do século XX, principalmente face à instalação de grandes montadoras de veículos. Levantamento realizado pela Agência do Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, com 40 mil empresas da indústria, comércio, serviços e construção civil do Estado de São Paulo, revelou que as fábricas do ABC, comparadas com as de outras regiões do Estado, foram as que mais inovaram na forma de produzir. O destaque ficou para os segmentos tradicionais: a indústria automobilística, química, máquinas e equipamentos, plásticos e borracha 6. A mesma entidade apurou que a Região corresponde a 14% da atividade industrial do Estado de São Paulo, o mais industrializado no País. O ABC paulista apresenta, ainda, boa intensidade de atividades econômicas nos três setores básicos. Revela, porém, diminuição das atividades no setor industrial e proporcional aumento das atividades de serviços, situando-se em 30,2% na área da indústria, 17,1% no comércio e 52,7% em serviços7. O consumo “per capita” anual da região é considerado significativo, caso das cidades de Santo André (US$ 3.740,94), São Bernardo do Campo (US$ 4.207,99) e São Caetano do Sul (US$ 4.705,95)8

Método

A fim de possibilitar a sistematização desse estudo e alcance dos objetivos propostos, foi eleito como universo da pesquisa as organiza-

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão do Governo Federal. Pesquisa “A iniciativa privada e o espírito público: um retrato da ação social das empresas do sudeste brasileiro”. 1999. O ABC é destaque. Jornal da Tarde, São Paulo, 26 ago. 2001. Caderno de Economia. Pesquisa Socioeconômica – IMES, por amostragem de domicílios. Relatório do INPES – Instituto de Pesquisa do IMES. São Caetano do Sul. Dados relativos ao período de agosto de 2004. Potencial de consumo per capita (em US$). Fonte: TARGET – Brasil em Foco 2001.

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ções inscritas no banco de dados “Quem é Quem no Grande ABC 2003”, publicado pelo jornal Diário do Grande ABC 9, em setembro de 2003, que mostrou 520 organizações apresentando dados de: Receita Líquida, Resultado Líquido, Resultado Operacional, Patrimônio Líquido, Ativo Total, Retorno sobre PL, Endividamento Geral, Endividamento Oneroso, Margem Operacional e Crescimento de Vendas. As 520 organizações pertenciam aos setores de “Indústria”, “Comércio” e “Serviços”. Da amostra inicial, primeiramente foram excluídas as que não especificavam a quantidade de funcionários, sem o que não seria possível enquadrá-las nos portes de Micro, Pequena, Média e Grande. Para viabilizar o estudo, a Região do ABC foi representada por três de suas sete cidades: Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, o que levou ao descarte das organizações que não estavam sediadas nessas cidades. Essas são as três cidades com maior renda “per capita” na Região10. Posteriormente, as organizações foram classificadas no porte de Micro, Pequena, Média e Grande pelo critério do Sebrae/2004 (número de funcionários), resultando num total de 266 organizações, assim distribuídas: 132 de Santo André, 100 de São Bernardo do Campo e 34 de São Caetano do Sul. Desse elenco, 137 eram empresas de Serviço, 60 de Comércio e 69 de Indústria. Embora o estudo não tenha pretensões de generalização dos resultados, buscou-se a determinação do tamanho de uma amostra que pudesse possibilitar o tratamento quantitativo de variáveis investigadas, o que levou a uma amostra de 73 organizações11. As 73 organizações foram obtidas por sorteio levando em conta a proporcionalidade dos quatro portes (Micro, Pequena, Média e Grande). A subdivisão em termos do porte de organizações ficou assim distribuída: 21 Micros, 29 Pequenas, 8 Médias e 15 Grandes. Essa amostra apresentou grande diversidade de ramo de atividades, caso de escolas e hospitais, ou empresas de varejo e indústrias de alimentos.

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Durante o primeiro semestre de 2004, todas as organizações foram visitadas pessoalmente por um pesquisador de campo, algo que permitiu a observação e certo controle dos aspectos a serem respondidos pelos gestores: proprietário, gerente, ou responsável por área ligada aos assuntos de responsabilidade social, esse último mais presente em empresas de maior porte. Como o termo “responsabilidade social” poderia ser interpretado de forma diferente pelos entrevistados, já que pode assumir diferentes conceitos (KREITLON, 2004), optouse por construir um elenco de atributos que o caracterizasse, proporcionando, assim, maior homogeneidade na avaliação (ou resposta) dos respondentes. A construção dos atributos de responsabilidade social organizacional levou em conta vários estudos e modelos: Drucker (2002), Ashley (2003), Giacomini et al (2004), McIntosh et al (2001) e Melo Neto e Froes (2001). Ao final, foram submetidos aos entrevistados 45 atributos: 1. Busca transmitir bons exemplos de cidadania 2. Incentiva a cultura 3. Possui atividades esportivas, culturais e de lazer dentro e fora da empresa 4. Preserva a limpeza local 5. Preserva o meio ambiente 6. Respeita a qualidade de vida 7. Pratica atividades caracterizadas pela ausência de insalubridade 8. Cumpre as leis trabalhistas 9. Desenvolve programas de aumento de empregabilidade 10. Investe na qualificação dos empregados 11. Permite o funcionário se expressar 12. Possui cota para minorias 13. Possui diversidade étnica 14. Possui encontros de segurança no trabalho (SIPAT)

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15. Possui plano de carreira e oportunidades de crescimento dentro da empresa 16. Possui programas de amparo ao funcionário 17. Possui programas para minimizar o estresse 18. Proporciona benefícios aos funcionários 19. Valoriza as atitudes éticas dos seus funcionários 20. Preocupa com o bem-estar do funcionário 21. Ações voltadas ao lazer da comunidade 22. Apoio ao desenvolvimento da comunidade 23. Investimento na educação da comunidade 24. Preocupação com a saúde da comunidade 25. Permite o envolvimento comunitário nas ações de interesse coletivo 26. Apoio, associação e/ou parceria com ONGs e entidade carente 27. Programas e/ou projetos sociais 28. Possui uma boa relação com os stakeholders 29. Possui comunicação transparente 30. Disposta a mudanças positivas 31. Sinergia com os parceiros 32. Usa a Propaganda de acordo com o Código de Defesa do Consumidor 33. Usa a Propaganda de acordo com o CONAR 34. Cumpre da legislação 35. Cumpre o Código de Defesa do Consumidor 36. Cumpre os Direitos Humanos 37. Possui postura anti-racial 38. Possui postura indiscriminatória 39. A empresa possui um código de ética 40. Evita negociações com instituições que não possuam padrões éticos 41. Não possui casos de assédio físico e moral 42. Não possui casos de fraudes ou desfalques

O jornal Diário do Grande ABC é considerado o maior jornal da Região e está há 68 anos no mercado (2005) sendo publicado em Santo André – SP. Esse levantamento, embora não conte com a maioria das organizações da Região, pois depende que estas enviem as informações para publicação, é o mais completo perfil sócio-econômico das organizações do Grande ABC. Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e IPEA. Disponível em: . Acesso em 5 mai. 2004. Os parâmetros adotados para fixação do número amostral (no) de casos foram: Nível de confiança: 95,5%; Erro de estimativa: 10%; P= 50%; Fator de correção para população finita: 1 + no/N. No = 100 e n corrigido= 73. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

43. Possui serviço de atendimento ao cliente 44. Preocupa em assumir o erro perante cliente, fornecedor ou outro agente do mercado, corrigindo e compensando. 45. Preocupa-se com a satisfação dos clientes consumidores Essa mesma numeração identificará e acompanhará o respectivo atributo nos resultados a seguir.

TABELA 1 Porte das organizações

Porte das organizações AtriAtriMi P M G Todas buto Mi P M G Todas buto 95,2 62,1 100,0 100,0 83,6 14,3 17,2 25,0 53,3 24,7 1 24 61,9 79,3 100,0 86,7 78,1 14,3 17,2 0,0 40,0 19,2 2 25 33,3 41,4 50,0 86,7 49,3 42,9 48,3 62,5 60,0 50,7 3 26 95,2 96,6 100,0 100,0 97,3 19,0 6,9 0,0 46,7 17,8 4 27 81,0 82,8 100,0 100,0 87,7 100,0 96,6 100,0 100,0 98,6 5 28 85,7 89,7 75,0 100,0 89,0 81,0 96,6 100,0 100,0 93,2 6 29 81,0 79,3 75,0 53,3 74,0 100,0 86,2 100,0 93,3 93,2 7 30 100,0 93,1 100,0 100,0 97,3 85,7 82,8 100,0 93,3 87,7 8 31 38,1 48,3 50,0 93,3 54,8 90,5 86,2 75,0 100,0 89,0 9 32 100,0 72,4 87,5 93,3 86,3 100,0 89,7 75,0 100,0 93,2 10 33 100,0 93,1 100,0 93,3 95,9 100,0 96,6 100,0 100,0 98,6 11 34 14,3 0,0 12,5 53,3 16,4 95,2 96,6 100,0 93,3 95,9 12 35 42,9 37,9 50,0 93,3 52,1 100,0 96,6 87,5 93,3 95,9 13 36 14,3 31,0 25,0 73,3 34,2 100,0 96,6 100,0 93,3 97,3 14 37 66,7 48,3 87,5 93,3 67,1 100,0 96,6 100,0 93,3 97,3 15 38 38,1 24,1 50,0 60,0 38,4 57,1 37,9 62,5 66,7 52,1 16 39 28,6 20,7 0,0 40,0 24,7 85,7 93,1 100,0 93,3 91,8 17 40 85,7 93,1 100,0 100,0 93,2 95,2 96,6 100,0 93,3 95,9 18 41 90,5 96,6 100,0 100,0 95,9 95,2 96,6 100,0 93,3 95,9 19 42 90,5 96,6 100,0 100,0 95,9 85,7 79,3 100,0 93,3 86,3 20 43 14,3 27,6 25,0 33,3 24,7 100,0 96,6 100,0 93,3 97,3 21 44 14,3 20,7 12,5 53,3 24,7 100,0 96,6 100,0 93,3 97,3 22 45 14,3 20,7 25,0 46,7 24,7 Todos 69,9 68,0 73,6 23 83,1 72,3 Organizações: Mi – Micros; P – Pequenas; M – Médias; G – Grandes; Todas - Todas organizações. Valores expressos em % - Porcentagem do número de organizações que praticam os atributos de responsabilidade social sobre a quantidade de organizações do respectivo porte.

Resultados

A “Tabela 1” aponta a intensidade com que a responsabilidade social (representada pelos 45 atributos) é praticada pelas organizações da Região do ABC em relação ao total e em relação ao porte dessas organizações (Micro, Pequena, Média e Grande). A “Tabela 2” apresenta os resultados da “Tabela 1” estratificando a performance das organizações em três níveis: a) Boa intensidade na prática de responsabilidade social (RS), que considera o total dos atributos que foram praticados por 90% ou mais das organizações; b) Média intensidade de RS, que considera o total de atributos que foram praticados por menos de 90% a 50% das organizações; c) Fraca intensidade de RS, que apresenta o total de atributos que foram praticados por menos de 50% das organizações.

Considerações, comentários e conclusões

Os resultados mostram que as organizações da região do grande ABC pesquisadas, de todos os portes, empreendem, em diferentes graus, ações de responsabilidade social, destacando-se, positivamente, as de grande porte. As organizações, como um todo, parecem se destacar na prática de ações legais, de mercado e com relação aos funcionários. As primeiras seriam representadas por ações como cumprimento às leis (legislação geral, trabalhista, Código de Defesa do Consumidor), postura anti-racial e indiscriminatória, não possuir casos de assédio físico e moral, não possuir casos de fraudes e desfalques. As ações de mercado seriam as que repercutem diretamen-

TABELA 2

Organizações Todas Micro Pequena Média Grande

Boa intensidade de RS 20 20 18 23 30

Média intensidade de RS 14 11 11 13 10

te nos interesses comerciais, como manter boa relação com os stakeholders e clientes/consumidores. As ações de RS que teriam como alvo os funcionários seriam no sentido de manter a limpeza local, permitir o funcionário se expressar, valorizar as atitudes éticas dos seus funcionários, preocupar-se com o bem-estar do funcionário e cumprir os Direitos Humanos. Porém, os destaques negativos ficam por conta de fatores ligados à comunidade ou que possuem certa distância do foco negocial. Quanto à comunidade, os destaques negativos ficaram em atributos como: ações voltadas ao lazer da comunidade, apoio ao desenvolvimento da comunidade, investimento na educação da comunidade, preocupação com a

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Fraca intensidade de RS 11 14 16 9 5

saúde da comunidade, permissão para o envolvimento comunitário nas ações de interesse coletivo e programas e/ou projetos sociais. Já as ações que seriam percebidas como mais distantes do ponto de vista do negócio poderiam ser exemplificadas por não possuir atividades esportivas, culturais e de lazer dentro e fora da empresa, por não possuir cota para minorias, não possuir encontros de segurança no trabalho (SIPAT), não possuir programas de amparo ao funcionário e não possuir programas para minimizar o estresse Ao que parece, as organizações assumem atividades de responsabilidade social desde que elas colaborem com os resultados operacionais e mercadológicos, o que não deixa

