PARTICIPAÇÃO POPULAR EM CONSELHOS DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: A EXPERIENCIA DA ELABORAÇÃO DOS PLHIS DOS MUNICÍPIOS DE VITÓRIA A CONQUISTA, BRUMADO, ITAGI E JITAÚNA

June 30, 2017 | Autor: M. Costa Santana | Categoria: Habitação, Participação Popular
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Professor do Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Contato: [email protected]; +557734248660
PARTICIPAÇÃO POPULAR EM CONSELHOS DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: A EXPERIENCIA DA ELABORAÇÃO DOS PLHIS DOS MUNICÍPIOS DE VITÓRIA A CONQUISTA, BRUMADO, ITAGI E JITAÚNA

Mário Rubem Costa Santana

RESUMO
Os conselhos de habitação de interesse social, assim como os diversos conselhos onde a participação popular é requerida podem se constituir apenas como meros canais com função consultiva ou mesmo manipulação para atender as determinações legais de condicionamento da transferência de recursos financeiros das esferas federal e estadual para a municipal. Isso fica mais claro quando se examina a composição dos conselhos e sua forma de ação, assim como o comportamento dos diversos governos em relação à manutenção do funcionamento destes. Por outro lado as necessidade imediatas das pessoas e a sua preparação política as tornam alvo fácil para um novo clientelismo baseado na oferta de benefícios que as tornam mais consumidoras que cidadãs.
Palavras-chave: Conselhos; Participação popular; Habitação.
ABSTRACT
The counsels of social housing, as well as the various councils where public participation is required can be as mere channels advisory role or even manipulation to meet statutory requirements conditioning the transfer of financial resources from federal and state governments to the municipal. This becomes clearer when one examines the composition of the councils and their mode of action, as well as the behavior of the various governments in relation to the running of these. On the other hand the immediate need of the people and their political preparation make them easy target for a new clientalism based on offering benefits that make them more consumer than citizen.
Key-words: Councils; popular participation; Housing.

Introdução
Na atual administração pública podem ser encontrados diversos mecanismos de participação da sociedade. Isso acontece, especialmente, nos governos ditos de esquerda, seja por princípios partidários, pressão popular ou apenas para dar respostas a exigências legais. Dessa forma podem ser destacados os conselhos: de Políticas Públicas; Saúde; Emprego e Renda; Assistência Social; Desenvolvimento Rural e Urbano; Planejamento; Entorpecentes; Criança e Adolescente; Negro; Mulher; Portadores de Deficiências; Idosos e aquele de que trata este texto: Habitação.
É certo que a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) com as respectivas emendas estabeleceram a participação dos segmentos sociais nos diversos órgãos gestores e consultivos de inúmeras áreas e sua regulamentação tem sido feita através de legislação complementar para os fóruns participativos, como pode ser visto a seguir no caso da assistência social:
Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195. Além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:
I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;
II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

