Partidos e eleições no Paraná: uma abordagem histórica (Parties and Elections in Southern Brazil: a Historical Approach)

June 13, 2017 | Autor: Adriano Codato | Categoria: Political Parties, History of Political Parties, Brazilian Politics
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PARTIDOS E ELEIÇÕES NO PARANÁ: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA

Adriano Nervo Codato Fernando José dos Santos (orgs.)

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO PARANÁ - 60 ANOS -

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Tribunal Regional Eleitoral do Paraná © Copyright dos autores Direção Direção: Ivan Gradowski Coordenação Coordenação: Ana Flora França e Silva Capa e projeto gráfico: Milena Nervo Codato e Daniel Amaral Vilela Revisão técnica técnica: Gustavo Biscaia de Lacerda Fábia Berlatto Partidos e eleições no Paraná: uma abordagem histórica Suplemento: PARANÁ ELEITORAL Edição Comemorativa: 60 anos - Tribunal Regional Eleitoral do Paraná ISBN 85-60558-00-4 Ciência Política. Direito Eleitoral. Direito Político. Direito Partidário. Eleições. Partidos Políticos. Sociologia Política. CDD 341.2805

Tiragem: 1.500 exemplares Os conceitos e interpretações contidos nos trabalhos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores.

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Quem não se preocupa com os fatos não pode entender a política. Robert Dahl Análise política moderna, 1976.

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SUMÁRIO Prefácio (Sérgio Soares Braga) ....................................................................................9 Sobre os autores ........................................................................................................13 Apresentação: Des. Clotário de Macedo Portugal Neto...............................................15 Introdução: Novos horizontes para o estudo da política institucional no Paraná (Adriano Nervo Codato) ..........................................................17 Lista de siglas .............................................................................................................23 Anos 1940 1. A SEMILEGALIDADE CONSENTIDA: O desempenho eleitoral do Partido Comunista no Paraná em meados do século XX Márcio Kieller .............................................................................................................25 Anos 1950 2. O VOTO INTEGRALIST ARANÁ: INTEGRALISTAA NO PPARANÁ: Uma análise das eleições presidenciais de 1955 Amanda Litzinger Gomes ..............................................................................................45 Anos 1960 e 1970 3. A VOT AÇÃO DO MDB DO PPARANÁ: ARANÁ: VOTAÇÃO Uma análise histórica (1966 e 1978) Moacir Ribeiro de Carvalho Júnior ..............................................................................69 4. A VOT AÇÃO DA ARENA NO PPARANÁ: ARANÁ: VOTAÇÃO Uma análise histórica (1966 e 1978) Jorge Eduardo França Mosquera ..................................................................................95 Anos 1980 5. OPÇÃO PELO POPULISMO: Dissidência política e renovação eleitoral no município de Ponta Grossa Emerson Urizzi Cervi .................................................................................................125 Anos 1990 6. CLIENTELISMO ELEITORAL E CORONELISMO POLÍTICO: Estudo de um pequeno município paranaense Alessandro Cavassin Alves .........................................................................................147

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7. GEOGRAFIA DO VOTO DE ESQUERDA NO PPARANÁ: ARANÁ: Uma análise do desempenho eleitoral do PT nas eleições presidenciais (1989-2002) Luzia Maristela Cabreira Bonette ...............................................................................171 8. CORRUPÇÃO ELEITORAL NO PPARANÁ: ARANÁ: Um estudo de caso das eleições municipais de 1996 Fernando José dos Santos .........................................................................................187 9. POLÍTICA LOCAL E A OCUP AÇÃO DE CARGOS ELETIVOS OCUPAÇÃO EM CURITIBA (1985-2000) Louise Ronconi de Nazareno ......................................................................................219 Anos 2000 10. INSTITUCIONALIZAÇÃO PPARTIDÁRIA: ARTIDÁRIA: Uma discussão empírica a partir do caso do PFL do Paraná Emerson Urizzi Cervi & Adriano Nervo Codato .........................................................245

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PREFÁCIO Um sintoma da crescente institucionalização e profissionalização da Ciência Política no Brasil é o surgimento de um corpus cada vez mais amplo e consistente de estudos que tomam como objeto de análise atores, instituições e processos políticos nas esferas subnacionais de governo. É cada vez maior e, mais importante, de maior qualidade o número de trabalhos que buscam analisar processos políticos nos estados e municípios brasileiros, investigando de maneira mais sistemática e profunda as características e a diversidade dos vários “subsistemas” políticos que coexistem em nosso espaço territorial, para empregar uma expressão de uso consagrado por este tipo de literatura. O presente livro, organizado por Adriano Nervo Codato e Fernando José dos Santos, se insere dentro desse contexto de aumento do interesse da corrente dominante da Ciência Política brasileira pelas unidades político-administrativas subnacionais. Entretanto os textos contidos nessa coletânea apresentam algumas características específicas e qualidades que não são comuns de serem encontradas nesses tipos de estudos e para as quais gostaríamos de chamar a atenção do leitor deste prefácio com vistas a estimulá-lo desde logo a consultar da maneira mais atenta possível, uma a uma, as importantes contribuições incluídas nesta obra coletiva. Em primeiro lugar, devemos destacar o fato de o presente livro ser um ótimo exemplo do tipo de intercâmbio que pode e deve haver entre a pesquisa acadêmica, que se realiza na universidade (no caso, os pesquisadores integrantes do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira, da UFPR), e o importante trabalho de preservação, sistematização e organização de informações realizado por instituições da idoneidade e do porte do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Nesse sentido, as pesquisas compiladas neste livro são uma excelente amostra do tipo de resultados que pode produzir tal cooperação, se conduzidas por profissionais dedicados e efetivamente comprometidos com a divulgação dos dados contidos nos acervos desses órgãos públicos para setores mais amplos da população. Dados e informações estes aqui postos à disposição do público especializado e do leitor comum no seu grau mais elevado de tratamento analítico, ou seja, na forma de exposição dos resultados de pesquisas científicas. Outra característica importante do livro, para a qual o leitor deve estar desde logo atento, é a de que, embora “empiricamente orientados”, os textos constantes deste trabalho fogem do empirismo de cunho descritivo presente em boa parte dos estudos sobre as unidades subnacionais brasileiras, especialmente os produzidos sob o influxo teórico-metodológico de certos modismos acadêmicos que, de tempos em tempos, assolam a politologia nacional.

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Ao contrário, embora amplamente ilustrados por evidências empíricas, cada um dos textos contidos na coletânea traz, subjacente ao processo de exposição dos resultados das pesquisas, a “problematização” de determinados conceitos ou hipóteses teóricas que dão sentido e consistência analítica ao processo de coleta e sistematização de tais evidências. Assim sendo, um amplo leque de problemas de cunho propriamente teórico é examinado no conjunto dos artigos, tais como: a participação eleitoral de partidos de esquerda num contexto de “democracia restringida”; as várias hipóteses explicativas para as causas do pitoresco voto paranaense num candidato conservador nas eleições presidenciais de 1955 (o ex-integralista Plínio Salgado); o comportamento eleitoral e a institucionalização política dos dois grandes partidos durante a vigência do bipartidarismo autoritário no País (Arena e MDB); as causas da reemergência do populismo num pequeno município do interior do estado; a sobrevivência de uma espécie de “neocoronelismo”, em plena entrada do século XXI, em um pequeno município da região metropolitana de Curitiba; a distribuição espacial dos sufrágios nas últimas eleições majoritárias para presidente da República nos principais colégios eleitorais do estado; o padrão de corrupção eleitoral observado nas eleições municipais no Paraná em 1996, através dos julgados de um tribunal; as relações entre o Executivo e o Legislativo e o padrão de recrutamento das coalizões e de comportamento dos vereadores nas últimas gestões da prefeitura de Curitiba; e, para coroar o processo expositivo, a proposição de um modelo de análise que possibilite a verificação empírica do “grau de institucionalização” das agremiações partidárias, procedimento analítico corajoso e ambicioso no bom sentido do termo, que nos permite refletir de maneira mais fundamentada sobre um dos mais controversos conceitos da Ciência Política (o de “grau de institucionalização”). Basta a mera enumeração desses significativos problemas de análise política para verificarmos a riqueza e abrangência dos textos contidos nesta compilação. Por sua vez, essa variedade temática é complementada por uma amplitude cronológica que possibilita ao leitor uma visualização abrangente da evolução do “subsistema político” paranaense, desde os primórdios de criação das primeiras instituições democráticas no pós-II Guerra Mundial, quando os partidos semiclandestinos de esquerda ainda necessitavam utilizar subterfúgios para apresentar em outras legendas seus candidatos aos pleitos eleitorais, até os tempos presentes, quando uma outra esquerda, agora no poder, enfrenta os desafios e os dilemas da institucionalização partidária e do “ser governo”, ou seja, do estar na vanguarda do próprio processo de elaboração e de implementação de políticas governamentais, podendo, portanto, ser responsabilizada por seus acertos e desacertos. Por fim, gostaríamos de chamar a atenção para uma derradeira qualidade do trabalho que, nem por ser a última, deixa de ser da maior relevância. É que, embora centrados na análise de processos políticos ocorridos numa unidade subnacional específica da região Sul do País, nada mais estranho aos vários textos contidos nessa coletânea do que o provincianismo empolado que consiste em afirmar, a priori e sem o cotejo sistemático com estudos de cunho comparativo, a “singularidade” ou a “diferença” específica dos processos políticos ocorridos no estado do Paraná vis-à-vis outras unidades da federação.

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Ao contrário, são problemas e preocupações universais da Ciência e da Teoria Políticas que fazem parte do foco de interesses dos artigos e de seus autores, destituídos de qualquer intencionalidade apologética em relação aos atores participantes de tais processos, ou da preocupação algo provinciana com a “singularidade” dos fenômenos observados ou com a “identidade” sociológica e cultural de uma determinada região, um tipo de preocupação ainda presente em certa categoria de estudos históricos e sociológicos a respeito das unidades subnacionais brasileiras, e que nem sempre produz resultados analíticos fecundos. Essa amplitude de vistas e densidade teórica, cujo sintoma mais patente é o bom nível do diálogo empreendido com a literatura contemporânea produzida em vários ramos das ciências sociais, faz com que Partidos e eleições no Paraná possa ser consultado com proveito não apenas pelos leitores interessados nos problemas referentes à história e à política paranaenses, mas também por pesquisadores e analistas de outros estados que buscam inspiração e parâmetros analíticos comparativos para a realização de pesquisas noutras esferas subnacionais. Todas estas características e qualidades dos artigos contidos nessa coletânea – dentre outras que o leitor atento perceberá ao percorrer os textos _ estão presentes de forma concentrada neste livro, certamente devido à capacidade aglutinadora de seus organizadores e sua dedicação ao trabalho coletivo de pesquisa. Sendo assim, resta ao prefaciador parabenizar os autores e as instituições envolvidos na elaboração deste trabalho que _ sem favor algum e para usar uma expressão que nem por ser um clichê deixa de ser verdadeira _ constitui-se numa referência obrigatória para os estudos sobre “partidos e eleições” nas unidades subnacionais brasileiras, e não apenas no estado do Paraná. Como corolário dessas já longas considerações, resta-nos apenas fazer votos para que a publicação deste livro inspire e estimule pesquisadores de outros estados e municípios brasileiros a interagir da mesma forma com as respectivas instituições públicas, para produzirem estudos da mesma qualidade e relevância que os contidos nesta importante obra.

Sérgio Soares Braga Curitiba, maio de 2006.

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SOBRE OS AUTORES ADRIANO NERVO CODATO Adriano Nervo Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira. É autor de Sistema estatal e política econômica no Brasil pós-64. Sao Paulo: Hucitec/ ANPOCS/Ed. da UFPR, 1997; e Political Transition and Democratic Consolidation: Studies on Contemporary Brazil. New York; Nova Science, 2006. É editor da Revista de Sociologia e Política. ALESSANDRO CAVASSIN ALVES Alessandro Cavassin Alves é mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Bacharel em Ciências Sociais também pela UFPR. AMANDA LITZINGER GOMES Amanda Litzinger Gomes é Bacharel em Ciências Socias pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Especialista em Gestão de Políticas, Programas e Projetos Sociais, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). EMERSON URIZZI CERVI Emerson Urizzi Cervi é graduado em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e concluiu o mestrado em Sociologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2002. Cursa o doutorado em Ciência Política no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Atualmente é professor das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil) e Professor do Curso de Especialização em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná. Atua na área de Ciência Política, com ênfase em comunicação política, opinião pública e comportamento eleitoral. FERNANDO JOSÉ DOS SANTOS Fernando José dos Santos é Assessor Técnico de Sessões e editor da revista Paraná Eleitoral no TRE/PR, Professor de Direito Eleitoral nas Faculdades Integradas do Brasil, co-autor de Crimes Eleitorais e Outras Infringências, Juruá Editora, 2ª Edição, 1996. JORGE EDUARDO FRANÇA MOSQUERA Jorge Eduardo França Mosquera é jornalista formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi repórter e editor em jornais de Curitiba, correspondente de esportes de O Globo, correspondente de Veja e chefe da sucursal de O Estado de S. Paulo. Atualmente, é coordenador de conteúdo do site da Prefeitura de Curitiba. Especializou- se em Sociologia Política pela UFPR e cursa Direito nas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).

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LOUISE RONCONI DE NAZARENO Louise Ronconi de Nazareno é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Socióloga do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), é também professora do curso de graduação em Ciência Política da Faculdade Internacional de Curitiba (FACINTER). LUZIA MARISTELA CABREIRA BONETTE Luzia Maristela Cabreira Bonette é Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Especialista em Sociologia Política, também pela UFPR, fez pós-graduação em Formação Pedagógica do Professor Universitário e é mestranda em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). MÁRCIO KIELLER Márcio Kieller é Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mestre em Sociologia também pela UFPR e foi professor de Ciência Política da Faculdade Internacional de Curitiba (FACINTER). É autor do livro: PCB/PCdoB: a unidade comunista no Brasil (Ibert, 2002). MOACIR RIBEIRO DE CARVALHO JÚNIOR Moacir Ribeiro de Carvalho Júnior é graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), advogado em Curitiba, tem Especialização em Sociologia Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e é mestrando em Gestão Urbana na PUC-PR.

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APRESENTAÇÃO Logo após a minha posse na presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná chegou-me a solicitação para minutar a apresentação de um livro organizado pelo servidor Fernando José dos Santos, responsável pela já reconhecida revista “Paraná Eleitoral”, e pelo professor Adriano Nervo Codato. O livro intitulado Partidos e eleições no Paraná: uma abordagem histórica foi levado a efeito pela parceria inédita e importantíssima, digo desde já, com o Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira, vinculado ao Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná, sob o patrocínio do Tribunal Eleitoral do Paraná. Despido de qualquer sentimento de vaidade, mas tomado completamente pelo orgulho, não posso deixar de registrar um fato histórico curioso, máxime em consideração a abordagem histórica da publicação. Clotário de Macedo Portugal, meu avô, há sessenta anos, foi o primeiro presidente deste Tribunal. Agora, passados todos esses anos, como o fecho de um percurso, o fim de uma caminhada, sou levado ao encargo de fazer a ligação dessas linhas históricas iniciadas na conformidade daquela época. Digo isso porque tenho certeza que seus atos, a seu modo, em muito contribuíram para encaminhar esta então incipiente Justiça especializada. Faço essa menção histórica com o único objetivo de trazer à reflexão o fato da transitoriedade dos homens, administradores públicos. Nesses 60 anos que intermediaram nossos mandatos, dezenas de desembargadores, alguns melhores administradores, outros mais eloqüentes julgadores, passaram pela cadeira da presidência desta Casa. Uma passagem de olhos pela Galeria de ex-presidentes, que fica anexa à nossa Sala de Sessões, nos remete a uma sensação de transitoriedade e eu diria até fungibilidade. Pois bem, faço toda essa digressão para dizer-lhes, sem adjetivos inúteis, da verdadeira importância da palavra escrita. A contribuição do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira, com quem temos trocado valiosas informações, é de importância sem precedentes. As observações sociológicas, políticas, os estudos doutrinários e todas essas contribuições permanecerão para sempre. Os escritores se tornam eternos por intermédio dos seus textos e as idéias, uma vez publicadas, retratam toda uma época. De algum modo, todos nós que integramos o Tribunal, magistrados e servidores, temos o poder da representação pessoal e até de dizer em nome do Tribunal.

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Todavia, são aqueles que ousam escrever sobre política, sobre direito e sobre sociologia que, justamente, se eternizaram no poder da sabedoria. Em nome do meu avô, que iniciou esta caminhada, agradeço a vocês pelo empenho e pela direção a que empreenderam seus esforços. Esta parceria inédita deve prosseguir. Meus agradecimentos e estímulos aos coordenadores desta obra, professor Adriano Nervo Codato, da área de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná, ao servidor Fernando José dos Santos, deste Tribunal, e a todos que contribuíram para esta edição histórica, nomino-os individualmente para que, como ocorre com galeria dos expresidentes, tenham sempre seus nomes lembrados: Márcio Kieller, Amanda Litzinger Gomes, Moacir Ribeiro de Carvalho Júnior, Jorge Eduardo França Mosquera, Alessandro Cavassin Alves, Luzia Maristela Cabreira Bonette, Louise Ronconi de Nazareno e Emerson Urizzi Cervi.

DES. CLOTÁRIO DE MACEDO PORTUGAL NETO Presidente

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INTRODUÇÃO Novos horizontes para o estudo da política institucional no Paraná I. Dimensões de análise Se no Brasil a Ciência Política custou a firmar-se como uma área de estudos de direito próprio, com teorias, materiais e métodos que não fossem emprestados da Sociologia ou do Direito Constitucional, no Paraná análises sistemáticas e regulares sobre a política local só começaram a aparecer muito recentemente. Descontados três ensaios sobre “partidos e eleições” na década de 19601, o tema só receberia um tratamento mais objetivo na segunda metade dos anos 19902. Olhando a evolução do material publicado, o que se constata é um campo inédito e imenso de questões, casos e problemas a explorar3. Este livro retoma o caminho aberto pelos precursores, mas aproveitando-se do significativo incremento (teórico e empírico) e da indispensável institucionalização da nossa disciplina nos últimos vinte anos. São três os temas tratados: o desempenho político dos partidos (à direita, ao centro e à esquerda); o estudo de determinadas eleições ao longo do desenvolvimento político do estado; e as relações executivo-legislativo em nível municipal. A variedade do material aqui impresso admite que se avalie (assim espero) a dinâmica da política paranaense dos últimos cinqüenta anos nessas áreas específicas. Trabalho indispensável que autoriza comparações históricas e geográficas que permitam superar, de uma vez por todas, a mitologia “sociológica” da peculiaridade estadual, construída e difundida com base em impressões muito circunstanciais e evidências, na maioria das vezes, folclóricas. Assim, o decantado conservantismo “do Paraná” e “dos paranaenses” (expresso dessa maneira e nesse grau de generalidade) adquire aqui uma 1 Ver: Wilson Martins, O Paraná é uma incógnita. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 8, abr. 1960, p. 229254; José N. dos Santos, Comportamento eleitoral do Paraná nas eleições de 1962. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 16, jan. 1964, p. 227-250; e Altiva P. Balhana, Eleições em Santa Felicidade, 1945-1965. Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 27, jul. 1969, p. 203-260. 2 V. Luzia Helena Herrmann de Oliveira, Democratização e institucionalização partidária: o processo políticopartidário no Paraná (1979-1990). Londrina: Editora da UEL, 1998; e Mário Sérgio Lepre, Caos partidário paranaense. Londrina: Editora da UEL, 2000. 3 Falo aqui, evidentemente, da Ciência Política, meu ofício. Sociólogos, economistas e historiadores escreveram bons ensaios sobre “a política paranaense”. V., por exemplo, Francisco Paz, Cenários de economia e política do Paraná. Curitiba: Prephácio, 1991.

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base objetiva e empírica, que o conecta com a dinâmica mais geral do sistema partidário e com a evolução do comportamento eleitoral no Brasil na segunda metade do século XX. O proveito em adotar essa perspectiva – historicamente mais ampla e cujo foco é ajustado a partir do sistema político federal – é confrontar idéias persistentes, como a do “Brasil diferente”, e repor a exceção paranaense nos seus devidos termos: como um caso entre outros, ou como um caso que, afinal de contas, não está tão afastado assim das circunstâncias políticas nacionais. Daí que a originalidade desses dez estudos se situe menos no ineditismo dos objetos que trata – o populismo, o clientelismo, a institucionalização partidária e a corrupção política, e sua relação com a política local – , e mais na maneira em pensá-los: já que não haveria tanto mérito em se declarar explorador de um território inexplorado. Nesse contexto, como se sabe, a cada enxadada, uma minhoca.

II. Problemas de política regional Este livro foi também elaborado a partir de uma perspectiva histórica. Desde a redemocratização, que pôs fim ao Estado Novo, até o regime brasileiro atual, os estudos reunidos aqui procuram dar uma visão menos generalizante e mais circunstanciada das forças políticas que atuaram no estado da Segunda Guerra em diante. O volume que o leitor tem em mãos acompanha a evolução do sistema político estadual, examinando a dinâmica partidária e eleitoral do Paraná a cada década, de 1940 aos anos 2000. O capítulo 1, A semilegalidade consentida, de Márcio Kieller, cobre o desempenho eleitoral do Partido Comunista no Paraná logo depois do reconhecimento oficial da agremiação, em 1945, fazendo um relato minucioso da participação dos seus dirigentes nas eleições majoritárias e proporcionais até a década de 1960. O estudo mobilizou um conjunto muito variado de fontes históricas. No Arquivo Público do Paraná foi consultado o Fundo da Delegacia de Ordem Política e Social – Dops. No Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) foram examinados o Livro-ata da fundação e registro do Partido Comunista no estado em 1945; o Livro-ata da composição da primeira direção estadual e municipal do PCB-PR; e o Livro-ata com os resultados das eleições gerais e proporcionais de 1945 e 1947. Além disso, foram realizadas uma série de entrevistas com dirigentes do Partido. Kieller sustenta que, mesmo com uma participação muito pequena na vida legal dos estados (pouco mais de dois anos), o PCB-PR atuou com força nos pleitos eleitorais que antecederam à cassação do seu registro em 1947, elegendo quatro vereadores (dois em Curitiba, um em Antonina e um em Londrina) e um deputado estadual (José Rodrigues Vieira Netto). Depois disso, banidos do sistema político-eleitoral, os comunistas atuaram como força auxiliar de partidos e frentes partidárias e dirigiram lutas sociais importantes no estado, como a Campanha dos Comunistas pela Paz e o Levante de Porecatu, cumprindo assim um papel fundamental na organização da esquerda no Paraná até o golpe de 1964. A pesquisa de Amanda Litzinger Gomes, O voto integralista no Paraná (capítulo 2), é uma análise das eleições presidenciais de 1955 no estado a partir de duas interrogações: por que o líder integralista Plinio Salgado, do minúsculo Partido de Representação Popular

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(PRP), obteve um apoio político tão significativo? E por que o Paraná, onde Juscelino não venceu, seguiu um padrão de votação diferente dos demais estados brasileiros? Nesse pleito, Plinio alcançou a terceira maior votação (com 103 337 votos, conquistando por isso 23% do eleitorado paranaense), batendo assim seus principais concorrentes (Juscelino Kubitschek (da aliança PSD-PTB), Adhemar de Barros (do PSP) e Juarez Távora (da UDNPDC)) em vários colégios eleitorais importantes, dentre eles Curitiba, onde fez 40% dos votos. Para responder a essas questões Amanda estudou o sistema político-partidário brasileiro entre 1945-1964 e as principais linhas de força da política paranaense nos anos 1950. Concentrando sua atenção na campanha presidencial no Paraná, o exame dos dados eleitorais em Curitiba destaca a coincidência da votação obtida por Plinio Salgado e a obtida por Moysés Lupion, candidato a governador pela coligação PSD-PDC-PTN, em todas as zonas eleitorais da cidade, com percentuais quase idênticos. Esse fato poderia sugerir, segundo a autora, um processo maciço de transferência de votos (e prestígio político) de Lupion a Plinio. Contudo, como não houve coligação formal entre os partidos, nem campanha em comum entre os candidatos, sustenta-se que foi o eleitorado quem produziu essa “aliança” informal. Essa conclusão, fundamentada empiricamente, contribui para suspeitar das opiniões correntes que afirmam o conservadorismo atávico dos paranaenses. Os capítulos 3 e 4 merecem ser lidos juntos. Eles reproduzem, a partir dos dados do TRE-PR, os resultados eleitorais obtidos pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) na primeira e na última eleição sob o bipartidarismo, durante a ditadura militar, em 1966 e 1978. O primeiro estudo – A votação do MDB do Paraná: uma análise histórica – de Moacir Ribeiro de Carvalho Júnior investiga o desempenho da sigla nas cinco maiores cidades do estado, ressaltando como o processo de desenvolvimento urbano contribuiu para a polarização do voto. Procurase demonstrar que o processo de urbanização do Paraná, ao longo das décadas de 1960 e 1970, contribuiu, em certa medida, para a formação de um “espírito crítico” do eleitor diante do regime, levando-o a optar pelo partido de oposição à ditadura. Jorge Eduardo França Mosquera, autor do segundo estudo – A votação da Arena no Paraná: uma análise histórica – , pôs à prova a tese conhecida segundo a qual o partido do governo era invariavelmente bem sucedido no interior, econômica e culturalmente menos desenvolvido, mas derrotado nas capitais. Os resultados obtidos pela Arena em Curitiba e nas outras quatro principais cidades do estado (Londrina, Maringá, Ponta Grossa e Cascavel) revelam que, se em 1966 a Aliança Renovadora Nacional foi a força política hegemônica no Paraná (inclusive na capital), em 1978 o partido da ditadura perdeu força também no interior, vencendo apenas na conservadora Ponta Grossa. O ensaio de Emerson Urizzi Cervi – Opção pelo populismo: dissidência política e renovação eleitoral no município de Ponta Grossa – busca uma explicação para as relações entre a elite política e o eleitorado em disputas municipais, enfocando o processo de substituição de grupos hegemônicos pela oposição legal. No caso em análise (as eleições municipais de 1996 em Ponta Grossa), a troca de um grupo político por outro

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(cujo perfil era completamente diferente) se deu graças ao surgimento de uma liderança “carismática e populista”, o radialista Jocelito Canto (do PSDB-PR). Sua eleição terminou com um ciclo de treze anos em que uma mesma aliança política (conservadora) se manteve à frente da prefeitura. A vitória de Jocelito não se deveu à pretensa manipulação ideológica das necessidades das classes mais baixas, já que o candidato conseguiu maioria de votos em todas as regiões da cidade, em todas as faixas etárias e em todas as camadas sociais. Na verdade, a elite no poder entrou em crise interna, em especial no período que vai de 1993 a 1996, aumentando assim a capacidade da dissidência política e a força da oposição. Sobre a década de 1990 o livro traz quatro estudos. Clientelismo eleitoral e coronelismo político, de Alessandro Cavassin Alves (cap. 6), trata da política em pequenos municípios. Segundo o IBGE, há no Paraná 323 cidades com menos de 20 mil habitantes. Tomando o caso de Itaperuçu (na região Metropolitana de Curitiba) como exemplo, vê-se que as estratégias das lideranças locais para vencerem as eleições, tanto para prefeito como para vereador, ou as redes de apoio mútuo formadas por políticos estaduais e federais com políticos e lideranças municipais, denunciam a permanência de práticas pouco “modernas”. A análise da série de eleições majoritárias e proporcionais na cidade, de 1992 até 2002 (para os três níveis: municipal, estadual e federal), indica que o “coronelismo” e o “clientelismo” condicionam o funcionamento desse micro-sistema político. Vigora em Itaperuçu, conforme mostra Alessandro, uma forma atualizada de “compromisso coronelista”. As elites políticas locais – versões contemporâneas e mais eficientes dos “coronéis” do interior – controlam, através do clientelismo, os votos do município destinados a deputados estaduais e federais em troca de recursos orçamentários para obras públicas na cidade, conservando, por essa via, seu prestígio e sua posição política. O chefe municipal torna-se assim responsável (“padrinho”) pelas vitórias eleitorais dos candidatos por ele apoiados, instaurando um intercâmbio de proveitos entre o poder público estadual e federal com os governos municipais. Mas não só o processo eleitoral firma esse “compromisso coronelista”. Há também aqui grande semelhança com a vida política nos pequenos municípios brasileiros durante a República Velha (1889-1930), tal como descrita por Victor Nunes Leal. O capítulo 7 – Geografia do voto de esquerda no Paraná – de Luzia Maristela Cabreira Bonette analisa o desempenho do Partido dos Trabalhadores no estado nas quatro eleições presidenciais de 1989 a 2002. Iluminando o processo político dos últimos anos, Luzia revisa a série quase infinita de condicionantes do voto “petista”, examinando o comportamento dos eleitores em função da mudança de perfil/discurso do candidato; das propostas do partido (ora à esquerda, ora ao centro); das sucessivas configurações do meio político regional e nacional (o que envolve as diferentes coligações partidárias e a adesão ou não das oligarquias locais à candidatura de Lula); do grau de informação e sofisticação política dos votantes; da avaliação do candidato em função de características e aspectos ligados a valores e símbolos de tipo moral (aparência, honestidade, credibilidade) etc. Sua interpretação sustenta que os fatores explicativos variaram de eleição para eleição,

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dependendo do contexto político, econômico e social em cada momento e em cada cidade, o que impede a proposição de uma tese geral sobre as razões do voto na esquerda no Paraná. O capítulo 8 – Corrupção eleitoral no Paraná – é um estudo de caso das eleições municipais de 1996 no estado e pretende entender e explicar o funcionamento da justiça eleitoral e da estrutura legal frente às práticas de corrupção. Assim, Fernando José dos Santos, através de uma criteriosa sistematização dos delitos registrados nos livros de acórdãos do TRE-PR, oferece uma série de elementos que atestam a baixa eficiência da estrutura jurídica existente, que não consegue tipificar os crimes mais lesivos para a ordem democrática, principalmente o “abuso do poder econômico”. Louise Ronconi de Nazareno descreve a dinâmica política recente em Curitiba (entre 1985 e 2000), estudando o comportamento/atuação dos vereadores na Câmara Municipal e, em especial, os processos de construção de apoio legislativo ao executivo. O capítulo de Louise – Política local e a ocupação de cargos eletivos em Curitiba – é uma tentativa, bem sucedida, de pôr em evidência as práticas clientelistas tradicionais que reforçam os princípios, os instrumentos e o comportamento em geral dos atores políticos. Para a autora, essas práticas estiveram a serviço da construção de uma aliança que sustentou, no governo municipal, o grupo político de (ou ligado a) Jaime Lerner. Por último, o capítulo 10 – Institucionalização partidária: uma discussão empírica a partir do caso do PFL do Paraná – que escrevi com Emerson Cervi levanta as razões da não institucionalização do Partido da Frente Liberal no Paraná. Contrariando o estilo da agremiação em nível nacional4, o PFL-PR permaneceu um partido fraco, mesmo depois de ocupar cargos no governo do estado durante a segunda gestão de Jaime Lerner (1999-2002), mesmo depois de conhecer um expressivo aumento do número de cadeiras nos legislativos estadual e municipal, um aumento importante do número de prefeituras e alcançar uma influência política expressiva na Assembléia. Nossa hipótese é que a análise isolada das informações sobre o incremento eleitoral e a presença institucional do PFL não são suficientes para evidenciar se houve um “fortalecimento” do partido no Paraná a partir da filiação do governador, em 1997. De fato, depois disso nunca ocorreu o que seria usual esperar: um controle do governo pelo partido, mas exatamente o inverso, o controle do partido pelo governo, passando o PFL a depender estritamente do prestígio/ poder de Jaime Lerner.

III. Fontes dos capítulos Com exceção do capítulo 9 (de Louise Ronconi de Nazareno) e do capítulo 5 (de Emerson Urizzi Cervi), todos os demais estudos aqui publicados resultaram de trabalhos orientados por mim no âmbito do projeto Instituições e comportamento político no Brasil contemporâneo: o Paraná em perspectiva histórica, que desenvolvemos no Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira, do Departamento de Ciências Sociais da 4

Como se sabe, o PFL é um partido coeso, disciplinado e, durante os mandatos de Fernando Henrique (19952002), com grande capacidade de influência junto ao executivo.

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Universidade Federal do Paraná, entre 2001 e 2005. “Institucionalização partidária: uma discussão empírica a partir do caso do PFL do Paraná”, de Emerson Urizzi Cervi & Adriano Nervo Codato (cap. 10) é uma versão bastante modificada do paper O PFL do Paraná: marginalidade e centralidade no sistema político subnacional apresentado no III Encontro Nacional da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) em Niterói (RJ) em 2002. “O voto integralista no Paraná: uma análise das eleições presidenciais de 1955", de Amanda Litzinger Gomes (cap. 2) e “Clientelismo eleitoral e coronelismo político: estudo de um pequeno município paranaense”, de Alessandro Cavassin Alves (cap. 6) são, ambas, novas versões dos trabalhos de conclusão do curso de graduação em Ciências Sociais dos seus autores na Universidade Federal do Paraná em 2003. Os capítulos 3, 4, 7 e 8, de Moacir Ribeiro de Carvalho Júnior, Jorge Eduardo França Mosquera, Luzia Maristela Cabreira Bonette e Fernando José dos Santos, respectivamente, são adaptações das monografias apresentadas pelos autores em 2004 ao curso de Especialização em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná. E, por fim, “A semilegalidade consentida: o desempenho eleitoral do Partido Comunista no Paraná em meados do século XX”, de Márcio Kieller (cap. 1), é parte da dissertação de mestrado do autor apresentada ao programa de pós-graduação em Sociologia da UFPR em 2004 sob o título: A elite dos comunistas: um perfil socioeconômico dos dirigentes estaduais do Partido Comunista Brasileiro no Paraná (1945-1964).

Adriano Nervo Codato Curitiba, Praça do Expedicionário, maio de 2006.

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LISTA DE SIGLAS Acipg - Associação Comercial e Industrial de Ponta Grossa ALN - Aliança Libertadora Nacional Arena - Aliança Renovadora Nacional CMC - Câmara Municipal de Curitiba Codepar - Comissão de Desenvolvimento do Paraná Cohab - Companhia de Habitação do Paraná CTNP - Companhia de Terras Norte do Paraná DOPS - Departamento de Ordem Política e Social FDLN - Frente Democrática de Libertação Nacional FEB - Força Expedicionária Brasileira Femoclan - Federação Comunitária das Associações de Moradores de Curitiba e Região Metropolitana IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPC - Índice de potencial de consumo MDB - Movimento Democrático Brasileiro OAB - Ordem dos Advogados do Brasil PAN - Partido dos Aposentados da Nação PCB - Partido Comunista Brasileiro PCdoB - Partido Comunista do Brasil PDC - Partido Democrata Cristão PDS - Partido Democrático Social PDT - Partido Democrático Trabalhista PFL - Partido da Frente Liberal PGT - Partido Geral dos Trabalhadores PHS - Partido Humanista Social PIB - Produto interno bruto PJ - Partido da Juventude PL - Partido Liberal (fundado em 1985) PL - Partido Libertador (período 1946-1964) PMB - Partido Municipalista Brasileiro PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMN - Partido da Mobilização Nacional PP - Partido Progressista PPB - Partido Progressista do Brasil

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PPS - Partido Popular Socialista PR - Partido Republicano PRN - Partido da Reconstrução Nacional PRP - Partido de Representação Popular PRP - Partido Republicano Progressista PRT - Partido Republicano Trabalhista PSB - Partido Socialista Brasileiro PSC - Partido Social Cristão PSD - Partido Social Democrático PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira PSDC - Partido Social Democrata Cristão. PSL - Partido Social Liberal PST - Partido Social Trabalhista PT - Partido dos Trabalhadores PTB - Partido Trabalhista Brasileiro PTdoB - Partido dos Trabalhadores do Brasil PTN - Partido dos Trabalhadores da Nação PV - Partido Verde RMC - Região Metropolitana de Curitiba SNI - Serviço Nacional de Informações SRPG - Sociedade Rural de Ponta Grossa TRE - Tribunal Regional Eleitoral do Paraná TSE - Tribunal Superior Eleitoral UDN - União Democrática Nacional UFPR - Universidade Federal do Paraná URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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CAPÍTULO UM

A SEMILEGALIDADE CONSENTIDA: O DESEMPENHO ELEITORAL DO PARTIDO COMUNISTA NO PARANÁ EM MEADOS DO SÉCULO XX Márcio Kieller

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1. A SEMILEGALIDADE CONSENTIDA: O desempenho eleitoral do Partido Comunista no Paraná em meados do século XX

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Este capítulo trata do Partido Comunista do Brasil (PCB), tanto nas suas participações legais, ou seja, nas eleições que ocorreram no período de abertura democrática, entre os anos 1945 e 1947, como também em sua fase clandestina, quando se apresentou nos processos eleitorais de forma organizada, por meio de outras legendas ou apoiando politicamente diversos candidatos, mesmo que informalmente. Busca-se analisar o desempenho dos comunistas nessas eleições, bem como suas táticas e estratégias eleitorais. Para tanto, verificamos quem foram os seus candidatos, em que setores atuavam, como foi a organização de suas campanhas, quais votações obtiveram e qual foi a posição, a importância e o papel do partido e de seus candidatos nessas disputas eleitorais. Os dados foram obtidos no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR).

I. O RECONHECIMENTO LEGAL DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL Os primeiros documentos sobre a existência legal do Partido Comunista no Paraná só apareceram por volta de 19452, quando se criou o TRE do Paraná; como disse Gildo Marçal Brandão, “[...] Só a partir de 1945 o PCB começa a existir como partido” (BRANDÃO, 1997a, p. 89). O fim da II Guerra Mundial levou a uma grande mudança nos rumos da geopolítica internacional. No final desse período, ao ser pressionado a tomar uma decisão, o Brasil posicionou-se junto ao bloco aliado. Isso acarretou enormes mudanças políticas e sociais para o país, como a abertura política, que colocou fim ao Estado Novo getulista, vigente desde o ano de 19373. 1

O presente texto é uma versão atualizada do capítulo “O PCB e as eleições”, que integra a minha dissertação de mestrado em Sociologia defendida em 2004 no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná. A pesquisa focalizou os dirigentes comunistas paranaenses entre os anos de 1945 e 1964 e teve por título A elite dos comunistas: um perfil sócio-econômico dos dirigentes estaduais do Partido Comunista Brasileiro no Paraná. 2 Entretanto os arquivos da repressão do Estado Novo no Paraná, guardados junto aos arquivos do Fundo DOPS, informam que existiam comunistas e atividades comunistas no estado já a partir da década de 1930. 3 Com a implantação do Estado Novo foi outorgada a Constituição de 1937, conhecida pelo nome de Polaca, devido ao fato de basear-se na Constituição fascista da Polônia. Por ela o poder Executivo e Presidente da República eram os órgãos supremos do país, controlando todos os poderes e nomeando interventores para governá-los; dentre outras possibilidades, podia ainda acabar com a autonomia dos estados e com as bandeiras estaduais e criou a pena de morte no Brasil.

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Os partidos estavam todos na clandestinidade, existia um quadro político no Brasil em que o partido era o Estado e vice-versa. Sartori descreve esse sistema como sendo um partido do Estado: “O rótulo é habitualmente aplicado aos Estados comunistas, mas é também adequado ao nazismo, ao fascismo italiano e a todos os que se inspiram nesses protótipos. Na linguagem abstrata de uma racionalização, o argumento é o de que enquanto os partidos são partes não podem, por essa razão mesma, identificar-se com o Estado. Pois todos não podem coexistir se não tendem a coincidir. Nesse sentido pode-se dizer o que partido único é uma duplicação do Estado” (SARTORI, 1982, p. 66). Com a volta da legalidade democrática em função da vitória dos aliados na II Grande Guerra, o quadro no Brasil mudou; assim, caminhava-se desde 1943 para a abertura política que se consolidou em 1945 com a volta dos partidos políticos e a convocação de uma nova Assembléia Nacional Constituinte. A justiça eleitoral, que fora extinta em 1937 com o Estado Novo, foi novamente colocada em funcionamento pelo governo Getúlio Vargas. Em 1945, mais precisamente no dia 7 de junho, instalou-se no Paraná o Tribunal Regional Eleitoral, sob a presidência do Desembargador Clotário de Macedo Portugal. Junto com ele havia mais nove funcionários de outras secretarias. Entre a criação desse Tribunal e as primeiras eleições depois do fim do Estado Novo, que aconteceriam em 2 de dezembro de 1945, houve uma distância de apenas sete meses. O Partido Comunista do Brasil no Paraná, a exemplo do que aconteceu no nível nacional, voltou a atuar legalmente apenas depois de 1945, já com uma política nacional e organizado nos estados. No Paraná o conjunto de comunistas já era razoável, pois com o fim do Estado Novo e a redemocratização do país, um bom número de intelectuais aproximou-se do Partido, movidos pela liderança que Prestes exercia e também em virtude das campanhas em favor do envio da Força Expedicionária Brasileira para a Europa, contra o nazismo. A novidade para o PCB era a legalidade. Diferentemente do que ocorrera no passado, ele poderia participar e disputar eleições como qualquer outro partido. Assim, participou legalmente das eleições de 1945, quando, elegeu uma boa bancada federal, assim como na eleição de 1947. A ata de fundação do Partido no Paraná, segundo depoimentos, data de 1945. Porém sua criação legal aconteceu primeiramente em Curitiba, com uma reunião de seu Comitê Estadual para a fundação do Comitê Municipal do PCB, que, segundo o jornal Gazeta do Povo do dia 7 de julho de 1945, ocorreu exatamente um mês depois da instalação do TRE-PR. O Comitê Municipal compunha-se de dez membros efetivos e dois suplentes e foi registrado no TRE-PR após uma semana nas mãos do então Primeiro Secretário Político do PCB na capital, o ferroviário Arpad Printz, conforme segue: “Ata da 16ª sessão extraordinária do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Paraná [...]. Aos quatorze dias do mês de julho do ano de mil novecentos e quarenta e cinco [...] O escrivão Eleitoral, de acordo com autorização deste Egrégio Tribunal e do senhor Arpad Printz, Secretário do Comitê Municipal do Partido Comunista do Brasil em Curitiba, comunicam a instalação do mesmo comitê” (TRE-PR, 1945).

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Somente após a fundação do Partido na capital é que seu Diretório Estadual foi fundado legalmente, tendo seu registro aceito no TRE-PR em novembro de 1945, dias antes das eleições para a escolha do novo Presidente e da Assembléia Nacional Constituinte que aconteceriam no início de dezembro de 1945. O Partido teve seu diretório reconhecido em uma sessão extraordinária do TRE do Paraná: “Ata da 3ª sessão extraordinária do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Paraná [...] Aos dezessete dias do mês de novembro do ano de hum mil novecentos e quarenta e cinco [...] julgamentos: [...] Processo 807 classe D de Curitiba. Interessado o Partido Comunista do Brasil. Relator exmo. Sr. Ernani Cartaxo. O Tribunal mandou proceder ao registro da Direção Estadual” (TRE-PR, s/d-a, p. 154). O Partido tornou-se legal. A fundação oficial do PCB no estado foi seu marco zero. Segundo Galvão: “Quando o Partido anunciou que seria instalado no Paraná, nós procuramos o Comitê Provisório que era dirigido por um senhor que [...] participava do CNOP – Comitê Nacional de Reorganização Provisória. O CNOP, nesse final de guerra – que começou uma certa liberação de presos políticos –, destacou elementos locais para fazer uma organização regional, em vários estados, os principais estados da época. Eu participei das primeiras reuniões oficiais, assinei ata de fundação e tive um cargo na Direção Estadual no Paraná” (GALVÃO, 2002, p. 1). A descrição acima, feita por Nelson Torres Galvão, confirma os documentos encontrados tanto no TRE-PR como nos arquivos do Fundo DOPS, guardados junto ao Arquivo Público do Paraná, relativos à data de fundação do Partido em 1945. Esses documentos indicam a data e a fundação do PCB e quem eram os membros da primeira Direção Estadual do Partido. A Comissão Executiva, registrada no TRE-PR no dia 17 de novembro de 1945, foi lançada em setembro de 1945, em uma grande reunião que aconteceu em Curitiba no antigo Cine Vitória4, com caravanas vindas de diversos lugares do estado, representando os recém-criados diretórios municipais. Nesse lançamento legal o Partido Comunista do Brasil, seção Paraná, homologou a composição do primeiro Secretariado5, integrado pelos seguintes comunistas: “Secretário Político – Walfrido Soares de Oliveira, ferroviário; Secretário de Organização e Finanças – Vilário Muller, trabalhador manual; Secretário de Massas Eleitoral – Elias Neves Miranda, ferroviário; Secretário Sindical – Bernardo Burba Filho; Secretários de Divulgação e Propaganda – Flávio Ribeiro, Hortêmio Batista, Aureliano Matos Moura e Waldemar Reickdhal” (FUNDO DOPS, s/d-a).

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O lançamento do Comitê Estadual do Partido Comunista recebeu destaque de diversos jornais da época, como a Gazeta do Povo, em que se fizeram análises sobre o significado da instalação do comitê, onde seriam os alojamentos e como seria a cerimônia de posse, além de sua composição e de outros detalhes. 5 Para os comunistas o Secretariado tem o mesmo peso que uma Diretoria Executiva.

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II. O PCB LEGAL E SUA POLÍTICA DE ALIANÇAS ELEITORAIS O PCB, por mais que procurasse ter uma fisionomia revolucionária, sempre buscou inserir-se nas disputas eleitorais, apresentando-se como uma alternativa de poder. Ele somente radicalizou sua linha política nos momentos em que se encontrava na clandestinidade, o que o forçava a mudar sua política de aliança com a pequena burguesia e a pregar a aliança operária e camponesa, como fizera no início dos anos 19506, com a proposição da formação de uma Frente de Libertação Nacional. Essa postura era fruto das novas orientações soviéticas, de aprofundar o enfrentamento ao regime capitalista, para demarcar espaço geopolítico. Fora esse período de radicalização, que foi do início da década de 1950 a meados de 1955, o partido historicamente buscou construir alianças que privilegiaram uma tendência centrípeta alinhada com a classe média. Segundo Milton Ivan Heller, essas alianças nunca foram satisfatórias, pois, apesar da insistência do Partido em construir alianças com o centro, este não queria fazer alianças com a esquerda. Nesse sentido, alguns historiadores afirmam que o Partido sempre deixou de lado alianças mais à esquerda por sua preferência pelas alianças mais ao centro: “O Partido dizia que era necessária uma política de união nacional contra o imperialismo e de aliança com a burguesia. Mas a burguesia estava no poder e não precisava fazer aliança com ninguém. E, se precisava, não ia fazer aliança com o Partido Comunista, isso é uma coisa lógica. Só os comunistas é que não enxergavam isso. Criavase essa legenda de que havia a possibilidade de aliança com a burguesia. Mas a burguesia, como classe, sempre foi arredia a qualquer tipo de aproximação com o Partido Comunista – isso não foi só aqui, é um fenômeno mundial” (HELLER, 2001, p. 20). Essa tese comprova o que diversos autores constataram: o Partido tinha uma propensão ao centro, deixando seus históricos aliados – operários e trabalhadores – fora de suas alianças prioritárias. Gildo Marçal Brandão comenta que, na segunda metade da década de 1930, o Partido caiu nos braços de setores médios do Exército, o que, segundo esse autor, ocorreu em virtude da entrada de Luís Carlos Prestes no Partido. Mas o fato é que, mesmo devido à sua composição social, a maioria dos seus quadros era oriunda das classes média e alta: “O PC, partido eminentemente urbano, recrutou a maior parte de seus dirigentes entre a intelectualidade (professores universitários, jornalistas, estudantes), as forças armadas (Exército, média oficialidade) e o proletariado. [...] Do ponto de vista étnico, os principais dirigentes do PCB são, majoritariamente, homens, brancos, brasileiros de famílias há muito radicadas no país (em vários casos, originários de troncos oligárquicos nordestinos decadentes) e, secundariamente, judeus e italianos, mulatos e mestiços” (BRANDÃO, 1997a, p. 197). Essa composição social do Partido – ligada às classes média e alta – talvez 6

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Sobre esse assunto, cf. Carone (1982, p. 108-109).

explique a identificação com o ideário etapista7, por muito tempo desenvolvido pelo PCB (à exceção do período compreendido entre o início e a metade dos anos 1950). Afinal, desde discussões acerca das influências agrário-camponesas, passando pelas questões do etapismo como fase de superação da atrasada (e – por que não dizer? – feudal) situação que o Brasil vivia no início do século XX, segundo alguns autores marxistas (por exemplo, Octávio Brandão, com seu Agrarismo e industrialismo) que apontavam como solução a passagem do Brasil ao modo de produção capitalista para que conseguisse avançar para a construção do socialismo, considerava-se no Partido que não haveria condições de pular etapas, isto é, de passar diretamente do regime feudal para um Estado socialista sob a égide da ditadura do proletariado. O motivo seria a manutenção de uma sociedade agrária baseada no latifúndio. Assim, do ponto de vista teórico, os documentos do Partido sempre orientaram que se buscassem alianças com a pequena burguesia, de preferência ao proletariado. O importante a destacar é que, com raras exceções na vida política dos militantes do Partido, sempre tiveram e continuam a ter um papel de destaque os intelectuais – que geralmente são das classes média e alta: “Apesar da precariedade orgânica do partido, este constituía-se então como um espaço para a participação política de intelectuais que partilhavam uma postura crítica com relação às estruturas básicas da sociedade brasileira” (CAVALCANTE, 1986, p. 95). Os intelectuais sempre estiveram presentes no Partido Comunista, desde sua fundação, mas seu maior contato com o Partido teve início nos porões da ditadura do Estado Novo e consolidou-se com a abertura política de 1945. Esses intelectuais fizeram por muitos anos parte dos quadros de direção do Partido. Como vimos em outro trabalho (KIELLER, 2004), em um cruzamento de dados sobre instrução e cargos ocupados na direção, ocorria maior constância dentro das direções de quadros com instrução superior, enquanto os trabalhos de direção intermediária e de bases eram ocupados por dirigentes com menor grau de instrução. Criou-se, assim, um contra-senso nas estruturas do “partido do proletariado”, em que aos seus quadros dirigentes só ascendiam aqueles com maior grau de instrução, deixando que se cristalizasse no topo da direção do Partido uma elite política, oriunda das classes sociais mais educadas.

III. O PCB LEGAL E AS ELEIÇÕES DE 1945 e 1947 O partido legal, preparando-se para as disputas políticas que aconteceriam após 1945, criou um cargo no Comitê Estadual do Partido especificamente para cuidar da questão das eleições. Era o cargo de Secretário de Massas Eleitorais, cargo da Direção Executiva dentro do Comitê. Esse cargo foi criado na época do processo de 7

O etapismo foi desenvolvido na década de 1940, após a II Guerra Mundial, para justificar as políticas de frentes defendidas por Moscou. Consistia em estabelecer em qual etapa de desenvolvimento determinada sociedade encontrava-se, indicando por quantas etapas ela ainda teria que passar para chegar ao socialismo. Nesse sentido, muitos países ainda considerados como do modo de produção econômica feudal tinham que fazer a revolução burguesa para depois avançar para as demais etapas da revolução e da constituição de uma sociedade socialista.

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alistamento civil dos eleitores, quando foram criados os comitês democráticos, e logo que o Partido tornou-se legal em 1945. Devido ao rápido crescimento que o Partido teve nos anos após 1945, em que se manteve na legalidade, multiplicaram-se por todos os cantos do Brasil os comitês democráticos de alistamento eleitoral, tendo aí uma atuação-chave, pois designou para a tarefa dois dos seus mais representativos quadros, Elias Neves de Miranda, ferroviário que fora responsável pela organização estadual da Aliança Libertadora Nacional (ALN), e Dario Printz, também ferroviário e uma das mais expressivas lideranças do Partido Comunista na década de 1940. Como indica José Antônio Segatto: “A necessidade de manter e consolidar o espaço de liberdade colocou, por exemplo, a tarefa de criação de ‘comitês democráticos’ ou ‘comitês populares’ ou unidades de vizinhança [...]. O programa desses comitês era basicamente o de lutar pela ampliação da democracia ao nível local, devendo estabelecer uma plataforma que levasse em conta as realidades sociais específicas; ali dentro, em assembléia de massa, deveriam lutar contra a carestia e os remanescentes fascistas; promover campanha de alistamento eleitoral, reclamar água para o bairro etc. Os comitês formavam Ligas Juvenis, times de futebol, organizavam festas populares e piqueniques” (SEGATO, 1981, p. 51). Em Curitiba havia diversos comitês democráticos formados nos bairros do Batel, do Centro, do Juvevê etc. A exemplo dos muitos outros comitês espalhados pelo estado e pelo Brasil, porém, como o período de legalidade não ultrapassou três anos, esse cargo de Secretário de Massas Eleitorais somente foi utilizado pelo Diretório Regional do Paraná nas duas primeiras gestões legais, em 1945 e 1947; nas outras quatro reformulações por que o Partido passou, entre 1945 e 1963, não houve mais esse cargo devido à situação de semilegalidade.

IV. O PCB SEMICLANDESTINO E AS ELEIÇÕES DO PERÍODO 1950-1963 Fosse na legalidade, fosse na clandestinidade, o PCB contou com o seu instrumento de informação, o jornal Tribuna do Povo. Nesse periódico os candidatos do PCB, ou aqueles que eram por ele apoiados, tinham espaço para a divulgação de seus currículos e plataformas eleitorais. A expectativa eleitoral do Partido nas eleições municipais de 1947 não era das melhores; afinal, elegeu apenas quatro vereadores no estado inteiro, diferentemente de outros estados, como o Rio de Janeiro, que teve um total de 15 vereadores eleitos na Câmara Municipal . Lá, o PCB fez a maioria. Durante a década de 1950 e o início de 1960, houve uma oscilação da posição política do Partido, que ora pregou a preparação da revolução, ora pregou a aliança com setores da burguesia nacional. Essa oscilação pode ser compreendida principalmente devido às reviravoltas no panorama político internacional; assim, em determinados momentos o Partido conseguiu fazer uma separação de setores da burguesia e em outros momentos, não.

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Após as eleições de 1947, só haveria outra em 1950. Nesse ano, o Partido ainda se manteve na “semiclandestinidade”, mas sua posição esquerdista estaria mais consolidada, devido ao movimento internacional e às resoluções do Manifesto de Agosto de 19508. Nesse sentido, foram apresentados candidatos de Prestes a esses pleitos, que, na verdade, apenas reproduziam do programa da FDLN (Frente Democrática de Libertação Nacional). No Paraná, foram apresentados dois candidatos de Prestes: Joaquim Mochel, que era o Secretário Político do Partido em Curitiba, e Manoel Jacinto Correa, que era Vereador em Londrina9. Os dois eram candidatos a Deputado Estadual, além de serem apresentados para o pleito como “candidatos de Prestes”. Seus programas políticos eram baseados no da FDNL. Nenhum deles foi eleito, pois a eleição naquela altura da vida do Partido não era fundamental, mas sim trata-se de aproveitar o momento para divulgar as novas orientações partidárias – de radicalização e enfrentamento contra a burguesia nacional, além de servir para divulgar suas idéias e arrecadar fundos. De qualquer forma, a lista de candidatos de Prestes – que atingia cerca de 30 candidatos a Deputado Estadual – foi impugnada10, não sendo considerada uma chapa legal: “Nesse sentido, mesmo quando opta pela ‘via pacífica da revolução’, está longe de considerar o caminho eleitoral um método eficaz de luta pelo poder – ao contrário, insiste sempre que o poder real está situado em outro lugar. O processo eleitoral serve, é claro, para fazer propaganda, melhorar o trabalho de organização e, sobretudo, fazer finanças, mas a assumida doutrina da ‘acumulação de forças’ não chega a considerálo um momento da auto-organização da sociedade e das forças democráticas, sendo propício, sim, para fazer o partido crescer, tendo em vista o assalto ao poder. Dito de outra forma, o que interessa é o avanço da organização, mesmo porque a solução dos problemas da sociedade quem tem é o partido, e ele a colocará na mesa em outro momento” (BRANDÃO, 1997a, p. 188-189). Essa guinada à esquerda fez que o PCB assumisse uma postura de denúncia das eleições de 1950. O jornal partidário Tribuna do Povo transcreveu um artigo de apoio de Prestes aos candidatos no Paraná, em que demonstrou o abandono do processo eleitoral e adotou uma via mais radical: “Com o surgimento dos candidatos de Prestes a situação modificou-se. Eles vão ao povo, não para caçar votos, mas para convocá-lo à luta em torno de seus problemas e na base dos nove pontos apresentados por Prestes; mostram à classe operária e ao Povo 8

O Manifesto de Agosto foi um documento lançado em 1950, apresentando novas orientações do movimento comunista internacional, como fruto do acirramento da Guerra Fria, em que a orientação era construir o movimento revolucionário que avançasse para o socialismo. O Brasil, ou melhor, o PCB reproduziu essa orientação organizando em 1950 a Frente Democrática de Libertação Nacional e lançando candidatos a Deputados Estadual em diversos estados brasileiros. 9 Manoel Jacinto não foi cassado porque fora eleito por outra legenda, apesar de ser monitorado pelos órgãos de inteligência da repressão, desde os tempo da Revolta de Porecatu em 1948. 10 Não tem se notícias oficiais de por quais partidos esses candidatos foram lançados. Seus materiais de campanha e o próprio jornal do Partido no estado apenas os apresentavam como sendo os “candidatos de Prestes”, sem legenda. Porém, consta do livro de Gildo Marçal Brandão uma lista de 30 candidatos a Deputado Estadual, em 1950, apoiados por Prestes e inscritos pelo Partido Republicano Trabalhista (PRT) (cf. BRANDÃO, 1997a, p. 186).

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que de nada adianta substituir um Dutra por outro Dutra, tenha o nome que tiver, ou de substituir um Lupion por um Ângelo ou Bento, pois são todos da mesma classe, de exploradores do povo, responsáveis pelo atraso e pela ignorância em que vegeta o nosso povo” (Tribuna do Povo, 1950, p. 2). Apresentados como candidatos da Frente Democrática de Libertação Nacional, eles foram, lançados para chamar a atenção para o que a FDLN denunciaria, como se vê no bilhete publicado no jornal Tribuna do Povo11: “Povo paranaense, os candidatos populares ao pleito de 3 de outubro próximo são os seguintes, e que merecem a minha confiança e pelos quais solicito os seus sufrágios conscientes e esclarecidos. Para deputados estaduais – Joaquim Mochel e Manoel Jacinto Correia. Votos por pão, terra, paz e liberdade, fazendo vitoriosos os candidatos do povo. Saudações, Luís Carlos Prestes” (idem, capa). Mas como o PCB estava na ilegalidade, pode-se dizer que esses candidatos eram ao mesmo tempo, por assim dizer, “anticandidatos” que se apresentavam para denunciar a burguesia nacional atrelada ao imperialismo norte-americano. Para os demais cargos – os majoritários –, o PCB orientava o voto em branco, no sentido de legitimar o programa da Frente Democrática de Libertação Nacional12. O Partido estava influenciado pela nova linha política internacional elaborada pelo Comintern, que tinha à sua frente a URSS, com uma defesa do chamado “realismo socialista”13. Esse processo pode ser mais bem compreendido por meio da linha política do Manifesto de Agosto de 1950, referendado no IV Congresso do PCB em 195414. Nesse momento, começou a ganhar corpo na sociedade brasileira um conjunto de bandeiras nacionalistas: a luta pelo monopólio do petróleo; os grandes atos e manifestos da Campanha da Paz15; a busca de Getúlio Vargas de consolidar um parque industrial no Brasil. Essas bandeiras nacionalistas, lançadas e apoiadas pelo trabalhismo getulista, tinham apoio de amplos setores; no campo da organização popular, sofriam a forte influência dos comunistas. No Paraná, esses movimentos tiveram grande relevância. Mais 11

O original desse bilhete de Prestes é uma das poucas coisas que Izaurino Gomes Patriota, editor da Tribuna do Povo, diz ter conseguido guardar desse período (PATRIOTA, 2003, p. 9). 12 Esse programa baseava-se em nove itens: governo democrático e popular; paz e condenação da guerra imperialista; imediata libertação do Brasil do jugo imperialista; entrega de terras a quem trabalha; desenvolvimento independente da economia nacional; liberdades democráticas para o povo; imediato melhoramento das condições de vida das massas trabalhadoras; instrução e cultura para o povo e constituição de um exército popular de libertação nacional (cf. CARONE, 1982, p. 108-112). 13 O realismo socialista, ou realismo soviético, obrigava os artistas, literatos e intelectuais a passar para as artes e para os textos literários uma aproximação com a realidade que a União Soviética vivia – é claro que a partir do ponto de vista do Estado e do Comitê Central do Partido. Aqueles de fugiam do modelo do realismo socialista eram acusados da prática de métodos pequeno-burgueses de arte e cultura. Assim, o realismo socialista influenciou todas as áreas intelectuais e culturais do Partido e da sociedade de modo geral, acarretando o afastamento de inúmeros intelectuais do Partido, além do já indicado processo de “esquerdização” do PCB. 14 O IV Congresso do PCB, de 1954, reafirmou a linha revolucionária do Manifesto de Agosto e radicalizou a sua luta contra as elites políticas nacionais. 15 O Partido esteve à frente da luta pela paz e contra a ameaça atômica, organizando manifestações em todo o país desde 1950 e o Congresso dos Partidários da Paz em 1951; na mobilização contra a participação do Brasil na Guerra da Coréia, em 1951, e na luta contra o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos de 1952 (RUI, 2002, p. 28-29).

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especificamente, muitos comitês foram formados em diversas cidades do estado; os veículos de comunicação do Partido, em sua totalidade, foram colocados a serviço dessas campanhas, principalmente aquelas ligadas à questão da paz. Quando Getúlio Vargas suicidou-se, houve uma comoção nacional em torno do desaparecimento do carismático populista. O Partido então estampou na capa de seu principal órgão de divulgação, A Imprensa Popular, que saíra para circulação externa dias antes da morte de Vargas, a afirmação de que ele era entreguista e traidor dos brasileiros. O suicídio fez com que o Partido recuasse da postura de acusação de Vargas, sob pena de pagar caro, face à raiva da população, totalmente apenada com a morte – mais precisamente, com os motivos da morte de Vargas: “A reação do povo surpreendeu seus oponentes. Uma onda de simpatia por Getúlio envolveu o país [...]. Em meio à confusão geral, os comunistas perplexos – e para não serem tachados – foram obrigados a sair às ruas recolhendo os seus jornais das bancas, e depois irem a reboque da massa nas manifestações” (SEGATTO, 1981, p. 70). Nas eleições de 1955 o Partido continuou com sua linha esquerdista, agora reforçada pelo IV Congresso do Partido, que se realizou poucos meses depois da morte de Getúlio Vargas. O Congresso, na prática, reafirmou a linha do documento apresentado pelo Comitê Central do Partido em agosto de 1950, embora com uma mudança que se pode considerar substancial: a mudança de tática adotada em relação ao trabalhismo – afinal, até então o trabalhismo e Getúlio Vargas eram considerados pelo PCB como principais inimigos dos comunistas, denunciados juntamente com o capitalismo imperialista. A guinada política do IV Congresso do PCB aproximou os comunistas dos trabalhistas, inclusive nos campos eleitoral e sindical. Como demonstrou Edgar Carone ao transcrever o informe de Luís Carlos Prestes para o IV Congresso, o líder comunista mudou o discurso a respeito da burguesia nacional, buscando uma aproximação com setores dessa burguesia, preferencialmente a classe média. O Partido considerou essa flexão tática importante para consolidar uma das etapas da revolução brasileira, que por muitos ainda era considerada um regime de desenvolvimento agrário e semifeudal: “No que concerne às relações com a burguesia nacional, o programa do Partido não só não ameaçou seus interesses como defendeu suas reivindicações de caráter progressista, em particular o desenvolvimento da indústria nacional. Essa posição acertada decorreu de uma justa compreensão do caráter da revolução brasileira em sua primeira etapa, quando as necessidades já maduras do desenvolvimento da sociedade brasileira, que exigiam solução imediata, são exclusivamente as de caráter antiimperialista e antifeudal. A burguesia nacional não é, portanto, inimiga; por determinado período de tempo pode até apoiar o movimento revolucionário contra o imperialismo e contra o latifúndio e os restos feudais” (CARONE, 1982b, p. 132). Esse programa foi reforçado pela eleição de Juscelino Kubitschek a Presidente da República – afinal, ganhou força o projeto nacional-desenvolvimentista que se iniciara no final do governo Getúlio Vargas. Isso se evidenciou no fato de o candidato a vicePresidente na chapa de JK ter sido João Goulart, que foi Ministro do Trabalho de Vargas: em tese, o governo Kubitschek seria uma vitória da continuação da política populista de

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Getúlio Vargas. Como indicou Milton Ivan Heller, “Nas eleições presidenciais de 3 de outubro de 1955 concorreram Juscelino Kubitschek de Oliveira pela coligação PTB-PSD [Partido Trabalhista Brasileiro-Partido Social-Democrático], Juarez Távora – UDN [União Democrática Nacional], Adhemar de Barros – PSP [Partido Social Popular] e Plínio Salgado pelo PRP [Partido de Representação Nacional]. A eleição de JK, com seu vice, João Goulart, embora por uma pequena margem de votos, representou a vitória do populismo de Vargas” (HELLER, 1988, p. 17). Diferentemente das eleições de 1950, em que o Partido pregou o voto em branco e apresentou candidatos de protesto para os cargos proporcionais, em 1955 o PCB adotou uma linha de apoio16 a Juscelino Kubitschek e a João Goulart. Esse apoio configuraria novamente a adequação do programa do PCB aos ditames do comunismo internacional, que, posteriormente à morte de Stálin, em 1953, voltou a acenar para uma possível coexistência pacífica com o bloco capitalista e para a disputa por espaços políticos dentro de processos democráticos. Isso resultou em que o Partido adotasse uma postura mais radical na busca da legalidade, assunto que durante anos foi tido como secundário, haja vista que a posição de semiclandestinidade era-lhe cômoda, ao garantir-lhe a alcunha de “partido revolucionário”. Ou seja, a luta pela recuperação da legalidade durante os primeiros anos da década de 1950 foi muito menos intensa, pois o Partido gozou de uma semiclandestinidade consentida: “Nesse sentido, ao lado das opções políticas que fez e das alianças que buscou, a não-recuperação, mais até do que a perda, do registro eleitoral acabará por definir os limites da implantação e da ação do movimento comunista durante a República Liberal [...] potencializados pelo tipo de marxismo, de leitura do desenvolvimento capitalista e de concepções de fazer política predominante na época” (BRANDÃO, 1997b, p. 31). Porém os ventos novos que sopraram de Moscou fizeram que essa postura de acomodação com a semiclandestinidade consentida mudasse e, no final da década de 1950, se tornasse uma das bandeiras do PCB – principalmente depois da cisão que o PCB sofreu em 1960, com a saída do grupo que não concordava com a mudança de nome do partido e nem com as alterações feitas em seus estatutos como fruto das discussões sobre a Declaração de Março de 1958, editada pelo Comitê Central do PCB (cf. declaração sobre a política do PCB, publicada no jornal Voz Operária, de 22 de março de 1958, e transcrita em CARONE, 1982b, p. 176). Em 1960, para confirmar a tendência de participar do jogo eleitoral, o Partido posicionou-se a favor da candidatura do Marechal Henrique Teixeira Lott, que teve como candidato a vice-Presidente João Goulart17. “Jango” foi novamente eleito vice- Presidente, mas com um Presidente eleito por outra coligação. Nessas eleições o Partido novamente 16

É importante notar que esse apoio dos comunistas, apesar de representar um reforço do ponto de vista estrutural de uma campanha política, era, por assim dizer, informal – afinal, para as regras eleitorais, o Partido Comunista estava na clandestinidade –, o que não o impediu de manter uma estrutura organizada no Brasil inteiro. 17 Nas eleições majoritárias do período entre 1945 e 1960 há uma curiosidade política, que costuma passar despercebida: havia eleições separadas para Presidente e vice-Presidente da República. Em 1955 os resultados no Paraná foram os seguintes: o candidato a vice na coligação PSD-PTB teve, segundo dados do TRE-PR, um total de 181.462 votos, ao passo que quem foi eleito Presidente do Brasil, na mesma coligação, obteve um total de

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deu demonstrações de sua aproximação com o trabalhismo getulista. No âmbito regional, o Partido seguiu as orientações nacionais de apoio ao Marechal Teixeira Lott e João Goulart. Nas eleições para o governo do Paraná, o PCB declarou apoio ao candidato lançado pelo PTB, Nelson Maculan18, que amargaria derrota para Ney Braga, da aliança PDC-PL. O apoio ao candidato do PTB, da mesma forma que o apoio à candidatura a Presidente e a vice-Presidente, ocorreu de maneira informal. Depois da renúncia de Jânio Quadros em 1961, a Campanha da Legalidade confirmou Jango no Palácio do Planalto, embora com poderes limitados: vendo as possibilidades de Jango consolidar um governo com facetas populistas, setores do Exército estabeleceram, e o Congresso Nacional aprovou, a adoção do parlamentarismo no Brasil, enfraquecendo os poderes do Presidente. Assim, “João Goulart foi isolado de quase toda a classe dirigente nacional e, como último recurso, tentou aproximar-se do povo” (HELLER, 1988, p. 200), propondo as “reformas de base”. O Partido Comunista apoiou e foi um dos principais defensores do Presidente Jango19, principalmente de suas propostas de reformas de base. O Partido estava confiante de que, com Jango, obteria novamente a legalidade: afinal de contas, era o PCB um dos principais entusiastas das propostas de Goulart: “Em 1960, o PCB apoiou resolutamente João Goulart para a Presidência e, mais tarde, forneceu a base de sustentação sindical para o governo. Foi no setor operário, atuando no interior dos sindicatos oficiais, que os comunistas obtiveram seus maiores êxitos [...] o PCB obteve o controle dos principais sindicatos, federações e confederações” (idem, p. 264). Porém, apesar de defender o governo de João Goulart, o PCB sabia que nem todas as concessões aos capitalistas foram excluídas no processo de reformas. Por isso o apoio ao governo Goulart considerava-o também um governo em disputa, que precisava ser mais firme em suas posições políticas. As eleições de 1962, além de serem as últimas eleições antes do golpe militar de 1964, seriam apenas para cargos proporcionais e para o Senado Federal. Depois delas somente ocorreria o plebiscito a respeito da forma de governo, que optou pelo presidencialismo e aprofundou a crise institucional em que o país vinha mergulhado desde a renúncia de Jânio Quadros (cf. SANTOS, 1978). O PCB do Paraná, nas eleições de 1962, tomou a posição de lançar candidatos por outras legendas – a maioria pelo PTB, embora sem êxito na eleição de comunistas.