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de ser algo lógico segundo a colocação de Carroll, que sugere um modelo piramidal mostrando que o desempenho ético da empresa estaria embasado na sua situação econômica e legal, já que não se pode desqualificar a característica fundamental da empresa que é a de ser rentável nas relações comerciais (função mais importante), embora os fatores legais, éticos e filantrópicos influenciem decisivamente nesse papel econômico e mercadológico (apud FERRELL et al, 2000, p. 149). A Tabela 1 revela que as ações de responsabilidade social estiveram em um patamar muito próximo entre as Micros (69,9%), Pequenas (68,0%) e Médias (73,6%), de certa forma corroborando com os estudos de Tompson e Smith (1991). Porém, as Grandes estiveram acima em cerca de 10 pontos percentuais (83,1%). Alguns atributos, na pesquisa, mostraram correlações em que, quanto maior o porte da organização, maior a intensidade de prática do atributo de RS: “Possui atividades esportivas, culturais e de lazer dentro e fora da empresa”; “Desenvolve programas de aumento de empregabilidade”; “Investimento na educação da comunidade”; “Preocupação com a saúde da comunidade”. Mas houve um que mostrou intensidade na direção inversa, ou seja, quanto menor o porte da organização, mais era realizado: “Pratica atividades caracterizadas pela ausência de insalubridade”. Quanto a esse último fato, o pesquisador em sua observação de campo apurou que as empresas maiores reconheciam as atividades insalubres e que lançavam mão de recursos para evitar ou diminuir impactos junto às pessoas, enquanto as empresas menores não reconheciam tais atividades ou se esquivavam de apontar os procedimentos para neutralizá-las. Aliás, foi constatado na observação de campo que, principalmente as empresas menores, não tinham conhecimento de certas instituições apresentadas (Conar, Direitos Humanos, Código de Defesa do Consumidor) fazendo-se necessária a explicação. Porém, pelas limitações metodológicas, não se pode concluir que a

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intensidade das ações de responsabilidade social esteja relacionada com o porte da organização, embora outros estudos apontem para essa direção (MELO NETO e FROES, 2001, p. 172). Estudos mais direcionados a essa questão poderão averiguar melhor essa correlação. São indicativos que mostram estarem as empresas ainda aprendendo a conviver com os atributos de responsabilidade social. Alguns já implantados na cultura organizacional, principalmente os que influenciam no dia-a-dia e sobrevivência das instituições, enquanto outros são pouco percebidos ou avaliados pelos gestores. Porém, é prudente questionar os números apresentados face às peculiaridades decorrentes do ramo de atividade de cada organização. Seria o caso daquelas que não lidam com consumidores finais e, por isso, não o teriam como foco de suas atividades de RS; ou então organizações que praticam atributos de RS porque estes são intrínsecos às suas atividades, caso de cuidar da educação comunitária (escolas) e cuidar da saúde comunitária (clínicas e hospitais). Ainda quanto aos portes das organizações, os resultados da Tabela 2 também mostram que as grandes possuem maior intensidade nas práticas socialmente responsáveis dos que as demais. Essa distância não é muito grande, mas constatável. Enquanto cerca de 2/3 dos atributos de responsabilidade social (30 atributos) são empreendidos em “Boa intensidade” pelas grandes organizações, apenas cerca de metade (18 a 23) o são pelas demais. Enquanto as grandes mostram apenas cinco atributos com “Fraca intensidade” na prática de responsabilidade social, as demais oscilam entre 9 e 16 atributos. Embora nosso estudo não tenha a pretensão de estabelecer comparações com outras pesquisas, os resultados apontaram semelhanças com diversos estudos. A média geral de 72,3% é semelhante à aferida na pesquisa do IPEA para a região Sudeste do Brasil, em que os dados da 2a.

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edição (2003) da pesquisa “Ação Social das Empresas” revelou que a participação das empresas privadas em ações sociais era de 71%12. Outro resultado do IPEA (dados relativos à versão da 1ª edição da pesquisa “Ação Social das Empresas” - IPEA, 1999-2002) que se assemelha ao presente estudo relaciona-se com a maior participação das grandes corporações privadas nas atividades sociais, ou seja, 88%, algo próximo ao das organizações de grande porte do ABC (83,1%). Os resultados da pesquisa com as organizações do ABC também são semelhantes aos verificados com empresas de Maringá (FERREIRA e PASSADOR, 2002) e Londrina (ALIGLERI e BORINELLI, 2001). Talvez, a realização de mais estudos sobre a prática regional da responsabilidade social organizacional possa contribuir para uma melhor compreensão do tema, que se torna cada vez mais relevante para a atuação sustentável das empresas e instituições em qualquer sociedade. O desenvolvimento de estratégias, modelos e conceitos regionalizados de responsabilidade social poderia atrair mais as organizações de menor porte, além de propiciar maior profissionalismo e realismo da prática de RS na rotina corporativa.

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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SUSTENTÁVEL DOS PEQUENOS MUNICÍPIOS PAULISTAS Sirlei Pitteri Resumo

Este artigo apresenta os resultados da pesquisa realizada na região da Nova Alta Paulista, estado de São Paulo, cujo objetivo foi a identificação de elementos que permitissem analisar as possibilidades de desenvolvimento econômico sustentável dos pequenos municípios, face às transformações que vêm ocorrendo no cenário das cidades e regiões, decorrentes das reformas da gestão pública do Brasil. As análises se ocupam em identificar se existe convergência entre os processos de descentralização pública, dos novos arranjos distributivos de receitas aos municípios, do movimento intenso de criação e emancipação e da viabilidade econômica sustentável dos mesmos nos médio e longo prazos. Palavras-chave: descentralização pública, criação e emancipação de municípios, desenvolvimento econômico sustentável, pequenas cidades.

Abstract

The aim of this article is to present the results of survey carried out in Nova Alta Paulista region, São Paulo State, which is about identifying elements that would allow the analysis of sustainable economical development potential for small townships of São Paulo State, within current scenario of transformations of cities and regions due to reforms in Brazil’s public management. Reviews are about identifying whether there is convergence between public decentralization processes, the new township’s revenue distributive organization, the intensive activity of creation and emancipation of townships, and their sustainable econo-

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mic feasibility in the medium and long-term. Key words: public decentralization, creation and emancipation of townships, sustainable economical development, small townships.

Introdução

A reforma da gestão pública no Brasil vem transformando profundamente o cenário político, econômico e social do país, por sua abordagem redemocratizante que reordena os papéis do governo e da sociedade civil, nos processos decisórios políticos e administrativos. Apesar dos efeitos da reforma se tornarem visíveis para a sociedade somente a partir de meados da década de 1990, o início do processo está associado à promulgação da Constituição Federal de 1988. O principal eixo da reforma está amparado na descentralização da administração pública, que conferiu aos municípios maior autonomia nas decisões, mas também maiores responsabilidades, exigindo dos governos locais uma nova atitude na sua gestão visto, cidades, que passaram a ter status de unidade da Federação, dotado de autonomia política, administrativa, financeira e normativa. Uma das principais mudanças que favoreceu a ampliação da autonomia municipal foi o novo arranjo tributário. Embora a descentralização fiscal tenha se iniciado um pouco antes, mais precisamente na me-

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tade da década de 1970, a Constituição formalizou as regras sobre os repasses e as competências tributárias de estados e municípios. (TOMIO, 2002, p.62). As regras sobre tais repasses levam em conta basicamente o número de habitantes nas cidades e o processo tem sido duramente criticado por especialistas, em função de algumas contradições e seus efeitos, principalmente sobre a dinâmica econômica e social das cidades. O intenso movimento de criação e emancipação de municípios no Brasil na década de 1990 também pode ser associado ao processo redemocratizante brasileiro. Atribui-se tal intensidade a uma demanda reprimida no Regime Militar (1964–1985), cujas características centralizadoras e antidemocráticas inibiram esse movimento. No período aproximado de dez anos, houve um aumento de 2.766 para 5.506 municípios no Brasil, sendo que no estado de São Paulo surgiram 73 novas unidades. Atualmente, a criação e emancipação de municípios estão suspensas e a lei que regulamenta a matéria encontra-se em análise no Congresso a fim de se refinar os critérios e processos adotados. A maioria dos especialistas acredita que este intenso movimento municipalista esteja diretamente relacionado ao novo arranjo tributário e fiscal, pelo fato de que os coeficientes de distribuição favorecem municípios de população menor. Assim, quanto menor o município,

* Sirlei Pitteri, Consultora Empresarial, Mestranda em Administração pela Universidade IMES de São Caetano do Sul – SP, licenciada em Física pela Universidade de São Paulo - SP, Especialista em Administração de Empresas pelo Programa Citimaster do Citibank-SP, Professora universitária de Planejamento Estratégico em cursos de graduação na Universidade Bandeirantes de São PauloSP. email: [email protected].

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melhor a relação recursos financeiros x demandas sociais. Em síntese, a questão que se coloca é se os movimentos econômicos e políticos que ocorrem nos pequenos municípios são convergentes com os objetivos de viabilidade econômica sustentável dos mesmos nos médio e longo prazos. Identificar elementos que contribuam para análises futuras sobre as possibilidades de desenvolvimento sustentável dos pequenos municípios decorrentes dos processos de descentralização pública é o objeto desse estudo. A relevância de um estudo, como esse, se justifica pelo fato que, dos 5.506 municípios brasileiros, 83% (4.587) possuem até 30 mil habitantes e, juntos, abrigam quase um terço da população brasileira (47 milhões)1. A taxa de urbanização média dessas pequenas cidades é de 57%, o que lhes confere características eminentemente rurais e sugerem uma baixa tendência à sustentabilidade econômica na sociedade moderna. (BRAGA e PATÉIS, 2003, p. 14). Os pequenos municípios paulistas apresentam uma distribuição um pouco diferente da média brasileira. Dos 645 municípios paulistas, 73% (474) possuem até 30 mil habitantes e concentram apenas 12% (4,6 milhões) da população do estado. A taxa de urbanização dessas cidades é, em média, 80%, o que representa uma tendência maior para a sustentabilidade que a média brasileira, mas ainda distante da média do estado de São Paulo, que é 93%2. (IBGE, 2000). Para se identificar elementos que possibilitem analisar o desenvolvimento sustentável dos pequenos municípios paulistas, foi selecionada uma região do Oeste do Estado, composta por 31 pequenas cidades, para uma pesquisa exploratória em uma das cidades da região com população de 30 mil habitantes. A metodologia utilizada foi pesquisa documental e entrevistas semi-estruturadas com autoridades, políticos, formadores de opinião e moradores de Osvaldo Cruz. Os dados coletados e as entrevistas foram estruturadas no sentido de se encontrar elementos que possam convergir para



Que tipo de ações um governo local pode estar implementando para favorecer o desenvolvimento sustentável?



responder as perguntas: que tipo de ações um governo local pode estar implementando para favorecer o desenvolvimento sustentável? As decisões dos políticos locais, desarticuladas de outras instâncias ou de seus vizinhos, podem definir esse desenvolvimento? Existem ações de parcerias entre os políticos locais a fim de promover o desenvolvimento regional e o que tornariam efetivas essas parcerias? As políticas sociais implantadas possuem efetividade para o médio e longo prazos?

Descentralização e Reforma do Estado Brasileiro

A descentralização do sistema público brasileiro foi baseada nas experiências norteamericanas e européias, os primeiros a perceber as fragilidades e ineficiências dos sistemas burocráticos até então vigentes. Osborne e Gaebler (1994) explicam que as burocracias hierárquicas e centralizadas, que foram concebidas nas décadas de 30 e 40 não funcionam mais no quadro altamente mutável da sociedade e da economia dos anos 90, rico em informações e conhecimento. Eram modelos adequados à era industrial, cujas preocupações se concentravam principalmente nos controles internos às organizações, sujeitos a cadeias de comandos hierárquicas. Com o passar do tempo, as burocracias se tornaram lentas e ineficientes, funcionando com desperdício de recursos. No Brasil, a reforma foi iniciada no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/1998). O novo modelo de gestão prevê a descentralização das organizações públicas e a implementação de uma adminis-

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tração pública gerencial, caracterizada pela eficiência e qualidade, que tem seu foco no cidadão, conforme lembram Bresser Pereira (2004), Falconer (1999) e Pacheco (1999). Contudo, o modelo tradicional de gestão pública parte do pressuposto de que a administração e a política são assuntos que devem ser tratados separadamente. O novo modelo, ao contrário, tem seus reflexos em todas as instâncias do governo, exigindo um amadurecimento no processo político a fim de tornar a democracia mais participativa. As dificuldades para se implantar uma administração pública gerencial em países emergentes, como é o caso do Brasil, residem no amadurecimento político, ainda prematuro da sociedade, tendo em vista os longos períodos de regimes antidemocráticos e centralizadores, como foi o Regime Militar (1964 –1985). O processo de redemocratização brasileiro envolveu mudanças significativas nos processos políticos, econômicos e sociais brasileiros, porém, como afirma Cardoso (2003, p.16), “reformar o estado não significa desmantelá-lo”. A mudança significa abandonar as visões do passado de um estado paternalista e assistencialista, que se concentrava basicamente na produção direta de bens e serviços e transferir tais atividades à sociedade, à iniciativa privada, com maior eficiência e menor custo para a sociedade, cabendo ao Estado as funções estratégicas relacionadas às políticas públicas e a garantia de que os serviços sejam prestados de forma efetiva para a sociedade. Não se trata, entretanto, de um processo apenas. Envolve toda uma mudança de mentalidade, muito mais profunda do que se imagina, porque implica em práticas que estão enraizadas na sociedade. (CARDOSO, 2003, p.17).

A questão da descentralização dos governos traz a necessidade de se prever problemas que até então não existiam. A autonomia das localidades para resolver questões que exigem rapidez não era uma preocupação relevante dos governos 1 2

Dados obtidos do censo 2000 do IBGE. Dados obtidos do censo 2000 do IBGE.