Por outro lado alguns governos de esquerda ampliaram as políticas descentralizadoras que contavam com maior participação dos municípios nas decisões ligadas à política pública.
No entanto para garantir que os governos municipais cumprissem o que determinam as leis foi necessário criar expedientes de condicionamento da transferência de recursos financeiros dos governos federal e estadual, ou seja, somente através da pressão do governo federal pode ser garantida a participação popular, como afirma Côrtes (2005, p. 144):
Uma característica comum a esses processos tem sido condicionara transferência de recursos financeiros da esfera federal para as sub-nacionais de governo, visando à criação de fóruns participatórios em nível federal, estadual e municipal da administração pública. Devido a implementação de políticas descentralizadoras, o município tem participado crescentemente de decisões sobre políticas públicas. Assim criam-se condições para que os conselhos municipais, vinculados à gestão, passem a se envolver nesse processo decisório. Nesse caso, dirigentes municipais tornam-se os gestores e provedores de bens e serviços financiados com recursos públicos em seus territórios. Para que o município se habilite a receber recursos financeiros advindos da esfera federal, é exigida a criação de conselhos organizados de acordo com as determinações legais – federais, estaduais e municipais – e regulamentações administrativas. As últimas geralmente emitidas pelo ministério e secretarias estaduais ou municipais, da área de política pública a que se vincula o conselho, e complementadas por normas estabelecidas pelo próprio fórum.
Dentre as atribuições dos conselhos, não amplamente, está o controle e planejamento da aplicação de parte dos recursos financeiros transferidos pelas outras esferas de governo e, portanto, um maior controle popular sobre o direcionamento e monitoramento e fiscalização desses recursos: "A maior parte dos conselhos tem atribuições relativas ao planejamento e fiscalização da aplicação de recursos financeiros transferidos da esfera do governo federal ou estadual e relacionados ao monitoramento da implementação de políticas" (CÔRTES, 2005, p. 145).
No entanto a existência desses instrumentos não é garantia da participação efetiva da população ou de seus representantes nos conselhos. Não há fiança do interesse em participar, seja por cunho pessoal ou por posicionamento político, seja por interesse do governo local em não abrir completamente a participação popular nas decisões políticas em determinadas áreas consideradas estratégicas na administração pública sendo o conselheiro mero instrumento de manipulação, consulta ou apenas de acesso a informações.
Essas ações relativas ao conselhos, ou a forma como eles funcionam dependerá muito de alguns elementos como o nível de organização da sociedade civil, da política dos gestores públicos envolvidos e da estrutura institucional, ou seja, a caracterização da política social dependerá desses fatores, os quais podem ser entendidos sob diversas formas:
[...] é necessário examinar o arcabouço institucional que cria e estabelece as regras básicas de funcionamento do fórum reconhecendo que ele é condição necessária para a existência de espaços públicos institucionalizados de participação. A criação de canais participatórios, entretanto, não é garantia suficiente para que os participantes preferenciais – na maioria dos casos, representantes dos movimentos popular e sindical e de grupos de interesse de usuários – se envolvam, em alguma medida, nas decisões políticas que ocorrem em determinada área da administração pública (CÔRTES, 2005, p. 145).
Pode-se perguntar para qual parcela da população os recursos são destinados? Esse direcionamento é importante, pois não se deve enviar recursos para parcelas da população que, no sistema capitalista, dispõe de renda suficiente para assumir custos, por exemplo com a própria moradia.
No caso anterior a forma de financiamento também vai ter importância, uma vez que o pagamento ou não, nos casos de provisão para as parcelas da população com pouco ou nenhum rendimento, vai depender de fontes a fundo perdido. Recursos oriundos do FGTS, por exemplo, precisarão ser remunerados com um taxa equivalente resultando em um financiamento que deve ser direcionado para aqueles capazes de pagar a remuneração respectiva.
A repercussão junto à sociedade das políticas sociais dependerão, também, da sua inserção na mídia. O governo deverá, para isso, tentar fazer a maior divulgação possível junto aos órgãos de imprensa, mas além disso a própria ação deve ser motivo de interesse dos veículos de comunicação.
A gestão das políticas acabam tendo outro papel decisivo, os possibilidades de conciliação entre as diferentes opiniões e seu resultado sendo aplicado geram maior confiança no sistema, no entanto se o gestor não for de fidúcia ou tiver um status político suficientemente forte, as pessoas não depositarão certeza no expediente dos conselhos.
A cultura da participação política da população é um outro fator a ser levado em consideração. Principalmente após o golpe de 1964 o povo brasileiro sofreu um processo de desmobilização, mas historicamente outros elementos contribuíram, a política clientelista, a troca de favores e o sentimento de dependência da população mais pobre à aristocracia rural e, por que não dizer, urbana foi fator suficiente para reduzir as reuniões a meros grupos beneficentes sem qualquer criticidade.

A composição dos conselhos
A composição dos conselhos, quase sempre definidas em lei, varia bastante, mas quase sempre são constituídos de representantes do governo e da sociedade civil organizada preferencialmente em números equitativos. A proporção pode variar, mas em geral a maior parte dos representantes é do governo ou, no mínimo, equitativo.
No caso dos governos a indicação recai sobre representantes das secretarias que estão mais ligadas ao conselho referente, então em um conselho de habitação possivelmente serão indicados, pelo governo, representantes da secretaria de habitação (se houver) ou desenvolvimento social, obras e saneamento, transportes e outras.
Quanto aos representantes populares a composição vai variar mais ainda. Poderão estar presentes diversas associações de moradores, sindicatos, religiosos, comerciantes, empresários, profissionais liberais e profissionais específicos para aqueles conselhos direcionados para setores especiais.