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O apoio à candidatura de Nelson Maculan pode ser constatado pela ficha do DOPS do Secretário Político do Partido, o conhecido Capitão Agliberto Vieira de Azevedo, que foi deslocado para o Paraná no final dos anos 1950 para assumir o Partido no estado: “Em 27/09/1960 o fichado assinou um manifesto em companhia de outros elementos comunistas, no qual apóia Nelson Maculan ao Governo do Estado” (FUNDO DOPS, s/d-b). 19 A campanha da legalidade foi uma resistência encabeçada pelos governadores Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, e Mauro Borges, de Goiás, no sentido de garantir a posse de João Goulart na Presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros. A resistência contou com uma cadeia de 104 rádios que reproduziam os sinais a partir do entrincheirado Palácio Piratini, do governo do estado do Rio Grande do Sul.

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V. OS CANDIDATOS E O DESEMPENHO ELEITORAL DO PCB O PCB, no período de 1945 a 1947, participou legalmente de apenas duas eleições, em que apresentou candidatos próprios: as que ocorreram em dezembro de 1945 – que elegeram Eurico Gaspar Dutra para a Presidência da República – e as que ocorreram em janeiro de 1947, quando se elegeu Governador do Paraná Moisés Lupion. Na primeira – que, por sinal, era também para um Congresso Nacional Constituinte – o PCB elegeu um Senador e 14 deputados federais; o Senador era Luís Carlos Prestes e entre os deputados federais havia nomes famosos, como o escritor Jorge Amado20. Além disso, seu candidato a Presidente, Iedo Fiúza, recebeu 10% dos votos válidos na eleição geral, ficando em terceiro lugar no Paraná, com 6.811 votos. Um fato peculiar dessas eleições de dezembro de 1945 é que os candidatos podiam concorrer a diferentes cargos em vários estados, tendo apenas que optar por um deles caso eleitos (para mais de um). Assim, Prestes foi candidato a Senador e a Deputado Federal Constituinte em diversos estados; em alguns foi simultaneamente candidato a ambas funções. No Paraná, por exemplo, ele concorreu a Senador e a Deputado juntamente com Octávio da Silveira, que disputou os mesmos cargos. Nenhum dos dois foi eleito no estado, sendo suas votações respectivamente: “6.870 votos para o Senado e 658 para o Congresso, e 6.279 para o Senado e 964 para o Congresso” (TRE-PR, 1946, p. 3-5). Nessas eleições, foram apresentados pelo PCB do Paraná diversos candidatos a Deputado Federal, mas nenhum conseguiu vaga no Congresso Nacional Constituinte. Os resultados desses candidatos foram os seguintes: “Dr. José Rodrigues Vieira Neto, 1.469 votos; Dr. Newton Leopoldo Câmara, 1.173 votos; Octávio da Silveira, 964 votos; Luís Carlos Prestes, 658 votos; Dr. Francisco Osvaldo Castelutti, 587 votos; José Bezerra de Vasconcelos, 443 votos; Claudemiro Batista, 344 votos; dr. Flávio Ribeiro, 333 votos, Walfrido Soares de Oliveira, 114 votos” (ibidem). Além dos votos individuais, o Partido recebeu 6.570 votos de legenda. Além dessas duas eleições, o PCB esteve presente em outros processos eleitorais, por meio da apresentação de seus candidatos por meio de outras legendas ou com o apoio dado a outras siglas partidárias que não foram colocados na ilegalidade em 1947. Nas eleições municipais de 1947 o PCB elegeu diversos vereadores lançados por outras legendas, inclusive em Curitiba. Na capital foram eleitos Maria Olímpia Carneiro – eleita com 436 votos, a nona vereadora mais votada daquela legislatura – e o estudante Hedel Jorge Ázar, pela sigla do Partido Social Trabalhista (PST). Hedel Jorge Ázar ficou como suplente, chegando a assumir o cargo em uma discussão ligada à questão do transporte coletivo; em Morretes elegeu-se Adão Toledo Aghar do Nascimento, pela UDN; em Londrina, Manoel Jacinto Corrêa, com 153 votos, e Newton Leopoldo Câmara, com 188 votos, pelo PTB. 20

A bancada do PCB era a seguinte: Senador: Luís Carlos Prestes (pela cidade do Rio de Janeiro, à época Distrito Federal); deputados federais: Carlos Marighela (Bahia), Batista Neto (Distrito Federal), João Amazonas (Distrito Federal), Maurício Grabois (Distrito Federal), Agostinho de Oliveira (Pernambuco), Alcedo Coutinho (Pernambuco), Gregório Bezerra (Pernambuco), Abílio Fernandes (Rio Grande do Sul), Trifino Correa (Rio Grande do Sul), Alcides Valença (Rio de Janeiro), Claudino Silva (Rio de Janeiro); Caires de Brito (São Paulo), Jorge Amado (São Paulo); José Crispin (São Paulo) e Osvaldo Pacheco (São Paulo) (BRAGA, 1998, p. 103).

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Newton Câmara foi o quinto mais votado na eleição. Em Paranaguá diversos candidatos foram lançados: Ângelo Maria Patitutti, João Batista Teixeira, Eustáquio Quadros, João Policarpo Felipe Chede, pelo Partido Libertador (PL) e, em Ponta Grossa, João Manuel dos Santos Ribas pelo Partido Republicano (PR)21. É importante frisar que não apenas os dirigentes comunistas, mas também outros militantes e dirigentes intermediários, foram candidatos pelo PCB ou, na época de semilegalidade, por outras legendas. Ainda assim, aqui mostraremos apenas os dirigentes estaduais e municipais que foram candidatos a um cargo eletivo no período, segundo a Tabela 1 abaixo: Tabela 1

Dirigentes comunistas candidatos entre 1945 e 1963 CARGO Deputado Federal Deputado Estadual Vereador Deputado Estadual/Federal Deputado Estadual/Vereador Senador/Dep. Federal sem informação Não foram candidatos Total

CASOS 3 22 3 3 4 1 13 40 89

Fonte: o autor, a partir de TRE-PR (s/d-b) e Fundo DOPS (1920-1989).

O quadro era o seguinte: dos 89 dirigentes estaduais que participaram das direções regionais entre 1945 e 1964, um total de 49 candidatos concorreu a algum cargo eletivo, muitos a mais de um cargo, em eleições diferentes. Por exemplo, José Rodrigues Vieira Neto foi candidato a Deputado Federal em 1945, a Deputado Estadual em 1947 (eleito e cassado) e em 1950, e candidato a Deputado Federal em 195422. Assim como ele, muitos foram candidatos a Deputado Federal e Estadual, ou a Deputado Federal e a Vereador ou, ainda, a Deputado Estadual e a Vereador. Em 1945 só houve eleições para deputados federais, senadores e Presidente, pois elegia-se um Congresso Nacional Constituinte. Nesse ano, sete dirigentes estaduais foram lançados para Deputado Federal e um, que era Octávio da Silveira, para Senador, sendo que Luís Carlos Prestes também concorreu como candidato a Senador e a Deputado Federal pelo Paraná; o candidato a Presidente pelo PCB era Iedo Fiúza. De todos os apresentados para esse pleito não se elegeu ninguém pelo estado. Para sermos mais claros: sete dirigentes foram candidatos a Deputado Federal e, para Deputado Estadual, foram 26 dirigentes do PCB que concorreram, distribuídos nas eleições de 1945, 1947, 1950, 1954, 1958 e 1962 – sendo que, como vimos, em 1945 somente concorreram para 21

Infelizmente não conseguimos obter o número de votos nominais dos não-eleitos nessas eleições pois as fontes primárias que conseguimos versavam apenas sobre os eleitos, sem mencionar a quantidade de votos obtidos por eles. 22 Infelizmente não dispomos de informações a respeito de por quais legendas ele concorreu.

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a Constituinte Federal e em 1947 houve eleições apenas para a Constituinte Estadual, em que foi eleito um membro do PCB, o Professor José Rodrigues Vieira Neto. Candidatos a Vereador, nas eleições de 1947, 1951, 1955, 1959, 196223 e 1963, também foram sete, em diversas cidades do estado. Nas eleições do início de 1947, dezoito dirigentes foram candidatos a Deputado Estadual, em uma relação aprovada pelo Comitê Central que tinha 29 nomes. O Partido Comunista no Paraná, seguindo a orientação do Comitê Nacional de lançar candidatos em 1950, lançou apenas dois dirigentes candidatos a Deputado Estadual24 e, na verdade, foram candidatos que aproveitaram o espaço político das eleições para apresentar à sociedade as propostas políticas da FDLN; os dois candidatos apareceram como candidatos de Prestes no Paraná e em suas plataformas, em suma, está o manifesto da FDNL. As candidaturas estaduais do PCB, para as eleições de 1950, foram, na verdade, a expressão da Guerra Fria; com isso, o PCB partiu para a radicalização política, inclusive pedindo aos seus eleitores o voto nulo para Presidente da República. Em 1954 foram lançados dois dirigentes como candidatos a Deputado Federal e cinco como candidatos a Deputado Estadual. Nas eleições municipais de 1955 não foi possível identificar se algum dirigente foi lançado como candidato a Vereador, pois nessas eleições todos os candidatos saíram por outras legendas. Em relação às eleições de 1958, dispomos da informação de que o Partido lançou apenas um dirigente como candidato a Deputado Estadual. A respeito das eleições de 1959 para as câmaras municipais, não se tem notícia de nenhum dirigente que tenha sido apresentado. Nas eleições de 1962 foram lançados três dirigentes como candidatos a Deputado Federais e cinco para Deputado Estadual. Nas eleições municipais de 1963, última eleição livre antes da instalação do regime militar no Brasil, o PCB lançou três dirigentes estaduais como candidatos a Vereador. A respeito dos eleitos no período, temos algumas indicações. Em primeiro lugar, é importante destacar que, dos sete comunistas que foram candidatos a Deputado Constituinte em 1934, dois foram eleitos: Octávio da Silveira, médico, e Waldemar Reickdhal, funileiro. Não temos dados precisos sobre se eles foram deputados eleitos pela legenda do PCB ou não. Fora esses dois dirigentes, um total de mais cinco dirigentes foram eleitos nos processos eleitorais que aconteceram entre 1945 e 1963. Assim, apenas o dirigente José Rodrigues Vieira Neto, advogado e professor, foi eleito, em janeiro de 1947, com 775 votos. Seus suplentes foram outros quatro dirigentes: Manoel Leandro da Costa Jr., estivador, também com 775 votos; Antônio Carlos Raimundo, gráfico, com 454 votos; Nelson Torres Galvão, bancário, com 289 votos; Mozart de Oliveira Valin, operário25, com 286 votos, e Miguel Pan, ferroviário, com 283 votos, todos pela legenda do PCB. Nas eleições municipais 23 As eleições municipais de 1962 foram realizadas somente para preencher o cargo de Prefeito; nesse ano não houve eleições proporcionais para a Câmara de Vereadores (TRE-PR, s/d-b). 24 Os candidatos do PCB na eleição de 1950 foram Manoel Jacinto Correia e Joaquim Mochel. Eles não eram candidatos reconhecidos do ponto de vista legal. Foram candidatos lançados pela FDNL, com um documento em que apontavam nove pontos básicos de transformação da sociedade brasileira, sob orientação do conhecido Manifesto de Agosto de 1950, que radicalizou a política do PCB (cf. CARONE, 1982). 25 Mozart de Oliveira Valin não era da Direção Estadual do PCB; deve ter sido um militante de base ou um dirigente intermediário do PCB.

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que ocorreram no segundo semestre de 1947 houve um total de quatro dirigentes eleitos, sendo dois em Curitiba: Maria Olímpia Carneiro Moschel, professora, e o suplente, que assumiu no decorrer da legislatura, Hedel Jorge Ázar, pelo PST26; em Londrina, também foram dois dirigentes eleitos: Manoel Jacinto Correia, agricultor, e Newton Leopoldo Câmara, médico, ambos pelo PTB; em Antonina foi eleito Adão Aghar Toledo do Nascimento, comerciante, pela UDN. Depois das eleições de 1947, somente em 1958 é que um dirigente do Partido apareceu como suplente da bancada de deputados estaduais do PTB – Nilo Izidoro Biazetto, bancário. Em 1963 o sindicalista Expedito Oliveira da Rocha foi suplente da bancada de vereadores do PTB em Curitiba.

VI. CONCLUSÃO O PCB foi um partido que esteve presente em todos os principais momentos da história da República após 1922. Tomou a frente na construção do período democrático organizando por todo o Paraná os comitês democráticos, que fizeram o recadastramento eleitoral após o Estado Novo getulista. Participou dos processos eleitorais, ainda que poucas vezes com candidaturas próprias, e, quando estava na ilegalidade, teve a preocupação da sua volta à legalidade. As candidaturas ocorridas nas eleições de 1945 e 1947 foram bem estruturadas e organizadas. Como foi visto, durante esse período de legalidade o PCB teve duas intenções básicas. A primeira era organizar-se do ponto de vista da militância e da estruturação política do próprio Partido. Assim, as eleições que disputava tinham como prioridade o seu crescimento constante e a disputa política nas bases do movimento sindical e social. Somente depois dessa finalidade alcançada é que o Partido deu importância para o processo eleitoral em si, ou seja, para a conquista do pleito. Nesse sentido é que podemos observar que as listas do Partido sempre eram listas numerosas, com diversos candidatos inscritos, e a plataforma política era sempre voltada para a politização do processo eleitoral, com a apresentação das propostas da perspectiva da construção do socialismo. Outro aspecto importante a destacar é que o período de semiclandestinidade, entre 1947 e 1963, foi aproveitado pelo partido para apresentar-se como uma alternativa revolucionária para a população (BRANDÃO, 1997a). O PCB não deixou, então, de acreditar que o momento eleitoral continuasse sendo importante para o crescimento partidário. Nesse sentido, adotou a tática de lançar candidatos por outras legendas, pois sabia da importância estruturadora que cumpre um parlamentar no Partido. Por mais que o parlamento burguês, na opinião do PCB em seus anos mais radicalizados, não resolvesse a situação, ter uma tribuna para suas idéias era importante, mesmo que se apresentando por outras legendas partidárias. Quando adotou as idéias do Manifesto de Agosto de 1950, de que era o momento de organizar os trabalhadores das cidades e do campo para a revolução socialista, radicalizando a política de enfretamento com a burguesia, utilizou-se 26

Entretanto importa notar que Hedel Ázar não era da Direção Estadual.

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do espaço eleitoral para divulgar suas idéias: esse foi o seu objetivo em 1950, com a apresentação de seus “anticandidatos” para as eleições a Deputado Estadual. O principal objetivo do Partido não era eleitoral, mas sim o de divulgar o manifesto da FDLN. Como seus diretórios regionais respeitassem a organização vertical, essa orientação perdurou e foi referendada no IV Congresso do Partido, que afirma a linha adotada em 1950 e só teve uma nova flexão tática quando da morte de Getúlio Vargas, em 1954. O clamor popular diante da figura de Vargas aproximou politicamente o PCB do PTB e orientou as alianças políticas dos dois partidos nas eleições de 1955 e 1960. Com o golpe de 1964, que instaurou o regime militar no país, o Partido foi tido como subversivo e colocado literalmente na clandestinidade com o Ato Institucional n. 2, que instalaria no Brasil, em 1965, um sistema bipartidário.

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CAPÍTULO DOIS

O VOTO INTEGRALISTA NO PARANÁ: UMA ANÁLISE DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 1955 Amanda Litzinger Gomes

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2. O VOTO INTEGRALISTA NO PARANÁ: Uma análise das eleições presidenciais de 1955

I. INTRODUÇÃO Ao estudarmos a história política paranaense dos anos 1950, deparamo-nos com um fato sui generis referente ao comportamento político-eleitoral nas eleições presidenciais de 1955. O líder integralista Plínio Salgado, que concorreu à Presidência da República naquele ano, pelo Partido de Representação Popular – PRP, foi o candidato mais votado em Curitiba e obteve uma significativa votação no estado, diferentemente de sua atuação nos demais estados brasileiros. Neste capítulo tentaremos responder às seguintes perguntas: 1) Por que Plínio Salgado obteve tão significativa votação no Paraná? 2) Por que o estado do Paraná seguiu, então, um padrão diferente de votação dos demais estados brasileiros? Para compreendermos tal fenômeno eleitoral, analisamos no presente trabalho cinco hipóteses rivais. A primeira delas foi apresentada no estudo de Szvarça e Cidade (1989), em que se sugere uma explicação de tipo societalista para a expressiva votação de Plínio Salgado no Paraná e, principalmente, em Curitiba. Segundo os autores, as várias transformações por que passou o estado na década de 1950 (demográficas, sociais, políticoadministrativas etc.) induziram um sentimento de “crise de identidade” e insegurança social vividos no “quotidiano” dos paranaenses, encontrando assim abrigo na pregação autoritária do líder integralista, fato que gerou sua expressiva votação. Porém essa tese não consegue provar a “crise de identidade” do homem paranaense e nem explica por que cidades que não foram afetadas diretamente pelas transformações pelas quais passava o estado foram cidades em que Plínio Salgado também obteve significativa votação, tais como as do Norte Novo. A segunda hipótese é a do “voto étnico”, ou seja, a explicação difundida em várias fontes que enfatiza que quem votou em Plínio Salgado no Paraná e em Curitiba foi a grande parcela de imigrantes alemães e italianos. Embora seja tentadora, essa hipótese é de difícil comprovação, pois a divisão das zonas eleitorais em Curitiba, por exemplo,

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impede uma definição mais precisa da origem nacional dos eleitores1. Outra hipótese é a do “voto ideológico”. Houve paranaenses que votaram em Plínio Salgado devido à ideologia do partido integralista (fascista), mesmo que a maioria tenha votado em Plínio devido ao seu “carisma”. Porém essa hipótese também é de difícil comprovação, pois o Partido de Representação Popular não alcançou significativa representação política no estado na década de 1950, já que obteve insignificante votação tanto nos municípios paranaenses quanto no estado em si. A quarta hipótese de trabalho enfatiza a seguinte idéia. Podemos considerar que o que ocorreu no Paraná foi a manifestação típica do fenômeno conhecido como “populismo de direita” – hipótese que nos serviu de ponto de partida –, fenômeno político análogo ao janismo (de Jânio Quadros) e ao adhemarismo (de Adhemar de Barros) em São Paulo. Considerando o fenômeno do populismo como uma variável histórica com base de classe, e não apenas um fenômeno de manipulação eleitoral, sua política definindo-se como uma política de reforço das estruturas do Estado nacional (caracterizada como uma “ideologia de Estado”, efeito da representação política das baixas camadas médias na cena política), poderíamos afirmar que o que ocorreu no Paraná foi que parte do eleitorado encontravase “disponível” política e ideologicamente. As aspirações das baixas camadas médias encontraram expressão no “conservadorismo” do PRP, que sustentava a necessidade de construção de um Estado autoritário (traços típicos da figura e do discurso integralista do “líder” Plínio Salgado) e de uma política nacionalista (base do Programa do Partido de Representação Popular e até mesmo anteriormente, do Manifesto Integralista de 1932)2. Todavia essa hipótese também é de difícil comprovação, pois encontramos uma grande dificuldade para obtenção dos dados (censo demográfico, divisão das zonas e distritos eleitorais, entre outros) para que possamos comprovar que foram realmente as baixas camadas médias paranaenses que votaram no líder integralista Plínio Salgado, como fez Aziz Simão (1956) ao estudar o voto operário em São Paulo3.

1

Sabe-se que as zonas eleitorais em Curitiba eram quatro, divididas, no período de dezembro de 1961 a janeiro de 1962, da seguinte forma: Zona 1 – parte da sede (Centro), Santa Felicidade e Campo Comprido; Zona 2 – parte da sede, Barrerinha, Taboão, sede de Rio Branco do Sul e Açungui (Rio Branco do Sul); Zona 3 – parte da sede, Cajuru, Boqueirão, Umbará, Tatuquara, Piraquara (sede), Campina Grande do Sul (sede) e Quatro Barras (sede); Zona 4 – parte da sede e Portão. Nota-se que a sede (Centro) fazia parte das quatro zonas eleitorais, fato que impossibilita verificar quem eram e de qual etnia eram os eleitores de cada zona, não podendo, então, afirmar que quem votou em Plínio Salgado eram os imigrantes alemães e italianos. 2 Encontramos o discurso nacionalista no Manifesto Integralista de 1932 no item Para o nosso Nacionalismo, em que é pregado, por exemplo, que se crie uma cultura, civilização e um modo de vida genuinamente brasileiro, ou ainda na frase “O nacionalismo para nós não é apenas o culto da Bandeira e do Hino Nacional, é a profunda consciência das nossas necessidades, do caráter, das tendências, das aspirações da Pátria e do valor da raça”. Mas o nacionalismo também se encontra no Programa do Partido de Representação Popular (PRP) quando, por exemplo, afirma-se querer a unidade, a independência, a soberania e o prestígio internacional do Brasil (CHACON, 1985, p. 333-338, 467-478). 3 Nesse estudo, Aziz Simão separa São Paulo em quatro zonas eleitorais operárias com taxas de operários eleitores superiores a 40%, de acordo com os critérios de situarem-se ou não no perímetro urbano, estarem dentro ou fora da área mais antiga e se estavam na área mais industrial do município, com o intuito de traçar um perfil do eleitorado operário e sua distribuição (SIMÃO, 1956, p. 130-141).

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Porém, ao analisarmos os dados eleitorais disponíveis, observamos outro fato marcante: a semelhança na votação obtida por Plínio Salgado e por Moysés Lupion, candidato a Governador do Estado do Paraná pela coligação Partido Social Democrático (PSD)-Partido Democrata Cristão (PDC)-Partido Trabalhista Nacional (PTN) nas zonas eleitorais de Curitiba. Esse fato faz-nos pensar em uma quinta hipótese de trabalho: a transferência de votos de Moysés Lupion a Plínio Salgado – e é essa hipótese que tentaremos comprovar aqui. Com esse objetivo, trataremos primeiramente de analisar os dados eleitorais, ou seja, a votação obtida por Plínio Salgado, e em seguida estudaremos a história política do Brasil e do Paraná nos anos 1950. Finalmente, antes de concluir, analisaremos a campanha eleitoral de Plínio Salgado no ano de 1955, tendo como fonte os dois principais jornais do estado na época, O Estado do Paraná e a Gazeta do Povo.

II. A VOTAÇÃO Como já foi dito e podemos verificar na Tabela 1, a votação recebida por Plínio Salgado no Paraná foi atípica, pois ele não obteve significativa votação na maioria dos estados, com exceção da Bahia, onde obteve a terceira maior votação; do Espírito Santo, obtendo a quarta votação, porém muito próximo do terceiro mais votado no estado – Juarez Távora –, e de Santa Catarina, onde obteve também a terceira maior votação. Considerando o desempenho do candidato no Brasil (8,3% do total de votos), Plínio teve o triplo no Paraná. Tabela 1

Resultados eleitorais para Presidente da República de acordo com o candidato (partido/coligação), por estado brasileiro (1955; em %) ESTADO Acre Amazonas Pará Amapá Rondônia Roraima NORTE Alagoas Bahia Ceará Maranhão Paraíba

JUSCELINO KUBITSCHEK (PSD-PTB) 45,2 35,4 49,6 82,7 30,9 69,4 47,3 39,2 43,1 38,3 47,3 36,6

JUAREZ TÁVORA (UDN-PDC) 31,2 16,7 11,9 6,3 5,3 17,0 13,2 44,5 32,3 49,5 11,2 51,4

ADHEMAR DE BARROS (PSP) 20,9 39,8 36,2 9,4 61,5 12,3 36,1 10,3 11,0 8,4 39,6 7,6

PLÍNIO SALGADO (PRP) 2,7 8,1 2,3 1,6 2,3 1,3 3,4 6,0 13,6 3,8 1,9 4,4 Continua...

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Pernambuco 38,2 Piauí 53,4 R.G. do Norte 40,7 Sergipe 45,6 NORDESTE 41,2 E. Santo 36,1 M. Gerais 58,4 R. de Janeiro 46,2 São Paulo 12,7 Guanabara 29,5 SUDESTE 32,3 Paraná 24,8 R. G. do Sul 37,7 Santa Catarina 39,2 SUL 34,6 Goiás 43,2 Mato Grosso 47,0 CENTRO-OESTE 44,6 BRASIL 35,7 Votos (valores absolutos) 3.077.411

43,0 34,3 32,3 49,1 39,6 18,9 23,2 21,7 33,1 25,9 27,5 21,0 34,6 26,3 29,3 17,6 34,4 24,1 30,2 2.610.455

12,0 10,4 17,7 3,3 12,4 26,2 12,0 26,2 45,8 39,4 32,7 29,3 20,1 17,0 21,9 36,8 17,0 29,2 25,8 2.222.725

6,8 1,9 9,3 2,0 6,8 18,8 6,4 5,9 8,4 5,2 7,5 24,9 7,6 17,5 14,2 2,4 1,6 2,1 8,3 718.609

Fonte: Lavareda (1999, p. 203). Nota: PTB: Partido Trabalhista Brasileiro; UDN: União Democrática Nacional; PSP: Partido Social Progressista.

Nosso objetivo aqui é investigar as razões desse fenômeno. Nota-se que nesse pleito Plínio Salgado alcançou a terceira maior votação no Paraná (103.337 votos; 22,8% do total4) – ficando atrás de Juscelino Kubitschek por apenas 1,2% dos votos (Tabela 2) – e venceu seus principais concorrentes (Juscelino Kubitschek (PSD-PTB), Adhemar de Barros (PSP) e Juarez Távora (UDN-PDC)) em vários colégios eleitorais, dentre eles Curitiba – o maior colégio eleitoral do Paraná, com 39,76% dos votos, como verificamos na Tabela 3. Tabela 2

Resultados eleitorais para Presidente da República de acordo com o candidato (partido/coligação) no Paraná (1955) CANDIDATO Adhemar de Barros Juscelino Kubitschek Plínio Salgado Juarez Távora Brancos Nulos TOTAL

Fonte: Ipardes (1989, p. 9). 4

PARTIDO/COLIGAÇÃO PSP PSD-PTB PRP UDN-PDC -

ABS. 127.433 108.998 103.337 91.136 10.563 12.522 453.989

VOTOS 28,1 24,0 22,8 20,1 2,3 2,7 100

%

A discrepância entre os percentuais das tabelas 1 e 2 deve-se ao uso de diferentes fontes: Lavareda (1990, p. 203) na Tabela 1 e Ipardes (1989, p. 9) na Tabela 2.

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Tabela 3

Resultados Eleitorais para Presidente da República de Acordo com o candidato (Partido/Coligação) em Curitiba (1955) CANDIDATO Plínio Salgado Adhemar de Barros Juarez Távora Juscelino Kubitschek Brancos Nulos TOTAL

PARTIDO COLIGAÇÃO PSP PSD UDN-PDC PSD-PTB -

ABS. 28.894 18.751 11.848 11.395 1.209 650 72.747

VOTOS

% 39,7 25,7 16,3 15,7 1,7 0,9 100

Fonte: Ipardes (1989, p. 20).

Com base na Tabela 4, comprova-se a expressiva votação de Plínio Salgado nos 17 maiores colégios eleitorais, excluindo Curitiba, tendo em vista que ele obteve a primeira colocação em quatro desses colégios eleitorais e, em seis colégios, a segunda colocação. Observa-se, também, sua votação nos quatro maiores colégios – Ponta Grossa, Guarapuava, Londrina e Arapongas –, nos quais ele obteve a maior votação no maior deles, segundo lugar em Londrina e Arapongas e apenas em Guarapuava obteve a quarta colocação. Tendo conhecimento disso, podemos afirmar que não foram apenas os “curitibanos” que votaram em Plínio Salgado, mas sim os paranaenses como um todo, pois ele obteve grande aceitação no estado, principalmente no Norte Novo, região formada recentemente e que contém um maior número de imigrantes, contrariando, assim, a teoria da “crise de identidade do homem paranaense” proposta por Szvarça e Cidade (1989). Tabela 4

Posição de Plínio Salgado nos maiores colégios eleitorais do interior do estado do Paraná, por região (1955) MUNICÍPIO/REGIÃO Ponta Grossa Guarapuava Irati Campo Largo Rio Negro

TOTAL DE ELEITORES PARANÁ TRADICIONAL 17.769 10.264 5.479 5.441 5.315

POSIÇÃO

VOTOS

1 4 4 3 1

5.937 1.849 1.010 1.202 1.797

% 33,41 18,01 18,43 22,09 33,80

Continua...

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Lapa

5.245 LITORAL Paranaguá 6.163 NORTE VELHO Jacarezinho 6.253 NORTE NOVO Londrina 12.924 Arapongas 7.021 Apucarana 6.072 Campo Mourão 6.668 Rolândia 6.546 Cornélio Procópio 6.075 Maringá 5.549 Cambe 5.289 Santo Antônio da Platina 5.089

1

1.728

32,94

3

767

12,44

2

1.758

28,11

2 2 3 4 2 2 2 1 4

2.814 2.043 1.246 897 1.849 1.469 1.107 1.661 128

21,77 29,09 20,52 13,45 28,24 24,18 19,94 31,40 2,51

Fonte: revista Paraná Eleitoral (apud SZVARÇA & CIDADE, 1989, p. 207). Nota: O critério adotado para definir os maiores colégios eleitorais foi possuírem cinco mil eleitores ou mais.

Podemos sugerir que essa expressiva votação em Plínio Salgado não resultou da identificação do eleitorado com o Partido de Representação Popular (PRP), de ideologia integralista. Foi, antes de tudo, uma votação na pessoa de Plínio Salgado, pois, como podemos ver na Tabela 5, o PRP não obteve sucesso nas eleições para Vereador, no mesmo ano, em Curitiba. Tabela 5

Resultados eleitorais para Vereador por partido/coligação em Curitiba: cadeiras obtidas (1955) ELEITOS 1. Antenor Pamphilo dos Santos 2. Maximo Pinheiro Lima 3. José Maria de Azevedo 4. Erandyr Silvério 5. Myltho Anselmo da Silva 6. Victorio José Roda 7. João Stival 8. Antonio Damakoski 9. Elias Karas 10. Jurandyr de Azevedo e Silva 11. Dorgelo Antonio Biazetto 12. Sebastião Penteado Darcanchy 13. Menoti Caprilhone 14. Vicente Capriglione

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Nº DE VOTOS 859 766 698 692 771 764 655 1.023 943 519 1.014 663 600 633

PARTIDO/ COLIGAÇÃO PSD

Nº DE CADEIRAS 4

PTB

3

UDN

3

PR

3

PSP

3 Continua...

15. Ondino Ruy Camargo de Loyola 16. Ivo Moro 17. Edmundo Leinig Saporski 18. Yrlan Cavet 19. João Gasparin Filho 20. Felipe Aristides Simão TOTAL

594 539 770 678 570 777

PDC

2

PRT PL

1 1 20

Fonte: a autora, a partir de TRE-PR (s/d).

O mesmo ocorreu nos demais municípios paranaenses, como nos mostra a Tabela 6. Observamos também que, além de o PRP não ter obtido significativa votação, sua atuação política era pouco expressiva, pois em apenas 14 municípios, dos 153 do estado, apresentou candidato a Vereador, sendo que em apenas cinco desses municípios elegeu representante. Tabela 6

Resultados eleitorais do PRP nas eleições municipais nas cidades onde apresentou candidato a vereador: cadeiras obtidas (1955) MUNICÍPIO

Nº DE VOTANTES

Arapongas

7.021

Bela Vistado Paraizo Cambe Guarapuava Curitiba Lapa Londrina Ponta Grossa Prudentópolis Rio Branco do Sul Rio Negro Sertanópolis Santa Mariana União da Vitória

2.617 5.289 9.617* 72.751 5.245 12.942 17.769 4.535 1.821 5.304 4.004 2.457 4.567

PARTIDO COLIGAÇAO

Nº DE VOTOS RECEBIDOS

PR-UDN-PRP (Frente Popular Democrática) PRP PRP PRP PRP PRP PRP PRP PRP PRP PRP PRP PRP PRP

Nº DE CANDIDATOS APRESENTADOS

822

20

82 166 s/i 3.581 416 1.500 824 120 72 660 192 84 131

9 9 2 26 10 17 20 s/i 3 12 7 s/i 8

CADEIRAS OBTIDAS

2 0 0 1 0 1 2 0 0 0 2 0 0 0

Fonte: a autora, a partir de TRE-PR (s/d).

Notas: 1. s/i: sem informação 2. * Esse valor é uma projeção. 3. Em Prudentópolis o PRP lançou a candidatura para Prefeitura de Paulo Christiano dos Santos, porém o mesmo ficou em último lugar, com 53 votos.

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A Tabela 7 mostra-nos que nas eleições para Deputado Federal, no ano de 1958, Plínio Salgado foi eleito pelo PRP, com pouco mais de 50 mil votos (4ª posição), superando nomes importantes da política local, tais como Othon Mäder (9ª posição) e Bento Munhoz da Rocha Netto (11ª posição), provando mais uma vez que não foi por mero acaso que o líder integralista obteve grande aceitação no Paraná nas eleições presidenciais de 1955. Tabela 7

Relação nominal dos candidatos eleitos para a Câmara dos deputados por partido/coligação no Paraná (1958) CANDIDATO PARTIDO-COLIGAÇÃO 1. Janio Quadros PTB 2. Ney Amintas de Barros Braga PDC 3. Francisco Accioly R. da Costa Filho PSD 4. Plínio Salgado PRP 5. Raphael Ferreira Rezende PSD 6. Petronio Fernal PTB 7. Miguel Bufara PTB 8. Mario Gomes da Silva PSD 9. Othon Mäder UDN/PR/PSP 10. José Teixeira da Silveira PTB 11. Bento Munhoz da Rocha Neto UDN/PR/PSP 12. Jorge de Lima PTB 13. Manuel de Oliveira Franco Sobrinho PSD 14. Antonio Baby PTB

Nº DE VOTOS 78.810 57.099 56.392 50.628 27.802 26.129 22.614 18.847 17.821 17.536 17.199 15.977 14.046 9.806

Fonte: Ipardes (1989, p. 113). Nota: PR: Partido Republicano.

Enfim, a partir da análise dos dados, concluímos que a votação obtida por Plínio Salgado no Paraná segue, de fato, um padrão diferente do observado se comparado com os demais estados brasileiros, pois foi apenas nesse estado que o líder integralista obteve tão significativa votação. Não podemos deixar de pensar que o seu partido não obteve a mesma votação no estado5, sugerindo assim que foi Plínio Salgado quem obteve esses votos e não o Partido de Representação Popular, ou a ideologia integralista pregada pelo partido e pelo líder Plínio Salgado.

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Vide tabelas em anexo que reforçam tal afirmação: 1. Resultados eleitorais para Prefeito do Município de Curitiba por candidato-partido/coligação em 1954; 2. Resultados eleitorais para Câmara Municipal de Curitiba por candidato eleitopartido/ coligação em 1955; 3. Resultados eleitorais para Prefeito do Município de Curitiba por candidatopartido/ coligação em 1958; 4.Resultados eleitorais para Câmara Municipal de Curitiba por candidato eleitopartido/coligação em 1959; 5 Resultados eleitorais para Prefeito do Município de Curitiba por candidato-partido/ coligação em 1962. Tais tabelas mostram que o PRP não elegeu nenhum candidato para a prefeitura de Curitiba nem para Câmara de Vereadores desse Município no período de 1954 a 1962.

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III. ELEMENTOS DA HISTÓRIA POLÍTICA Para melhor compreendermos por que Plínio Salgado – e não o PRP – obteve significativa votação naquele momento, faz-se necessário conhecermos o cenário político nos âmbitos nacional e estadual então vigente. Começamos nossa análise do contexto político em 1945, quando Getúlio Vargas foi derrubado do poder, afetando a política brasileira dos anos vindouros, pois a sombra de sua personalidade veio a dominar o cenário político dos anos seguintes. Com a volta da democracia fez-se necessária a criação de uma nova estrutura legal, dando ensejo ao aparecimento de desacordos e conflitos, pois a sociedade brasileira dividia-se cada vez mais (SKDIMORE, 1982). A divisão mais elementar da política brasileira, em meados de 1945, era entre os “de dentro” – “situacionistas” (mantenedores do status quo), que haviam apoiado Getúlio Vargas durante o Estado Novo e que agora representavam uma grande proporção de votos para o candidato que lhes parecesse disposto a continuar as diretrizes básicas de Vargas –, e os “de fora” – “oposicionistas”, que haviam sido excluídos do poder desde 1937, entre os quais estavam especialmente os constitucionalistas liberais. Nesse ambiente, em 2 de dezembro de 1945 realizaram-se as eleições e o exMinistro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, venceu com 55% da votação nacional. Nas eleições para o Congresso o PSD ganhou 151 cadeiras, a UDN, 77 cadeiras, o PTB, 22 cadeiras e o PCB, 14 deputados e um Senador. As poucas cadeiras restantes ficaram com os partidos menores. Desse resultado pode-se perceber que a aliança entre os “de dentro” podia sobreviver a uma eleição livre. Com a posse do novo Presidente, o país estava pronto para a redemocratização e em setembro de 1946 foi aprovada uma versão final da nova Constituição, que englobava tanto as esperanças dos constitucionalistas liberais quanto as dos que eram favoráveis a um governo federal forte. Como em 1934, foram incluídos elaborados dispositivos, destinados a assegurar eleições livres e direitos cívicos. O eleitorado foi formado com a exclusão dos analfabetos e dos convocados para as Forças Armadas. Quanto à economia, no fim do governo Dutra o Brasil já ostentava um bom índice de desenvolvimento, pois entre 1945 e 1951 houve um crescimento de 6% ao ano no produto real total e de 3,2% no produto per capita. O planejamento econômico, durante os anos Dutra, realizou-se em base regional e setorial, acompanhado por uma redução da intervenção estatal na economia. No ano de 1950 realizou-se nova eleição presidencial, em que a antigetulista UDN indicou novamente o Brigadeiro Eduardo Gomes como seu candidato, aceitando o apoio formal da última leva de integralistas de Plínio Salgado, que agora se organizavam no Partido de Representação Popular. Todavia Getúlio Vargas ressurgiu no cenário nacional, agora como campeão do trabalhismo e como candidato endossado por seu rival mais próximo em populismo, Adhemar de Barros. Enfim, Vargas aliou-se ao PSP de Adhemar

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de Barros, ao PTB e ao PSD (nos lugares onde a lealdade dos membros desse partido fosse negociável6). Em 1951 Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República, vindo a encontrar um país diferente daquele que deixara em 1945, pois a sociedade apresentava uma estrutura de classes mais nitidamente diferenciada do que aquela do Estado Novo, em decorrência do duplo processo de industrialização e urbanização que se ampliou, fortalecendo três classes: os industriais, a classe operária urbana e a classe média urbana. Desse modo, Vargas presidiu um sistema político aberto e fluido, em que os votos mobilizados pelos chefes políticos do interior perdiam importância, enquanto o eleitorado urbano crescia rapidamente. Vargas teria muitos problemas econômicos para resolver, entre eles superar os pontos de estrangulamento estruturais, atrasos setoriais, desequilíbrios regionais, o balanço de pagamentos, as limitações que se impunha à capacidade do país para importar e ainda o súbito crescimento da taxa de inflação. Com o intuito de resolver esses problemas, Vargas decidiu explorar os sentimentos de nacionalismo econômico e de animosidade popular contra os investimentos estrangeiros, como justificativa para uma mudança de política que poderia, no entanto, ser defendida em linguagem menos emocional, segundo Skidmore (1982). Vargas tomou essa decisão pois sabia que a classe média era atraída pelas doutrinas do nacionalismo econômico, assim como a classe operária urbana, possibilitando-lhe, então, edificar um consenso popular acerca da política econômica, em prol da industrialização. Porém tal decisão poderia resultar em uma divisão política do país. Como esperado, o impulso do Brasil para a industrialização e para maior autonomia econômica despertou tensões sociais, principalmente entre as classes tradicionais ligadas ao comércio de exportação e importação, pois esses grupos temiam a perda de importância relativa e de status. Em 1953, lutando contra a inflação, Vargas reorganizou o seu ministério, reorientando sua política, baseada em um esforço para mobilizar a classe operária sem afastar os industriais. Porém tal estratégia se complicaria quando as verdadeiras medidas de estabilização se fizessem sentir, pois os trabalhadores pediam aumentos de salários para compensar a inflação, e os industriais pressionavam o governo no sentido de manter a política creditícia que havia possibilitado o extraordinário surto industrial, entre 1948 e 1952. No ano de 1954 o Brasil e Vargas enfrentavam uma situação difícil, pois o país estabeleceu um alto preço do café, fato que veio a irritar os americanos, que revidaram com uma investigação, gerando protestos no Brasil, por sua vez. Tudo isso fortaleceu o sentimento nacionalista no Brasil, desviando a atenção do problema mais crucial, o das medidas internas antiinflacionárias. Porém as vendas de café do Brasil para os Estados Unidos diminuíram tanto que o País, na verdade, obtinha menos divisas que em 1953, quando o preço do café era mais baixo. 6

Porém, em Pernambuco, Vargas encontrou o PSD comprometido com Cristiano Machado e foi forçado a aliarse à UDN, o que prova o caráter não-doutrinário dos partidos nos estados economicamente atrasados.

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Em agosto de 1954 Getúlio Vargas suicidou-se, desarmando os antigetulistas e privando-os de uma nítida vitória. Assim, o vice-Presidente da República, que era um líder do PSP de Adhemar de Barros e mais conservador que Vargas, Café Filho, prestou juramento como Presidente da República, organizando um novo gabinete que, agora, incluía diversos líderes identificados com a UDN. Mas mesmo com políticos udenistas e militares antigetulistas, presentes no novo governo, não havia perspectivas de um expurgo antiVargas nos moldes solicitados anteriormente por extremistas, pois se sabia que Café Filho era adepto ferveroso dos princípios da “legalidade”, realizando, então, as eleições para o Congresso, programadas para outubro de 1954. As eleições realizaram-se como programadas e os resultados revelaram que a crise política pouco afetava a opinião dos eleitores, pois o PTB não conquistou uma vitória significativa (56 cadeiras na Câmara dos Deputados contra 51 cadeiras no Congresso anterior), embora Lutero Vargas, filho de Getúlio Vargas, fosse reeleito para o Congresso; João Goulart viu frustrar-se seu projeto de eleger-se Senador pelo PTB de seu estado natal, o Rio Grande do Sul, mesmo baseando sua campanha no apelo à memória de Vargas. A UDN perdeu terreno na eleição, caindo de 84 cadeiras para 74, embora Carlos Lacerda tivesse sido eleito para a Câmara dos Deputados. O PSD, o partido menos atingido no conflito, aumentou ligeiramente a sua representação, de 112 para 114 cadeiras. Havia tendências marcantes dos candidatos de concorrerem em chapas de “coalizão”, que combinavam legendas partidárias; no entanto, o resultado eleitoral indicava que quem quer que fosse eleito Presidente em 1955 enfrentaria um Congresso com a mesma complexidade política substancial daquele que Vargas enfrentara em 1945. Café Filho começou 1955 reafirmando a intenção de o governo realizar a eleição presidencial na data marcada, em outubro. O PSD foi o primeiro partido a escolher o seu próprio candidato, o Governador de Minas Gerais Juscelino Kubitschek, herdeiro de uma das alas do sistema político de Vargas. Em abril, o PSD celebrou aliança com o PTB, lançando a candidatura de João Goulart (PTB) para vice-Presidente, combinando o poder eleitoral da máquina rural do PSD como o poder do PTB nas cidades. Em abril, uma facção dissidente do PSD realizou sua própria convenção; esse grupo, de caráter conservador, indicou como candidato próprio o ex-Governador de Pernambuco, Etelvino Lins, político de pouca projeção nacional, posteriormente endossado pela UDN. Em maio, Adhemar de Barros (PSP) entrou na Arena. Esperava-se que ele arrebatasse de Kubitschek os votos da classe trabalhadora e, desse modo, aumentasse as chances do candidato da UDN. Em junho, a UDN começou a preocupar-se com a falta de projeção do seu candidato, Etelvino Lins, e retirou a sua candidatura, substituindo-o pelo General Juarez Távora, que veio a ter o apoio do PDC. Mesmo em meio a conflitos, Café Filho fez realizar-se a eleição. Houve quatro candidatos: Juscelino Kubitschek (PSD-PTB), Juarez Távora (UDN-PDC), Adhemar de Barros (PSP) e Plínio Salgado (PRP).

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Sabemos que Café Filho herdou uma crise financeira de proporções realmente alarmantes, pois a produção industrial tanto de bens de consumo como de bens de capital continuava a crescer no início da década de 1950, assim como os demais problemas que Vargas não conseguiu resolver, como a inflação e os déficits de pagamentos externos. Café Filho pretendia apenas levar adiante uma série de medidas essenciais a curto prazo, pois não teria tempo de atacar os problemas básicos, deixando, assim, para o próximo governo resolver os problemas mencionados. Foi nesse ambiente que se deu a eleição para a Presidência da República, de que saiu vitorioso, para o desalento dos antigetulistas, Juscelino Kubitschek. Simultaneamente e em conseqüência disso, o Paraná também sofria modificações em seu cenário político, pois logo após as eleições de 1945 o Des. Clotário Portugal passou a Interventoria a Brasil Pinheiro Machado, que, após assumir o governo estadual, passou a ocupar a Presidência do Diretório Regional do PSD e a usar a máquina do governo para fins eleitoreiros. Devido a isso, Brasil Pinheiro Machado foi substituído pelo Tenente-Coronel Mário Gomes da Silva. Na campanha de 1946, a candidatura de Moysés Lupion foi articulada de tal modo que nenhuma força poderia derrotá-lo, pois tinha o apoio dos três maiores partidos (PSD, PTB e UDN), recursos financeiros, o apoio do Presidente da República (Eurico Gaspar Dutra) e o principal, a popularidade de seu nome, difundido em todo o estado. Mesmo assim, foi lançada a candidatura de Bento Munhoz da Rocha Netto, que sabia que não tinha chances, pois Lupion, além de ter conseguido unir em torno de seu nome os partidos centristas, conciliava “os extremos mais profundos, ao receber o apoio a um só tempo de integralistas e comunistas” (COSTA, 1995, p.366). A Assembléia Constituinte do Estado formou-se da seguinte maneira: o Partido Social Democrático com 17 deputados, a União Democrática Nacional com oito, o Partido Trabalhista Brasileiro com seis, o Partido Republicano com quatro, o Partido de Representação Popular com dois e, com um representante cada, o Partido Social Progressista e o Partido Comunista Brasileiro. O secretariado montado por Moysés Lupion refletia a composição de forças do acordo interpartidário feito durante a campanha eleitoral, representada na Assembléia Constituinte como segue: Gomy Júnior (PSD), na pasta do Interior, Justiça e Segurança Pública; Paula Soares (UDN), na Fazenda; Francisco Maravalhas (PTB), na Agricultura; Benjamin Mourão (PRP), na Viação e Obras Públicas; Milton Munhoz (UDN), na Saúde; Gaspar Velozzo (PSD), na Educação, e Ângelo Lopes (PSD), na Prefeitura de Curitiba. Sabe-se que no decênio 1940-1950 o estado do Paraná dobrou sua população devido ao processo de migração interna que desbravou e ocupou o Norte do Estado. Em virtude disso, durante seu governo Moysés Lupion manteve compromissos políticos e populares extremamente sensíveis ao clamor de populações desenraizadas e sedentas de um lugar ao sol, tanto mais em uma área do país justamente decantada pela abundância e fertilidade de suas terras. Politicamente falando, o Paraná não gozava de um clima confortável, pois houve o rompimento da coligação que elegeu Moysés Lupion (PSD-UDN-PTB), desgastando a

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imagem do Governador, tanto aos olhos dos eleitores quanto da bancado do PSD e de seu próprio secretariado. É interessante notar que, em conseqüência das múltiplas frentes de pioneirismo que se abriam pelo interior do estado, a feição do eleitorado tornava-se flutuante, pois a grande mobilidade demográfica quase não permitia que os contatos se consolidassem na base de uma identidade de interesses e de reivindicações comuns. No fim de seu mandato, em 1950, Moysés Lupion lançou para sua própria sucessão a candidatura do engenheiro Ângelo Lopes, contando apenas com o apoio do PSD, bem estruturado nos municípios e com uma grande bancada na Assembléia Legislativa. Porém foi Bento Munhoz da Rocha Netto quem saiu vitorioso dessa vez, pois tinha de seu lado a forte coligação de PR, UDN, PST e PL, além de uma parte do PTB e de uma dissidência do majoritário PDS. Bento Munhoz da Rocha Netto, desde o início de sua gestão, contou com um bom trânsito junto ao Presidente Getúlio Vargas, devido às estreitas relações de amizade com o vice-Presidente Café Filho. Durante o governo de Munhoz da Rocha a maior bancada na Assembléia Legislativa continuou sendo a do PSD, sendo a segunda maior a do PTB. Foi no governo de Munhoz da Rocha que se deu a comemoração do primeiro centenário de emancipação política do Paraná, fato que representou para o estado “um divisor de águas e uma tomada de consciência, o Estado atingia uma idade historicamente adulta e politicamente madura para assumir maiores espaços no contexto nacional” (COSTA, 1995, p. 402-403). Nesse período de realizações do governo de Munhoz da Rocha, o Paraná despontava na economia nacional como o principal produtor e exportador de café no mercado mundial. Enfim, foi nesse contexto que se deram as eleições para Governador do Estado e Presidente da República, em 1955. Tais eleições tiveram como candidatos para o Governo: Moysés Lupion (PSDPDC-PTN), que foi eleito; Mário Baptista de Barros (PTB-PR); Othon Mäder (UDN); Luiz Carlos Pereira Tourinho (PSP) e Carlos A. Osório (PSB). Quanto à situação dos partidos, sabe-se que em 1948 a UDN foi maioria nos pleitos municipais de novembro, conquistando prefeituras de grande expressão, como Ponta Grossa e Londrina, ou seja, o partido antigetulista tinha grande força no Paraná. Quanto ao PTB, em 1950 ele estruturou-se como uma força popular, um partido de massas, exigência da época.

IV. A CAMPANHA Ao analisarmos os dados eleitorais disponíveis observamos um fato marcante: a semelhança na votação obtida por Plínio Salgado e por Moysés Lupion, candidato a Governador do Estado do Paraná pela coligação PSD-PDC-PTN, nas zonas eleitorais de Curitiba, como podemos ver no Gráfico 1.

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Gráfico 1

Resultados eleitorais comparados entre Plínio Salgado e Moysés Lupion em Curitiba, por zonas eleitorais (1955) 35.000

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

0

Zona eleitorais

Zona 1

Plínio Salgado (PRP)

Zona 2

Zona 3

Zona 4

TOTAL

Moysés Lupion (PSD-PDC-PTN)

Fonte: a autora, a partir de Paraná Eleitoral (1955, p. 6) e Szvarça e Cidade (1989, p. 202). Nota: As zonas eleitorais de Curitiba estavam formadas, no período de dezembro de 1961 a janeiro de 1962, da seguinte forma: Zona 1 – parte da sede (Centro), Santa Felicidade e Campo Comprido; Zona 2 – parte da sede, Barrerinha, Taboão, sede de Rio Branco do Sul e Açungui (Rio Branco do Sul); Zona 3 – parte da sede, Cajuru, Boqueirão, Umbará, Tatuquara, Piraquara (sede), Campina Grande do Sul (sede) e Quatro Barras (sede); Zona 4 – parte da sede e Portão.

Observando isso podemos pensar em nossa quinta hipótese de trabalho: a transferência de votos de Moysés Lupion para Plínio Salgado, que podem ter feito uma aliança eleitoral, não necessariamente ideológica, com o intuito de maximizar os votos.

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Temos o conhecimento de que no início das eleições casadas de 1955 Moysés Lupion apoiava Juscelino Kubitschek, mas eles romperam e Lupion pode ter apoiado Plínio Salgado7. O problema é que não sabemos por que ocorreu a ruptura e nem se o apoio seria dado a Plínio Salgado. A campanha eleitoral assume, assim, grande importância para compreendermos as razões do voto do eleitor, de modo que passaremos a tratar dela, considerando tanto a campanha de Plínio Salgado quanto a de Moysés Lupion no estado do Paraná. Primeiramente, temos que esclarecer o que entendemos por “eleições casadas”. Para isso partiremos do estudo realizado por Marcus Figueiredo (1994), que afirma que eleições casadas seriam produzidas pela coincidência da eleição presidencial com as demais, para Governador e para o poder Legislativo, o que permitiria a formação de alianças apenas para fins eleitorais, fato que estimularia a estratégia maximizante do voto fundada na aritmética eleitoral e não na aritmética ideológica. Outro ponto necessário a ser enfatizado a propósito das eleições casadas é que os partidos participantes de candidaturas nacionais podem aliar-se a candidaturas estaduais concorrentes com as nacionais, pois o objetivo principal de qualquer partido é a maximização dos votos; secundariamente vem a preferência a aliar-se a agremiações de seu próprio campo ideológico. No caso do estado do Paraná, observamos que no período de 1950 a 1960 as eleições para Governador do Estado e Presidente da República foram casadas (Tabela 8). Levando esse fato em consideração, passaremos a analisar a campanha eleitoral de 1955 em si, considerando a atuação tanto de Plínio Salgado quanto de Moysés Lupion, no sentido de examinar se Lupion coligou-se, mesmo que informalmente, com Plínio Salgado. 7

Em entrevista realizada pelo pesquisador Márcio Kieller, em julho de 2001, com Milton Ivan Heller, jornalista e ex-dirigente do PCB do Paraná, no período 1945-1964, o entrevistado prestou o seguinte depoimento: “MK – E a situação política no Paraná nessa época: qual partido dominava? MIH – Eu peguei um período de transição. Em 1956 o Lupion foi eleito Governador pela segunda vez. Foi eleito Governador, mas aí já começaram com uma violenta oposição contra ele, acusaram de ladrão e tudo. Fizeram uma fofoca, uma denúncia vazia nos ouvidos do Juscelino Kubitschek, de que ele teria apoiado o Adhemar de Barros [para a Presidência da República]. Porque o Juscelino concorreu à Presidência contra o Joaquim Távora, contra o Adhemar de Barros e contra o Plínio Salgado. No Paraná ele teve poucos votos, o mais votado aqui em Curitiba, por incrível que pareça, foi o Plínio Salgado. Adhemar de Barros teve bastante votos, porque o Norte do Paraná e São Paulo são muito próximos, muito ligados, com interesses comerciais, tem muita gente veio de São Paulo para o Norte do Paraná, então o Adhemar tinha que ter votação aqui. O Juscelino ficou em terceiro e o último em votos foi candidato da UDN, foi Juarez Távora. O Juscelino achava que tinha sido traído. Não, traído não. O Governador lá é sócio do Adhemar e o PSD trabalhou para o Adhemar e tal. O que aconteceu foi que, na época, o estado vivia do imposto de vendas e consignações, que mais foi substituído pelo ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços], e os repasses federais eram poucos, mas eram importantes, porque era o dinheiro com que o estado contava para fazer alguma obra, para algum investimento – afinal, a arrecadação própria mal dava para pagar o funcionalismo. Aí o Juscelino não passou nem um centavo para o Paraná, porque lhe disseram que o Lupion tinha apoiado o Adhemar de Barros. O Lupion ficou em dificuldades muito sérias, chegou a atrasar o salário do funcionalismo seis meses e isso causou um desgaste político muito grande, que coincidiu também com a revolta dos posseiros de 1957, lá no Sudoeste”.

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Tabela 8

Resultados eleitorais para presidente e governador por taxa de comparecimento (%) no Paraná (1945-1960) PRESIDENTE GOVERNADOR

1945 58,24% NH

1947 1950 1954 NH 73,63% NH 60,60% 73,56% NH

1955 1958 67,52% NH 67,51% NH

1960 81,73% 81,72%

Fonte: a partir de Santos (1990, p. 144-147). Notas: 1. NH: Não houve eleição para esse pleito. 2. Em 1954 e 1958 alguns estados brasileiros tiveram eleições para Governador, mas não foi o caso do Paraná.

Ao lermos os dois principais jornais do estado – Gazeta do Povo e O Estado do Paraná, edições diárias do ano de 1955, observamos que em nenhum dos dois há um posicionamento favorável à candidatura de Plínio Salgado; muito pelo contrário, há flagrante menosprezo pela sua candidatura, como podemos ver no Panorama Político do Estado do Paraná do dia 25 de janeiro de 1955: Mas se o Ministro Orozimbo não será pretendente ao Catete, já o mesmo não se poderá dizer do sr. Plínio Salgado. Claro está que o chefe dos integralistas só tem “chance” de chegar em último, mesmo se os candidatos forem quatro ou cinco. Não obstante, para atender aos desejos dos seus “águias brancas” de secção de São Paulo do PRP, o sr. Plínio Salgado concordou com a indicação de seu nome à presidência da República, ‘ad referendum’ da Convenção Nacional de seu partido. Embora careça de ponderabilidade, registre-se a candidatura em questão como a 2º, na ordem cronológica para o próximo pleito presidencial (PANORAMA POLÍTICO, 1955, p. 4). Por outro lado, Lupion (PSD-PDC-PTN) teve grande apoio da Gazeta do Povo, do mesmo modo que Juscelino Kubitschek, candidato a Presidente pela coligação PSDPTB. Porém o jornal Estado do Paraná parece ter apoiado a candidatura Mário de Barros, da coligação PTB-PR. Mesmo assim Plínio Salgado, em seu comício realizado em 5 de setembro de 1955, na Avenida João Pessoa em Curitiba, atraiu uma multidão, segundo a imprensa local. Foi o maior comício de campanha, em comparação com os de seus adversários, como afirma o Estado do Paraná do dia 6 de setembro de 1955. Ao obter a maior votação em Curitiba, os jornais procuraram explicação para o fato, afirmando que foi o apoio do clero que deu essa votação extraordinária a Plínio Salgado. Em contrapartida, “o clero também apoiou Mário de Barros, que quase nada conseguiu” (Gazeta do Povo, 7.out.1955), comprovando então que o apoio do clero não explica a expressiva votação obtida por Plínio Salgado. Como podemos verificar, infelizmente não foi possível encontrar informações

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que comprovem de fato a coligação de Moysés Lupion com Plínio Salgado. Todavia sugerimos que foi o eleitor quem fez a aliança pois, como enfatiza Figueiredo (1994, p. 11), o eleitor tem liberdade absoluta para escolher seus candidatos e tende a desconsiderar as vinculações partidárias e as alianças nacionais e estaduais, pois, assim como os partidos, os eleitores também maximizam seus atos no processo eleitoral. Enfim, o eleitor escolhe seus candidatos e por si próprio “produz” alianças. Porém para compreendermos o porquê de o eleitor realizar tal aliança, teríamos que fazer um estudo comportamental, ou seja, analisar o comportamento do eleitor paranaense nas eleições de 1955, e esse não é o objetivo do presente trabalho. A principal hipótese “comportamental”, que deve ser estudada futuramente, parte da observação de que nas eleições presidenciais de 1955 houve a maior taxa de abstenção no Paraná (67,52%) no período de 1945 a 1960, e a segunda maior para as eleições para o governo do estado (32,49%), como verificamos nas tabelas 9 e 10. Isso nos faz pensar que o eleitor paranaense de algum modo não estava satisfeito com a situação política por que passava o país, tendo então realizado o conhecido “voto de protesto”, vindo a eleger a oposição, que se dava nos nomes de Moysés Lupion para Governador e Plínio Salgado para Presidente. Tabela 9

Resultados eleitorais para Presidente da República por números de eleitores, taxa de comparecimentos, taxa de abstenção, percentual de votos brancos e nulos e votação do eleito no Paraná (1945-1960) Eleitorado (A) Votantes (B) % Comparecimento. (B/A) Abstenção (C) % Abstenção (C/A) Brancos e nulos (D) Votos válidos (E) % Brancos e nulos (E/B) % Votos válidos (E/B) Votação do Presidente eleito (F) % Votação do Presidente eleito (F/E)

1945 229.672 195.768 85,24% 33.904 14,76% 586 195.182 0,30% 99,70% 137.060 70,22%

1950 372.796 274.474 73,63% 98.322 26,37% 9.268 265.206 3,38% 96,62% 196.036 63,74%

1955 672.645 454.140 67,52% 218.505 32,48% 23.555 430.585 5,19% 94,81% 108.031 25,09%

1960 885.418 723.609 81,73% 161.809 18,27% 67.702 655.907 9,36% 90,64% 369.737 56,37%

Fonte: a autora, a partir de Santos (1990).

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Tabela 10

Resultados eleitorais para governador do Estado do Paraná por número de eleitores, taxa de comparecimento, taxa de abstenção, % votos brancos e nulos e votação do eleito (1947-1960) 1947 Eleitorado (A) 239.801 Votantes (B) 145.309 % Comparecimento (B/A) 60,60% Abstenção (C) 94.492 % Abstenção (C/A) 39,40% Brancos e nulos (D) 8.309 Votos válidos (E) 137.000 % Brancos e nulos (E/B) 5,72% % Votos válidos (E/B) 94,28% Votação Governador eleito (F) 91.059 % Votação Governador eleito (F/E) 66,47%

1950 372.796 274.560 73,65% 98.236 26,35% 17.299 257.261 6,30% 93,70% 172.638 67,11%

1954 N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H

1955 672.645 454.117 67,51% 218.528 32,49% 25.151 428.966 5,54% 94,46% 185.108 43,15%

1958 N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H N/H

1960 885.418 723.530 81,72% 161.888 18,28% 50.776 672.754 7,02% 92,98% 253.552 37,69%

Fonte: a autora, a partir de Santos (1990). Notas: 1. N/H: não houve eleições. 2. Em 1954 e 1958 alguns estados brasileiros tiveram eleições para Governador, mas não foi o caso do Paraná.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALHANA, A. P. Eleições em Santa Felicidade: 1945-1965. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 27, p. 203-260, jul.1969. CHACON, V. História dos partidos brasileiros. Discurso e práxis dos seus programas. 2ª ed. Brasília : UNB, 1985. CODATO, E. PSD e UDN:: articulação e conflito na política paranaense entre 1945-1950. São Paulo. Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo, 1991. COSTA, S. G. História política da Assembléia Legislativa do Paraná. V. II. Curitiba : Assembléia Legislativa do Paraná, 1995. FIGUEIREDO, M. A lei de ferro da competição eleitoral: a aritmética eleitoral ou eleições casadas, resultados solteiros. Dinâmica Eleitoral, Competição Partidária, Alianças e Coligações – Grupo de Conjuntura, Rio de Janeiro, n. 50, p. 3-14, jul.1994. IPARDES. Resultados eleitorais. Paraná 1945-82. 2a ed. Curitiba: Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, 1989. LAVAREDA, A. A democracia nas urnas: o processo partidário-eleitoral brasileiro, 19451964. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999. LIMA JÚNIOR, O. B. Os partidos políticos brasileiros. A experiência federal e regional: 1945-64. Rio de Janeiro : Graal, 1983.

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_____. Evolução e crise do sistema partidário brasileiro: as eleições legislativas estaduais de 1947 a 1962. In: FLEISCHER, D. V. (org.). Os partidos políticos no Brasil. V. I. Brasília : UNB, 1981. SAES, D. Classe média e sistema político no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1984. SIMÃO, A. O voto operário em São Paulo. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 1., p. 130-141, 1956. SKDIMORE, T. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930-1964). 12ª ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1982. SZVARÇA, D. R. & CIDADE, M. L. 1955: O voto “verde” em Curitiba. História: Questões & Debates, Curitiba, v. 10, n. 18-19, p. 181-211, jul.-dez.,1989. WEFFORT, F. Raízes sociais do populismo em São Paulo. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 2, p. 39-60, maio,1965. _____. O populismo na política brasileira.. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

OUTRAS FONTES Estado do Paraná, Curitiba, janeiro a dezembro de 1955. Gazeta do Povo, Curitiba, janeiro a dezembro de 1955. HELLER, Milton Ivan. Entrevista concedida a Márcio Kieller. Curitiba, 1 e 7. Jul. 2001. Panorama político. Estado do Paraná, Curitiba, 25.jan.1955, p. 4.[Editorial] TRE-PR. Base de dados primários da Seção de Divulgação de Resultados. Curitiba: Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, s/d.

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ANEXOS Tabela 1 - Anexo

Resultados eleitorais para Prefeito do Município de Curitiba por candidatopartido/coligação em 1954. CANDIDATO Alfredo Pinheiro Júnior Amâncio Moro Estevam Ribeiro de Souza Neto João Cid Macedo Portugal Manoel de Freitas Valle Aranha Ney Amintas de Barros Braga Roberto Barroso Wallace Thadeu de Mello e Silva

PARTIDO-COLIGAÇÃO PSD PL PTB PDC UDN PSP/PR PTN PST

Nº DE VOTOS 11.070 5.213 8.007 4.567 1.101 18.327 1.307 11.576

Fonte: TRE-PR. Compilação da autora.

Tabela 2 - Anexo

Resultados eleitorais para Câmara Municipal de Curitiba por candidato eleito-partido/coligação em 1955. CANDIDATO Antonio Damakoski Dorgelo Antonio Biazetto Elias Karam Antenor Pamphilo dos Santos Felipe Aristides Simão Myltho Anselmo da Silva Edmundo Leinig Saporski Maximo Pinheiro Lima Victorio José Roda José Maria de Azevedo Erondy Silvério Yrlan Cavet Sebastião Penteado Darcanchy João Stival Vicente Capriglione Menoti Caprilhone Ondino Ruy Camargo de Loyola João Gasparin Filho Ivo Moro Jurandyr de Azevedo e Silva Fonte: TRE-PR. Compilação da autora.

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PARTIDO-COLIGAÇÃO UDN PR UDN PSD PL PTB PDC PSD PTB PSD PSD PDC PR PTB PSP PR PSP PRT PSP UDN

Nº DE VOTOS 1.203 1.014 943 859 777 771 770 766 764 698 692 678 663 655 633 600 594 570 539 519

Tabela 3 - Anexo

Resultados eleitorais para Prefeito do Município de Curitiba por candidatopartido/coligação em 1958. CANDIDATO Ibere de Mattos Felipe Arístides Simão Luiz Carlos Pereira Tourinho Walece Thadeu de Mello e Silva João Pereira de Macedo

PARTIDO-COLIGAÇÃO PTB PL/PDC PSP/UDN PSD/PST PRT

Nº DE VOTOS 32.313 26.691 16.690 11.554 2.435

Fonte: TRE-PR. Compilação da autora.

Tabela 4- Anexo

Resultados eleitorais para Prefeito do Município de Curitiba por candidatopartido/coligação em 1959. CANDIDATO Erondy Silvério Marcos Bertoldi Felipe Aristides Simão Guilherme Cleo Biasi Carlos Alberto Moro José Maria de Azevedo Aldo Schmind Elias Karam Sebastião Penteado Darcanchy Aristides Athayde Junior Victorio Jose Roda Maria Clara Brandão Tesserolli Washington Mansur Arlindo Ribas de Oliveira Domingos Primo Moro Lellis Antonio Correa Igo Iwant Losso Diogenes D’Stori Ivo Moro Menotti Caprilhone

PARTIDO-COLIGAÇÃO PSD PSD PL PSD PTB PSD PTB UDN PR PTB PTB PSD PDC PSP PDC PDC PRT PL PSP PR

Nº DE VOTOS 2.699 2.367 1.935 1.858 1.756 1.662 1.558 1.344 1.145 1.111 1.021 940 921 886 859 846 833 818 809 802

Fonte: TRE-PR. Compilação da autora.

