Participação dos cidadãos na imprensa: o caso das Cartas do Leitor

June 15, 2017 | Autor: Fábio Ribeiro | Categoria: Prensa, Imprensa, Press, Participação Política, Cartas, Leitores
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PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS NA IMPRENSA - O CASO DAS CARTAS DO LEITOR Fábio Ribeiro Investigador integrado do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), Universidade do Minho [email protected] Doutorado Europeu pela Universidade do Minho em Ciências da Comunicação, área de especialização de Sociologia da Comunicação e Informação, em 2013. Realizou uma estância de investigação no grupo de pesquisa PUBLIRADIO, da Universidade Autónoma de Barcelona, entre 2010 e 2011. Coordenador do Grupo de Trabalho Jovens Investigadores da SOPCOM, é atualmente assistente de investigação do projeto 'Estação NET: moldar a rádio para ambiente web', em curso no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho.

Ao longo de quatro anos, tentei compreender, genericamente, que características podemos identificar no público participante português que diária ou esporadicamente se interessa em intervir diretamente nos média, em Portugal. Através de uma abordagem multidisciplinar, observei fóruns de opinião pública na rádio e televisão, li os comentários às notícias online de diversos jornais e consultei as cartas dos leitores publicadas na imprensa escrita. No caso particular da imprensa o estudo debruçou-se sobre as contribuições dos cidadãos que diariamente são publicadas nas Cartas do Leitor do Jornal de Notícias (JN). Através de uma amostra que comportou os textos incluídos neste espaço durante fevereiro de 2012, foram lidas 106 cartas, isto é, quatro cartas publicadas por edição em média. Em primeiro lugar, verificou-se que a autoria destes textos não parece ser propriamente diversificada: dos 65 leitores registados, 24 participaram mais do que uma vez. Por outro lado, se tivermos em linha de conta o total de cartas analisadas, 61%1 pertence a leitores que já tinham participado e publicado nesse mesmo período de análise. Confrontado com estes dados, Lúcio Brandão, responsável pela seleção das cartas, admitia este ‘excesso’, lamentando que a pouca diversidade do público para contribuir ou mesmo a qualidade dos contributos que lhe chegam via e-mail, mas que depois não podem ser publicadas por ultrapassarem em demasia os limites pretendidos para o efeito2. Quanto tomcartas) manifestado nas cartas, isto uma é, a3. Quanto forma aos como o leitor se posiciona o ‘elogio’ao(três e a ‘sugestão’ teve apenas temas debatidos, a lista foi perante o assunto, a ‘reclamação’ contra uma situação em particular apareceu em 77,36% mais complexa, destacando-se a atuação do governo de coligação (27 cartas), temas de dos textos lidos, enquanto sociedade (17), justiça (16) ou economia (11) 4.

Arredondamento à unidade. A nossa observação detetou ainda que o máximo de textos publicados por um único leitor foi de seis textos, o que revela um valor particularmente elevado. Nos textos com vários tons de escrita, o par ‘reclamação e sugestão’ reuniu 11 cartas enquanto ‘reclamação e elogio’ foi opção em nove. Os restantes: cultura (8), administração local (7), média (6), saúde (5), Presidente da República (3), Desporto e Internacional (2 cada), educação e Assembleia da República (1 cada). 1 2

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Por outro lado, quisemos conhecer um pouco o perfil de quem escreve, através de um inquérito por questionário online 5 a que responderam 31 leitores. Olhando os dados de forma transversal, nesta amostra de 29 homens e duas mulheres, constatámos a presença de um público adulto, com média de idades de 55 anos, em que 13 fizeram um percurso até ao nível secundário de escolaridade e 11 no ensino superior, residentes maioritariamente no Porto, em 21 dos casos. Relativamente às motivações, dos 68 registos efetuados, 51 inclinaram-se precisamente no sentido da manifestação de um agrado, em que 27 abordaram a satisfação de escrever sobre um determinado tema e nove destacaram o apreço que têm por este espaço. Em 27 ocasiões, os leitores sentiram necessidade de escrever sobre assuntos em destaque na arena mediática. Esta preferência supera o agrado relativamente ao formato estudado (9 casos) ou até mesmo em relação ao Jornal de Notícias (7). Um inquirido referiu ainda que gosta de ver os seus textos lidos e que o critiquem, eventualmente. Para sete inquiridos, as cartas funcionam como forma de ilustração de um fenómeno da vida particular. Nas restantes motivações menos assinaladas, a intenção de alertar para situações ‘pertinentes e meritórias de divulgação’ ou a participação nos média como ‘uma obrigação cívica’, com dois registos cada. Relativamente aos constrangimentos, os inquiridos denunciaram o facto de a edição em papel do JN alterar as ideias e o tamanho do texto inicial, em 14 ocasiões. Depois, em oito casos, os inquiridos queixaram-se da falta de divulgação de formas de participação neste espaço. Sete sublinharam ainda o vocabulário pouco limitado dos participantes e cinco apontaram os inexpressivos efeitos das cartas dos leitores na vida quotidiana. Por último, num plano residual, o pouco tempo disponível, a reflexão aparentemente pouco estimulante dos textos (dois concordaram) e ainda o sentimento particular de dois leitores que por vezes sentem que não serão úteis ao debate por pressentirem que existem muitos interessados em publicar os seus textos. Este estudo realizado na Universidade do Minho tem a feliz coincidência de surgir numa altura em que este grupo de leitores e participantes assíduos na imprensa portuguesa se reuniu para refletir sobre o poder e o papel que o público tem na narrativa jornalística e editorial deste meio, profundamente afetado por dificuldades económicas no período ao qual nos reportamos. Seria de todo aconselhável que algumas destas linhas passassem pelos escritórios de diretores e jornalistas no sentido de se potenciar uma discussão que terá certamente muito por onde evoluir. Os leitores demonstram com esta iniciativa que não se encontram desatentos, nem alienados dos contributos que podem oferecer. Neste sentido, afigura-se difícil compatibilizar os ensejos de quem pretende alargar as avenidas de comunicação e expressão na imprensa escrita e a necessidade de os média em controlar os seus custos de produção. A criação de novas rubricas de participação do público, dotadas de um maior apelo à capacitação e expressão do público, encontram agora maior amplitude em possibilidades digitais, pelo que o desenvolvimento da reflexão sobre este tema dirá muito do interesse que os dirigentes mediáticos estarão dispostos a conceder às contribuições do público e dos leitores.

Através da plataforma LASICS, associada ao Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho. 5

Tendo por base algumas das considerações realizadas a pretexto deste trabalho, julgo pertinente a adoção de determinadas medidas que, em traços gerais, se dediquem a refletir sobre o potencial e a importância do leitor na imprensa. Desta forma, julgo que deve ser exigido um tratamento mais cordial dos jornalistas com os leitores, informando sobre a data da publicação de um texto e comunicando as razões pelas quais não será publicado. Por outro lado, seria urgente que os jornalistas responsáveis pela edição da secção das cartas pudessem esclarecer pública e claramente os critérios que presidem a seleção e publicação das cartas. Por fim, confrontados com restrições económicas que obrigam os jornais a encurtar o número de páginas, sugere-se que a edição online dos jornais possa integrar outras formas de reconfigurar a rubrica das cartas, criando porventura um espaço online de publicação de textos dos leitores.

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