O Conselho Nacional de Cidades
Tomando informações do Ministério das Cidades o Conselho Nacional de Cidades é de natureza deliberativa e consultiva e tem algumas atribuições relacionadas à Política Nacional de Habitação participando da definição das prioridades, estratégias, instrumentos e normas da política. Além disso deve fornecer subsídios para a elaboração do Plano Nacional de Habitação, acompanhando e avaliando a implementação da Política Nacional de Habitação, recomendando providências necessárias ao cumprimento dos objetivos da citada Política. Foi criado em 2004 para ser um instrumento de gestão democrática da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU e é parte da estrutura do Ministério das Cidades.
Tem por princípio a participação da comunidade através da representação autônoma de segmentos sociais diversos: ONGs, entidades profissionais, acadêmicas, sindicais, setor produtivo e órgãos governamentais e deveria ser, segundo o Ministério das Cidades "uma verdadeira instância de negociação" pois estaria baseado na possibilidade de participação dos atores sociais na tomada de decisão sobre as políticas executadas pelo Ministério em várias áreas como: habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade urbana e planejamento territorial.
A composição do Conselho Nacional de Cidades é formada por 86 titulares sendo 49 representantes de segmentos da sociedade civil organizada e 37 dos poderes públicos em seus diversos níveis: federal, estadual e municipal, mais 86 suplentes com mandato de dois anos, além destes existem mais 09 observadores dos estados que já tem seus conselhos. Em termos relativos 57% dos conselheiros representam a sociedade civil, mas será isso mesmo? Numericamente sim, todavia a forma de escolha desses representantes sofre a interferência dos diversos fatores já citados neste texto, desde a estrutura institucional até o nível de organização da sociedade civil. Então como garantir que essa distribuição realmente representa democraticamente a população e sua diversidade? Mesmo considerando que a escolha dos titulares e suplentes é feita através da realização de diversas conferências nas escalas estadual e municipal pode-se perguntar, efetivamente quem participa das conferências? Qual o nível politização dos indivíduos e qual o interesse desses em participar de tais atividades? E mais complicado ainda, qual o nível de conhecimento sobre essas formas de participação as pessoas tem?
A proposta de criação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano – SNDU não avançou no âmbito federal, assim como nos estados e municípios. Dessa forma, ainda não foi efetivamente aplicada a ideia de tornar o SNDU uma Lei baseada no controle social com participação dos entes federativos e participação popular como afirma o Texto base nº 1 para discussão nas Conferências das Cidades:
Um breve balanço da construção do sistema nacional de desenvolvimento urbano aponta para as seguintes questões: (i) No âmbito federal não ocorreram muitos avanços na implementação das deliberações da Segunda Conferencia das Cidades, que aprovou a sua criação: o SNDU não foi efetivamente criado; (ii) Em relação aos conselhos estaduais das cidades, nos estados onde estes foram instituídos, constata-se que tais instâncias ainda não estão funcionando efetivamente ou apresentam baixa capacidade deliberativa; (iii) nos municípios, apesar da ausência de indicadores oficiais, as informações disponíveis permitem inferir que também é pequeno o número de conselhos das cidades existentes. Ao longo dos últimos 9 anos, como resultado deste esforço coletivo e continuado dos conselheiros (as), o Conselho Nacional das Cidades elaborou e aprovou proposta de Projeto de Lei sob forma de Resolução, para a criação e funcionamento do SNDU, cujo texto ainda não foi encaminhado ao Congresso Nacional. Diversas ações coordenadas pelo ConCidades têm sido realizadas para motivar o poder executivo a apoiar a transformação da proposta do SNDU em Lei (CONCIDADES, 2013, p. 1)