Tabela 5- Anexo

Resultados eleitorais para Prefeito do Município de Curitiba por candidatopartido/coligação em 1962. CANDIDATO Ivo Arzua Carlos Alberto Moro Abilio Ribeiro

PARTIDO-COLIGAÇÃO PDC/UDN/PL PTB PSD

Nº DE VOTOS 51 .511 40 .187 17 .023

Fonte: TRE-PR. Compilação da autora.

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CAPÍTULO TRÊS

A VOTAÇÃO DO MDB NO PARANÁ: UMA ANÁLISE HISTÓRICA (1966 e 1978) Moacir Ribeiro de Carvalho Júnior

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3. A VOTAÇÃO DO MDB NO PARANÁ: Uma análise histórica (1966 e 1978)

I. INTRODUÇÃO Ao pesquisar-se o desempenho político do Movimento Democrático Brasileiro (MDB) no estado, uma preciosa fonte foram os dados levantados junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR). Determinaram-se os cinco maiores colégios eleitorais da época e, a partir daí, houve o acompanhamento do desempenho do referido partido em duas eleições críticas: a primeira, de 1966, e a última, de 1978, ambas tratando da eleição para deputados estaduais, deputados federais e senadores. O interesse em estudar o MDB surgiu a partir da constatação de que esse partido demonstrou uma grande capacidade de articulação em um período em que a estrutura político-burocrática então vigente fornecia todos os elementos para o seu fracasso. Além do cenário político da época, após o golpe militar de 1964, faz-se necessária a observação, como lembra Bolívar Lamounier (1978, p. 2), do elemento local, municipal, ao explicar o comportamento do eleitorado diante de tais transformações. Todo o levantamento de dados e referencial bibliográfico aqui apresentado objetiva responder, mesmo que provisoriamente, à seguinte indagação: é possível traçar um denominador comum quando o assunto é o MDB nacional e o desempenho do seu diretório regional perante o eleitorado paranaense? Durante um período de cerca de 20 anos (1945-1964) o Brasil gozou um clima de resgate da sua democracia, no período posterior à “Era Vargas”, com um pluripartidarismo que trazia no seu bojo siglas de linha conservadora, como a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Social Democrático (PSD), e de linha trabalhista-reformista, como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Democrata Cristão (PDC). Mesmo valendo-se de uma liberdade institucional, a linha populista-trabalhista, herdeira de Getúlio Vargas, continuava a reger os rumos do país graças à força eleitoral da aliança PSD-PTB. O golpe de 1964, além de contar com a ação objetiva da instituição do Exército, contou com o apoio de setores civis, de linha conservadora, interessados em galgar o poder no cenário político.

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Contudo, houve diversas situações conflituosas nos primeiros meses do novo governo militar, inclusive envolvendo a ala civil de apoio ao golpe, levando o então presidente Castelo Branco a decretar o Ato Institucional n. 2 (AI-2), em 27 de outubro de 1965. Desse instituto legal interessa ao presente estudo o dispositivo que determinou a extinção dos partidos políticos existentes, que seriam reorganizados sob a letra do Ato Complementar n. 4 (AC-4). Como o novo governo não obteve êxito ao trabalhar com os partidos políticos do antigo regime, optou pela extinção do pluripartidarismo e no seu lugar, mediante o Ato Institucional n. 4 (AI-4), permitiu-se a existência de apenas dois partidos políticos: um de apoio ao governo e outro de oposição. Tal medida foi uma nítida “cópia” dos modelos políticos britânico e norte-americano. No entender de Paulo Roberto Motta (MOTTA, 1971, p. 67), o interesse do governo pelo bipartidarismo norte-americano tinha um caráter mais profundo que uma mera cópia impensada. Na verdade, segundo esse autor, a dualidade criada no seio parlamentar daquele momento refletia o mesmo clima político observado no período anterior a 1930, quando se digladiavam apenas duas forças políticas nacionais: a elite agrária e os grupos liberais. Após 1965, a idéia era manter o cenário político oscilante apenas entre governo e oposição, desprezando qualquer outro grupo de interesse eventualmente formado. Agindo assim, conclui o referido pesquisador, os militares puderam aglutinar em uma única frente, passível de maior controle, todos os interesses dos setores mais conservadores da sociedade e discriminando em uma única sigla os setores trabalhista-reformistas. Estava presente na pauta dos udenistas sepultar definitivamente a aliança PSD /PTB. O próprio governo militar entendia a necessidade de extirpar a influência do PTB no cenário político (KINZO, 1988, p. 28). A Aliança Renovadora Nacional (Arena) enfrentou uma grande dificuldade de congregar sob a mesma sigla antigos rivais políticos, como era o caso do PSD e da UDN. A solução ao impasse foi a adoção das chamadas “sublegendas”, por proposta do exudenista Mem de Sá (idem, p. 30), as quais permitiram aos grupos rivais disputarem, dentro da mesma sigla, os pleitos na esfera local. Outra grande dificuldade foi agremiar uma oposição. Ninguém estava interessado em combater um regime autoritário. Aliás, os verdadeiros críticos do golpe já haviam sido afastados do cenário político por ocasião do primeiro Ato Institucional, decretado pelo Supremo Comando Revolucionário, que arbitrariamente suspendeu os mandatos e os direitos políticos de 50 deputados federais e de nove suplentes, sendo 25 do PTB e 12 de partidos menores com orientação trabalhista-reformista. Contudo, em 10 de fevereiro de 1966 o Deputado Federal Vieira de Melo leu o manifesto que oficializava o nascimento do Movimento Democrático Brasileiro perante a Câmara dos Deputados. No Paraná, segundo o relato de Sylvio Sebastiani (1992, p. 6), a estruturação da nova “organização provisória” ficou a cargo do Deputado Federal Miguel Buffara, ex-PTB, por ordem do então Presidente nacional do MDB, Senador Oscar Passos. No dia 24 de março de 1966, tanto a Arena quanto o MDB foram reconhecidos

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como organismos políticos ativos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Suas siglas não continham o termo “partido” porque o AI-4 permitia a criação apenas de “organizações provisórias”, as quais, conforme o rumo das eleições daquele ano, poderiam serem dissolvidas ou alteradas.

II. PERFIL SOCIOPOLÍTICO-ECONÔMICO DAS CIDADES PESQUISADAS Conforme os gráficos 1 e 2, abaixo, as cinco principais cidades em termos eleitorais do período aqui estudado eram, em ordem decrescente: Curitiba, Londrina, Maringá, Ponta Grossa e Cascavel. A evolução dessas cidades esteve condicionada, além dos ciclos de colonização, à atuação da Comissão de Desenvolvimento do Paraná (Codepar), que incentivou a industrialização do estado na segunda metade da década de 1960, já sob o regime militar. A estratégia adotada foi o investimento direcionado em três eixos principais: 1.região Sul do estado, incluindo Curitiba e Ponta Grossa; 2.região Norte, incluindo Londrina e Maringá; e 3.finalmente, a região Oeste, incluindo Cascavel e Guaíra. GRÁFICO 1 Comparação do eleitorado entre 1966 e 1978

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 2 Comparação do número de votantes entre 1966 e 1978

Fonte: TRE-PR (s/d).

Com o advento do processo de industrialização, tais regiões mantiveram uma estrutura econômica capaz de suportar a decadência da agricultura primária e investir na agroindústria. Regiões como as de Curitiba e Ponta Grossa, em um primeiro momento, mesmo com o processo de industrialização, ainda mantiveram uma sociedade conservadora influenciada por uma elite rural historicamente fixada nessas localidades. Como exemplo desta afirmação, na Câmara de Vereadores de Curitiba, por ocasião da revoada dos parlamentares a uma das siglas do bipartidarismo, dos 20 representantes ali atuantes, apenas Arlindo Ribas de Oliveira (SEBASTIANI, 1992, p. 6-7) integrou os quadros do MDB, demonstrando, assim, o conservadorismo da capital paranaense. A relação do pequeno proprietário rural, fosse o caboclo, fosse o imigrante, perante o fazendeiro era de profundo respeito, deixando-se influenciar inclusive em relação à sua formação de valores e conceitos. Desse modo, algumas famílias de grandes proprietários tornaram-se as verdadeiras responsáveis pela “formação de padrões de convivência social”, os quais sustentaram “os sistemas de decisão de caráter coletivo” (CODEM, 1966, v. I, p. 37). Altiva Pilatti Balhana percebeu que o colono europeu, inserido em uma sociedade em que já havia uma elite local definida, estava desinteressado de qualquer ideologia partidária ou até mesmo de atentar-se aos problemas locais ou nacionais; o colono imigrante estava “preocupado imediatamente apenas em criar condições de bem-estar e segurança para si e sua família” (BALHANA, 2002, v. I, p. 259-260). Contudo, a partir de 1970 o maior investimento em indústrias de transformação, em especial a metal-mecânica (LEÃO, 1991, p. 68-70), fez que viessem para a cidade novas empresas, desvinculadas das tradicionais relações locais, de técnicos especializados, assim como operários voltados aos serviços de metalurgia. Essa migração de mão-de-

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-obra auxiliou na formação de uma população mais crítica aos modelos tradicionais já observados na localidade, constituindo-se, em 1978, em um eleitorado de oposição à elite conservadora local. Na região Sudoeste ocorreram grandes disputas pela terra e pelo controle político, uma vez que, historicamente, a região foi colonizada pela simples acomodação do colono em terras devolutas ou por iniciativa de empresas colonizadoras, particulares ou governamentais. Antônio Annibelli (apud FARIA & SEBASTIANI, 1997, p. 6), então membro do PTB, confirmava o interesse de Getúlio Vargas em colonizar efetivamente o Oeste paranaense, onde muitas terras de boa qualidade permaneciam mata fechada; ainda, era preocupação do governo federal garantir a soberania da região com a ocupação efetiva dos cidadãos brasileiros. A região oscilou na disputa de dois grupos políticos, que nasceram do mesmo embrião: o então “coronel do sertão”, líder político regional, Manoel Martins, sogro do Deputado Cândido Machado de Oliveira, do PSD, e do também Deputado Estadual Antonio Annibelli, do PTB (COLNAGHI, 1991, p. 11). A mesma relação entre os dois partidos (PTB-PSD) pode ser observada em todo o estado, uma vez que tal articulação era controlada por Moysés Willie Lupion de Troya, herdeiro político do Interventor Manoel Ribas. Lupion manteve-se no cenário político paranaense por mais de 15 anos, consagrando-se como “o único grande líder populista que o Paraná teve no período democrático liberal de 1946 a 1964” (idem, p. 10). Contudo, Lupion estava voltado a atender os interesses das altas classes do estado e, naturalmente, quando do advento do bipartidarismo o seu grupo político migrou para o ARENA. No Norte do estado, dada a colonização induzida pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), houve um avanço populacional quase idêntico ao observado na região Sudoeste; porém a expansão foi ainda mais intensa, dado o ciclo econômico ali desenvolvido: o do café, que movimentava maior quantidade de riquezas e, dada a conexão com o porto de Santos, era de fácil escoamento. Em Londrina e Maringá houve grandes investimentos, inclusive do governo federal, nas companhias estrangeiras (CESÁRIO, 1991, p. 43). A região estava interligada com o interior do estado de São Paulo por meio da Ferrovia Sorocabana. A região foi colonizada basicamente por paulistas e mineiros, mantendo-se por muito tempo desligada do Sudeste do Estado, onde se encontrava a capital. Por esse motivo foi fácil formar na região o embrião de uma oposição combativa ao governo paranaense, uma vez que as riquezas geradas ali escoavam, em forma de impostos e investimentos, para o enriquecimento de Curitiba. Apenas no governo do interventor Manoel Ribas foi construída a Estrada do Cerne, que ligava precariamente o Norte ao Sul. Contudo foi no governo de Ney Braga, eleito Governador do Estado em 1960, que tal integração efetivou-se com a construção da “Rodovia do Café”. Segundo o ex-Governador, essa foi sua principal obra rodoviária (Braga apud FARIA & SEBASTIANI, 1997, p. 29): “Nós ligamos o Norte a Curitiba. A Estrada do Café é a integração do Paraná. Eu me emocionei tanto na inauguração. Trouxe até o Presidente da República Castelo Branco. Lá em Ponta Grossa ele me disse: ‘Que

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maravilha de obra’. A Estrada do Café foi a obra mais importante do meu Governo, ao meu ver [...] porque uniu o Paraná”. Apesar das afirmações do trecho acima, o ex-Prefeito de Londrina, o emedebista Dalton Paranaguá, comentou a integração proporcionada pela referida rodovia (Paranaguá apud CESÁRIO, 1991, p. 57): “[...] Então já vieram [os migrantes] como conquistadores e aqui se plantaram. E aqui fizeram surgir um Paraná diferente, que toma café e não toma chá. Que trabalha e não manda o outro trabalhar. Que produz e não se serve do produto. Então, falta nesse povo que está aqui nesta região uma coisa, e é um povo que começa a se frustrar; falta o poder. Produz, gera a riqueza e tem uma estrada de integração chamada Estrada do Café. Essa só vai e não vem. Ela só leva daqui prá lá e não tem o retorno de lá prá cá. Então, produzir uma Curitiba bonita, grande, capital próspera, uma das mais bonitas cidades do país, com repartições públicas notáveis, acarpetadas, ar condicionado, gente mandando, gente faturando bem e nós trabalhando. Então esse povo já não aceita mais isso. E é um povo de oposição. É uma oposição natural. Gerada no dia a dia... [...] Esse quadro de dependência gerou uma insatisfação. E quantas eleições houver aqui, Londrina se posicionará sempre contra Curitiba. Historicamente foi assim com todos os prefeitos, todos. Foi assim com o Cabral, foi assim com Milton Menezes. Foi assim com Hosken, foi assim com o Richa, foi assim com o Antoninho, foi assim com o Milton novamente, foi assim comigo, foi assim com o Belinati e foi assim com todos os outros, todos, todos, todos. Curitiba diz: o prefeito vai ser esse, Londrina já está do outro lado. Entendeu? Ela é uma cidade de oposição”. Foi justamente na década de 1970 que o Paraná passou por uma urbanização motivada pelo êxodo dos meios rurais e pela diversificação das pessoas vindas dos outros estados da federação. A fim de ilustrar tal caso, segundo dados do TSE, de um modo geral o eleitorado brasileiro cresceu em 51% no período do bipartidarismo, de 1966 a 1978. No caso paranaense a evolução deu-se do seguinte modo: Tabela 1

Comparação do Eleitorado (1966 e 1978) MUNICÍPIO Curitiba Londrina Maringá Ponta Grossa Cascavel Fonte: TRE-PR (s/d).

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1966 195.777 43.981 35.212 37.149 12.274

1978 458.938 139.164 96.131 81.383 71.532

Saliente-se que este eleitorado apenas poderia ser composto de cidadãos maiores de 18 anos e alfabetizados. Como o crescimento deu-se no bipartidarismo, um terço do eleitorado brasileiro não havia tido qualquer experiência ideológica ou partidária além das siglas Arena ou MDB. O período anterior não serviu, ou serviu muito pouco, na formação desse eleitor (KINZO, 1988, p. 84). Nas principais cidades houve um crescimento de mais de 100%. Alguns fatores contribuíram para este cenário, dentre eles a expansão da alfabetização entre as camadas populares e a melhoria dos serviços, nas cidades, encarregados de garantir a cidadania à população (cartórios de registro civil, Justiça Eleitoral, escolas para adultos...).

III. AS ELEIÇÕES DE 1966 Os pleitos de 1966 definiriam os cargos de Deputado Estadual, Deputado Federal e Senador da República. A Revolução abolira a eleição direta para os cargos de Presidente da República e de Governador de Estado. No primeiro caso, ficaria sob a responsabilidade do Congresso Nacional proceder à eleição, no outro caso, a responsabilidade caberia às Assembléias Legislativas de cada estado. Assim, em 3 de outubro de 1966 o Congresso ratificou o nome do então Ministro da Guerra General Costa e Silva como o sucessor do Presidente Castelo Branco. Não havia uma linha clara e objetiva do MDB em demonstrar-se como uma oposição efetiva ao regime (KINZO, 1988, p. 93). É importante salientar que, como lembrou David V. Fleischer (FLEISCHER, 1981, v. I, p. 185), o MDB já nasceu sob o temor da violência, uma vez que o PTB, partido que mais contribuiu para as fileiras emedebistas, no período anterior à implantação do bipartidarismo, sofreu a perda dos parlamentares mais combativos ao regime militar por força do AI-1 e do AI-2. O autor indica que em 1963 o PTB contava com 119 deputados federais e que em 1966 esse número caiu para 109 (já no MDB). Além disso, um desentendimento entre os poderes Legislativo e Executivo – que se valia das cassações para amedrontar a oposição – fez com que, na madrugada do dia 20 de outubro, um forte aparato militar fechasse o Congresso Nacional, justamente durante as eleições daquele ano. Os reflexos dessa opressão podem ser percebidos no Gráfico 3, que apresenta os votos da eleição para Senador de 1966 – naquela ocasião, essa era a mais importante, sob o ponto de vista do eleitor, dada a impossibilidade de fazer campanhas aos cargos do poder Executivo nos níveis federal e estadual. A mesma situação pode ser percebida nos gráficos 6 a 9, dada a pouca capacidade de articulação da oposição e, ainda, devido a um regime que mantinha altos índices de aprovação popular. Abaixo seguem todos os gráficos (3 a 11) com as informações das eleições de 1966.

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GRÁFICO 3 Eleições Senador - Paraná 1966

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 4 Eleições Senador - 1966 ARENA

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 5 Eleições Senador - 1966 MDB

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 6 Eleições Deputado Federal - Paraná 1966

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 7 Eleições Deputado Federal 1966 ARENA

votos

Fonte: TRE-PR (s/d). GRÁFICO 8 Eleições Deputado Federal 1966 MDB

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 9 Eleições Deputado Estadual - Paraná 1966

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 10 Eleições Deputado Estadual 1966 ARENA

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 11 Eleições Deputado Estadual 1966 MDB

Fonte: TRE-PR (s/d).

Apesar desses fatores, o MDB paranaense elegeu para a Câmara dos Deputados nessa ocasião Léo de Almeida Neves, Renato Celidônio, José Richa, Fernando Gama e Antônio Annibelli (SEBASTIANI, 1992, p. 8). Na Assembléia Legislativa do Paraná, obteve apenas oito cadeiras: Jacinto Simões, José Alencar Furtado, Valmor Giavarina, Sílvio Barros, Sinval Martins Araújo, Nélson Buffara, Lázaro Servo e Eurico Batista Rosas. A Arena foi a vitoriosa no pleito ao Senado, elegendo Ney Amintas de Barros Braga, ex-PDC, com 660.529 votos, contra os 273.378 votos obtido por Nelson Maculan e, na sublegenda, dos 84.275 votos de Affonso Camargo, que representava a força do extinto PDC. Saliente-se que Ney Braga, durante o período de transição dos regimes, era o Governador do Paraná e deixou como sucessor no governo paranaense o seu Secretário de Agricultura, Paulo Cruz Pimentel, que desenvolveu um programa de adensamento do rebanho bovino no estado, criando uma boa imagem junto aos fazendeiros regionais (FARIA & SEBASTIANI, 1997, p. 56). Tais políticos arenistas contavam com a simpatia dos militares e, dada a influência no poder local do governo, da maioria do eleitorado para garantir a vitória da Arena sobre o MDB na eleição de 1966.

IV. AS ELEIÇÕES DE 1978 Nos pleitos de 1978 o MDB obteve resultados satisfatórios, pois serviu como único canal de oposição partidária ao governo central, a que se somou o desgaste natural da “Revolução”, que enfrentava várias crises internas e focos de resistência na sociedade civil.

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O MDB progrediu no cenário político daquele momento graças à sua reestruturação interna, que minou a atuação branda dos velhos políticos do regime anterior, originários do PTB e PSD, dando maior atuação aos jovens nascidos nas entranhas do partido. Esses novos políticos souberam conduzir sua vida política em uma linha mais radical de combate ao regime militar. Desde os pleitos de 1974 o partido optou por seguir uma linha mais contundente contra o governo (KINZO, 1988, p. 137-138). Tal medida foi adotada após as definitivas derrotas nos pleitos de 1966 e de 1970, quando a direção do partido, sob os cuidados do então Deputado Federal Ulysses Guimarães, percebeu que não adiantava tentar dialogar com o governo militar, que, por sua vez, aumentava o rigor ao lidar com os focos de contestação ao regime. Pouco a pouco cresceu a simpatia do eleitorado pelo partido. Os discursos proferidos no rádio e na televisão nas eleições de 1974 conduziram o povo, já desiludido com o governo, a votar maciçamente na oposição. No Congresso Nacional, o MDB formou uma bancada que ocupava 44% das cadeiras da Câmara dos Deputados e 30% do Senado Federal. Como conseqüência, a sociedade civil sofreria várias privações das suas liberdades, com a aplicação do Ato Institucional n. 5 (AI-5) (que privava o cidadão dos seus direitos civis) e da Lei de Segurança Nacional; com a reforma do Judiciário (que também estava sob o jugo do poder Executivo) e com o chamado “Pacote de Abril” de 1977, que determinava eleições indiretas para Presidente da República, governadores de estado e um terço do Senado Federal. Até as eleições, o partido lutou por uma Assembléia Nacional Constituinte, de caráter democrático; aliou-se a grupos civis de oposição, como setores da Igreja, sindicatos, e o movimento estudantil e engajou-se na Frente Nacional de Redemocratização, que lançou um candidato à Presidência da República, contra o escolhido pelo governo. O público já se identificara com o MDB ao longo de sua existência e, mesmo com as restrições impostas pelo governo, o partido conseguiu eleger oito senadores, contra os 15 da Arena, que se valeu indiscriminadamente do uso da sublegenda, pois estava autorizado a cada um dos partidos concorrer com até três candidatos a uma vaga senatorial. No Paraná, como em 1974, o MDB conseguiu eleger um Senador. Naquela ocasião o vitorioso foi o candidato Francisco Leite Chaves, que derrotou o “imbatível” arenista João Mansur. Em 1978, o vitorioso foi o londrinense José Richa. O partido, em 1978, obteve resultados positivos, mesmo em regiões historicamente conservadoras, como no caso de Curitiba (ver Gráfico 12). Terminada a apuração dos votos, constatou-se que o MDB elegera 15 deputados federais e 24 deputados estaduais, contra os 19 deputados federais e 34 estaduais da Arena. Alguns emedebistas reelegiam-se em seus mandatos, como foi o caso do Deputado Federal Álvaro Dias, que foi, novamente, o mais votado do partido, com 127. 903 votos. A mesma casa abrigou, ainda, Heitor Alencar Furtado, com 32.896 votos, e o Vereador de Curitiba, Amadeu Geara (Gráfico 15). Na Assembléia Legislativa o mais votado foi o Deputado Estadual reeleito Deni Schwarts, com 28.197 votos, e, ainda, recebeu o também

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Vereador curitibano Mário Celso, como se observa no Gráfico 18. Abaixo seguem todos os gráficos (12 a 20) com as informações das eleições de 1978. GRÁFICO 12 Eleições Senador Paraná 1978

Fonte: TRE-PR (s/d). GRÁFICO 13 Eleições Senador 1978 ARENA

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 14 Eleições Senador - 1978 MDB

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 15 Eleições Deputado Federal - Paraná 1978

Fonte: TRE-PR (s/d). ARENA

MDB

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GRÁFICO 16 Eleições Deputado Federal 1978 ARENA

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 17 Eleições Deputado Federal 1978 MDB

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 18 Eleições Deputado Estadual - Paraná 1978

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 19 Eleições Deputado Estadual 1978 ARENA

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 20 Eleições Deputado Estadual 1978 MDB

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

Ao analisar os gráficos da eleição de 1978 nota-se que a vitória de José Richa apenas foi possível graças aos votos obtidos nas áreas mais urbanizadas, como foram os casos de Curitiba e Londrina. As duas cidades fizeram a diferença ao tratar-se dos candidatos à Câmara dos Deputados. Apenas Ponta Grossa demonstrou uma preferência arenista justificada pela sociedade declaradamente conservadora ali constituída. A situação quase é a mesma ao observar os mandatos da Assembléia Legislativa, bastando comentar o equilíbrio aparente de Cascavel, onde estava o cenário da disputa histórica dos antigos PTB e PSD. Contudo, os resultados de 1978 na cidade foram positivos, haja vista a pouca expressão do MDB em 1966. Tal progresso justifica-se pelo aumento da população jovem, que cresceu e amadureceu politicamente no período bipartidário. Em Maringá observou-se uma disputa equilibrada que avançou em favor do MDB, quando comparada à eleição de 1966. Nessa localidade, a Arena tinha um grande prestígio junto à população, uma vez que esta, na sua grande maioria, ainda se vinculava aos setores agrários.

V. DISCUSSÃO TEÓRICA No intuito de responder à questão a respeito da possibilidade de haver um “denominador comum” entre o MDB nacional e o desempenho do seu diretório regional do Paraná em 1966 e 1978, faz-se necessário voltar os olhos sobre o próprio Paraná naquele momento histórico.

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Justamente no período do bipartidarismo o estado consolidava a maior parte dos seus municípios, principalmente aqueles que receberam o maior contingente de imigrantes do meio rural. A ocupação do seu território deu-se efetivamente ao longo do século XX com as diversas correntes imigratórias européias e, ainda, com as correntes migrantes internas de paulistas e mineiros para o Norte, de catarinenses e gaúchos para a região Sudoeste e, mais tarde, com o deslocamento de indivíduos do meio rural para o urbano. Tal movimentação de pessoas fez que as estruturas políticas arraigadas nas regiões estudadas sofressem influência. Nesse caso, a mudança do perfil econômico de uma cidade ou simplesmente o aumento da população urbana poderia constituir- se em uma importante variável para justificar o avanço, ou não, do MDB nesses municípios. Esse foi o caso da cidade de Cascavel, onde, em 1978, o Senador emedebista venceu o pleito, dado o descontentamento com os governadores arenistas. A vinculação do eleitorado com o candidato emedebista representava a insatisfação do povo com o governo então instituído. Ao analisar os resultados eleitorais, fornecidos pelo TRE-PR, revela-se, em maior ou menor grau, a identificação partidária dos eleitores daquele momento. Essa observação visa a salientar os elementos subjetivos que vincularam o eleitor a determinado candidato e a sua respectiva sigla partidária (a esse respeito, ver LAMOUNIER, 1978, p. 23-34), e a intensidade e a fidelidade que tais eleitores mantiveram ao longo do processo. Os militares, segundo Paulo Roberto Motta, forçaram a criação de um bipartidarismo justamente com o intuito de condensar em um dos partidos todos os interesses das classes dominantes do país, nitidamente conservadora, e na “oposição de faixada” um pequeno, e inexpressivo, grupo que, desse modo, projetaria no cenário político internacional a falsa noção de um Brasil edificado sobre a democracia, pois essa estrutura política em vigência legitimaria os militares e as elites civis no poder. O Paraná comprova essa assertiva pois os principais políticos da Arena oscilaram entre cargos eletivos e cargos da estrutura burocrática estatal, como foi o caso do exGovernador Ney Braga, que, antes de eleger-se Senador, ocupou o cargo de Ministro da Agricultura no governo Castelo Branco e, depois de passar pelo Senado, foi Ministro da Educação e Cultura de Geisel. Uma opulenta estrutura ofertada pelo governo permitiu à Arena os ótimos desempenhos obtidos no Paraná, principalmente nas eleições para Deputado Estadual, que refletiram o voto regionalizado e o clientelismo das bases políticas. Seria um caminho perigoso afirmar simplesmente que “o MDB é o partido dos pobres e a Arena o partido dos ricos”, uma vez que nos dois extremos do estrato social há eleitores arenistas, ou seja, entre os mais ricos e os mais pobres marginalizados. Fábio Wanderley Reis, ao estudar tal fenômeno, propôs um esquema em que há a junção de dois modelos explicativos: o da “centralidade” e o da “consciência de classe”. No primeiro caso, analisa-se o indivíduo em sua posição social global, levando-se em conta a sua rede de interações e comunicações de que participa quando integrado na sua comunidade. Tal modelo oscila entre dois extremos: 1) baixos estratos rurais; 2) altos estratos urbanos (REIS, 1978, p. 292). Esse modelo é conexo com o segundo, que trata da “consciência de

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classe”, como proposto por Pizzorno. O primeiro modelo justifica a participação política do indivíduo conforme a sua oscilação entre os estratos propostos: quanto mais central é a posição desse indivíduo (mais urbana, melhor condição socioeconômica), maior será a sua participação; quanto maior a sua oscilação, principalmente no sentido dos estratos baixos, maior será a sua apatia em relação à política. No caso do Paraná, tal modelo justifica-se com o avanço gradual das redes de relações urbanas em que os indivíduos conseguem ultrapassar as relações clientelistas do meio rural. Na cidade há melhores condições de estudo e trabalho. A educação é uma importante variável no modelo da “consciência de classes”, porém o avanço na educação do indivíduo está associado à sua “oscilação” dentro dos estratos sociais. Nessa junção de modelos, proposta por Reis, encontramos uma lógica segura a fim de entender a subjetividade do eleitorado paranaense e se este se comportou de modo semelhante com o resto do país. Não basta o mero acesso à educação para que o eleitor opte por votar de modo menos conservador, é também necessário o seu deslocamento dentro da estrutura social. Luiz Navarro de Brito (1981, p. 238-239) concluiu que existiram “três Brasis” no período do bipartidarismo. Ao presente estudo basta lançar os olhos sobre o Brasil do Sul, onde o MDB venceu os pleitos para o Senado mas perdeu os que foram realizados para a Câmara. O aumento da urbanização e da classe média colaboraram com a determinação dos resultados eleitorais. Na mesma constatação seguem Leônidas Xausa e Francisco Ferraz (1981, p. 163), que observaram o avanço do MDB gaúcho nas regiões mais industrializadas e urbanizadas desse estado, tradicionais redutos petebistas – ao passo que a Arena venceu nas áreas mais rurais, em especial junto às colônias italianas e alemãs fronteiriças com Santa Catarina. Foi justamente no interior do país que as grandes disputas eleitorais foram travadas. Como a Arena representava todo o aparato estatal e estava espalhada homogeneamente pelo território nacional, pelo menos nas regiões mais povoadas, criouse uma sólida base de apoio político ao governo. David Fleischer (1981, p. 189) identificou os componentes da Arena como recrutados em maior número junto aos proprietários rurais, enquanto o MDB recrutava seus correligionários junto aos advogados, profissionais da imprensa, do agregado comércio-bancos-finanças, professores e funcionários públicos – categorias nitidamente das classes médias urbanas. Voltando ao modelo de Fábio W. Reis: não basta a mera oscilação, ascendente ou descendente, nos estratos sociais para vincular o indivíduo ao voto. Olavo Brasil de Lima Jr. (1978a, p. 142), ao estudar as eleições de 1976 em Niterói, descobriu que o voto no MDB estava associado à indignação do eleitor com o governo; já o voto arenista localizouse nas mais altas camadas sociais, assim como nas mais baixas, principalmente aquelas próximas ao meio suburbano ou rural. Tal sentimento de indignação era identificado nas camadas sociais em que havia elevado grau de escolarização e baixo grau de remuneração. Esse foi um fenômeno surgido nas classes operária e média urbana, em especial entre profissionais liberais, que

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comporiam o MDB. E mais: a polarização em relação ao partido apenas se manteria caso as suas lideranças locais conseguissem traduzir para a disputa regional a ideologia propagada em âmbito nacional. Basta comparar as votações obtidas em Ponta Grossa favoráveis à Arena nas duas eleições estudadas, com os resultados do trabalho de Bolívar Lamounier (1978), que estudou as eleições do município de Presidente Prudente. Em ambos os casos a Arena lidera nessas regiões urbanizadas, porém pouco industrializadas, dada a incapacidade dos MDBs locais de disporem de um discurso que traduzisse os anseios das classes populares. Ao contrário, a existência de um discurso desse tipo permitiu uma votação homogênea na Arena, advinda de todas as classes sociais, sem dispor de qualquer artifício capaz de polarizar um estrato a seu favor. Ao observar o discurso de Dalton Paranaguá, transcrito em outra seção deste capítulo, vê-se evidente a linha política ali adotada, ou seja, despertava-se um sentimento anticuritibano no eleitorado londrinense, valendo-se da figura mítica do “pioneiro que colonizou e construiu o Norte do Paraná”. Tal discurso conseguiu criar um forte vínculo simbólico entre os eleitores. A cidade de Londrina constituiu- se em um dos mais importantes redutos emedebistas do estado. Dessa cidade saíram nomes como os de José Richa, Álvaro Dias, o próprio Dalton Paranaguá, Leite Chaves e outros. Por essa capacidade de despertar, em maior ou menor grau, o inconformismo do indivíduo escolarizado que o modelo da “centralidade” relaciona- se com o da “consciência de classe”, pois com o avanço do desenvolvimento intelectual individual e a participação (ou exclusão) do cidadão do grupo social, seja rural ou urbano, formar-se-ão suas determinantes psicológicas que servirão de instrumentos a vincular o seu voto. A identificação partidária do eleitor, segundo Lamounier (idem, p. 24-25), obedecerá à sua posição segundo a centralidade nos estratos propostos por Reis. Nos dois extremos, urbanos altos e rurais baixos, a tendência de voto é em favor da Arena, enquanto o indivíduo mais próximo da centralidade tende a votar a favor do MDB. Neste estudo constatamos ainda que nos estratos mais baixos, inclusive no meio urbano, o voto arenista associava-se ao baixo nível de escolaridade do eleitor que, por questões de vínculo subjetivo, ainda seguia no sentido de votar com o governo ou com a elite local. Assim, as eleições de 1966 garantiram a vitória arenista em solo paranaense enquanto na eleição de 1978, quando o Paraná já contava com cidades industrializadas e com grande contingente de população suburbana, o MDB venceu os pleitos na medida em que conseguiu traduzir os anseios dessas camadas nos seus discursos. A intensidade do vínculo ao voto emedebista foi positivo, dado o fato de as eleições de 1978, apesar das dificuldades, ainda conseguirem refletir a vitória nacional do partido em 1974. A grande dificuldade para MDB avançar sobre determinadas cidades em específico, como foi o caso de Ponta Grossa, associava-se, inclusive, às variáveis “informação” e “instrução” do eleitorado em relação à oposição. Ademais, há o fato de o diretório local do MDB ter sido incapaz de desarticular as iniciativas e os instrumentos do governo e do seu representante político, a Arena, utilizados na contenção do avanço da oposição. A falta de informação mantinha o eleitor refém da propaganda oficial que se valia, inclusive, da imprensa (KINZO, 1988, p. 103) para transmitir uma falsa idéia de

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progresso, otimismo, nas políticas então adotadas. Nesse sentido, o MDB não conseguiu avançar no imenso Brasil rural, onde a força das oligarquias agrárias, refletidas na Arena, mantinham o eleitor subjugado pela força de uma estrutura social que condicionava a sua subjetividade em favor de um conformismo com a situação vigente naquele momento. Basta observar o avanço do MDB nos pleitos de âmbito federal e a sua tímida expressão junto à Assembléia Legislativa. Curitiba confirma o avanço da oposição conforme a cidade industrializou-se e a sua população aumentou consideravelmente. O progresso industrial observado na capital paranaense conseguiu quebrar as estruturas sociais tradicionais na medida em que aumentaram entidades como sindicatos, instituições de ensino, o movimento social da Igreja e outras. Nesse cenário, o indivíduo, mesmo vindo do meio rural, deixava para as suas futuras gerações um novo condicionamento psicológico que quebrou o vínculo com valores tradicionais, fazendo com que a nova geração compreendesse a sua inserção social de modo mais crítico. Foi o que se observou na cidade de Cascavel, onde a sua população, ao longo da década de 1970, contava com 75,7% dos habitantes abaixo dos 30 anos de idade. Um eleitorado jovem que teria como primeira experiência política a fase bipartidária e, segundo os gráficos apresentados, votava ativamente no MDB, justificando o modelo da “consciência de classe” associado ao da “centralidade”.

VI. CONCLUSÕES Diante do que foi aqui exposto, o presente trabalho sustenta que o MDB paranaense, apesar das particularidades estaduais, demonstrou um padrão conexo com aquilo observado nos demais diretórios espalhados por todo o território nacional. No Paraná, como exemplo, o partido pôde avançar na medida em que se infiltrava nas grandes cidades industrializadas, como foi observado no Rio Grande do Sul e São Paulo, e também na mesma proporção em que o seu discurso conseguia captar e canalizar a insatisfação preexistente na população, que sentia, no seu quotidiano, o desgaste do regime militar em vigência, como acontecia no Rio de Janeiro com o “chaguismo”. Além disso, o progresso do MDB associava-se à sua capacidade de vincular o discurso ao antigo PTB, de base trabalhista-reformista, haja vista a atuação ainda presente de lideranças regionais como a de Antônio Anibelli, em Cascavel. Com o reestabelecimento da democracia, o MDB avançou contra todos os instrumentos institucionais destinados a conter qualquer crítica ao sistema político vigente. Foi daí que surgiu o fascínio em estudá-lo e tentar, na medida do possível, compreender os elementos que o fizeram o “verdadeiro reduto oposicionista ao regime militar”.

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OUTRAS FONTES TRE-PR. Base de dados primários da Seção de Divulgação de Resultados. Curitiba: Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, s/d.

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CAPÍTULO QUATRO

A VOTAÇÃO DA ARENA NO PARANÁ: UMA ANÁLISE HISTÓRICA (1966 e 1978) Jorge Eduardo França Mosquera

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4. A VOTAÇÃO DA ARENA NO PARANÁ: Uma análise histórica (1966 e 1978)

I. INTRODUÇÃO Explicar a Aliança Renovadora Nacional (Arena) paranaense e analisar seus resultados eleitorais são o objetivo deste capítulo. Optou-se por estudar a primeira e a última eleições em que o partido do governo militar concorreu, em 1966 e 1978, esta última no ano anterior ao do restabelecimento do pluripartidarismo. Os dados eleitorais da presente pesquisa foram recolhidos no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TREPR). A hipótese aqui levantada e que se tentará comprovar é a da divergência em relação a estudos que apontam a clivagem segundo a qual, na ditadura militar, o voto da capital é progressista e o voto do interior, conservador. A primeira questão: Curitiba, repete essa tendência no voto? A resposta, logicamente, está na votação conseguida pela Arena na capital, em 1966 e em 1978, influenciada na primeira fase pela força eleitoral de Ney Braga1 e dela liberada em 1978, quando essa força encontrava-se no ocaso. Buscou-se também analisar o voto conservador do interior paranaense, onde, em 1966, a urbanização era restrita, não havia movimentos sociais e sindicais e mesmo o movimento estudantil era ralo. Lá, a influência dos governos federal e estadual era decisiva e, quanto maior a população rural, maior o peso dos proprietários de terras, integrantes ou aliados da elite política local. No interior, o peso de Ney, do neyismo e de suas realizações também era grande em 1966. O interior estudado neste capítulo é representado pelas quatro maiores cidades paranaenses depois da capital: Londrina, Ponta Grossa, Maringá e Cascavel. A análise resultou algo prejudicada pela indisponibilidade de informações sobre indicadores econômicos e sociais e, ainda, pela ausência de dados populacionais das zonas urbana e rural dos municípios de Curitiba, Ponta Grossa e Maringá. 1

A importância de Ney Braga na história política do Paraná e a larga malha de influências dele emanada, que se convencionou chamar, apropriadamente, de neyismo, mereceram abordagens ao longo do texto por estarem intimamente ligadas à história da Arena no estado.

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Na segunda seção será contada a história do bipartidarismo no Brasil e no Paraná, com ênfase no aspecto legal da ditadura, que, ao arvorar-se em poder constituinte “recebido da vontade popular”, emanou leis e promoveu atrabiliária reforma constitucional. Foi ao atropelar o ordenamento jurídico, que o governo autoritário criou bases para tentar legitimar-se – tendo a Arena como seu braço político eleitoral. A terceira seção é dedicada a contar a história da Arena no Brasil e no Paraná; a quarta apresenta os resultados do confronto entre Arena e MDB em 1966 e 1978, dispondo de gráficos sobre os seus resultados, na capital e nas quatro cidades acima relacionadas, das eleições ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados e à Assembléia Legislativa do Paraná, obtidos junto ao TRE-PR. A análise desses resultados está na quinta seção, em que se juntam informações históricas, reunidas nas seções anteriores, às do comportamento eleitoral propriamente dito.

II. RESUMO HISTÓRICO DO BIPARTIDARISMO NO BRASIL E NO PARANÁ II.1. A ditadura faz e impõe o ordenamento jurídico Uma das características do regime autoritário militar brasileiro era a busca de legalidade formal que respaldasse seus atos. A ditadura empalmava a prerrogativa de criar leis, retirando-a do poder Legislativo. O Ato Institucional n.º 1, o AI-1, de 9 de abril de 1964, transferiu o poder aos militares, cassou mandatos e suspendeu por dez anos os direitos políticos de centenas de pessoas. A composição do Congresso Nacional foi alterada, principalmente entre os quadros opositores, e a intimidação passou a ser o principal argumento do regime. Dos 16 atos institucionais e complementares baixados pelos governos militares entre 1964 e 1978, sem dúvida o que mais marcou os brasileiros e agrediu a cidadania foi o Ato Institucional n. 5 (AI-5) – de que não se tratará no presente trabalho. Mas não se pode esquecer que aquela violência de 1968 foi precedida por outra quase tão grave já em 1965, pouco mais de um ano e meio depois do golpe. Com efeito, o Ato Institucional n. 2, o AI-2, baixado por Castello Branco em 27 de outubro de 19652, retirava liberdades, suprimia direitos, impunha a vontade da elite da caserna – fielmente coadjuvada pela elite política conservadora – e submetia a nação à condição de cega obediente à Revolução “Redentora”. A nação submergiu no autoritarismo quando dela se retirou a prerrogativa de escolher, pela via direta, seu chefe supremo, conforme o artigo 9.º, caput, do AI-2: “A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal” (BRASIL, 1965). Atente-se, também, para o que prevêem os artigos 15 e 16, de inevitável e direto alcance sobre as instituições políticas e as liberdades individuais – sobre a democracia, enfim: 2

Também assinam o AI-2: Juracy Montenegro Magalhães, Paulo Bossisio, Arthur da Costa e Silva, Vasco Leitão da Cunha e Eduardo Gomes.

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Art. 15 – No interesse de preservar e consolidar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 (dez) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais. Parágrafo único – Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais que tiverem seus mandatos cassados não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar em função dos lugares efetivamente preenchidos. Art 16 – A suspensão de direitos políticos, com base neste Ato e no art. 10 e seu parágrafo único do Ato institucional n.º 1, de 9 de abril de 1964, além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e no art. 6º da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, acarreta simultaneamente: I – a cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II – a suspensão do direito de votar e de ser votado nas eleições sindicais; III – a proibição de atividade ou manifestação sobre assunto de natureza política; IV – a aplicação, quando necessária à preservação da ordem política e social, das seguintes medidas de segurança: a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares; c) domicílio determinado (ibidem). O AI-2 desceu sobre a nação com 33 artigos, programado para vigorar na sua publicação, a 15 de março de 1967. Previa, ainda, seu robustecimento por meio de atos complementares. Tratava-se de uma compulsória reforma constitucional, instituída pela e para a ditadura, em nome do “poder constituinte” conferido pelo povo brasileiro. II.2. O bipartidarismo e seus rebentos A arquitetura partidária brasileira foi tratada direta e secamente no artigo 18 do AI-2, que lhe alterou as formas, instituiu um novo conteúdo ideológico e forçou ainda mais uma profunda modificação no destino do país. Diz o texto: “Art 18 – Ficam extintos os atuais Partidos Políticos e cancelados os respectivos registros. / Parágrafo único – Para a organização dos novos Partidos são mantidas as exigências da Lei nº 4.740, de 15 de julho de 1965, e suas modificações” (ibidem). O Brasil ficou sem partidos políticos em 27 de outubro e assim esteve até 20 de novembro de 1965, quando o governo militar baixou o Ato Complementar n. 4 (AC-4), que outorgava aos membros efetivos do Congresso Nacional, em número não inferior a 120 deputados e 20 senadores, a iniciativa de criar, em 45 dias a contar daquela data, organizações dotadas de atribuições de partidos políticos, “enquanto estes não se constituírem”.

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Olavo Brasil de Lima Júnior nota que o sistema criado foi bipartidário porque cada organização que surgiria precisava contar com quase um terço dos congressistas existentes, “afora o fato de que os representantes do povo tiveram, por lei, 45 dias para organizar os novos partidos” (LIMA JÚNIOR, 2004). Diferentemente da situação até confortável dos apoiadores do regime, a oposição, ou o que dela restava na legalidade, com suas bases e quadros esfacelados e tendo o tempo contra si, tratou de superar suas limitações e organizar-se como pôde. De 1964 à extinção dos partidos, o governo militar atuava apoiado no Congresso Nacional pelo Bloco Parlamentar da Revolução, constituído pelos vários partidos conservadores. De seu lado, a oposição, tendo o PTB como elo mais forte, também atuava em bloco. Com o bipartidarismo, sacramentou-se no país uma clivagem que caracterizaria a política brasileira “durante uma geração: autoritários versus democratas” (MAINWARING, MENEGUELLO & POWER, 2000, p. 23). Reportagem especial sobre o golpe militar, publicada por O Estado de S. Paulo (2004), informa que em reunião extraordinária, no dia 30 de dezembro de 1964, o Presidente Castello Branco e seus ministros discutiram a situação política do país e ponderaram que, além de realizações, o governo precisava de sustentação política no Congresso Nacional, onde a oposição ainda era forte. Relatório do Serviço Nacional de Informações (SNI), provavelmente produzido pelo general Golbery do Couto e Silva, segundo o jornal, propôs alterações nas leis eleitorais e partidárias. O documento sugeria a criação “de uma frente interpartidária em defesa dos objetivos e dos postulados revolucionários”. Do regime militar e sob a aura da virtual legalidade do AC-4 surgiram a subserviente Aliança Renovadora Nacional, a Arena, e, como oposição consentida, o Movimento Democrático Brasileiro, o MDB. Como o sistema anterior havia sido arrancado pela raiz, as novas organizações partidárias não poderiam ostentar nomes, siglas ou símbolos que representassem os partidos extintos. Pesquisa de Margaret Jenks (apud MAINWARING, MENEGUELLO & POWER, 2000, p. 24) apontou que se agruparam na Arena cerca de dois terços dos parlamentares e todos os 22 governadores – a rigor, os que haviam sobrevivido às primeiras cassações. Veículo legitimador da ditadura, a Arena tinha entre suas tarefas aprovar no Congresso Nacional e reproduzir nos estados todas as medidas tomadas pelo governo, política e administrativamente, garantindo uma aparência de democracia. O Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN) serviram de principal esteio à Arena: o primeiro, mais espraiado nas áreas rurais e nos pequenos municípios; a segunda, de feição mais urbana, cuja maior força estava concentrada no Rio de Janeiro-Guanabara, controlado por Carlos Lacerda. Havia ainda partidos conservadores de menor porte, que ajudaram a encorpar a agremiação do governo, cujas características são descritas por Mainwaring, Meneguello e Power (2000, p. 21): Partido Republicano (PR), de base principal localizada em Minas Gerais; Partido Libertador (PL), mais centralizado no Rio Grande do Sul; Partido de Representação Popular (PRP), de extrema-direita; Partido Social Progressista (PSC); Partido Democrata Cristão (PDC), de centro-direita.

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Para Judson de Cew (1978, p. 211), “explícita ou implicitamente, a Arena simboliza as orientações oficialmente tomadas pelo sistema político vigente, ou seja, o desenvolvimento capitalista sob um ambiente de paz social controlada. O MDB, por sua vez, embora não questione o modelo capitalista globalmente, insiste na redemocratização do regime e na melhor distribuição dos benefícios da sociedade. Esta clivagem básica representa a verdadeira problemática da política brasileira”. O Brasil sob o bipartidarismo teve quatro eleições majoritárias para o Senado e quatro pleitos proporcionais à Câmara Federal e às assembléias legislativas, em 1966, 1970, 1974 e 1978. Em 13 de outubro de 1978, a Emenda Constitucional n.º 11 introduziu nova estruturação partidária no país. A ditadura, com a mediação do General Golbery, do Senador arenista Petrônio Portella e de setores moderados da oposição, permitiu a reinstalação do pluripartidarismo, embora mitigado. Surgiram, primeiro, o Partido Democrático Social (PDS) em lugar da Arena e, em substituição ao MDB, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Era prática do regime autoritário, do alto de seu autoproclamado “poder constituinte decorrente da vontade popular”, promover golpes dentro do golpe para assegurar vitórias eleitorais na busca e manutenção do binômio “segurança e desenvolvimento”. O mais significativo lance desleal viria a ocorrer em 8 de abril de 1977, com o “Pacote de Abril”, de triste fama, baixado pelo Presidente Ernesto Geisel. Tratou-se de criar uma Emenda Constitucional, com base no Ato Complementar de 1º de abril daquele ano, facultando ao poder Executivo legislar a fim de reformar o Poder Judiciário. A reboque vieram outras medidas, urdidas pelos juristas da ditadura, que modificaram profundamente a política brasileira. A primeira delas, para manter o Congresso fora da cena, foi a decretação de recesso parlamentar de 14 dias. Eis outras: - pela primeira vez na história da República, passou a ser indireta a escolha de um terço do Senado, criando-se a figura do “senador biônico”, na renovação de dois terços da Casa. As vagas restantes seriam preenchidas pelo voto direto, com direito a sublegenda; - o critério para composição das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados passaria a ser o demográfico e não mais o do número de eleitores, beneficiando estados com baixa alfabetização e industrialização e prejudicando centros como São Paulo e Minas Gerais; - estendeu-se para seis anos o mandato do futuro sucessor de Geisel, que viria a ser o general João Baptista de Oliveira Figueiredo, então ainda não escolhido; - a propaganda eleitoral ficou restrita aos limites previstos na Lei Falcão3; 3

A Lei Falcão (Lei n. 6.339, de 1º de julho de 1976), que teve como principal mentor o então ministro da Justiça Armando Falcão, proibiu a propaganda eleitoral pelo rádio e pela televisão, permitindo apenas a divulgação do currículo resumido dos candidatos. Era mais uma resposta desleal do governo ao avanço do MDB, que em 1974 tivera vitória acachapante nas eleições para o Senado Federal – conquistando cadeiras de 16 estados – e para deputados federais e estaduais. Era notório que a Lei Falcão tratava-se de uma blindagem preparada para favorecer a Arena nas eleições municipais de 1976, antevistas como um plebiscito em nível nacional.

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- coincidência de mandatos a partir de 1982, com eleições gerais de quatro em quatro anos, não mais alternadas, a cada dois anos, entre pleitos municipais e parlamentares; e - mandato-tampão de dois anos para os prefeitos e para os vereadores que seriam eleitos em 1980. II.3. Os dois pratos da balança no Paraná O major da reserva do Exército Ney Aminthas de Barros Braga, nascido no município da Lapa, começou sua carreira política como chefe de Polícia em Curitiba. Prefeito eleito da capital em 1954, concorreu a deputado federal pelo Partido Democrata Cristão (PDC) em 1958. Foi eleito com 57.099 votos, disputando com dois nomes de projeção nacional: Plínio Salgado, ex-líder da Ação Integralista Brasileira, com 50.628 votos, pelo Partido de Representação Popular (PRP), e Jânio Quadros, futuro presidente da República, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 78.810 votos. Dois anos depois, quando Ney foi eleito governador, assumiu sua cadeira na Câmara o primeiro suplente, Estefano Mikilita, do alto de nada sonoros 1.983 votos (COSTA, 1995, v. II, p. 582). O PDC elegeu, naquele 1958, sempre em “dobradinha” com Ney, apenas três candidatos à Assembléia Legislativa: os oficiais do Exército Eduardo Machado Lima e Agostinho Rodrigues e o padre e professor de latim Waldemiro Haneiko. O Partido Social Progressista (PSP) elegeu quatro candidatos; a coligação UDN-PR, sete; o PTB, treze, e o PSD, dezessete. O movimento da democracia cristã e o PDC tinham matizes ideológicos de centro-direita, estando assim mais afeitos ao PSD e à UDN. O partido comandado no Paraná por Ney Braga aderiu de pronto ao golpe de 1964. Governador do Estado, Ney foi um dos condutores da nova situação na política local. De aparência liberal, assumiu a “revolução” e chegou a queimar livros em frente ao Palácio Iguaçu, incluindo “um retorcido Dostoievsky cremado em cinzas” (NERY, 1975, p. 67). Nas últimas eleições proporcionais antes do bipartidarismo, disputadas em 1962, o PDC paranaense já rivalizava com o forte PTB. Os dois elegeram 12 deputados estaduais cada um, fazendo o PSD cair de 17 para sete cadeiras. A coligação PRP/ PTN/ PST/PR fez seis deputados e a UDN, apenas oito. Dessa forma, caracterizava-se já a bipolarização entre o PSD, a poente UDN e o crescente PDC, de um lado, e o PTB, mais progressista, de outro. Natural, portanto, que, do ponto de vista dos militares, fosse o PTB considerado o inimigo e seus quadros mais à esquerda, os alvos preferenciais. Quando a ditadura, em 20 de novembro de 1965, baixou o Ato Complementar n.º 4, estabelecendo normas para a criação de agremiações com feições partidárias, desencadeou uma composição de forças desordenada e desequilibrada. Artificial, porém eficaz, essa composição tinha a supremacia da Arena, esculpida para colaborar no esforço da segurança e do desenvolvimento, a legitimar os feitos da ditadura, dar-lhe feição de democracia e derrotar no voto o aguerrido MDB.

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III. A ARENA NO BRASIL E NO PARANÁ III.1. Nascimento e morte do partido do governo Fundada em 4 de abril de 1966, a Arena operou como braço político do Exército, o partido que realmente mandava, até ser liquidada em 29 de dezembro de 1979, quando o regime decidiu e o Congresso Nacional decretou o fim do bipartidarismo e o restabelecimento de um sistema multipartidário. Dos 213 deputados que amealhou ao ser criada, a Arena concentrou o recrutamento na UDN (70), PSD (60), PDC (14) e PR (10). No Senado, ficou com 42 representantes, dos quais 19 vieram das fileiras do PSD e 15, da UDN. Os 22 governadores também aderiram de pronto ao partido. O MDB ficou com cerca de um terço do Senado Federal e também da Câmara dos Deputados. O partido recebeu 69% dos parlamentares do PTB. “No decorrer do ciclo autoritário, a dimensão do apoio dado à Arena variava inversamente à urbanização”, constatam Scott, Meneguello e Power (2000, p. 25). Assim, o partido do governo estendia-se ao interior, aos pequenos municípios e, além, aos grotões dominados pelos coronéis. Era terreno fértil, devido ao baixo nível de informação política, quando não de explícito mandonismo, e alta dependência de recursos federais. Onde havia indicadores altos de desenvolvimento, a votação da Arena era menor, incluídas aí até capitais de estados mais pobres. Scott, Meneguello e Power lembram que era tal a definição desses modelos que, ao suceder a Arena, o PDS passou a ser apelidado pela imprensa de “partido do Nordeste”. Em nível nacional, a Arena venceu com tranqüilidade as eleições de 1966 e 1970. Para surpresa até mesmo do MDB, o partido da oposição tomou as urnas em 1974, conquistando 16 das 22 cadeiras em disputa no Senado. Em 1976, já no início do processo de “distensão lenta e gradual” do regime, o MDB avançou em mais municípios e dois anos depois teve bom desempenho nas eleições nacionais e legislativas estaduais. A Arena manteve apertada dianteira na Câmara e nas assembléias estaduais, graças à votação nos centros menores e mais dependentes do governo federal. O partido do governo só garantiu maioria no Senado graças à indicação de um terço de “biônicos”. Scott, Meneguello e Power explicam que “A avaliação dos estrategistas militares de que o sistema bipartidário não mais funcionava de forma vantajosa levou Geisel à opção de ‘dividir e conquistar’ a oposição, através do retorno imposto a um sistema multipartidário. Esperava-se com isso que a coalizão situacionista se mantivesse intacta, enquanto o MDB se partisse em várias facções” (idem, p. 26). A avaliação revelou-se correta. Em 1979, com o bipartidarismo, o MDB foi à luta como PMDB, perdendo em seguida importantes fatias eleitorais e quadros para os recém-nascidos Partido dos Trabalhadores (PT); Partido Popular (PP) – que se fundiria ao PMDB em 1983 – e os dois autoproclamados herdeiros do PTB de Getúlio Vargas: o PTB de Ivete Vargas, que conseguira a legenda graças a esperta manobra do general Golbery, e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) de Leonel Brizola. A Arena, que sofreu menos esfacelamento, assumiu no bipartidarismo o nome de Partido Democrático Social, o PDS. Vieram as eleições de 1982, no governo Figueiredo,

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e o partido da situação foi derrotado em todos os níveis, diante do crescimento das forças da oposição capitaneada pelo PMDB. O PDS conquistou 12 governos, na maioria dos estados mais pobres, cabendo dez à oposição, em estados responsáveis por 75% do PIB, segundo Maria Helena Moreira Alves, citada por Scott, Meneguello e Power (idem, p. 27). III.2. A Arena no Paraná Ney Braga era governador do Paraná quando o movimento militar de 1964 eclodiu e tomou o poder. Não foi surpreendido, pois operou como um de seus articuladores locais logo que soube do golpe. Quando foi imposto o bipartidarismo, Ney liderou a composição de forças entre seu PDC, o PSD, a UDN e outros partidos conservadores para montar a Arena paranaense4. Liderou o partido até sua dissolução e comandou a criação do sucessor PDS. À exceção de Haroldo Leon Peres, em 1970, todos os governadores depois de Ney Braga – incluindo Paulo Pimentel, o último eleito pelo voto antes do golpe militar – foram por ele indicados e pela ditadura referendados. Em 1978, ele escolheu a si próprio, foi referendado pela Assembléia Legislativa e abençoado pelos militares (de cujo governo fora ministro). Ficou até o começo de 1982, já no PDS, quando entregou o cargo ao vicegovernador, o advogado José Hosken de Novaes, e partiu para a eleição direta. Concorreu ao Senado, foi derrotado pelo jovem peemedebista Alvaro Dias e viu seu candidato ao governo – o ex-prefeito da capital Saul Raiz – ser sufocado nas urnas por seu ex-chefe de Gabinete José Richa. Ney instituiu o “neyismo”, que controlava, além de uma extensa lista de criaturas de sua forja, uma rede de clientelismo que ele soube expandir por todo o estado, indo do Senado às câmaras de vereadores e ocupando toda a máquina pública do Poder Executivo com quadros cuja aprovação passava obrigatoriamente por seu crivo. Apesar da oposição, deteve sempre a maioria na Assembléia Legislativa.

IV. OS RESULTADOS ELEITORAIS DA ARENA NO PARANÁ IV .1. As eleições e as cidades pesquisadas IV.1. Com base nos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 4

O documento mais antigo relativo à Arena encontrado nos arquivos do TRE-PR consta do Fichário dos Diretórios dos Partidos Políticos. O Diretório Regional do partido governista registrado em 31 de maio de 1966, por meio do Processo n. 7.002, tinha a seguinte composição, de relevância histórica para pesquisa posterior. O Gabinete Executivo Regional tinha como Presidente Algacir Guimarães e, como vice-presidentes, Rafael Resende, Zacarias Seleme e Ivan Luz. O Secretário era Ubiratan Pompeo Sá e os vogais, Armando Queiroz, João de Mattos Leão, Miran Pirih (falecido), Paulo Poli e Horácio Vargas. A Comissão Diretora Regional tinha 67 integrantes. O Ofício n.º 37/ 69, de 30 de setembro de 1969, protocolado sob o n. 4.136, de 9 de setembro do mesmo ano, informava a eleição ao Diretório Estadual do Deputado Federal Cid Rocha e do Senador Ney Braga. O ex-Governador e articulador arenista no Paraná tinha posição discreta entre os quadros dirigentes de seu partido, mas não agia à sombra: mandava na Arena, mandava na política do Paraná e era o interlocutor preferencial dos novos donos do poder.

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realizado nos anos de 1960, 1970 e 1980, foram apontadas as cinco maiores cidades do Paraná, de eleitorado diversificado e distribuído por regiões geográfica e economicamente estratégicas. Curitiba, Londrina, Ponta Grossa, Maringá e Cascavel, pela ordem, eram as maiores cidades do estado em 1966. Ponta Grossa e Maringá trocaram de posição em 1978. O contingente eleitoral de cada uma delas consta dos resultados apurados pelo TRE-PR. As informações populacionais, levantadas pelo IBGE, foram prestadas pelas prefeituras. Estão aqui, contudo, relativizadas na análise porque a prefeitura de Ponta Grossa não dispõe de informações anteriores ao censo de 2000 e as de Maringá e Curitiba não possuem informações sobre populações urbana e rural ao longo do período pesquisado. Essa seria uma variável explicativa interessante, pelo fato de na zona rural, principalmente nos anos 60 do século passado, vicejarem a baixa politização, a pouca informação, o clientelismo, o coronelismo e a alta possibilidade de corrupção eleitoral. De todo modo, a separação entre populações urbana e rural em Londrina e em Cascavel é abordada neste capítulo. O número total de eleitores nesses cinco municípios, em 1966, era de 324.393, dos quais votaram 273.844. Curitiba, a capital, tinha em 1966, de acordo com o censo de 1960, uma população de 361.309 habitantes e 195.777 cidadãos aptos a votar. Londrina, no Norte do estado, a 390 km da capital, contava 77.382 habitantes na zona urbana e 57.439 na zona rural (total de 134.821), e 43.891 eleitores. Ponta Grossa, na Região Sul, a apenas 118 km de Curitiba, tinha 37.149 eleitores. Maringá, ao Noroeste, distante 434 km da capital, possuía 104.131 habitantes e 35.212 eleitores. E, finalmente, Cascavel, a 514 km, situada no Oeste, contava em 1966 com 12.274 eleitores; sua população na área rural, conforme o censo de 1960, era de 5.274 habitantes e a da zona urbana, 34.324, totalizando 39.598 habitantes. O quadro completo, com o número de eleitores, de votantes e os resultados da Arena e do MDB nas cinco cidades pesquisadas está na Tabela 1, a seguir. Os números foram retirados dos mapas do TRE-PR. Pela falta de informações precisas, não se consideram os votos inválidos, o que explica a diferença entre a soma dos votos dos candidatos e o número de votantes.

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Tabela 1

VOTAÇÕES NAS CIDADES, POR PARTIDO E POR CARGO (1966) CIDADE Curitiba Londrina Ponta Grossa Maringá Cascavel

ARENA 87.194 20.002 16.742 17.133 5.964

CIDADE Curitiba Londrina Ponta Grossa Maringá Cascavel

ARENA 75.799 17.419 18.152 17.761 7.876

CIDADE

ARENA

SENADOR MDB VOTANTES ELEITORADO 55.968 167.443 195.777 9.914 33.513 43.981 11.945 33.734 37.149 7.405 28.400 35.212 3.600 10.754 12.274 DEPUTADO FEDERAL MDB ELEITORADO VOTANTES 30.998 167.443 195.777 7.288 33.513 43.981 7.186 33.734 37.149 6.013 28.400 35.212 829 10.754 12.274 DEPUTADO ESTADUAL MDB ELEITORADO VOTANTES

Curitiba Londrina Ponta Grossa Maringá Cascavel

80.630 17.189 19.509 17.024 8.645

32.577 7.180 7.652 5.885 798

167.443 33.513 33.734 28.400 10.754

195.777 43.981 37.149 35.212 12.274

POPULAÇÃO 361.309 134.821 s/i 104.131 39.598 POPULAÇÃO 361.309 134.821 s/i 104.131 39.598 POPULAÇÃO

361.309 134.821 s/i 104.131 39.598

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: s/i: sem informação.

IV .2. A vitória arenista IV.2. IV .2.1. Ney derrota dois do MDB IV.2.1. Pesquisas de intenção de voto e análises de resultados eleitorais realizadas em outros estados, ao longo do bipartidarismo, indicavam o voto progressista nas capitais e o voto conservador no interior, aqui motivado pela baixa urbanização e industrialização, falta de informação, forte influência do Poder Executivo e, como dito acima, pelo coronelismo e, até, pela corrupção. Mas a clivagem entre voto da capital e voto do interior como variável explicativa para o voto progressista e voto conservador cai por terra em Curitiba no primeiro confronto entre Arena e MDB, tanto na eleição majoritária quanto nas proporcionais. Confirma-se, contudo, no interior. As eleições de 1966 renovaram uma cadeira no Senado e 25 na Câmara dos Deputados. Na majoritária, a lei eleitoral permitia a sublegenda, o que possibilitou ao MDB lançar dois candidatos para enfrentar Ney Braga. Eram eles o líder petebista Nelson Maculan e o ex-socialista e futuro senador “biônico” Affonso Camargo. Tendo como suplente Octavio Cezário Pereira Júnior, Ney elegeu-se com 660.529 votos. Nelson Maculan

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teve 273.378 votos e Affonso Camargo, 84.275 votos. A votação dos dois chegou a 357.653 – um total de 302.876 votos a menos que os dados ao candidato arenista. O universo de eleitores a votar era de 1.476.143, e o total de votantes ao Senado foi de 1.018.182. O TRE-PR computou ainda 51.751 votos em branco e 66.190 votos nulos. Estes somados – 117.941 –, chegam-se a 33.666 a mais que a votação do MDB. Em Curitiba, a Arena obteve 87.194 votos contra 55.968 do MDB – uma diferença de 32.864 votos, apenas um a menos do que toda a votação deste partido nas quatro cidades do interior. Votaram 167.443 eleitores, tendo sido registrada abstenção de 28.334. Essa abstenção na capital é significativa por ser maior que a votação obtida por Ney Braga em Londrina. Com 20.002 votos, a Arena deixou longe o MDB, que obteve 9.914 votos. A abstenção de 10.468 eleitores de Londrina foi semelhante à de Maringá e, proporcionalmente, de elevado grau como em Ponta Grossa e Cascavel, como se verá a seguir. O voto comparativo entre os candidatos da Arena e do MDB está exibido no Gráfico 1. O gráfico comparativo dos votos da Arena está no gráfico 2 e o dos votos do MDB, no Gráfico 3.

GRÁFICO 1 Eleições Senador - Paraná 1966

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 2 Eleições Senador 1966 ARENA

votos

GRÁFICO 3 Eleições Senador 1966 MDB

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

IV .2.2. A Arena domina a Câmara IV.2.2. Coube ao Paraná, em 1966, um total de 25 cadeiras na Câmara dos Deputados. Ainda incipiente, o MDB elegeu apenas cinco deputados, ficando as 20 restantes com o partido do governo. Novamente caiu por terra a tese de que o voto nas capitais deve ser progressista devido às características de seu eleitorado.

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A votação da Arena e do MDB, cidade a cidade, está no Gráfico 4; uma comparação entre as cidades, com a votação da Arena, está no Gráfico 5; no Gráfico 6 está a votação do MDB, comparando as cidades. GRÁFICO 4 Eleições Deputado Federal - Paraná 1966

ARENA

MDB

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 5 Eleições Deputado Federal 1966 ARENA

votos

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GRÁFICO 6 Eleições Deputado Federal 1966 MDB

votos

IV .2.3. Diferença ampliada na Assembléia IV.2.3. Na eleição para a Assembléia Legislativa, a vitória da Arena sobre o MDB foi ainda mais ampla. O partido do governo conquistou 37 cadeiras, ao passo que a oposição ficou com apenas oito. A vitória da Arena nas cinco cidades analisadas somou 142.997 votos, ficando o MDB com 54.792 votos. A diferença da situação sobre a oposição foi de 88.205 votos. A votação dos dois partidos, nas cinco cidades pesquisadas, está no Gráfico 7; a da Arena, comparativamente entre as cidades, consta do Gráfico 8, e a do MDB, do Gráfico 9. GRÁFICO 7 Eleições Deputado Estadual - Paraná 1966

Fonte: TRE-PR (s/d).

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ARENA

MDB

GRÁFICO 8 Eleições Deputado Estadual 1966 ARENA

votos

GRÁFICO 9 Eleições Deputado Estadual 1966 MDB

votos

IV .3. A oposição cresce IV.3. IV .3.1. Empate no Senado: derrota nas urnas e nomeação do “biônico” IV.3.1. Em 1978, o eleitorado do Paraná já chegava a 3.565.871 cidadãos, dos quais 2.639.050 compareceram às urnas. Houve, assim, 926.821 abstenções. O eleitorado de Curitiba crescera de 195.777 em 1966 para 458.938; a população da cidade, segundo o censo do IBGE de oito anos antes, aumentara para 609.026 e passaria do milhão no censo de 1980. Os gráficos 10 e 11 informam a evolução do eleitorado e do comparecimento de votantes, em 1966 e 1978.