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O estágio político das cidades norteamericanas é muito diferente do caso brasileiro...



centralizados. Surgiu a necessidade do governo preventivo, ou seja, como lembram Osborne e Gaebler (1994), a “necessidade da prevenção em vez da cura”. Em governos regionais, para se transformar a previsão em prevenção, os governos carecem de jurisdição sobre os problemas que vão enfrentar. Exige ainda que a sociedade se encontre em um patamar político mais elevado que as democracias de elite e de opinião pública comuns nos países emergentes. Segundo Bresser Pereira (2004), é vital que a sociedade esteja se encaminhando para uma democracia participativa a fim de corresponder às novas demandas sociais impostas pelo esvaziamento de instâncias federais e estaduais. Ao contrário dos Estados Unidos, que iniciaram a implantação da administração pública gerencial a partir dos governos locais e estaduais e somente no governo Clinton se expandiu para o governo federal, no Brasil o movimento se iniciou a partir do governo federal e se expande para os estados e municípios, como lembra Pacheco (1999). O estágio político das cidades norte-americanas é muito diferente do caso brasileiro, que obriga os governos locais a se ajustarem às novas responsabilidades e novas demandas. Bresser Pereira (2004) reconhece que, embora o Brasil apresente evolução paralela ao que vem ocorrendo em países desenvolvidos, ainda ocorrem alguns retrocessos pontuais que vão sendo corrigidos à medida que a Constituição de 1988 é emendada. Para se entender a dimensão das reformas da gestão pública brasileira no âmbito dos municípios, é preciso atentar que os municípios eram apenas componentes dos estados até a Constituição de 1988. A partir daí passam a ter status de unidade da

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Federação dotadas de autonomia política, administrativa, financeira e normativa. De acordo com Silva (1989): a) A autonomia política garante ao município o direito de eleger o respectivo Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores e se auto-organizar mediante a elaboração de lei orgânica própria; b) A autonomia administrativa possibilita ao município organizar os serviços locais, criar órgãos da administração direta e indireta; c) A autonomia financeira assegura ao município a possibilidade de instituir e arrecadar seus tributos, além de aplicar seus recursos; d) A autonomia normativa assegura a capacidade de elaborar suas próprias leis, no limite de sua competência constitucional. Vale ressaltar que a autonomia financeira dos municípios é relativa em função do sistema tributário vigente no país, como lembra Bremaeker (2004). “O fato é que a autonomia tributária dos municípios ainda é frágil, pois os principais tributos são reservados à União e aos estados”. A composição da receita dos municípios se dá através da receita tributária própria3 somada aos repasses governamentais do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)4 proveniente da União e a Quota-Parte Municipal do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (QPMICMS) 5 repassadas pelos estados. Essas transferências representaram 37,2% de toda a receita dos municípios do Estado de São Paulo, em 2003. (RECEITA, 2004, p.28). Verifica-se, de fato, uma autonomia relativa no aumento das receitas dos governos locais, apesar dos repasses municipais representarem um significativo aumento da com-

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posição da renda dos municípios. Rolnik (2000), entretanto, pondera que a necessidade de recursos financeiros a fim de cumprir as novas competências municipais no setor social (educação, saúde, assistência, habitação) é muito maior que os repasses financeiros provenientes das instâncias estadual e federal. É fato, também, que as grandes cidades tiveram suas receitas diluídas para regiões e municípios que não possuem capacidade arrecadatória devido à baixa atividade econômica. Gomes e Mac Dowell (2000) apontam as conseqüências indesejáveis do arranjo fiscal: a) aumentaram os volumes absoluto e relativo de transferências de receitas tributárias originadas nos municípios grandes para os municípios pequenos (e do Sudeste para o resto do país), com o provável efeito líquido de desestimular a atividade produtiva realizada nos grandes municípios (e no Sudeste), sem estimulá-la nos pequenos municípios ou nas demais regiões; b) beneficiaram a pequena parte (não necessariamente a mais pobre) da população brasileira que vive nos pequenos municípios, ao destinarem mais recursos para as respectivas prefeituras, e prejudicaram a maior parte da mesma população, que habita os outros municípios, cujos recursos se tornaram mais escassos; c) aumentaram os recursos utilizados no pagamento de despesas com o Legislativo e, provavelmente, as despesas administrativas em geral, ou seja, os custeios de gabinetes de prefeitos, câmaras de vereadores e administrações municipais, ao mesmo tempo em que reduziram, em termos relativos, o montante de recursos que o

Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), Imposto Retido na Fonte (IRRF), Imposto sobre Serviços (ISS), Taxas e Contribuições de Melhorias, como por exemplo a Taxa de Lixo. O FPM é composto por 22,5% da arrecadação líquida do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Os critérios de distribuição baseiam-se em percentuais estabelecidos entre municípios do interior e capitais ponderados de acordo com a população. Para as capitais são levados em conta a renda per capita como redutor. O QPM-ICMS possui critérios de distribuição baseados em vários ítens, inclusive por áreas cultivadas, inundadas e protegidas e outros.

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setor público (União, estados e municípios) tinha disponíveis para aplicar em programas sociais e em investimentos. Uma ponderação interessante sobre essa nova geração de criação e emancipação de municípios é efetuada por Fleury (2003), que avalia os objetivos muito mais de natureza política do que de expansão da atividade econômica, como foi no passado recente, quando da expansão do Vale do Paraíba ou do Oeste Paulista. Por outro lado, as análises sobre a viabilidade econômica dos municípios recém criados ou emancipados concentram-se, sobretudo, em indicadores econômicos e financeiros comparativos da composição de renda versus número de habitantes dos municípios: As transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), têm se constituído na principal fonte de renda para nada menos que 86% dos municípios paulistas com menos de 5 mil habitantes. (...) fica claro que quanto menor o município, menor a participação das receitas próprias e maior a dependência do FPM na composição total da receita (...) é importante assinalar o processo de repartição das cotas do FPM entre os municípios. Os coeficientes de distribuição dessas cotas são regressivos, ou seja, favorecem os municípios de menor população, ocorrendo uma transferência de recursos gerados nos municípios de maior porte. (BRAGA e PATÉIS, 2003, p.13).

Os autores, contudo, apresentam um argumento que pode ser considerado positivo baseado na idéia de que a transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres estaria promovendo um processo de redistribuição de riquezas, mas questionam o próprio argumento quando se leva em consideração o peso da máquina administrativa criada junto com a instalação do município. Avaliam que esses gastos se tornam proporcionalmente maiores quanto menor for a população dos municípios. Os municípios que se emanciparam criaram estruturas públicas,

legislativas e executivas, que, num primeiro olhar, sugerem mais despesas aos cofres públicos. Mas também aumentou a participação popular nos eventos locais que definem os quadros políticos com muito mais agilidade que no passado recente. De acordo com Bremaeker (2001), 61,2% dos prefeitos dos municípios emancipados em 1997 conseguiram se reeleger, numa demonstração de satisfação da população, principalmente pela possibilidade de acesso a uma gama de serviços públicos inexistentes, até então. Se por um lado a redistribuição de recursos financeiros criou conseqüências indesejáveis do ponto de vista econômico, vale analisar os efeitos dos avanços da democracia na qualidade de vida das pessoas e no efetivo exercício da cidadania. Bremaeker (2001), sugere que, antes de se efetuar um julgamento de valor, é necessário que se vivencie o ambiente que motiva a emancipação de um espaço do território, visto que “é onde a teoria não tem nada a ver com a prática”. Pesquisa realizada junto aos municípios emancipados e com aqueles de onde se originaram os novos municípios mostra que mais de 75% dos casos a comunidade estava insatisfeita com a atenção que lhe era dispensada pelo município de origem. Bremaeker (2001), acredita que a emancipação passa a representar para a comunidade o real acesso a toda uma gama de serviços públicos a que jamais teriam acesso: Bem ou mal, a comunidade passa a gerir seus destinos quanto à educação, à saúde e à assistência social. Além disso, passa a construir e depois conservar as vias urbanas, as estradas e caminhos vicinais, a cuidar da limpeza pública e, de alguma forma, prover o saneamento básico. (BREMAEKER, 2001, p.9).

Os municípios brasileiros tiveram, de fato, reforçada a sua autonomia política, um fortalecimento financeiro pelas transferências governamentais e, sobretudo, uma intensificação da vida política das localidades. Entretanto, de acordo com Rolnik (2004), “as posturas munici-

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Diante da ausência de um espaço político regional, os governos locais acabam sendo sub-representados em processos decisórios relevantes...



palistas, visíveis através da guerra fiscal entre os estados e municípios, se assemelha ao neolocalismo norte-americano, efeito da fragmentação da ação pública circunscrita ao espaço das cidades”. Esse comportamento é inadequado para as políticas de geração de novos empregos e renda e demonstra a ausência de coordenação entre os políticos locais, com vistas à solução de problemas que transcendem os limites das cidades e para o estabelecimento de estratégias coordenadas de desenvolvimento econômico regional. Além das questões relacionadas à gestão da infra-estrutura urbana, outros temas essenciais começam a surgir com os processos de descentralização, como o desenvolvimento econômico, que possui características nitidamente regionais. Diante da ausência de um espaço político regional, os governos locais acabam sendo sub-representados em processos decisórios relevantes. (ROLNIK, 2004).

A Região Nova Alta Paulista

A região da Nova Alta Paulista, localizada no Sudoeste do estado de São Paulo, é composta por um corredor de pequenas cidades das microregiões de Dracena, Adamantina e Tupã. Possui uma área de 8.827 km2 e população de 368.073 habitantes distribuídas por 31 pequenas cidades, que surgiram em decorrência da construção da Ferrovia Paulista, na década de 1940, devido à expansão da cultura do café. Com o declínio da economia baseada na cafeicultura, a região se encontra sem vocação definida para o seu desenvolvimento econômico. Ocorreu um êxodo rural importante aumentando signifi-

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Quadro 01 – Perfil das Cidades da Nova Alta Paulista (SP)

Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, versão 2000. Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE, versão 2004.

cativamente a população urbana de maneira desproporcional à oferta de geração de emprego e renda. No quadro 01 pode-se perceber que a maioria das cidades foi constituída na década de 1940 cuja finalidade especifica era a incorporação de novas áreas territoriais à produção econômica dominante, a cafeicultura. Percebe-se também que a taxa de urbanização é bastante elevada na maioria das cidades, demonstrando o movimento migratório campo–cidade, ocorrido pelo declínio da atividade agrícola. A falta de vocação econômica é visível

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através da baixa renda per capita. Cidades paulistas, do mesmo porte demográfico, como Paulínia-SP, por exemplo, que possui atividade econômica expressiva, apresenta uma renda per capita de R$ 503,30. São Caetano do Sul, a primeira colocada no ranking do estado, tem uma renda per capita de R$834,00.6 Para se avaliar a qualidade de vida e o estágio de desenvolvimento social das cidades da Nova Alta Paulista, foram selecionados dois índices. O primeiro, Índice de Desen-

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volvimento Humano dos Municípios (IDH-M) é uma adaptação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no início da década de 1990, cujo objetivo foi classificar os países e regiões pelo tamanho do seu PIB per capita. Com a evolução das condições de vida das pessoas, tal critério tornou-se insuficiente para avaliar o nível de desenvolvimento humano e o bem-estar das pessoas. Foram incluídas outras di-

Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE, versão 2004.

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mensões, consideradas fundamentais na vida e na condição humana, que são: longevidade (saúde e esperança de vida); educação (taxa de alfabetização dos adultos e taxa de matrícula combinada nos níveis fundamental, médio e superior); renda (poder de compra da população, ajustado ao custo de vida local). A metodologia de cálculo envolve transformar essas três dimensões em índices e a combinação deles resulta num indicador síntese, que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano do país ou região. A adaptação do índice para os municípios envolve o refinamento das dimensões riqueza, longevidade e escolaridade levando-se em conta características locais.7 A crescente classificação no IDHM, entre 1991 e 2000, em todos os municípios, sugerem que os recursos financeiros governamentais foram decisivos para a melhoria da qualidade de vida das cidades, principalmente aquelas com menos de 5 mil habitantes, cujas receitas próprias são insignificantes se comparadas aos repasses governamentais. A dimensão que mais contribuiu para a elevação dos índices foi a escolaridade em todas as cidades e a que apresentou menor contribuição foi a dimensão riqueza, que apresentou diminuição em várias cidades. Percebe-se ainda que o IDH-M da maioria das cidades da região concentram-se em torno de 0,7 – 0,8, o que significa que as cidades se encontram muito próximas de um alto desenvolvimento humano, segundo os critérios do IDH-M. O segundo, Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS), versão 2004, apurado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) é uma ferramenta usada para avaliar e redirecionar os recursos públicos voltados para o desenvolvimento dos municípios paulistas. Segundo a SEADE, não se trata de avaliar um desenvolvimento comum, mas aquele do qual a sociedade participe e se beneficie, na procura por um maior equilíbrio econômico e social do Estado. Embora com metodologias discretamente distin-

Gráfico 01 – Variação do IDH-M entre os anos de 1991 e 2000

Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano. IDH 2000. Nota: 0,5 a 0,8 – médio desenvolvimento humano. Acima de 0,8 – alto desenvolvimento humano.

Quadro 02 - Critérios adotados na Formação dos Grupos do IPRS dos Municípios Paulistas Grupo 1 2 3 4 5

Riqueza

Longevidade

Escolaridade

alta alta baixa baixa baixa

alta / média baixa / média alta / média baixa / média / alta Baixa

alta / média média / baixa alta / média alta / média / baixa baixa

Fonte: Sistema Estadual de Análise de Dados. SEADE. Versão 2004. Nota: Escolaridade: baixa=até 40 pontos; média=de 41 a 46 pontos; alta=acima de 47. Longevidade: baixa=até 66 pontos; média=de 67 a 72; alta=acima de 73. Riqueza: baixa= até 40 pontos; alta=acima de 41.

Gráfico 02 – Variação do IPRS entre 1997 e 2002 Fonte: Sistema Estadual de Análise de Dados. SEADE. Versão 2004.

tas, tanto o IDH-M quanto o IPRS se baseiam nos critérios das três dimensões: riqueza, longevidade e escolaridade.8 Como pode ser observado na Figura 02, dois terços dos 31 municípios da região estavam classificados, em 1997, no grupo 3 (baixa riqueza e bons indicadores sociais) e os de-

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mais no grupo 4 (baixa riqueza e um dos indicadores sociais insatisfatório). Entretanto, entre 1997 e 2002 ocorreu uma inversão. Apenas 12 cidades se mantém no grupo 3 e as demais perderam pontos. A dimensão escolaridade aumentou significativamente em todos os municípios do mesmo modo como a dimen-

A metodologia de apuração do IDH-M – Índice de Desenvolvimento Humano para os municípios pode ser obtida no Atlas do Desenvolvimento Humano 2000, disponível no portal do IBGE . A metodologia de apuração do IPRS – Índice Paulista de Responsabilidade Social pode ser obtida no portal do SEADE .