O problema é que as questões urbanas continuam a se fazer presentes:
o aprofundamento da periferização das grandes metrópoles, com o aumento populacional nos municípios da fronteira metropolitana e expansão das favelas e loteamentos irregulares; de outro, o aparecimento de núcleos de classe média e condomínios fechados na periferia, tornando o espaço urbano mais complexo, desigual e heterogêneo. Este fenômeno vem sendo observado e reproduzido também nas pequenas e médias cidades brasileiras, mesmo que em menor intensidade. A reversão desse quadro exige a coordenação das ações governamentais de forma a assumir a política urbana como uma política estratégica para o país, universalizar o acesso às políticas urbanas e superar a cultura de fragmentação da gestão, que separa a política de habitação da política de saneamento ambiental, da política de mobilidade, gerando o desperdício de recursos, a ineficiência e a reprodução das desigualdades socioespaciais nas cidades brasileiras (CONCIDADES, 2013, p. 2).

E de acordo com o Conselho de Cidades para construir o SNDU vai ser necessário:
(i) diretrizes e princípios nacionais compartilhados por todos os níveis de governo; (ii) clara divisão de competências e responsabilidades entre os entes federados; (iii) instrumentos legais de regulação da política urbana em cada âmbito de governo; (iv) recursos públicos partilhados segundo o pacto federativo, de forma a garantir o financiamento sustentável da política urbana; e (v) canais de participação e controle social, com destaque para as conferências e os conselhos das cidades, de forma a garantir a participação da sociedade e criar uma nova dinâmica de gestão democrática das políticas urbanas. (CONCIDADES, 2013, p. 2-3, grifo nosso)

A implantação do sistema ainda depende de uma série de estratégias para "universalizar o direito à cidade, em especial, o acesso à moradia digna, aos serviços de saneamento ambiental e à mobilidade urbana" (CONCIDADES, 2013, p.2), mas considerando os resultados das Conferências das Cidades anteriores percebe-se que ainda há um longo caminho pela frente para melhorar a qualidade de vida nas cidades e torna-las cada vez mais adequadas às necessidades das pessoas. Para isso será necessário afinar os instrumentos de participação, iniciando com o entendimento dos motivos da não-participação.

A participação popular na elaboração dos Planos Locais de Interesse Social.
Dentre os diversos princípios da Política Nacional de Habitação destaca-se àquele que afirma a necessidade de "gestão democrática com a participação dos diferentes segmentos da sociedade, possibilitando controle social e transparência nas decisões e procedimentos". Este parece ser o princípio mais comum nas políticas atuais do governo federal que tenta induzir, ou é pressionado a fazê-lo nas outras esferas do poder.
O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS é organizado com uma instância central de coordenação, gestão e controle feito pelo Ministério das Cidades, também faz parte do SNHIS o Conselho e os agentes financeiros, além de outros órgãos descentralizados. Para receber recursos do SNHIS os municípios podem aderir ao sistema. A adesão é voluntária, mas ao fazê-lo o município se compromete a criar o Fundo Local de Habitação de Interesse social a ser gerido pelo Conselho Local de Habitação de Interesse Social e o Plano Local de Habitação de Interesse Social – PLHIS.
Os Planos Locais de Habitação de Interesse Social fazem parte da Política Nacional de Habitação concretizada pelo Plano Nacional de Habitação – PLANHAB e, no caso em questão, pelo Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS que é composto pelo Plano Nacional, Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e o Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – CGFNHIS.
De acordo com o Ministério das Cidades o Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – CGFNHIS deve estabelecer diretrizes e critérios para a alocação dos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS em combinação com a Política e o Plano Nacional de Habitação. Esse sistema se reproduz nos estados e municípios com o Plano, Conselho e Fundos estaduais e municipais.
Os conselhos municipais de habitação deveriam garantir a representatividade da sociedade civil organizada, no entanto seu papel de fiscalizador e definidor de critérios para alocação de recursos do fundo o torna politicamente importante para que os governos municipais aceitem sua interferência, ou se o fizerem que seja sob o seu controle. Essa atitude é muito comum nos governos de centro direita e direita, mas aqueles de esquerda não estão livres desses procedimentos. Essas ações podem ocorrer por intencionalidade do gestor ou apenas por não haver um nível de politização popular suficiente para exigir a real abertura às diversas camadas sociais.
O PLHIS deve ser elaborado em três etapas básicas: Proposta Metodológica; Diagnostico; Estratégias de ações. Mas inicialmente a Prefeitura deve compor uma equipe técnica municipal com profissionais de diversos setores apoiados, quando necessário, por consultores. Uma primeira reunião com a comunidade é necessária para apresentação da proposta e formar uma comissão de acompanhamento com representantes da comunidade para observar a elaboração do Plano e solicitar esclarecimentos quando isso se fizer necessário, sua composição não é definida em termos numéricos ou da representatividade de cada um dos seus membros podendo ser composta, por exemplo, pelos membros do conselho de habitação, se houver um.
Após a elaboração da primeira etapa tem-se a primeira audiência pública que deve ser amplamente convocada permitindo-se a participação da comunidade local e de seus representantes sem distinção quanto ao direito de fala e de voto. Esse procedimento vai se repetir nas outras duas etapas culminado com a aprovação do PLHIS. Em cada uma das etapas junto aos relatórios gerados deve ser anexada a documentação comprobatória da participação da população com lista de presença e fotos. No entanto não é definido um número mínimo de participantes, mesmo porque dado a baixa quantidade de participantes na maior parte dos municípios isso inviabilizaria a confecção do Plano.
Antes de cada etapa deve haver uma capacitação dos envolvidos para que tenham a condição de levar os trabalhos à termo. No entanto essa capacitação depende de fatores externos que não podem ser controlados pelos responsáveis pela capacitação e, posteriormente, pela audiência pública como poderá ser visto a seguir numa análise da elaboração dos PLHIS de quatro municípios baianos de portes diferentes.