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GRÁFICO 10 Comparação do Eleitorado entre 1966 e 1978

GRÁFICO 11 Comparação número de votantes entre 1966 e 1978

A eleição ao Senado confirmou a supremacia do MDB. Depois de eleger Francisco Leite Chaves em 1974, o partido oposicionista ganhou mais uma cadeira em 1978, com José Richa. O MDB foi beneficiado pela sublegenda, tendo concorrido com dois candidatos contra apenas um da Arena. José Richa, cujo suplente era Airton Reis, obteve 895.013 votos. Na sublegenda MDB II, Enéas Faria, tendo por suplente Edgard Virmond Arruda, fez 254.520 votos. O arenista Túlio Vargas conseguiu 1.083.573 votos. Houve ainda 208.183 votos em branco e 197.761 votos nulos. O total de votantes para o Senado foi de 2.639.050.

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Mas a Arena não foi de todo derrotada nessa eleição. O “Pacote de Abril”, baixado pelo presidente Geisel em 1977, garantiu ao partido, no ano seguinte, a renovação de um terço do Senado pela via indireta. No Paraná, o então Presidente do partido do governo era o mesmo Affonso Camargo que concorrera contra Ney Braga, pelo MDB, na eleição ao Senado em 1966. Expressiva liderança do adesismo, Affonso foi indicado senador “biônico” e passou a dividir com José Richa a representação do Paraná no Senado da República. Confira-se a Tabela 2 abaixo. Tabela 2

VOTAÇÕES NAS CIDADES, POR PARTIDO E POR CARGO (1978) CIDADE

ARENA

Curitiba Londrina Ponta Grossa Maringá Cascavel

87.194 20.002 16.742 17.133 5.964

CIDADE

Curitiba Londrina Ponta Grossa Maringá Cascavel

ARENA 75.799 17.419 18.152 17.761 7.876

CIDADE

ARENA

Curitiba Londrina Ponta Grossa Maringá Cascavel

80.630 17.189 19.509 17.024 8.645

MDB

SENADOR VOTANTES

ELEITORADO 55.968 167.443 195.777 9.914 33.513 43.981 11.945 33.734 37.149 7.405 28.400 35.212 3.600 10.754 12.274 DEPUTADO FEDERAL MDB VOTANTES ELEITORADO 30.998 167.443 195.777 7.288 33.513 43.981 7.186 33.734 37.149 6.013 28.400 35.212 829 10.754 12.274 DEPUTADO ESTADUAL MDB VOTANTES ELEITORADO 32.577 167.443 195.777 7.180 33.513 43.981 7.652 33.734 37.149 5.885 28.400 35.212 798 10.754 12.274

POPULAÇÃO

361.309 134.821 s/i 104.131 39.598 POPULAÇÃO

361.309 134.821 s/i 104.131 39.598 POPULAÇÃO

361.309 134.821 s/i 104.131 39.598

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: s/i: sem informação.

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O Gráfico 12 compara a votação dos dois partidos nos cinco municípios analisados; o Gráfico 13 mostra como foi a votação da Arena cidade a cidade, e o 14 mostra como se comportou o MDB. GRÁFICO 12 Eleições Senador - Paraná 1978

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 13 Eleições Senador 1978 ARENA

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 14 Eleições Senador - 1978 MDB

votos

IV .3.2. Equilíbrio na Câmara IV.3.2. A eleição de 1978 para a Câmara dos Deputados foi mais equilibrada. O MDB saiu de cinco cadeiras em 1966 para 15 na segunda eleição analisada. A Arena perdeu uma cadeira na Câmara – de 20 para 19. O partido da oposição conseguiu 44.535 votos de legenda, totalizando 925.875 votos. Os votos de legenda à Arena foram 27.612, perfazendo um total de 1.216.666 votos. Houve ainda 329.619 votos em branco e 166.890 votos nulos; o total de votantes foi de 2.639.050. O Gráfico 15 mostra o comportamento de Arena e MDB nas cinco cidades pesquisadas; o Gráfico 16 traz a votação da Arena nesses municípios e o 17, a do MDB. GRÁFICO 15 Eleições Deputado Federal - Paraná - 1978

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 16 Eleições Deputado Federal 1978 ARENA

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 17 Eleições Deputado Federal 1978 MDB

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

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IV .3.3. Crescimento e vitória na Assembléia IV.3.3. A votação da Arena na eleição para a Assembléia Legislativa teve comportamento diverso das votaçõe para o Senado Federal e para a Câmara dos Deputados, registrando vitória sobre a oposição. O partido governista vinha de estragos pesados, com a renúncia forçada do governador Haroldo Leon Peres, seguida da morte de seu sucessor, Parigot de Souza, e do mandato-tampão de Emílio Gomes. A bancada na Assembléia reduzira-se, em 1974, de 38 para 29 deputados, ao passo que o MDB experimentara um crescimento de 9 para 25 parlamentares. No pleito de 1978, a bancada da Arena na Assembléia subiu para 34 deputados, dos quais 22 eram reeleitos. Já o MDB, que elegera 25 deputados em 1974, perdeu uma cadeira em 1978. O Gráfico 18 mostra o comportamento eleitoral de Arena e MDB na eleição à Assembléia, nas cinco cidades pesquisadas. O Gráfico 19 traz o número de votos da Arena, cidade a cidade, e o 20, o do MDB. No total do estado, o MDB recebeu 44.288 votos de legenda, totalizando 914.121 votos. Já a Arena obteve 30.613 votos de legenda, alcançando 1.259.873 em todo o estado. GRÁFICO 18 Eleições Deputado Estadual - Paraná 1978

ARENA

MDB

Fonte: TRE-PR (s/d).

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GRÁFICO 19 Eleições Deputado Estadual 1978 ARENA

votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

GRÁFICO 20 Eleições Deputado Estadual 1978 MDB

votos

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V. DISCUSSÃO: A VITÓRIA ARENISTA DE 1966 E A DERROTA DE 1978 V.1. 1966: a vitória do neyismo No Paraná, em 1966, não se confirmou a clivagem entre os tipos de eleitores, do voto da capital (progressista) e do voto do interior (conservador). Importante variável explicativa é a figura do neyismo, já descrita na seção 4 deste trabalho. Ney Braga, com efeito, tinha estreita ligação com a cidade, como chefe de Polícia, prefeito e, até 1965, governador do Estado. Affonso Camargo, de tradicional família paranaense, e o londrinense Nelson Maculan não possuíam densidade política à altura de Ney e naquele 1966 seu partido, o MDB, buscava mais “marcar posição” na cena eleitoral. Seus 55.969 votos, contudo, não são desprezíveis e podem ser atribuídos aos tradicionais eleitores do antigo PTB, de migração para o MDB por gravidade, e aos descontentes com a “Revolução”, entre os quais estudantes universitários e profissionais liberais (muitos deles ligados ao PCB). O comportamento eleitoral da Arena no interior seguiu, efetivamente, a tendência conservadora do voto. Baixa urbanização, reduzido grau de instrução, quase nenhuma industrialização nem movimento sindical, mais a influência dos governos estadual e federal – por pressão política e grande transferêndia de recursos – e o controle direto dos fazendeiros sobre a população rural, dominaram a eleição em Londrina. Há ainda outra variável importante, também ligada a Ney Braga. A “Rodovia do Café”, construída por ele ligando Londrina a Curitiba e esta ao Porto de Paranaguá, garantia o escoamento da safra, menor custo de frete rodoviário e, em conseqüência, maior resultado financeiro. Seus reflexos na economia da cidade, cuja população crescia ano a ano, tinham, evidentemente, efeito eleitoral. Pelo censo de 1970, realizado dois anos depois da eleição, a população londrinense saltara para 228.101 habitantes – 64.573 na zona rural e 163.528 na zona urbana. Maringá, cuja população era de 104.131 habitantes de acordo com o censo de 1960 e que chegaria no seguinte a 121.374, também tinha sua economia baseada no café e características semelhantes às de Londrina, configuradas no voto conservador. Maringá fica a cerca de 100 km da “Rodovia do Café”, mas ainda assim sua economia foi beneficiada pela nova estrada, que teve mais seguro escoamento de safra. Em relação a Ponta Grossa, é possível inferir que sua proximidade com a capital tenha sido determinante para a vitória da Arena. No mais, a “capital cívica do Paraná” era uma cidade de economia ainda incipiente, sem nenhuma industrialização e comércio pouco desenvolvido. Era uma cidade de ferroviários, aquela altura categoria destituída de organização sindical e viés progressista. Cascavel é a segunda cidade do estado de que se dispõe de informações sobre população urbana e rural. Pelo censo de 1960, tinha apenas 5.274 habitantes na área urbana e 34.324 na rural. Em 1979, eram 34.961 pessoas na zona urbana e 54.960 na

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rural. Baixa urbanização e escolaridade, nenhuma industrialização e sindicalismo e decisiva influência política sobre grandes e pequenos proprietários são as variáveis a explicar a vitória arenista. É desconhecido o peso da influência gaúcha, traço marcante da colonização da região, sobre o voto no partido do governo. Ressalte- se a diferença de votos nas eleições proporcionais: 7.876 (Arena) a 829 (MDB) no pleito federal e 8.645 (Arena) a 798 (MDB) no estadual. V.2. A Arena começa a definhar Vencedora em 1966, a Arena repetiu o desempenho em 1970. Mas em 1974 amargou inesperada derrota, produto de latente insatisfação do eleitorado com os rumos do governo militar. Nesse ano, a oposição tomou 16 cadeiras no Senado pertencentes aos estados mais importantes do país, entre os quais o Paraná. Accioly Filho e Mattos Leão, eleitos em 1970, quatro anos depois passaram a ter como companheiro de bancada o advogado Francisco Leite Chaves. Como se viu na Tabela 1, na seção 4 deste trabalho, o partido do governo ainda conservou, até 1974, pequena vantagem na votação para a Câmara dos Deputados e para as assembléias legislativas, mas seu declínio era evidente. Mesmo assim, manteve ligeira maioria nessas casas também em 1978, graças a toda sorte de casuísmos eleitorais criados pelo governo militar, dos quais ressaltava a Lei Falcão. Na eleição ao Senado, o MDB lançou José Richa, que fora derrotado na disputa pelo mesmo cargo em 1970, quando foram eleitos os arenistas Accioly Filho e Mattos Leão. Já em 1978, porém, a oposição cresceu. Richa ocupara a Prefeitura de Londrina (1973-1976) e surgia como a grande força eleitoral que emergia do interior. A população de Londrina, segundo o censo de 1970, passava de 228 mil habitantes, mais de 163 mil na área urbana. Lá o partido do governo perdia força. A cidade já ostentava marcante urbanização e era a terceira maior do Sul do país (atrás de Porto Alegre e Curitiba, apenas); sua população universitária aumentava e tornava-se cada vez mais marcante a rivalidade com a capital. O nome de José Richa é outra variável para explicar a vitória do MDB em Londrina. Afinal, lá era sua base eleitoral, ele fora prefeito da cidade e, político moderado, apesar de estar na oposição, conquistou setores que seriam refratários a uma candidatura de perfil mais ousado. A votação da Arena em Londrina foi a menor entre as cinco cidades. A diferença de 410 votos em favor do MDB em Maringá foi a mais apertada nas cidades pesquisadas. Em Cascavel, cidade em que a Arena detinha ampla maioria eleitoral em 1966, em 1978 o partido governista foi derrotado na eleição ao Senado com uma diferença de 7.206 votos. O perfil conservador do eleitorado de Ponta Grossa confirmou-se em 1978, quando Túlio Vargas venceu a eleição para senador na cidade, com uma diferença de 4.002 votos sobre a oposição. V.3. Ponta Grossa, a conservadora A única das cidades pesquisadas que manteve o voto arenista, em 1966 e 1978,

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nas eleições majoritárias e proporcionais, foi Ponta Grossa, conhecida como a “capital cívica” do Paraná. Em 1978, a Arena fez 37.793 votos para deputado federal, contra 19.367 dados para o MDB – diferença de 18.426 votos. Na eleição para Deputado Estadual, o partido do governo fez 40.434 votos na cidade e o MDB, 18.660 – diferença de 21.774 votos. Os resultados da eleição proporcional para Deputado Federal indicam maior equilíbrio, como em Curitiba, onde a diferença favorável à oposição foi de 25.057 votos. A maior diferença foi a de Londrina, onde a oposição manteve uma dianteira de 29.416 votos. A recuperação da Arena em 1978 teria sido maior em Londrina se não fossem da cidade três dos cinco candidatos mais votados do MDB: Alvaro Dias, Waldmir Belinati e Hélio Duque. As vitórias mais apertadas do MDB, como se viu no Gráfico 15, foram em Maringá (diferença de 1.109 votos) e Cascavel (diferença de 2.505 votos). O comportamento do eleitorado nessas cidades foi semelhante ao da eleição para a Assembléia Legislativa, com vitória arenista na primeira e emedebista na segunda. Em Maringá, a diferença foi de apenas 560 votos para o partido do governo. Em Cascavel, a vitória da oposição teve 2.583 votos de vantagem na eleição para Deputado Estadual. Em Londrina, o MDB conseguiu boa dianteira na votação para a Assembléia Legislativa, reafirmando que a cidade, agora urbanizada, com uma universidade forte e entidades civis organizadas, caracterizava-se como eleitoralmente progressista não só no voto para o Senado como em seus populares candidatos para Deputado Federal. O MDB teve na capital uma diferença de 19.298 votos, indicando boa recuperação em relação ao pleito de 1966, quando a Arena suplantou a oposição na eleição para Deputado Estadual por uma diferença de 48.053 votos. Em 1978, Curitiba ostentava invejável urbanização, o movimento estudantil fervilhava, os primeiros sindicatos e greves começavam a pipocar e a sociedade civil manifestava-se. Assim se explica a vitória da oposição em 1978.

VI. CONCLUSÃO Os 14 anos de vigência do bipartidarismo no Brasil foram a moldura eleitoral de um país que, apesar do regime autoritário, passou por diversas transformações, evoluiu social e politicamente e mostrou-se eficiente para pressionar pela volta da democracia. A pesquisa em torno dos resultados eleitorais da Arena e do MDB nos cinco maiores municípios do Paraná, em períodos distintos – 1966 e 1978 –, teve como pano de fundo um estado que se alterou economicamente e evoluiu politicamente, do voto prógoverno à confirmação da oposição como vetor de mudanças. Na análise eleitoral de 1966, Curitiba, como se supunha, desmentiu o que os cientistas políticos haviam tornado regra em relação às capitais do Sul-Sudeste: nestas, o voto era progressista e, sob o regime autoritário, orientava-se para a oposição. Curitiba, diferentemente, pelas razões expostas ao longo deste capítulo, exibiu um voto conservador, tanto na eleição majoritária para o Senado quanto nas proporcionais para a Câmara dos

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Deputados e para a Assembléia Legislativa. O interior, como se esperava, confirmou-se conservador no voto, ainda devido à baixa informação, pouca politização do eleitorado, influência dos governos estadual e federal, ao coronelismo e, possivelmente, à corrupção. Mostrou-se, portanto, incorreta, no Paraná, a clivagem voto progressista da capital-voto conservador do interior. Em 1978, inverteu-se a equação. O voto na capital revelou-se finalmente progressista, com a vitória do MDB sobre a Arena. No interior, onde tradicionalmente se votava com o partido do governo, rompeu-se a tendência e a oposição também venceu. Exceção feita, em todas as situações, ao município de Ponta Grossa, onde a Arena sempre venceu, na eleição para o Senado em 1978 inclusive, oportunidade em que o MDB obteve vitória maciça em todas as demais cidades. Afigurou-se neste trabalho, ao longo da demonstração histórica e da análise sociológica, a forte presença do neyismo em 1966, quando Ney Braga dominava a Arena e a cena política local. O quadro em 1978 encontra um Paraná mais integrado por rodovias e as telecomunicações operando em nível mais que razoável. A crescente urbanização e a mecanização da agricultura mudaram o perfil da zona rural. Apesar da industrialização ainda reduzida – casos de Curitiba, Londrina e Maringá –, categorias profissionais já se manifestavam com mais ênfase, como no nascente movimento dos operários metalúrgicos e dos trabalhadores da construção civil na capital. Além de tudo, a sociedade organizada – como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), associações de professores e o movimento estudantil – contribuiu para a configuração de um perfil eleitoral mais avançado. Com o fim do bipartidarismo, a Arena deu origem ao Partido Democrático Social (PDS), e o MDB, ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Surgiriam outros partidos, à direita e à esquerda, mas foram esses dois os que iniciaram o retorno do país ao pluripartidarismo e ensaiaram com a população os primeiros passos do retorno à democracia. Com os mesmos atores do bipartidarismo, PDS e PMDB enfrentaram-se em 1982, em eleições proporcionais e majoritárias ao Senado e, pela primeira vez desde 1965, ao Governo do Estado. Como em 1978, o partido do governo foi derrotado.

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OUTRAS FONTES BRASIL. Ato institucional n. 2, de 27 de outubro de 1965. Mantém a constituição de 1946 e as constituições estaduais e respectivas emendas, com as modificações que menciona. Diário Oficial da União, Brasília, p. 11017, 27.out.1965. Disponível em: . Acesso em: 24.nov.2005. O ESTADO DE S. PAULO. Março de 64. 40 anos esta noite. 2004. Disponível em . Acesso em: 24.nov.2005. TRE-PR. Base de dados primários da Seção de Divulgação de Resultados. Curitiba: Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, s/d.

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CAPÍTULO CINCO

OPÇÃO PELO POPULISMO: DISSIDÊNCIA POLÍTICA E RENOVAÇÃO ELEITORAL NO MUNICÍPIO DE PONTA GROSSA Emerson Urizzi Cervi

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5. OPÇÃO PELO POPULISMO: Dissidência política e renovação eleitoral no município de Ponta Grossa

I. INTRODUÇÃO Na literatura da Ciência Política sobre processos eleitorais, os conceitos de “eleições críticas”, “realinhamento” e “mantenedoras” são usados já há algumas décadas. O texto que apresentou pela primeira vez o conceito de eleições críticas é o de V. O. Key, publicado em 1955, sob o título A Theory of Critical Elections. Nesse texto o autor identifica, a partir de análises eleitorais do final do século XIX nos Estados Unidos, o fato de que, em alguns casos, os eleitores dão mais importância a fatores identificados com padrões de longo prazo dos processos políticos, enquanto em outras eleições esses fatores dão espaço para que as decisões sejam tomadas com base em elementos de curto prazo. Com isso, é possível identificar os motivos que levam eleitores que tradicionalmente escolhem seus candidatos a partir de determinadas características, em dados momentos, a resolver selecionar outras características – até então com apoio minoritário ou até mesmo rejeitadas – para escolher seus futuros representantes. Nessa mesma linha analítica, a idéia de realinhamento crítico é caracterizada pela associação de temas de curto prazo com rupturas muito intensas nos padrões de comportamento eleitoral (BURNHAM, 1970). Nesse sentido, quando se abre espaço para que partidos majoritários tornem-se minoritários, políticas que eram competitivas eleitoralmente passam a perder essa competitividade, e perfis de candidatos que antes não tinham relevância na competição passam a apresentar uma intensa competição nos momentos de realinhamentos críticos. Em outras palavras, as eleições de realinhamentos críticos são caracterizadas por uma anormalidade com alta intensidade1. Quando não existem esses elementos geradores de realinhamentos, o padrão de comportamento dos eleitores gera a chamada “eleição de manutenção”, em que o perfil dos representantes tende a manter-se estável ao longo do tempo.

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Usamos a expressão “anormalidade eleitoral” no sentido de apresentar períodos de duração variados, dependendo dos fatores geradores que dão sustentação aos realinhamentos.

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Partindo dessa análise teórica, considera-se que os processos eleitorais para escolha dos prefeitos do município de Ponta Grossa nas décadas de 1980 e 1990 podem ser claramente identificados como, no início, eleições de manutenção, com um perfil constante dos eleitos, para, a partir de meados dos anos 1990, passar para eleições de realinhamento crítico e, após dois mandatos, os realinhamentos cederem espaço à manutenção do perfil tradicional de representantes políticos locais. Os períodos de realinhamentos críticos são marcados pela ocorrência de reorganizações nos padrões das bases de coalizão dos eleitores. Uma análise de longo prazo poderia identificar os intervalos de tempo em que esses períodos acontecem, além de suas causas. Os realinhamentos críticos eleitorais são associados de maneira geral a crises no sistema socioeconômico, marcados pela polarização ideológica e distanciamento entre a capacidade que a elite tradicional apresenta e os novos padrões de exigência dos eleitores. A conseqüência é que os eleitores passam a apresentar novos padrões de comportamento e de expectativa em relação à elite política. O município de Ponta Grossa é um caso típico de realinhamento crítico radical, em que o perfil do representante desejado foi rapidamente alterado para em seguida as demandas voltarem aos padrões anteriores, ou seja, aos padrões das eleições de manutenção, o que aconteceu na disputa pela Prefeitura em 2004. O objetivo deste texto é identificar, ainda que de maneira exploratória e descritiva, as principais características da elite política local e os elementos explicativos do comportamento dos eleitores nos últimos 25 anos. Para tanto, a elite política local vencedora das eleições de manutenção é chamada de não-populista, com perfil tradicional, realizadora de administrações técnicas e responsáveis, com pouco apelo em favor da participação popular. Já o perfil da administração que surge da eleição de realinhamento crítico de 1996 é chamado de populista, pois representa o oposto do perfil da elite anterior. O texto está dividido em três partes. Na primeira são apresentadas as características das administrações locais não-populistas, originadas de eleições mantenedoras, além dos indicadores eleitorais que mostram uma tendência de mudança nos critérios de escolha dos representantes eleitos. Na segunda parte é indicada a forma como a eleição de realinhamento crítico aparece em 1996 e depois em 2000. Na última parte do texto é apresentada a explicação econômica como justificativa para a mudança de padrões de escolha nos anos 1990, o que gerou as eleições de realinhamento crítico.

II. ANOS 1980: PERÍODO DE MANUTENÇÃO DO PERFIL DE ELITE ELEITORAL A política pontagrossense entre os anos 1980 e 1990 foi caracterizada principalmente pela consolidação de um mesmo perfil de representantes das principais lideranças locais que chegaram à Prefeitura e compuseram as bancadas majoritárias na Câmara Municipal. O perfil dessa classe dirigente era de conservadores tradicionais, pertencente ao mesmo grupo político e apresentando algumas características pessoais em comum (que serão apresentadas no decorrer do trabalho). O primeiro Prefeito desse grupo foi Otto Santos Cunha, eleito em 15 de novembro

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de 1982 pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Essas foram as últimas eleições municipais em que a legislação permitiu a formação das sublegendas, quando mais de um candidato concorria pela mesma sigla. O PMDB indicou dois candidatos: os empresários Otto Santos Cunha e José Gomes do Amaral. Os principais opositores eram do Partido Democrático Social (PDS); os empresários Cyro Martins, Plauto Miró Guimarães (pai do atual Deputado Estadual e candidato a Prefeito em 1996, Plauto Miró Guimarães Filho), além de César Fernando Pilati. Pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) candidataram-se Brasil Ribas Neto e Antônio Maire, também empresários. O Partido dos Trabalhadores (PT), que disputava suas primeiras eleições nacionais, lançou apenas um candidato, o professor universitário Péricles de Holleben Mello. A chegada de Otto Cunha2 à Prefeitura em 1982 marca o início do período de governos não-populistas. Tabela 1

Resultado da eleição para prefeito de Ponta Grossa (1982) CANDIDATO Otto Santos Cunha José Carlos do Amaral Cyro Martins Plauto Miró Guimarães César Fernandes Pilati Brasil Ribas Neto Antônio Maier Péricles de Holleben Melo Votos em branco Votos nulos Votos válidos Total de votantes

PARTIDO

Nº DE VOTOS

% DE VOTOS

PMDB PMDB PDS PDS PDS PTB PTB PT -

28.509 20.201 15.724 10.884 337 1.374 276 650 4.617 2.168 77.955 84.740

33,6 23,8 18,5 12,8 0,4 1,6 0,3 0,7 5,4 2,5 92,0 -

Fonte: TRE-PR (s/d).

Em relação às eleições de 1982, as votações em sublegendas e a concorrência de até três candidatos por partido dificulta a comparação com as eleições posteriores, embora a soma de votos válidos para a legenda vitoriosa (Otto Cunha) tenha sido a única do período de eleições de manutenção que conseguiu maioria absoluta3.

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Otto Santos Cunha faz parte de uma das famílias mais tradicionais de Ponta Grossa. Os Cunhas chegaram ao município no século XX para explorar a pecuária de corte e a atividade madeireira em extensas áreas rurais na região. Otto Cunha é pecuarista por herança familiar, integrando a elite econômica do município. 3 Os candidatos Otto Cunha e José Carlos do Amaral, da legenda do PMDB, somaram 56,4% dos votos válidos para Prefeito de Ponta Grossa em 1982 (TRE-PR, s/d).

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O Secretário de Finanças do governo Otto Cunha foi seu primo, Paulo Cunha Nascimento, que veio a ser o último Prefeito não-populista do período de eleições de manutenção. Otto Cunha conseguiu eleger-se Deputado Federal em 1990, dois anos depois de terminar o mandato de Prefeito. Não foi reeleito em 1994. Participou das eleições municipais de 1996 como conselheiro da campanha de Plauto Miró Guimarães Filho. Em 1998 não viabilizou politicamente sua candidatura a Deputado Federal. Nas eleições municipais de 2000, o filho de Otto Cunha, Leopoldo Guimarães da Cunha Neto, foi eleito Vereador Municipal pelo PSL, mantendo a tradição da presença familiar na política local. O segundo Prefeito de Ponta Grossa do período de não-populistas foi o empresário Pedro Wosgrau Filho, eleito em 15 de novembro de 1988. Nessa eleição não existiam mais as sublegendas. Pedro Wosgrau Filho foi candidato pelo nanico PDC (Partido Democrata Cristão). Engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), começou sua vida profissional em uma construtora da família Wosgrau em Ponta Grossa. É descendente de família tradicional da cidade; atua profissionalmente na área de incorporação de imóveis, tem propriedades rurais e uma madeireira; também faz parte da elite econômica da cidade. Foi o indicado de Otto Cunha para dar continuidade à administração municipal e teve como vice-Prefeito Paulo Cunha Nascimento, que acumulou a função de vice-Prefeito com a de Secretário de Finanças do Município na administração de Wosgrau4. Tabela 2

Resultado da eleição para prefeito de Ponta Grossa (1988) CANDIDATO Pedro Wosgrau Filho Djalma de Almeida César Luiz Carlos Zuk Silvio Fernandes da Silva Votos em branco Votos nulos Votos válidos Total votantes

PARTIDO PDC PMDB PDT PT -

Nº DE VOTOS 46.457 27.416 17.430 8.033 9.580 3.281 99.336 112.197

% DE VOTOS 46,7 27,5 17,5 8,3 8,5 3,0 88,5 -

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: PDT: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA.

Em 1988, o candidato da continuidade, Pedro Wosgrau Filho, ficou com 46,76% dos votos válidos. Ele fez uma votação proporcionalmente mais expressiva que Jocelito Canto em 1996, que ficou em primeiro lugar com 42,04%. Canto não é um fenômeno 4

Naquela campanha eleitoral, os principais adversários foram o ex-Prefeito e empresário rural Luiz Carlos Zuk (PDT), terceiro colocado, e o então Deputado Estadual Djalma de Almeida César (PMDB), militante político na cidade desde o início dos anos 1970, que foi o segundo colocado. A opção dos eleitores foi clara pela continuidade do grupo hegemônico no poder naquela ocasião. Em quarto lugar naquelas eleições ficou o candidato do PT, Sílvio Fernandes da Silva.

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eleitoral como se costuma imaginar a respeito de um radialista. Ele foi eleito em 1996 sem a maioria absoluta da preferência dos eleitores. Ainda em 1988, o principal grupo de oposição, representado pelo PMDB de Djalma de Almeida César, ficou com 27,59% dos votos, em segundo lugar. Luis Carlos Zuk, o terceiro colocado, fez 17,54% dos votos válidos e, em quarto lugar, o PT teve 8,08%. O terceiro Prefeito do período, Paulo Cunha Nascimento, eleito no dia 3 de outubro de 1992, governou a cidade de 1993 a 1996. Sua eleição também foi pelo PDC. Tinha sido Secretário Municipal de Finanças do primeiro governo não-populista e vicePrefeito no segundo. Pertencente a uma família tradicional da cidade, Paulo Cunha administrava uma beneficiadora de sementes e propriedades agrícolas da família. Pela primeira vez na terceira colocação apareceu o PT, com Padre Roque Zimermann como candidato. Em quatro lugar, o dono de um jornal local, Adail Inglês, candidato do PTB. Paulo Cunha não tinha experiência em disputas eleitorais como candidato antes de concorrer a vice-Prefeito em 1988. Até 1983, quando foi nomeado Secretário Municipal de Finanças, sua vida profissional dera-se nas propriedades rurais da família e na empresa Joná Sementes, beneficiadora de sementes agrícolas fundada pelo pai, João Nascimento. Paulo Cunha não fez uma administração popular. Teve altos índices de rejeição no final do mandato (Jornal da Manhã, 1995) – tanto que o candidato da continuidade, Plauto Miró Guimarães Filho, não aceitou seu apoio oficial. Tabela 3

Resultado da eleição para prefeito de Ponta Grossa (1992) CANDIDATO Paulo Cunha Nascimento Djalma de Almeida César Padre Roque Zimermann Adail Inglês Votos em branco Votos nulos Votos válidos Total votantes

PARTIDO PDC PMDB PT PTB -

Nº DE VOTOS 45.503 36.209 21.097 5.709 7.245 7.883 108.518 123.646

% DE VOTOS 41,9 33,3 19,4 5,4 5,8 6,4 87,7 -

Fonte: TRE-PR (s/d).

Na eleição de 1992 ficou evidenciada a queda na aceitação do grupo político tradicional e o crescimento das oposições. Paulo Cunha Nascimento, candidato da “situação”, foi eleito com 41,93% dos votos válidos – quase cinco pontos percentuais a menos de votos que seu antecessor, Pedro Wosgrau. Em segundo lugar continuaram os opositores do PMDB, mas, desta vez, com 33,36% dos votos válidos, um crescimento significativo em relação à eleição anterior. No mesmo ano o PT conseguiu uma

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ampliação de mais de 100% dos votos válidos em relação a 1988: o candidato Padre Roque Zimermann ficou com 19,44% dos votos válidos em 1992. Ainda houve 5,26% dos votos válidos para o candidato Adail Inglês, que não representava nenhuma facção política de importância no município e tinha um perfil político muito próximo do das lideranças não-populistas.

III – REALINHAMENTO ELEITORAL EM 1996 A aplicação do índice de avanço partidário para os votos brancos e nulos em Ponta Grossa entre 1982 e 1996 mostra que havia um contínuo desgaste das lideranças políticas de perfil tradicional na cidade durante o período nãopopulista e que as eleições de manutenção começavam a ceder espaço para outros critérios de escolha, o que originou novos alinhamentos e a primeira eleição de realinhamento crítico do período. Tabela 4

Avanço dos votos brancos e nulos em Ponta Grossa (1988 a 1996) ELEIÇÃO MUNICIPAL DE 1988 Total de votos Total de votos brancos e nulos Índice de avanço de votos brancos e nulos

84.740 6.785 2,78%

ELEIÇÃO MUNICIPAL DE 1992 Total de votos Total de votos brancos e nulos Índice de avanço de votos brancos e nulos

123.646 7.245 1,72%

ELEIÇÃO MUNICIPAL DE 1996 Total de votos Total de votos brancos e nulos Índice de avanço de votos brancos e nulos

134.305 5.015 0,20%

Fonte: o autor, a partir de TRE-PR (s/d).

O índice de avanço dos votos brancos e nulos de Ponta Grossa no período anterior à eleição de 1996 manteve-se sempre positivo, o que significa que, por vários motivos, a cada pleito mais eleitores optavam por não escolher nenhum candidato. É evidente que uma parcela dos votos brancos e nulos deve-se não ao descontentamento do eleitor, mas a erros no momento da votação ou à interpretação dos escrutinadores (na época a votação e a apuração dos votos eram manuais). O que importa aqui não são os números absolutos de votos brancos e nulos, mas o seu crescimento contínuo entre as eleições. Com a não-eleição de Plauto Miró Guimarães Filho em 1996 e a chegada à Prefeitura do radialista Jocelito Canto terminou o período de governos não-populistas em

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Ponta Grossa. Saíram de cena os prefeitos empresários ou proprietários rurais, nascidos em Ponta Grossa e descendentes de famílias tradicionais da cidade, encerrando o período de governos de continuidade, com o mesmo perfil administrativo, que teriam continuidade caso Guimarães Filho fosse eleito naquela oportunidade; no entanto, ele contou com menos de 32% dos votos válidos, conforme mostra a Tabela 5. Tabela 5

Resultado da eleição para prefeito de Ponta Grossa (1996) CANDIDATO Jocelito Canto Péricles Holleben Melo Plauto Miró Guimarães Filho José Penkoski Votos em branco Votos nulos Votos válidos Total votantes

PARTIDO PSDB PT PFL PSC -

Nº DE VOTOS 54.363 41.311 31.088 2.528 1.059 3.956 129.190 134.305

% DE VOTOS 42,0 31,9 24,0 1,9 0,8 2,9 96,3 -

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: PSDB: Partido da Social Democracia Brasileira; PFL: Partido da Frente Liberal; PSC: Partido Social Cristão

Ainda a respeito das administrações de 1983 a 1996 é preciso lembrar que a relação dos prefeitos com as administrações estaduais não era de afinidade política. Durante os governos não-populistas na Prefeitura de Ponta Grossa, a administração municipal passou a maior parte do tempo na oposição à administração estadual5. Independentemente dos partidos em que se elegeram, Otto Cunha, Pedro Wosgrau e Paulo Cunha representavam os remanescentes da Arena (Aliança Renovadora Nacional). Otto Cunha foi candidato a prefeito pelo PMDB porque ele era o principal opositor ao então Prefeito Zuk, que foi eleito em 1978 ainda pela Arena. Nem Otto Cunha nem os outros prefeitos tinham vínculos partidários fortes além do âmbito municipal e não tiveram militância política significativa anterior aos seus mandatos como prefeitos. Durante a maior parte de governos não-populistas em Ponta Grossa o PMDB elegeu os governadores do Paraná: José Richa de 1982 a 1986, Álvaro Dias de 1986 a 1990 e Roberto Requião de 1991 a 1994. Excetuando os dois últimos anos do mandato de Paulo Cunha, que foram no início do primeiro governo Jaime Lerner, e os dois primeiros de Otto Cunha, durante o governo José Richa, o período de governos nãopopulistas na Prefeitura de Ponta Grossa foi de oposição política ao governo do estado. Apesar disso, o grupo político não-populista conseguiu vencer os candidatos do governo do estado nas três disputas municipais. Entre as explicações possíveis para esse fato está 5

A primeira parte do mandato de Otto Cunha ocorreu simultaneamente ao governo de José Richa, ambos do PMDB. Essa é a única exceção de proximidade partidária entre o Prefeito não-populista de Ponta Grossa e o Governador do Estado.

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a grande liderança dos não-populistas em Ponta Grossa no período, mais identificados com o perfil desejado pelo eleitor local para os representantes em disputas de manutenção. Todos os governadores do PMDB eleitos nos anos 1980 não foram bem votados em Ponta Grossa (TRE-PR, s/d). Além disso, é possível constatar, por meio desse fato, que em eleições municipais o eleitor tende a decidir o voto de maneira distinta de outras eleições. Ele conseguiria diferenciar as duas esferas de representação, embora haja uma tendência à responsabilização dos líderes locais pelas crises ou possíveis perdas socioeconômicas que venha a enfrentar em determinados períodos. O período de eleições de manutenção em Ponta Grossa termina em 1996, quando o radialista Jocelito Canto, possuidor de um perfil pessoal totalmente distinto do dos prefeitos anteriores, conseguiu vencer a disputa eleitoral. Ele não pertence a família tradicional da cidade: chegou a Ponta Grossa em 1991 à procura de emprego. Bateu às portas de todas as rádios da cidade sem sucesso. Então, alugou uma caixa amplificadora de som e um microfone para fazer apresentações populares na praça central da cidade. ‘Abria’ o microfone para a população apresentar suas queixas. Conseguiu levar alguns políticos para debater com o povo em praça pública e seu programa ganhou repercussão. Assim começou sua carreira política, que tinha como objetivo inicial ocupar uma vaga de Vereador no Município. Canto é natural do Rio Grande do Sul, não faz parte da elite econômica local e jamais foi empresário. Na infância, trabalhou como engraxate para ajudar no orçamento da família. Depois, adulto, casou-se e passou a não apresentar uma vida familiar estável6, com repetidas crises conjugais públicas quando era radialista e depois que se tornou Deputado Estadual, em 1994. Isso é uma característica altamente negativa para os representantes políticos em sociedades conservadoras, como a de Ponta Grossa. O perfil oposto ao dos prefeitos anteriores e a sensibilidade para reconhecimento das novas demandas populares fizeram de Canto a principal opção oposicionista no município em 1996, substituindo os políticos da oposição tradicional à elite política hegemônica local: Djalma de Almeida César e Luiz Carlos Zuk. Em 1996, depois de dois anos como Deputado Estadual e com seu programa de rádio melhor estruturado, Jocelito Canto transformouse em candidato natural da oposição à Prefeitura local. Em 2000, quando completava seu primeiro mandato com Prefeito sem ter deixado de ser radialista, candidatou-se à reeleição, mas não conseguiu repetir o bom desempenho eleitoral de 1996. Foi derrotado por Péricles de Holleben Melo (PT). Durante seu mandato, Canto não conseguiu cumprir as “promessas” feitas aos eleitores em 1996, no momento dos realinhamentos eleitorais, perdendo a exemplaridade como líder, apesar de seu carisma. Isso resultou na sua substituição por um político 6 de perfil oposto ao seu e diferente do perfil tradicional das lideranças locais. Mas, antes dele, quem primeiro teve a capacidade de representação popular reduzida, abrindo espaço para a opção populista, foram as elites com perfil tradicional. 6

Uma das características presentes nos políticos não-populistas de Ponta Grossa e que se acreditava ser uma exigência do eleitorado local era a vida familiar estável, sem escândalos públicos – exatamente o contrário de Canto.

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Analisando a curva histórica dos resultados eleitorais de 1992 a 2000 em Ponta Grossa, pode-se afirmar que a vitória do novo perfil de governante na eleição de realinhamento crítico em 1996 foi o resultado de um processo de desgaste da elite dominante. A votação de Plauto Miró Guimarães Filho naquele ano representou o ápice desse processo de desgaste do grupo político identificado com a continuidade. Esse grupo chegou ao poder político local em 1982 com a eleição de Otto Cunha, que teve 62% dos votos válidos. Em 1988 a aceitação dos eleitores pela elite dirigente tradicional caiu para 46%, ainda assim mantendo-se à frente do principal grupo político opositor. Em 1992, a aceitação, representada pelo número de votos obtido pelo candidato do grupo político, caiu para 41%, ainda suficiente para garantir a continuidade – mas em 1996 essa continuidade ficou inviável, com apenas 24% dos votos para Plauto Miró Guimarães Filho. A crise no grupo não-populista aumentou em 2000, quando a elite dirigente tradicional não encontrou um político viável eleitoralmente para representá-la e a disputa passou a ser polarizada entre Canto e Mello. Tabela 6

Resultado da eleição para prefeito de Ponta Grossa (2000) CANDIDATO Péricles Holleben Melo Jocelito Canto Carlos Tavarnaro Wagner Menezes José Penkoski Rogério Marcondes Votos em branco Votos nulos Votos válidos Total votantes

PARTIDO PT PSDB PFL PPS PSC PRN -

Nº DE VOTOS 72.583 60.459 6.762 3.023 2.857 279 2.813 5.927 145.965 154.705

% DE VOTOS 49,7 41,4 4,6 2,0 1,9 0,2 1,8 3,8 94,4 -

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: PPS: Partido Popular Socialista; PRN: Partido da Reconstrução Nacional.

Péricles Mello foi o mais votado em quatro zonas eleitorais, variando de 52% a 48% os votos válidos em cada uma. Mas na 139º Zona Eleitoral, localizada na região de Uvaranas, Jocelito Canto ficou à frente do adversário com 48% contra 45% dos votos válidos. Essa é a região da cidade que mais sofreu com a crise econômica dos anos 1980 e 1990 e foi onde a administração de Jocelito Canto mais investiu em políticas sociais, como a construção de casas populares pelo sistema de mutirão para “desfavelização”.

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Outra informação importante sobre o resultado eleitoral de 2000 é que o candidato Jocelito Canto ficou com 41,42% dos votos válidos naquele ano, menos de um ponto percentual de diferença da votação que fizera em 1996, quando foi vitorioso (42,04%). Isso demonstra que o eleitorado de Canto foi praticamente1 o mesmo nas duas eleições. O que mudou foi o percentual de aceitação do candidato do PT, que passou de 31,95% dos votos válidos em 1996 para 49,72% em 2000. Com a ausência de um candidato que representasse o grupo tradicional na política, o eleitor tradicional dos candidatos não-populistas optou por votar no representante do PT ao invés de votar na manutenção do populista. Apesar das diferenças ideológicas entre Péricles Mello e os representantes dos governos dos anos 1980 e 1990 na cidade, o perfil social do candidato petista aproximase mais do perfil não-populista do que de Jocelito Canto. Mesmo sem pertencer a uma família integrante da elite econômica local, Péricles Mello é nascido em Ponta Grossa, professor universitário e tradicional ativista político local. A comparação entre os resultados eleitorais de 1996 e 2000 permite afirmar que o candidato de perfil populista manteve o eleitorado no período de sua administração, mas não conseguiu ampliar sua capacidade de representação, o que inviabilizou sua reeleição – isso mesmo ainda sendo radialista durante os quatro anos como Prefeito.

IV – EXPLICAÇÃO ECONÔMICA PARA OS REALINHAMENTOS CRÍTICOS Além da explicação política para a decadência da elite local não-populista nos anos 1990, há também uma variável econômica que colaborou para o descrédito desse perfil de governante. O município passou por uma crise econômica que começou em meados dos anos 1970 e seguiu até meados dos anos 1990. Nesse período surgiu no cenário político local um outsider7 carismático com as características de um populista – opostas aos governantes de então –, o radialista Jocelito Canto. Nos 13 anos de governos não-populistas (1983 a 1996) Ponta Grossa viveu um período de estagnação econômica. Depois de um vertiginoso crescimento industrial nos anos 1970, com a instalação dos complexos moageiros de soja no município, a economia parou de crescer durante os governos não-populistas. O PIB per capita de Ponta Grossa transformou-se em um dos menores entre os municípios médios do estado e as perspectivas profissionais definharamse entre os anos 1980 e 1990. Apesar de ser mais antigo, em 1996 Ponta Grossa (172 anos) tinha praticamente a mesma população que Maringá (60 anos). Eram 266.390 habitantes no primeiro e 286.068 habitantes no segundo município (IBGE, 1996). Comparando alguns indicadores econômicos dos dois municípios percebe-se o fraco desempenho da economia pontagrossense em meados dos anos 1980. Apesar de a indústria em Ponta Grossa ter uma participação maior na economia local do que Maringá, a renda per capita pontagrossense, em meados dos anos 1990, estava cerca de 20% abaixo da renda per capita maringaense. O número de estabelecimentos industriais de Maringá era o dobro do 7

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Alguém “de fora” (nota do revisor).

de Ponta Grossa no ano da eleição do populista, embora a participação do setor na renda total fosse maior em Ponta Grossa. Maringá também tinha um setor de serviços mais desenvolvido que o de Ponta Grossa. O setor agropecuário de Ponta Grossa tem três vezes maior participação na renda municipal que o de Maringá. O setor terciário (de serviços), que apresenta a maior capacidade de distribuição de riqueza e exige profissionais mais especializados, em Maringá estava mais desenvolvido que o setor terciário de Ponta Grossa. Esse é outro indicativo da concentração de renda e da lentidão no desenvolvimento econômico de Ponta Grossa. Por último, a participação da economia agropecuária no total da riqueza gerada no município é três vezes mais importante que em Maringá. Aqui, fazse uma distinção rápida, mas importante. Enquanto em Maringá a economia agropecuária é caracterizada principalmente por pequenas e médias propriedades rurais, em Ponta Grossa a predominância é de grandes propriedades. Em Maringá, as características do solo garantem um tipo de exploração agrícola mais intensiva. Em Ponta Grossa há grandes extensões de áreas rurais com pouca fertilidade, que só podem ser exploradas pela pecuária extensiva. Por isso a predominância de grandes propriedades rurais, a concentração de renda no campo e a pobreza da população rural de Ponta Grossa são maiores que em Maringá. Considerando que o menor número de indústrias e a maior participação delas na economia demonstra que o setor industrial de Ponta Grossa era concentrado em um pequeno número de grandes fábricas, percebe-se que também existia uma tendência à concentração de renda na área urbana desse município. As características da atividade agropecuária local e sua importância no total da economia gerada apontam para uma concentração de renda. O menor PIB per capita de Ponta Grossa mostra uma atividade econômica menos auto-suficiente, com evasão de recursos para outros municípios ou regiões. Esses fatores colaboraram para a geração de uma pressão social crescente por mudanças na atividade econômica local. Os políticos que administraram a cidade no período foram os primeiros a sofrer os efeitos negativos. Os eleitores – os pequenos empresários em busca da expansão do setor de prestação de serviços, os trabalhadores assalariados em busca de melhores rendimentos, os pequenos industriais que esperam condições favoráveis ao crescimento de suas empresas – fizeram a opção por uma administração municipal com perfil distinto do não-populista em 1996. Uma pesquisa com base em levantamentos por estimativa domiciliar, feita pelo IBGE a respeito do perfil econômico dos principais municípios do interior do Paraná, abrangendo o período de 1983 a 1997, mostra que Ponta Grossa empobreceu nesse período. Além de Ponta Grossa, foram pesquisados outros cinco municípios paranaenses (Maringá, Londrina, Foz do Iguaçu, Curitiba e Cascavel). Em todos eles, e na média do estado, o poder aquisitivo da população sofreu uma sensível queda no período. Mas em Ponta Grossa a redução da classe alta e o crescimento da participação das classes médiabaixa e baixa no total da população foram mais acentuados. Em 1983, 7,5% dos domicílios de Ponta Grossa eram considerados como pertencentes à classe alta, segundo definição do IBGE. Em 1989 essa participação caiu para 6,81% e em 1997 era de apenas 2,92%. A média dos domicílios paranaenses

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considerados como de classe alta era de 7,2% em 1983, 6,53% em 1989 e 3,95% em 1997. As médias pontagrossenses de participação de domicílios de classe alta no total da população ficaram acima das médias estaduais até o final da década de 1980. Nos anos 1990 isso se inverteu. No outro extremo das camadas sociais, as mais baixas, também é possível constatar a estagnação econômica do município nesse período. Em 1983, 34,8% dos domicílios de Ponta Grossa eram considerados de classe baixa e 8,8%, de miseráveis; a soma das duas classes representava 43,6%. Em 1989 a participação dos domicílios de classe baixa subiu para 35,61% e os de famílias miseráveis caíram para 7,82%. A soma ficou em 42,43%. Em 1997 o empobrecimento cresceu significativamente. Nesse ano o IBGE constatou 42,84% dos domicílios de Ponta Grossa como pertencentes à classe baixa e 9,46%, à miserável; no total, 52,30%, um crescimento real de mais de 12% da pobreza em oito anos e pela primeira vez os domicílios de família pobres e miseráveis passaram a ser maioria no município. Na média do estado, em 1983 o Paraná tinha 33,6% de seus domicílios considerados como sendo de famílias pobres e 8,5% de miseráveis. Em 1989 os índices subiram para 34,37% de pobres e 7,55% de miseráveis. Em 1997 as médias foram de 42,84% de domicílios pobres e 9,46% de miseráveis. Em todo o período o índice de participação dos pobres na totalidade da sociedade de Ponta Grossa foi maior que a média estadual. A diferença, porém, cresceu muito entre 1989 e 1997. A renda per capita anual e os índices de potencial de consumo (IPC) dos principais municípios paranaenses entre 1983 e 1997 também demonstram a estagnação econômica de Ponta Grossa nesses 14 anos. O período em que os prefeitos não-populistas administraram o município de Ponta Grossa coincidiu não apenas com uma estagnação econômica local, mas com uma queda nos indicadores econômicos da cidade em relação a outros municípios do estado. Em 1983, quando começou o primeiro governo nãopopulista de Ponta Grossa, a renda per capita anual do pontagrossense só perdia para a do curitibano entre os municípios pesquisados, e o índice de potencial de consumo de Ponta Grossa era o segundo maior do interior do Paraná. Em 1997 a renda per capita de Ponta Grossa passou a ser a pior entre os municípios de porte médio do Paraná e encontravase abaixo da média estadual. O IPC acompanhou a queda, ficando à frente apenas dos de Cascavel e de Foz do Iguaçu em 1997. As condições econômicas desfavoráveis e a queda da riqueza local formaram o cenário ideal para o discurso populista da mudança política e tiveram efeitos diretos na escolha dos eleitores em 1996. Assim, como visto nas explicações para as ocorrências populistas clássicas, houve uma massificação da demanda social por melhorias na economia local, pois integrantes de todas as classes vinham sofrendo as conseqüências da crise social, que terminou transformando-se em crise do discurso hegemônico a partir do momento em que as elites dirigentes demonstraram não ter condições para solucionar a crise. As perspectivas de desenvolvimento pessoal e o poder aquisitivo de todas as classes sociais restringiram-se gradativamente em Ponta Grossa entre os anos 1980 e 1990. Como os governantes estavam distantes das classes populares, as políticas públicas implementadas por eles não atendiam às novas demandas sociais. As pressões para uma

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ampliação e transformação da elite dominante cresceram até o ponto da substituição dessa elite pela liderança populista. Se o grupo político hegemônico tivesse percebido essa tendência a tempo de fazer uma aliança e ampliar a participação de setores sociais no governo, o discurso populista perderia força. O então candidato Jocelito Canto não personificou apenas uma “mudança” durante a campanha eleitoral de 1996, mas a mudança em favor do atendimento às demandas sociais reprimidas. A coincidência histórica da estagnação econômica com permanência de representantes com o mesmo perfil político no poder no mesmo período foi decisiva para o sucesso eleitoral do populismo. Durante os 13 anos de governos nãopopulistas, a administração municipal de Ponta Grossa tentou ser o mais “responsável” possível. O discurso político predominante era o da elite econômica responsável pela preservação dos bens públicos. Eram governos para o povo, comuns quando a elite política sente-se mais capacitada para decidir o que é melhor para a sociedade do que a própria sociedade. Essa postura de afastamento das bases sociais gerou distorções na implementação de políticas públicas, gerando a crise no discurso hegemônico. As lideranças tradicionais deixaram de ser consideradas a melhor opção eleitoral, produzindo um vazio político propício para o crescimento do populismo eleitoral, a partir de novos alinhamentos políticos. As políticas públicas “responsáveis” implementadas pelos governos nãopopulistas foram apresentadas em forma de discurso político nas campanhas eleitorais de 1982 a 1992 e aceitas pela maioria dos eleitores. Para poder compreender como a distorção entre discurso e prática abriu espaço ao populismo, é preciso considerar como as promessas eleitorais do grupo não-populista transformaram- se em política pública, por exemplo. Uma das constantes promessas de campanha dos governos não-populistas foi fazer investimentos em saúde pública. A demanda da população nessa área era por atendimento público em maior quantidade (número de consultas disponíveis). Nas três administrações que antecederam Canto, multiplicou-se o número de postos de saúde da Prefeitura, descentralizando o atendimento para os bairros. De Otto Cunha a Paulo Cunha as unidades de saúde em funcionamento nos bairros passaram de dez em 1983, para 62 em 1996, em um município com cerca de 263 mil habitantes no final do período. A estrutura de atendimento cresceu 500% em pouco mais de uma década8, enquanto o crescimento anual médio da população ficou abaixo de 2%, segundo dados do IBGE. Apesar dos investimentos na construção de novas unidades de saúde, a população continuou sem o atendimento médico público descentralizado que exigia porque as obras não foram acompanhadas pela contratação de novos médicos. No final do governo Paulo Cunha, o Município tinha 62 postos de saúde e apenas 30 médicos clínicos gerais, pediatras ou ginecologistas para prestar atendimento nessas unidades. Cada uma delas tinha médico, em média, duas vezes por semana, e a população dos bairros era obrigada a procurar os serviços do pronto-socorro municipal ou hospitais do centro da cidade. 8

Para entender a desproporção da decisão política em relação às demandas populares, o município de Curitiba, que na mesma época tinha 1,2 milhão de habitantes, era servido por 95 postos de saúde municipais.

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Político sensível às demandas sociais, Jocelito Canto soube explorar os desvios entre as promessas e as ações práticas dos governos não-populistas. Criticou as filas no pronto-socorro, a falta de médicos nas unidades de saúde dos bairros e a desatenção das administrações municipais com as classes sociais carentes. Em seu programa de rádio, ele apresentava com freqüência casos de pessoas que precisavam do serviço público de saúde e que não conseguiam ser atendidas no pronto-socorro. Relatos de crianças que passavam a madrugada em salas de espera dos hospitais também eram comuns. Durante a campanha eleitoral de 1996, uma das principais promessas de Canto foi a inauguração de quatro postos de saúde, um em cada região da cidade, com atendimento médico 24 horas por dia. Assim, a população não se deslocaria mais para o centro da cidade quando precisasse de atendimento a qualquer hora do dia9. Esse exemplo mostra como um governo “responsável”, mas sem bases populares sólidas, pode equivocar-se na implementação de políticas públicas e abrir espaço para o surgimento de uma oposição com força eleitoral suficiente para chegar ao poder. O programa de rádio Garagem da esperança serviu como instrumento para identificação do radialista com o discurso populista. O que criou espaço para o crescimento da aceitação desse discurso foi o baixo índice de responsividade das administrações nãopopulistas. Se a implementação das políticas públicas desse período, principalmente no último mandato, tivessem considerado as novas demandas da sociedade10, seria mais difícil o convencimento do eleitor pelo discurso da mudança, mesmo que ele fosse transmitido via ondas hertzianas. Sucessivos fracassos na implementação de políticas públicas pelos governos não-populistas abriram espaço para que a oposição política populista crescesse. Governos “responsáveis” não fazem questão de relacionar-se de maneira constante com diferentes organizações sociais, estando por isso mais sujeitos ao acúmulo de pequenos déficits na implementação das políticas públicas (HAM & HILL, 1993, p. 94). Lembrando trabalhos de outros autores, Ham e Hill introduzem no debate sobre implementação de políticas públicas o conceito de “déficit”, segundo o qual, quando a cooperação entre as organizações envolvidas na implementação das políticas públicas é menor que a perfeita, passa a existir um déficit cumulativo. No caso dos governos nãopopulistas de Ponta Grossa, esse déficit começou a acumular-se quando as políticas implementadas, fruto das promessas de campanha, deixaram de cumprir o papel desejado pelo conjunto da sociedade. Associa-se a isso o conceito de sistema top-down11 de implementação das políticas públicas, segundo o qual as ações dos indivíduos ou grupos públicos são dirigidas a objetivos previamente estabelecidos mediante decisões políticas, sem que para tanto seja necessário ouvir as bases sociais (a população que será afetada pelas decisões). 9

Essa promessa não foi cumprida no início do mandato de Canto, como prometido. O Secretário Municipal de Saúde chegou à conclusão de que seria muito caro manter médicos de plantão em quatro unidades de saúde 24 horas para um baixo número de atendimentos durante a madrugada. 10 Como mais médicos nos bairros da periferia, por exemplo. 11 “De cima para baixo” (N. R.).

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Pode-se afirmar que em um sistema democrático, com eleição periódica de tomadores de decisões políticas, a realimentação das entradas é um dos pontos fundamentais para a manutenção de um grupo político no centro da tomada de decisões. A responsabilidade por essa realimentação é dos grupos de pressão da sociedade que têm acesso direto à elite política – que toma decisões. Os grupos de pressão estão livres da estrutura burocrática e “disponíveis” para receber as demandas do ambiente e introduzilas na caixa de tomada de decisões. Se por qualquer motivo essa realimentação for distorcida ou começar a falhar, as decisões e ações da elite política dissociam-se das expectativas do conjunto da sociedade. É quando começa a decadência de uma elite política e sua substituição por outro grupo. A falta de conexão entre as ações públicas e as demandas da sociedade foi responsável pela substituição dos governos não-populistas em Ponta Grossa em uma típica eleição de realinhamento crítico. Na prática, o distanciamento da elite política não-populista que governou a prefeitura de Ponta Grossa pode ser percebida em ações de alguns grupos de pressão. As duas principais instituições que deram sustentação aos governos não-populistas no início do período foram a Sociedade Rural dos Campos Gerais (SRCG) e a Associação Comercial e Industrial de Ponta Grossa (ACIPG). Outras instituições também faziam a intermediação entre a elite política eleita e os interesses da sociedade, mas essas duas, por serem as maiores, tinham direito de indicar secretários municipais e de participar de decisões importantes do poder público. Por tradição dos prefeitos daquele período, o Secretário Municipal de Indústria e Comércio era indicado pela ACIPG e o Secretário Municipal de Agricultura era indicado pela SRCG. Antes da existência de secretarias específicas, as associações classistas indicavam os diretores de departamentos ligados aos setores de indústria, de comércio e de agricultura. Boa parte das demandas dos grupos sociais representados por estas instituições chegavam ao centro de tomada de decisões públicas por intermédio de “seus” secretários. A manutenção dos secretários “classistas” garantia as “entradas” no sistema político com poucas distorções e que a implementação de políticas públicas atenderia as demandas desses grupos. A sucessão de governos fez com que a elite política não-populista se sentisse cada vez mais auto-suficiente, e os selecionados para os postos de tomada de decisões passaram a desconsiderar as pressões externas. O caso mais aparente é o da SRCG no último mandato do período não-populista. A direção dessa entidade, que representa a classe dos pecuaristas locais, apoiou a eleição dos três prefeitos não-populistas. Afinal de contas, todos eles tinham ligações diretas ou indiretas com o setor agropecuário. Durante o primeiro mandato, a SRCG dividiu o centro das decisões políticas com a ACIPG. Ambas conseguiam interferir na tomada das principais decisões políticas e relacionavam a elite política com a sociedade, pois juntas representam a maior parte da população economicamente ativa do município. No segundo governo, como Wosgrau Filho era principalmente um empresário urbano (construção civil e incorporação de imóveis), a Associação Comercial ganhou espaço como grupo de pressão da classe política. O centro do poder foi distanciando-se gradativamente da Sociedade Rural. Isso pode ser percebido na composição dos conselhos municipais. A partir dos anos 1990 os estatutos dessas entidades normalmente passaram a prever a indicação de

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um representante da Associação Comercial e raramente um da Sociedade Rural. Foi no terceiro governo do período que o afunilamento da elite política ficou mais nítido. A Sociedade Rural passou de grupo de pressão distante para quase opositora à administração. O Prefeito Paulo Cunha Nascimento manteve durante todo o seu mandato o Secretário de Agricultura e Pecuária, Cristiano Justus Neto. Como não era indicação da Sociedade Rural, o Secretário não priorizava o atendimento às demandas do grupo de pressão. Achava que a Secretaria deveria dar apoio à pequena e média propriedade, por ser menos organizada e com menor representação no poder público. As discordâncias cresceram a tal ponto que o Secretário, sendo pecuarista e proprietário de uma pista de remates, marcava os leilões gerais em sua propriedade para os mesmos finais de semana em que ocorreriam os eventos da Sociedade Rural. Como o Prefeito manteve o Secretário no cargo, a conclusão é a de que a opção de Paulo Cunha foi pelo afastamento do grupo de pressão em favor da manutenção do Secretário. Só no final de seu mandato, em junho de 1996, o Prefeito anunciou à direção da Sociedade Rural que faria um empréstimo municipal para a construção do Parque Agropecuário de Ponta Grossa, obra que não chegou a concluir em seu mandato12. O relacionamento tumultuado entre a elite política e o grupo de pressão de um setor tradicional como o da atividade pecuária é apenas um exemplo e mostra o processo pelo qual os governos não-populistas foram perdendo espaço na sociedade. O mesmo aconteceu com outros integrantes da classe política, que se foram afastando do centro do poder a cada processo de renovação interna. Sem uma diversidade de grupos de pressão, as decisões passaram a ser tomadas em favor de um grupo cada vez mais restrito. Assim, as demandas populares começaram a chegar truncadas ao centro do poder até o momento em que, sem intermediadores com a sociedade, a elite política não-populista tornou-se insustentável como representante popular. No final de seu mandato, Paulo Cunha Nascimento não tinha mais do que poucos aliados políticos. Na última metade do mandato, teve dificuldades até para nomear um líder do governo na Câmara Municipal. Além dos crescentes ataques da oposição, que se aproveitava da imagem da administração junto à opinião pública, tinha que mediar disputas internas por fatias do poder. As dissidências na classe política foram fortalecendo a oposição, que se aproveitou da ascensão de uma nova liderança popular, sem vínculos com a classe dirigente e, portanto, identificada como legítima representante do povo, para voltar ao poder. A campanha eleitoral de 1996 mostra que Jocelito Canto não entrou na disputa apenas com a ajuda da massa. Ele foi a “cabeça” de um corpo de dissidentes da classe política que se formou durante os 13 anos de seleção interna da elite política não-populista de Ponta Grossa. Canto foi a opção que os agropecuaristas encontraram para retornar ao centro do poder – tanto que os secretários de Agricultura do governo de Canto foram indicados pela 12

O município perdera seu parque agropecuário no final do governo Otto Cunha e passou mais de dez anos sem um local apropriado para realizar feiras e exposições do setor rural, o que também demonstra o afastamento do grupo de pressão pecuarista do centro das decisões políticas locais.

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SRCG e a nomeação do Secretário de Indústria e Comércio “apenas” recebeu o apoio da ACIPG. A candidatura de Jocelito Canto à Prefeitura em 1996 também foi o resultado de um realinhamento da classe política local e não apenas do realinhamento dos critérios de escolha dos eleitores.

V. COMENTÁRIOS FINAIS A eleição de Jocelito Canto foi, em grande medida, uma conseqüência da incapacidade da elite política tradicional de Ponta Grossa de identificar a sua própria decadência como representante pública e a possibilidade cada vez maior de um realinhamento eleitoral. Se a vitória da oposição em 1996 deveu-se ao esgotamento do grupo político até então hegemônico e de suas práticas administrativas, então por que o escolhido como substituto não foi o candidato do PT? O partido vinha disputando as eleições municipais desde 1982. Tinha ficado em terceiro lugar nas eleições de 1988 e 1992 para Prefeito, com 19,4% dos votos válidos. Possuía desde 1989 uma vaga na Câmara de Vereadores. Tinha um representante local na Câmara dos Deputados, o Deputado Federal Padre Roque (eleito em 1994), e um na Assembléia Legislativa, o Deputado Estadual Péricles de Holleben Melo (também eleito em 1994), ambos com experiências eleitorais anteriores e bases políticas organizadas no sindicalismo e movimentos sociais, principalmente nas diretorias de associações de moradores de bairros. O PT não seria o substituto natural dos governos municipais anteriores a 1996? Não. Caso não tivesse surgido Jocelito Canto, provavelmente uma parte da dissidência do grupo hegemônico apoiaria a candidatura petista – como aconteceu em 1996 – e aumentaria suas chances de vitória eleitoral. Mas a existência de uma alternativa, aliada a fatores históricos tradicionais, fez com que a preferência dos eleitores recaísse no candidato populista e não no do PT. Até 1996 o PT de Ponta Grossa tinha dificuldades em fazer alianças eleitorais. Os dirigentes do partido defendiam a tentativa de vencer uma eleição sem coligações políticas. Por isso, nas eleições municipais daquele ano, o PT coligou-se com PCB, PCdoB, PSB, PSTU e PV. Nenhum desses partidos nanicos apresentava bases sociais organizadas e consistentes no município, do ponto de vista eleitoral. A coligação teve dificuldades até para completar a chapa de 24 candidatos a Vereador. O PT lançou-se à campanha eleitoral praticamente sozinho. As bases sociais do PT em Ponta Grossa não cresceram na proporção necessária para garantir uma vitória eleitoral para Prefeito em 1996. O município viveu quase duas décadas de estagnação econômica, o que impediu o crescimento da organização dos trabalhadores por meio dos sindicatos. O sindicalismo é o principal braço de intermediação do PT junto aos eleitores e, onde ele não está bem enraizado nas classes trabalhadoras, os candidatos do partido têm dificuldade em apresentar suas propostas. Existe ainda a limitação política de uma candidatura do PT nas classes sociais mais baixas de uma cidade conservadora, aquelas que sofreram diretamente os efeitos negativos de um período de administrações pouco sensíveis às demandas sociais. Em

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todo o período de governos não-populistas o PT e suas principais lideranças fizeram parte do cenário político. Péricles Mello foi candidato a Prefeito em 1982 e foi eleito Vereador em 1988. De uma forma ou de outra as lideranças petistas estavam inseridas naquele período político, mesmo tentando identificar-se como oposição. O fato é que durante os governos não-populistas, o Partido dos Trabalhadores estava presente no cenário, representado principalmente pelo candidato a Prefeito Péricles de Holleben Mello, e não conseguiu fazer com que as demandas sociais fossem atendidas. Logo, o eleitorado de baixa renda não tinha motivos para acreditar que uma Prefeitura administrada pelo PT resolveria os problemas emergenciais da comunidade, não identificados pelas elites hegemônicas. O único candidato realmente novo no cenário e que se mostrava capaz de resolver os principais problemas das classes baixas sem parecer artificial foi Jocelito Canto. Por isso a opção do eleitorado recaiu sobre ele e não sobre o PT naquela eleição. Essa identificação do PT com a crise local tem maior poder explicativo do que o possível medo que os eleitores de uma sociedade conservadora sentiriam em relação ao candidato do Partido dos Trabalhadores. Isso porque em 1996 Péricles de Mello foi o segundo colocado na disputa, com 31,9% dos votos válidos, ou seja, quase um terço do eleitorado. Quatro anos depois, em 2000, Péricles de Mello conseguiu eleger-se Prefeito de Ponta Grossa como candidato do PT que fez alianças com o empresariado local13. Os resultados das eleições de 1996 mostram um avanço significativo na aceitação das propostas do PT em Ponta Grossa – tanto que, em 2000, o partido conseguiu chegar à Prefeitura da cidade. Mas, antes disso, a crise do discurso hegemônico e o surgimento de um outsider da política permitiram o sucesso eleitoral do populismo na política local. Essas condições sociais, aliadas à difusão do discurso do realinhamento radical, foram o que promoveram Jocelito Canto a candidato viável para a Prefeitura da cidade. Em 2000, a situação mudara. O PT estava desfrutando das conseqüências positivas do crescimento eleitoral de 1996, enquanto Jocelito Canto sofria o desgaste da não-solução dos problemas socioeconômicos pela administração municipal. O resultado foi a vitória eleitoral de Péricles Mello em 2000. Porém a administração local do PT não foi bem-sucedida. O 13 Apesar de o Partido dos Trabalhadores apresentar todas as limitações já citadas, que impediram sua vitória eleitoral em 1996, é preciso ressaltar que do ponto de vista político foi o partido que mais avançou nas eleições de 1996 em Ponta Grossa, dando maiores possibilidades para a vitória em 2000. Pela primeira vez seu candidato a Prefeito deixou a terceira posição para passar ao segundo lugar sem fazer alianças e concessões a outros partidos políticos com representatividade. Péricles Mello ficou 12 mil votos à frente de Plauto Miró Guimarães Filho – representante da elite política tradicional. A bancada do PT na Câmara Municipal triplicou, subindo de uma para três cadeiras de um total de 21. Ficou acima da bancada do PSDB, partido do Prefeito eleito, que conseguiu preencher apenas duas vagas. O PT igualou seu número de vereadores ao do PMDB, partido mais organizado e com maior número de filiados no município, e ao do PFL em 1996. Naquelas eleições o partido contou com o apoio de parte da elite econômica e de setores dos profissionais liberais – principalmente médicos – que não conseguia sensibilizar em campanhas eleitorais. Essa aproximação de integrantes de camadas sociais superiores ao PT de Ponta Grossa é um indicativo do realinhamento político na cidade. Além disso, profissionais liberais apresentam, normalmente, maiores resistências à aceitação do discurso populista de solução fácil para todos os problemas sociais.

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Prefeito sofreu muitos desgastes durante a sua gestão, em especial com os grupos políticos que tradicionalmente davam sustentação ao PT na cidade. Em 2004 o então Prefeito não conseguiu reeleger-se. O resultado mostrou um novo realinhamento eleitoral, porém, dessa vez, na direção do perfil dos tradicionais líderes políticos locais, com a eleição – quase no primeiro turno – do então ex-Prefeito de Ponta Grossa, Pedro Wosgrau Filho, um representante da elite tradicional governante da cidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BURNHAM, W. D. Critical Elections. New York: W.W. Norton, 1970. HAM, C. & HILL, M. The Policy Process in the Modern Capitalist State. 2nd. ed. London: Harvester Wheatsheaf, 1993. IBGE. Pesquisa Nacional por amostragem domiciliar. Ponta Grossa: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1996. IPARDES. Perfil econômico dos municípios do Paraná. Curitiba: Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, 1998. KEY, V. O. A Theory of Critical Elections. Journal of Politics, n. 17, p. 3-18, 1955.