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Gráfico 03 – Eleitores (População Adulta) x Empregos na Nova Alta Paulista Fonte: Sistema Estadual de Análise de Dados. SEADE. 2004.

são riqueza diminuiu em todos os municípios. A dimensão longevidade variou muito entre os municípios, o que pode estar relacionado a uma diminuição do atendimento à saúde; aumento da mortalidade infantil ou de jovens adultos (pode se relacionar à violência urbana), dentre outros. De modo geral, os indicadores apontam para o empobrecimento das cidades e o aumento de problemas sociais da região nos últimos anos. Para uma avaliação mais detalhada, como por exemplo, se o empobrecimento das cidades está diretamente relacionado ao aumento dos problemas sociais seria necessário uma investigação mais detalhada, o que não é objeto desse estudo. Embora a região apresente um potencial interessante para seu desenvolvimento sustentável, em função dos indicadores sociais favoráveis, percebe-se que não existem praticamente empregos formais disponíveis na região. A Fiura 03 aponta a baixíssima atividade na geração de empregos da região. Apenas cerca de 20% da população adulta possui emprego formal na região.

ta as opiniões obtidas nas entrevistas, que não se mostraram convergentes sobre o futuro econômico da região. A opinião de José Alvarenga, jornalista, empresário e um dos primeiros moradores da cidade: Osvaldo Cruz cresceu muito pouco nos últimos dez anos. Precisa de empresas geradoras de empregos. Já existem algumas indústrias, como a Granol que fabrica óleo de soja. Porém, aqui na região não tem soja, porque a soja precisa de grandes áreas para ser cultivada. Se não existe matéria prima, inviabiliza. (José Alvarenga, 2004).

O ex-prefeito Valter Luis Martins (2004), que governou a cidade de Osvaldo Cruz em duas gestões seguidas, acredita na força do apoio às micro e pequenas empresas e no desenvolvimento humano a fim de incentivar o empreendedorismo:

Em busca da Vocação Econômica

Desde que a cafeicultura deixou de ser a base da economia de sustentação, a região não possui uma vocação econômica definida. Parece não haver consenso entre as autoridades e formadores de opinião sobre esse tema, levando-se em con-

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Já está havendo uma transformação na região. O SEBRAE9 tem atuado fortemente e já tem apresentado resultados na capacitação de empreendedores que queiram montar suas micro e pequenas empresas. A soja já começa a ser plantada e a cana-de-açúcar já está demandando a implantação de mais duas destilarias, apesar de já se ter bastante usinas na região (...) Devemos continuar essa política de apoiar as micro e pequenas empresas (...) Não dá para acreditar que você vai trazer indústrias grandes, de 500 funcionários. Continuar in9 10

vestindo na capacitação e treinamento das pessoas, escolas profissionalizantes, tentar uma FATEC10 para reter as pessoas da região. O micro empresário representa a grande oportunidade de emprego. Apoiar a agricultura porque ainda é importante para região. Devemos investir nas pessoas. (Valter Luis Martins, 2004).

O prefeito Wilson Pigossi (2004), recém empossado em Osvaldo Cruz acredita mais no agronegócio como vocação para a região: O desenvolvimento da região é muito importante, principalmente porque a nossa região é conhecida como o corredor da fome. É difícil, pois antigamente a economia era baseada na cafeicultura e hoje é a monocultura de cana-de-açúcar. Como o Brasil vai exportar açúcar para China, vejo isso com bons olhos, mas não gostaria que fosse só cana-de-açúcar. Acho que Osvaldo Cruz deve desenvolver outras culturas (...) Temos de pensar no agronegócio como um todo. Porque tem os empregos diretos e indiretos. Para alguma coisa nossa terra é boa. Nosso agricultor tem que ser capacitado, e a prefeitura tem que propiciar isso para ele. Por ser uma região de terras boas, temos condição de ter agronegócio, porque o pequeno agricultor rural está morrendo. A nossa região produz café e cana-de-açúcar. O gado já não é um bom negócio. O agricultor está querendo apenas viver porque os filhos se formam e não fi-

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas. Faculdade de Tecnologia.

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cam mais na agricultura. O pai se obriga a arrendar a terra para a canade-açúcar. (Wilson Pigossi, 2004).

O empresário Miguel Cunha (2004) tem uma visão de médio e longo prazos baseada na crença de que Osvaldo Cruz possa se transformar na capital de produtos de dança do Brasil. Já existe uma grande empresa nessa atividade se desenvolvendo na cidade e a estratégia seria atrair outras empresas do setor a fim de se formar um Arranjo Produtivo Local (APL) através de parcerias que permitissem dar uma visibilidade internacional ao setor. Duas outras possibilidades de geração de emprego e renda na região são descartadas, pelo empresário, pelas características regionais. A primeira seria Osvaldo Cruz se tornar um centro produtor de matéria prima, mas, a região não possui nenhum recurso natural que pudesse consolidar essa atividade. A segunda seria Osvaldo Cruz e região se transformarem em um centro consumidor de produto final, que também não é adequada em função de não existirem grandes cidades, que seriam os centros consumidores de produto final. Sua visão está focalizada no caminho estratégico de a cidade se valer do forte sentimento de regionalidade dos filhos da terra, para atrair investimentos de médio e longo prazos: A única forma de trazer uma grande empresa já instalada para a sua cidade, é por vínculo familiar. O amor à terra é muito forte na vida das pessoas. Buscar pessoas que nasceram em Osvaldo Cruz ou que tem familiares em Osvaldo Cruz e estão instaladas em outras cidades e fazer um convite para que eles voltem às origens. O interior hoje tem muito mais benefícios do que São Paulo, que se tornou uma cidade de serviços. Aqui não tem problemas de greve, de enchentes, não tem o problema de transporte, que em São Paulo, tem. Não vejo outra possibilidade, já que você não é produtor de matéria específica nenhuma e nem um centro consumidor de produto final. (Miguel Cunha, 2004).

Os depoimentos obtidos sugerem que, embora ainda não exista um consenso sobre o futuro sustentável

da região, ou seja, ainda não se definiu qual é o negócio que será o foco do projeto de desenvolvimento econômico sustentável, existe uma movimentação prática no sentido de se buscar esse consenso entre as autoridades, empresários e formadores de opinião.

Consórcios e Parcerias Regionais

Uma outra questão levantada nas entrevistas foi a possibilidade de se criar consórcios e parcerias entre os governos locais a fim de se promover projetos integrados. Já existe uma entidade formada na região: a Associação dos Municípios da Nova Alta Paulista (AMINAP), que congrega 30 dos 31 municípios da região. O prefeito de Dracena é o líder da associação, eleito entre os 30 representantes dos municípios associados. O depoimento de Walter Góes (2004), ex-viceprefeito, representante de Osvaldo Cruz na AMINAP exemplifica alguns dos projetos que estão sendo conduzidos em parceria regional: Existem alguns projetos sendo discutidos, como por exemplo, a construção de uma ponte que ligará o estado de São Paulo ao estado de Mato Grosso, que já possui o leito carroçável construído, faltando apenas alguns detalhes para a sua conclusão. Como já ocorreu uma dotação orçamentária da bancada paulista na Assembléia Legislativa, para o término da ponte, então existe o interesse por parte do governo do estado, exatamente pela pressão dos municípios da Nova Alta Paulista para concluir a ponte. Na nossa rodovia passam 8 mil carros por dia. Com a ponte já funcionando, provavelmente esse número quase deverá triplicar. Nós teremos aí em torno de 23 mil carros por dia. Evidentemente acaba sendo um incentivo para a região. Incentivo de movimento, incentivo para investimento, incentivo ao corredor de tráfego que passa a ser importante para a região, porque os empresários acabam vendo a região como um local interessante para investir. (Walter Goes, 2004).

Um caso observado na região de Osvaldo Cruz é o consórcio para manutenção das estradas intermunicipais. Segundo o ex-prefeito de Os-

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Um conjunto dessas maquinas custam mais de R$1,5 milhão. Qual município tem condição de investir esse dinheiro?



valdo Cruz, Valter Luis Martins (2004), a implantação de patrulhas agrícolas através de consórcio intermunicipal tem como objetivo fiscalizar e melhorar as estradas municipais. O governo do estado financia por seis anos um conjunto de máquinas – patrol, pá carregadeira, esteira e retroescavadeira e esse dinheiro já é descontado da verba que o governo estadual repassa aos municípios. Os municípios se associam através de um consórcio e adquirem essas máquinas para poder trabalhar. “Um conjunto dessas maquinas custam mais de R$1,5 milhão. Qual município tem condição de investir esse dinheiro? O nosso consórcio já adquiriu um segundo conjunto de máquinas. Isso começou em 2001”. A importância da construção de um hospital regional para o atendimento de altas complexidades médicas é um dos temas a ser conduzido através de parceria entre as cidades da região. Os médicos e pacientes da região deslocam-se até Marília (300 km de Dracena) para intervenções médicas mais complexas. Embora exista um consenso sobre a necessidade de um hospital regional dessa natureza, não existe acordo sobre qual seria a cidade da região escolhida para se construir o hospital. Nesse momento percebe-se a dificuldade em se promover alianças entre os governos locais a fim de se obter vantagens coletivas: Nós pertencemos a uma região que nós definimos que é a região da Nova Alta Paulista. Nós queríamos uma individualização desta região tornando-a, inclusive, região administrativa, mas por uma falta de consenso político, por interesses de Dracena, Adamantina, Osvaldo Cruz e Tupã que gostariam de ser

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a sede dessa região administrativa, acabou não acontecendo, aqui, a formação de uma região administrativa. E isso é fundamental para a ajudar o desenvolvimento dessa região. Por que aí você teria definições e decisões políticas, representantes políticos da região administrativa. (Walter Góes, 2004).

um espaço político regional, é essencial que os governos locais se organizem nas reivindicações regionais. A associação dos municípios em consórcios foi uma das respostas que surgiram para discutir questões relacionadas aos espaços intermunicipais. (ROLNIK, 2004).

Percebe-se aqui algo semelhante ao paradoxo constatado na gestão de áreas metropolitanas, que envolvem negociações entre os atores, mesmo em experiências internacionais como Estados Unidos, Europa ou Caribe e América Latina. Um dos pontos centrais da questão metropolitana reside em como superar a cultura de jogo de soma zero, ou seja, superar a percepção coletiva de um conjunto de atores públicos e privados de que o ganho de um representa necessariamente um prejuízo para o outro. De acordo com Rolnik (2004), é necessário alertar para os efeitos perversos da competição entre cidades, gerada por um individualismo local que pode se tornar excessivo e destrutivo entre localidades e regiões. A construção de redes cooperativas e solidárias entre municípios, buscando a solução de problemas comuns, pode fortalecer a identidade supralocal e reforçar a nacionalidade. A associação de municípios em consórcios foi uma das respostas que emergiram recentemente para enfrentar os limites da ação puramente municipal. É importante que ocorra um amadurecimento das relações entre os agentes nos temas de cooperação, ação coletiva e mobilização produtiva de atores públicos e privados para que os projetos estratégicos se viabilizem, pois os espaços econômicos existentes no país são marcadamente regionais e não municipais. A territorialidade da agroindústria da cana de açúcar e da laranja, por exemplo, extrapolam as fronteiras municipais. As redes de infra-estrutura, que se encontram hoje sob as esferas federal e estadual, transcendem os limites dos municípios e dificilmente uma cidade isolada tem força política para determinar a estratégia de investimento na região. Diante da ausência de

Políticas Sociais Sustentáveis

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O primeiro depoimento sobre o significado de políticas sociais que atuam como alicerces para programas estratégicos de desenvolvimento sustentável para a região mostrou um compromisso da cidade de Osvaldo Cruz com projetos mais abrangentes de formação educacional e cultural dos jovens que vão além dos projetos assistencialistas. O projeto Guri, concebido e implantado pela vereadora Izaltina Otaviani, ilustra o comprometimento da população com as políticas sociais sustentáveis: Inclusão social para mim é aula de música, informática, teatro, cultura. O Projeto Guri, por exemplo. Eu trouxe professores de violino, violoncelo, bateria de outras cidades para ensinar os meninos. O projeto está funcionando há seis anos. Em 1996 eu não pude ir a uma reunião de Secretários da Cultura em São Paulo, mas passei o dia inteiro em frente à TV anotando tudo o que eu achava importante sobre o projeto. Passei o ano de 1997 inteirinho lutando com o Valtinho11 até que eu consegui. (Izaltina Otaviani, 2004).

O Projeto Guri iniciou suas atividades em março de 1998 e após três meses, em junho do mesmo ano, fizeram a primeira apresentação, na comemoração do aniversário da cidade. Possui atualmente duas orquestras sinfônicas que utilizam o prédio do antigo almoxarifado da prefeitura para suas atividades. Os componentes das orquestras são jovens carentes de 7 a 18 anos, que saem do projeto exercendo a atividade de professores de música em conservatórios musicais de outras cidades do interior paulista. Os instrumentos foram doados pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo.

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A mudança de comportamento dos jovens é notável. Existem es-

tudos psicológicos que afirmam que a criança que pega num instrumento musical jamais pega numa arma. Além da inclusão social, abrimos as portas para o menor exercer uma profissão, como músico ou professor. Alguns alunos que já saíram, estão fazendo curso de música em Tatuí, que é o centro da música. (Izaltina Otaviani, 2004).

O depoimento da Diretora da Ação Social de Osvaldo Cruz, Vera Furini (2004), comprova o acesso, relativamente fácil, aos recursos financeiros provenientes dos programas de âmbito estadual ou federal, a fim de que os municípios cumpram sua parte nas políticas públicas. Particularmente, em Osvaldo Cruz, vêm se discutindo as políticas e programas de inclusão social, depois da implantação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que virou política pública e está em pé de igualdade com a educação e a saúde (...) A lei tem uma série de critérios, onde define o dever do estado e o direito do cidadão. Após dez anos da implantação da LOAS, já conseguimos pelo menos isso. Não se trabalha mais com clientelismo. (Vera Furini, 2004).