A participação popular nos PLHIS de Brumado
O contexto de construção do PLHIS de Brumado é importante para entender parte do que aconteceu em termos de participação popular. Em 2011 quando os trabalhos foram iniciados a prefeitura se viu pressionada pelos prazos dados pelo Governo Federal após a assinatura do termo de adesão. A prefeitura constituiu a equipe municipal e contratou, após licitação, uma empresa de consultoria para auxiliar na elaboração do mesmo. A previsão inicial era de que todo o processo ocorresse em seis meses, em razão dos prazos acordados, no entanto, por razões diversas, só ficou pronto em 2013.
A primeira reunião convocada para abrir os trabalhos e explicar à comunidade o que viria a ser o PLHIS se deu com uma quantidade razoável de pessoas. A convocação foi feita no formato exigido pelo Ministério das Cidades através das mídias locais e mais de 50 pessoas compareceram. Pode parecer um número pequeno para um município com mais de 50 mil habitantes, mas essa é uma realidade do interior da Bahia, com algumas exceções.
No entanto a preocupação da maioria dos presentes não estava em poder entender quais eram os objetivos do governo municipal com a elaboração do PLHIS, mas saber quando as casas ficariam prontas, mesmo que as explicações tentassem direcionar a discussão para um processo que deveria se dar ao longo de alguns anos e que não se restringia, exclusivamente, à "doação" de casas. Entende-se que isso é natural e as causas dessas demandas está no imediatismo das necessidades das pessoas associada ao clientelismo que, durante muito tempo, regeu as relações entre os governos municipais e os munícipes.
Por outro lado a organização da sociedade civil no setor habitacional é muito frágil e necessita de incentivos para se tornar mais ativa. Isso resultou, nas reuniões seguintes, em reduzida participação dos representantes das entidades assim como da população, situação que se repetirá nas reuniões de outros municípios a elaborar o PLHIS.
Obviamente não é administrativamente possível a participação indistinta de todas as pessoas na gestão municipal direta. Para isso são criadas as representações como os conselhos. De acordo com o Ministério das Cidades os municípios poderiam ampliar as atribuições de conselhos de habitação existentes para gerir o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social, ou mesmo dar ao Conselho Gestor a capacidade de discutir outros temas que ultrapassassem a gestão dos recursos e aplicação do PLHIS. Nesse caso a representação popular vai variar de acordo com a Lei ou Decreto que regulamenta a composição do conselho, no caso de Brumado tem-se: 01 (um) representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania; 01 (um) representante da Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento econômico; 01 (um) representante da Secretaria Municipal de infra-estrutura, Serviços Públicos e Desenvolvimento Urbano; 01 (um) representante de movimentos sociais. Além da representação desigual a presidência do Conselho, definida no decreto, é do titular da Secretaria Municipal de desenvolvimento Social que tem a prerrogativa de exercer o voto de qualidade.
Em um contexto como o descrito, como garantir a participação efetiva da população na gestão da habitação no município? Mesmo considerando que à época o Governo Municipal tinha uma postura aberta para a gestão participativa os resultados não foram significativos em termos de contribuição da comunidade.