OUTRAS FONTES JORNAL DA MANHÃ. Pesquisas de desempenho administrativo. Ponta Grossa, 1995. TRE-PR. Base de dados primários da Seção de Divulgação de Resultados. Curitiba: Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, s/d.

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CAPÍTULO SEIS

CLIENTELISMO ELEITORAL E CORONELISMO POLÍTICO ESTUDO DE UM PEQUENO MUNICÍPIO PARANAENSE Alessandro Cavassin Alves

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6. CLIENTELISMO ELEITORAL E CORONELISMO POLÍTICO: Estudo de um pequeno município paranaense1

I. INTRODUÇÃO Este estudo refere-se ao processo político-eleitoral no pequeno município de Itaperuçu, no Paraná, no período de 1992 a 2002. Ao observarmos a prática corrente da política local, procuramos entender o seu funcionamento e o seu significado. Revisando a literatura sobre a política em pequenos municípios, destacamos desde o início o clássico estudo de Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto – O município e o regime representativo no Brasil, publicado pela primeira vez em 1949. Nesse estudo, Leal busca entender o funcionamento da política no interior do Brasil, na época da República Velha brasileira (1889-1930). Aí se encontra a definição mais clássica do fenômeno do “coronelismo”, atrelado a uma estrutura agrária latifundiária. A leitura desse ensaio e, posteriormente, as observações e análises de dados levantados na cidade de Itaperuçu apresentaram semelhanças interessantes. Como poderia uma antiga forma de dominação política persistir até os dias de hoje? Ao aprofundar a literatura sobre o assunto, deparamo-nos com a variação do uso e do sentido do conceito de “coronelismo” ao longo da história brasileira. Muitos autores consideram extinto tal fenômeno2, enquanto outros buscam associá-lo às modernas estruturas de dominação no Brasil3. Sabemos que o clientelismo é uma estrutura que atravessa a história brasileira (NUNES, 1999); portanto, é tão antiga quanto o “coronelismo”, ou mais. Porém, são práticas políticas distintas: a primeira refere-se ao poder de mando de um chefe político em uma determinada localidade e sua barganha com o governo estadual e federal; a segunda é uma estrutura que envolve um tipo de relação entre atores políticos que trocam benefícios por apoio político e votos (CARVALHO, 1997). 1

Este capítulo é uma síntese de minha monografia de graduação em Ciências Sociais, defendida no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná no início de 2003 sob a orientação do Professor Adriano Nervo Codato. Gostaria de agradecer os comentários da banca examinadora, composta pelos professores Sérgio Soares Braga e Christine de Alencar Chaves. 2 O ocaso do “coronelismo” é sustentado por Vilaça e Albuquerque (1978), Pang (1978), Dantas (1987), Carvalho (1997), Saes (1998) e Farias (2000). 3 Representantes da possível identificação do “coronelismo” com a política atual seriam Janotti (1981) e Queiroz (1997).

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A pergunta refaz-se: como podem estruturas tidas como arcaicas persistir no funcionamento de nossa democracia? Neste capítulo, buscamos comparar as características políticas dos pequenos municípios dominados por coronéis, como descritos por Leal (1997), com as observações e análises realizadas no município de Itaperuçu (1992-2002). Assim, traçamos um pequeno histórico deste último, destacando seus personagens e grupos políticos, bem como suas interações e recursos para manterem-se no poder. Procuramos entender ainda a variação do conceito do “coronelismo” na literatura política brasileira. Para isso analisamos dois autores em particular, Maria Isaura Pereira de Queiroz (1997) e Décio Saes (1998), tomando cuidado especial na sua definição e em sua possível aplicação à realidade atual. Procuramos também distinguir “coronelismo” de “clientelismo”. Da mesma forma, estabelecemos a rede de compromissos que se forma entre o poder local e os poderes estadual e federal. Adiantamos que esse compromisso dá-se por meio da “transferência de votos” por parte dos políticos locais para os políticos “graúdos” e do apoio que estes oferecem aos chefes políticos locais. Aqui, é importante frisar, como Marcos Otávio Bezerra (1999, p. 17), que, ao estudar esse compromisso entre parlamentares estaduais e federais com políticos locais, é fundamental analisar a dimensão sociológica dessas trocas, isto é, examinar “as mediações necessárias para que os benefícios sejam concedidos e os votos obtidos”. Na República Velha brasileira, esse era o “compromisso coronelista”. Propomos, por fim, repensar o fim do “coronelismo”, pois consideramos ser importante testar evidências políticas “arcaicas” que ainda persistem em municípios brasileiros apesar da consolidação da democracia representativa, da urbanização, da expansão do trabalho assalariado, do voto livre etc. Talvez o “coronel”, latifundiário précapitalista, que controla trabalhadores dependentes em suas terras, não exista mais. O que observamos, e isso será melhor argumentado posteriormente, é que as características contidas nesse sistema coronelista continuam a existir, isto é: os currais eleitorais, a fidelidade ao “coronel” em época de eleição e a vinculação das escolhas eleitorais nos vários níveis da eleição (estadual e federal); o “coronel” que apóia os candidatos governistas nos níveis estadual e federal continua dando-lhes votos em troca de recursos; permanece o medo das pessoas em “desrespeitar o chefe”; o “coronel” ainda é visto como o único que pode trazer recursos ao município; mantêm-se prefeituras pouco técnicas, com o empreguismo e favoritismo, contra o concurso público e a burocracia etc. (LEAL, 1997, cap. 1). Olavo Brasil de Lima Júnior afirmou, com propriedade, que “os estudos abandonaram, mais recentemente, o município como unidade analítica” e que “[...] não se sabe ao certo quão longe estamos dos ‘coronéis, das enxadas e dos votos’” (LIMA JR. 1999, p. 38). Daí a relevância do tema, pois há poucos estudos sobre o processo político nos pequenos municípios, bem como a descrição de como esses microssistemas políticos funcionam de fato.

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Tendo como objetivo identificar as relações de poder em nível local, as hipóteses de trabalho recaem sobre a sobrevivência de estruturas tidas como “arcaicas” na política brasileira. A pesquisa empírica contou com os dados eleitorais coletados no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR), com as informações obtidas nas prefeituras e nas câmaras de Vereadores de Itaperuçu e de Rio Branco do Sul, em jornais locais e em entrevistas com eleitores no período de janeiro a outubro de 2002, além da bibliografia voltada ao tema. O trabalho, em princípio, parte do seguinte esquema de análise: Esquema de análise 1

Relações políticas do clientelismo e do coronelismo Eleitores fiéis

Relaçlão de Prefeito ou chefe Relaçlão de político local ”clientelismo” ”coronelismo”

Governo estadual federal e parlamentares

Fonte: o autor.

A relação de clientelismo faz com que muitos eleitores tornem-se fiéis aos chefes políticos municipais. Essa fidelidade faz do líder político local um chefe supremo do município. Por sua vez, esses líderes locais conseguem vincular essa lealdade às suas opções políticas estaduais e federais, transferindo, assim, uma porcentagem significativa de votos a esses políticos. Esse é um esquema de poder local que lembra a relação de “coronelismo” da República Velha brasileira. Este trabalho não procura fazer grandes generalizações, afirmando por exemplo que todo o eleitorado desse município está envolvido em uma relação de clientelismo ou coronelismo. Porém, com a análise dos resultados eleitorais e de entrevistas, pudemos constatar que tais relações possuem um peso muito grande e que devem ser levadas em conta ao estudar-se o seu comportamento político.

II. CLIENTELISMO ELEITORAL E CORONELISMO POLÍTICO II.1. Coronelismo, enxada e voto Victor Nunes Leal descreve o “coronelismo” da seguinte forma: “O ‘coronelismo’ é sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terra. Não é possível, pois, compreender o fenômeno sem referência à nossa estrutura agrária, que fornece a base de sustentação das manifestações de poder privado ainda tão visíveis no interior do Brasil” (LEAL, 1997, p. 40). As idéias destacadas desse conceito são que o “coronelismo” é um compromisso entre chefes políticos locais, os coronéis, e o poder público (estadual e federal). O

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coronel, como senhor de terras, pertence a uma estrutura agrária latifundiária e, em uma base de “troca de proveitos” com o governo, mantém sua base de dominação nas pequenas localidades com “manifestações de poder privado”, sustentando com votos, por sua vez, o governismo. Leal descreve, a partir desse conceito, os principais traços da vida política dos municípios do interior e como se dá a liderança do coronel como chefe político local. Algumas dessas características assemelham-se às existentes nos pequenos municípios atuais. Por exemplo: a liderança indiscutível do coronel no âmbito local, “que comanda discricionariamente um lote considerável de votos de cabresto” (idem, p. 42; grifos no original). É inegável que nos pequenos municípios existem lideranças políticas que conseguem mobilizar um grande número de votos para determinados candidatos por eles apoiados. Isso se dá porque, segundo Leal, o coronel exerce ampla jurisdição sobre seus dependentes, podendo ajudar a “todos” na hora do “aperto” (emprestar dinheiro, doar cesta básica, arrumar remédio, fornecer consulta médica, ambulância, advogado etc.). Outra característica apontada por Leal é que, pelo chefe político local, vem o “progresso” para o município. As poucas melhorias do lugar (a escola, a estrada, o correio etc.), “tudo exige seu esforço, às vezes um penoso esforço que chega ao heroísmo [...]. É com elas que, em grande parte, o chefe municipal constrói ou conserva sua posição de liderança” (idem, p. 58). Outras características descritas pelo autor e que se revelam atuais são a concessão de favores pessoais de toda ordem por parte desses chefes políticos, o paternalismo, o filhotismo (empreguismo) e “negar pão e água ao adversário” (idem, p.60). Os “inimigos” políticos são discriminados em todo o período da gestão de seu opositor, negando melhorias em suas ruas, transferindo ou demitindo funcionários de “grupos contrários” etc. Enfim, características encontradas em muitos municípios atuais – em especial, neste estudo em Itaperuçu. Porém, o conceito de coronelismo passou por várias interpretações (Dantas, 1987; Janotti, 1981; Pang, 1987; etc.). A mais importante delas é a de Maria Isaura Pereira de Queiroz (1997), que associa o coronel à sua capacidade de barganha eleitoral: “a exigência de um coronel para que seus apaniguados votem em determinado candidato – imposição muitas vezes sem apelo – tem como contrapartida o dever moral que o coronel assume de auxiliar e defender quem lhe deu o voto” (idem, p. 163). A barganha eleitoral é parte integrante das práticas de mando do coronel. O voto é um “bem de troca” para a autora. Queiroz fundamenta ainda a estrutura coronelística na posse de bens de fortuna, isto é, não é necessariamente a terra que faz um coronel, mas principalmente sua riqueza, que poderá favorecer e “granjear clientela”. Diferentemente, a interpretação de Décio Saes define o coronelismo apartir de duas dimensões:“De um lado, a base infra-estrutural (dimensão econômica): o proprietário de terras tem um poder econômico sobre o trabalhador a quem cede a posse da terra. De outro lado, o traço superestrutural que lhe corresponde (dimensão ideológica): a dependência pessoal, cujo fundamento é a cessão da posse da terra, exprime-se ideologicamente como obrigação subjetiva de lealdade para com o senhor da terra, ou, num nível mais diretamente político, como fidelidade ao chefe local” (SAES, 1998, p. 85;

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sem grifos no original). Duas características importantes dessa definição: a dimensão econômica, da propriedade da terra, e a dimensão ideológica, a dependência e a fidelidade dos trabalhadores da terra ao coronel. A manipulação eleitoral que detém o coronel provém de sua base social que são as relações de dominação e dependência pessoal, devido a laços fundados na propriedade da terra, em uma base pré-capitalista em que o voto ainda não é objeto comercial, e não da barganha eleitoral, como afirmava Maria Isaura Pereira de Queiroz. Para Saes, no coronelismo não se compra o voto, ele é cedido ao coronel graças à situação de fidelidade em que se encontra inserido o “eleitor”. Diante dessas duas interpretações sobre o coronelismo, nossa posição é a de que a base social do coronel fundamenta-se muito mais na relação de dominação que gera dependência pessoal (SAES, 1998) do que na barganha eleitoral (QUEIROZ, 1997). Quando a barganha é utilizada, isso significa principalmente a desestruturação do “coronelismo”. Isso tudo em um sistema rural, latifundiário – que é a base econômica do “coronelismo”. A interpretação de Saes, nesse sentido, parece ser bem mais coerente devido a inúmeros outros estudos que demonstram a maior importância da dominação como característica própria do coronelismo do que da barganha. Seria, então, o fim do coronelismo? II.2. Fim do coronelismo? Para discutir o fim do fenômeno do coronelismo, destacamos, entre muitos autores, o artigo de Francisco Farias (2000), que chega à conclusão de que o coronelismo, como sistema político, não existe mais. Há sim a ascensão do clientelismo como prática política dominante. Farias ressaltava os aspectos dessa mudança política e as “razões da ascensão do clientelismo” e da queda do coronelismo. Isso se deu principalmente devido às seguintes razões: a transformação da estrutura agrária regional; a substituição da grande propriedade agrária pré-capitalista (absorvedora de um enorme contingente de trabalhadores dependentes do dono da terra) pelas formas de propriedade capitalista, mais moderna, com menos trabalhadores; a modernização dos latifúndios; os projetos governamentais de apoio à pequena produção, como a agricultura familiar, projetos de empréstimo de dinheiro a pequenos agricultores diretamente do governo federal e não por intermédio de um “coronel”; a urbanização em contraposição ao espaço rural (característico do coronelismo); a liberdade do mercado de trabalho (em oposição à sujeição pré-capitalista do campo); as políticas comunitárias e clientelismo estatal, definido como “a modalidade de clientelismo na qual os ‘políticos de profissão’ distribuem recursos ‘públicos’ e favores ligados às instituições governamentais, em troca de sustento eleitoral” (Caciagli apud FARIAS, 2000, p. 59). “Políticos de profissão” destinam recursos diretamente a comunidades e líderes comunitários em troca do voto e não mais a “coronéis”. Para compreender melhor seus argumentos, elaboramos um quadro-síntese de como se dá essa transição do “coronelismo” para o clientelismo, em que as características da primeira coluna não mais subsistem nas práticas político-eleitorais de uma subregião do Piauí, local em que Farias fez seu estudo:

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Quadro 1

Características do coronelismo e clientelismo CORONELISMO

CLIENTELISMO

Voto de cabresto: votar no “coronel” e nos Voto livre: os eleitores podem desvincular o candidatos apoiados por ele. voto no candidato a Prefeito das opções partidárias desse candidato em outros níveis Há aqui uma fidelidade ao coronel que implica a da eleição. Este voto se traduz, na maioria vinculação das escolhas nos vários níveis da dos casos, no voto de barganha, que assume eleição. uma forma sofisticada por meio do associativismo (associações locais dominadas por cabos eleitorais). Currais eleitorais. Caráter não concorrencial nas eleições. Predomínio da opção eleitoral do coronel.

Multiplicidade de Partidos. Pluralismo concorrencial, exigindo recursos financeiros dos Partidos e candidatos no convencimento dos eleitores.

Local de votação: zona urbana. Trabalhadores Local de votação: vários locais. Maior ação de (eleitores) dependiam da condução, da roupa, cabos eleitorais. Locais de votação espalhados da alimentação oferecida pelos coronéis nos por todas as localidades do Brasil. dias de eleição. As eleições como festas. E ainda havia o ‘bico de pena’ = fraudes eleitorais. Políticas Sociais. Municípios pobres e dependentes. O coronel trazia recursos e fazia obras. Uma associação entre os feitos públicos como obras do coronel. Prefeituras pouco técnicas. Os empregos eram indicados pelo coronel (filhotismo). Favoritismo. Recursos estatais eram propriedades da facção governante, dos coronéis.

Constituição de 1988. Municípios mais autônomos, mais ricos. A Prefeitura realiza as obras para garantir o apoio de seus eleitores. Prefeituras mais técnicas. Concurso público; obras feitas pela administração da Prefeitura. Crescimento dos partidos de esquerda. Cabos eleitorais identificados com a política comunitária. A esquerda fiscalizando as obras da Prefeitura.

Fonte: Farias (2000, passim) elaboração do autor.

Procuramos ilustrar o enfoque sobre o clientelismo com o estudo das práticas político-eleitorais em uma sub-região do Piauí, cujo processo de mudança política é representativo do que vem ocorrendo em grande parte do Nordeste rural brasileiro. Chegamos à conclusão básica de que, na área pesquisada, impôs-se, na década de 1990, a desagregação do coronelismo (voto de cabresto, confusão entre as esferas pública e privada) e a sua substituição pelo

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clientelismo (voto de barganha, distinção normativa entre o público e o privado) (idem, p. 53; grifos no original). Tornam-se claros, para o autor, os aspectos da mudança política com o fim do “coronelismo” e a ascensão do clientelismo. Porém nas considerações finais desse capítulo iremos discordar de alguns pontos sobre o “fim do coronelismo” proposto por Farias. II.3. O estudo do clientelismo Este capítulo também busca entender o conceito de “clientelismo”. Edson Nunes identifica este tipo de fenômeno político como uma estrutura que atravessa a história brasileira: O clientelismo é um sistema de controle do fluxo de recursos materiais e de intermediações de interesses, no qual não há número fixo ou organizado de unidades constitutivas. As unidades constitutivas do clientelismo são agrupamentos, pirâmides ou redes baseados em relações pessoais que repousam em troca generalizada. As unidades clientelistas disputam freqüentemente o controle do fluxo de recursos dentro de um determinado território. A participação em redes clientelistas não está codificada em nenhum tipo de regulamento formal; os arranjos hierárquicos no interior das redes estão baseados em consentimento individual e não gozam de respaldo jurídico. Ao contrário do corporativismo, que é baseado em códigos formais legalizados e semi-universais, o clientelismo se baseia numa gramática de relações entre indivíduos, que é informal, não legalmente compulsória e não-legalizada (NUNES, 1999, p. 40-41). A definição acima remete a um sistema de controle assimétrico, com redes clientelistas informais, sem regulamento, em que a amizade, as relações pessoais, o “jeitinho” são elementos importantes que as compõem. Marcos Otávio Bezerra (1999, p. 16) destaca que os estudos sobre patronagem e clientelismo distribuem-se em duas linhas de interpretação: 1) para as teorias modernizantes, essas relações são interpretadas como “tradicionais” e em vias de desaparecer com o surgimento de instituições políticas “modernas”; 2) num outro registro, são consideradas relações de complemento, adendum, que aparecem para cobrir lacunas (gaps) e falhas dessas instituições políticas e que também tendem a desaparecer. O autor, porém, analisa da seguinte forma esses conceitos: “A consideração da patronagem e do clientelismo como relações dotadas de uma certa autonomia e racionalidade é um passo importante para a análise aqui desenvolvida, uma vez que abre a possibilidade para se pensar nas trocas de serviços, favores, apoios, votos e lealdades entre parlamentares, lideranças políticas locais e autoridades governamentais não como sobrevivência de relações pretéritas ou mecanismos que cobrem certas falhas, mas como relações constitutivas do universo político” (ibidem). Citando novamente o autor:

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Como sugerido acima, estas análises têm dado destaque à idéia de que o clientelismo implica troca de benefícios públicos por apoio político e votos. Se o cálculo político-eleitoral é um dos elementos desta relação, ele, entretanto, não é o único presente. O fato da troca de benefícios e apoio (ou votos) constituir um momento de uma relação mais ampla entre os atores envolvidos ou instituir obrigações morais entre eles não são aspectos considerados. De modo geral, o que parece evidente é que predomina uma perspectiva, reducionista a meu ver, que tende a mercantilizar estas trocas. Elas são tratadas de modo mecânico, utilitarista e tornam-se uma espécie de toma-lá-da-cá. Desse modo, predomina a fórmula: benefícios públicos são retribuídos com votos. Neste caso, a dimensão propriamente sociológica dessas trocas é deixada de lado. Assim, as mediações necessárias para que os benefícios sejam concedidos e os votos obtidos não chegam a ser examinados. Entre outros aspectos, não é levado em conta o intervalo de tempo que existe entre a concessão dos favores ou benefício público e os votos, por conseguinte, as práticas – como as que são responsáveis pela demonstração de interesse na continuidade da relação (correspondências, pequenos favores, visitas etc.) – que se interpõem entre estes atos. Some-se a isso o fato de que ao se dar ênfase à troca de benefícios públicos por apoio e voto, ignora-se que a mesma ocorre num contexto complexo onde estão em jogo a busca de prestígio, poder e o cumprimento de obrigações formais e morais (idem, p. 16-17; sem grifos no original). Ao estudar as práticas políticas em Itaperuçu, procuramos, assim como Bezerra alerta, salientar que é necessário não reduzir o clientelismo a simplesmente “benefícios públicos em troca de votos”, mas observar as mediações entre os políticos e os seus eleitores e entre políticos locais e os políticos estaduais ou federais, que implicam a mercantilização das relações políticas. São relações amplas entre os atores envolvidos que geram obrigações morais em que o voto é apenas uma conseqüência. Como afirma o autor, são as relações clientelistas mantidas por políticos, ao longo de toda sua carreira, que fazem instituir essas obrigações morais no eleitor para com esse chefe político, da mesma forma que na República Velha o eleitor votava no candidato do “coronel” porque vivia em suas terras, “devia-lhe a vida”. Hoje também, apesar da liberdade do voto, o chefe político local cria junto aos eleitores laços de dependência pessoal que devem ser analisados. Por exemplo, em Itaperuçu pudemos constatar, por meio de entrevistas e conversas informais, essa “relação clientelista” de eleitores com determinados políticos, evidenciando uma conexão mais ampla do que a simples troca de benefícios entre eles. Havia, o que Bezerra destaca, a obrigação moral do eleitor para com o político, constituída por mediações diversas. De posse desses dois conceitos clássicos da literatura política – clientelismo e coronelismo –, passamos a analisar os grupos políticos em Itaperuçu.

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III. O MUNICÍPIO DE ITAPERUÇU Itaperuçu foi emancipado politicamente pela Lei Estadual nº 9.437, de 9 de novembro de 1990, assinada pelo Presidente da Assembléia Legislativa Aníbal Khury e publicada no Diário Oficial do Estado do Paraná em 10 de dezembro desse ano (a data de comemoração municipal é 10 de dezembro), desmembrando-se do município de Rio Branco do Sul, após aprovação por plebiscito pela comunidade local. Sua sede municipal foi instalada em 1º de janeiro de 1993. O processo de emancipação de Rio Branco do Sul deu-se por iniciativa do Deputado Estadual Aníbal Khury e pelo então Presidente da Câmara de Vereadores de Rio Branco do Sul, Manoel Joekel, residente em Itaperuçu e único Vereador do Distrito na legislatura de 1989-1992. Na história política de Rio Branco do Sul, instituído como Vila desde 1871, poucos foram os moradores de Itaperuçu que chegaram a um cargo eletivo público. Não houve nenhum Prefeito que morasse em Itaperuçu e houve poucos Vereadores itaperuçuenses até 1992. Podemos lembrar Benedito Pedroso de Moraes, Zacarias Stresser e o próprio Manoel Joekel, Vereadores de Rio Branco do Sul e moradores no então Distrito de Itaperuçu. Na história de Rio Branco do Sul (CONHEÇA RIO BRANCO DO SUL, 2001), constata-se que muitas das primeiras famílias de Itaperuçu eram descendentes de riobranquenses (como as famílias Pedroso de Moraes, Furquim, Stresser). Posteriormente, com famílias provenientes de municípios vizinhos, como Colombo, Curitiba, entre outros, passou-se a ter uma movimentação e participação política mais consistente no município. Itaperuçu, apesar de ter pertencido a Rio Branco do Sul, maior produtor de cimento na região Sul do Brasil4, sempre foi uma localidade considerada de baixo nível de renda e de economia rural5. III.1. Grupos políticos em Itaperuçu Da emancipação política do município até o ano 2002, formaram-se grupos políticos com lideranças distintas. Quando as pessoas referiam- se à disputa política em Itaperuçu, logo duas figuras eram as mais citadas: Manoel Joekel e Gentil Paske de Faria. Ficava claro que eram elas as principais lideranças políticas locais e cada qual possuía e seus aliados. Marcos Lanna (1995) salienta que a oposição entre dois grupos “é fundamental nos estados nordestinos” (Lewin apud LANNA, 1995, p. 87). Isso se dá também no nível 4

“A marca Votoran, inconfundivelmente associada a cimento e argamassas de alta qualidade, exerce forte liderança, com participação de 42% no mercado cimenteiro do Brasil [...]. Acumulando experiência de cinco décadas, alta tecnologia e qualidade nos serviços de pré e pós-venda, a Cimento Rio Branco S/A é líder na Região Sul, com participação de 66% no mercado” (CONHEÇA RIO BRANCO DO SUL, 2001, p. 9). 5 Como demonstram os dados de Índice de Desenvolvimento Humano, Itaperuçu é um dos municípios mais pobres do Paraná, encontra-se na 381ª posição, com renda per capita de R$ 133,47, medida no ano 2000 (IPARDES, 2005). A economia do município gira em torno da madeira (pinus e bracatinga), de frutas (como a poncã), da agricultura (principalmente de feijão e de milho) e da extração do calcário.

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local, “nos municípios assim como nos distritos, onde facções concorrentes são formadas a partir das alianças feitas no nível estadual (e vice-versa). Isto é, os grupos políticos locais definem-se em relação às posições assumidas por ‘políticos graúdos’, como deputados”. E ainda, “por outro lado, ‘facções surgem com a criação de município’, o que deve ser ‘correlacionado com a emergência de um coronel, que age ao mesmo tempo como líder civil e empresário’” (Gross apud LANNA, 1995). Os dois líderes políticos locais formaram ao longo da curta história de Itaperuçu seus grupos e ambos conseguiram chegar ao comando político do município. Tabela 1

Prefeitos de Itaperuçu (1993-2002) PREFEITO Manoel Joekel Gentil Paske de Faria Rosa Chevônica Joekel

PARTIDO POLÍTICO PTB PSDB PSL-PMDB

GESTÃO 1993-1996 1997-2000 2001-2004

Fonte: TRE-PR (s/d). Notas: 1. Rosa Chevônica Joekel (PSL) é esposa de Manoel Joekel (PMDB). 2. PTB: Partido Trabalhista Brasileiro; PSDB: Partido da Social-democracia Brasileira; PSL: Partido Social Liberal; PMDB: Partido do Movimento Democrático Brasileiro.

III.1.1. Grupo político I – Manoel Joeckel Manoel Joekel, morador de Itaperuçu, empresário madeireiro, proprietário de terras, é um político de tradição na região. Foi eleito Vereador pelo Município de Rio Branco do Sul para as legislaturas 1983-1987 e reeleito em 1988-1992, além de líder fundador do processo de emancipação de Itaperuçu em 1990, quando era o Presidente da Câmara de Vereadores de Rio Branco do Sul. Primeiro Prefeito de Itaperuçu em 1992, nas eleições de 2000 elegeu sua esposa Rosa Chevônica Joekel Prefeita, e seu filho José João Joekel Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Itaperuçu. Outro fato a salientar é a presença de seu sobrinho Vereador Josmar Ezekiel Joekel Vaz na legislatura 1993-1996, e da cunhada de Manoel Joekel, Aracy Sabadin Vaz, eleita Vereadora para o período de 2000-2004, mãe de Josmar E. Joekel Vaz. III.1.2. Grupo político II – Gentil Paske de Faria Gentil Paske de Faria é natural de Itaperuçu e empresário madeireiro. Seu histórico político é o seguinte: Candidato a Vereador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em Rio Branco do Sul em 1988, foi o mais votado do partido, mas não se elegeu (333 votos); participava dos movimentos católicos de base em Itaperuçu. Em 1992 saiu como candidato a Prefeito de Itaperuçu pelo PMDB e obteve o segundo lugar, conseguindo superar o ex- Vereador de Rio Branco do Sul e também morador de Itaperuçu Benedito Pedroso de Moraes, que ficou em terceiro lugar nessa eleição, o que consolidou o seu nome para as eleições de 1996. Em 1996 elegeu-se Prefeito, em uma vitória apertada. Tendo como vice-Prefeito Cezar Luiz Benatto (ex-candidato a Vereador pelo PT em 1988

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em Rio Branco do Sul e que obteve 239 votos), em 2000 não conseguiu reeleger-se, perdendo por apenas 110 votos. III.1.3. Os vereadores de Itaperuçu Em relação aos representantes do poder Legislativo, são nove Vereadores eleitos para cada gestão. O que percebemos por meio do estudo das coligações que se formaram para disputar as eleições no município de Itaperuçu e seu arranjo político pós-eleição é que os candidatos a vereadores juntam-se em torno das lideranças que disputam as eleições majoritárias (os grupos políticos) e depois de eleitos, mesmo por coligações contrárias, acabam apoiando o Prefeito vencedor. Com raras exceções um Vereador eleito mantém-se fiel à coligação eleitoral derrotada. A oposição, politicamente organizada em partidos políticos é portanto praticamente nula. Os Vereadores organizam-se muito mais em volta de Prefeitos do que em instituições partidárias organizadas. Quadro 2

Vereadores eleitos em Itaperuçu VEREADORES 1993-1996

VEREADORES 1997-2000

VEREADORES 2001-2004

1. Antônio Portes de Barros (PTB) 1. João Lapola de França (PMDB) 1. João Moraes de Lara 2. Genesio Clerice (PTB) 2. Jair Leonardo da Costa (PPB) (PSDB) 2. Osmario de Bonfim Castro (PSDB) 3. Jair Leonardo da Costa (PST) 3. Osmario de Bonfim Castro 3. Gerson Ceccon (PDT) (PTB) 4. Vidal de Lara Costa (PMDB) 4. Manoel Alves dos Santos 4. Isael de Castro França (PFL) (PDT) 5. João Bueno de Castro (PSDB) 5. Valdemiro Batista (PDT) 5. Manoel Alves dos Santos 6. Josmar Ezekiel Joekel 6. Edilson José Bueno (PMDB) (PMDB) Vaz (PSDB) 6. José João Joekel (PSL) 7. Juvenal dos Santos (PFL) 7. Mauri Bortoluzzi (PTB) 7. Mauri Bortoluzzi (PPB) 8. Ivo da Silva (PMDB) 8. Ivo da Silva (PFL) 8. João Lapola de França 9. Adimir José Tomé de 9. Antônio Ferreira dos Santos (PPB) Oliveira (PSDB) (PMDB) 9. Aracy Sabadin Vaz (PFL) Fonte: TRE-PR (s/d). Notas: 1. Os vereadores estão listados por ordem de votação. 2. PPB: Partido Progressista Brasileiro; PST: Partido Social Trabalhista; PDT: Partido Democrático Trabalhista; PFL: Partido da Frente Liberal.

IV. POLÍTICAS LOCAL, ESTADUAL E FEDERAL: UMA REDE DE COMPROMISSOS Outro fator importante para compreender-se politicamente os pequenos municípios é a rede de compromissos que se forma entre políticos locais e políticos estaduais e federais, construída pelo clientelismo e constituída por mediações diversas

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entre o político municipal e o político “graúdo”. No coronelismo, esse sistema era representado pelos coronéis que comandavam pequenos municípios e tinham à sua disposição eleitores fiéis que, além de votarem para si e para seus candidatos locais, votavam também “com ele” em nível estadual e federal, conseguindo assim obter apoio do governo. Como exemplo, Leal lembra que “É sabido que os serviços públicos do interior são deficientíssimos, porque as municipalidades não dispõem de recursos para muitas de suas necessidades. Sem o auxílio financeiro do Estado, dificilmente poderiam empreender as obras mais necessárias, como estradas, pontes, escolas, hospitais, água, esgotos, energia elétrica. Nenhum administrador municipal poderia manter por muito tempo a liderança sem realizar qualquer benefício para sua comuna” (LEAL, 1997, p. 65-66). Hoje, os municípios do interior ainda não sobrevivem sem o auxílio do Estado. Por isso, por meio da intermediação entre o político local com parlamentares das esferas estadual e federal, recursos extra-orçamentários tornam-se mais acessíveis às lideranças locais, consolidando a sua força política e ampliando as bases eleitorais dos parlamentares. Em entrevista, um ex-funcionário da Prefeitura de Itaperuçu relatou que com o auxílio de verbas estaduais e federais muitas melhorias foram feitas nos bairros de Itaperuçu. Essas verbas eram obtidas por meio da ação do Deputado Federal Basílio Vilani (PSDB), então membro da Comissão Mista de Orçamento. Ele citou uma creche, uma cancha coberta poliesportiva, uma ponte sobre o rio Açungui no interior do município e outras obras realizadas com recursos federais. Algumas foram financiadas com verbas estaduais, obtidas por meio do Deputado Estadual Cleiton Kielse (PFL), como asfalto, Casa Lar etc. Para Marcos Otávio Bezerra, “o foco nesse lado da atuação parlamentar mostra que, a partir do acesso às instituições do poder público, como o orçamento da União, são construídos os fundamentos do poder local do parlamentar e explicita-se o seu lugar na rede de relações que vincula políticos atuando nas dimensões municipal, estadual e federal” (BEZERRA, 1999, p. 256). Trata-se de uma rede de relações, entre o político local e o político estadual e federal, construídas por meio de mediações diversas, como visitas, cartas, presentes, viagens, festas, que se reflete no resultado eleitoral municipal, formando os “fundamentos do poder local do parlamentar”, mas, principalmente, reforçando os fundamentos do poder do político municipal. IV .1. TTransferência ransferência de votos6 IV.1. Nas tabelas abaixo demonstramos como a opção política dos dois principais líderes locais (no caso de Itaperuçu, Manoel Joekel e Gentil Paske de Faria) condiciona o resultado eleitoral no município. Também destacamos a presença de cabos eleitorais que trabalham em favor de outros candidatos e conseguem uma porcentagem significativa de votos, porém menor do que a obtida pelos principais líderes políticos do município (no 6

“Transferência de votos” significa neste trabalho uma característica do coronelismo em que o coronel possui um “lote de votos de cabresto” que destina aos políticos governistas por ele apoiado. São os eleitores fiéis do coronel, fidelidade essa mantida por favores, cargos públicos, parentesco etc. Cf. o Esquema de análise 1, acima.

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caso das tabelas abaixo: vereadores Osmário Bonfim e José Saruva, líderes evangélicos e líderes do PT de Itaperuçu). As tabelas são divididas em candidato, número de votos, porcentagem dos votos válidos e apoio recebido por parte de um líder ou grupo político de Itaperuçu. Quando a linha de apoio estiver em branco é porque não se identificou ao certo quem apoiou ou não houve um posicionamento específico das lideranças políticas locais. As tabelas trazem os resultados eleitorais dos candidatos mais votados no município de Itaperuçu para deputados Federal e Estadual nas eleições de 1994, 1998 e 2002. O critério adotado para essa seleção é o maior número de votos conseguidos e uma porcentagem significativa. Tabela 2

Eleição para Deputado Federal em Itaperuçu (1994) CANDIDATOS A DEPUTADO FEDERAL Luciano Pizzatto (PFL) Afonso Camargo Neto (PPR) Abelardo Lupion Mello (PFL) Paulo Roberto Cordeiro (PTB)

Nº DE VOTOS 1.307 432 430 357

% VOTOS 32,72% 10,84% 10,79% 8,95%

APOIO Manoel Joekel -

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: PPR: Partido Progressista Reformador.

Tabela 3

Eleição para Deputado Estadual em Itaperuçu (1994) CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL Nº DE VOTOS Anibal Khury (PTB) 1.451 Carlos X. Simões (PFL) 1.184 Horacio Rodrigues Sobrinho (PL) 979

% VOTOS 28,10% 22,93% 18,96%

APOIO Manoel Joekel -

Fonte: TRE-PR (s/d).

Tabela 4

Eleição para Deputado Federal em Itaperuçu (1998) CANDIDATOS A DEPUTADO FEDERAL Basílio Vilani (PSDB) Luciano Pizzatto (PFL) Íris Simões (PTB) R. Stephanes (PFL) Padre Roque (PT)

Nº DE VOTOS 1.928 995 894 539 305

% VOTOS 28,91% 14,92% 13,40% 8,07% 4,57%

APOIO Gentil Paske Manoel Joekel Ver. Osmário B. PT local

Fonte: TRE-PR (s/d).

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Tabela 5

Eleição para Deputado Estadual em Itaperuçu (1998) CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL Nº DE VOTOS Anibal Khury (PFL) 2.429 Cleiton Kielse B. Crisóstomo (PFL) 2.384 Carlos X. Simões (PTB) 710

% VOTOS 32,35% 31,75% 9,46%

APOIO Manoel Joekel Gentil Paske -

Fonte: TRE-PR (s/d).

Tabela 6

Eleição para Deputado Federal em Itaperuçu (2002) CANDIDATOS A DEPUTADO FEDERAL José Janene (PPB) Íris Simões (PTB) Reinhold Stephanes (PMDB) Takayama (PTB) Afonso Camargo Neto (PSDB) Justino Costa Rosa (PL) Irineu Colombo (PT) Assis do Couto (PT)

Nº DE VOTOS 1.631 1.376 1.080 905 761 662 578 491

% VOTOS 14,60% 12,32% 9,67% 8,10% 6,81% 5,93% 5,17% 4,39%

APOIO Manoel Joekel Gentil Paske Ver. Osmário B. Evangélicos População PT local Sindicato Cresol

Fonte: TRE-PR (2002).

Nota: Justino Costa Rosa é natural de Rio Branco do Sul, município vizinho de Itaperuçu e, portanto, um candidato local a Deputado Federal.

Tabela 7

Eleição para Deputado Estadual em Itaperuçu (2002) CANDIDATOS A DEPUTADO ESTADUAL Nº DE VOTOS José Augusto Liberato (PT) 2.609 Nelson Justus (PFL) 1.957 Delegado Bradock (PMDB) 1.937 Carlos Simões (PTB) 1.029 Vanderlei Iensen (PDT) 303 Edson Strapasson (PMDB) 281

% VOTOS 23,13% 17,35% 17,17% 9,12% 2,69% 2,49%

APOIO PT local Manoel Joekel José Saruva Gentil Paske Evangélicos -

Fonte: TRE-PR (2002).

Nota: José Augusto Liberato é natural de Itaperuçu. Pela primeira vez o município teve um candidato próprio para disputar o cargo de Deputado Estadual. Fato curioso é que conseguiu superar os candidatos de Manoel Joekel e Gentil Paske, com expressiva votação. Essa votação não parece identificar-se ideologicamente com o PT, mas com o fato de que José Augusto era um personagem de prestígio local. José Augusto e Mirian Bini, ambos filiados ao PT, são lideranças partidárias importantes nesse microssistema político.

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Queremos demonstrar com as informações acima que o apoio de lideranças políticas locais é um fator decisivo para a vitória eleitoral de um Deputado Estadual ou Federal no nível local. As tabelas revelam pontos importantes da política em Itaperuçu. Comentemos os resultados eleitorais dos candidatos a Deputado Federal. Gentil Paske de Faria (gestão 1997-2000) apoiou nas eleições de 1998 o candidato a Deputado Federal Basílio Vilani, que já o tinha apoiado em sua candidatura a Prefeito (1996). Entre Vilani e Paske certamente se criou uma relação política que vai além da simples troca de favores, como descreve Bezerra (1999), e que envolve um apoio institucional, eleitoral etc. Por meio desse Deputado, verbas foram para o município. Nessa relação política, como demonstra a Tabela 4, Basílio Vilani conseguiu quase 29% dos votos válidos para Deputado Federal em Itaperuçu em 1998. Essa porcentagem é significativa, pois evidencia a capacidade de “transferência de votos” de Paske para o “seu” Deputado Federal. Paske não é um simples cabo eleitoral, mas um político influente que consegue mobilizar toda uma base eleitoral em favor de um candidato específico. Em 2002, Gentil Paske, fora da Prefeitura, conseguiu mobilizar votos para o candidato a Deputado Federal Iris Simões (PTB), que foi o segundo mais votado em Itaperuçu. Um fato interessante é que, nas eleições de 1994, Basílio Vilani (PPR), candidato a Deputado Federal, sem o apoio de Gentil Paske, obteve em Itaperuçu 11 votos (0,28%). Quatro anos depois, foi o mais votado do município. No ano de 2002 Basílio Vilani não se candidatou. Tabela 8

Resultados Eleitorais de Basílio Vilani em Itaperuçu (1994 e 1998) Número de votos

1994 11 votos

1998 1.928 votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

O candidato a Deputado Federal Luciano Pizzatto (PFL) foi apoiado por Manoel Joekel em 1994, quando obteve 1.307 votos, e em 1998 recebeu 995 votos. Pizzatto, nas eleições de 2002, foi candidato a Senador, sendo o segundo mais votado do município. Na última eleição, Joekel transferiu seus votos para o candidato a Deputado Federal José Janene (PPB), com 1.631 votos, quem, nas eleições de 1994, obteve apenas um voto (0,03%) em Itaperuçu. Portanto, um enorme salto de 1994 a 2002. Tabela 9

Resultados Eleitorais de José Janene em Itaperuçu (1994 e 2002) Número de votos

1994 1 voto

2002 1.631 votos

Fonte: TRE-PR (s/d).

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Outro caso de transferência de votos foi para Reinhold Sthephanes (PMDB), que obteve apenas nove votos em 1994, mas com o apoio do Vereador Osmário Bonfim obteve 539 votos em 1998 e 1.080 votos em 2002. É interessante observar também a atuação dos cabos eleitorais, como indicava Paul Singer (1965), importantes atores para a compreensão do processo eleitoral. Por exemplo, a organização dos membros do Diretório Municipal do PT de Itaperuçu apoiou em 1998 o candidato a Deputado Federal Padre Roque (PT), que obteve 4,57% dos votos válidos. Em 2002 conseguiram 5,17% para o candidato Irineu Colombo (PT). Esses dados demonstram o quanto é importante o apoio de um político local para que determinado candidato a cargo estadual ou federal possa ter uma porcentagem considerável de votos. A análise mais interessante gira em torno do apoio dado aos deputados estaduais. Nas eleições de 1998, Cleiton Kielse (PFL) obteve apoio de Gentil Paske e Anibal Khury (PFL) por parte de Manoel Joekel. Em 2002, Paske apoiou Carlos Simões (PTB) e Joekel apoiou Nelson Justus (PFL). Para os candidatos a deputados estaduais, os políticos locais empenham-se mais na busca do voto. O motivo destacado por Bezerra (1999) é a maior proximidade entre eles, facilidade do contato, troca de favores diversos, verbas extras para obras etc. Portanto, há mais empenho e recursos financeiros aplicados na campanha por parte dos políticos locais (pagavam-se luz e água, promoviam-se festas e comícios, um número maior de propagandas desses candidatos circulava na cidade). Em 1998, no imaginário popular, os dois principais concorrentes a candidatos a Deputado Estadual em Itaperuçu, Cleiton Kielse (PFL) e Anibal Khury (PFL), eram “inimigos”: afinal, “um era do Gentil e o outro do Manoel”, como afirmou um eleitor. Detalhe: ambos os candidatos a Deputado Estadual concorreram pelo PFL, ou seja, ambos eram governistas. Nessa disputa, eles conseguiram aproximadamente 64% dos votos válidos para Deputado Estadual em Itaperuçu (cf. Tabela 5). Mas note bem: discordamos de Paul Singer sobre a questão de cabos eleitorais, pois ele reduz a isso toda a influência desses políticos e seus grupos locais, considerando-os meros cabos eleitorais de políticos “maiores”. Hoje as eleições são livres e competitivas, mas é a fidelidade ao “coronel” que ainda persiste, uma fidelidade que garante “prestígio político” e transfere votos a candidatos governistas. É a continuidade do “voto de cabresto” em microssistemas políticos. Outros dados comparativos interessantes para Deputado Estadual em Itaperuçu: em 1994, Nelson Justus (então no PTB, depois no PFL) obteve 12 votos; em 2002, com a ajuda de Manoel Joekel, obteve 1.957 votos. O mais interessante é o histórico da votação de Cleiton Kielse (PMDB em 1994, mais tarde no PFL) em Itaperuçu, pois em 1994 obteve 88 votos; em 1998, com o apoio de Gentil Paske, conseguiu 2.384 votos, mas em 2002, sem o apoio dessa liderança política local, voltou a obter 93 votos. Na eleição de 2002 um carro de som do “Deputado Kielse” jogava nas ruas de Itaperuçu propagandas e panfletos explicativos de todas as verbas e conseqüentes obras conseguidas por ele no período 1998-2002 para o município. Mesmo com todas essas informações, poucos eleitores itaperuçuenses votaram em Kielse.

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Tabela 10

Resultados Eleitorais de Nelson Justus em Itaperuçu (1994 e 2002) Número de votos

1994 12 votos

2002 1.957 votos

Fonte: TRE-PR (s/d; 2002).

Tabela 11

Resultados Eleitorais de Cleiton Kielse em Itaperuçu (1994, 1998 e 2002) Número de votos

1994 88 votos

1998 2.384 votos

2002 94 votos

Fonte: TRE-PR (s/d; 2002).

Aníbal Khury (no PTB em 1994 e no PFL em 1998) foi um político influente na região. Nas duas primeiras eleições do município, Khury foi o candidato mais votado a Deputado Estadual, com 1.451 votos em 1994 e 2.429 votos em 1998. Inaugurou inúmeras obras em Itaperuçu, como pontes, escolas, postos de saúde, em uma rede de compromissos com o líder político local Manoel Joekel dando-lhe “carta branca”, que assim retribuía transferindo votos a esse político estadual. Com o falecimento de Khury, Nelson Justus passou a ser um dos deputados de apoio de Manoel Joekel. Entre Khury e Joekel havia, sem dúvida, inúmeras mediações pessoais e políticas. Concluindo, retomamos a hipótese inicial deste trabalho que é o Esquema de análise 1, em que políticos locais mantêm eleitores fiéis por meio da relação clientelista, conseqüentemente formando “cidadãos no cabresto”, que votam segundo sua indicação, caracterizando um comportamento eleitoral no estilo coronelista.

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo é uma discussão com Victor Nunes Leal. As características que Leal descreve sobre a vida política do interior do Brasil, o coronelismo, continuaram a persistir em Itaperuçu, nos anos de 1992 a 2002. Os exemplos levantados por Leal e as observações feitas em campo demonstram que as características do coronelismo são ainda determinantes na estrutura política do município, mesmo que a literatura política atual chame-a de “clientelismo” e que a preocupação de Olavo Brasil de Lima Júnior sobre “quão longe estamos dos ‘coronéis, das enxadas e dos votos’” seja real e necessite de mais estudos e comparações entre esses muitos microssistemas políticos. Décio Saes corrobora o “fim” do coronelismo quando afirma que nesse fenômeno o votante está ideologicamente imerso em uma situação de obrigação subjetiva de lealdade para com o senhor da terra e que, portanto, a troca de favores não é o fator condicionante do voto, mas sim as relações de dominação e dependência pessoal. Essa seria a base

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ideológica do “coronelismo”, inseparável de seu fundamento infra-estrutural – o latifúndio pré-capitalista –, em que o proprietário de terras cede ao trabalhador a posse da terra e este submete-se a uma fidelidade ao chefe local (SAES, 1998, p. 85). Seria um erro, então, considerar a existência do fenômeno coronelista na presente história brasileira? Certamente que sim. Porém – é o que consideramos relevante –, são as relações ditas de dominação e dependência pessoal, que Décio Saes caracteriza como a dimensão ideológica do “coronelismo”, que parece persistir em pequenos municípios sob a forma de obrigações morais, o que acaba gerando uma relação de dominação. Enquanto a dimensão econômica do proprietário de terras, que tem poder sobre o trabalhador, a quem cede a posse da terra, não é mais viável, a dimensão ideológica ainda o é. As entrevistas que fizemos demonstraram muito esse aspecto de dependência que as pessoas têm para com os chefes políticos locais. Como exemplo, um funcionário público da Prefeitura de Itaperuçu ao ser entrevistado respondeu que vê a política no município ainda “de uma maneira tradicional, em que o eleitor respeita a amizade, não levando em conta outros fatores como partidos e sua ideologia, planos de governo etc.” Há uma relação de dependência dos votantes para com o político local, construída ao longo de toda a sua carreira política. Parece que se institui uma obrigação subjetiva de lealdade, da mesma forma como o “coronel” tinha para com os seus agregados no tempo da Primeira República, provinda de questões materiais: favores de toda ordem, empreguismo etc. e também de fatores como compadrio, amizade, parentesco. O relacionamento que esses políticos têm com seus eleitores, por meio de todos esses exemplos, são fatos essenciais na análise da política. Se “coronelismo” é um termo que se refere a um fenômeno político passado, ao menos é uma espécie de “coronelismo modernizado” o que vemos em diversos municípios com a existência de eleitores fiéis, muitas vezes mantidos pelo clientelismo e por fatores relacionais de mando, prestígio, amizade e parentesco. Marcos Bezerra descreve esse relacionamento entre políticos e seus eleitores da seguinte forma: “A formulação de que a concessão de favores e serviços proporciona votos faz sentido na medida em que os favores concedidos e recebidos instituem entre os parlamentares e os beneficiados uma relação do tipo credor e devedor. [...] Assim, um eleitor ou liderança política que tem seu pedido atendido por meio da mediação do parlamentar sente, portanto, que tem com este uma dívida pessoal” (BEZERRA, 1999, p. 117). Essa “dívida pessoal” que o eleitor passa a ter com o líder político é perceptível nas conversas e entrevistas. Em uma conversa informal, uma eleitora disse ter votado em um político local por ter ganho telhas para a construção de sua garagem. Outra votou porque, quando seu pai estava doente, foi ele (o “chefe político”) que conseguiu uma ambulância para levá-lo ao hospital em Curitiba. Porém essa é uma relação de fidelidade que pode ser transitória, na medida em que, em outro momento, essa pessoa venha a receber um favor de outro chefe político. Entretanto o que se percebe é que, em geral, a fidelidade a um grupo político, liderado por um chefe local, é mais estável do que instável. Comenta-se com freqüência, quando o assunto é política, que famílias inteiras são de

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“fulano de tal” e “não mudam” e que determinadas localidades de Itaperuçu, principalmente no interior, são redutos eleitorais de “cicrano”. Sem dúvida, existe uma troca de favores (voto por bens materiais), porém não estão em jogo somente os bens materiais, mas mobiliza-se toda uma estrutura social que gera fidelidade para com o chefe político local, produzindo dependência e dominação. O clientelismo é utilizado pelos líderes políticos para manterem-se no poder. Ao redor de si formam grupos de eleitores fiéis que sabem que com sua vitória aproveitarão melhor as possibilidades que a estrutura da Prefeitura oferece. Para Karina Kuschnir, “o clientelismo é um problema do ponto de vista democrático, pois opera sob o princípio da dádiva, implicando sentimentos de lealdade e empenho individual. O eleitor, ao invés de se identificar com seu grupo ou classe, como trabalhador e cidadão, se identifica como beneficiário de um político influente, tornando a política ‘inacessível sem a interferência das relações pessoais’. Tanto para o político quanto para o eleitor envolvido, esse tipo de relação política é legítima e positiva” (KUSCHNIR, 2000, p. 140-141). A observação de Kuschnir mostra um dos aspectos da política, muitas vezes ocultado pelo ideal de uma democracia consciente e participativa, que é a prestação de favores por parte do político em troca do apoio fiel do eleitor. Outro ponto mencionado neste trabalho é a questão do “curral eleitoral” e do “voto de cabresto”. A fidelidade por parte dos eleitores para com políticos locais faz com que estes tenham uma determinada porcentagem de votos fixos e, em conseqüência, transfiram esses votos aos políticos governistas, da mesma forma como um “coronel” da República Velha. Forma-se, assim, o seguinte esquema: Esquema de análise 2

“coronelismo” em Itaperuçu Eleitores fiéis (“voto de cabresto”)

Líderes políticos locais

Parlamentares estaduais e federais “governistas”

Fonte: o autor.

Itaperuçu torna-se “curral eleitoral” de alguns parlamentares. É suficiente que esses políticos “graúdos” aliem-se aos chefes políticos locais para conseguirem votos e, em troca, sustentem o seu poder local. Resta saber como se chega a esse apoio recíproco. Por exemplo, o que leva determinado chefe político local a apoiar em uma eleição um Deputado Estadual e, em outra eleição, outro? A “ágora” grega, espaço público de discussão democrática e tomada de decisões por parte de todos os cidadãos livres e iguais, em favor dos destinos da polis, parece distanciar-se dessa pequena localidade populacional. Ao contrário, aqui a concentração do poder está nas mãos de poucos que se juntam ao redor de um líder. Os vereadores de Itaperuçu, ao longo da história política da localidade, sempre se posicionaram a favor da administração vigente, mesmo sendo eleitos por coligações contrárias ao chefe do poder Executivo.

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A oposição organizada em partido político é de uma minoria de pessoas que pouco afeta a estrutura de poder. O que talvez “atrapalhe” quem manda é o seu grupo opositor, mas que age da mesma forma quando está no poder. Enquanto o estudo de Farias (2000) tenta demonstrar a desagregação do “coronelismo” a partir de pesquisa empírica em uma sub-região do Piauí na década de 1990, concluindo como sendo esse um quadro representativo do que vem ocorrendo no Nordeste rural brasileiro, esse trabalho buscou demonstrar que características “coronelistas” (descritas principalmente por Leal (1997) ainda se impõem à política nos dias atuais em pequenos municípios. Concordamos com Farias que o estilo democrático brasileiro, comprometido com uma dada ordem social, a saber, a manutenção do capitalismo, “coexiste com vários mecanismos particularísticos de controle do eleitorado, tal como o clientelismo” (FARIAS, 2000, p. 50; grifo no original) e – por que não? – com algumas características, como acima descritas, do “coronelismo” da Primeira República.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEZERRA, M. O. Em nome das “bases”. Política, favor e dependência pessoal. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999. CARVALHO, J. M. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Dados, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, p. 229-250, 1997. DANTAS, I. Coronelismo e dominação. Aracaju: UFSE, 1987. FARIAS, F. P. Clientelismo e democracia capitalista: elementos para uma abordagem alternativa. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 15, p. 49-65, nov.2000. IPARDES. Perfil municipal de Itaperuçu . 2005. Disponível em: . Acesso em: 24.nov.2005. JANOTTI, M. L. M. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo: Brasiliense, 1981. KUSCHNIR, K. O cotidiano da política. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2000. LANNA, M. P. D. A dívida divina: troca e patronagem no Nordeste brasileiro. Campinas: UNICAMP, 1995. LEAL, V. N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. LIMA JÚNIOR, O. B. Partidos, eleições e poder Legislativo. In: MICELI, S. (org.). O que ler na Ciência Social brasileira: 1970-1995. V. III: Ciência Política. São Paulo: Sumaré, 1999. MACHADO, I. R. Dias em movimento: espaço e poder numa “comunidade-dormitório” mineira. Campinas. Dissertação (Mestrado em Antropologia). Universidade Estadual de Campinas, 1997. NUNES, E. A gramática política do Brasil. Clientelismo e insulamento burocrático. 2ª ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1999. OLIVEIRA, R. C. Análise dos parlamentares paranaenses na entrada do século XXI. Curitiba: APUFPR-Ssind, 2002.

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OUTRAS FONTES Entrevistas com eleitores de Itaperuçu, políticos locais e funcionários da Prefeitura Municipal de Itaperuçu, realizadas pelo autor em 2002. Conheça Rio Branco do Sul. Raio X, Rio Branco do Sul, ano I, n. 1, ago. 2001. JORNAL NOVO HORIZONTE. Itaperuçu. Vários números. JORNAL RAIO X DA REGIÃO DOS MINÉRIOS. Rio Branco do Sul. Vários números. TRE-PR. Base de dados primários da Seção de Divulgação de Resultados. Curitiba: Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, s/d. Eleições 2002. Resultados no Paraná. Votação por município. Curitiba: Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, 2002. Disponível em: . Acesso em: 24.nov.2005.

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CAPÍTULO SETE

GEOGRAFIA DO VOTO DE ESQUERDA NO PARANÁ: UMA ANÁLISE DO DESEMPENHO ELEITORAL DO PT NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS (1989-2002) Luzia Maristela Cabreira Bonette

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7. GEOGRAFIA DO VOTO DE ESQUERDA NO PARANÁ: Uma análise do desempenho eleitoral do PT nas eleições presidenciais (1989-2002)

I. INTRODUÇÃO A ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) no estado do Paraná e a eleição de Luís Inácio Lula da Silva para Presidente da República despertaram nosso interesse sobre os fatores condicionantes de tal resultado. Assim, esta pesquisa sobre o processo eleitoral limitou-se aos fatores condicionantes da ascensão do PT no Paraná: comportamento eleitoral, mudança de perfil do candidato e necessidades de novas configurações no meio político. A votação do candidato Lula e do PT constituiu-se ponto de partida para uma reflexão sobre os resultados apurados nas eleições para Presidência da República em 2002, não com a pretensão de abarcá-la em todos os seus aspectos, mas apenas de ressaltar a importância do que se vinha passando no terreno especificamente políticoeleitoral, a partir de um recorte das votações nas cidades de maior densidade demográfica do Paraná: Curitiba, Cascavel, Londrina, Maringá e Ponta Grossa. O PT foi fundado em 10 de fevereiro de 1980 por líderes sindicais da região do ABC paulista inspirados nos movimentos de greve dos metalúrgicos de 1978. Tornou-se o maior partido de esquerda e de oposição ao governo federal, tendo em seu programa a inspiração socialista e como ação prioritária a reforma agrária que vê na ocupação de terras improdutivas uma forma lícita de pressão. Esse partido colocou-se contra as privatizações e sua maior expressão é o ex-sindicalista Luís Inácio Lula da Silva, que concorreu às eleições para Presidência da República nos anos de 1989, 1994, 1998 e 2002, elegendo-se na última. O texto está dividido em seis partes: 1) Esta apresentação; 2) A geografia do voto no Paraná; 3) Contexto e fatores condicionantes das eleições no Paraná nos anos de 1989, 1994, 1998 e 2002; 4) Hipóteses do voto petista no Paraná; 5) Como se deu a adesão e votação e 6) Considerações finais.

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II. A GEOGRAFIA DO VOTO NO PARANÁ Abaixo apresentamos um mapa do Paraná, em que se indicam as cidades que analisaremos.

Mapa 1 – Cidades paranaenses analisadas

Fonte: Waniez (2002). Nota: 1) Cascavel; 2) Curitiba; 3) Londrina; 4) Maringá; 5) Ponta Grossa.

Com a apresentação dos dados sócio-econômicos das cidades analisadas, podese entender um pouco melhor a preferência eleitoral, pois eles devem indicar-nos algo sobre os interesses e os fatores condicionantes nas eleições no Paraná. Com a análise das eleições e a descrição das cinco maiores cidades do Paraná, considerando suas condições sócio-econômicas durante as eleições de 1989, 1994, 1998 e 2002 e tendo por base o levantamento de votos obtidos pelo PT, certamente teremos um bom referencial para sugerir uma correlação entre voto e posição socioeconômica, além de outros fatores que venham a estabelecer tendências básicas nas cidades analisadas.

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Tabela 1

Dados socioeconômicos dos municípios paranaenses estudados ANO E TOTAL DE MUNICÍPIOS DO ESTADO Distribuição da população (hab/km²)

1940/50

1960/162

1980/290

2000/399

- As cidades correspondem à densidade demográfica de 47,88, densidade apresentada no Paraná. - A concentração mínima para identificação de aglomerações urbanas conforme classificação do IBGE é de 60 hab/km . - No Brasil encontra-se o correspondente a 19,92. - Cascavel, Curitiba e Região Metropolitana, Guarapuava, Londrina e Maringá correspondem a menos de 1% da massa salarial estadual. - Participação na massa de salários do setor formal, superior ou igual a 1%, no Paraná, em 2000. - Domicílios com responsável sem instrução ou menos de três anos de estudo: 30,48% (Brasil é de 34,7%; região Sul: 25,6%). 2

Economia e ocupação

Educação e renda Fonte: IBGE (2002).

II.1 Desempenho eleitoral de Lula em Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa II.1.1 Desempenho eleitoral da cidade de Curitiba Ao visualizarmos a Tabela 2, que apresenta o resultado das eleições em Curitiba nos anos de 1989, 1994, 1998 e 2002, observamos que Lula, ao ter como adversário o candidato do Partido da Renovação Nacional (PRN), Fernando Collor de Mello, obteve grande votação em 1989. Nas eleições de 1994 e 1998, ao ter como adversário Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), seu percentual de votação foi pequeno, voltando a crescer nas eleições de 2002, mesmo tendo como adversário um candidato apresentado por Fernando Henrique Cardoso, Presidente da República na época: Lula conseguiu então superar seu adversário José Serra do PSDB no segundo turno, com mais de 50% dos votos na cidade. Tabela 2

Desempenho do candidato Lula na Cidade de Curitiba ANO Total de votos Percentual de votos

1989 303.551 41,01%

1994 189.632 23,75%

1998 217.472 28,68%

2002 585.548 64,71%

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: Os dados de 1989 e 2002 referem-se ao segundo turno.

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II.1.2 Desempenho eleitoral de Lula em Cascavel e em Ponta Grossa As tabelas 3 e 4 apresentam os resultados das eleições em Cascavel e em Ponta Grossa nos anos de 1989, 1994, 1998 e 2002; nelas podemos observar uma situação parecida com a de Curitiba. Lula, apesar de não ter sido eleito, apresentou uma boa votação em 1989. No entanto, ao confrontar-se com Fernando Henrique Cardoso nas eleições de 1994 e 1998 – o qual foi apoiado por uma ampla coligação de partidos – PSDB, Partido da Frente Liberal (PFL), Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e Partido Progressista Brasileiro (PPB) –, seu percentual de votação em Cascavel e em Ponta Grossa também foi pequeno. Somente nas eleições de 2002 Lula voltou a crescer e conseguiu superar o adversário do PSDB no segundo turno, com um percentual de votação superior a 50%. Tabela 3

Desempenho de Lula em Cascavel ANOS Total de votos Percentual de votos

1989 41.300 43,74

1994 21.352 20,86

1998 34.340 33,85

2002 79.296 66,78

1998 31.207 25,16

2002 78.146 53,80

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: Os dados de 1989 e 2002 referem-se ao segundo turno.

Tabela 4

Desempenho de Lula em Ponta Grossa ANOS Total de votos Percentual de votos

1989 39.862 33,39

1994 29.927 22,85

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: Os dados de 1989 e 2002 referem-se ao segundo turno.

II.1.3 Desempenho eleitoral de Lula em Londrina e Maringá A partir das tabelas 5 e 6, com os resultados das eleições em Londrina e em Maringá, nos anos de 1989, 1994, 1998 e 2002, podemos observar que houve nessas cidades um pequeno crescimento nos votos para Lula, não sendo suficientemente expressivo para que o candidato vencesse nelas. Sabemos que Londrina e Maringá são cidades que têm como base econômica a agricultura e a pecuária e que, ao mesmo tempo, houve um histórico de ocupações de sem-terras na região, entre 1996 e 1999. Sendo a reforma agrária uma das prioridades do programa do Partido dos Trabalhadores, interpretamos essas ocupações como um dos condicionantes da não-adesão do eleitorado ao partido e, conseqüentemente, a Lula nas eleições de 2002.

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Tabela 5

Desempenho de Lula em Londrina ANOS Total de votos Percentual de votos

1989 69.910 33,83

1994 32.686 15,67

1998 35.144 17,70

2002 106.220 44,63

1998 33.764 24,59

2002 75.580 47,89

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: Os dados de 1989 e 2002 referem-se ao segundo turno.

Tabela 6

Desempenho de Lula em Maringá

ANOS Total de votos Percentual de votos

1989 41.795 33,87

1994 30.806 23,30

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: Os dados de 1989 e 2002 referem-se ao segundo turno.

III. ELEIÇÕES NO PARANÁ: UM RECORTE GEOGRÁFICO Embora os dados agregados da votação no PT e em Lula em 2002 no Paraná sejam os segundos maiores percentuais da região Sul (apenas atrás do Rio Grande do Sul), eles não traduzem a real votação, pois, ao analisar-se as cinco maiores cidades do estado, pode-se constatar as diversidades de votação e adesão em cada uma delas. Por meio de uma análise do recorte geográfico, constatamos que não existiu unanimidade na votação de 2002, pois em Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa houve um crescimento dos votos, culminando na vitória de Lula nesses municípios; já em Londrina e Maringá os resultados não foram os mesmos. Para um melhor entendimento da ascensão de Lula, apresentam-se os resultados das eleições de 2000 para Prefeito nas cidades analisadas. Em Curitiba, nas eleições para Prefeito no ano 2000, Cássio Taniguchi (PFL) foi eleito no segundo turno. Ele era o candidato da situação e foi reeleito com 462.811 votos contra os 436.270 voto do candidato da oposição, Ângelo Carlos Vanhoni (PT). Taniguchi coligou-se com os seguintes partidos: PTB, Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Liberal (PL), Partido Social Democrático (PSD), Partido Social Cristão (PSC), PRN, Partido Social Trabalhista (PST), PRP (Partido Republicano Progressista), Partido dos Trabalhadores do Brasil (PTdoB), PPB e Partido Social Liberal (PSL). Já Ângelo Vanhoni coligou-se com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Humanista Social (PHS), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido Popular Socialista (PPS) e Partido Verde (PV). Em Cascavel, o Prefeito eleito em 2000 foi Edgar Bueno, do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Ele fez coligação com os partidos: PMDB, PSDB, PT, PPS, PL, PHS, PSC,

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PSL, PSD, PSB, Partido da Social Democracia Cristã (PSDC) e PST (Partido Social Trabalhista), vencendo no primeiro turno. Em Ponta Grossa, o eleito foi Péricles de Holleben de Melo, do PDT; fazendo coligação com PT, PMDB e PHS, ele venceu no primeiro turno. Assim, nas cidades de Cascavel e Ponta Grossa, os candidatos eleitos fizeram várias coligações, inclusive com o Partido dos Trabalhadores, o que leva a concluir que, além do partido do Prefeito, os outros partidos também apoiaram o PT e Lula nas eleições para a Presidência da República, contribuindo para o êxito no pleito. Na cidade de Londrina, o candidato eleito para Prefeito nas eleições de 2000 foi Nedson Luís Micheleti, do PT, coligado com os seguintes partidos: PPS, PCdoB e Partido dos Aposentados da Nação (PAN). Ele venceu seu adversário por uma grande diferença de votos: enquanto Micheleti obteve 153.400 votos (64,25% dos votos válidos), Homero Barbosa Neto, do PPB, fez coligação com PDT, Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e PSC, e obteve 85.744 votos (35,85%). Uma vitória de 50% de diferença, em relação ao seu adversário, no segundo turno. Em Maringá, o candidato José Cláudio Pereira, do PT, venceu as eleições no segundo turno; também foi uma vitória com poucos votos de diferença em relação ao seu adversário: o PT obteve 107.320 votos (69,70%) e o candidato do PTB, Manoel Batista da Silva Júnior, que fez coligação com o PDT, obteve 46.659 votos (30,30%). Há outro fato político que deve ser aqui apresentado: em 2002 aconteceram também eleições para Governador do Estado; o candidato paranaense, eleito no segundo turno com 55,15% de votos, foi Roberto Requião de Mello e Silva, do PMDB. Ele foi apoiado e apoiou Lula durante o segundo turno da campanha eleitoral. Ao analisarmos os dados sobre as eleições de prefeitos e coligações é possível perceber alguns fatores de êxito de Lula: ele conseguiu a vitória em Curitiba – onde o Prefeito era do PFL –, em Cascavel e Ponta Grossa – onde os prefeitos eram do PDT –, mas nas cidades em que os prefeitos eram do PT, como Londrina e Maringá, Lula não conseguiu a adesão dos eleitores. Isso causa surpresa: o que levou os eleitores a votarem (ou não) no Partido dos Trabalhadores e em Lula? Diante dos dados acima, faz-se necessária uma análise sobre os fatores de influência na decisão de voto dos eleitores. Conforme Palmeira (1991, p. 120-121), as interferências dão-se de muitas formas, na medida em que muitos interesses encontramse em pauta no jogo político. Assim, ao visualizar quais são os fatores e como eles contribuíram para o desempenho de Lula no Paraná em 2002, é possível responder às questões acima.