Contudo, percebem-se dificuldades no atendimento das demandas sociais da população carente, em função das verbas insuficientes dos repasses governamentais e da incapacidade do município em gerar recursos financeiros para essa finalidade, pois, segundo Vera, Osvaldo Cruz não tem como gerir sua própria política social. Qualquer município do porte de Osvaldo Cruz, abaixo de 50 mil habitantes, não tem condições de gerir a sua própria política. Atualmente atendemos 213 famílias no programa de Renda Cidadã, inclusive famílias de detentos, que são famílias de extrema de pobreza. (...) Nós temos excelentes projetos, excelentes entidades não-governamentais, mas não temos condições para um atendimento generalizado. Por exemplo, você atende 115 crianças, mas você tem 500 que 11

Referência ao prefeito Valter Luis Martins.

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A principal preocupação do projeto Ação Social de Osvaldo Cruz é a falta empregos formais para que os programas sociais desenvolvidos se tornem efetivos nos médio e longo prazos...



precisam de atendimento. Por isso, a gente tem eficácia e eficiência, mas não tem a efetividade das ações. (Vera Furini, 2004).

A principal preocupação do projeto Ação Social de Osvaldo Cruz é a falta empregos formais para que os programas sociais desenvolvidos se tornem efetivos nos médio e longo prazos. Para que o adolescente possa participar do programa Agente Jovem é obrigatória sua permanência na escola a fim de que possa receber os R$ 65,00 mensais. Através desse trabalho, começamos a perceber que tínhamos melhores condições de inserir o jovem na sua comunidade: ele está melhor preparado para resolver os problemas da sua comunidade e inserido no mercado de trabalho, onde o resultado seria efetivo se houvessem possibilidades de empregos (...) Não tem projetos com empresas. Existem parcerias, mas projetos com empresas ainda é um sonho. Ter um projeto que não envolva governo municipal, estadual ou federal. Aquela empresa assumir um determinado projeto de geração de empregos seria perfeito. (Vera Furini, 2004).

Conclusão

Pelo exame dos dados e dos depoimentos apresentados, é possível afirmar com alguma segurança que, por mais que os governos locais se tornem empreendedores, não haverá desenvolvimento sustentável para as pequenas cidades sem se implan-

tar estruturas econômicas significativas de âmbito regional que possam catalisar os esforços individuais e transformar a região em algo visível nacional ou internacionalmente. Pode ser constatado, de fato, que a atividade política das pequenas cidades foi intensificada e os governos são muito mais cobrados em seus atos, se comparados ao passado recente. Qualquer ação política isolada, que não possua o respaldo popular, é contestada de forma ágil através de mobilizações e participações populares e a resposta efetiva ocorre no momento das eleições. Também é notável o movimento de parcerias em torno dos prefeitos das pequenas cidades da região. Entretanto, trata-se de parcerias em ações do dia-a-dia, que não podem ter a pretensão de alavancar o desenvolvimento sustentável, uma vez que os projetos resumem-se a terceirizações de serviços públicos ou algum projeto de mobilização da sociedade para melhorias urbanas eventuais. Contudo, não se pode minimizar o valor potencial dessa geração de emprego e renda miúda, pois a tendência é que quanto mais organizadas forem essas parcerias, melhores os resultados para a região, para o estado e conseqüentemente para o país. Existe uma engenhosidade nas pequenas soluções que se somadas acabam significando um todo maior que a soma das partes. Contudo, mesmo se considerando os avanços políticos nas localidades com o desenvolvimento da democracia participativa e que poderão resultar em desenvolvimento humano das localidades mais pobres e desprotegidas, a ausência de estratégias de médio e longo prazos, que criem mecanismos para a geração de emprego e renda a fim de diminuir a dependência dos municípios dos repasses governamentais poderá acarretar grandes impasses ainda imprevisíveis. Porter (1999) ressalta que questões relacionadas com o meio ambiente, com a pobreza urbana e com as desigualdades de renda, em geral são encaradas como problemas sociais, mas, no entanto, cada uma delas está vinculada de forma indeslindável com a economia e com a ge-

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ração de riquezas. “A prosperidade decorre da habilidade de aumentar continuamente a produtividade”.

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Entrevistas Realizadas: Izaltina Otaviani. Ex-vereadora e Diretora de Planejamento de Gestão Municipal da Prefeitura Municipal de Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em dezembro / 2004.

José Alvarenga. Ex-secretário municipal. Proprietário do Nosso Jornal. Entrevista concedida em dezembro / 2004. Miguel Cunha. Empresário em Osvaldo Cruz. Prefeitura Municipal de Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em dezembro / 2004. Valter Luis Martins. Prefeito em exercício da cidade de Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em dezembro / 2004. Vera Furini. Diretora da Ação Social da Prefeitura Municipal de Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em dezembro / 2004. Walter Goes. Médico e vice-prefeito em exercício da cidade de Osvaldo Cruz. Prefeitura Municipal de Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em dezembro / 2004. Wilson Pigossi. Prefeito eleito em Osvaldo Cruz. Prefeitura Municipal de Osvaldo Cruz. Entrevista concedida em dezembro / 2004.

CEDRE – CENTRO DE ESTUDOS DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL O CEDRE realiza estudos e pesquisas, elabora projetos e presta consultoria nas áreas de: ·

ECONOMIA REGIONAL E URBANA – Análises regionais para programas de desenvolvimento – Avaliações e acompanhamento de programas de fomento – Estudos de viabilidade econômica – Estudos setoriais de oportunidades de investimento – Estudos de localização industrial – Projetos de implantação e ampliação de empresas – Diagnósticos municipais – Planejamento espacial e econômico nos planos macro e microeconômicos – Planos diretores de desenvolvimento urbano – análises urbanas).

·

TURISMO E MEIO AMBIENTE – Planejamento turístico macro e microeconômico – Estudos de viabilidade econômica de empreendimentos turísticos – Projetos turísticos – Estudos de impactos ambientais (Rima).

Sendo uma instituição universitária o CEDRE não tem finalidades lucrativas e opera em termos bastante acessíveis para as prefeituras municipais e as pequenas e médias empresas.

Tel.: (71) 3273-8528

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ESPAÇO URBANO E CRIMINALIDADE: UMA BREVE VISÃO DO PROBLEMA Carlos Alberto Costa Gomes1 Resumo

O espaço urbano foi fragmentado em inúmeros territórios com características próprias e excludentes da cidadania, favorecendo a instalação da criminalidade e o enfraquecimento da sociedade. A impossibilidade de circulação inviabiliza parte das ações de policiamento e proporciona condições de confronto com os órgãos de segurança pública. O Município e a Justiça não dinamizam ações que poderiam contribuir na redução da criminalidade. O tema é confundido com situações de ordem econômica que tornam difuso o foco sobre o problema.

a criminalidade. A cidade, que na origem da humanidade teve a finalidade de proteger, agora se transformou em um lugar inseguro, perigoso, repartido e fragmentado. Isto se apresenta até mesmo em trechos de entrevistas com vítimas da violência de diferentes classes sociais e locais da cidade de Salvador, que poderiam ser recolhidos em qualquer região metropolitana do Brasil: “É muita consumição, vou mudar lá para uma lage na casa de mãinha em Paripe, não tem jeito não, eu e meu marido construímos a casa com muito sacrifício, mas todo mundo já disse pr´á sair, por causa das crianças... eles já mataram o cachorro e ficam jogando pedra no telhado. Não dormimos mais, chego a ficar com tonteira. É o fumo, eles ficam lá fumando e acharam de querer minha casa, eles querem que a gente saia, tem de sair.” (ex-moradora da Vila Verde).

Palavras chave: Desenvolvimento Urbano; Segurança Pública; Violência; Criminalidade; Polícia Comunitária e Social;

Abstract

The urban space was fragmented in innumerable territories with peculiar characteristics and citizenships exclusions, encouraging the installation of criminality and the debilitation of the society. The impossibility of the police circulation turns unviable parcel of the policing operations and offers conditions of confront with the security publican’s organs. The Town and the Justice do not adopt dynamic actions that could contribute to the reducing of criminality. The subject is confounded with situations of economical order that turns diffuse the focus about the problem.

“Eu morava em casa, era linda, nos construímos na Federação em um big terreno com todo o carinho, para ser a casa da família, tinha três pisos, um projeto muito bem feito, muito espaço. Fomos furtados duas vezes e na terceira vez foi roubo mesmo, de arma na mão, apontaram na cabeça de meu filho mais novo, levaram tudo. Ai desistimos de nosso sonho e vim morar aqui, neste apartamento. Quando estou em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e o pessoal comenta que me inveja por morar em Salvador eu vejo que não existe paz em lugar nenhum” (morador do bairro da Graça pertencente à classe média alta.)

Key Words: Urban Development; Public Security; Violence; Criminality; Communitarian and Social Policy;

Introdução

Pensar o espaço urbano nos dias atuais gera imediata reflexão sobre

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“Lá em Vilas (do Atlântico) já avisam quando chega droga que nem no Rio (Rio de Janeiro), sol1

tam foguetes, foi engraçado: meu pai perguntou se o Bahia estava jogando” (aluna de uma Instituição de ensino superior de classe média alta.)

Iniciamos explicitando o entendimento de espaço urbano utilizado neste trabalho como sendo espaço físico ocupado pela cidade, que por sua vez entendemos como um complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional dedicada a atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural. Cidade é a expressão palpável da necessidade humana de contato, comunicação, organização e troca ,.... numa determinada circunstância físico-social e num contexto histórico (LÚCIO COSTA, 1995). A característica relevante da cidade para este estudo é o espaço antropizado, onde foi criada uma estrutura física e social dinâmica, em constante mutação, geradora de inúmeras formas de produção e reprodução de segregações, de forma intencional ou não (LEFEBVRE, 2000). A cidade ocidental tem sua origem na Antiguidade, com seus alicerces cravados na família que possuía seu culto e seu altar familiar – Lar – em torno do qual se construía a casa. Este altar posteriormente passou a designar a própria casa (lar com o significado que hoje conhecemos); cidade do cidadão sacerdote, dos deuses particulares, da plebe composta por aqueles que não pertenciam às famílias fundadoras, sem religião e sem direitos; cidades for-

Professor do Mestrado em Análise Regional do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Segurança Pública, Violência e Cidade” registrado junto ao CNPq. Doutor em Planejamento, Estudos e Aplicações Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército Brasileiro.

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talezas que sempre em mutação terminaram por frutificar na estruturação da sociedade ocidental (COULANGES – 1864). Este dinamismo próprio da cidade em suas formas de segregação através dos tempos criou verdadeiros territórios – muito mais que espaços delimitados encerram características culturais, sociais e econômicas próprias (SILVA-2000) – os quais em conjunto compõem a cidade atual, cujo espaço é objeto deste trabalho. Quanto à outra componente do tema deste estudo – a criminalidade – será explorada como o conjunto de crimes ou o “grau” existente de crimes, entendidos como violação culpável da lei penal ou, mais genericamente, qualquer ato que suscita a reação organizada da sociedade, caracterizado pela vontade, pelo dolo. É o resultado da intenção de alguém em cometer a violação, seja contra o patrimônio seja contra a vida de outros. Não faz parte do objeto o exame detalhado através das variadas classificações existentes mas a sua principal resultante: a insegurança. A criminalidade é um fenômeno social, já identificado assim no final do século XIX (DURKHEIN 1897), como um fato próprio da existência humana, portanto fato social. O fato social é distinto do livre arbítrio e conseqüência das forças coercitivas da coletividade. É uma coisa mensurável e difere da vontade humana individual, a qual encontra as estruturas sociais prontas, não é decisão do homem incorporar ou participar destas formas de convívio, elas existem independente da vontade de cada um e obrigatoriamente somos integrado a elas. (GIDDENS, 1976) A ex-moradora de Vila Verde e o ex-morador da Federação que nos emprestaram suas falas na abertura deste trabalho traduzem o entendimento de que existe uma situação diferente, uma nova força que envolve a todos indistintamente e é acompanhada com ceticismo e fatalismo: a realidade da violência2, principalmente da violência criminosa3 que é o nosso foco – ela está em todo lugar e atinge a todos, indistintamente. A limitação espacial do estudo é gené-

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rica e recai sobre as cidades, utilizando-se a aproximação sobre o espaço urbano de Salvador, apenas como um exemplo de campo do que poderia ser observado, com facilidade, em todas as grandes cidades brasileiras. Portanto, falar em espaço urbano significa falar de inúmeros territórios justapostos, que até se interpenetram, mas na maioria das vezes não são integrados e que também são diferentes da estruturação oficial – administrativa – imposta. A maioria das grandes cidades brasileiras possui territórios dispostos desta forma, como o Rio de Janeiro com a Zona Sul e suas favelas; São Paulo com seus condomínios e vilas; Belo Horizonte com seus bairros e favelas. Salvador é dividida em 17 Regiões Administrativas – RA: territórios como Ondina e Calabar ou Barra e Calabar; Pituba e Nordeste de Amaralina que possuem características totalmente diferentes embora sejam vizinhos. Diminuindo a escala veremos que existem diferenças maiores entre as partes da própria organização administrativa oficial. Focando-se Salvador (empregada como exemplo) encontramos RA(s) extremamente distintas; como Subúrbio Ferroviário e Brotas. E ao nos afastarmos mais do mapa da cidade, diminuindo ainda mais a escala, vemos que os limites (da cidade) são apenas legais, mas não reais para aqueles que vivem em um dos seus vários territórios; teremos ai às diferenças entre os municípios que formam a cidade, agora tecnicamente denominada Região Metropolitana, também, na pratica, apenas justapostos. A criminalidade é multiforme, é crescente e paulatinamente encontra novas formas de infiltrar na estrutura social através das muitas oportunidades existentes no espaço urbano, fracionado entre espaços ocupados de forma irregular – invasões –

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e os espaços murados – os condomínios, formas que caracterizam territórios separados e ao mesmo tempo pertencentes ao mesmo espaço urbano. Viver em condomínios, murados e vigiados, não garante a segurança e em alguns casos cria as condições similares às da favela para a existência do crime: o território excluído da cidade – um pela pobreza o outro pela riqueza. Um favorece o crime pela fragilidade da cidadania, o outro pela soberba (intencional ou não) do poder econômico que permite viver à parte da cidade, fragilizando o poder da sociedade ao abster-se de participar. A proposta é estudar as dificuldades da preservação do direito fundamental do cidadão e único dever inalienável do Estado – a Segurança4 Pública.O assunto é vasto – sociedade, economia, sociologia, educação, técnicas, estruturas, políticas públicas etc. O tema – espaço urbano e criminalidade – é multi e interdisciplinar, caracterizado pela realidade e não pela abstração, classificandose de acordo com Pardinas (1977) como um problema de ação para o qual recolhemos informações e as organizamos a favor da solução. O que se propõe neste artigo, a partir de fontes secundárias, é realizar uma aproximação inovadora sobre as correlações existentes entre o espaço urbano, concebendo – o de forma genérica (como é percebido independente da cidade), porém utilizando como referência a cidade de Salvador e, ao mesmo tempo, a criminalidade como um fenômeno com características supra – regionais ou semelhantes em todas as regiões metropolitanas, como de fato o é sob o ângulo dos índices5. O método de abordagem, aproximação e pesquisa recaem sobre o Estudo de Caso – Espaço Urbano e Criminalidade – o que enseja que as categorias de análise serão necessariamente a estrutura do trabalho.