A elaboração do PLHIS de Itagi e Jitaúna e a contribuição comunitária
Itagi e Jitaúna tem, cada um, uma população 5 vezes menor que Brumado, mas os problemas de participação da comunidade são muito parecidos, assim como o município maior, a população foi convocada para participar das reuniões de preparação e aprovação das etapas do PLHIS, no entanto, novamente, as preocupações giravam em torno das questões mais imediatas, e as perguntas se repetiam: e quando vão ser distribuídas as casas?
Após a primeira reunião e identificado pelos participantes que a ideia era de um planejamento a longo prazo as reuniões começaram a ficar esvaziadas, mesmo criando-se as condições para a participação das pessoas. Novamente o imediatismo e os resquícios do clientelismo se fazem presentes.
Mesmo considerando a baixa participação popular ainda foi possível aos governos municipais criarem seus conselhos. No caso de Itagi o Conselho Gestor do Fundo é composto por: 1 (um) representante da Secretaria do Trabalho de Bem Estar Social; 1 (um) representante da Secretaria de Infraestrutura; 1 (um) representante da Secretaria de Saúde; 1 (um) representante da Pastoral da Criança; 1 (um) representante da Associação de Apoio à Educação, Cultura e Ação Comunitária – FAECAC; 1 (um) representante da Associação da Guarda Municipal de Itagi. Nesse caso há uma igualdade em termos da quantidade de conselheiros sendo três do governo e três dos movimentos populares, no entanto, pode-se observar que nenhum deles está diretamente ligado à discussão sobre habitação.
Em Jitaúna a composição do Conselho conta com 5 (cinco) representantes do governo municipal e 4 (quatro) da comunidade, distribuídos da seguinte forma: Secretaria Municipal do Trabalho e Bem Estar Social; Secretaria Municipal de Obras; Secretaria Municipal de Serviços Públicos; secretaria Municipal de Finanças; Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente; 3 (três) representantes de entidades da área de movimentos populares e associações de bairros e 01 (um) representante do Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Jitaúna. Apesar do maior número de participantes essa composição é menos democrática que a anterior.