IV. CONTEXTO DAS ELEIÇÕES NO PARANÁ IV .1 Eleições de 1989 IV.1 Pelo que se observou nas tabelas apresentadas, tem-se que o resultado das eleições de 1989 no Paraná não foi diferente do das de âmbito nacional. Apesar da grande votação recebida por Lula, não foi possível atingir um número de votos suficiente para ele

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ganhar as eleições. De acordo com Carreirão (2000, p. 120), a relevância da avaliação sobre as qualidades pessoais de Lula, associada à avaliação de sua capacidade técnicoadministrativa, teve um peso maior do que a defesa dos interesses dos trabalhadores, não apenas para o conjunto de eleitores do PT como para os eleitores de quase todos os candidatos relevantes em 1989, como Collor de Mello (PRN), Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB), Paulo Maluf (PDS) e Ulysses Guimarães (PMDB). A votação em Collor também ocorreu devido à escolha de eleitores menos sofisticados politicamente, ou seja, pelo eleitorado de menor grau de escolaridade, o que foi verificado pelo Censo de 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como sendo o maior número de votantes no Paraná. Como no resto do Brasil, os votos foram para o candidato mais associado à defesa dos interesses dos trabalhadores (do povo, dos pobres, da maioria), podendo- se concluir que foi decidido de forma “emocional em função das características e dos aspectos valorativos e simbólicos de caráter moral” (escolha feita pelos eleitores em função de interesses próprios e de análise pessoal do candidato) (idem, p. 120). Além disso, Collor associou estrategicamente a imagem de Lula a medidas estatizantes (confisco de poupança) e ao caos e à desordem política, social e econômica que poderia vir a ocorrer caso ele fosse eleito; assim, ele fez o preconceito falar mais alto nos setores de classe média e até entre a classe trabalhadora. Associou ainda a cor vermelha do partido à desordem. (SILVEIRA, 2002, p. 2). IV .2 Eleições de 1994 IV.2 Na eleição de 1994, como já observado nas tabelas apresentadas, Lula não teve boa votação diante do adversário Fernando Henrique Cardoso (FHC). FHC foi o condutor direto do governo anterior e acabou beneficiando-se da avaliação favorável que a maioria dos eleitores fazia do Plano Real, em virtude de ter controlado e reduzido a inflação na época. Assim, os eleitores em 1994 votaram em FHC por suas supostas qualidades: “credibilidade/confiança” e “experiência/ capacidade administrativa” (CARREIRÃO, 2000, p. 131). Conforme indicou Carreirão (idem, p. 141), segundo uma pesquisa nacional, em que se aplicaram questões abertas sobre os fatores que influenciaram o voto, poucos eleitores apontavam motivos enquadrados sob o rótulo de “preocupação com problemas sociais” (categoria que mais se aproximaria da idéia de uma “defesa dos interesses dos trabalhadores”, proposta apresentada por Lula), reduzindo os eleitores de Lula (15%) a uma parcela praticamente insignificante em relação aos demais candidatos. Assim, os elementos fundamentais para a eleição de FHC foram ao encontro da tese de Rahn et al., tese mencionada por Carreirão (ibidem), segundo a qual “o eleitor dá peso à avaliação dos candidatos, mas, ao mesmo tempo, [considera que] o contexto político (partido político que pertence, o conjunto de sua vida política anterior) influencia essa avaliação, não se tratando apenas de uma avaliação do caráter do candidato baseada em aparências, ou num julgamento estritamente moral”.

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IV .3 Eleições de 1998 IV.3 Lula não venceu as eleições de 1998 no Paraná e no Brasil, perdendo para Fernando Henrique Cardoso que enfatizava as conquistas de administração anterior, como queda da inflação e sua capacidade de enfrentar problemas, mesmo que em sua campanha Lula enfatizasse seu compromisso com os interesses da maioria da população (contra um Presidente cujas políticas beneficiavam as elites e fragilizavam o país diante de crises internacionais). Fernando Henrique Cardoso foi eleito no primeiro turno; conforme já vimos anteriormente, o que contou foi a “avaliação de desempenho do candidato do governo”. Conclui- se que o eleitor, nessa eleição como na de 1994, deu peso à avaliação do candidato e ao contexto político, não se tratando apenas de uma avaliação do caráter do candidato baseada em aparências, ou em um julgamento estritamente moral, conforme mencionamos anteriormente. IV .4 Eleições de 2002 IV.4 Na eleição de 2002 houve um expressivo crescimento de Lula em várias regiões do interior do país. No entanto, no Paraná Lula e seu partido ganharam nas cidades de Cascavel, Curitiba e Ponta Grossa, ao contrário de Londrina e Maringá. Segundo Barreto (2003), a partir da análise dos resultados das pesquisas de intenção de votos, feitas e divulgadas ainda antes do segundo turno das eleições de 2002, verifica-se que o eleitor estava disposto a votar em Lula independentemente da região em que morava, de sua faixa etária, renda familiar, nível de instrução e sexo. Ao compararemse esses resultados apresentados por Barreto aos resultados das pesquisas realizadas nas vésperas das eleições anteriores (1989, 1994 e 1998), segundo as quais havia uma preferência por Lula concentrada nas camadas sociais mais favorecidas da sociedade, pode-se perceber que, em 2002, Lula conquistou também os votos dos mais pobres, dos que possuem menor nível de escolaridade e renda familiar. Todavia, no Paraná – mais especificamente em Londrina e Maringá –, Lula não pode ser considerado um candidato preferido por todas as classes, já que há indícios de rejeição. Essa rejeição pode estar associada à imagem do candidato, que sempre foi alvo do preconceito. Além disso, outro fator interveniente pode ser o de, nos arredores das cidades de Londrina e Maringá, terem ocorrido muitas ocupações de terra. Assim, mesmo que em nível nacional tenha havido uma grande vontade de mudança, no Paraná, representado pelas cidades analisadas, outros motivos foram mais fortes na escolha do candidato. É necessário avaliar por que em cidades como Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa Lula e seu partido venceram o pleito, enquanto em Londrina e Maringá, mesmo tendo prefeitos do PT, Lula não conseguiu a maioria dos votos.

V. HIPÓTESES DO VOTO PETISTA NO PARANÁ Ao observar as tabelas de votações e resultados eleitorais, podem-se notar algumas tendências nas cidades pesquisadas. Assim, nas eleições de 1989, 1994 e 1998,

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os adversários de Lula conseguiram maior número de votos, pelos diversos motivos já mencionados anteriormente: aparência do candidato, suas supostas qualidades, propostas de caráter econômico e social de acordo com a análise e contexto político das eleições. Mas em 2002 outros resultados foram-nos apresentados, em algumas cidades do Paraná. Em Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa, o candidato conseguiu mais de 50% de adesão dos eleitores. Pode-se observar uma correlação nos resultados das eleições para Governador do Estado e Prefeito nas cidades analisadas, a partir do apoio recebido por Lula, na coligação de partidos nas eleições para Prefeito, e, em outras cidades, o apoio do candidato a Governador, Roberto Requião. Em Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa, a base econômica constitui-se em atividades de agropecuária, agricultura, indústria e serviços; assim como Londrina e Maringá, essas cidades também sofreram ocupações de sem-terra, mas isso não foi decisivo no jogo eleitoral. Mesmo havendo uma grande votação no PT em Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa, não se pode concluir se realmente foram votos de protesto, diante da insatisfação com o governo em curso na época e sua política econômica e social, ou se o eleitor sofreu outro tipo de influência, seja de representantes dos partidos coligados ao Partido Trabalhista ou pela “melhora” de sua imagem por meio da interferência dos meios de comunicação. Em Londrina e Maringá apresentou-se outro cenário político, pois os Prefeitos eleitos em 2000 eram do PT e, no entanto, Lula não recebeu apoio suficiente nessas eleições. Nessas cidades existe, como já mencionamos, a questão dos movimentos de ocupação de terras. Sugerimos, assim, que a não-adesão a Lula deveu-se à contrariedade do eleitor às invasões e ao programa do PT, que tem como ação prioritária a reforma agrária e vê nas invasões de terra uma forma lícita de pressão.

VI. ADESÃO E VOTAÇÃO Apesar da importância da identificação partidária, não discutiremos essa questão neste trabalho; consideraremos outras variáveis. André Singer refletindo a respeito dos fatores que levaram o eleitor a votar em Collor nas eleições de 1989 (2000, p. 81) menciona que, dependendo do grau de instrução do eleitor, na hora de escolher o candidato “existe forte associação entre o voto e a imagem que os eleitores tinham de como os candidatos se posicionavam no eixo socioeconômico (defesa dos mais pobres contra os mais ricos ou vice-versa)”. O autor considera que a escolha do voto varia também de acordo com a “sofisticação política do eleitor”: um eleitor com maior “sofisticação política”, com uma visão mais apurada da política, poderia ter notado que Collor defenderia os ricos e Lula, os pobres. No entanto, nesse caso os eleitores com menos instrução, ou “menos sofisticados”, como diz Castro (apud SINGER, 2000, p. 81), “projetou sobre Collor a posição de defensor dos pobres”. Assim, a “sofisticação”, ou o conhecimento que o eleitor tem do jogo político, torna-se um elemento central para a definição do voto, uma vez que incide diretamente na capacidade de discernimento sobre a verdadeira posição dos candidatos. Como se pode constatar ao analisar os motivos que levaram à não-eleição

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de Lula em três dos pleitos analisados, a questão partidária parece não ter sido a grande influência, pois a eleição no pleito ocorreu por agremiação sem histórico eleitoral. Conforme dados do IBGE, a concentração urbana e a distribuição da população no espaço, no Paraná, e em especial nas cidades analisadas, são aceitáveis1 e até mesmo pequenas em relação à distribuição geral do Brasil (IBGE, 2002). Em Curitiba e Região Metropolitana, onde se concentra uma grande população urbana, pode-se considerar como fatores de adesão e votação em Lula o baixo grau de escolaridade dos eleitores; a influência dos meios de comunicação; a forte representatividade da coligação partidária que apoiou Lula e, principalmente, o apoio de Roberto Requião, candidato a Governador do Paraná. Requião e representantes de outros partidos da coligação que o apoiou reconheceram em Lula uma certa legitimidade para agir na política, um certo capital cultural (MIGUEL, 2003, p. 7). Lula teria um treinamento para a ação política que beneficiaria o estabelecimento de redes de relações e alianças com o capital econômico. Isso proporcionaria, conforme Miguel (ibidem), o ócio necessário à prática política, pois, ao “buscar a coligação e apoiar o candidato, o político estará procurando uma legenda que lhe garante mais recursos e condições para a sobrevivência na política” (MELO, 2002). Em Cascavel, Londrina, Maringá e Ponta Grossa, há uma importante concentração de grandes e pequenos agricultores. Assim, nessas regiões, a pequena produção agrícola tem sofrido com a concentração da propriedade da terra e com o exôdo rural que resulta, em grande parte, da expansão da cultura da soja. Essas transformações levaram um grande número de pequenos produtores rurais, vítimas do processo de modernização da agricultura, à mobilização e à adesão ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Com isso, as ocupações de terras, nas regiões mencionadas, aumentaram sensivelmente. Nas regiões de Londrina e Maringá, mesmo Lula mudando sua imagem, mostrando- se menos radical, lançando novas bandeiras, menos agressivas e com idéias mais receptivas à classe média, o eleitor considerou a importância do capítulo dedicado à reforma agrária, apresentado em sua plataforma política2. Já em Cascavel e Ponta Grossa, Lula venceu o pleito de 2002. É curioso o fato de que, apesar de essas cidades terem Prefeitos do PDT, elas apresentavam o mesmo perfil político, social e econômico de Londrina e Maringá, cidades em que o candidato não conseguiu a adesão da maioria dos eleitores.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da participação de Lula e do PT nas eleições presidenciais ocorridas entre 1989 e 2002, no Paraná, mostra que muitos fatores podem ter influenciado a 1

Ou seja, o espaço ocupado pela população, em metros quadrados, está dentro de um padrão considerado aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 2 Todavia importa notar que essa questão demanda um estudo mais aprofundado; da mesma forma, as oligarquias regionais, representadas pelos pequenos e grandes produtores da região, devem também ser analisadas em relação à adesão ou não a Lula e ao PT.

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votação eleitoral. No entanto, foram analisados somente os fatores de maior visibilidade nas cidades pesquisadas. É importante frisar que a discussão em torno desse assunto é muito ampla e demandaria uma pesquisa de maior alcance. Pode-se observar que há uma pequena instabilidade em relação ao comportamento e às preferências eleitorais entre as cidades pesquisadas. Em relação aos fatores condicionantes do comportamento eleitoral, como mudança de perfil do candidato e necessidade de novas configurações no meio político, as análises levaram-nos à conclusão de que o eleitor está sempre atento a esses fatores, podendo-se explicá-los a partir de um maior investimento do candidato na sua forma de comunicação e na construção de sua imagem. Com relação à esperança de mudanças no cenário brasileiro, na política, na economia ou na parte social, nota-se que é muito mais a partir da escolha macrossocial que os eleitores votam em determinado candidato. Existem ainda casos em que os eleitores, com a influência dos meios de comunicação, identificam-se com partidos ou candidatos carismáticos. No estudo das quatro eleições aqui focadas, conclui-se que não se seguiu completamente um padrão de comportamento, mas há fatores condicionantes semelhantes, embora com peculiaridades. Notou-se, por exemplo, que os fatores variaram de eleição para eleição, dependendo: do contexto político, econômico e social apresentado em cada momento e em cada cidade; de como o candidato posicionou-se no eixo socioeconômico local; das propostas do partido (interesses sociais defendidos em favor dos mais pobres contra os mais ricos ou vice-versa) e da sofisticação política do eleitor (grau de conhecimento do jogo político), além da questão não-racional de escolha do voto, em que o eleitor avalia o candidato em função de características e aspectos valorativos e simbólicos (aparência, honestidade, credibilidade etc.). Nas eleições de 2002, principalmente, pôde-se observar que nas cidades de Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa realmente havia uma vontade de mudança por parte dos eleitores, e as modificações efetivas do PT e de Lula, as novas coligações partidárias, o apoio do candidato a governador do Paraná, Roberto Requião de Melo e Silva, do PMDB, a nova atuação política e mudanças na imagem do PT e de Lula fizeram com que os eleitores, mobilizados, e motivados pela ação dos meios de comunicação e identificados com o partido, sofressem a influência do ambiente e votassem em Lula. Nas cidades de Londrina e Maringá, os eleitores sofreram outra forma de influência. Nessa região, a pesquisa se centrou nas questões relacionadas às ocupações de terra, considerando esse como um fator de rejeição. Ao não aderir ao candidato Lula, o eleitor pesou principalmente a questão do discurso do Partido Trabalhista em favor da reforma agrária e em apoio às ocupações de terra como forma lícita de pressão. Nessa região, pôde-se observar, os eleitores partiram da idéia de que, se aderissem ao candidato do PT, estariam comprometendo a si e a sua família, bem como toda a rede de relações em que se circunscreviam, com a possibilidade de conflitos pela terra interferirem decisivamente no contexto regional. Portanto, minha hipótese é que essa questão foi decisiva na derrota de Lula e do PT nessas cidades. Os fatores relacionados à imagem do candidato apresentada pela mídia, à mudança de seu perfil e do partido, como já mencionamos anteriormente, por meio de

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uma mensagem menos radical, menos agressiva e com idéias mais receptivas à classe média, associando sua imagem à de um negociador e conciliador das camadas sociais brasileiras, as alianças com a oposição, o apoio que o PT recebeu do prefeito da cidade na época da eleição, foram considerados como condicionantes das vitórias de Lula e do PT nas cidades de Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa. A eleição vencida nas cidades de Curitiba, Cascavel e Ponta Grossa leva a crer que mudanças (como o novo posicionamento político, menos radical) favoreceram também a conquista de eleitores considerados tradicionais e clientelistas. No entanto, esses fatores não surtiram grande efeito em Londrina e Maringá, onde se deu ênfase aos fatores locais e regionais. Enfim, a pesquisa indica que a vontade de mudar de uma parcela de eleitores contribuiu para que eles superassem preconceitos sociais e políticos contra Lula e o PT. Essa vontade de mudar, que se tornou um desafio para as campanhas eleitorais, pode ser formulada como necessidade de novas configurações no meio político (desejo da sociedade brasileira de mudança na política, com a presença de novos atores políticos). Assim, Lula passou a representar essa mudança nos meios de comunicação, apresentando-se como um candidato carismático, flexível e negociador, isto é, com qualidades consideradas necessárias para o bem do País. Da mesma forma, apresentouse o candidato como tendo o auxílio de especialistas do Partido, que de certa forma compensariam a falta de preparo acadêmico e prático do próprio candidato. Além disso, pesquisas indicaram a percepção de que Lula poderia dar maior atenção a temas socias e governar com mais “garra” e “emoção”. Lula lançou mão dessa “emoção” para atingir com êxito o eleitor e em algumas regiões do Paraná. Usando um discurso menos agressivo e despido de propostas radicais que o acompanhavam desde a fundação do PT, aliou elementos da “ideologia de esquerda”, de Lula e do PT, com elementos da “ideologia de direita”. Esses fatores, bem como as novas coligações partidárias e a adesão das oligarquias regionais, foram de grande importância, propiciando sua vitória em algumas regiões do Paraná.

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CAPÍTULO OITO

CORRUPÇÃO ELEITORAL NO PARANÁ: UM ESTUDO DE CASO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DE 1996 Fernando José dos Santos

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8. CORRUPÇÃO ELEITORAL NO PARANÁ: Um estudo de caso das eleições municipais de 1996

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I. INTRODUÇÃO O presente trabalho é um estudo sobre a corrupção eleitoral, em um sentido genérico da expressão. Pretende-se analisá-la por meio de casos e fatos que tiveram contato com a arena política do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR). Esses casos e fatos foram verificados em pesquisa realizada nos documentos de julgados, denominados “acórdãos”2, relativamente às eleições municipais de 1996, no estado do Paraná. O objeto deste estudo é o sistema jurídico-eleitoral. Assim, serão apresentadas as fontes que perfazem as “malhas” de sua estrutura e também os princípios fundamentais que compõem os pilares desse sistema. Serão feitas considerações sobre algumas características da democracia brasileira e alguns fatores históricos que permitiram e permitem a corrupção eleitoral no Brasil, situando assim a conjuntura em que ela se estabelece. Em seguida, apresentar-se-á uma classificação3 de casos e fatos relativos à corrupção que entraram em contato com a estrutura jurídica do TRE-PR e que estão presentes no meio social, segundo reconhecimento de analistas e estudiosos jurídicos, políticos e sociais. Essa classificação será apresentada e testada mediante a pesquisa realizada no âmbito do TRE-PR e em confronto com estudos teóricos de Sociologia e Ciência Política. Pretende-se conhecer, por meio deste estudo, o funcionamento do sistema jurídico-eleitoral, frente aos casos e fatos de corrupção que têm contato com a instituição do TRE-PR e verificar se a estrutura jurídico-normativa cumpre a finalidade de garantir a legitimidade do processo eleitoral e democrático brasileiro frente aos grandes problemas 1

O capítulo faz parte da monografia apresentada ao Curso de Especialização em Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná em 2003, e que teve como orientador o Prof. Adriano Nervo Codato. 2 Documento onde consta o julgamento de colegiado (grupo de juízes), ao contrário de decisão ou sentença proferida por juízo singular. 3 Os casos foram organizados e aglutinados em vista de critérios de semelhança em face das suas práticas, bem como, baseado na legislação e denominações posteriores às de 1996, na perspectiva de propiciar paralelos de comparação para pesquisas futuras.

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históricos e contemporâneos da democracia brasileira, a saber, corrupção eleitoral e abuso de poder econômico-político.

II. A CORRUPÇÃO ELEITORAL De início importa situar a expressão central e tema do presente trabalho – a corrupção eleitoral – e apresentar as fontes jurídico-positivas do Direito Eleitoral referentes às práticas de corrupção. O ponto de partida é a definição comum de corrupção. Assim, eis o que diz o Dicionário prático da língua portuguesa Michaelis (1987, p. 237): “corrupção. 1. Ato ou efeito de corromper; decomposição, putrefação. 2. Depravação e devassidão”. Sobre isso anota Mônica Caggiano (2002, p. 27): “o termo corrupção indica quaisquer ações praticadas de forma camuflada, a partir de uma zona de penumbra, à margem das linhas comportamentais norteadas pela lei e pela moral, sempre com vistas à obtenção de vantagens individuais ou em prol de um grupo, intangíveis pelas vias ordinárias”. No Direito, o termo “corrupção eleitoral” é utilizado como uma espécie de crime eleitoral previsto no Artigo 299 do Código Eleitoral (BRASIL, 2002a). Esse, todavia, não é o enfoque e sim a definição genérica do termo. II.1 Estrutura normativa – fontes do Direito Eleitoral A estrutura de normas, também denominada de fontes do Direito Eleitoral, visa a garantir acima de tudo o Estado democrático de Direito, conforme o artigo 1º da Constituição Federal de 1988. A normalidade do processo eleitoral encontra esteio em dispositivos de natureza constitucional e eleitoral. De fundamental e no topo está a Constituição Federal, cujo Art. 14, parágrafo 9º, dispõe: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições, contra a influência do poder econômico ou abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (BRASIL, 2002b; sem grifos no original). A lei que veio a regulamentar tal dispositivo constitucional foi a de nº 64/90, que estabeleceu os casos de inelegibilidade, prazos de afastamentos e outros aspectos. A Lei nº 4.737 de 1965 – Código Eleitoral – já previa anteriormente aos textos legais citados dispositivos de caráter moralizador e garantidor do regime democrático contra a corrupção eleitoral, procurando impedir a desigualdade na corrida eleitoral. Assim consta de seu artigo 237: “A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso de poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão colhidos e punidos” (BRASIL, 2002a). O referido código contempla também as disposições penais que abrangem os tipos dos crimes eleitorais constantes dos seus artigos 289 a 354. As eleições municipais de 1996 foram regulamentadas pela edição da Lei nº 9.100/95, sendo essa a última lei que

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normatizou eleições específicas. Havia até então a crítica de que tais leis eleitorais eram casuísticas porque voltadas aos interesses políticos momentâneos. Tal lei disciplinou a propaganda eleitoral, as pesquisas eleitorais, os crimes eleitorais, as prestações de contas e outros assuntos. Na prática, essas leis “anuais” reiteravam dispositivos do Código Eleitoral ou da própria lei da eleição anterior, incorporando alguns novos dispositivos. As resoluções baixadas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) também compõem a estrutura normativa. Nesse ponto, há uma discussão jurídica e política quanto ao papel normatizador da Justiça Eleitoral, que vez ou outra edita norma substancial afetando as regras do jogo político democrático4: de fato, a Constituição de 1988 não outorgou esse papel à Justiça Eleitoral; por outro lado, essa Justiça especializada tem o papel crucial de ser efetiva na consecução de sua missão, ou seja, realizar as eleições de modo a resguardar os princípios democráticos. Para o momento, interessa o que de fato acontece: assim, a Justiça Eleitoral realmente atua de modo a compor a estrutura do sistema normativo. Nesse sentido, Gomes (1998, p. 174) considera que “[...] é inegável o caráter cogente das resoluções emanadas do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, que, ao lado das leis, integram a legislação eleitoral”.

III. FATORES QUE PROPICIAM A CORRUPÇÃO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA Já foi situada a estrutura normativa do Direito, com a qual o Estado brasileiro visa a proteger a ordem institucional em face dos atos que possam corrompê-la. Abaixo apresentaremos os tópicos que constam da pesquisa realizada no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, como também analisaremos o seu contato com a “malha judiciária” eleitoral. Na presente seção pretendemos entender a vinculação e a influência dessa estrutura normativa e os referidos tópicos no contexto das teorias da democracia e dos fatores que formam a estrutura social e política brasileira. Sem dúvida, este trabalho está longe de esgotar o assunto, mas pode apontar fatores desmistificadores da teoria clássica da democracia assim como características próprias das democracias liberais. Particularmente, analisam-se algumas condições e aspectos históricos do Brasil, para melhor compreender as condições em que se fixaram os pilares da democracia brasileira. Para tanto, realizaremos uma breve análise de autores clássicos da Ciência Política e da Sociologia Política. Assim, um termo inicial fundamental a ser tratado é “política”. Weber (1999, p. 526) afirma que: “Política significaria para nós, portanto, a tentativa de participar no poder ou de influenciar a distribuição do poder, seja entre vários Estados, seja dentro de um Estado entre os grupos de pessoas que este abrange. [...] Quem pratica política reclama poder: poder como meio ao serviço de outros fins – ideais ou egoístas – ou poder ‘pelo próprio poder’, para deleitar-se com a sensação de prestígio que proporciona”. 4

Dois exemplos: 1) a verticalização das coligações nas eleições de 2002 e 2) a diminuição do número de cadeiras das Câmaras Municipais, nas eleições de 2004.

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Outro termo oportuno é “Estado”, de que igualmente tratou Weber (ibidem): O Estado, do mesmo modo que as associações políticas historicamente precedentes, é uma relação de dominação de homens sobre homens, apoiada no meio da coação legítima (quer dizer, considerada legítima). Para que ele subsista, as pessoas dominadas têm que se submeter à autoridade invocada pelas que dominam no momento dado. Quando e por que fazem isto, somente podemos compreender conhecendo os fundamentos justificativos internos e os meios externos nos quais se apóia a dominação. [...] Para nossa consideração, cabem, portanto, constatar o puramente conceitual: que o Estado moderno é uma associação de dominação institucional que dentro de determinado território pretendeu com êxito monopolizar a coação física legítima como meio da dominação e reuniu para este fim, nas mãos de seus dirigentes, os meios materiais de organização [...]. A figura do político surge então como representante do Estado e como ator na disputa pelo poder. A esta figura, acrescenta-se outro elemento importante para análise do trabalho, como se vê nessa outra citação de Weber (idem, p. 527; sem grifos no original): “No entanto, esses políticos de ‘profissão’, no sentido de vocação, não são em lugar algum as únicas figuras decisivas nas manobras da luta pelo poder político. Altamente decisiva é antes a natureza dos recursos de que dispõem”. Essa passagem remete à nossa realidade, em que as modernas democracias têm dificuldades para controlar e permitir a transparência da origem dos financiamentos de campanhas. Sobre o conceito de democracia, convém situar a expressão no seu sentido comum, ou seja, a idéia de que a democracia é o governo “do povo e para o povo”. Saliente-se que esse é o sentido clássico que dá a idéia de que o cidadão comum tem possibilidade de gerir seu destino e o de seus iguais, conforme as origens que remontam a Atenas antiga, relativamente presente no senso comum das pessoas na atualidade. Em um sentido mais atual, a democracia, para Luís Felipe Miguel (2004, p. 483), “limita-se a escolher entre as opções que lhe são apresentadas por grupos organizados, já que o próprio sentido da representação política foi alterado, destinando ao eleitor um papel reativo [...]”. O autor, ao fazer referência à chamada “teoria das elites”, fundada por Mosca, Pareto e Michels, explica que ela se opôs aos movimentos democráticos no momento de sua formulação. De acordo com essa teoria, sempre haverá minoria dirigente e maioria dirigida, cujo resultado para a democracia como governo do povo é uma “fantasia inatingível”, pois sempre haverá desigualdade. Tais pensamentos vêm na esteira da teoria formulada em 1940 por Schumpeter e que causou profunda transformação nas teorias da democracia, repercutindo drasticamente em estudos e análises sobre o tema desde então. Eis os pressupostos básicos da teoria formulados por Schumpeter, citado por Amantino: 1. Não existe o chamado bem comum, isso pelo simples fato de que, para indivíduos, grupos e classe diferentes, o bem comum

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significa coisas diferentes; 2. o chamado governo pelo povo é uma ficção; o que existe, na realidade, ou pode existir, é governo para o povo; 3. o governo é exercido por elites políticas; 4. essas elites competem no mercado político pela preferência dos eleitores; 5. a concorrência no mercado político, tal como no mercado econômico, é imperfeita, isto é, oligopólica; 6. partidos políticos e eleitores atuam no mercado político de maneira semelhante à atuação das empresas e consumidores no mercado econômico; 7. o voto é a moeda por meio da qual o eleitor compra os bens políticos ofertados pelos partidos; 8. a soberania popular, embora não seja nula, é reduzida, visto que são as elites políticas que propõem os candidatos e as alternativas a serem escolhidas pelo eleitor; 9. o objetivo primordial dos partidos políticos é conquistar e manter o poder. A realização do bem comum é um meio para atingir este objetivo; 10. a necessidade de maximizar votos impede que os partidos e os políticos sirvam exclusivamente a seus interesses grupais ou de classe. Como diz Bobbio [...], os controladores são controlados (AMANTINO, 1998, p. 138). Concluindo e voltando a Miguel: Ao dar fundamento retórico aos regimes eleitorais que chamam a si mesmo de democracia, Schumpeter e seus seguidores buscam neutralizar aqueles que reivindicam um regime mais participativo e igualitário. Mas a idéia de “governo do povo” – no sentido da igualdade efetiva na tomada das decisões públicas – insiste em permanecer à tona, quando menos como um parâmetro normativo que revela quão pouco os regimes ocidentais realizaram as promessas do rótulo que carregam. Por trás das “democracias realmente existentes” de hoje, domesticadas, que aceitam todas as desigualdades sociais e se contentam com um papel secundário diante do ordenamento capitalista da sociedade, o ideal democrático continua exibindo seu caráter subversivo (MIGUEL, 2004, p. 503). III.1 Aspectos históricos da corrupção eleitoral no Brasil Após a apresentação dos conceitos de política e Estado conforme propõe o pensamento de Weber e dos conceitos mais atuais das democracias ocidentais, que lhes

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desmistificam antigos ideais de pureza, interessa agora demonstrar como se deram essas relações no desenvolvimento histórico do Brasil e sobretudo qual seu legado para a compreensão do fenômeno atual da corrupção eleitoral. A primeira categoria para essa análise é a do “patrimonialismo”. Ele constituiuse em uma forma de poder característica do Estado brasileiro em uma “viagem de seis séculos”. Conforme Faoro (1975, p. 733): uma estrutura político-social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios mais profundos, à travessia do oceano largo. O capitalismo politicamente orientado – o capitalismo político, ou o pré-capitalismo –, centro da aventura, da conquista e da colonização, moldou a realidade estatal, sobrevivendo e incorporando na sobrevivência o capitalismo moderno, de índole industrial, racional na técnica e fundado na liberdade do indivíduo – liberdade de negociar, de contratar, de gerir a propriedade sob a garantia das instituições. A comunidade política conduz, comanda, supervisiona os negócios como negócios privados dos seus [...]. Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder, institucionalizada num tipo de domínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo – assim é porque sempre foi. Além do patrimonialismo há outras estruturas de poder e dominação. Conforme indica José Murilo de Carvalho, a literatura tem demonstrado a relação entre patrimonialismo, corporativismo e autoritarismo, bem como entre clientelismo e populismo. É importante notar que a terminologia usada para discutir o poder local na Colônia, no Império ou na Primeira República reflete visões do Brasil de hoje ou mesmo visões mais gerais sobre as leis e tendências das trajetórias das sociedades. Carvalho procura detectar o problema da natureza da dominação: Funda-se na expansão lenta do poder do Estado que aos poucos penetra na sociedade e engloba as classes via patrimonialismo, clientelismo, coronelismo, populismo, corporativismo. A outra linha, menos importante no nosso contexto, trata do movimento centrado na dinâmica do conflito de classes gerado na sociedade de mercado que surgiu da transformação do feudalismo na moderna sociedade industrial, via contratualismo, representação de interesses, partidos políticos, liberalismo político (CARVALHO, 1997). Um conceito empregado popularmente – o de coronelismo – relaciona-se à prática do “voto de cabresto” e consagrou-se com o sentido de corrupção eleitoral. Ele é caracteristicamente brasileiro, ligado à estrutura social gerada em um sistema de poder baseado em barganhas. Os conceitos de clientelismo e mandonismo relacionam- se e assemelham-se a essas idéias e, por isso, podem gerar certa confusão. Iniciando pelo coronelismo, Carvalho (ibidem), a partir do livro clássico de Vítor

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Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto, considera que esse “é um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o Presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos”. Ele surge da confluência de um fato político – o federalismo – com uma conjuntura econômica – a decadência econômica dos fazendeiros. O mandonismo, por seu turno, refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder. O mandão, o potentado, o chefe ou mesmo o coronel como indivíduo é aquele que, em função do controle de algum recurso estratégico – em geral a posse da terra –, exerce sobre a população local um domínio pessoal e arbitrário que a impede de ter livre acesso ao mercado e à sociedade política. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política tradicional. Para o autor, a tendência é que essa característica desapareça completamente à medida que os direitos civis e políticos alcancem todos os cidadãos, sendo que a história do mandonismo confundese com a história da formação da cidadania. O clientelismo, para Carvalho, “indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto” (idem). Estudo realizado em 2000 sobre clientelismo eleitoral e coronelismo no Município de Itaperuçu, na região metropolitana de Curitiba, a 37 km da capital paranaense, resgata tais conceitos, demonstrando sua atualidade no sul do Brasil. [...] os estudos de Marcos Lanna [...], Igor de Rennó Machado [...], Francisco Pereira de Farias [...], Ibarê Dantas [...], entre outros, ajudam a perceber que não há diferenças gritantes entre os municípios do Nordeste, Sudeste e os do Sul do Brasil. As interpretações sobre os fatos podem ser divergentes, mas as estruturas de ações parecem semelhantes. E, principalmente, velhas estruturas de poder continuam a persistir na democracia brasileira, como é o caso das características descritas por Victor Nunes Leal (ALVES, 2003, p. 56). Do Brasil-Império à atualidade, essas características do patrimonialismo evoluíram para uma cultura política que perdura no tempo e que influencia a estrutura normativa que objetiva combatê-la e coibi-la.

IV. CARACTERIZAÇÃO DOS FATOS E CASOS Nesta seção apresentaremos uma listagem de casos e fatos referentes à corrupção encontrados nos acórdãos, relativamente às eleições de 1996, no Paraná, e a maneira como se relacionam com o sistema jurídico-eleitoral. Algumas considerações jurídicopolíticas, comentários de autores da Ciência Política, juristas e também dados estatísticos serão apresentadas no sentido de justificar a idéia de que se tratam de casos e fatos que têm a propriedade de influenciar na normalidade e regularidade do pleito e, assim, corromper o processo eleitoral.

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Os casos foram organizados e aglutinados em vista de critérios de semelhança em face de suas práticas, com base na legislação e denominações posteriores às de 1996, na perspectiva de propiciar paralelos de comparação para pesquisas futuras. Ei-los: - irregularidade na apuração, na contagem ou na totalização de votos; - divulgação de pesquisa eleitoral supostamente irregular; - impetração de fato ofensivo à honra – direito de resposta; - veiculação de propaganda eleitoral irregular; - crime eleitoral: crime contra a honra; - divulgação de publicidade institucional irregular; - abuso de poder econômico-político; - programação irregular de rádio, TV e outros meios de comunicação; - condutas vedadas aos agentes públicos; - crime eleitoral: fraude; - crime eleitoral: dar, oferecer, receber sorteio – aliciamento; - crime de desobediência à Justiça Eleitoral; - propaganda partidária gratuita irregular; - impedir exercício de propaganda; - transporte irregular de eleitores; - irregularidades praticadas por servidor da Justiça Eleitoral; e - diversos. IV .1 Irregularidade na apuração, na contagem ou na totalização de votos IV.1 A irregularidade, aqui, refere-se ao procedimento formal e administrativo, passando pelo funcionamento e composição das mesas receptoras, procedimentos na realização da coleta de votos, contagem, apuração e totalização. É importante, ressalte- se, o tão propalado “mapismo”: fraude contábil realizada pelos “mapeiros”, escrutinadores, na transcrição dos mapas, a que os idealizadores da urna eletrônica buscaram erradicar quando eliminaram a própria participação maciça de tais colaboradores. Vale lembrar que anteriormente às urnas eletrônicas o procedimento regrado pela Lei nº 8.713/93 já visava a evitar essa prática, quando da ocorrência de dados conflitantes referentes a votos nulos, brancos ou válidos em relação às médias gerais verificadas no município, na seção e na zona eleitoral. O fenômeno do mapismo começou a ser eliminado a partir da introdução da urna eletrônica nas eleições de 1996; no Paraná, apenas Curitiba e Londrina experimentaram tal novidade nessas eleições. Sabe-se que o controle das apurações deixou de ser formalmaterial, passou mais a ser um controle virtual, restrito a técnicos especializados da Justiça Eleitoral e representantes partidários. Esse controle é também feito, indireta e subjetivamente, a partir de estatísticas e projeções de pesquisadores, em confronto com os resultados eleitorais, efetuadas por analistas políticos e cientistas sociais. Em eleições futuras, registre-se, o voto impresso e auditorias foram introduzidos. Um fator que deve também ser sopesado, sobretudo quando da análise da

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pesquisa, é o do volume de casos das supostas irregularidades que decorrem de procedimentos menos formais, denominados de impugnações de votos e urnas. Embora sejam meras reclamações, em nome do rigor científico eles foram coletados. Registra-se, por oportuno e para bem demonstrar tal situação, que os pedidos de impugnações e recontagens de votos, formulados por candidatos e partidos, refletem por vezes a busca aflita de poucos votos que lhes garantam a eleição, figurando a Justiça Eleitoral ou a Junta Apuradora no pólo passivo do processo. Em um breve apanhado dos acórdãos do TREPR é possível constatar esse fato: - Acórdão nº 21.314, de 21 de novembro de 1996: Ementa: Recurso Eleitoral. Recontagem de Votos. Incompetência. Nulidade. Cabe à Junta Eleitoral decidir sobre os pedidos de recontagem de votos, sendo nula a decisão do Juízo monocrático. Justificativa do pedido constante do Relatório: “[...] ingressou com pedido de recontagem de votos, cumulado com pedido de explicações, sob o argumento de que obteve 284 votos, e o candidato eleito Altivo Heleno Dias, que disputou as eleições pelo PT, obteve 290 votos. Tendo em vista a diferença de votos, requereu informações acerca do cálculo do quociente eleitoral [...] enfim a recontagem total de votos, a fim de averiguar a possibilidade de ter sido eleito” (PARANÁ. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL, 1996a). -Acórdão nº 21.334, de 22 de novembro de 1996: Ementa: “Recontagem de votos. Indeferimento. Ausência de impugnação perante a mesa apuradora – art. 171, CE”. Justificativa constante do Relatório: “[...] alegando o cerceamento do direito de fiscalização e erro material na apuração, pois muitos votos de Rubens foram, na dúvida quanto à grafia, atribuídos a Orlando Bonette, candidato do PT” (PARANÁ. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL, 1996b). - Acórdão nº 21.339, de 25 de novembro de 1996: Ementa: “Recurso Eleitoral contra decisão da junta apuradora que indeferiu a recontagem de votos”. Justificativa do pedido constante do Relatório: “Alegou que em Cascavel todas as pesquisas de intenção de votos foram contrariadas pela apuração, sendo que o candidato da requerente, Edgar Bueno, deveria ter ganho do candidato Salazar Barreiros com uma margem de 4% a 8% e acabou perdendo por apenas 0,15% (220 votos num contexto de 138.000 eleitores)” (PARANÁ. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL, 1996c). IV .2 Divulgação de pesquisa eleitoral supostamente irregular IV.2 Esse é um tema que assumiu grande destaque no cenário político-eleitoral e, por isso, foi separado do caso ou fato “Propaganda, informação e corrupção eleitoral”. A utilização de pesquisa é das práticas mais recentes no processo eleitoral. Surgiu com a sociedade de massas e obteve a atual ênfase com o processo de redemocratização nos anos 1980 no Brasil, ganhando força com a revogação do dispositivo do Código Eleitoral

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de 1964, Art. 2555, após a edição da Constituição de 1988 e do princípio disposto no Artigo 220, § 1º, que trata da liberdade de informação. Muito embora esse princípio seja consagrado, a cada eleição as pesquisas eleitorais são alvos de muita discussão e têm sido objeto de análise e alteração por parte dos legisladores. Foi assim com a Lei nº 8.713, que regulou as eleições de 1994; com a Lei nº 9.100/95, que disciplinou as eleições de 1996, e a Lei nº 9.504/97, que regulou as eleições subseqüentes, seguindo até as discussões que estiveram na pauta da atual reforma política no Congresso Nacional. A instrução emitida pelo TSE6 para as eleições de 2004 contou com 21 dispositivos, indo bem além do já disciplinado na Lei das Eleições (nº 9.504/97), fruto, certamente da experiência de reiteradas eleições, que têm demonstrado a todos – intérpretes, políticos e cientistas políticos – a necessidade do aperfeiçoamento, em vista sobretudo da necessidade de harmonização dos princípios de liberdade de informação e da isonomia dos candidatos frente ao processo eleitoral e às instituições democráticas. Voltando um pouco no tempo e situando a realidade das eleições de 1996, a Lei nº 9.100/95 tipificou como crime eleitoral a pesquisa manipulada como infringência dos artigos 48 e 49, que tratam das pesquisas eleitorais. Autores do ramo do Direito Eleitoral como Lauro Barreto (1997) e Olivar Coneglian (1996), à época da edição da lei acima referida, faziam análises que confluíam na mesma direção: de que pesquisas orientam candidatos a mudarem as estratégias; contudo admitiam o mau uso das pesquisas para enganar o público com falsas tendências. 5

Art. 255 da Lei nº 4.737/65: “Nos 15 dias anteriores ao pleito é proibida a divulgação, por qualquer forma, de resultados de prévias ou testes pré-eleitorais” (BRASIL, 2002a). 6 A Resolução nº 21.576 do TSE regulará as eleições de 2004: “Art. 2º A partir de 1º de janeiro de 2004, as entidades e empresas que realizarem qualquer tipo de pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa, a registrar no juízo eleitoral ao qual compete fazer o registro dos candidatos, até cinco dias antes da divulgação, as seguintes informações [...] (Lei nº 9.504/97, Art. 33, I a VII, e § 1º); § 4º O não-cumprimento do disposto neste Artigo ou qualquer ato que vise a retardar, impedir ou dificultar a ação fiscalizadora dos partidos constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo, e multa no valor de R$ 10.641,00 (dez mil, seiscentos e quarenta e um reais) a R$ 21.282,00, (vinte e um mil, duzentos e oitenta e dois reais) (Lei nº 9.504/97, art. 34, § 2º). Art. 14. A divulgação, ainda que incompleta, de resultado de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata o art. 2º desta Instrução, sujeita o instituto de pesquisa, o contratante da pesquisa, o órgão de imprensa, o candidato, o partido político ou coligação ou qualquer outro responsável à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinqüenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106 410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) (Lei nº 9.504/97, art. 33, § 3º; Acórdão nº 372, de 25 jun. 2002). § 1º O veículo de comunicação social arcará com as conseqüências da publicação de pesquisa não registrada, mesmo que esteja reproduzindo matéria veiculada em outro órgão de imprensa (Acórdão nº 19.872, de 29.ago.2002). § 2º Estarão isentos de sanção os institutos de pesquisa que comprovarem que a pesquisa foi contratada com cláusula de não-divulgação e que esta decorreu de ato exclusivo de terceiros, hipótese em que apenas estes responderão pelas sanções previstas. Art. 15. A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de R$ 53.205,00 (cinqüenta e três mil duzentos e cinco reais) a R$ 106 410,00 (cento e seis mil quatrocentos e dez reais) (Lei nº 9.504/97, art. 33, § 4º). Art. 16. Pelos crimes definidos nos §§ 4º e 5º do art. 13 e no art. 15 desta Instrução, podem ser responsabilizados penalmente os representantes legais da empresa ou entidade de pesquisa e do órgão veiculador (Lei nº 9.504/97, art. 35). Art. 17. As pesquisas eleitorais poderão ser divulgadas a qualquer tempo, inclusive no dia das eleições (Constituição, art. 220, § 1º; Acórdão-TSE nº 10.305, de 27.out.1988) (BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, 2003b).

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Não havia na época, como hoje é feitos pelos analistas, uma avaliação do forte impacto que as pesquisas têm exercido sobre o resultado eleitoral. A evolução do processo democrático nacional tem demonstrado que pesquisas ganham eleições e que o grande desequilíbrio entre os princípios de liberdade de expressão e de igualdade entre os candidatos tem arranhado o processo eleitoral e a democracia. Nesse sentido, é oportuna a análise do jornalista Sérgio Buarque de Gusmão: [...] É indisfarçável, no entanto, que os institutos escalaram um Everest de erros nas pesquisas para as eleições de 1998. [...] Os erros foram maiores do que a boa-fé pode suportar. Tome-se o desempenho do Datafolha. O instituto associado ao maior jornal do país, a Folha de S. Paulo, tropeçou em todas as pesquisas de intenção de voto para governador de nove estados e do Distrito Federal, realizadas dois dias antes da eleição, dia 4 de outubro. O Datafolha errou a votação de pelo menos 13 de 22 candidatos mencionados. Em São Paulo, Bahia e Distrito Federal, embaralhou a ordem de colocação dos candidatos – de tal sorte que um segundo colocado (Francisco Rossi, em São Paulo) caiu para o quarto lugar. No Rio, ao contrário do que previu o instituto, Anthony Garotinho não venceu no 1.º turno – obteve 46,86% e não 52% dos votos válidos. O Ibope, decano dos institutos de pesquisa, há cinqüenta anos no ramo, boiou tanto quanto um ginasiano esquadrinhando o teorema de Fermat. No Maranhão, para ficar no caso mais vexatório, o instituto previu que a governadora Roseana Sarney seria reeleita com 70% do total de votos, e ela estacou em 48,8% – uma diferença de 21 pontos percentuais que fariam uma instituição séria corar de vergonha e pedir desculpas ao público (GUSMÃO, s/d). Na atualidade existe quase um consenso nas casas legislativas, Câmara dos Deputados e Senado Federal a respeito da necessidade de alteração dos mecanismos existentes. Tal análise foi retratada no atual relatório da Reforma Política que tratou do tema: A questão da pesquisa eleitoral foi um dos pontos muito debatidos nesta Comissão e existe um consenso muito grande no sentido da necessidade de haver uma limitação da sua divulgação, sobretudo nos últimos dias. [...] Nossa sugestão é que nos últimos 15 dias de campanha seja proibida a divulgação de pesquisa para evitar que se possa mudar ou transformar a vontade do eleitor. E não é essa, em absoluto, a intenção. Ou seja, os partidos podem continuar fazendo suas pesquisas, podem continuar fazendo seus acompanhamentos [...] Esse foi o sentido que pudemos captar das discussões, dos anseios, das conversas [...]. Creio que em cada Estado temos histórias para contar acerca de pesquisas. Imagino que não existe um Estado brasileiro em que não se tenha algo a contar de pesquisa. Existe até o caso de pesquisa que funcionou para o outro lado,

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ou seja, pessoas que estavam com a eleição ganha e, pela divulgação da pesquisa, que forçou o voto útil, o resultado foi mudado. No nosso entendimento, a medida de proibir a divulgação nos últimos 15 dias é extremamente salutar para a garantia do resultado do processo e a vontade do eleitor”. A Comissão apoiou integralmente a proposta de emenda à Constituição oferecida pelo relator relator, qual seja: PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº, DE 1998: Acrescenta inciso III ao § 3º do art. 220 da Constituição Federal, a fim de permitir que a lei possa impor restrições à divulgação de pesquisas eleitorais (BRASIL. SENADO FEDERAL, 1998; itálicos no original; sem negritos no original). Contudo, ressalve-se que 15 dias é um exagero da proposta. eiculação de propaganda eleitoral irregular; divulgação de publicidade IV.3 .3 VVeiculação IV institucional irregular; programação irregular de rádio e TV e propaganda partidária gratuita irregula irregular Os tópicos propaganda e informação são dos mais importantes na atualidade das democracias mundiais. Eles recaem no tema geral da comunicação e estão intrinsecamente ligados à questão do abuso de poder econômico. Ambos vêm-se constituindo em um desafio para todos que se interessam pela discussão da democracia. Os itens propaganda e informação passaram pelas reformulações constantes das leis dos anos das eleições: leis nº 8.214/91, nº 8.713/93 e nº 9.100/95, até a edição da Lei das Eleições, a de nº 9.504/97. Os tópicos pesquisa eleitoral e impetração de fato ofensivo – direito de resposta foram excluídos para melhor se delinear os contornos dos tópicos dentro do próprio tema e ante o grande volume dos casos de direito de resposta. No tocante às eleições de 1996, sobre propaganda em geral e em vista dos dispositivos que regularam a Lei nº 9.100/95, ressalta-se que: 1. foram revogadas as proibições de gravações externas; 2. aplicação de horário em rede para as emissoras que operem em VHF e UHF; 3. houve a implantação de spots; 4. ocorreu a proibição de cidadão filiado a partido diverso do responsável pelo horário (artigos 56 a 61); 5. quanto aos debates, ficou mantida exigência da lei anterior, sendo permitidos desde que com a participação de todos os partidos (art. 62) e 6. em relação aos anúncios em outdoors, foi permitida sua utilização após o registro de candidatos, observando-se a divisão de espaços entre os concorrentes, considerando os espaços de maior ou menor impacto (art. 55). Ainda quanto ao aspecto jurídico, cabe ao intérprete sopesar os seguintes princípios aplicáveis à propaganda eleitoral: liberdade de informação (art. 220 da Constituição Federal); isonomia entre os candidatos frente ao processo eleitoral e às instituições democráticas (art. 1º, parágrafo único, e art. 14, § 9º, da Constituição Federal) e direito à privacidade (art. 5º, XLI, da Constituição Federal). Lima Sobrinho, tratando do assunto da regulamentação da liberdade de informação na propaganda, afirma que “cifrase a uma tentativa para encontrar o meio-termo ideal entre a licença e a tirania” (Lima Sobrinho apud FRUET, 1997, p. 153).

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A legislação traz vedações à atuação das emissoras de comunicação no artigo 64 da Lei nº 9.100/95, prestigiando um dos princípios existentes – no caso, o princípio da isonomia7. Posteriormente, a Lei nº 9.504/97, em seu artigo 45, ampliou os dispositivos abarcando os radialistas e seus programas, sendo-lhes vedados a partir de 1º de julho divulgar nome de programa e, a partir de 1º de agosto, às emissoras, de transmitir programas apresentados ou comentados por candidato. Dentro do tema propaganda, é interessante observar a evolução do instituto na busca de fechar as malhas legais, objetivando coibir práticas irregulares. Essa evolução ocorreu em uma época em que os candidatos radialistas e apresentadores de programas tiveram grande evidência no processo eleitoral devido ao sucesso obtido nas urnas, gerando desigualdade na corrida eleitoral entre os candidatos. Como não existem fórmulas para aplicar a todos os casos concretos, como a lei não pode prever tudo e também não pode restringir os limites da comunicação, entra em cena o intérprete para equacionar os princípios em vista das situações presentes. O ex-Ministro do TSE e advogado Torquato Jardim relaciona o problemático limite da restrição dos meios de comunicação à questão da falsa informação em vista do voto conscientemente informado. Os recursos de manipulação das mentes, subliminares ou mesmo explícitos, são ilimitados. Os exemplos na história deste século são incontáveis: os cultos de personalidade, a “fabricação” de mitos, a “produção” de candidatos, a escolha de assuntos para “públicos-alvo” são apenas algumas das expressões que as campanhas políticas consagraram. [...] A lei não restringe a expressão da comunicação; nem impõe licença prévia, nem censura posterior. Tal intuito seria contrário ao sistema da Constituição. Ocorre que a mesma Constituição também assegura o exercício da cidadania mediante sufrágio universal, o que pressupõe, para a estabilidade da democracia, o voto conscientemente informado. Voto livre de cultos de personalidade, de “fabricação” de mitos, de “produção” de candidatos (JARDIM, 1994, p. 69). Indo mais a fundo na questão da interferência dos meios de comunicação no processo eleitoral, Antonio Rubin considera que: No mundo contemporâneo, o nome de midiática e a conformação de uma 7

“Art. 64. A partir de 1º de julho de 1996, é vedado às emissoras, em sua programação normal ou noticiário: I – transmitir, ainda que em forma de entrevista jornalística, imagens de realização de pesquisa ou qualquer outro tipo de consulta popular de natureza eleitoral em que seja possível a identificação do entrevistado, ou manipulação de dados; II – utilizar trucagem, montagem ou outro recurso de vídeo ou áudio, ou produzir ou veicular programa que possa degradar ou ridicularizar candidato, partido ou coligação. III – veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido ou coligação, ou seus órgãos ou representantes; IV – dar tratamento privilegiado a candidatos, partidos ou coligações . V- veicular ou divulgar filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa que faça alusão ou crítica que prejudique candidato, partido político ou coligação, mesmo que de forma dissimulada” (BRASIL, 1995; sem grifos no original).

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sociabilidade estruturada e ambientada pela mídia recolocam em intensa evidência a temática do relacionamento entre política e comunicação e, em especial, da interação entre mídia e eleições; surgimento e desenvolvimento de uma nova modalidade de comunicação, aqui, pois eles ressignificam em profundidade os termos envolvidos na relação, alterando de modo significativo as configurações do processo eleitoral, como se pretende demonstrar (RUBIN, 2001, p. 172). O autor segue adiante enfatizando a importância desse novo espaço, agora de disputa de poder, ocupado pelas mídias: “Por meio desta autonomização, na produção de acontecimento e de sua dinâmica, o espaço eletrônico se transforma ele mesmo em lugar essencial de disputa política-eleitoral [...]. A tela – objeto síntese destes espaços eletrônicos conectados em rede, emerge assim como novo e privilegiado espaço de disputa a ser ocupado pela política” (idem, p. 182). Como situações emblemáticas desses casos, Rubin conclui que dessas transformações é possível constatar: “o deslocamento do espaço privilegiado da rua para a tela, especialmente em eleições majoritárias; o advento de novos formatos políticos seja na tela, seja na rua e, por fim, a aparição como possibilidade produtiva de novos acontecimentos políticos, ensejados na tela e em uma perspectiva específica autonomizados frente à campanha de rua, cuja produção torna-se crucial para a campanha eleitoral” (idem, p. 185). O mesmo autor encerra, dizendo: “as novas configurações das eleições sintonizadas com as novas configurações assumidas pela política em uma sociedade estruturada e ambientada pela comunicação e pela mídia” (ibidem). IV .4 Impetração de fato ofensivo à honra – direito de resposta; crime eleitoral – IV.4 crime contra a honra Este item congrega dois casos e fatos: direito de resposta e crime eleitoral na modalidade de crime contra a honra. No tópico IV.3 são tratadas as situações decorrentes da prática de propaganda eleitoral irregular ou práticas de comunicação irregular contra candidatos, partidos ou coligações. O artigo 66 da Lei nº 9.100/95 dispõe que a partir da escolha de candidatos em convenção é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de maneira indireta, por imagem, conceito ou afirmação caluniosa, difamatória ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social. O artigo 64 do mesmo diploma veda a utilização, pelas emissoras, de trucagem, montagem ou outro recurso de vídeo ou áudio ou, ainda, produzir ou veicular programa que possa degradar ou ridicularizar candidato, partido ou coligação. Ao intérprete – ao julgador – cabe a missão de vislumbrar o equilíbrio nos casos de direito de resposta em face dos princípios de direito constitucional: liberdade de expressão, direito à privacidade e isonomia entre os candidatos, bem como saber os limites entre a liberdade e a crítica frente a indivíduos que são investidos em cargos de natureza pública, que detêm notoriedade em face do poder que exercem.

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Nesse sentido citamos duas ementas iniciais de acórdãos do TRE-PR8, referentes ao assunto, da lavra do Juiz Relator Clemerson Mèrlin Clève: Rec. Eleitoral 97. [...] 1. A trucagem ou montagem na propaganda eleitoral apenas é vedada se tiver por escopo ridicularizar ou degradar a imagem de candidato, partido ou coligação; [...] Acórdão nº 22.563, de 29.09.98. Recurso Eleitoral 8. Representação. Ofensa. Inconfiguração. Direito de crítica. O simples exercício de crítica, ainda que dura, não implica ofensa passível de censura ou de emergência do direito de resposta. Acórdão nº 22.552 de 25.09.98. A segunda situação do item 2.4 é mais grave e, por isso mesmo, denominada de “crime”. Trata-se de uma infração penal. A outra, uma infração eleitoral, que resolve-se, em princípio, pela oportunidade de a parte ofendida exercitar seu direito de resposta. Os crimes contra a honra estão previstos no Código Eleitoral, Lei nº 4.737/ 65, nos artigos 324 a 326. Eis uma breve noção dos conceitos de calúnia, difamação e injúria: “Calúnia: é a falsa imputação a alguém de fato definido como crime; Difamação: é a imputação a alguém de fato ofensivo à sua reputação; injúria: é a ofensa ao decoro ou à dignidade de alguém” (COSTA, 2002, p. 99-100). IV .5 Abuso de poder econômico-político IV.5 Um dos grandes problemas das democracias contemporâneas é o abuso do poder econômico. O poder político e de autoridade, semelhante e confluente ao econômico, diferem na fundamentação em processos judiciais, muito embora o ato de corrupção possa dar-se em ambos os casos pela via econômica. É importante a constatação de que o uso do poder econômico não é proibido e sim o seu abuso, assim como uma dádiva que não se constitua em abuso pode ser configurada, ainda, como crime se vinculada à obtenção do voto do eleitor. Uma dificuldade constatada pelos aplicadores do Direito é quanto à definição da expressão “abuso de poder econômico”. Certamente está subentendida a utilização do poder econômico, mas como precisar o limite para o excesso? Eneida Desirée Salgado, tratando do assunto, comenta que: “O poder Judiciário fica, por assim dizer, com um ‘tipo’ cujo núcleo é um conceito jurídico, indeterminado. [...] Aqui deve-se reconhecer a ‘certeza’ e as zonas cinzentas do conceito. Em alguns casos há, certamente, abuso do poder econômico. Em outros, esta afirmação depende de um sistema valorativo desenvolvido pelo aplicador da lei” (SALGADO, 2001, p. 16). 8

Usamos como fonte de pesquisa o SJUR (Sistema de Jurisprudência) constante da intranet, rede interna da Justiça Eleitoral. Ele é constante também da internet, no sítio http://www.tse.gov.br, mediante pesquisa pelos indexadores propaganda eleitoral ou mediante busca pelo próprio número do documento.

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Um instrumento intrinsecamente ligado ao abuso de poder e que se presta para contê-lo é a prestação de contas. A Lei nº 9.100/95, disciplinando a prestação de contas, dispôs: Art. 33. As despesas da campanha eleitoral serão realizadas sob a responsabilidade dos partidos, ou de seus candidatos, e por eles pagas. Art. 34. Juntamente com o pedido de registro de seus candidatos, os partidos e coligações comunicarão à Justiça Eleitoral os valores máximos de gastos que despenderão por candidatura em cada eleição que concorrerem (BRASIL, 1995). Desses dois artigos depreende-se a natureza completamente liberalizante quanto ao controle do sistema. A verificação por parte da Justiça Eleitoral dá-se por mera escrituração contábil. Nessa linha, eis a análise do ex-Ministro do TSE Jardim: “Submetidas as prestações de contas à Justiça Eleitoral, a lei, com apuro técnico, assim como já o fazia a lei da eleição de 1996, limita o visto judicial à afirmação de regularidade. Não há, por conseqüência, juízo de julgamento, ou decisão judicial de aprovação ou rejeição” (JARDIM, 1998, p. 130)9. Com base na perspectiva acima, Jardim faz a crítica: As instituições da democracia representativa liberal estabelecem um poder político relativamente fraco. Se isto permite mais liberdade aos cidadãos, por outro lado, as tornam mais vulneráveis à pressão dos poderes econômicos, os quais nunca estão organizados de maneira democrática. Neste sentido, as democracias ocidentais são plutocracias, nas quais o poder real repousa ora no povo, por meio da eleição, ora no dinheiro, por meio dos grupos de pressão (DUVERGER). [...] O tema remete às promessas não cumpridas da democracia, em particular à não-eliminação do poder invisível (BOBBIO)” (idem, p. 132). Foi visto, em separado, o abuso de poder econômico-político, de outro caso ou fato que virá a seguir, denominado “crime eleitoral”; esses têm entre si estreita correlação. A distinção propugnada está no tocante à tipificação, que no presente caso lastreia-se essencialmente na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 64/90; os crimes eleitorais, por sua vez, remetem-se às tipificações constantes do Código Eleitoral e da Lei das Eleições (nº 9.504/97). A divisão dá-se, também em face do impacto maior do primeiro no processo eleitoral.

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Por tais argumentos e pela prática vivenciada na área jurídico-eleitoral, não incluímos na relação de casos e fatos o tema “prestação de contas”, estando o tema, contudo, ligado ao caso de abuso de poder econômico.

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IV .6 Crime eleitoral – fraude; crime eleitoral – dar IV.6 dar,, oferecer oferecer,, receber sorteio ou aliciamento; crime de desobediência; transporte irregular de eleitores Esse conjunto de práticas de corrupção eleitoral é tipificado expressamente no Código Eleitoral, Lei nº 4.737/65. A fraude, contudo, compreende um conjunto de tipos penais eleitorais previstos nos artigos 348 a 350.10 O crime de desobediência refere-se à desobediência ao próprio Juiz Eleitoral. Essa situação é muito freqüente em propaganda eleitoral, quando alguém é intimado a fazer ou deixar de fazer algo e para tanto foi intimado com advertência do Juiz. O transporte irregular de eleitores é tipo penal previsto no art. 5º da Lei nº 6.091 de 197411, em uma hipótese também prevista no artigo 302 do Código Eleitoral. Os tipos de crimes eleitorais referentes aos atos de dar, oferecer, receber sorteio e aliciamento caracterizam-se em figuras clássicas de corrupção. A figura das 1 famosas “cestas básicas”, que se configura no tipo do art. 299 do Código Eleitoral12, continua presente em eleições em todos os pontos do Brasil, principalmente em centros menores, pois nossa evolução urbana tem substituído, conforme já se falou, velhas práticas de corrupção por novas formas como o abuso de poder econômico e dos meios de comunicação. Sobre o assunto, Barreto considera que, “Da mesma forma, quase não se vê hoje em dia a transferência ou a promoção de certas categorias de funcionários públicos (Delegados de Polícia, Fiscais de Renda etc.) como instrumento de pressão para conquista de votos; como também é cada vez mais raro, fora dos tais grotões, a distribuição individualizada de favores ou dinheiro em troca do voto” (BARRETO, 1995, p.13). De outro lado, aspecto relevante a ser inserido nesse contexto jurídico-político é o referente à Lei de Anistia, promulgada em agosto de 2000, relativa às eleições de 1996 e 1998. A lei anistiou os débitos decorrentes de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral, abrangendo desde eleitores que deixaram de votar, mesários que não comparecerem às seções até as multas resultantes de propaganda eleitoral irregular. Tal lei foi recebida 10

“Art. 348 – Falsificar, no todo ou em parte, documento público ou alterar documento público verdadeiro, para fins eleitorais [...]. Art. 349 – Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro, para fins eleitorais [...]. Art. 350 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais [...]”. 11 “Art. 5º – Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo: I. a serviço da Justiça Eleitoral. II. Coletivos de linhas regulares e não fretados; III. De uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros de sua família; IV. O serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o Art. 2º” (BRASIL, 1974). 12 “Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita” (BRASIL, 2002a). A recente Lei nº 9.840 alterou o Art. 41 da Lei nº 9.504, mas, por tratar-se de dispositivo posterior e ampliar as situações do tipo, não está aqui contemplada. “Art. 334. Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores [...]” (idem).

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como uma afronta ao poder Judiciário13, conforme referência ao ato pela Procuradora da República Eleitoral na época, Denise Vince Túlio, que escreveu: “a anistia soa como um prêmio àqueles cidadãos que, no afã de conseguir votos a qualquer preço, violaram a lei. Eles detêm a esperança, não tão infundada, de que a condenação pelo poder Judiciário pouco importa diante do beneplácito do poder Legislativo” (TÚLIO, 2000, p. 22). Em nota nesse artigo, a autora reporta-se a matéria da revista Época, que indicava visar o projeto a beneficiar dez governadores, 69 deputados federais e 20 senadores. Mais que uma afronta ao poder Judiciário, certamente, constituiu-se também em uma afronta à democracia. Outro aspecto interessante e que situa de maneira relativa e quantitativa o problema é a situação de um município do estado do Paraná, Maringá. Em 1996, em uma pesquisa realizada por uma empresa de assessoria estatística, revelou-se a existência nessa cidade e na região de um contingente de aproximadamente 7% de eleitores que trocaram votos por favores ou negociaram-nos por presentes, como cestas básicas, cadeiras de rodas e óculos. Segundo a pesquisa, “existem de 6% a 8% de eleitores potencialmente corruptores [...] alguns afirmaram receber favores ou cestas, por exemplo, de três ou quatro candidatos, mas disseram que normalmente votam naquele que deu o objeto por último. A pesquisa classifica os eleitores ‘mercenários’ que negociaram seu voto para mais de um candidato, às vezes até 10. A amplitude de eleições pesquisadas foram duas, de 1992 e 1996" (ELEITOR TROCA VOTO, 1996, p. 4). Em contexto recente, uma pesquisa sobre compra de votos nas eleições de 2002, realizada para a organização não-governamental Transparência Brasil, revelou que nas eleições de outubro e novembro desse ano cerca de 3% dos eleitores receberam oferta de candidatos ou cabos eleitorais para vender o seu voto. Entre os benefícios oferecidos está em primeiro lugar o dinheiro (56%), seguido de bens materiais (30%) e favores da administração (11%). Em pesquisa anterior desse mesmo gênero, realizada após as eleições municipais de 2000, seis por cento dos eleitores afirmaram que receberam ofertas para que vendessem o voto por dinheiro (SPECK & ABRAMO, 2002, p. 1). O dado mais relevante dessa pesquisa para o presente trabalho é que cerca de 3 milhões de eleitores no Brasil receberam oferta de vender o seu voto (idem, p. 4). A dificuldade apontada pelos críticos em exterminar-se ou mesmo coibir essas práticas descritas é a efetividade da aplicação das penas, em face do rito demorado da ação penal. A Lei nº 9.099/95 veio justamente a partir dessa preocupação de combater a impunidade, pois muitos processos no âmbito eleitoral são arquivados devido à prescrição. Esclareça-se que tal lei veio a partir de uma tendência, também, do Direito Penal de despenalização, sendo possível então aplicar o instituto da transação penal e da possibilidade da suspensão condicional do processo nos casos de crimes eleitorais considerados de menor potencial ofensivo, o que representa a ampla maioria dos crimes eleitorais.

13

A XV Reunião do Colégio de Presidentes dos Tribunais Eleitorais do Brasil, realizada em agosto de 1999, em Curitiba, retirou manifesto contrário à aprovação do referido projeto de lei (TULIO, 2000 p. 22).

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V. APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE QUADROS DOS DADOS PESQUISADOS NOS ACÓRDÃOS DO TRE-PR14 Quadro 1

Fatos

Nº CRIMES ELEITORAIS 1. Irregularidade na apuração, na contagem ou na totalização de votos 2. Divulgação de pesquisa eleitoral supostamente irregular 3. Impetração de fato ofensivo à honra – direito de resposta 4. Veiculação de propaganda eleitoral irregular 5. Crime eleitoral – crime contra a honra 6. Divulgação de publicidade institucional irregular 7. Abuso de poder econômico-político 8. Programação de rádio, TV ou outros irregular 9. Condutas vedadas aos agentes públicos 10. Crime eleitoral – fraude 11. Crime eleitoral – dar, oferecer, receber; sorteio ou aliciamento 12. Crime de desobediência 13. Propaganda partidária gratuita irregular 14. Impedir exercício de propaganda 15. Transporte irregular de eleitores 16. Irregularidades praticadas por servidor da Justiça Eleitoral 17. Crime eleitoral – diversos

QUANTIDADE 170 61 209 212 32 14 46 55 13 25 71 4 1 4 11 9 3

Fonte: o autor, a partir de Paraná. Tribunal Regional Eleitoral (1996-2004).

O Quadro 1 indica ocorrências de processos que trataram dos casos de corrupção eleitoral no TRE-PR, decorrentes das eleições de 1996. Compreendem a totalidade dos casos que tramitaram no TRE, independentemente de ter havido confirmação da irregularidade ou não. Pretende-se, assim, dar a totalidade dos casos e o volume do que efetivamente ingressou no Tribunal, seja em matéria de recursos, que é a maioria dos casos, seja proveniente de ações julgadas originariamente (o ingresso do processo faz-se diretamente no Tribunal onde é feito o primeiro julgamento). 14

A pesquisa foi realizada nos livros de acórdãos do TRE-PR, no período de junho de 1996 a maio de 2004. Foram registradas nesse período 906 ocorrências de julgados realizados pelo TRE PR, seja em grau de recurso, seja em grau de decisão originária, tratando dos casos relacionados acima, provenientes de cartórios ou zonas eleitorais de todo o estado do Paraná. É necessário esclarecer que os documentos em que realizamos a pesquisa são denominados “acórdãos”, onde consta o julgamento de colegiado (grupo de Juízes), ao contrário de decisão ou sentença proferida por juízo singular. Também esclarecemos que os livros que contêm os documentos acórdãos destinam-se essencialmente ao uso pelo meio jurídico, de modo que não foram elaborados e organizados para a presente pesquisa. Assim, os dados não são objetivamente dispostos em data do fato, eleição em que ocorreu o caso e a própria descrição do fato. Resgatou-se tais dados a partir da análise do documento físico, verificandose a legislação aplicável, a eventual menção de dados nos relatórios e assim por diante. Esses dados foram dispostos na ordem seqüencial em que se apresentam nos documentos acórdãos: 1.TRE-PR; 2. tabela do respectivo tipo de processo; 3. procedência; 4. partes; 5. advogados; 6. nome do relator; 7. revisor, se houver; 8. ementa; 9. decisão; 10. data; 11. relatório; 12. dispositivo e voto.