2

Constrangimento físico ou moral; uso da força; coação.

3

Uso da violência para perpetrar um crime

4

O conceito de segurança será apresentado posteriormente.

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O principal índice de mensuração da criminalidade é o número de homicídios por grupo de cem mil habitantes. Segundo este índice as cidades da América Latina e em especial as brasileiras possuem um “índice” bastante elevado.

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Foco

O fenômeno da criminalidade é global, embora ocorra com diferentes magnitudes, formas e com causas primárias aparentemente diferentes. Em particular, as cidades da América Latina 6 passam por uma fase de acentuado crescimento de diversas formas de crimes, destacando-se os diretamente vinculados a pessoas: latrocínio – tentativas de homicídios – homicídios – agressões – lesões corporais com uso de armas de fogo e de armas brancas – tráfico de drogas – prostituição – seqüestro, dentre outros. (WEYLAND 2003) Coincidentemente as regiões que possuem maiores taxas de crescimento da criminalidade são as que apresentam as menores taxas de desenvolvimento econômico (BID, 1999), o que tem levado alguns autores a uma simplificação ilógica: se existisse trabalho não haveria motivo para o crime sendo, portanto, justificável que nas condições atuais as taxas de criminalidade sejam crescentes. Esta posição é incoerente, pois implicitamente afirma, que o homem é amoral, ou que o necessitado é propenso a cometer crime para obter aquilo que precisa. Estudiosos que abordam o tema com isenção (ZALUAR, 1985, 1994; COELHO, 1988, PAIXÂO, 1988), consideram que nada é mais falso que esta hipótese. A constatação do número de habitantes de tantas áreas pobres e que sobrevivem abaixo da linha da pobreza sem cometer crimes, apesar de expostos às mesmas oportunidades daqueles que o cometem, mesmo que o objeto da precisão seja relevante (como a alimentação), é fato real que nega esta linha de raciocínio. Outra conseqüência desta hipótese preconceituosa é dissipar a vontade de discutir o problema real e encontrar soluções. Seria simplificar a questão buscar nesta correlação a justificativa para o problema, embora ela exista, como comprovam os gráficos apresentados a seguir, relativos à cidade de Salvador. Como toda correlação, é necessário verificar a sua causalidade, verificar a existência do nexo causal que aponte o sentido verdadeiro do seu significado (STEVENSON, 1986). Os gráficos (figuras 1 e

Figura 1– Distribuição espacial da renda Municipal, segundo Regiões Administrativas – Salvador – CRUZ (2000)

Figura 2 – Distribuição espacial de homicídios, segundo RA (2003).

2) demonstram que existe forte correlação entre renda – baixa renda – e homicídio, mas a evidenciada na RA XV – Valéria indica que outros fatores têm importância na questão abordada, porquanto a RA mais pobre de Salvador é a segunda quanto

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(1991) – Salvador – Silva

ao indicador de violência (homicídio), com números quase idênticos aos da RA VIII – Pituba, a mais rica e a de menor número de homicídios da capital baiana. Nas demais RA’s a correlação se impõe: menor renda, mais homicídios.

O principal índice de mensuração da criminalidade é o número de homicídios por grupo de cem mil habitantes. Segundo este índice as cidades da América latina e em especial as brasileiras possuem um “índice” bastante elevado, igualando-as.

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Mudanças

Partindo do geral para o particular, vemos que a taxa atual de mortes por grupos de 100 000 habitantes, forma internacional de aferição da criminalidade, está acima do tolerável no país, (e mais ainda em Salvador), através de uma simples comparação com as de outros países (tabela 1). O risco de morrer por causa externa entre os jovens, particularmente entre 10 e 29 anos, está próximo de 50% para o Brasil como um todo, e nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro o número relativo de óbitos nesta faixa etária já é superior a este percentual (CERQUEIRA e LOBÃO 2004). Observese no a seguir a soma dos óbitos por causas externas (não doenças) na faixa etária dos 10 até 29 anos, Já no ano de 1991, desconsiderando-se o erro de causa mortis decorrentes de longo prazo de internação7; o somatório dessas causas atinge 35 752, enquanto o restante, englobando todas as demais faixas etárias, atinge uma soma muito próxima da ordem de 40 987 em um ano ( 92% do total de óbitos). Nas últimas décadas, as regiões metropolitanas brasileiras mais importantes, apresentaram uma elevada taxa de crescimento das áreas ocupadas por moradias subnormais (ou subumanas) em relação ao restante da cidade. Como exemplo, enquanto a população de Salvador cresceu 22%, no período 1980/2000, nas áreas nobres foi observado um aumento populacional inferior a 5% da população. (SEPLAN-2000). Nas cidades médias brasileiras houve crescimento da renda per capita em torno de 3%, enquanto nas periferias das grandes cidades, o movimento foi inverso, a renda caiu em 3% em 2001, decorrente de condições que não se alteraram e desde então, ao contrário, pioraram: nível de emprego, renda, inflação, baixo crescimento econômico etc. (VEJA, 2001, p. 86). Isto indica que as periferias estão ficando cada vez mais populosas e mais pobres. E, além disso, a cidade periferiza-se, com o centro rodeado por áreas subnormais, invadidas. O centro e a perife-

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Tabela 1 – taxa de criminalidade (homicídios por 100.000 hab.) – países selecionados. Países industrializados – 5/100 000; EUA (o mais violento do G-7) – 9/100 000; Brasil (geral) – 25/100 000 Salvador – 43/100 000 Fonte- CEDEPLAR -2001

Figura 3 – Óbitos pelas 4 principais causas de morte masculina e grupos de idade – 1991 Fonte: IBGE –IPEA :Como vai? População Brasileira ano I – vol. 4/ 1996

ria lado a lado, às vezes separados por apenas um muro. Outra característica da região metropolitana, aplicável a outras cidades do país, é a migração da classe média em direção à orla oceânica ou condomínios de luxo, o que promove em seguida a atração da população mais pobre para as proximidades. No caso de Salvador um exemplo é o surgimento do bairro da Paz (antiga Malvinas entre a Av. Paralela e a Av. Otávio Mangabeira)) – na busca de empregos domésticos ou subempregos. Territórios justapostos modificando a distribuição espacial de população e renda dentro da cidade. O mapa permite uma visão do movimento populacional e de seu adensamento: o “miolo” de Salvador adquire elevada densidade e a antiga região da Barra revela decréscimo populacional, evidenciando-se

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ainda o deslocamento da população para o litoral norte da Cidade. A Prefeitura de Salvador admite que cerca de 40% do território é ocupado por construções executadas de forma irregular, e que nestes 40 % habitam aproximadamente 70 % da população, sendo crível concluir que os maiores adensamentos não ocorreram de forma legal, nem obedeceram às posturas municipais que regulam as construções urbanas, principalmente as que determinam a existência de arruamento. Esta forma de crescimento da cidade é comum às cidades brasileiras, como se depreende da transcrição das palavras do Ministro das Cidades, Sr Olívio Dutra, quando da abertura do Fórum Social Mundial-2005: As cidades, sem exceção, enfrentam graves problemas como o crescimento desordenado, a falta de infra-estrutura urbana e a crescente onda de violência.

7 Pessoas vítimas de violência e que posteriormente vêm a morrer por falência múltipla dos órgãos.

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A alegação de que o Município não pode regular a ocupação de terrenos invadidos é contrária ao espírito da lei do uso e ocupação do solo urbano, cujo foco é a ordenação e não a posse do solo. Mesmo em casos sob julgamento na justiça não se pode alegar que o Município não teria e não tem poder para regular a existência de arruamentos provisórios com a devida numeração e denominação de logradouros, inclusive com cadastramento e cobrança de taxas municipais de coleta de lixo e instalação de água e esgotos e iluminação pública. Estas ações não representam o reconhecimento da posse, mas sim a ordenação do uso do solo, podendo, inclusive, constar da documentação o termo provisório ou sub-júdice. Para efeito de comparação, podese verificar através de um gráfico radial (figura 5) a imagem da transformação que a cidade do Salvador vem sofrendo (mais uma vez enfatizando que é representativa das demais cidades e não objeto em si.), demonstrando uma clara modificação do adensamento populacional, em um movimento assimétrico entre as Regiões Administrativas, com fortíssimo direcionamento para as RA’s X – Itapuã, XVI – Subúrbio Ferroviário, XIV – Cajazeiras e XIII – Pau da Lima, e esvaziamento do núcleo Centro-Barra (RA’s I e VI), em paralelo ao adensamento em todas as demais regiões da cidade. Esta assimetria do crescimento urbano é confirmada pela análise dos dados de natalidade para o Rio de Janeiro, elaborada pelo economista Marcelo Nery, do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, válidos por similitude das condições sócio-econômicas para a maioria das cidades do país, sendo provavelmente um fenômeno nacional: A taxa média de filhos por menina de 15 a 19 anos das Favelas da Rocinha, da Maré, do Complexo do Alemão, do Jacarezinho e da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, é de 0,266. Já a dos bairros da Lagoa, Ipanema, Botafogo, Copacabana e Tijuca é de 0,054. O resultado mostra que, quanto mais pobre maior é o número de filhos das

Figura 4 - Mapa do adensamento populacional de Salvador Fonte: Prefeitura Municipal do Salvador 2004

Figura 5 – Gráfico do crescimento vetorial por RA’s 2000. Fonte: Prefeitura Municipal de Salvador -2004

mulheres. Isso acontece em todas as faixas de idade, mas foi mais forte entre as adolescentes.

O economista cruzou dados do Censo 2000 com os números de recém-nascidos nas regiões administrativas da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Fato social

Neste estudo o fato social é a violência advinda do crime ou a própria ação criminosa, que constrange o cidadão em sua lide diária de forma independente de sua vontade

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e de modo inexorável apesar das medidas tomadas. O que pode ser bem exemplificado pela fala abaixo, emprestada por um comerciante: “A minha loja foi roubada sete vezes nos últimos dois anos e em todas registrei queixa na delegacia, nunca veio ninguém pr’á saber de nada, até as grades do terreno levaram e ninguém sabe nada” (proprietário de uma loja localizada a 200m de uma Unidade da PMBA e que após a entrevista concedida ao jornal foi vítima de outro “roubo” -usado aqui como significado de furto e roubo).

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Como fato social, as características da criminalidade já foram constatadas em seminários e estudos de organizações reconhecidas, como o CEDEPLAR da UFMG e o Núcleo de estudos estratégicos da USP 8. As características da violência criminosa assim se apresentam: a) quanto a meio utilizado: a maior parte dos homicídios é cometida com armas de fogo; b) gênero: o homicídio é um fenômeno especialmente masculino; c) faixa etária: se comparado com acidentes e outros tipos de morte por causas externas, as taxas de homicídio crescem significativamente a partir dos 15 anos e diminuem depois dos 30 anos; d) hábitat: o homicídio é um fenômeno tipicamente urbano, ou seja, municípios com maior índice de urbanização tendem a apresentar maiores taxas de homicídio; e) renda: o problema afeta, fundamentalmente, a população de baixa renda, ao contrário de outros tipos de violência, como a ocorrência de roubos e furtos, cuja probabilidade é maior em áreas de melhor nível socioeconômico. não há efeito agregado significativo na comparação do impacto do desemprego em geral sobre a violência; a maioria dos homicídios está relacionada ao crime organizado, mas há uma boa parcela vinculada a fatores como vingança e bebida; f) localização: a violência urbana é concentrada espacial e socialmente, mas a favela, por si só, não é fator determinante da violência ou do homicídio; as favelas mais violentas são aquelas em que o Poder Público mostra-se mais ausente, em que a infra-estrutura urbana, equipamentos ou serviços públicos praticamente não existem ou são de má qualidade, a condição de habitabilidade das moradias é muito ruim, o desenho urbano é desorganizado, sem distinção nítida en-

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tre espaços públicos e privados e sem marcos referenciais claros, de tal forma que fica prejudicada a orientação das pessoas no local; g) o grau de escolaridade dos moradores é menor e a taxa de analfabetismo maior; a taxa de ocupação no mercado informal é alta; h) ao contrário dos homicídios, os crimes contra o patrimônio concentram-se nas regiões mais ricas ou no centro da cidade, com forte concentração temporal dos delitos, vez que a maioria ocorre à noite ou nos finais de semana, períodos em que o policiamento é relaxado. Quanto à coerção social nos locais de risco a arma dá status ao jovem e, portanto, quanto maior e mais poderosa, maior a atração; a mudança na organização familiar e social local afrouxou o controle social informal tradicionalmente exercido pelos mais velhos em relação aos mais jovens. Pesquisa realizada em 1999, em dez capitais brasileiras, sobre a questão da exposição das pessoas à violência mostra que nos doze meses que antecederam a entrevista 35% das pessoas viram alguém ser agredido fisicamente; 14% das pessoas viram alguém levar um tiro; 13% viram alguém ser morto; 11% viram o corpo de alguém assassinado; 52% viram alguém usando drogas. (I SEMINÀRIO NACIONAL SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA, 2000) Quanto a responsabilização penal de homicídios de crianças e adolescentes, de um total de 290 casos acompanhados entre 1991 e 1994 (São Paulo): apenas 48,97% tiveram autoria identificada; em 27,58% houve oferecimento de denúncia; houve pronúncia do réu em 9,31% dos casos; apenas 3,3% foram condenados em primeira instância. Em Salvador o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) apresenta números piores: 1 460 homicídios de adolescentes tiveram somente 50 inquéritos conclusos, com um número ainda menor de indiciados, no período 1980/2000.