A participação da população no PLHIS de Vitória da Conquista
Do ponto de vista da participação popular o PLHIS de Vitória da Conquista deve ser dividido em duas partes, pois houveram dois processos diferentes que ocorreram em contextos diferentes. No ano de 2009 a Prefeitura deu início a elaboração do Plano. O município, em razão dos governos de esquerda, tem uma tradição na participação popular através de diversos conselhos, o de habitação era um deles. Ele foi criado como "órgão deliberativo, consultivo e fiscalizador do Programa e do Fundo Municipal de Habitação Popular", portanto já abraçava a função de fiscalizador e gestor do Fundo. É composto por 11 representantes da sociedade civil e 11 do Governo: 4 de assentamentos; 4 de ocupações; 1 da OAB, subseção de Vitória da Conquista; 1 do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA; 1 dos movimentos de moradia; 1 da Procuradoria Geral do Município; 1 da Secretaria Municipal de Obras e Urbanismo; 1 da Secretaria Municipal de Meio Ambiente; 1 da Secretaria Municipal de Serviços Públicos; 2 da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social; 1 da Secretaria Municipal de Expansão Econômica; 1 do Gabinete do Prefeito; 1 da Secretaria Municipal de Saúde; 1 da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB; 1 da Caixa Econômica Federal – CEF. Todos tem um suplente e os mandatos são de dois anos.
Esse Conselho funcionou à contento até a mudança do Governo Municipal, por ocasião da transição do mandato do Prefeito José Raimundo para Guilherme Menezes quando suas atividades foram reduzidas à zero. No entanto a elaboração do PLHIS necessitava da presença do Conselho que poderia servir como comissão de acompanhamento das atividades realizadas pela equipe técnica responsável pelo processo, mas foi longa a demora em reativá-lo, mesmo porque não era a prioridade do governo. Esse foi um dos fatores que levaram ao atraso dos trabalhos de conclusão do Plano.
Inicialmente a equipe técnica da prefeitura assessorada por professores da UESB, e composta por funcionários de diversos setores da Prefeitura, elaboraram um grande cronograma de reuniões com a comunidade para ouvir as demandas relativas à habitação no município, foram feitas visitas em todos os bairros da sede e distritos. Essas reuniões serviram entender os problemas do ponto de vista das comunidades e elaborar um diagnóstico mais adequado à realidade, conforme indica o Ministério das Cidades.
Inicialmente para a equipe técnica o maior problema parecia estar na demanda imediata da população, assim como nos municípios citados anteriormente, e apesar da tradição conquistense de participação popular na gestão municipal a expectativa da maioria dos presentes novamente se resumia a pergunta: e quando as casas vão sair? Considerando as experiências anteriores foi possível listar os problemas, mas a pergunta em questão continuava a permear as reuniões.
Infelizmente a lição aprendida é de que, mesmo com uma ampliação da participação das pessoas nas atividades de gestão e planejamento, as necessidades imediatas dão a tônica e são o principal motivo das reivindicações e, em sua maioria, se resumem à possibilidade de conseguir uma nova casa. É claro, ninguém vai esquecer da fome ou da falta de abrigo para si ou para seus parentes, mas essas questões remetem para uma observação mais acurada da situação social da população local e da permanência dos efeitos do clientelismo do passado, ou mesmo de um neoclientelismo baseado na distribuição de casas que não atendem plenamente as necessidades das famílias, mas se constituem em números eleitorais.
Além das reuniões nos bairros, também foram feitas reuniões com setores específicos da sociedade, dentre elas a mais produtiva ocorreu com a Associação Conquistense de Integração do Deficiente – ACIDE, que apontou inúmeros erros nos projetos dos imóveis construídos pelos programas federais como o "Minha Casa, Minha Vida – MCMV" e em outros efetivados pela Prefeitura Municipal em parceria com o governo federal.
A última reunião para a aprovação do diagnóstico ocorreu após várias tentativas junto aso gestores municipais e contou com uma grande participação dos representantes de associações e setores da sociedade civil e a proposta foi aprovada pelos presentes, no entanto a sequência das atividades sofreu solução de continuidade. A prefeitura também optou pelo imediatismo em detrimento à construção do PLHIS, optando por envidar todos os esforços no programa MCMV para ampliação da distribuição de casas.
Após alguns meses, sob pressão do governo federal, que condicionou os repasses, inclusive para o MCMV, a prefeitura retoma o PLHIS, dessa vez contrata uma empresa que tem a tarefa de refazer o PLHIS e apresentar o resultado em seis meses. Apesar de não resgatar todas as reuniões já feitas e os resultados, a empresa consegue realizar as etapas e aprovar em audiências públicas os resultados das três etapas com grande participação do público, todavia, esse público se restringe aos que receberam convites e, apesar de abertas, as reuniões não foram devidamente divulgadas. A última audiência para aprovação do PLHIS ocorre durante a Conferência municipal das Cidades, excelente estratégia se não fosse a Conferência feita, também, para convidados.
O próprio Conselho das Cidades admite uma certa incapacidade relacionada as poucas competências deliberativas e da ausência de regras claras quanto a distribuição de atribuições dos diferentes níveis de governo:
A questão é reconhecer que as poucas competências deliberativas do Conselho das Cidades e a ausência de regras claras no que se refere à distribuição de atribuições dos diferentes níveis de governo – na forma de uma lei que regulamente o sistema nacional de desenvolvimento urbano – pode estar dificultando a institucionalização dos conselhos das cidades no âmbito dos demais entes federados, na medida em que essas regras definem procedimentos que facilitam a adoção de determinados desenhos institucionais. Atualmente a capacidade deliberativa do Conselho é muito mais resultante da sua força social – o fato dele ser composto por segmentos representativos dos setores sociais ligados à política urbana – do que das atribuições institucionais legais. E nesse aspecto existem riscos de retrocessos, já que não há nenhuma garantia que os próximos governos mantenham o compromisso em adotar as deliberações tomadas no seu interior. Assim, é necessário alterar o estatuto institucional do Conselho das Cidades, de forma a torná-lo uma instância participativa permanente, com atribuições deliberativas claramente instituídas no âmbito de um SNDU (CONCIDADES, 2013, p. 3)