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O Gráfico 2 indica a ocorrência de casos que tramitaram e tiveram penalidade aplicada pela corte eleitoral, nos casos de abuso de poder econômico-político, nas cidades com maior ocorrência. Esse gráfico demonstra as cidades com maior ocorrência de casos relacionados ao assunto e, no conjunto, indica o volume das cidades mais afetadas e se há ou não disparidade ou equilíbrio entre as cidades. Gráfico 2

Abuso de poder econômico-político

Campo Mourão/Curitiba/Londrina

Arapongas/Barracão/Campina da Lagoa/Campo Largo Engenheiro Beltrão/Grandes Rios/Irati/Palmeira/Ponta Grossa/Porecatu/São Miguel do Iguaçu

Fonte: o autor, a partir de Paraná. Tribunal Regional Eleitoral (1996-2004).

Gráfico 3

Crime eleitoral - Dar, oferecer, receber...; sorteio ou aliciamento

Barracão/Curitiba

Joaquim Távora/ Rio Branco do Sul

Fonte: o autor, a partir de Paraná. Tribunal Regional Eleitoral (1996-2004).

Alto Paraná/Campina da Lagoa/ Campo Largo/Campo Mourão/Maringá/ Palmas/Pitanga/Santo Antônio da Platina/ São Miguel do Iguaçu

O Gráfico 3 refere-se a casos de condenações no TRE-PR, relativos à ocorrência da prática de crime eleitoral, na modalidade de dar, oferecer, receber ou de sorteio ou aliciamento. Indica também as cidades de origem.

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Gráfico 4

Resultados dos fatos

Fonte: o autor, a partir de Paraná. Tribunal Regional Eleitoral (1996-2004).

O Gráfico 4 indica os resultados ou respostas dos julgamentos dos processos: - a absolvição indica que houve posicionamento no TRE-PR quanto ao fato imputado e a parte foi considerada inocente; - a condenação indica que houve posicionamento no TRE-PR quanto ao fato imputado e a parte foi considerada culpada. - o mérito não analisado indica que não houve posicionamento do Tribunal a indicar a culpa ou não, podendo ter ocorrido: arquivamento; extinção do processo; prescrição e decadência; julgamento em recurso tratando de aspectos processuais; julgamentos em habeas corpus etc. Gráfico 5

Recorrências dos Processos por mês

Fonte: o autor, a partir de Paraná. Tribunal Regional Eleitoral (1996-2004).

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O Gráfico 5 apresenta as recorrências dos processos por mês, indicando a ocorrência em quantidades de processos julgados nos meses indicados. Gráfico 6

Irregularidade de apuração, na contagem ou na totalizações dos votos

Fonte: o autor, a partir de Paraná. Tribunal Regional Eleitoral (1996-2004).

Por fim, o Gráfico 6 trata de irregularidades em apuração, contagem ou totalização de votos.

VI. INTERPRETAÇÃO DOS DADOS Sendo o tema central desse trabalho a corrupção eleitoral, o gráfico norteador na interpretação dos dados é o Gráfico 1; os demais são auxiliares nas interpretações. Pelo Gráfico 1 compreende-se, em uma análise inicial, que houve um amplo predomínio de casos e fatos relacionados aos meios de comunicação. A partir dessa observação, reagrupamos os casos e fatos em nova ordem, aglutinando-os em vista do destaque no gráfico e da referência feita na literatura acima apresentada. Eis os reagrupamentos: 1. casos e fatos relacionados aos meios de comunicação: impetração de fato ofensivo à honra – direito de resposta; crime eleitoral contra a honra – direito de resposta; propaganda partidária gratuita irregular; divulgação de pesquisa eleitoral irregular; veiculação de propaganda eleitoral irregular; divulgação de publicidade

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institucional irregular; programação de rádio/TV/outros irregular; impedimento do exercício de propaganda; 2. abuso de poder econômico-político e condutas vedadas; 3. crime eleitoral – dar, oferecer, receber sorteio ou aliciamento; transporte irregular de eleitores; crime eleitoral – fraude; 4. irregularidade na apuração/contagem ou totalização de votos; irregularidades praticadas por servidor membro de Justiça Eleitoral; e 5. crime eleitoral – diversos. Isso posto, vamos às análises. VI.1 Meios de comunicação O tema comunicação, compreendido no item 1 acima, domina amplamente a pauta dos processos julgados na arena TRE-PR. Os 17 fatos elencados na pesquisa representam total de 930 casos e fatos, e os referentes à propaganda somam o equivalente a 59,70% do total. Esses dados dão a dimensão de que: - conforme exposto na seção IV, em que se tratou de propaganda e do impacto da mídia no processo eleitoral, viu-se que o espaço eletrônico transforma- se ele mesmo no lugar essencial de disputa político-eleitoral no mundo contemporâneo, conforme Rubin (2001, p. 182). Tal argumento confirma-se, amplamente, a partir dos gráficos apresentados; - a Justiça Eleitoral emerge como ator no cenário político, já que a disputa políticoeleitoral – a luta pelo poder político – passa pela mediação e julgamento dessa justiça especializada, cabendo-lhe definir o direito dos candidatos e partidos políticos de propagar algo ou mesmo uma restrição dessa divulgação, com as conseqüências inerentes ao processo de informação eleitoral, ocorrendo assim o que poderia se denominar de judicialização15 da política; o volume de trabalho e da sobrecarga concentrada em um período específico – setembro e outubro, em que a totalidade das questões de propaganda é discutida na corte do TRE-PR –, justamente na reta final do processo eleitoral, o que leva à preocupação quanto à falibilidade humana diante das condições extenuantes de trabalho em face do alto relevo do assunto – eleições e democracia – possam de alguma forma prejudicar a qualidade e o resultado dos processos. VI.2 Abuso do poder econômico-político e condutas vedadas Em virtude da natureza semelhante dos dois casos e fatos “abuso de poder econômico-político” e “condutas vedadas”, cabe-lhes aqui uma abordagem única. Os gráficos demonstram que, quantitativamente, a questão dos abusos não tem maior relevância. Contudo mais importante é saber se os casos e fatos que penetraram nas malhas judiciais 15

Termo utilizado por Vera Karan de Chueiri no painel “A democracia e a judicialização da política: a jurisdição constitucional no governo Lula”, apresentado no Ciclo de Debates “Fim da política? A crise da esquerda e a crise do governo”, realizado em Curitiba, em dezembro de 2005.

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foram captados pela estrutura e se os responsáveis sofreram reprimendas. Para isso a análise do Gráfico 4 assume relevo. Desses gráficos conclui-se, pelo baixo índice de condenações dos casos, que há falta de efetividade do sistema em captar e posteriormente coibir as práticas de abuso de poder econômico-político e condutas vedadas. Do exposto é possível perceber que a questão do abuso de poder econômico nas eleições municipais de 1996 no Paraná não teve maior incidência na estrutura judicial do TRE-PR. Contudo, por meio da análise da literatura coletada e de maneira contraditória aos presentes resultados, observa-se que um dos grandes problemas das democracias contemporâneas é o abuso do poder econômico. Essa afirmação tem sido propalada por estudiosos da área do mundo inteiro. Vai nessa linha a crítica de Jardim: “as democracias ocidentais são plutocracias, em que o poder real repousa ora no povo, por meio da eleição, ora no dinheiro, por meio dos grupos de pressão (DUVERGER)” (JARDIM, 1998, p. 132); daí o autor desenvolve uma crítica sobre a prestação de contas, em que Justiça Eleitoral limita-se ao visto judicial, não havendo juízo de julgamento ou decisão judicial de aprovação ou rejeição. A indicação dos doadores, financiadores de partidos e candidatos nas prestações de contas nas eleições de 1996 não constituiu avanço para Fruet (1997, p. 277): “[...] Se, por um lado, constitui avanço a prestação de contas, com a relação de doadores – mesmo que parcial, por outro, pode-se afirmar que este instrumento legitima, por vez, a verdadeira ‘parceria’ entre o poder político e o poder econômico, visando ao ‘mando político”. Para concluir esta seção, pode-se dizer que há um verdadeiro “buraco negro” no sistema jurídico, caracterizado pela ausência significativa de casos contidos nas malhas da estrutura legal, significando que essa não tem captado os casos nem reprimido os infratores com a devida sanção legal. VI.3 Crime eleitoral – dar dar,, oferecer oferecer,, receber sorteio ou aliciamento; transporte irregular de eleitores; crime eleitoral – fraude Em uma análise preliminar, verifica-se, conforme o Gráfico 1, que esse tópico tem presença significativa. A soma dos três casos e fatos perfaz um total de 108 ocorrências, embora não os coloquem em grande evidência na arena TRE-PR. Em outra análise (Gráfico 3) que indica o resultado desses processos, constatase que apenas um pequeno número de condenações realizaram-se no âmbito do TRE-PR. É possível verificar na tabela de gráfico de ocorrências o detalhe do lapso temporal e da demora dos julgamentos, o que sugere que boa parte dos casos deve ter incorrido em decadência. Por outro lado, não há elementos para comparações, mas a introdução da Lei nº 9.099/95 (juizados especiais, cíveis e criminais) e sua incidência no âmbito eleitoral pode ter sido um fator de redução de número de condenações. A corrupção eleitoral no Brasil – que, como se procurou demonstrar neste trabalho, está afeta às relações de poder e penetrou na sociedade via patrimonialismo, clientelismo, coronelismo, populismo e corporativismo e que consta da relação proposta de fatos e casos – é o tópico que mais se aproxima dessa realidade, muito embora tenha íntima relação com o tópico IV.5 – abuso de poder econômico-político.

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Os dados em termos quantitativos que se extraem do Gráfico 1 são relativamente baixos em vista do histórico e do próprio panorama apresentado no trabalho, que, em tese, deveria ter um número bem maior. Quanto ao gráfico, convém lembrar que o rito processual adotado, devido à sua lentidão, leva a um elevado número de decadência e prescrições, como também alguns processos podem ter sido alcançados pelo instituto da transação penal. Tais considerações, contudo, são relativamente frustrantes diante da literatura anteriormente apresentada, tanto quanto devido à ausência de resposta efetiva à sociedade, atacada em sua soberania da liberdade do sufrágio e do princípio democrático. VI.4 Irregularidade em apuração, contagem ou totalização de votos e irregularidades praticadas por servidor -membro da Justiça Eleitoral servidor-membro Os gráficos indicam uma presença pequena, porém considerável, de casos, sobretudo de irregularidades em apuração. É necessário esclarecer, mais uma vez, que as eleições municipais de 1996 contaram com pequena quantidade de urnas eletrônicas, sendo que a ampla maioria das cidades do interior utilizaram as tradicionais urnas de lonas, o que gerava muitos recursos, diferentemente do que ocorre atualmente. O Gráfico 6, referente às irregularidades em apuração, contagem ou totalização de votos, dá evidência do que foi indicado anteriormente. O resultado apertado nas eleições de Cascavel em 1996 levou a uma grande movimentação de advogados no sentido de recorrerem ingressando com pedidos de recontagem de votos. Tais aspectos resultaram em significativo impacto nos gráficos analisados comparativamente entre as cidades; contudo não é possível obter-se avanços e conclusões sobre a temática de corrupção. Possivelmente uma comparação com pesquisa idêntica referente às eleições do ano 2000 possibilite algumas inferências. VI.5 TTempo empo do processo O Gráfico 5 não se refere a um caso ou fato, mas trata da recorrência dos processos TRE-PR. O gráfico apresenta o ritmo, volume e impacto dos processos julgados na corte do TRE-PR. Constata-se, de um lado, o volume altíssimo de casos concentrados na reta final do processo eleitoral, ou seja, em setembro e outubro, em sua maioria relativos a questões de propaganda e direito de resposta, em que se percebe a extrema celeridade do órgão julgador. De outro lado, há um grande lapso temporal no andamento de certos processos, sobretudo os de crime eleitoral e ação de impugnação de mandato eletivo (AIME), que têm maior lentidão em virtude do ritmo da processualística.

VII. CONCLUSÕES O presente trabalho buscou analisar a corrupção eleitoral nas malhas do sistema jurídico-eleitoral e obteve alguns resultados que, se porventura não são surpreendentes, apontam realidades e algumas novidades, abrindo certamente possibilidades de novos

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estudos acadêmicos. Uma primeira conclusão central, e da maior relevância em vista do objetivo do estudo, é quanto ao aspecto do abuso do poder econômico. A estrutura jurídica existente não capta os crimes mais lesivos para a ordem democrática. A máquina é movimentada enormemente no período crítico do processo eleitoral com processos decorrentes de infringências de menor potencial ofensivo. Tal situação, por sua vez, indica duas hipóteses: ou a estrutura jurídica não está voltada para os casos e situações que deveria (no caso, o abuso de poder econômico-político), ou tais penetram no sistema e escapam dessa estrutura. A segunda conclusão é que os meios de comunicação de massa e os espaços eletrônicos, em decorrência da disputa eleitoral pelos partidos, exercem, no TRE-PR, posição de relevante destaque, em face do disparado número de ações que movimentam o órgão eleitoral. Ou seja, é o assunto que predomina e detém o maior impacto na arena jurídico-eleitoral. Como já foi dito, os casos individualmente considerados não têm grande potencial ofensivo, mas o montante verificado nos gráficos indica que as práticas são reiteradas entre os adversários políticos, em uma autêntica “guerra” pelo poder. A terceira conclusão, decorrente da anterior, é a judicialização da disputa eleitoral. As questões eleitorais trazidas para serem resolvidas pelo poder Judiciário fazem emergir a Justiça Eleitoral como importante ator no processo eleitoral; o movimentar de sua balança revela e traduz o papel significativo dessa Justiça especializada no cenário político e eleitoral. A quarta conclusão, no tocante aos denominados crimes eleitorais relacionados às práticas de dar, oferecer, receber etc., é que, em face da frustração gerada por sua ausência nos gráficos, o sistema normativo existente para as eleições do ano de 1996 não logrou sucesso no sentido de captar tais atos, e parte do pouco que foi captado perdeu-se pelo decurso do tempo. A quinta conclusão, baseada nas seções relativas aos fatores históricos do processo político eleitoral brasileiro e aos fatores que propiciam a corrupção nas atuais democracias, em particular a brasileira, é que ambas formam uma cultura balizadora dessa sociedade e, ao gerarem estruturas normativas para coibirem-se práticas de corrupção, fortalecem essa mesma cultura, gerando um processo vicioso a refletir nas regras do jogo político-eleitoral e, por fim, na própria democracia.

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CAPÍTULO NOVE

POLÍTICA LOCAL E A OCUPAÇÃO DE CARGOS ELETIVOS EM CURITIBA (1985-2000) Louise Ronconi de Nazareno

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9. POLÍTICA LOCAL E A OCUPAÇÃO DE CARGOS ELETIVOS EM CURITIBA (1985-2000)

I. O LOCAL EM FOCO O presente capítulo discute a dinâmica política recente em Curitiba, entre 1985 a 2000, e é dividido em seis seções: a primeira introduz o debate sobre como estudar a política local; a segunda explicita os dados eleitorais de Curitiba; a terceira comenta a relação entre os poderes Legislativo e Executivo e o processo interno da Câmara de Vereadores; a quarta faz uma avaliação pontual sobre a relação entre vereadores e eleitores a partir do tema da reeleição e da migração partidária; a quinta seção trata da atuação parlamentar no que se refere às reeleições e às migrações e, na sexta e última, apresentamos algumas conclusões gerais. Baseamo-nos em Mollenkopf (1992) para, de maneira simplificada, estruturar o ambiente político local. O trabalho desse autor, Phoenix in the Ashes, trata da administração do Prefeito Edward Koch em Nova Iorque, que se tornou uma coalizão dominante por 12 anos. O exame da construção de apoio e das relações do governo com os maiores centros de poder públicos e privados na cidade tornou-se a base para pensar a posição e a capacidade do sistema político local. Mollenkopf discute como estudar a política local por meio do debate entre as abordagens estruturalistas e pluralistas, reconhecendo, por um lado, que a coalizão de governo de Koch é uma aliança de trabalho estável e transversal aos temas políticos e, por outro, que o governo municipal nem sempre planeja ou é hábil para desenvolver atividades que favorecem “a classe dominante” e “o capital”. Ou seja, na sua discussão, os pluralistas auxiliam o tratamento das estratégias por que a administração pública desenvolve os apoios políticos e os estruturalistas providenciam o contexto social e econômico que molda a competição política, possibilitando uma articulação analítica entre as duas abordagens. Além disso, o autor traz à cena os interesses do setor público, que é um agente permanente de interferência de governo. Nesse sentido, sua síntese tenta evitar o pluralismo voluntarista e o determinismo econômico, que reduz o Estado ao poder de classe, igualando a influência da esfera econômica à da político-eleitoral (idem, p. 39) e relativizando as polarizações entre estrutura e ação, determinação e contingência, estabilidade e dinâmica.

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Eduardo César Marques, em seu livro (MARQUES, 2003) também discute as abordagens pluralistas e estruturalistas que embasam as explicações sobre o poder na cidade. Ele enfatiza três linhas explicativas de influência para os estudos brasileiros: teoria das elites; os pluralistas (com o famoso debate entre “elitistas” e “pluralistas” na década de 1950) e marxismo, pelo viés da Sociologia Urbana francesa dos anos 1960-1970. Do lado dos elitistas, é dado de antemão que todo governo é oligárquico e, assim, as políticas seguem os interesses das elites que mantêm posições econômicas, sociais e políticas imbricadas. A Ciência Política deve preocupar-se em identificar as posições formais de mando em uma dada comunidade, as características do grupo que controla tais posições e também os mecanismos sociais que garantem a condução e a manutenção desses indivíduos no topo das instituições de mando (Wright Mills e Milliband apud PERISSINOTO, 2002). Os principais problemas da teoria das elites citados por Marques (2003) seriam: 1) dificuldades para incorporar as mudanças e contingências dos processos políticos e 2) o entendimento do Estado como uma “casca vazia”, ocupado sempre pelas elites. Mas, assim como o autor afirma que alguns elementos da cena política paulistana assemelham-se a essa descrição elitista, em Curitiba vê-se, também, a estabilidade do grupo no poder e semelhanças na origem social da classe política (ver OLIVEIRA, 2001). Derivar mecanicamente ações políticas das origens sociais, entretanto, seria um grande erro. Há problemas também na definição das posições de mando, já que não há evidências incontestáveis que comprovem que quem ocupa essas posições de mando governa de fato. Pelos pluralistas, Robert Dahl, como principal expoente crítico contra a teoria das elites, afirma que não há acumulação de todos os recursos sociais, econômicos, políticos e culturais nas mãos de uma mesma classe. Disso resulta que nenhum grupo político controla todas as questões de política, ao mesmo tempo em que não há ganhos estáveis ao longo do tempo. Seria, então, preciso analisar o processo decisório de modo detalhado, o que identificaria a contingência e as mudanças do processo político, dando relevância aos políticos e à política e respondendo à questão “quem governa?”. O detalhamento do processo decisório, no entanto, parece não incorporar como se transformam determinados temas em não-decisões, em outras palavras, como se determinam temas que serão ou não decididos pelos políticos (Bachrach e Baratz apud PERISSINOTO, 2002). Torna-se um problema para o pluralismo lidar com a continuidade de domínio do poder por um grupo e com seus ganhos estáveis. E, como já mencionado, esse problema vê-se no caso da cidade de Curitiba. O pluralismo, mesmo retirando a política de uma posição subalterna, também percebe o Estado como casca, como lugar a ser ocupado, mas por diferentes grupos, desconsiderando os interesses dos funcionários do Estado, bem como suas instituições. Do lado dos marxistas provém o interesse sobre quais relações sociais as decisões políticas reproduzem, não importando a questão “quem governa?”. Da Sociologia marxista, mais especificamente, Marques enfatiza que se retiram as contribuições sobre a inclusão dos conflitos na cena urbana e a dessacralização da produção do espaço, mostrando

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os interesses dos capitais que produzem a cidade. A tese de Dennison de Oliveira (2000) aborda a importância desses interesses na capital paranaense. Mas as análises marxistas apresentam o mesmo problema ao desconsiderarem o papel da burocracia e das instituições estatais. O Estado continua sendo um lugar a ser capturado. As instituições políticas e os produtores de políticas do setor público só aparecem significativamente com os estudos do neo-institucionalismo1. Essa corrente das Ciências Sociais é relativamente recente e se fundamentou principalmente em contraposição aos estudos comportamentalistas predominantes, junto com o pluralismo, na área de política comparada americana das décadas de 1950 e 1960 (THELEN & STEINMO, 1992). Dentre as contribuições do neo-institucionalismo, que não se trata de um paradigma nem tampouco de uma corrente teórica unitária, não se acentua apenas que “as instituições importam” e precisam ser analisadas, mas que elas devam ter enfoque central, preocupando-se com a questão de como elas moldam as estratégias políticas (e até as preferências) e influenciam os resultados políticos: “how a given institutional configuration shapes political interactions”2 (idem, p. 6; MELO, 1996; MARQUES, 1997). Há também outro ponto enunciado pelo neo-institucionalismo histórico que diz respeito à consideração da autonomia e do poder dos atores estatais. No caso do tratamento do poder Executivo, existem grupos de funcionários capazes de estabelecer políticas de governo, relativamente independentes do grupo dirigente eleito e que engendram ações estatais que tendem a reproduzir ou aumentar o poder e o controle das instituições estatais sobre a sociedade (MARQUES, 1997). Como complemento, assume-se nesse enfoque que a formação histórica do Estado e de suas instituições e o legado das políticas são imprescindíveis para a análise das interações entre inputs e outputs com atores envolvidos em um determinado campo, comunidade e setor de política. A partir da apresentação dessas idéias, o que se pode extrair delas para estudar a política local? A idéia de que o Estado não é um lugar vazio constitui-se em um primeiro passo para entender também que a dinâmica política local não está subordinada a processos macroeconômicos, sociais e políticos e que pode ser investigada com sua especificidade e autonomia. Isso significa incorporar também a relevância da política e dos políticos e entender que a questão “quem governa?” representa uma variável importante na forma pela qual é conduzida a política de uma dada comunidade. Mas, sem dúvida, para o caso curitibano como para o paulistano a continuidade e os ganhos estáveis do grupo no poder precisam ser compreendidos como um processo que articula representantes dos capitais produtores da cidade, funcionários do Estado e políticos eleitos, que queremos apreender pelas redes que formaram. Voltando a Mollenkopf (1992): destacam-se quatro tipos de interesses envolvidos nas interações do governo local com os cidadãos: 1) os interesses da burocracia (setor público); 2) os da população; 3) os interesses das lideranças políticas e 4) os do mercado 1

Para discussão detalhada sobre o neo-institucionalismo, ver: Skocpol (1985), Thelen e Steimo (1992), Limongi (1994) e Marques (1997). 2 “Como uma dada configuração institucional molda as interações políticas” (nota do revisor).

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privado. Todos os tipos de interesses são marcados por certo grau de heterogeneidade variável e convivem em três tipos básicos de interações dos atores: 1) relações entre líderes; 2) relações entre líderes e eleitores e 3) relações dos líderes com o ambiente econômico. Este capítulo procura desenvolver alguns apontamentos sobre os dois primeiros tipos de interação entre os atores políticos locais. As relações entre agentes econômicos e o poder público levariam a um outro estudo.

II. ELEIÇÕES MUNICIPAIS O realinhamento das forças políticas durante a transição democrática em Curitiba acompanhou a tendência brasileira. O Partido Democrático Social (PDS) saiu enfraquecido do regime de 1964, sendo que seu líder mais proeminente, Ney Braga, passou o cargo de Governador do Estado do Paraná para o representante do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), José Richa, em 1982. Em seguida, Jaime Lerner, já no Partido Democrático Trabalhista (PDT), apoiado por Braga do Partido da Frente Liberal (PFL)3, perdeu a eleição para a Prefeitura para Roberto Requião, também do PMDB. O PDS também perdeu em 1985, quando um ex- Governador de estado, Paulo Pimentel, candidato a Prefeito, e um ex-Prefeito de Curitiba, Ivo Arzua, candidato a vice-Prefeito, fizeram votação pouco expressiva nessa eleição majoritária. Todavia o novo sistema partidário permitiu que parte do PDS, constituindo o Partido Progressista (PP), apoiasse o PMDB no governo do estado, com o cargo de vice-Governador em 1986, enquanto o PFL, também surgido do PDS, apoiou o grupo de Lerner. A partir da visualização de dados eleitorais poderíamos notar que o PMDB e o PDT (como cabeça de chapa), canalizaram a grande maioria dos votos do eleitorado nas eleições majoritárias até 1996 (ver Tabela 1) e eram adversários. Tendo em vista essas novas acomodações, o campo da política local mostra dois blocos principais que podem ser separados pela clivagem ideológica esquerda versus direita, PMDB, Partido dos Trabalhadores (PT) versus PDT (Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), PFL, Partido Progressista Brasileiro (PPB)). Esses blocos herdam os líderes e as posições da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). As votações nos diversos partidos, no entanto, são bastante variadas: no início houve polarização entre PDT e PMDB, que se transformou em 2000 em uma disputa entre PFL e PT e, em 2004, entre o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o PT. Em certa medida, as 3

O PFL do Paraná não se fortaleceu na segunda metade dos anos 1980 em virtude da decadência do PDS. No Paraná, o PDS não foi a principal alternativa partidária aos integrantes da Arena, principalmente aqueles que continuaram disputando eleições nos anos 1980, como é o caso de Jaime Lerner, que foi para o PDT, destino da maioria dos lerneristas naquele período. O PFL do Paraná ficou no ostracismo por falta de lideranças estaduais fortes e ainda atuantes. O principal líder do PFL no estado continuou sendo o ex-Governador e ex-Ministro Ney Braga, que, em 1982, após ser derrotado em uma eleição para o Senado Federal, decidiu não mais disputar cargos eletivos. O partido só ganhou peso eleitoral depois de 1997, após a filiação do então Governador Jaime Lerner, do Prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi e de grande parte de seu grupo. Em poucas semanas, o PFL passou de um partido praticamente inexistente a principal potência política do Paraná. Ver, neste livro, o capítulo 10.

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votações eleitorais parecem coerentes se tomadas como apoio às pessoas que encabeçam as chapas explicando o PSDB em 1996, de Carlos Simões, tomou o lugar do PMDB e do PT, e o PFL de Luciano Pizatto, em 1992, quando tentou afastar-se do PDT. Há partidos que mantêm suas alianças em um bloco apenas, outros que oscilam entre os blocos. Afinal, partidos coligados podem passar uns por cima dos outros. Mas essas coalizões de partidos estão organizando o apoio ao governo, garantindo maioria nas casas legislativas e estruturam o campo político em torno de dois pólos, “situação” e “oposição”. Por outro lado, seria possível pensar que a eleição de 1982 para o governo do estado teria quebrado a hegemonia da direita, representada pela Arena, na administração da capital? Observemos que, no entanto, nas eleições majoritárias, o PFL aliou-se ao PDT em 1985, 1988 e 1996. O PTB também se torna aliado do PDT de 1988 até 2000. O PPB, atual PP, virou aliado do PDT em 1992, depois da quebra da aliança tácita com o PMDB, na eleição de 1988. O PDT apenas não se aliou aos partidos de direita na eleição de 2000, em que saiu sozinho4, depois de um desfalque dos quadros que saíram do partido juntamente com o seu maior catalisador de votos, Jaime Lerner. As gestões do PMDB aparecem mais como uma interrupção momentânea para o controle do bloco de direita do que propriamente uma mudança. A unidade de apoio da elite ao grupo de Jaime Lerner foi grande; embora não possamos afirmar que tenha sido controladora, ela moldou a trajetória do desenvolvimento político de Curitiba5. Tabela 1

Eleições majoritárias em Curitiba (1985-2000) COLIGAÇÃO

PREFEITO

PMDB PDT, PFL

Roberto Requião Jaime Lerner

PDS Demais candidatos Comparecimento

Paulo Pimentel –

VICE-PREFEITO 1985 Adhail S. Passos Francisco Fernando Fontana Ivo Arzua –

VOTOS

%

227.249 208.384

43,7 40,1

24.269 39.786 519.959

4,7 7,6 100 Continua...

4

A coligação majoritária foi com o PGT, partido de baixa expressão em Curitiba, que foi em seguida incorporado pelo PL. 5 A dissertação de mestrado que fundamenta este texto trata em capítulo específico da ocupação de cargos executivos no governo municipal; verificou-se que muitos indivíduos que ocupam cargos na Prefeitura durante o período democrático já haviam participado das gestões de Lerner no regime ditatorial. Ver Nazareno, 2003.

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PPDT, PTB, PFL PMDB, PCB, PJ, PC do B, PSD, PSB PT Demais candidatos Comparecimento

Jaime Lerner Maurício Fruet

1988 Algacir Túlio José Maria Correa

Claus Germer –

Gilberto Carvalho –

PDT, PTB

Rafael Greca

PMDB PFL PT, PCdoB, PCB Demais candidatos Comparecimento

Maurício Fruet Luciano Pizzatto Florisvaldo Fier –

PPB, PDT, PTB, PSC, PFL Cássio Taniguchi PPS, PSDB Carlos Simões PT, PCB, PCdoB, PV Ângelo Vanhoni Demais candidatos – Comparecimento PFL, PPB, PSC, PTB, PRN, PL, PRP, PST, PSB, PSL, PSD, PTdoB, PTN, Cássio Taniguchi PT, PV, PPS, PCB, Ângelo Vanhoni PCdoB, PMN, PHS PAN, PMDB Maurício Requião PSDB, PSDC Luiz Forte Netto Demais candidatos – Comparecimento (primeiro turno) PFL, PPB, PSC, PTB, PRN, PL, PRP, PST, PSB, PSL, PSD, PTdoB, PTN , Cássio Taniguchi PT, PV, PPS, PCB, Ângelo Vanhoni PCdoB, PMN, PHS Comparecimento (segundo turno)

326.815 198.348

48,6 29,5

36.054 12.098 672.614

5,4 1,8 100

324.348

43,4

144.479 76.742 40.567 38.130 747.674

19,3 10,3 5,4 5,0 83,4

414.648 229.470 83.052 31.332 819.953

50,6 28,0 10,1 3,8 100

Beto Richa José Maurino

378.993 304.902

40,9 33



89.017 71.394 17.687

10 8 2

927.260

100

928.024

100

1992 José Carlos de Carvalho

– 1996 Algacir Túlio – 2000

Beto Richa José Maurino

Fonte: TRE-PR (s/d). Notas: 1. Os porcentuais referem-se ao total do comparecimento do eleitorado. 2. PTdoB: Partido dos Trabalhadores do Brasil; PSC: Partido Social Cristão; PPS: Partido Popular Socialista; PCB: Partido Comunista Brasileiro; PCdoB: Partido Comunista do Brasil; PV: Partido Verde; PRN: Partido da Reconstrução Nacional; PL: Partido Liberal; PRP: Partido Republicano Progressista; PST: Partido Social Trabalhista; PSB: Partido Socialista Brasileiro; PSL: Partido Social Liberal; PSD: Partido Social Democrático; PTN: Partido dos Trabalhadores da Nação; PMN: Partido da Mobilização Nacional; PHS: Partido Humanista Social; PAN: Partido dos Aposentados da Nação; PSDC: Partido Social Democrata Cristão.

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As vitórias do PDT em Curitiba dizem pouco sobre a construção ou posição desse partido. Como se sabe, o comando único e centralizador de Leonel Brizola distingüia o PDT e foi pelas mãos de Brizola que Lerner saiu da Arena. Tendo um baixo grau de institucionalização, reconhecido pela falta de empenho em atrair e treinar quadros partidários administrativos tecnicamente capacitados para sua direção nacional, o PDT usou uma estratégia agressiva de cooptação de políticos ligados a poderosos esquemas clientelísticos (MARQUES, 2003, p. 2). Em Curitiba, mais do que isso, houve uma a cooptação dos quadros tecnocráticos locais. As alianças eleitorais locais, por sua vez, mostraram coerência com o tipo de direcionamento nacional dos partidos. Por exemplo, as instâncias subnacionais do PFL têm grande autonomia para conduzir assuntos locais, por isso nunca houve interferência ou impedimento para o PFL apoiar o PDT de Curitiba, o que resultou posteriormente na cooptação de Lerner e muitos dos seus apoiadores. A heterogeneidade e a falta de consenso no PMDB e a ambigüidade de seus líderes também provou ser racional para os parlamentares posicionarem-se individualmente, como bloco de apoio ou oposição ao poder Executivo controlado pelo PDT e posteriormente pelo PFL. A construção dos partidos no plano local e sua institucionalização podem justificar, em parte, as conformações dos vereadores na Câmara Municipal de Curitiba (CMC). Na Câmara, o PT, o PDT, o PSDB e o PMDB ocuparam parte significativa das cadeiras durante o período estudado (ver Tabela 2). Apesar de um estudo ao modo do de Figueiredo e Limongi (1999) ainda não ter sido efetuado para a CMC, pode-se perceber dois blocos ideológicos, direita x esquerda, dando força e significância à separação entre situação e oposição. Vê-se, por um outro ponto de vista, que, independentemente do comportamento dos parlamentares, não investigado nas votações da CMC, o número de cadeiras parlamentares conseguidas pela coligação vitoriosa na eleição majoritária é bastante significativo (ver Tabela 2). Isso se dá mesmo com o aumento do número de partidos concorrendo à eleição majoritária e com o aumento da fragmentação partidária na Câmara. Tabela 2

Distribuição de cadeiras nas eleições proporcionais de Curitiba (19882004) Partido PC do B PDT PDS PFL PL PMDB PPB/PP PPS

1982 Abs. % 0 0 11 33 0 0 22 67 0 0

1988 Abs. % 0 6 18 0 3 9 4 12 12 36 0 0

1992 Abs. % 0 8 24 0 3 9 5 15 4 12 0 0

1996 Abs. % 0 8 23 0 4 11 0 4 11 5 14 0

2000 Abs. % 0 2 6 0 9 26 0 3 8 4 11 0

2004 Abs. % 1 2 3 8 0 5 13 3 8 4 10,5 3 8 4 10,5 Continua...

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PRN PSB PSC PSDB PST PT PTB PV apoio* cadeiras partidos Ne**

0 0 0 0 0 0 0 0 22 33 2 1,84

67 100

0 0 0 0 0 3 5 0 14 33 6 4,65

9 15 42 100

1 0 0 2 2 3 5 0 18 33 9 7,26

3

0 0 0 6 7 6 0 9 3 15 4 0 54,5 21 100 35 7 6,37

0 0 2 6 3 8 3 8,5 0 20 3 8,5 4 10,5 1 3 0 8 6 17 3 8 11 2 6 4 10,5 0 1 2 60 24 68,5 13 34 100 35 100 38 100 10 12 6,92 11,03

Fonte: a autora, a partir de TRE-PR (s/d). Notas: 1. * O apoio foi contado a partir da coligação para eleição majoritária. 2. ** Número de partidos efetivos.

Para além da sustentação na coligação eleitoral, no momento em que se assume a prefeitura, a construção de uma coalizão de governo estabelece novas relações entre os poderes Executivo e Legislativo. Assumimos, como Mollenkopf (1992), que as coalizões podem ser estáveis, operar transversalmente aos assuntos das políticas governamentais e criar ganhadores e perdedores mais permanentes. Os atores juntam-se produzindo uma constante circulação de benefícios aos aliados, sem a necessidade de coagir ou induzir ações específicas, a não ser em casos polêmicos. Nesse sentido, há grupos que ganham ao longo do tempo, de modo estável, mesmo que não em todas as áreas, mas nas que escolhem como relevantes. No entanto, o conceito de coalizão deste autor é mais abrangente: estende-se aos apoios de grupos econômicos e sociais; o que pretendemos destacar, por hora, seria a coalizão como padrão de relacionamento entre os poderes Executivo e Legislativo. Dessa forma, adotaremos a idéia geral de Amorim Neto (2000) a respeito da tipologia de gabinetes.

III. INDICATIVOS DAS RELAÇÕES ENTRE OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO MUNICIPAIS Sabendo-se que cabe ao Prefeito a prerrogativa de formar seu grupo de trabalho no poder Executivo, podemos encontrar, simplificando os tipos de gabinetes (MELO, 2004, p. 83), gabinetes de coalizão, de cooptação ou apartidários. No primeiro, há acordo entre o chefe do poder Executivo e partidos para ser sua base, respeitando a força dos partidos no poder Legislativo, segundo critérios partidários. Nos outros, não há acordos do chefe do Executivo com os partidos, e a estratégia de aquisição de base de sustentação dá-se de maneira mais ou menos individualizada – mas, no caso de cooptação, ainda se mantém um recrutamento partidário; no último caso, o gabinete compõe-se por mais de 50% de nomes sem laços partidários.

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Em todos os casos, a vida da coalizão depende dos acordos e da capacidade de negociação das lideranças. A sustentabilidade, por outro lado, das alianças entre os poderes Executivo e Legislativo com um gabinete de coalizão pressupõe que o Legislativo aja partidariamente, com disciplina e previsibilidade, o que Figueiredo e Limongi (1999) já sugeriram. O pressuposto para gabinetes de cooptação e apartidários, porém, parece ser outro. Gabinetes desses tipos, no entanto, sustentaram-se por pouco tempo na esfera federal (AMORIM NETO, 2000). A questão neste trabalho diz respeito ao domínio da política local: que tipos de gabinete estão se constituindo na cidade de Curitiba? Há problemas de sustentação das bases de apoio ao poder Executivo no âmbito municipal? A administração de gabinetes de cooptação e apartidários no campo local cria tensões entre Câmara e Prefeitura? Tabela 3

Partidos em coalizão e coligação vencedora das eleições, a partir da Câmara Municipal de Curitiba Partidos em coligação eleitoral

Partidos em apoio ao governo

1985 PMDB

PMDB

1988 1992 1996 2000 PDT, PTB, PFL PDT, PTB, PPB, PDT, PFL, PSDB, PL, PST PTB, PSC, PPB, PSC, PFL PTB, PRN, PRP, PST, PSB, PL, PSL, PSD, PTdoB, PTN PDT, PTB, PFL, PDT, PTB, PPB, PDT, PL, PMDB* PL, PST, PTB, PSC, PFL, PRN, PFL, PSDB, PMDB* PMDB*

Fonte: TRE-PR (s/d). Nota: * Partidos em que nem todos seus membros parlamentares fizeram parte do apoio ao governo; no caso investigado, só se refere ao PMDB.

Verificamos, a partir da tabela 3, que duas maneiras de construção de gabinetes desenvolveram- se em Curitiba, a partir das eleições de 1985. Não são propriamente coalizões, pois não foram oferecidos cargos para partidos: foi apoio dos Vereadores ao Prefeito. O PMDB não tirou nenhuma resolução de apoio ou proibiu seus parlamentares de votar com o Prefeito, mas há sempre os que o fazem, assim como sempre há uma oposição dentro do próprio partido. A primeira, na gestão de Requião do PMDB, era um gabinete em base partidária, um governo convergente, não de coalizão, pois fundamentado apenas no PMDB, já que a Câmara eleita em 1982 contemplava apenas o PMDB (maioria) e o PDS. A segunda, a partir da primeira vitória do grupo de Jaime Lerner em 1988, pode ser chamada de apartidária em um primeiro momento, mas também se confunde com

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estratégias de cooptação ao longo do tempo6. O que interessa para o desenvolvimento de nosso argumento é que o gabinete de Jaime Lerner estruturava-se a partir do estabelecimento de um núcleo de governo técnico. Esse perfil de administrador também pode ser encontrado na construção do grupo de César Maia no Rio de Janeiro (ver MARQUES, 2003), mas o grupo de Jaime Lerner possui heranças das suas outras gestões como Prefeito de Curitiba, na época da ditadura (1971-1975 e 1979-1983), e diferenças nas escolhas de distribuição do seu grupo. Ao contrário de César Maia, Jaime Lerner minou as estruturas das administrações regionais e não descentralizou as execuções dos serviços públicos por meio delas. Foi extinta a Secretaria de Administrações Regionais, redefiniram-se os domínios das freguesias, diminuindo sua quantidade. As Secretarias Municipais, por sua vez, criaram suas próprias coordenações regionais que agiam de maneira autônoma em relação aos administradores regionais. Assim, ele não criou espaço para a criação de novos quadros políticos, tampouco ofereceu aos vereadores cargos para barganha de indicações. Ele estabeleceu um vínculo direto entre órgãos de governo e Vereadores da base de apoio, diminuindo também conflitos possíveis a respeito da relação entre cidadão (eleitorfreguês) e representante político, já que os parlamentares permaneceram com o monopólio (formal) da mediação entre o eleitor e o poder Executivo. A exemplo de nova patronagem, o grupo estabelece relações também com a Femoclan (Federação Comunitária das Associações de Moradores de Curitiba e Região Metropolitana), que sustenta a coalizão, e também mantém relações diretas com os órgãos do Executivo. Esses vínculos, no entanto, não serão tratados neste estudo, por falta de dados, fugindo da abordagem aqui empregada. Apontamos essa relação com a Femoclan7 para mostrar que os esforços de manutenção do grupo no centro do poder local amplificaram suas estratégias, em relação à busca de apoio no eleitorado, por meio de lideranças comunitárias, sendo o monopólio dos vereadores relativizado8. Ou seja, a organização do grupo no poder combina diferentes técnicas de arregimentação e mobilização de apoio externo. Como garantir o apoio da CMC construindo um gabinete apartidário e de cooptação? Como sustentar a coligação de partidos e aumentar o apoio parlamentar, com outros partidos, ou com outros parlamentares, sem contar com critério partidário? Seria coerente pensar que pelos meios de cooptação uma coalizão torna-se mais instável, pois não pode contar com disciplina nas votações, nem tem como aliada a previsibilidade do comportamento parlamentar. A CMC mostra, todavia, apoio permanente e majoritário ao Executivo ao longo do tempo estudado, principalmente após 1988. A bancada de apoio ultrapassa facilmente a maioria simples dos vereadores; a Mesa Executiva, com exceção de 6

Apresentamos um detalhamento das nomeações, das permanências e das rotatividades dos nomes nos cargos do poder Executivo (NAZARENO, 2003). 7 O auxílio à Femoclan pode ser entendido como uma nova forma de patronagem, pois o favorecimento de uma associações torna-se uma importante ferramenta de cooptação (cf. MOLLENKOPF, 1992). 8 O marketing político é outra peça constante nas gestões do grupo Jaime Lerner, que, de sua parte, também contribuem para a sustentação desse grupo no poder ao longo dos anos.

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um mandato (1989-1990), nunca abrigou componentes da bancada de oposição; as duas principais comissões são sempre presididas pelos membros do bloco de apoio e, se fizéssemos análise das aprovações dos projetos legislativos, provavelmente comprovaríamos as afirmações dos nossos entrevistados, de que a oposição está sempre em desvantagem, por seus projetos e emendas terem baixa aprovação em relação à situação. Foi na gestão Requião que os conflitos entre a Câmara Municipal e o poder Executivo fizeram-se visíveis, provocando a formação no poder Legislativo de um grupo contrário às idéias do Prefeito, principalmente no que se referia ao transporte coletivo, e que se consolidou no Grupo Pró-Cidade, dando origem a uma grande bancada de apoio ao Executivo a partir de Jaime Lerner. Essa aliança estável entre vereadores e Prefeitura explica-se pela natureza da instituição, moldada pelas regras do processo legislativo local, e pelo comportamento parlamentar majoritário, dentro da CMC, que estabelece os vínculos com a administração municipal.

IV. TIPOS DE VEREADORES Uma hipótese a respeito desse problema seria que a relação de apoio do Legislativo ao Executivo estrutura-se em um tipo de atuação parlamentar particular que foi se perpetuando ao longo do tempo, reforçada pelas escolhas da formação do grupo Jaime Lerner até hoje, baseada nas regras do processo legislativo da CMC. Eli Diniz (1988), ao discutir a máquina política, aponta para a necessidade de considerar o sistema de incentivos como um elemento estruturante de apoio e sustento de um grupo no poder, utilizado pela organização como estratégia de sobrevivência política. A autora baseia-se em quatro modalidades de incentivos, que poderiam ser agrupadas em três: 1) materiais, 2) solidários (específicos e coletivos) e 3) de identificação, para ponderar sobre a “forma de constrangimento e de influência sobre o comportamento individual dos membros de uma organização que os tipos de incentivos exercem” (idem, p. 29-31). A sugestão de uso dessas considerações, aqui, com relação à conexão entre grupo no poder Executivo e base de apoio parlamentar diz respeito ao estabelecimento de um sistema de incentivos predominantemente materiais, nos moldes da caracterização de máquinas políticas. No entanto, a organização não tem base no partido, nem se circunscreve a ele, mas a uma coalizão de governo, em que o núcleo expande-se pelo controle de recursos do poder Executivo municipal. Para tentar entender os atores envolvidos na sobrevivência do grupo político no poder municipal em Curitiba, desenvolvemos uma tipologia a partir de critérios sobre a relação do Vereador com o eleitorado e sua ação política que deu origem à conquista do cargo parlamentar. Não os classificamos por meio dos conteúdos de políticas propostas por eles, mas nos moldes da tipologia efetuada por Miranda (apud ZAPPI, 2004). Obtivemos as informações biográficas dos Vereadores elaboradas por suas assessorias para constar oficialmente das informações da CMC, da Assembléia

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Legislativa do Paraná e do Congresso Nacional9. Como toda tipologia, a separação dos vereadores em cada categoria não significa restringi-los a uma origem única, bem delineada, sem influências dos vários tipos. Importa entender que as categorias foram elaboradas a posteriori, baseando-se nas informações disponíveis nos discursos biográficos. Em algum ponto eles declaram sua identidade, ou silenciam-se sobre vínculos não existentes. Não possuíamos todas as biografias dos vereadores que passaram pelas cadeiras da CMC, mas tínhamos as biografias simplificadas de pelo menos 50% dos Vereadores eleitos, desde a eleição proporcional de 198810. Dividimos os vereadores em quatro categorias: 1) comunitários, 2) midiáticos, 3) temático-institucionais e 4) funcionários políticos. A primeira categoria contempla os vereadores que têm sua origem ligada a associações de bairro, grupos de bairro da escola ou também que declaram defender interesses do bairro, instalam escritórios nas comunidades, mantendo vínculos de atendimento à população. No caso da segunda categoria, são parlamentares que se estabeleceram nos meios de comunicação e assumem como identidade principal sua atividade na mídia, trazendo uma imagem pública anterior quando assumem suas cadeiras. Não basta ter um programa de rádio, mas já o ter antes da carreira política. Os considerados “temático-institucionais” são os vereadores que provêm de ligações com categorias específicas, como sindicatos, movimentos ecológico, religioso, estudantil etc. São parlamentares já familiarizados com outros tipos de ação política, como passeatas, abaixoassinados, pois já se socializaram organizando atos para os movimentos e categorias que representam e isso, muitas vezes, marca sua atuação parlamentar. O quarto tipo diz respeito àqueles que começam sua carreira política a partir de ligações com outros políticos, seja em órgãos do poder Executivo, seja como assessores, seja, ainda, aqueles que de alguma forma percorrem os passos daqueles a que se declaram vinculados (avô, pai, líder etc.). Dentre todas as categorias, somente a última pode indicar um vínculo mais fraco entre o Vereador e a população no início da carreira política, pois pressupõe que ele tenha-se socializado politicamente por meio de lideranças e cargos, sem necessariamente atuar junto à população. Com as poucas informações de que dispomos, podemos notar que há um certo equilíbrio entre vereadores de origem de tipo comunitário e de tipo temático-institucional, com exceção da legislatura de 2000, em que os do último tipo dobraram. No entanto, não foram avaliados os suplentes e nem toda a composição das legislaturas, de modo que seria prematuro tentar tirar conclusões a respeito11. 9

Na medida em que diversos ex-Vereadores tornaram-se, posteriormente, Deputados estaduais e federais. Obtiveram-se 18 biografias do total de 33 Vereadores eleitos em 1988; dos 33 eleitos em 1992, conseguimos apenas 17 biografias. Em relação aos eleitos em 1996, conseguimos 25 e, relativamente a 2000, obtivemos 30. Reforçamos que as biografias são feitas pelas respectivas assessorias e de modo opcional, para constar dos portais eletrônicos da Câmara Municipal de Curitiba e Assembléia Legislativa do Paraná. 11 Pretendemos obter as informações ausentes para compararmos as categorias e pensarmos com maior rigor a tipologia, no sentido de achar uma relação entre o tipo de origem política do Vereador e o comportamento situacionista na CMC. Questionamos que tipos são estimulados a manter uma base de apoio ao poder Executivo e que práticas são consolidadas, conformando e controlando os tipos de vereadores eleitos. Todavia não afirmamos que será possível encontrar um padrão, o que torna mais complexo o entendimento de como se sustenta uma coalizão tão duradoura, sem percalços. Em outro sentido, é importante indicar a necessidade de um trabalho que possa realizar uma tipologia mais completa e abrangente do comportamento parlamentar, a partir de estudo de caso mais detalhado, referindo-se a proposições, participação em composição do plenário e gabinete do Vereador em conjunto com a origem do seu capital político. 10

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Derivamos da idéia de uma tipologia da origem do capital político dos Vereadores uma concepção a respeito do comportamento do Vereador, que, em termos gerais, agregase ao grupo no poder do Executivo. O parlamentar tem no Executivo os instrumentos necessários para o atendimento das demandas de seus eleitores e, por outro lado, o poder Executivo precisa do parlamentar para viabilizar seus projetos, negociando com os parlamentares recursos. Uma relação de clientelismo em que, retomado o argumento de Diniz (1988), os sistemas de incentivos materiais delineiam o perfil e caracterizam a dinâmica de formação e desenvolvimento de um grupo no poder. As relações interdependentes que se estabelecem entre o cidadão e o Vereador e o Vereador e o poder Executivo seriam assimétricas, pessoais e estariam fundamentadas nas concessões de benefícios particularizados, principalmente tangíveis, mas que não se restringem ao campo econômico da troca, envolvendo questões de prestígio, deferência pessoal, lealdade, gentileza etc. As negociações, por sua vez, não parecem ser exclusivamente individuais e indiscriminadas. Há um padrão de relacionamento de situação e oposição que estão apoiadas na rede de coalizão dos poderes Executivo e Legislativo. No domínio político nacional, o comportamento parlamentar no processo decisório do Congresso, permite ações partidárias (cf. FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999), possibilitando aos grupos ali representados desenvolver um sistema de incentivos de identificação. O domínio local permitiria também essa prática, ou será que, quanto mais afastado do poder central, menor é o espaço para incentivos não particularistas? Há condições de permanência e sobrevivência política para Vereadores que escapam do sistema clientelístico de cooptação do poder Executivo? Essas são questões inquietantes que o estudo das instituições políticas locais trazem aos pesquisadores. Segundo Bezerra (1999) há um problema para pensar-se as práticas clientelistas, pois elas não são percebidas com estatuto sociológico próprio. O sistema de clientela tende a ser integrado em posição subordinada ao sistema político moderno, baseado nos conceitos de representação, multipartidarismo e liberalismo, um modelo ideal de política. São vistos ou como resquícios de formas de dominação tradicionais, ou como maneiras desviantes, ligadas à corrupção das instituições públicas. Com isso há uma perda conceitual, ao tratar o clientelismo como anomalia do sistema de representação, porque se deixa de explicar os mecanismos pelos quais ele opera e convive com outros tipos de atividades e sistemas de representação política. A troca de votos por favores, a distribuição de benefícios particularistas, a perpetuação de relações assimétricas entre cidadãos podem ser avaliadas como um fenômeno político autônomo e dotado de racionalidade, sem postular incompatibilidade operacional entre clientelismo e os pressupostos do Estado republicanodemocrático. De acordo com Bezerra (idem), a concessão de favores relacionados aos órgãos públicos e a obtenção de recursos são mecanismos sociais por meio dos quais os parlamentares acumulam certo poder social. As chances de concessão desses favores e recursos passam pelas relações estabelecidas entre Vereadores com a Câmara Municipal e com o poder Executivo. Aos parlamentares interessa o acesso às arenas decisórias capazes de atender as demandas do seu eleitorado, de base comunitária, temática ou

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midiática, e o controle de postos. No caso de uma coalizão de cooptação e apartidária, são principalmente os acessos que manterão a aliança majoritária entre poderes, produzindo a circulação constante dos benefícios aos aliados, pois a nomeação de cargos não está tão clara na coalizão de Curitiba como no caso de São Paulo (ZAPPI, 2004). Os acessos constituem estratégia política para os parlamentares e possibilitam as intermediações com seus pares e com a sociedade. A atuação dos Vereadores – aliás, dos parlamentares em geral – como mediadores de demandas dos eleitores junto aos órgãos executivos tem raízes históricas (BEZERRA, 1999; KUSCHINIR, 2000). Assim, parece bastante racional que o Vereador tenha um comportamento situacionista e a Câmara também. Mas faz-se a ressalva de que essa concepção de “acesso” de Kuschnir fundamentase na idéia de um tipo de Vereador, o comunitário, que pode ser estendido para o temáticoinstitucional sem caráter ideológico. A valorização dos acessos aos recursos do poder Executivo por parte dos parlamentares levaria a um comportamento previsível dos políticos de tipo situacionista: “Os acessos definem as noções de política, poder público, assim como a identidade do político” (KUSCHNIR, 2000, p. 105). Assim, de certa forma os acessos possuiriam maior peso no campo da política local do que os partidos. Alguns estudos sobre o processo legislativo demonstram que os Vereadores da base de sustentação do governo têm vantagens na aprovação de projetos e emendas legislativos12. Certos depoimentos dos entrevistados nesta pesquisa13 endossam a visão de que os benefícios são exclusivos dos membros da base de apoio. As relações clientelistas entre órgãos do poder Executivo e Vereadores favorecem, também, a transformação das propostas, requerimentos e emendas legislativas em crédito perante os eleitores. Os entrevistados ilustram a relação de interdependência entre os poderes, afirmando que não somente o Vereador reivindica a execução de emenda requerida pela sua comunidade, mas também os órgãos das secretarias apontam, a priori, quais obras já constam para execução, e os Vereadores podem receber crédito por elas ao encaminhar uma proposição que já sabem que será atendida. Não há como entender esses casos, todavia, como norma, pois não há como os estudá-los com maior precisão devido ao sigilo que envolvem essas práticas informais do policy making. O requerimento de “favores” não implica questionamento dos atores envolvidos nessas práticas em relação à pertinência dos pedidos ou sobre a particularização dos 12 Um pressuposto distributivista puro, todavia, não dá conta da complexidade das relações de mediação do Vereador. Primeiro, porque se concentraria na análise de proposições legislativas, omitindo as outras atividades presentes no cotidiano dos gabinetes parlamentares. Segundo, a idéia de base eleitoral restrita, para a qual o eleito serviria de ponte até os recursos, não se adapta ao modelo eleitoral proporcional que molda as competições para as câmaras municipais brasileiras. Ver, a respeito da corrente distributivista, seu pressuposto e novo institucionalismo em Limongi (1994). 13 As identidades dos entrevistados não serão reveladas. As entrevistas fazem parte da aplicação do método de análise de redes ao objeto da pesquisa. Os entrevistados são ou funcionários públicos, ou assessores parlamentares, ou assessores do poder Executivo, cargos comissionados da Prefeitura ou os próprios políticos ocupantes de cargos eletivos, que atuaram ou ainda atuam no domínio da política local, na cidade de Curitiba, no período compreendido entre 1985 e 2000.

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bens públicos. O atendimento é uma obrigação. O “clientelismo opera sob o princípio da dádiva, implicando sentimentos de lealdade e empenho individual” (idem, p. 140), promovendo relação de solidariedade vertical, sendo sua prática institucionalizada pela lógica dos acessos ao poder decisório do Estado. Mas os acessos podem envolver questões para além dos benefícios particularistas, apesar de seu caráter pessoal. Os vínculos diretos com as secretarias por parte da bancada de apoio reduzem a importância dos requerimentos de informações, objeto típico de fiscalização do poder Executivo. Informações da cidade podem ser obtidas com maior confiança devido ao mecanismo de influência operado pelo sistema de incentivos da organização ou do grupo. Os parlamentares sem acesso à Prefeitura, de oposição declarada, por sua vez, têm nos mecanismos formais, impessoais, a via de acesso aos órgãos do poder Executivo. Os incentivos para o clientelismo individualista não têm efeito uniforme em toda a CMC. Os estímulos são mais fracos entre aqueles que, excluídos dos círculos imediatos do poder e da patronagem, estão fora da base de apoio. Estes empenham as suas energias no ativismo oposicionista, partilham acessos limitados, envolvendo mais a compreensão do processo de acessos do que a sua conquista em si. Mas seria nesse sentido que espaços viabilizar-se-iam para formação de contra-redes de poder. Não se deve restringir as estratégias de sobrevivência eleitoral dos Vereadores a objetivos particularistas. Concordamos com a idéia de Figueiredo e Limongi de que “a premissa usual de que os parlamentares adotam estratégias que maximizam suas chances de reeleição está longe de implicar interesse exclusivo em patronagem ou na dilapidação predatória do Estado” (FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999, p. 37). Com isso, queremos minimizar os julgamentos a respeito do clientelismo. Essas considerações relembramnos que os indivíduos agem conforme o ambiente em que estão envolvidos e reproduzem as condições do meio. Cabe mencionar aqui apenas o cuidado para perceber que as atividades dos Vereadores contemplam um amplo leque de relações com os eleitores e com o poder Executivo. Seria problemático enxergar apenas os objetivos formais da representação parlamentar municipal, restringindo-os à produção de leis, pareceres, emendas e requerimentos de fiscalização – mesmo porque, por meio dos requerimentos e seus trâmites formais os Vereadores usam esses instrumentos para legitimar um sistema de incentivos solidários com o seu eleitorado. Pensemos nas proposições de declaração de utilidade pública, denominação de logradouros públicos, concessão de títulos, votos de louvor (congratulações) e prêmios, abarcando a maior parte da produção legislativa. As atividades realizadas nos gabinetes e em escritórios particulares, as atividades envolvendo sua propaganda, as atividades nos partidos, nas associações, nos sindicatos ou em outros movimentos fazem parte da agenda de representação dos vereadores. O que podemos afirmar até agora é que, ao contrário do que querem os princípios e os ideais, as regras de relacionamento entre poderes e de funcionamento do parlamento local incentivam, no entanto, mais as atividades fora do âmbito legislativo. Além disso, a força com que as práticas clientelistas, no âmbito local, constrangem ou reforçam os princípios, os instrumentos e o comportamento dos atores políticos tem encaminhado as

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ações pelo lado pessoal, informal. A lógica institucional mais ampla é desafiada por dentro do processo decisório institucional. Nesse sentido, distinguir o grau de especificidade do clientelismo e a relativização dos conceitos relacionados ao modelo ideal de política não deve significar a valorização do clientelismo, como afirma Karina Kuschnir (2000), mas sim identificar a permeabilidade das instituições.

V. RELAÇÕES ENTRE VEREADORES E ELEITORES A relação entre líderes – em nosso caso, os Vereadores – e cidadãos é ambígua. Os líderes não são mais a elite do passado. Dahl (1998), em seu livro Who Governs?, descreve como a fragmentação do controle sobre os recursos econômicos, políticos, culturais e sociais criou uma classe política heterogênea, competitiva, suscetível às influências do eleitorado. Os líderes precisam pensar nas preferências dos eleitores e entendem, de maneira ampla, a sua sobrevivência política como uma relação de legitimação e prestação de contas aos eleitores (idem). Os sistemas clientelísticos considerados anteriormente constituem formas de legitimação, de atendimento de preferências e também de prestação de contas, porém de âmbito particularista. As escolhas de representação em processos personalizados mantêm-se conseqüentemente por meio de práticas personalizadas. Os vínculos entre eleitor e político supõem maior estabilidade explicada por relações de dependência. Obviamente, parlamentares de ação clientelista, no nosso sistema eleitoral proporcional, contam com votos que estão além de sua ação localizada, pois há incentivos para que eles difundam sua atuação em busca de apoio eleitoral. Essa identificação eleitoral mais ampla pode muito bem fundamentar-se na clivagem direita-esquerda, representada pelos blocos PDT (PFL, PTB, PPB) x PMDB (PT) mencionados no início do capítulo. Sabe-se que os competidores do jogo eleitoral não são os partidos como unidades diferenciadas, mas candidatos e coligações formadas por diversos partidos, possibilitando a visualização de blocos. A divisão entre situação e oposição também se constitui em matéria de identificação para o eleitor. No caso da CMC os Prefeitos uniram-se aos partidos da coligação e a alguns Vereadores, em particular, para compor maiorias de governo estáveis. A participação de um Vereador na bancada de apoio, dessa forma, pode ser vista como uma sinalização para o eleitor. Para Fabiano Santos (2003), ao estudar o Congresso Nacional, pertencer ao bloco do governo seria uma estratégia do Deputado para sinalizar à sua base eleitoral a que posição ele adere, já que a base é incerta a respeito dos responsáveis pelas políticas públicas. No caso local, a sinalização, além de referir-se à responsabilidade pelas políticas públicas, contempla também a possibilidade de acesso aos benefícios das políticas públicas de um modo mais direto. A identificação do eleitor com o político pode mantê-lo no cargo representativo. Um problema derivado seria a permanência dos políticos na CMC. A idéia central parte de Fabiano Santos (2000): a capacidade de o poder Legislativo federal reter políticos está positivamente relacionada ao seu poder de agenda. Ou seja, quanto maior o poder de agenda do poder Legislativo, mais ele é relevante para o processo decisório de políticas

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públicas, maior capacidade de reter políticos, maior sua permanência nos cargos parlamentares. Santos indica que a permanência do político mostra seu interesse na carreira na instituição e verifica que mesmo o Legislativo não sendo capaz de compartilhar a agenda pública com o poder Executivo (LIMONGI & FIGUEIREDO, 1999), a média de permanência é alta. O poder de reter membros, então, volta-se para o perfil dos Deputados, que significa experiência e força eleitoral. Santos constata que a Câmara dos Deputados é habitada por Deputados inexperientes e de desempenho eleitoral médio, permanecendo por períodos longos. Seus pressupostos referem-se a Weber: quanto maior o poder concedido ao parlamento, mais preparados tornam-se os parlamentares, melhor a qualidade de líderes e menor o peso da burocracia. De modo simplificado constata-se, na CMC, que a eleição de 2000 elegeu 45% (16 do total de 35 cadeiras) de Vereadores que já tinham ao menos três mandatos na CMC. A eleição de 2004 manteve um índice de 47% de Vereadores também com, pelo menos, três mandatos na CMC (18 do total de 38 cadeiras)14. Os nomes que compõem a Mesa Executiva da Câmara também indicam uma certa deferência ao tempo do Vereador na casa. Com exceção da Mesa do período de 1991-1992, em que apenas o presidente já estava em seu segundo mandato, todas as mesas seguintes compuseram- se de Vereadores no mínimo em seu segundo mandato (salvo algumas exceções). No caso da CMC, sua estrutura institucional beneficia o bloco de situação e o comportamento de aquisição de acessos à administração municipal, em contrapartida do apoio à agenda do poder Executivo. O canal da representação que seria o principal acesso ao locus de decisão – poder de agenda – transforma-se no principal acesso aos loci de implementação. De um lado, o poder de acessos transforma-se em um incentivo tão importante para a carreira do vereador quanto o poder de agenda. De outro lado, o perfil do parlamentar pode assemelhar-se ao dos Deputados estudados por Santos (2000). No entanto, esses dados não estão disponíveis e completos nesta pesquisa e só é possível especular a respeito. V.1 Reeleição Os Vereadores com vínculo de dependência com a comunidade têm interesse em investir na continuidade de sua carreira política. A suposta atração por cargos executivos não exclui o investimento nos cargos parlamentares, tendo em vista o poder de acessos em Curitiba. O interesse em influenciar o processo decisório contempla-se com os acessos e a constante circulação de benefícios, caso a opção do Vereador vincule-se à estratégia da sobrevivência via apoio do poder Executivo. Pois, mesmo assumindo-se a predominância do poder Executivo na CMC, os Vereadores de apoio estariam envolvidos nos processos decisórios que lhes interessam. Seriam os políticos externos às coalizões que teriam mais problemas para realimentar seu interesse no desenvolvimento de uma carreira voltada ao parlamento. Mesmo assim, os Vereadores de oposição de Curitiba desenvolveram carreiras

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Aumentaram-se três cadeiras por decisão do Tribunal Superior Eleitoral em 2004.

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parlamentares e investiram nas suas candidaturas de reeleição, em sua maioria – mesmo os do PMDB que tiveram oportunidades de ocupar cargos no poder Executivo estadual durante o período analisado. Muitos políticos locais investem na conquista dos cargos na CMC, a ponto de Vereadores candidatos à reeleição que não se reelegem candidatarem-se novamente em outra eleição15; pouco muda se a reeleição seria o objetivo principal do político ou um objetivo intermediário para as taxas de reeleição16. A década de 1980, de transição democrática, foi de alta renovação dos parlamentares municipais. Na eleição de 1982, somente se reelegeram nove Vereadores para os 33 lugares disponíveis (27%). O PMDB foi o grande responsável por essa renovação: dos nove vereadores reeleitos, sete eram do PDS e o PMDB acabou ocupando 60% das vagas da CMC (vinte Vereadores entraram por esta legenda). Dos 33 Vereadores eleitos em 1982, apenas oito (24%) foram reeleitos em 1988 e apenas um faria seu terceiro mandato (José Gorski). Foi a maior taxa de renovação da CMC durante o período estudado. A coligação para a eleição majoritária que elegeu o Prefeito, Jaime Lerner, ocupou 14 das cadeiras (42%). Porém o bloco de sustentação do governo era maior, consolidando o processo da construção do grupo interno da Câmara chamado Pró-cidade. Sabe-se que os resultados das eleições proporcionais possuem razoável dose de imprevisibilidade (MELO, 2004, p. 61). Mas a década de 1990 mostrou uma taxa alta de reeleição, conseqüentemente apontando alguma vantagem dos ocupantes de cargos. A Câmara eleita em 1992 tinha 22 Vereadores reeleitos (66%), as maiores votações foram deles, com exceção do primeiro da lista, Íris Simões17. Desses reeleitos, dezenove compunham o bloco de apoio ao poder Executivo; um Vereador iria para seu quarto mandato consecutivo, seis para o terceiro e 15 para o segundo. Por falta de dados18, não pudemos identificar quantos eram da coligação vencedora, mas ao menos 13 Vereadores eram da coligação para eleição majoritária que apoiou o Prefeito eleito. Nas eleições municipais seguintes, de 1996, as cadeiras aumentam de 33 para 35 e 21 foram ocupadas por Vereadores reeleitos (60%): um em seu quinto mandato,

15 Eugênio Bim, Ítalo Tanaka, Antônio Marchalek voltaram a candidatar-se em 1988 e perderam, como em 1982. Eugênio Bim e Santiago Losso candidataram em 1992 e perderam como em 1988. Luiz Ernesto candidatou-se em 1996 e ganhou após perder em 1992. Paulo Salamuni, Geraldo Bobato e Marcelo Almeida candidataram-se e elegeram-se em 2000, após derrota em 1996. Josias Lacour e Rosa Maria Chiamulera candidataram-se em 2000 e perderam como em 1996. Jonathas Pirkiel candidatou-se e não se elegeu em 2000, após alguns anos de afastamento após derrota para Prefeito em 1992. Borges dos Reis e José Gorski candidataram-se em 2004 e não se elegeram, assim como em 1996. Nely Almeida, Custódio, Sandoval e Tito Zeglin retornaram à CMC em 2004, após derrota em 2000 (a primeira assumiu a suplência do cargo de Mauro Moraes em 2003). 16 Esse fator pode importar para distinguir um comportamento parlamentar voltado exclusivamente à reeleição e um outro diferenciado; todavia esse assunto demandaria um estudo mais pormenorizado. 17 Irmão de Carlos Simões e ex-Vereador, ambos radialistas. Pode-se especular a respeito da transferência de votos do irmão não-candidato para o irmão candidato. 18 Não sabemos de todos os partidos que fizeram alianças para a eleição majoritária.