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Na cidade de São Paulo, entre 1981 e 1984: apenas 18,5% das ocorrências resultaram em inquérito policial; 89% dos casos de roubo deixaram de ser investigados; 81% dos casos de estupro não foram investigados. Estas informações não estão disponíveis para Salvador. Dos casos investigados em 1982 (SP), apenas 65% resultaram em denúncia, visto que os promotores alegam, muitas vezes, que os inquéritos não oferecem condições para se fazer à denúncia. No mesmo ano, apenas 22% dos inquéritos resultaram em condenação.

O crime organizado

Uma das componentes mais características da criminalidade moderna é sua transfiguração em atividade constante, diária, repetitiva e de certa forma organizada, semelhante às empresas, onde aqueles que exercem as funções executivas ocupam o cargo de “gerente”; A este tipo de criminalidade foi atribuída a denominação de crime organizado. É uma expressão usada intensivamente pela mídia, incorporada ao vocabulário nacional, mas é importante observar que não existe a necessidade de uma única “organização”, para tratar-se de crime organizado, e sim de um conjunto de delinqüentes buscando obter ganho de forma independente e que acabam por criar condições9 em tudo semelhante à iniciativa empresarial na economia formal – “várias empresas”. Outra característica importante é tratar-se de uma estrutura que não busca assumir o controle do poder político, busca somente o lucro. A estratégia de sua difusão (entendendo-se aqui como forma de desenvolvimento) e obtenção das condições de maior rentabilidade – marketing – é casual, mas verdadeira, pois encontra nas fases, listadas abaixo, a forma de sobreviver e crescer. Três (2002) idealizou o seguinte resumo sobre o crime organizado, de extrema precisão, podendo ser verificado a sua adequação às novas regras do método sociológico (GIDDENS, 8

Seminário Nacional sobre Segurança Pública de 2001.

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1976), quanto aos limites da atuação e os modos em que os processos de produção e reprodução podem ser examinados: I.III – ESTRATÉGIAS DE CONQUISTA DO CRIME ORGANIZADO Fragilizar a probidade funcional; penetrar e corromper múltiplos órgãos do governo, valendo-se da apatia e da inércia de setores passíveis de promoverem uma reação, promovendo a cultura do laxismo e da conivência; financiamento e doações; chantagem; infiltração; corrupção ativa; terrorismo. I.IV – ESTÁGIOS DA CONQUISTA DO CRIME ORGANIZADO Pré-corrupção; experimentação 10; acostumação 11; conceitualização 12; imposição13; abençoação14. Sintetizando, pode-se dizer que crime organizado é a pessoa jurídica do delito, ou seja, sociedade que tem por objeto atividade criminosa. Regra geral: Visa objetivos econômicos, lucro, business, locupletamento ilícito (v.g., roubo de cargas, corrupção de verbas públicas, narcotráfico, falcatruas no sistema financeiro, etc.). Porém, nem sempre, a exemplo do terrorismo, é derivado de motivações raciais, religiosas, etc. Em suma, o delito, até então concebido como ato episódico, ocasional, improvisado, circunscrito a breves reiterações, inclusive sob a ótica dogmático-penal – fato típico; Direito Penal do fato – passa a ter foros de empreendimento preordenado, galgando a otimização própria a qualquer atividade organizada. Tal qual a evolução da atividade econômica comercial / industrial, ab initio singular, de mera subsistência, escambo, evoluiu às grandes corporações, fatores reais de poder, a delinqüência traçou itinerário semelhante.

bem próxima ou já alcançada a fase da abençoação, com os jovens que enxergam no crime, no uso de armas, no ganho fácil e totalmente desvinculado do trabalho ou esforço próprio, uma forma de viver “bem” o pouco de vida que terá. Um fato é claro, o crime instalado em áreas de favela não acumula capital nestas áreas, não existem indícios de qualquer melhoria das condições de vida nestes locais, o dinheiro amealhado (principalmente com tráfico de drogas) é canalizado para “outros” destinos como, no linguajar carioca – para o asfalto; no linguajar científico: para os territórios legais. Também é um fato irrefutável que uma vez instalado é muito difícil desarticular o crime em favelas, é o efeito da adoção de uma solução para as necessidades materiais que concomitantemente gera a dissolução da moral, da cidadania. É fácil corromper, muito mais fácil é corromper quem passa por necessidades reais nas áreas médica e odontológica, na assistência social e de segurança.

A Estrutura espacial da segurança pública

A Constituição Federal (CF) não é clara quanto ao conceito de segurança pública: garante direitos, mas não define o termo, aplicando-o genericamente ao conjunto de ações necessárias à aplicação da lei e da ordem. A Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) define:

Em outras metrópoles brasileiras podemos afirmar que nos encontramos na fase “estratégica” ou de “desenvolvimento” correspondente ao terrorismo, com uso generalizado de armas potentes e confrontos com as polícias. Isto tipifica que já superou a fase da acostumação, ou seja, a sociedade já convive com as privações dos seus direitos de ir e vir a qualquer hora, já não se escandaliza com tiroteios e mortes. Estando RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Segurança Pública é uma atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada com o fito de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações da criminalidade e da violência, efetivas ou poten9 10 11 12 13 14

ciais, garantindo o exercício pleno da cidadania nos limites da lei.

As ações que hoje são denominadas da esfera da segurança pública são, de fato, apenas as ações corretivas de um sistema que deveria estar impedindo a vitimização. O sistema que se depreende deve prover um conjunto de medidas próativas – a favor do objetivo que é manter o cidadão livre do perigo; um outro conjunto de medidas preventivas para evitar vitimar o cidadão e finalmente um conjunto de medidas corretivas, executadas quando um fato ultrapassa as barreiras do sistema e atinge um cidadão, estas duas últimas enquadrando-se conceitualmente no sistema de Foucault (1977) – vigiar e punir. As medidas pró-ativas existem e estão previstas na CF ao enumerar os direitos e garantias ali relacionadas como, moradia, alimentação e ensino. A existência de acesso a todas as partes dos territórios urbanos (que nega oportunidade para a instalação da atividade criminosa) está implícita já que existe a garantia de ir e vir para todos os cidadãos. Tais prescrições, se cumpridas, permitiriam abjurar a falta de opção frente à “acostumação” com o crime e a atração que o mesmo exerce em áreas carentes, notadamente entre as crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente introduziu uma visão moderna do trato com a criminalidade destas faixas etárias, no entanto trouxe medidas totalmente distintas de nossa realidade na tentativa de acabar com os maus tratos a que estavam sujeitas nos centros de acolhimento ou fundações de amparo ao menor, geridas por profissionais reconhecidamente incompetentes na reabilitação ou educação de órfãos ou delinqüentes menores de idade.

Descritas pelo Procurador da República Celso Antônio Três no Seminário sobre Inteligência no combate ao crime organizado (2002) Experimentação - fase correspondente ao “teste” da estrutura do Estado que deveria ser empregada na eliminação e prevenção do crime organizado; Acostumação – atos genéricos de demonstração de poder e controle do território, o crime e as vítimas do crime passam a compor o dia a dia como um fato normal; Conceitualização – fazer a sociedade crer na existência de uma força maior que a capacidade da estrutura do Estado Imposição – ostentação de armas e controle do trânsito da população; Abençoação – colocar-se como solução para incompetência do Estado em resolver problemas socioeconômicos; assemelhar-se a luta de classes aos olhos da população do local.

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Ao verificar-se a incapacidade das organizações dedicadas ao acolhimento e educação dos menores optou-se por casas abertas, onde a “criança de rua” pode pernoitar, alimentar-se e sair quando quiser. Um pai ou uma mãe trataria seu filho desta forma, deixando ao critério da criança a escolha de perambular pelas ruas (ou territórios da cidade)? A inimputabilidade destes jovens, na forma em que está aplicada tem gerado um efeito contrário ao da proteção – espírito da Lei – centrando-se sobre os jovens o aliciamento para as atividades criminosas mais violentas e arriscadas. É o contrasenso do cidadão menino, que pode votar, mas não pode ser penalizado por um crime como cidadão, que é. Não deve ser internado em orfanatos ou na FEBEM para não sofrer maus tratos, mas pode ser explorado na rua por outros contraventores ou criminosos, às vezes a própria família – é o reconhecimento da incompetência relativa do Estado e não do menor. Uma breve apreciação do arcabouço legal do Estado brasileiro permite verificar que se legisla sobre Segurança Pública na esfera federal, com algumas concessões aos estados, e se executa nas esferas estadual e federal. O Município aparentemente é uma esfera do Poder Público isenta de responsabilidade judiciárias e policiais na esfera dos crimes contra a pessoa e o patrimônio, podendo apenas contribuir com um policiamento complementar de Parques e Jardins e instalações do próprio Município. A alienação do Município da estrutura de segurança pública é real, porém não na esfera legal, porque a responsabilidade efetiva municipal é clara, inequívoca, ele é o detentor do poder de polícia para legislar e fiscalizar o uso e ocupação do solo. É ele que organiza o espaço da cidade, a ele cabe a integração dos variados territórios urbanos em suas funções dentro do organismo vivo que é a cidade. É o Município que deveria enfrentar a desobediência civil caracterizada pelas construções subumanas. Não será, é lógico, através de gaba-

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Figura 6 – Razão de crescimento da criminalidade – Homicídios SSA Fonte: Apolinário 2004

ritos de obras que a maior parte da população não tem condições de cumprir, mas através do simples ordenamento, fazendo com que exista, sem estabelecer ou penetrar na área do direito à propriedade, espaços para posterior urbanização – arruamento nas invasões ou favelas. Já as medidas preventivas estão diretamente ligadas ao policiamento ostensivo, a presença da autoridade no espaço urbano para evitar a ação de uma pessoa com intenção criminosa, assim como a existência de iluminação, a limpeza de vegetação que permite a surpresa, o recolhimento de menores abandonados entre outras. O afastamento do Município de suas responsabilidades para com a segurança gera situações realmente caóticas, como no Rio de Janeiro e São Paulo onde o tiroteio na Rocinha (RJ) ou Na Zona Leste (SP) não é problema do Município, ou seja: uma área ocupada por cem mil pessoas (onde não existiria espaço para dez mil) ou a falta de ruas em espaços contínuos (equivalentes a cidades de porte médio) impedindo a circulação da Polícia e favorecendo o isolamento de áreas não é assunto do Município? A inexistência de compromissos claros da estrutura municipal com a segurança pública pode ser claramente explicitada na falta de con-

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sulta aos Órgãos de Segurança Pública – OSP15 sobre a implantação de equipamentos públicos que consomem o efetivo e meios policiais, alvarás para empreendimentos privados que alteram a concentração de pessoas e perfil do pessoal que freqüenta uma área, obras particulares ou públicas que geram necessidade de equipamentos especiais para salvagem. Os OSP são informados do que está acontecendo e não do que vai acontecer. Na Prefeitura Municipal do Salvador, o Conselho da Secretaria de Planejamento era composto (2002)16 por uma vasta gama de entidades, escolas grêmios, blocos e afoxés, mas não possuía um representante da Secretaria de Segurança Pública.

Resultados das ações dos órgãos de segurança pública

O problema do crescimento e transformação da criminalidade vem sendo enfrentado de diversas formas ao longo das últimas décadas pelos OSP e Secretarias de Segurança Pública dos Estados. O insucesso dos planos econômicos e a globalização dos mercados, mas não dos empregos, além de provocar em todas as Regiões Metropolitanas do país elevados níveis de desemprego e em Salvador o mais alto do país, comprometeu a capacidade dos Estados em investir no

Órgãos de Segurança Pública para efeito deste trabalho são as Delegacias de Polícia, especializadas ou não; Unidades de Polícia Militar; Corpo de Bombeiros; Polícia técnica e as respectivas chefias, comandos e superintendências que os enquadram. Palestra do Secretário Municipal de Planejamento no Curso de Mestrado em Análise Regional 2002.

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aumento de efetivos, na modernização dos equipamentos, em melhoria da formação e remuneração de seus policiais. Do estudo do planejamento e metas das Unidades de Policiamento da Polícia Militar na Região Metropolitana de Salvador17, relativos aos anos de 2003/2004 é possível perceber que as ações da polícia militar estão centradas nos territórios legais, ou ocupados de forma legal. (planejamento das Unidades de Polícia Militar – 2003). É provável que a maior vulnerabilidade da ação preventiva do policiamento nas grandes metrópoles e por similitude em Salvador, seja a existência de áreas onde a circulação dos meios de segurança é negada. No caso de Salvador, ainda pela falta de ruas; em outras cidades, além da falta de ruas, pela criminalidade que se instalou nas áreas de favelas de difícil acesso, e impede a presença da polícia pelo seu poderio bélico e domínio logístico do espaço.