A questão posta parte de uma situação paradoxal, como resolver a participação popular em uma situação de pobreza, baixo nível educacional, fraca organização sindical e resquícios da ditadura e do clientelismo adjacente ao coronelismo sertanejo que se reproduz nas políticas assistencialistas do neoclientelismo?
Imediatamente a única resposta está na educação e preparação das pessoas para reivindicar organizadamente e não apenas pedir favores. Ao estado cabe o papel de fornecer as condições para que os indivíduos entrem no mercado capitalista, se os querem consumidores, ou sejam cidadãos, se os querem participantes da vida social. Por enquanto a opção dos governos no Brasil tem sido a primeira, resolvendo os problemas do mercado, ampliando a demanda com o aumento da renda e a distribuição do "Bolsa Família" e instilando o PIB com o PAC e o MCMV.

Considerações finais
A gestão integrada passa por uma redução do seu processo de fragmentação refletido nos diversos conselhos trabalhando de forma individualizada. Ao mesmo tempo em que funcionam diferentes secretarias municipais, existem conselhos de desenvolvimento urbano e outros de habitação que não conversam. A organização parece refletir a própria fragmentação do espaço geográfico, mas não a combinação entre os elementos deste. Se os problemas urbanos ocorrem de maneira desigual e combinada, da mesma forma deveria ser a gestão desses.
Por outro lado inúmeras questões ainda ficarão em aberto. É preciso entender como as pessoas terão condições de fazer parte dos diversos conselhos ou discutir em uma audiência pública problemas urbanos cujos interlocutores se preocupam em utilizar terminologia específica de suas áreas. Entender o discurso do governo e participar da gestão não pode ser algo de uma elite dentro da pobreza ou de iluminados pelo conhecimento acadêmico.
A melhoria na qualidade de vida passa naturalmente por uma moradia digna, saneamento ambiental, mobilidade e acessibilidade urbana, mas também por melhores condições de educação, saúde e lazer e na sociedade capitalista, principalmente, a possibilidade de vender a sua força de trabalho a um preço o mais próximo possível do justo. É preciso reduzir as formas neoclientelistas de ação sobre a população. Já não se troca tanto tijolos por votos, mas o medo da perda do benefício, seja ele qual for, torna o indivíduo refém de um governo.
Os governos, em seus três níveis devem reavaliar o formato proposto para a participação popular, dar mais ênfase à preparação das pessoas para participar, mas não apenas um treinamento para ser conselheiro, e sim uma melhoria no processo educacional a gerar real inserção do indivíduo nas discussões, para que ele seja um agente da modificação e não um ator passivo a desempenhar um papel escrito por outros.
Por fim, planos diretores e tantos outros tem recebido o título de "participativos", cabendo aqui mais um questionamento, até que ponto um plano pode receber essa nomenclatura se a participação de determinados setores da sociedade é irrisória, não por falta de interesse, mas por desconhecer a sua capacidade de transformação e a necessidade de levar a sua necessidade imediata ao conhecimento das "autoridades", mas também ter a condição de dizer o que quer para a sua cidade, seu município ou seu país.

Referências
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CÔRTES, Soraya M. Vargas. Arcabouço histórico-institucional e a conformação de conselhos municipais de políticas públicas. In Educar, Curitiba, n. 25, p. 143-174, 2005. Editora UFPR.
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