Efetivo e meios

A ação policial deveria depender na maioria dos casos do encontro com um delito em andamento ou, na pior hipótese de uma solicitação do cidadão vitimado. Estes dois fatores nos levam as considerações sobre a proporção de policiais por habitantes e a demanda reprimida por segurança. Para a primeira questão a previsão da ONU para um número adequado é de um policial para cada duzentos habitantes (1/200)18 (este é o praticado em New York), para tal proporção teríamos só na Região Metropolitana de Salvador, a necessidade de 150.000 mil policiais, que divididos em três turnos corresponderiam a 50.000 policiais por turno. Se de um lado temos a estimativa do número de policiais por grupo de 200 habitantes, encontramos em trabalhos especializados 19 a provável existência de 70.000 mil pessoas vivendo, direta ou indiretamente, da renda do crime na cidade do Rio de Janeiro, não se conhece estimativa para Salvador. Sem dúvida, os especialistas que apontam números como este não es-

tão próximos da realidade dos Estados brasileiros, notadamente os do Nordeste. Porém, o número de hoje, aproximadamente 50.000 policiais para todo o Estado da Bahia, está muito aquém das necessidades, impossibilitando a prevenção e restringindo o trabalho à captura de infratores após os fatos; quanto à demanda reprimida por segurança pública é projeto do Grupo de Pesquisa em Segurança Pública Violência e Cidade – G.Seg realizar uma pesquisa com amostragem probabilística na RMS para encontrar este dado. A adequação dos meios existentes à necessidade da população passa pelo conhecimento do que existe na área de atuação das Unidades de Polícia. Infelizmente a nossa cultura não está voltada para a consolidação de informações, interna aos próprios órgãos como as dos demais órgãos da administração pública. Usam-se limites diferentes para cada órgão ou gestão, gerando uma perda considerável de conhecimento sobre os territórios urbanos. Em 2004, segundo a SSP-BA, já foi consolidada a adoção de limites que facilitaram o entrosamento entre Polícia Civil e Militar em Salvador, porém, ainda não se apropriaram as informações municipais, estaduais e federais sobre os territórios da cidade. Uma boa fonte de dados seria a adequação aos setores censitários do IBGE, os quais podem fornecer elevada quantidade de dados sobre cada área20 da cidade. Outra questão já apontada, mas também objeto de pesquisa do grupo - GSeg, é o número percentual de inquéritos concluídos ou o resultado de ocorrências registradas. Lembrando a fala do proprietário da loja, que por sete vezes vítima de furto e roubo, nunca recebeu uma equipe de investigação ou soube de alguma ação em decorrência de suas queixas. A SENASP apresentou em-- 2004 o Sistema de Avaliação e Controle

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da Criminalidade em Ambiente Urbano (TerraCrime). Se a sua implementação possibilitar agregar dados da base do IBGE e de outras fontes poderá realmente contribuir para a melhoria das condições de gerenciamento do sistema, economia de meios e maior velocidade de resposta.

O custo econômico e social da violência

As relações entre espaço urbano e criminalidade foram indicadas pelos sociólogos da Escola de Chicago (1920 e 1930) principalmente a distribuição geográfica do crime no espaço urbano e suas características. Esta escola passou por transformações, mas foi a criadora da prevenção ao crime através do desenho ambiental urbano e da apologia da teoria da escolha racional do comportamento, gerando o fundamento teórico da chamada política de tolerância zero implementada em New York. As críticas elaboradas por Wacquant (2000)21 e por Freitas (2002) à política de tolerância zero são de difícil defesa. O primeiro mostra que outras formas de ação resultaram nos mesmos ou em resultados melhores com um custo muito menor. O segundo realça as principais críticas feitas à Escola de Chicago, apontando a incoerência de propagar a idéia de uma cultura unificada, não diferenciadora dos habitantes de uma cidade fragmentada em classes, gênero ou etnia, como de fato o é; de ter desenvolvido noções contrárias de crime com o comportamento individual sendo visto como determinado pela desorganização social e, ao mesmo tempo, resultado da liberdade individual de ação. Caldeira (2002) aponta que os condomínios fechados constituemse em um novo padrão de segregação espacial e desigualdade social na cidade22. Ao que acrescentamos: além de não proteger gera a concentração, cria um novo território com leis e percepções próprias.

Envolve todas as Unidades da PMBA de Salvador. Prof Ronaldo Leão Correia NEE da UFF Como o do geógrafo Marcelo Lopes de Souza, em seu livro o Desafio Metropolitano de 2002. CONDER: Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia. Em seu livro: Prisões da Miséria. Tereza Pires Caldeira (2002), da Universidade da Califórnia e autora do livro Cidade de muros.

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Ainda conforme Caldeira (2002) um novo modelo de segregação substitui, aos poucos, a dicotomia centro-rico x periferia-pobre, caso claro de adequação a organização e distribuição social e econômica da cidade do Salvador. A expansão de empreendimentos fechados faz parte de estratégias imobiliárias e de marketing que utilizam a questão da segurança como apelo principal. Persuadem consumidores, que são bombardeados pela mídia diariamente, com relatos sensacionalistas sobre crimes violentos, (Denise Mônaco USP – 2004)

Segundo dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), apenas em um ano, em 1997, o Brasil perdeu 10,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em razão da falta de segurança. O cálculo inclui despesas com serviços decorrentes da violência, como hospitais, polícia, aparatos de segurança e sistema judicial. Valor subestimado, segundo os especialistas, pois não leva em conta perdas com turismo, atividades econômicas noturnas, investimentos externos, entre outras receitas indiretas afetadas pelo crime. Recentemente, levantamento do BIRD indicou que só o município do Rio de janeiro perdeu um bilhão de dólares em empreendimentos devidos à criminalidade. Em 1995 o país contava com 148.760 presos, elevando-se o número para 170.602 em 1997 e 194.074 em 1999, de acordo com levantamento feito pelo Ministério da Justica. Somente neste período a população prisional do país aumentou em 46 mil presos, ou cerca de 11.500 presos por ano. Seria necessário construir 14 presídios por ano para abrigar os novos condenados. Para se ter uma idéia da dimensão do problema, este acréscimo de presos entre 1995 e 1999 equivale simplesmente à soma da população carcerária de toda Grécia, Irlanda, Noruega, Dinamarca, Suécia, Bélgica, Áustria, Irlanda do Norte e Escócia.(Cano, 2001)

Considerações finais

Do quanto apreciado neste artigo, apresenta-se como síntese con-

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clusiva os seguintes elementos para reflexão: a) a adoção do modelo neoliberal de Estado, que redunda no seu encolhimento, agrava a situação atual do planejamento urbano e qualidade de vida nas grandes cidades; b) no contexto da globalização a violência assumiu grandes dimensões estando particularmente associada às mudanças observadas no mundo do trabalho, ao declínio e à orientação neoliberal do Estado. (Wieviorka 1997); c) o planejamento urbano passou a ignorar o crescimento da criminalidade que foi minimizado diante de outros fatores – a capacidade de retorno do investimento, hipótese de difícil comprovação na área de segurança e que dificulta a obtenção de recursos necessários; d) existe um considerável distanciamento entre população e polícias estaduais; e) as vítimas não são informadas sobre o resultado das ações decorrentes do registro das ocorrências; f) até onde se sabe, não existe controle das ocorrências por parte das SSP’s, com permanente e continuada verificação das ações decorrentes; g) as SSP assumem a responsabilidade, perante a sociedade, por toda a segurança pública, sendo ela gestora de apenas uma parte; h) o Município se exime de sua responsabilidade frente à criminalidade, direcionando para o Estado, via SSP, a responsabilidade pela insegurança; i) a justiça é parte integrante do sistema, porém mantém distância do problema, sem sinais de dotar ou criar mecanismos processuais mais céleres, e muitas das vezes posicionando-se contra os OSP no desempenho de suas atribuições, criando as condições para o enfrentamento da autoridade legal da polícia, o que propaga a idéia de impunidade;

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j) o Estatuto da Criança e do Adolescente necessita ser revisto ou reinterpretado; k) é necessário investir mais em equipamentos técnicos e formação de especialistas para elucidação dos inquéritos; l) é necessário ajustar o planejamento à demanda, criando mecanismos claros de interação entre as SSP’s e os planejamentos municipais no interesse da Defesa Civil e do policiamento; Listadas estas considerações sugere-se que se estude as seguintes questões: 1) Polícia comunitária e social Integração da ação policial com a de assistência social, criando núcleos de defesa da cidadania nas áreas de risco, com a presença de médicos, dentistas e assistentes sociais da PM, custeados por uma composição entre as secretarias municipais e estaduais. A presença da polícia ao lado população nas áreas de risco criminal, prestando apoio e conhecendo a população, pode trazer mais retorno para a imagem da polícia por real empregado do que campanhas publicitárias. 2) Cenários prospectivos como balizadores do planejamento Pesquisas científicas que prospectem as transformações urbanas em cenários a médio e longo prazo para a adequação do planejamento estratégico de segurança pública, em função do atendimento da demanda no futuro, eliminando-se as ações emergenciais de adequação. A precisão deste instrumento de planejamento estratégico foi muito melhorada com o uso da informática, sendo de uso corrente sem investimentos vultuosos. 3) Sistemas de informações geográficas Implementação do uso de sistemas de informação geográfica para o planejamento e controle do policiamento, criando condições para o diálogo com as comunidades de cada território, pela exposição da localização das ocorrências e conseqüentes medidas a serem tomadas, trazendo a comunidade para participar através do conhecimento da

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gestão, eliminando-se críticas fundadas em desconhecimento. 4) Integração – presença da SSP nos órgãos municipais e estaduais que regulam as atividades no espaço urbano A presença de representantes da SSP nos órgãos que regulam o planejamento e licenças de atividade nos Municípios pode contribuir para melhorar a eficácia do planejamento e previsões ao longo prazo, agregando a noção de custo da segurança para determinados investimentos que irão modificar a situação de segurança em determinado território do espaço urbano. 5) Interação com a cidade A sociedade como um todo, através da imprensa livre ou mesmo através de um canal de televisão ou horário adquirido em canal de televisão deve ser informada das ações de enfrentamento da criminalidade, com o emprego de gravação e transmissão de imagem. 6) Uso de tecnologias novas O uso de novas tecnologias pode agilizar, economizar, tornar eficazes as rotinas policiais e implementar possibilidades de relatórios para a mensuração de resultados ou da eficiência de processos. A compra de equipamentos dedicados à investigação técnica pode produzir maior velocidade de perícia com provas decisivas para a condenação. O uso de gravação de comunicações; de Gps portátil; máquinas de fotografias digitais; “laptop” ligado a Internet via celular com host dedicado são formas viáveis de modernização, em curto espaço de tempo, que permitiriam a um custo reduzido modificar a forma de atuação das polícias. 7) Parcerias As universidades podem e devem contribuir para a solução do problema da criminalidade. A atividade diária na área da Segurança Pública é caracterizada pelo domínio dos fatos do cotidiano, do domínio da rotina das ações, o que não quer dizer que sejam normais; vários desses fatos “diários” desencadeiam crises que consomem tempo e capacidade, dificultando a possibilidade de discutir o futuro, de agregar conhecimento humano à formação

do profissional em Segurança Pública. A Universidade pode contribuir com a construção de cenários prospectivos e de cursos presenciais ou à distância de formação específica em áreas não cobertas pela formação hoje existente. O Mestrado em Análise Regional pode contribuir com a capacitação na área de Planejamento Urbano e Regional, agregando àqueles componentes das SSP que devem participar do planejamento regional e urbano a mesma formação e titularidade dos demais participantes dos fóruns e órgãos encarregados. Ao final, citamos Santos (1997, p. 213) Não existe homogeneidade no espaço, pois, para cada área, são múltiplos os graus e modalidades de combinações.Portanto, o planejamento deve contemplar as peculiaridades de cada território.

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NORMAS DE EDITORAÇÃO Os pesquisadores que estejam interessados em publicar na Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE – devem preparar seus originais seguindo as orientações a seguir, que serão observadas para recebimento e análise dos textos pelos pareceristas: I – Entrega do Material Os artigos deverão ter no máximo 20 (vinte) páginas com título, resumo e palavras-chave em português e outro idioma. O resumo deverá ser estruturado em um único parágrafo com, no máximo, 200 palavras. Deverão constar no final do artigo os dados referentes ao autor, tais como: titulação, sua atividade atual, instituição a que esteja vinculado, endereço comercial e residencial, telefones e correio eletrônico. os artigos devem ser entregues da seguinte maneira: •Em disquete padrão IBM-PC, no formato Word for Windows acompanhado de uma cópia impressa, na Secretaria da Revista: Prédio de Aulas 8 da UNIFACS 4º andar, Ala Ímpar Alameda das Espatódias, 915 Caminho das Árvores Salvador, Bahia •Encaminhados para os seguintes endereços eletrônicos: [email protected] [email protected] II – Apresentação Gráfica do Texto 1. Especificações 1.1. Papel, Espaço e Letras Tamanho do papel: A4 Tamanho das letras: – do corpo do trabalho 12 – do título16 – de sub-títulos14 Tipo de letras: Times New Roman Espaços:Entrelinhas: 1,5 Superior:3,0 cm Inferior:2,0 cm Lateral direita:3,0 cm Lateral esquerda:3,0 cm 2. Formatação •O texto deve ser justificado. •Nunca separar as sílabas para evitar desconfiguração do texto ao ser aberto em outro computador.

•As páginas devem ser numeradas. •Os gráficos, tabelas e figuras e/ou ilustrações deverão ser fornecidos em monocromia (em preto e branco, com ou sem tons de cinza). 3. Primeira Página do Texto 3.1. Título do artigo Centralizado na página a 3 cm da borda superior. 3.2. Parágrafos Cada parágrafo deve ter um recuo de 0,5 cm na primeira linha e nenhuma linha em branco entre eles, exceto para os subtítulos que deverão ter apenas uma linha em branco depois do parágrafo que o antecede. III – Notas As notas devem ser devidamente numeradas e indicadas no final do texto, antecedendo as referências bibliográficas. IV – Tabelas e ilustrações •Devem ser encaminhadas em arquivos separados. Na cópia impressa deverá ser indicado, com destaque, o local a serem inseridas. •As Tabelas e Quadros devem seguir as normas da ABNT e devem ser numeradas seqüencialmente. •As figuras devem ser numeradas e apresentar título e fonte. V – Referências Devem seguir os padrões estabelecidos pela ABNT. VI – Responsabilidades É responsabilidade do autor a correção ortográfica e sintática, como a revisão de digitação do texto, que será publicado conforme o original recebido pela editoração. O conteúdo dos textos assinados é de exclusiva responsabilidade dos autores. VII – Procedimentos de arbitragem A Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE – adota o procedimento de avaliação, mantendo o sigilo do autor aos pareceristas, em duplo cego, podendo resultar em três situações: aprovação – publicação conforme apresentado; diligência – publicação após revisão e recusa. O resultado da avaliação é sempre comunicado ao autor, com transcrição da apreciação feito pelo parecerista. Nos casos de diligência, o texto reformulado é reencaminhado ao mesmo parecerista.

•Usar somente a cor padrão do texto (preto).

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO

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