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quatro em seu quarto19, nove no terceiro20 e sete no segundo21. Dentre eles, treze foram reeleitos pela coligação na eleição majoritária que apoiou o Prefeito eleito, mas apenas três não se declaravam do bloco de apoio ao poder Executivo. Na eleição de 2000, das 35 cadeiras, 22 (63%) eram Vereadores reeleitos: três pelo seu quinto mandato (desde 1982), sete pelo seu quarto, seis pelo seu terceiro22 e seis pelo seu segundo. Doze Vereadores eleitos em 1988 foram também eleitos em 2000; dentre eles, dez faziam parte do Grupo Pró-cidade iniciado na gestão de Requião e consolidado na gestão Jaime Lerner. Os dados que fundamentaram essa descrição a respeito da reeleição dos Vereadores são do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR). A partir da lista dos candidatos a Vereador de eleição para eleição, verificamos quem foi reeleito. Isso significa que os suplentes que assumiram parte do mandato não estão contabilizados nas candidaturas para a reeleição. Sabemos que mais da metade dos suplentes cumprem, ao menos, a metade do período de mandato (dois anos) que, a partir da eleição de 1988, coincide com os anos das eleições estaduais e federais e que o uso do mandato poderia assegurar algumas vantagens em relação aos não mandatários23, mas os dados sobre os suplentes eram insuficientes para considerá-los. V.2 Migrações Outro problema a ser discutido a respeito da relação político-eleitor trata da migração parlamentar. Nos modelos clássicos a identificação partidária importa para a redução de custos de informação dos eleitores. Em um contexto em que a escolha eleitoral é personalizada, o que importa não é tanto o novo partido em si, mas as condições que ele oferece para a disputa, mesmo não existindo garantia para a reeleição (MELO, 2004, p. 127). As migrações tendem a não ser punidas pelo eleitor24. Realizar a mudança de partido não constitui nenhum problema, pondera Ranulfo Melo, pois as regras eleitorais facilitam essa decisão. “A mudança de partido poderá, portanto, ocorrer sempre que o deputado a considerar benéfica, ou, pelo menos, não prejudicial à sua carreira. [Mas] o cenário é de incerteza em relação aos efeitos das opções feitas” (idem, p. 63). Se pensarmos em um parlamentar preocupado com sua sobrevivência política, a migração pode não lhe acarretar perdas, principalmente em um contexto de reeleição ao cargo. 19

Nessa categoria, seis Vereadores da legislatura anterior poderiam completar o quarto mandato, mas dois não se candidataram, ou seja, não houve taxa de falência nesse subgrupo. 20 Nesse subgrupo, dos 15 que completariam seu terceiro mandato com uma reeleição, doze candidataram-se e três perderam o mandato (25% de falência). 21 A exemplo das notas anteriores, oito candidataram-se e sete reelegeram-se (12% de falência). 22 Taxa zero de falência: dos sete que poderiam completar seu terceiro mandato, seis apresentaram candidatura. 23 Essa discussão teve origem no artigo de Mayhew (1971). 24 Embora um caso não prove a afirmação, ele mostra-se interessante como descrição do procedimento migratório: Mauro Moraes foi o Vereador mais bem-votado da história de Curitiba (resultado de 2000), inclusive dos resultados recentes de 2004: em 2000, conquistou o seu quinto mandato consecutivo, realizando três mudanças de partidos: do PMDB (1983 e 1988) para o PRN (1992), deste para o PSDB (1996) e então para o PSC (2000).

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Pôde-se observar em Curitiba, até agora, apenas as mudanças de eleição para eleição (ver Tabela 4). Os dados das migrações partidárias intramandatos não eram completos, por isso não pudemos averiguar as freqüências de migrações durante os mandatos, nem desenvolver relações com o período de escolha da Mesa Executiva da CMC. Considerações a respeito da relação das migrações e o aumento dos partidos na CMC, sem esses dados, também ficam prejudicadas. Mas o questionamento a respeito da instabilidade que as migrações trariam às bancadas dos partidos não faz muito sentido se observamos que os loci de decisões da CMC são os blocos situação x oposição. Como já consideramos, na CMC há poucos incentivos para a institucionalização de um tipo de comportamento partidário restrito: não há centralização de decisões nos líderes, blocos podem ser feitos e refeitos transpassando legendas, há grande fragmentação e certo equilíbrio de cadeiras entre os partidos, o que não permite nenhuma dominância. A força da expressão de uma divisão entre bancada de apoio ao poder Executivo e a bancada de oposição nas negociações da casa são mais comuns do que negociações partidárias. Tabela 4

Mudanças de partido dos vereadores de Curitiba de eleição a eleição (1988-2004) Mudanças novas reincidentes* Total**

1988/1992 abs % 8 36 22

100

1992/1996 abs. % 4 2 29 21 100

1996/2000 abs. % 11 2 59 22 100

2000/2004 abs % 5 6 58 19 100

Fonte: TRE-PR (s/d). Notas: 1. * O total se refere aos vereadores reeleitos. 2. ** Quando vereadores que já haviam migrado anteriormente fazem novamente uma mudança, foi computado a partir de primeira mudança considerada.

Todos os migrantes – com exceção de Jorge Samek, que passou do PMDB, em 1988, para o PT, em 1992 – eram da bancada de apoio ao poder Executivo no mandato anterior à mudança de partido. As migrações não parecem acarretar problemas para a coalizão de governo. Os Vereadores da bancada de apoio, trocados seus partidos, continuam na bancada de apoio. Os Vereadores também acompanham a mudança de partido do Prefeito. Na legislatura de 1997-2000, seis Vereadores integravam o PDT, com maior bancada da CMC, mas seis deles mudaram de partido com a migração de Jaime Lerner para o PFL; todavia, nem todos foram para a mesma legenda: houve uma distribuição para PFL, PTB e PSB, todos partidos possíveis para futuras alianças. Essa migração em massa criou problemas para o partido abandonado, mas não para o sustento do poder Executivo, pois todos os Vereadores migrantes também eram presidentes de diretórios zonais do

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PDT e mantinham a estrutura desses escritórios25. O volume de migrações aqui verificado não diz nada sobre a disciplina dos Vereadores, nem tampouco mostra fragilidade do apoio ao poder Executivo, mas não autoriza que se fale em vínculos fortes entre os partidos e os parlamentares. Essa discussão sobre a fragilidade das instâncias partidárias no âmbito local aponta caminhos para conhecermos melhor como as lideranças políticas relacionam-se entre si – mais especificamente, como o grupo no poder Executivo apropria-se das estruturas partidárias e como é influenciado pelo tipo de partido em que se encontra. Esse debate, todavia, merece ser desenvolvido em outro estudo.

VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS A unidade de apoio do legislativo ao grupo de Jaime Lerner foi grande e, embora não possamos afirmar que tenha sido controladora, moldou a trajetória do desenvolvimento político de Curitiba. Essa estável aliança entre Vereadores e Prefeitura explica-se pela natureza da instituição, que foi moldada pelas regras do processo legislativo local, assim como pelo comportamento parlamentar majoritário dentro da CMC, que estabelece os vínculos com a administração municipal. Com relação ao comportamento dos parlamentares, os acessos aos órgãos executivos constituem-se em estratégia política para os políticos e possibilitam as intermediações com seus pares e com a sociedade. A atuação dos Vereadores, aliás, dos parlamentares em geral, como mediadores de demandas dos eleitores junto aos órgãos executivos tem raízes históricas (BEZERRA, 1999; KUSCHINIR, 2000). Assim, parece bastante racional que o Vereador tenha um comportamento situacionista e a Câmara também. A valorização dos acessos aos recursos do executivo por parte dos parlamentares levaria a um comportamento previsível dos políticos. Assim, poderíamos dizer que os acessos possuiriam maior peso no campo da política local do que os programas partidários. Fazemos a ressalva de que essa concepção de acesso de Kuschnir fundamenta-se na idéia de um tipo de Vereador, em especial o Vereador comunitário. Na Câmara Municipal de Curitiba, verificamos que o bloco de apoio ao governo compõe-se dos variados tipos de Vereadores, enquanto o bloco de oposição ao longo do tempo se compunha de Vereadores do tipo temático-institucional. O que podemos entender até aqui é que, ao contrário do que quer os princípios e os ideais, as regras de relacionamento entre poderes e de funcionamento do parlamento local incentivam, no entanto, mais as atividades fora do âmbito legislativo restrito. Além disso, a força com que as práticas clientelistas, no âmbito local, constrangem ou reforçam os princípios, os instrumentos e o comportamento dos atores políticos tem encaminhado as ações pelo lado pessoal, informal. A lógica institucional mais ampla é desafiada por dentro do processo decisório institucional. Significa enfim que precisamos considerar e identificar a permeabilidade das instituições como um fato político. 25

Depoimentos dos entrevistados contam como os presidentes de zonais e Vereadores desestruturaram o PDT, levando atas de reuniões internas e lista de filiados embora consigo, como se fossem bens pessoais.

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CAPÍTULO DEZ

INSTITUCIONALIZAÇÃO PARTIDÁRIA: UMA DISCUSSÃO EMPÍRICA A PARTIR DO CASO DO PFL DO PARANÁ Emerson Urizzi Cervi & Adriano Nervo Codato

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10. INSTITUCIONALIZAÇÃO PARTIDÁRIA: Uma discussão empírica a partir do caso do PFL do Paraná

1

Ao contrário da experiência em outros estados do Brasil, o Partido da Frente Liberal (PFL) não se fortaleceu como a principal agremiação conservadora do Paraná a partir da decadência do PDS na segunda metade dos anos oitenta. Nem foi a alternativa política aos integrantes da Arena quando ela foi extinta, no final dos anos setenta. Os líderes de maior prestígio migraram, curiosamente, para o Partido Democrático Trabalhista (PDT), de Leonel Brizola. Seu principal representante no estado, Jaime Lerner, participou da disputa em 1986 como candidato a vice-Governador, venceu a eleição para Prefeito de Curitiba em 1988 e a de Governador em 1994 sempre pela legenda do PDT. Durante todo esse período, o PFL ficou no ostracismo por falta de lideranças estaduais fortes e atuantes2. Além de tudo, o PFL seria o único entre os grandes partidos a apresentar uma trajetória estadual distinta da trajetória nacional. O PMDB paranaense, por exemplo, seguiu a mesma direção que a agremiação em nível nacional. Nos anos 1980 e início dos 1990 foi o partido majoritário, tendo conseguido eleger três Governadores consecutivos, que administraram o estado entre 1982 e 19943. Em 1997, o Governador Jaime Lerner, depois de muitas negociações, inscreveu-se no Partido da Frente Liberal, dando um impulso formidável à estrutura da agremiação. O objetivo deste capítulo é justamente analisar e discutir a forma de crescimento do partido liberal no estado e a natureza desse crescimento. 1

Versão preliminar deste trabalho foi apresentada no III Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política – ABCP, realizado em Niterói, em julho de 2002. Agradecemos a leitura atenta e os comentários de Renato Monseff Perissinotto, Mário Sérgio Lepre e Luzia Helena Hermann de Oliveira. 2 Até meados dos anos noventa, a principal figura do PFL continuou sendo o ex-Governador e ex-Ministro Ney Braga. Em 1982, após ser derrotado na disputa de uma cadeira no Senado Federal, decidiu não disputar mais cargos eletivos. Ney foi o único político paranaense a assinar o manifesto de fundação da Frente Liberal, em 1984. Como ele não participaria mais de eleições depois de 1982, os políticos estaduais conservadores procuraram outras legendas que contassem com lideranças com o mesmo prestígio e/ou influência. 3 Ver o Quadro 4 do Anexo.

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Note-se que o controle do governo por determinada agremiação – o que constitui, de resto, a base para a distribuição de empregos (“cargos”) e recursos públicos em troca de apoio político – tende a contribuir decisivamente para a institucionalização partidária, seja no âmbito eleitoral, seja no âmbito organizacional. Partidos que contam com o Presidente, ou com o Governador, ou com um número respeitável de Prefeitos, tendem a avançar eleitoralmente e estruturar-se materialmente, crescendo em importância junto à elite política. O exemplo do Partido da Frente Liberal no Paraná é uma evidência típica disso. O partido só vai ganhar peso efetivo no sistema político, no estado, após 1997. Nossa hipótese, entretanto, é que a análise isolada das informações sobre o incremento eleitoral e a presença institucional do PFL não são suficientes para evidenciar se houve de fato um “fortalecimento” do partido no Paraná a partir da filiação de Lerner. O caso do Paraná é tanto mais relevante quando se considera as características do PFL como agremiação nacional. Como se sabe, trata-se de um partido disciplinado internamente (o que pode ser visto pelas votações no legislativo), coeso ideologicamente (suas divisões internas resultam mais de facções regionais do que de tendências que defendem princípios diferentes) e estável (isto é, com baixo índice de migração para outras legendas)4. A avaliação do PFL como uma agremiação política coesa, disciplinada, centralizada e articulada – “mecanismos fundamentais no processo de desenvolvimento e institucionalização” do partido – pode ser lida, por exemplo, em Ferreira (2002). Conforme a autora, a sigla “tem crescido nas demais regiões do país”, deixando, portanto, de ser um “partido de nordestinos”. Ela sustenta ainda que “Os resultados eleitorais [mostram] que o PFL tem-se firmado como uma legenda com expressiva votação, [...] conquistando razoável estabilidade e crescimento eleitoral, que se constituem em indicadores de desenvolvimento e da institucionalização partidária. Além disso, [...] tem procurado” difundir “um projeto de feição liberal para o País. Essa perspectiva articula-se em torno de idéias cujo núcleo básico é constituído pela crítica à atuação e interferência do Estado, principalmente na economia [...]” (Ferreira, 2002, p. 213-214). Por tudo isso, o PFL está longe de representar uma instituição destinada apenas a realizar o interesse político-eleitoral de seus líderes. Essa conclusão é válida para a agremiação no Paraná? Para testar essa afirmação analisaremos o desempenho eleitoral e a organização interna do PFL no estado entre 1986 e 2004. As questões que orientam esse estudo são as seguintes: depois de 1997 qual foi o índice de avanço eleitoral do partido no estado?5 Nas eleições proporcionais (Deputado 4

Para os baixos índices de migração partidária do PFL, v. Melo, 2000; para sua disciplina em plenário, v. Figueiredo e Limongi, 1995. 5 Para uma definição completa do índice de avanço, v. Santos, 1977, p. 215-216. A fórmula de cálculo é (votos partido t1 - votos partido t0)/votos partido t0)/((votos totais t1 – votos totais t0)/votos totais t0).

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federal, Deputado estadual, Vereadores da capital) esses índices foram significativos e constantes? Qual foi a taxa de crescimento de prefeituras controladas pela agremiação? Essa é uma tendência ascendente ou ao menos estável? Quais as taxas de disciplina e fidelidade partidárias alcançadas pelos “liberais” no estado? O estudo de uma agremiação específica (PFL) num estado determinado (Paraná) deve trazer dois proveitos: além do aumento do conhecimento sobre a política paranaense (cujos preconceitos positivos em torno de algumas de suas lideranças políticas mais conhecidas são renitentes), lança uma luz à dimensão política “regional” do sistema político nacional. Definir melhor o perfil estadual dos partidos num regime federativo, imagina- se, é central6. Este capítulo está dividido em quatro seções. Na primeira estipula-se uma série de critérios metodológicos a fim de definir e avaliar o grau de institucionalização dos partidos políticos. A segunda seção resume o desempenho eleitoral e político do PFL-PR antes e depois de 1997 e determina as razões do crescimento do partido. A terceira seção interpreta o significado desse crescimento e os motivos de sua retração brusca no período mais recente. A última seção expõe algumas explicações e sugere tendências eleitorais futuras.

I. UM MODELO DEDUTIVO PARA INSTITUCIONALIZAÇÃO PARTIDÁRIA Como, quando e sob que condições pode-se sustentar que um partido político é “forte”, em sentido amplo, ou está institucionalizado? Qual é o “ponto ótimo” (se é que existe um) a partir do qual um partido está enraizado no sistema político a ponto de não depender da transferência de prestígio de uma liderança “carismática” ou de um “chefe” local? A noção de institucionalização que utilizamos neste estudo está ligada à idéia de estabilidade e essa estabilidade teria de se evidenciar em duas dimensões: junto ao eleitorado e junto à elite política. O apoio político obtido pelo PFL-PR é permanente, isto é, iria além do período de governo de Jaime Lerner? O partido apresenta baixas taxas de migração e alta presença nos escalões superiores do governo, por exemplo? Idealmente, um partido “institucionalizado” deveria demonstrar força eleitoral autônoma como marca de seu enraizamento na sociedade. Essa variável pode ser medida seja em função da independência da organização frente a um “cacique político”, seja em função do grau de identificação/reconhecimento do eleitorado junto ao partido. Esse traço pode ser evidenciado a partir de séries eleitorais razoavelmente longas e da própria história partidária. Uma das condições necessárias da institucionalização é o crescimento eleitoral (aumento do número de cadeiras nos legislativos e aumento do número de mandatos conquistados nos executivos) e a fixação da preferência partidária (voto de 6

Há pouquíssimos estudos sobre “partidos e eleições” no Paraná. Eles são dispersos e rarefeitos. A propósito, ver a lista quase integral: Martins, 1960; Santos, 1964; Balhana, 1969; Franco Sobrinho, 1976; Moura e Kornin, 2001; e Cervi, 2002. Os trabalhos mais completos são Oliveira, 1998; e Lepre, 2000.

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legenda) num grau relevante. Mas esse critério – representatividade eleitoral – tem de ser completado por um outro: é preciso que as bancadas sejam estáveis e obedientes. Isso nos leva ao segundo critério: coesão partidária e disciplina organizacional. Coesão partidária e disciplina organizacional são medidas seja pela migração partidária (baixa), seja através do comportamento unificado da bancada no legislativo: rejeição (quando na oposição) ou apoio (quando na situação) às iniciativas do executivo nas proposições e votações mais importantes. O terceiro critério é a capacidade de influência do partido junto às instituições políticas (governo e legislativo). Seus indicadores são os graus de controle dos recursos políticos do sistema, medidos pela alta presença nos escalões superiores do governo (ocupação/indicação de posições relevantes no executivo) ou nas comissões do legislativo, e grande competência de definição e/ou influência sobre o processo decisório, o que equivaleria à “implementação do programa” da agremiação, pelo menos em seus aspectos básicos. A variação desses fatores, em conjunto, indica o coeficiente de implantação da agremiação partidária no sistema político e sua solidez. Esquematicamente teríamos o seguinte: Quadro 1

Variáveis selecionadas para determinar a institucionalização partidária CRITÉRIOS 1) força eleitoral autônoma

O QUE É MENSURADO a penetração junto ao eleitorado (“representatividade”)

INDICADORES

EVIDÊNCIAS

EXEMPLO

1. número de cadeiras no legislativo/ número de mandatos no executivo

a. (in)dependência da organização frente a um “cacique político”

- crescimento eleitoral constante

2. grau de identificação do eleitorado junto ao partido

b. fixação da preferência partidária

- crescimento do voto de legenda

3. índice de avanço eleitoral

c. crescimento líquido no número de votos do partido

- crescimento real no número de votos obtidos (e não de cadeiras conquistadas) Continua...

250

2) coesão partidária e disciplina organizacional

3) influência junto às instituições políticas

a adesão partidária (“fidelidade”)

o controle dos recursos políticos do sistema (“efetividade”)

4. taxa de permanência dos membros no partido

d. baixa migração partidária

- poucas trocas de agremiações

5. índice de disciplina partidária

e. comportamento unificado da bancada no legislativo

- votações significativas de acordo com a posição do líder do partido

6. taxa de presença nos escalões superiores do governo

f. nível alto de ocupação/ indicação de posições relevantes no executivo

- número não desprezível de secretários de estado pertencentes ao partido - tipo de cargos conquistados

7. taxa de presença/ controle de comissões no legislativo

g. nível alto de ocupação/ indicação de posições relevantes no legislativo

- domínio de presidências/ relatorias de comissões

8. potencial de definição e/ou influência sobre o processo decisório

h. grande capacidade de implementação do “programa” da agremiação

- realização de políticas de governo exemplares

- controle da mesa diretora

Para efeito da análise aqui empreendida tomaremos cinco indicadores combinados (distribuídos entre os três grupos) para avaliar o grau de institucionalização ou estabilidade do Partido da Frente Liberal no Paraná: o aumento do tamanho das bancadas de Deputados federais, estaduais e Vereadores (da capital), no período 1986-2004, além da quantidade de prefeituras controladas pela sigla no estado, no intervalo 1988- 2004; o índice de avanço eleitoral; a presença de membros do partido nos escalões superiores do governo (secretários); o domínio de comissões no legislativo; e a taxa de permanência dos políticos eleitos no partido (para Deputados estaduais). Os outros elementos do modelo proposto não são evidências secundárias, mas carecem, segundo as informações de que se dispõe no momento, de maior comprovação empírica. O primeiro grande critério permite determinar o crescimento eleitoral e sua constância ao longo do tempo; o segundo mede o grau de adesão partidária, sendo um índice de fidelidade à sigla; e o terceiro é um indicador do controle de uma parte dos recursos políticos do sistema pela agremiação.

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II. O PFL DO PARANÁ: DE PARTIDO DE OPOSIÇÃO A PARTIDO DO GOVERNO? O panorama da política paranaense desde 1982 acompanhou de perto a tendência nacional. Não fomos um “Brasil diferente”. Ao longo dos anos oitenta (e até a primeira metade dos noventa), o PMDB converteu-se em partido dominante elegendo, em seqüência, três Governadores: José Richa em 1982, Álvaro Dias em 1986 e Roberto Requião em 1990. Durante esses doze anos o PMDB controlou mais da metade das prefeituras do estado, boa parte da representação na Câmara Federal e a maioria das cadeiras na Assembléia Legislativa7. A única agremiação que chegou a rivalizar com o PMDB, mas nunca ameaçou sua hegemonia, foi o PDT de Jaime Lerner que em 1988 conquistou a prefeitura de Curitiba8. O Partido da Frente Liberal, que teve um crescimento importante após sua fundação em janeiro de 1985, convertendo-se num dos principais partidos nacionais, participando de todos os governos desde a Aliança Democrática (1985) até 2002, sempre foi, no Paraná, uma organização acessória, praticamente inexistente no cenário político9. A fragilidade inicial do PFL-PR tem uma razão trivial: os principais integrantes do PDS paranaense que romperam com a ala “malufista” do partido não fundaram o PFL, como aconteceu em outros estados. Eles se dividiram em grande parte entre o PDT e o PTB. Na época, o então ex-Prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, depois de uma carreira bemsucedida na Arena, e uma passagem pelo PDS, optou pelo Partido Democrático Trabalhista, levando consigo boa parte dos quadros políticos que logo em seguida viriam constituir-se na principal alternativa partidária aos governos do PMDB. A história eleitoral do PFL-PR até a segunda metade dos anos noventa é, como se verá a seguir, ilustrativa da sua insignificância frente a essas duas siglas (PDT e PMDB) e do caráter secundário do partido na política local. II.1 Desempenho político e história eleitoral Em 1985 o PFL coligou-se com o PDT para apoiar o candidato Jaime Lerner nas eleições para a prefeitura de Curitiba. Lerner ficou em segundo lugar. O candidato vitorioso foi Roberto Requião, do PMDB. Nas eleições de 1986 o PFL não apresentou candidato a Governador. O partido aliou-se ao PDT, PMB e PJ e apoiou o candidato do PMB, Alencar Furtado, que ficou em segundo lugar, sendo derrotado por Álvaro Dias (PMDB). Nesse ano, o partido elegeu uma bancada de cinco Deputados federais e oito Deputados estaduais (ver Tabelas 1 e 2). O PMDB fez maioria absoluta em ambas as casas (cf. Quadro 4, em anexo). Nas eleições de 1988 o PFL elegeu 36 Prefeitos, o que representou apenas 11% dos 317 municípios do Paraná, tendo ficado em terceiro lugar (ver Tabela 3). O PMDB, partido do governo, elegeu o maior número de Prefeitos: 162, ou 51%. Em segundo ficou 7

Uma visão mais precisa dessas informações pode ser lida na Tabela 3 e no Quadro 4, do Anexo. Sobre o PMDBPR nos anos oitenta, cf. Oliveira, 1998, p. 65-120. 8 Para uma descrição detalhada da trajetória política de Jaime Lerner, v. Braga, 2002. 9 Ames sublinha, a propósito, a fraqueza eleitoral dos partidos de direita (PFL, PPB e PTB) no Paraná em comparação com o vizinho Santa Catarina (Ames, 2000, p. 110-116).

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o PTB, com o controle de 65 cidades, ou 20,5% das prefeituras (ver Tabela 3). Em Curitiba, o PFL não apresentou novamente candidato e conseguiu eleger apenas três Vereadores de um total de 33 (o PMDB ficou com 12 cadeiras; ver Tabela 4). No pleito de 1990 o PFL “collorido” coligou-se ao PDC, ao PSC e ao PRN, e apoiou as pretensões eleitorais do candidato José Carlos Martinez (PRN) ao governo do estado. Ao Senado, lançou a candidatura de Paulo Pimentel, mal-sucedida. Foram eleitos quatro Deputados federais e seis estaduais, o pior desempenho da agremiação até então (com um índice de avanço negativo; ver Tabelas 1 e 2). Nas eleições de 1992 o Partido da Frente Liberal elegeu 39 prefeitos, ou 10,5% dos 370 municípios, tendo ficado em quinto lugar, confirmando a tendência de queda junto ao eleitorado estadual iniciada em 1990. Em primeiro lugar ficou novamente o partido do governo, o PMDB, com 138 prefeituras (ou 37%) (ver Tabela 3). A Prefeito de Curitiba o PFL lançou Luciano Pizzatto, que ficou em terceiro lugar na disputa que consagrou a vitória do candidato do PDT, o lernista Rafael Grecca; o partido, mais uma vez, elegeu uma bancada de três Vereadores, apenas 9% da casa (ver Tabela 4). Em 1994, o PFL novamente não apresentou candidato próprio ao governo do estado, nem ao Senado, e apoiou a candidatura de Jaime Lerner, do PDT. O partido melhorou seu desempenho na Câmara Federal e elegeu 6 Deputados, 14% do total de votos (ver Tabela 1), mantendo sua bancada na Assembléia Legislativa: seis representantes também (ver Tabela 2). Nas eleições municipais de 1996, todavia, o PFL fez apenas 37 Prefeitos, o que representou pouco mais de 9% dos municípios do estado, tendo ficado em quinto lugar, pouco à frente mesmo do fraquíssimo PPB. Em primeiro ficou o PDT, partido do Governador, com 111 prefeitos ou 28% das cidades (ver Tabela 3). Em Curitiba, o PFL coligou-se com o PDT e outros partidos (PPB/PTB/PSC) em apoio a Cássio Taniguchi (PDT), afilhado político de Lerner, que foi o candidato escolhido. Na Câmara Municipal o PFL fez uma bancada de quatro Vereadores, um a mais do que nas outras disputas (ver Tabela 4). Na bancada federal do Paraná, o partido manteve, de 1986 a 1998, a média de cinco parlamentares por legislatura, só ultrapassando os 20% de votos válidos em 1998 (cf. Tabela 1). Porém, em 2002 o PFL experimentou uma retração significativa no seu desempenho Tabela 1

Desempenho do PFL nas eleições para deputado federal do Paraná (19822002) ANO

TOTAL VOTOS

1982 1986 1990 1994 1998 2002

2.730.266 3.058.914 2.258.126 2.287.868 4.223.167 5.146.730

TOTAL VOTOS PFL

% DO TOTAL

Nº DE CADEIRAS

ÍNDICE DE AVANÇO*

470.641 217.850 390.319 881.375 363.093

15,39 9,65 14 20,87 7,05

5 4 6 6 2

-2,05 3,37 2,44 -2,68

Fonte: TRE-PR. Compilação dos autores. * O índice da última coluna da tabela diz respeito ao avanço no total de votos do PFL-PR.

253

eleitoral, alcançando apenas 7% dos votos válidos e apenas duas cadeiras, sua pior performance desde 1986. Isso fez com que o índice de avanço da bancada caísse para -2,68, voltando a ser um pequeno partido no estado. Voltaremos a esse ponto mais adiante. Como agremiação secundária e de oposição aos governos do PMDB até 1994, os representantes do PFL, como seria de se esperar, não ocuparam postos importantes nem na máquina governamental, nem na Assembléia Legislativa (ALEP). O partido controlou entre 8 (máximo) e 6 (mínimo) cadeiras nas eleições de 1986, 1990 e 1994, com um teto de 13% dos votos válidos para Deputado estadual (isso na primeira eleição que disputou, em 1986). Mesmo após 1994, quando apoiou o candidato vitorioso ao governo do estado, Jaime Lerner (PDT), sua participação na ALEP continuou sendo meramente acessória. Com apenas seis Deputados (ver Tabela 2), foi a segunda menor bancada eleita em 1994 entre os partidos relevantes, empatando com o PTB e superando apenas o pouco expressivo PT, que elegeu cinco parlamentares. O PMDB conquistou 12 das 54 cadeiras na Assembléia, permanecendo como o maior partido da Casa. Tabela 2

Desempenho do PFL nas eleições para deputado estadual do Paraná (19822002) ANO

TOTAL VOTOS

TOTAL VOTOS PFL

% DO TOTAL

Nº DE CADEIRAS

ÍNDICE DE AVANÇO*

1982 1986 1990 1994 1998 2002

2.705.436 3.113.887 2.554.742 3.201.212 4.433.259 5.189.688

417.657 213.531 361.738 989.060 575.987

13,41 8,36 11,3 22,31 11,09

8 6 6 12 7

-2,72 2,74 4,51 -2,47

Fonte: TRE-PR. Compilação dos autores. * O índice da última coluna da tabela diz respeito ao avanço no total de votos do PFL-PR.

Em 1997 Jaime Lerner ingressou no PFL-PR, ao final de seu primeiro mandato como Governador do estado (1995-1998). Pode-se a partir daí dividir a história do partido no Paraná em duas fases bastante distintas. Durante todo o primeiro período de governo, Lerner teve de optar entre manterse fiel ao PDT de Leonel Brizola, candidato derrotado nas eleições de outubro de 1994 para a presidência da República, ou aproximar-se do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Apesar de ideologicamente mais íntimo do segundo que do primeiro, o Governador paranaense esforçou-se por protelar a decisão o máximo possível. Aprovada a legislação que autorizava Governadores, Prefeitos e Presidente da República postularem a reeleição, ele desejou transferir-se para o partido do governo federal. Todavia, graças ao apoio do então Ministro das Comunicações e conselheiro político de Fernando Henrique, Sérgio Motta, o ex-Governador Álvaro Dias – candidato derrotado pelo próprio Lerner na

254

eleição de 1994 e recém-filiado ao PSDB – conseguiu barrar interferências federais próLerner e evitou, dentro do diretório regional, a admissão do Governador do estado no Partido da Social Democracia Brasileira. A alternativa mais imediata e viável àquela altura foi inscrever-se no PFL, a legenda politicamente mais próxima do presidente depois do PSDB. Assim, em setembro de 1997, em função de uma contingência política, com fichas abonadas pelo vice-Presidente da República, Marco Maciel, o chefe do governo estadual paranaense, mais vários outros políticos (secretários de estado, assessores, lideranças regionais, Prefeitos do interior), transferiram-se para o Partido da Frente Liberal. Começa assim a segunda fase da agremiação no estado: a fase do “PFL gigante”. Em poucas semanas, o PFL deixou de ser um partido praticamente inexistente e passou a potência política. Para os pefelistas genuínos, o agigantamento do PFL trouxe benefícios. Com a entrada do grupo político de Lerner o PFL ganhou a força e o prestígio de novas lideranças. Em fins de 1997 o partido transformou-se na principal fonte de recrutamento para posições no legislativo e cargos no executivo. Além de ser agora o partido do governador, passou a contar com a maior bancada na Assembléia (ao lado do PTB) por conta da intensa migração dos deputados que deixaram o PDT10. Na Assembléia Legislativa, a bancada do PFL sempre apresentou alguma movimentação, mas o período mais intenso de trocas de legendas foi justamente em agosto e setembro de 1997, quando recebeu 13 novos parlamentares em uma bancada de seis deputados, eleita em 199411. Ingressaram no PFL, vindos do PDT, Luiz Carlos Martins, Luiz Acorsi Motta, Edno Guimarães, Nelson Tureck, Walmor Trentini e Julio Ando (os dois últimos, suplentes do partido). Da bancada do PTB saíram Luiz Carlos Alborguetti, José Alves dos Santos, Aníbal Kury e Eduardo Trevisan. Da bancada do PMDB desembarcaram no PFL Durval Amaral e Cleiton Crisóstomo. Da bancada do PP, Geraldo Cartário (que antes havia passado pelo PTB)12. O quadro abaixo mostra o histórico partidário dos Deputados estaduais que se transferiram para o PFL em 1997 e permaneceram depois de 1998. 10

O PDT elegera a maior bancada governista em 1994, com nove deputados. Após a transferência de Lerner para o PFL, a sigla ficou com apenas três parlamentares. V. Lepre, 2000, p. 73-76. 11 Entre 1995 e 1997 o PFL perdeu apenas um Deputado, Carlos Xavier Simões, que se transferiu para o PSDB e depois para o PTB. 12 O ano mais intenso de migrações na bancada de Deputados federais do PFL do Paraná fora, porém, em 1991. Os deputados eleitos em 1989 pelo PRN, Max Rosenmann, Luciano Pizzatto e Basílio Vilani, trocaram a legenda pelo PFL em agosto de 1991. A justificativa apresentada era simples: que o principal representante do governo Collor no Paraná era o então Ministro da Saúde, Alceni Guerra, do PFL, e não mais o ex-candidato a Governador, Luis Carlos Martinez, do PRN. Na legislatura de 1991 a 1995 a bancada de seis Deputados estaduais recebeu três novas filiações: Carlos Xavier Simões (eleito pelo PMDB, passou pelo PL antes de entrar no PFL em dezembro de 1993) e Nelson Garcia, eleito pelo PRN. Nessa legislatura a bancada do PFL perdeu Antonio Costenaro Neto para o PP em janeiro de 1993 e Duílio Genari, filiado ao PP em janeiro de 1994. Para a legislatura 1987 a 1991 o partido, que havia eleito oito Deputados à Assembléia Legislativa, não contou com nenhuma filiação. Nesse período, a bancada do PFL apenas perdeu Deputados. Ezequias Losso foi para o PL em setembro de 1987, Lindolfo Júnior passou para o PTB em setembro de 1987, PMDB em julho de 1988 e PL em outubro de 1989. David Cherigate foi para o PRN em julho de 1989.

255

Quadro 2

Carreira partidária dos parlamentares do PFL-PR (1982-1999) DEPUTADOS ESTADUAIS Anibal Khury Basílio Zanusso** Cleiton Kielse Crisóstomo Edno Guimarães Eduardo Trevisan Élio Rusch** Geraldo Cartário Hidekazu Takayama** José Durval Amaral José Marcos Alves dos Santos Julio Hideo Ando Luis Carlos Alborghetti Luiz Carlos Martins Gonçalves Luiz Roberto Accorsi Nelson Garcia** Nelson Tureck Plauto Miró Guimarães Filho** Reny Borsatto** Walmor Trentini

1999 PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PTB PFL PFL PFL

1997* PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL PFL

1995 1991

1987

1982

PTB PTB PFL PFL PMDB PDT PTB PFL PFL PP PDT PFL PMDB PMDB PTB PTB PDT*** PTB PRN PDT PMDB PDT PFL PRN PDT PFL PFL PFL PDT**

PMDB PFL

PMDB PDS

PMDB

Fonte: TRE-PR. Compilação dos autores. * Outubro de 1997 (um mês depois da filiação de Jaime Lerner e último prazo para troca de partido). ** Deputados eleitos originalmente pelo PFL. *** Suplentes de Deputado que assumiram o mandato em janeiro de 1999.

Em 1998 os pefelistas do Paraná foram para sua primeira campanha majoritária no estado com “seu” governador candidato à reeleição e uma das mais competitivas chapas para as eleições proporcionais. O PFL não lançou candidato a Senador por opção do partido13. Jaime Lerner foi eleito em primeiro turno, com 52% dos votos válidos, enquanto Roberto Requião ficou com 46%. Os outros dos candidatos juntos fizeram apenas 2% dos votos válidos. Além de reeleger o Governador, o PFL também fez a maior bancada de Deputados estaduais, com 12 cadeiras (índice de avanço: 4,51; ver Tabela 2), dobrando, portanto, sua representação em relação a 1994 e batendo o todo-poderoso PMDB14. Na bancada federal 13

Segundo consta, houve um “acordo branco” entre Jaime Lerner e Álvaro Dias. Ao retirar-se da disputa à única cadeira ao Senado, o PFL praticamente garantiria a eleição de Álvaro ao posto. Em contrapartida, o PSDB não lançaria candidato ao governo, permitindo a polarização Jaime Lerner versus Roberto Requião (PMDB), o que, imaginava-se, ajudaria a evitar um eventual segundo turno. Foi o que ocorreu. 14 No pleito, o PTB conquistou onze vagas na AL e o PPB, oito. Os três maiores partidos em número de deputados, 31 representantes (57,5% do total), fizeram parte da coligação de apoio à reeleição do Governador. O PSB, com dois Deputados eleitos, o PSC, com uma cadeira, e o PSDB, com seis, não fizeram parte da coligação, mas deram apoio ao executivo (somando mais 16,5% das vagas). Um Deputado do PSDB sempre se posicionou contrário à maioria da bancada e votou contra o governo. A oposição ficou com apenas 26% das vagas depois da eleição, distribuídas da seguinte forma: sete para o PMDB, quatro para o PT e três para o PDT. Aqui também houve dissidências: dois deputados do PDT começaram o mandato votando com o governo, mas no final resolveram romper publicamente com a base aliada e juntar-se à oposição.

256

não houve a mesma transferência de prestígio do líder político para a sigla, e o partido permaneceu com seis parlamentares na Câmara dos Deputados, mas superou enfim a barreira dos 20% dos votos válidos (cf. Tabela 1), seu mais expressivo desempenho até então15. Na esfera municipal esse crescimento significativo também se verificou. Em 1996 o Partido da Frente Liberal elegeu prefeitos em menos de 10% dos municípios, mantendo a performance “histórica” de 1992 e 1988. Em 2000, foi quem mais conquistou prefeituras, oitenta (20% dos municípios), superando o PDT, que no pleito anterior fizera perto de 30% das cidades do Paraná. Em 2000, o Partido Democrático Trabalhista ficou reduzido a apenas 18 cidades (4,5%; ver Tabela 3)16. Tabela 3

Prefeitos eleitos segundo partidos políticos – Paraná (1988-2000) ELEIÇÕES/ PARTIDOS PMDB PTB PFL PDT (PDS) PPB PSDB PT Outros TOTAL ELEIÇÕES/ PARTIDOS PMDB PTB PFL PDT (PDS) (PPB) PP PSDB PT Outros TOTAL

1988 (317 MUNICÍPIOS)

1992 (370 MUNICÍPIOS)

162 (51,1%) 65 (20,5%) 36 (11,35%) 25 (7,88%) 13 0 2 20 323

138 (37,29%) 40 (10,81%) 39 (10,54%) 40 (10,81%) 10 15 1 88 371

2000 (399 MUNICÍPIOS) 73 (18,29%) 40 (10,02%) 80 (20,05%) 18 (4,51%) 28 89 7 64 399

VARIAÇÃO 1992/1998

AUMENTO DIMINUIÇÃO (+) (-)

-24 -25 3 (0,81%) 15 (+2,93) -3 15 -1 48

VARIAÇÃO 2000/1996

AUMENTO DIMINUIÇÃO (+) (-)

-1 -14 43 (+10,85%) -93 -7 16 2

1996 (399 MUNICÍPIOS) 74 (18,74%) 54 (13,53%) 37 (9,2%) 111 (27,81%) 35 73 6 9 399

2004 (400 MUNICÍPIOS) 121 (30,25%) 24 (6%) 25 (6,25%) 44 (11%) 38 (9,5%) 50 (12,5%) 29 (7,25%) 69 400

VARIAÇÃO 1996/1992

AUMENTO DIMINUIÇÃO (+) (-)

-64 14 -2 (-1,34%) 71 28 58 5 28 VARIAÇÃO 2004/2000

AUMENTO DIMINUIÇÃO (+) (-)

48 -16 -55 26 10 -39 22

Fonte: Dados adotados e recalculados a partir de Dória, 2001, Tab. 1, p. 72, e Tab. 3, p. 96. Para o ano de 2004, dados do TRE-PR, compilação dos autores.

15

De uma bancada de trinta Deputados na Câmara Federal, o PFL do Paraná conseguiu, em 1998, seis vagas, empatando com o PTB. Em seguida vieram o PSDB e o PPB, com cinco Deputados eleitos cada um. Depois o PMDB com quatro, o PT com três e o PDT com um. 16 O PMDB também perdeu muitas prefeituras quando deixou o governo do estado: em 1992 (sob a administração Requião) fez 138 municípios (37% do total); em 1996 (sob a administração Lerner) perdeu 64 cidades.

257

Nas eleições em 2000 para prefeito da capital e para a Câmara de Vereadores de Curitiba o partido teve o mesmo desempenho exibido na Assembléia Legislativa. Tabela 4

Desempenho do PFL na bancada municipal de Curitiba (1988-2000) ANO

TOTAL VOTOS

TOTAL VOTOS PFL

% DO TOTAL

Nº CADEIRAS

ÍNDICE DE AVANÇO*

1988 1992 1996 2000 2004

672.614 747.674 819.953 927.260 1.009.045

49.032 56.869 73.978 191.603 105.927

7,95 7,6 11,88 21,13 10,49

3 3 4 9 5

0 1,43 3,11 12,15 -5,5

Fonte: TRE-PR. Compilação dos autores. * O índice da última coluna da tabela diz respeito ao avanço no total de votos do PFL.

Depois de 1997, o PFL dobra não somente a bancada na Assembléia, mas o número de Prefeitos eleitos e o número de Vereadores em Curitiba, que passam de quatro para nove, controlando mais de 21% dos eleitores da capital. Reelege também o prefeito de Curitiba, Cássio Taniguchi (ex-PDT). II.2 A influência do PFL na Assembléia Legislativa e no executivo estadual Além do avanço eleitoral importante no intervalo 1998-2000, o PFL ganhou poder também na esfera parlamentar e no executivo estadual. Em 1998 elegeu pela primeira vez o presidente da Assembléia Legislativa do Paraná, Aníbal Khury17. Passou também a contar com funções importantes nas principais comissões parlamentares e a ocupar posiçõeschave em comissões especiais. A Comissão Permanente de Constituição e Justiça, por onde passam todos os projetos que tramitam na Assembléia, foi presidida pelo Deputado Basílio Zanusso. Além dela, o partido comandou a Comissão de Agricultura, Indústria e Comércio (Deputado Plauto Miró Guimarães) e a Comissão de Ecologia e Meio Ambiente (Deputado Kiélse Crisóstomo)18. Na esfera do poder executivo o PFL também ganhou força. Apesar de ter feito parte da coligação que elegeu Lerner em 1994, o partido não havia conseguido indicar nenhum secretário de estado até 1997. Desde a filiação do Governador, o PFL passaria a contar com cerca de um terço dos secretários estaduais19. 17

O deputado Khury já tinha sido presidente da Assembléia por duas gestões, mas não estava filiado ao PFL. O partido ocupou funções mais elevadas também em Comissões Especiais. Em 2000 o Deputado Plauto Miró Guimarães foi vice-presidente da Comissão Especial de Investigação do Cartel dos Supermercados. Em 2001 Plauto foi novamente Vice-Presidente da Comissão Especial de Investigação da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná). 19 Esse é um número aproximado em função das repetidas modificações no número de secretarias, fusões de órgãos e da criação de “Organizações Sociais”, que as substituíram. 18

258

Quadro 3

Secretários de estado filiados ao PFL nos governos Lerner (1995 - 1998 e 1988 - 2002) Primeiro Governo (1995-1998) SECRETÁRIO DE ESTADO

1. Silvio Barros II 2. Cândido Martins Oliveira 1. José Cid Campelo Filho 3. Cássio Taniguchi 4. Lubomir Ficinski Dunin 5. Giovani Gionédis 6. Hitoshi Nakamura 7. Rafael Greca 8. Reinhold Stephanes Jr. 9. Alceni Guerra 10. Nelson Justus Banco oficial Ingo Hübert Manoel Campinha Garcia Cid

SUBPERÍODO

SECRETARIA

1995-1996 Esporte e Turismo 1995-1998 Segurança Pública 1998-1998 de Governo

PARTIDO DE ORIGEM

PFL ARENA/ sem part. PDT

PARTIDO NO GOVERNO

PFL PFL PFL

1995-1996 Planejamento e Coordenação PDT 1995-1998 Desenvolvimento Urbano PDT

PDT PDT

1995-1997 1995-1998 1997-1997 1995-1998

Governo Meio Ambiente Planejamento e Coordenação Administração

PDT PDT PDT PFL

PDT/PFL PDT/PFL PFL PFL

1997-1998 Casa civil 1996-1998 Indústria, Comércio e do Desenvolvimento Econômico

PFL PTB

PFL PFL

1995-1997 Banestado 1997-1999 Banestado

sem partido PFL

PFL sem partido

Segundo Governo (1998-2002) SECRETÁRIO DE ESTADO

1. Alex Canziani

SUBPERÍODO

SECRETARIA

1999-1999 Emprego e Relações do Trabalho 2. José Tavares Silva 1999-2000 Justiça e da Cidadania Neto 3. Carlos Henrique Sá 2000-2000 Comunicação Social de Ferrante 4. Mônica Rischbieter 2000-2001 Cultura 5. Alceni Guerra 2000-2002 Casa Civil 6. José Andreguetto 2000-2002 Meio Ambiente 7. Ricardo Cunha 2000-2002 Administração Smijtink 8. Guaracy Andrade 2000-2002 Integração Regional

PARTIDO DE ORIGEM

PARTIDO NO GOVERNO

PTB

PFL

PTB

PFL

PFL

PFL

PDT /PSB PFL sem partido sem partido

PFL PFL PFL PFL

PDT/PFL

PFL

Fonte: Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira - Universidade Federal do Paraná (UFPR).

259

II.3 O comportamento da bancada do PFL na ALEP A partir de 1997 a bancada do Partido da Frente Liberal na Assembléia tornou-se a base de sustentação do governo. Em todas as votações importantes – concessões para privatização das rodovias estaduais; instituição de um novo sistema de previdência pública e assistência médica (“Paraná Previdência”); e autorização para a privatização da companhia de energia do estado (Copel) – o governo obteve maioria simples de votos em função do apoio principalmente do PFL e do PTB. Duas delas merecem destaque. Em dezembro de 1998, ao fim da última legislatura, foi votado na Assembléia Legislativa o projeto de lei que criava o novo sistema de previdência e assistência dos servidores públicos, o “Paraná Previdência”. O sistema substituía o extinto IPE (Instituto de Previdência do Estado) e sofreu muitas críticas, principalmente de representantes sindicais das categorias de funcionários públicos20. Os Deputados do PFL votaram em bloco a favor da proposta e garantiram sua aprovação. Outro projeto polêmico do governo Jaime Lerner foi a proposta, formalizada no início de 2001, para a privatização da Companhia Paranaense de Eletricidade (Copel) em outubro do mesmo ano. Desde o início a iniciativa do executivo estadual recebeu críticas de importantes setores da sociedade21. Apesar da pressão e do inevitável desgaste político, todos os deputados do PFL votaram a favor da venda da companhia. A medida foi aprovada. Essas duas votações evidenciam o grau de união do PFL em torno do executivo estadual, sua disciplina como partido do governo e sua força relativa diante das outras agremiações na Assembléia. Parece certo, portanto, afirmar que o PFL só ganha importância – eleitoral, política e parlamentar – como partido no Paraná apenas após a entrada na agremiação de Jaime Lerner. Contudo, o PFL-PR constituiu-se, a partir de 1997, em um partido para o governo e não num partido de governo.

III. CENTRALIDADE RELATIVA NA POLÍTICA ESTADUAL: RENDIMENTO ELEITORAL E ÍNDICE DE PERMANÊNCIA Com base nos dados eleitorais, que indicam um crescimento real da sigla no 20 Pelo IPE, os cerca de 200 mil servidores da ativa e aposentados tinham direito a consultas e tratamentos médicos em todas as cidades do Paraná. Com o “Paraná Previdência”, apenas hospitais credenciados poderiam realizar tratamentos, que seriam pagos pelo plano de saúde estadual. Além dos problemas relativos à assistência médica, o projeto do governo apresentava um problema político ainda maior para seus defensores: quando aprovado, não tinha nem previsão orçamentária, nem definia a origem dos recursos para manutenção dos pagamentos das aposentadorias e pensões. 21 Dirigentes de entidades que normalmente davam seu apoio ao governo Lerner, como a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP) e a Associação Comercial do Paraná (ACP), manifestaram-se oficialmente contrários à privatização da Copel. Até mesmo a imprensa local, que quase nunca adota posições antigovernistas, alinhouse contra a privatização da Companhia, através da associação que representava os donos de veículos de comunicação do Paraná. Paralelamente, nos meses que antecederam a votação do projeto que permitia o leilão da maioria acionária da empresa, partidos de oposição organizaram uma coleta de assinaturas em todas as regiões do Paraná a fim de apresentar um projeto de lei de iniciativa popular que impedia a privatização.

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estado a partir das eleições de 1998, e no aumento da participação do partido em postos no governo e na Assembléia, seria justo pensar que o PFL-PR estaria se institucionalizando, a exemplo do que aconteceu com o PFL em nível nacional. Porém uma análise mais detalhada do partido (da sua votação e da dinâmica de suas bancadas) no período posterior ao ingresso do Governador Lerner mostra que, ao invés de crescer, o partido inflou e, ao invés de se transformar no partido do governo, tornou-se um partido para o governo. Seu novo papel diz respeito prioritariamente à “governabilidade” (e a exigência daí derivada de formação de maiorias estáveis); ele não se tornou uma máquina política destinada a ocupar e/ou controlar o executivo estadual ou seus centros decisórios principais. A fim de evitar conclusões pouco fundamentadas, compare-se o rendimento dos liberais com outros partidos de governo em períodos anteriores. A análise do comportamento eleitoral do PFL no interior do Paraná nas eleições municipais de 2000 – as primeiras com a presença do Governador no partido – sugere que se deva relativizar o fortalecimento da sigla no período recente. Voltaremos a esse ponto mais adiante. Analise-se igualmente a bancada eleita de Deputados estaduais do PFL na legislatura 19982002 na Assembléia estadual. Sob nenhum ponto de vista tratou-se de um grupo politicamente homogêneo (apesar da coesão nas votações, como se viu). Até a entrada do Governador Lerner, a bancada do partido na Assembléia possuía seis cadeiras e seus integrantes tinham um perfil político muito bem definido. Dessa fase do “PFL original”, faziam parte do partido, por exemplo, o deputado Basílio Zanusso, um dos fundadores da agremiação no estado, em 1985. Com o extraordinário crescimento da sigla a partir de 1997 surgiu uma nova ala, formada principalmente por migrantes recémchegados do PDT. O desenvolvimento de conflitos entre as duas facções do partido não demorou muito a aparecer. Depois da reeleição do Governador, em 1998, os pefelistas originais perceberam que os ex-pedetistas haviam tomado conta da máquina partidária, em prejuízo dos interesses “históricos” dos quadros originais22. III.1 Os prefeitos do Paraná Do ponto de vista estritamente eleitoral, a Tabela 3 sugere algumas conclusões interessantes. Enquanto controlou o governo do estado, durante os anos oitenta e na primeira metade dos noventa, o PMDB conseguiu eleger 51% prefeitos dos municípios paranaenses em 1988 e 37% em 1992. Nas eleições municipais de 1996 o partido já tinha deixado o 22

O ponto de maior tensão entre adventícios e “autênticos” deu-se em 2000, quando o Deputado Abelardo Lupion (representante dos segundos) resolveu candidatar-se a presidente do diretório estadual contra o grupo do Governador Lerner. Representante destacado dos ruralistas, Lupion queria ver cumpridos 57 mandados judiciais de reintegração de posse de propriedades rurais invadidas pelo MST no estado, decisão adiada pelo Secretário de Segurança Pública (Cândido Martins de Oliveira). A candidatura promoveu um “racha” interno e o partido quase se dividiu. Foi preciso a indicação do ex-Governador João Elísio Ferraz de Campos, um nome de consenso entre os governistas e os genuínos, para impedir dissidências maiores. Lupion retirou sua candidatura e João Elísio, que vive no Rio de Janeiro, onde preside uma federação nacional de empresas seguradoras, foi eleito presidente estadual do PFL.

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executivo e fez apenas 18,5% de prefeitos, mantendo praticamente o mesmo índice em 2000 (perdendo apenas uma cidade), com 18% (ver Tabela 3). Já o PDT, enquanto esteve na oposição ao governo estadual, conquistou 8% das cidades em 1988 e quase 11% em 1992. Nas eleições municipais de 1996 o partido, que contava com o apoio do Governador Lerner, quase conseguiu triplicar o número de prefeituras, chegando a 28% dos candidatos eleitos (o que significa um aumento de quase 200%). Em 2000, fora do governo, o PDT só alcançou 4,5% das prefeituras do Paraná. O PFL, por sua vez, tinha pouco mais de 11% de Prefeitos eleitos em 1988, 10,5% em 1992 e 9% em 1996, mantendo praticamente os mesmos índices durante todo o período em que esteve na oposição. Em 2000, com o apoio, prestígio, cargos e verbas do Governador, o partido mais que dobrou o número de cidades sob seu controle. Fez 20,5% dos Prefeitos eleitos, um crescimento expressivo. Todavia uma leitura mais atenta desses números indica que, apesar da presença de Lerner e do visível avanço eleitoral, o PFL não conseguiu fortalecer sua presença no interior: no período dos seus governos o PMDB chegou a ter nada menos do que 51% das prefeituras. Até mesmo o PDT, partido do Governador nas eleições de 1996, conseguiu melhor desempenho nos municípios (28%) do que o PFL em 2000. O avanço eleitoral não foi acompanhado por um enraizamento do partido fora de Curitiba, num movimento de capilarização. Deputados indicam o fato do Governador não ser um “homem de partido” como responsável pelo crescimento relativo da sigla23. Além disso, o fato de o Governador ter sido reeleito em 1998 por uma coalizão de partidos24, e não por uma única sigla, significa dizer que o governo teria de dar espaço a outras agremiações, ao contrário do que ocorreu nos anos oitenta, quando o PMDB foi hegemônico e reinou sozinho no cenário político regional. III.2 Instabilidade das bancadas As bancadas de representantes do PFL na Assembléia do Paraná e na Câmara Municipal de Curitiba, apesar de terem sido as maiores nas eleições de 1998 e 2000 (12 e 9 cadeiras, respectivamente), demonstraram muita instabilidade. Para medir a estabilidade da bancada nós criamos o Índice de Permanência Média no Partido (ou simplesmente índice de permanência – IPM). O objetivo desse indicador é avaliar o percentual médio de permanência dos Deputados nas bancadas ao longo do mandato parlamentar. Trata-se de um índice agregado; portanto, não há interesse em medir a permanência individual nas bancadas, mas sim a média da bancada. Logo, quando o índice de permanência do partido x indica por exemplo 0,75 para o ano y, isso 23

Em entrevista aos autores, o deputado Basílio Zanusso declarou que Jaime Lerner não se preocupava muito com a vida partidária e nem se interessava por estimular reuniões do PFL. Outro ponto decisivo: no governo, as decisões principais continuaram nas mãos de Lerner e de sua “equipe”, e não do partido. Entrevista concedida em 26 fev. 2002. 24 Nada menos de 14 partidos. Doze partidos de direita: PFL, PPB, PTB, PSL, PST, PTN, PSC, PL, PRN, PSD, PRP e PT do B; dois partidos de esquerda: PPS, PSB.

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significa que, do total de Deputados que passaram por aquele partido, eles permaneceram, em média, 75% dos meses daquele ano na sigla. Se, no mesmo ano, o partido z teve índice de permanência de 0,8, significa que, comparativamente, os Deputados do partido z ficaram mais tempo na sigla que os Deputados do partido x. O estabelecimento dos índices ao longo dos anos deve mostrar se para um mesmo partido houve um crescimento ou decréscimo do tempo médio de permanência na bancada25. Os valores podem variar de 0 a 1. Zero representa a inexistência de parlamentares filiados ao partido em determinado período e 1 significa que todos os parlamentares que iniciaram o período em certo partido terminaram na mesma agremiação. Quanto maior for o índice de permanência, maior será a “fidelidade” do conjunto de parlamentares da bancada ao partido. Do contrário, quanto menor o índice de fidelidade, maior será a volatilidade dos parlamentares em relação à bancada. O indicador é sensível tanto para a saída quanto para a entrada de Deputados no partido. Portanto, se uma bancada cresce muito durante um mandato, isso significa que o índice de permanência irá cair, pois o percentual médio de permanência dos parlamentares naquele partido será reduzido. Como se trata de medir fidelidade ao partido, o índice de permanência foi criado para apresentar, com a maior precisão possível, não apenas as pontas de início ou fim de mandato, mas para indicar alterações durante a legislatura. Por exemplo: tome-se dois partidos (A e B) que começaram o período de análise com nove parlamentares na bancada e terminaram o período, ambos, com 12 parlamentares (a bancada aumentou, portanto). Agora imaginemos que partido A tivesse começado a legislatura com nove parlamentares e ganho três durante o período e o partido B também tivesse começado também com nove parlamentares, perdido um e filiado outros quatro, apenas o índice de permanência, como proposto aqui, seria capaz de indicar a diferença nas duas bancadas. De acordo com este método, a permanência média no partido B ficaria um pouco abaixo da permanência média no partido A para o mesmo período. Igualmente, o índice de permanência é capaz de mostrar variações de comportamentos de bancadas de partidos com o mesmo número de parlamentares (cujo valor total não variou), mas que se comportaram de maneira distinta durante o ano ou mandato. Por exemplo, digamos que os partidos C e D iniciaram determinado mandato parlamentar com bancadas de 10 cadeiras cada um e ambos terminaram o mandato com as mesmas 10 cadeiras cada. Acontece que a bancada do partido C, no segundo ano de mandato, perdeu 5 parlamentares e ganhou outros cinco, que permaneceram até o final. Considerando que o mandato é de 25

O maior refinamento do índice depende do corte temporal a ser utilizado para medir a permanência. Esse corte pode ser anual, quando o objetivo é medir a permanência média em um mandato, mensal, semanal ou diário, quando se quiser medir a permanência média em um ano. Uma vez tomado o índice de permanência anual, basta calcular a média dos quatro anos para obter o valor para o mandato. Se o recorte for anual, cada mês que um Deputado passou em determinada bancada representará 1/12 do total. Se for semanal, uma semana representará 1/47. E se diário, cada dia terá peso de 1/365 do total do ano. Após obter o resultado por parlamentar no decorrer do ano, somam-se os valores dos parlamentares e divide-se pelo número de Deputados que passaram pela bancada do partido no ano. O resultado será o índice de permanência média na bancada. Nossa base de cálculo foi mensal.

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4 anos, ao final, o partido C terá um índice de permanência de 0,75 e o partido D um índice de permanência de 1. Ou seja, os parlamentares do partido D foram mais fiéis à sigla que os do partido C, embora as duas bancadas tenham começado e terminado o mandato do mesmo tamanho. Apesar de se tratar de um dado agregado, as mudanças individuais influenciarão o índice geral. Por exemplo, numa bancada hipotética formada por dois parlamentares em que um deles permaneceu todo o período no partido e o outro apenas metade do período em análise, o valor individual do primeiro será 1 e do segundo, 0,5. A média dos dois parlamentares resultará em um índice médio de permanência de 0,75 no partido no período. O recorte temporal adotado neste trabalho foi mensal. Aferiu-se a filiação partidária de cada Deputado durante os 12 meses do ano para identificar em quais bancadas ele esteve e que peso proporcional ele teria tido para cada partido pelo qual passou no período. Isso foi realizado para os 16 anos analisados (1987-2002). Apenas no último ano, ao invés de serem contados 12 meses, foram apenas seis, pois a pesquisa seguiu os parlamentares até o mês de junho de 2002. Para efeito de cálculo só se considera o tempo em que o Deputado permaneceu na Assembléia Legislativa. Se ele faleceu ou deixou o mandato por ter sido nomeado Secretário de estado ou eleito a outro cargo político, esse fato cessa a influência no índice de permanência. Por exemplo, se o Deputado z faleceu no mês de maio, a proporção mensal de permanência do indivíduo na bancada será de 1/5 e não de 1/12. O mesmo vale para seu suplente, que terá uma proporção de permanência na bancada para aquele ano de 1/7. Não sumarizamos os índices por mandato, como se verá a seguir, mantendo-os com referência aos anos porque, em primeiro lugar, os dados anuais são mais ricos que as médias por mandato, que poderiam esconder particularidades; e, em segundo lugar, porque uma correlação bivariada simples entre o índice de permanência e os períodos dos mandatos mostrou um coeficiente muito baixo, considerado não significativo estatisticamente. A seguir, a Tabela 5 sumariza os Índices de Permanência mensal (em médias anuais) e o tamanho da bancada do PFL na Assembléia Legislativa do Paraná no início de cada ano desde 1987. As duas variáveis serão analisadas em conjunto como indicadores empíricos de um suposto processo de institucionalização. Para essa análise pormenorizada optamos por tratar apenas da bancada de Deputados estaduais do PFL. Isso por dois motivos. O primeiro é que não existem dados disponíveis sobre a migração partidária para o mesmo período (1987 a 2002) para as bancadas no legislativo municipal de Curitiba. Em segundo lugar, porque, de acordo com nosso modelo, supomos ser a Assembléia Legislativa a melhor arena para indicar se um partido está se institucionalizando no estado ou não.

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Tabela 5

Demonstrativo da bancada do PFL na Assembléia Legislativa do Paraná (1987-2002) ANO 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

ÍNDICE PERMANÊNCIA 1,00 1,00 0,93 1,00 0,95 0,96 0,79 1,00 0,99 1,00 0,54 1,00 0,83 0,94 0,86 1,00

TAMANHO BANCADA* 8 6 6 5 6 7 8 6 7 7 6 19 10 9 10 9

Fonte: TRE-PR. Compilação dos autores. * dados referentes ao tamanho da bancada no mês de fevereiro de cada ano.

Como salientado anteriormente, a consideração apenas do crescimento numérico da bancada estadual de um partido (em termos absolutos) é insuficiente como indicador de institucionalização partidária, pois muitas bancadas podem prosperar e manterem- se estáveis numericamente, porém com uma grande variação interna de seus membros. Logo, o índice de avanço parlamentar do partido – uma adaptação do índice de avanço eleitoral – não é suficiente para medir a institucionalização. O índice de permanência média na bancada é mais apto para este fim. Quanto maior for a permanência média, mais institucionalizado está o partido no parlamento. No entanto, isso não significa que o partido esteja institucionalizado na sociedade (i.e., junto ao eleitorado). Pode haver um partido “nanico” no parlamento, altamente institucionalizado, porque não há mudanças de parlamentares em sua bancada, mas com baixa representatividade social. Considerando o fato de que, para ser institucionalizado, um partido precisa de raízes sociais (i.e., votos), uma sigla com uma bancada pequena tem grandes chances de não possuir a difusão social mínima esperada pelo modelo. A opção aqui adotada foi analisar as duas variáveis, tamanho de bancada e índice de permanência para que o resultado dos dois indicadores pudesse apontar se existiu (ou não) um processo de institucionalização no período. Assim, segundo nossa proposta, só pode ser considerado partido em processo de institucionalização regional aquele cuja bancada, na Assembléia Legislativa, apresentar uma curva ascendente tanto no número de

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parlamentares quanto no índice de permanência média ao longo de tempo. Partidos que apresentarem índices de permanência em crescimento e bancada em queda não podem ser considerados em processo de institucionalização, pois estarão perdendo representação social. Por outro lado, partidos que apresentarem índice de permanência em queda e bancada em crescimento também não podem ser considerados institucionalizados, pois o grau de fidelidade dos representantes eleitos à sigla estará em queda, apesar de ele ter uma significativa representatividade social, através dos votos obtidos. Conforme explicado acima, o índice de permanência leva em conta o período total em que o Deputado esteve na Assembléia, não sendo aplicados os 48 meses para aqueles que faleceram, deixaram o mandato para assumir uma secretaria de estado ou foram eleitos Prefeito no meio da legislatura. Nesses casos, o número de meses em que o parlamentar esteve na Assembléia será usado como base para o cálculo do índice de permanência. Este exercício tem a função de indicar tendências temporais, pois se sabe que, quando há uma mudança no tamanho da bancada do partido – independente do sinal –, haverá queda no índice de permanência média. Por isso optamos pela apresentação da tendência temporal através de uma regressão linear, com a apresentação de gráficos contendo a curva normal.

Gráfico 1 Índice de permanência PFL

ANO

Gráfico 2 Bancada PFL

ANO

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Durante os anos oitenta e início dos noventa o PFL do Paraná não tinha uma liderança regional de peso (tal como em outros estados – na Bahia, Antonio Carlos Magalhães; em Pernambuco, Marco Maciel; em Santa Catarina, Jorge Bornhausen (cf. Cantanhêde, 2001)) e, se não fazia oposição aberta ao Governo do estado, estava, em todo caso, longe do poder26. Com a eleição de Jaime Lerner, em 1994, o PFL converteu-se em partido da base governista e, em 1997, com a filiação do governador, começou a contar com uma figura forte para polarizar votos e transferir prestígio. Isso foi suficiente para fazer com que a bancada do PFL na Assembléia apresentasse uma curva normal ascendente no período 1997-1999 (ver Gráfico 2). Porém, foi insuficiente para garantir a fidelidade dos parlamentares ao partido, pois o índice de permanência apresentou uma curva descendente (ver Gráfico 1), sabotando o processo de institucionalização. Percebe-se que a maior queda no índice de permanência do partido acontece exatamente no ano da filiação do governador Lerner (1997). Da mesma forma, o maior crescimento da bancada acontece nesse ano (variação captada pelos dados de fevereiro de 1998, de acordo com a Tabela 5); porém o número de representantes não consegue sustentarse e começa a diminuir nos dois anos seguintes. A título de comparação, veja-se o que se passou noutros dois partidos. O PMDB do Paraná apresentou uma tendência inversa à do PFL. O partido, que foi governo até meados dos anos noventa, teve uma queda no tamanho da bancada durante todo o período, com uma curva normal acentuadamente descendente nessa variável (ver Gráfico 4). Isso evidencia a redução da capacidade de representação na sociedade por parte do partido. Por outro lado, o índice de permanência do PMDB no período (Gráfico 3) teve uma curva normal ascendente, demonstrando um crescimento da fidelidade dos parlamentares que permaneceram na sigla mesmo depois que o partido deixou o executivo e passou a fazer oposição ao governo. Seguese daí que o PMDB tende a ser mais institucionalizado que seu rival.

Gráfico 3 Índice de permanência PMDB

ANO 26

Foi um período, segundo o Deputado Zanusso, “de grandes dificuldades”, em que a representação na Assembléia Legislativa era “pouco expressiva” e ao partido faltava “organização”. “Também não tínhamos experiência de oposição, pois o PFL nunca soube fazer uma oposição muito forte e aguerrida”. Entrevista aos autores (26 fev. 2002). Isso só mudava, para Pizzato, “nos períodos eleitorais”, em que a relação com os governos do PMDB “tornava-se mais contundente”. Entrevista do Deputado federal Luciano Pizzato aos autores (por correio eletrônico) em 30 abr. 2002.

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Gráfico 4 Bancada PMDB

O único dos principais partidos da Assembléia Legislativa do Paraná no período de 1987 a 2002 a apresentar as duas curvas no sentido ascendente foi o PTB. Mesmo tendo obtido um aumento médio em sua bancada parlamentar no estado, o partido conseguiu ter um crescimento médio do índice de permanência. Isso não significa que não houve transformações na bancada do partido no período em análise. O gráfico do índice de permanência mostra que em 1997 o PTB partido chegou ao ponto mais baixo dos anos analisados aqui. O tamanho da bancada também teve significativas oscilações entre 1997 e 2002. O importante a ressaltar aqui é que uma visão distanciada de fatores conjunturais mostra que o partido apresentou uma tendência de crescimento em ambas variáveis. O que diferencia o PTB do PMDB e do próprio PFL no período é que o primeiro não teve uma liderança regional de expressão no Paraná, tendo participado dos governos do PMDB, exceto no último (1990-1994); e apoiou os oito anos de governo de Jaime Lerner e dele participou oficialmente.

Gráfico 5 Índice de permanência PTB

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Gráfico 6 Bancada PTB

Voltando ao PFL-PR, vê-se que a progressão do tamanho da bancada do partido na Assembléia está em relação direta com dois eventos: a filiação em 1997 e a reeleição do governador em 1998. Parece claro que foi isso (e só isso) que promoveu seu crescimento no estado. O índice de permanência, entretanto, variou significativamente (ver Gráfico 1). Ele foi 1,00 apenas nos anos pares, que são os anos em que ocorrem eleições. Isso sugere uma relação causal simples: os políticos só permanecem no partido porque a legislação eleitoral exige dos candidatos a sua filiação à sigla pela qual irão concorrer ao menos um ano antes da eleição27. Nos outros anos eles se mudam com freqüência, fazendo cair o IPM. Não foi diferente com os “liberais” paranaenses. III.3 Migrações partidárias Por que os políticos migram? Parlamentares trocam de partidos em função de estratégias eleitorais futuras de curtíssimo prazo, principalmente para garantir maior possibilidade de reeleição28. Por isso os índices de migração em anos ímpares (quando termina o prazo legal para as filiações de candidatos às eleições seguintes) aumentam em relação aos anos pares. Outra razão que deve ser considerada é a chamada “conexão presidencial” (Amorim & Santos, 2001), que leva em conta a relação entre o executivo e o legislativo, incluindo barganha, patronagem e clientelismo dos congressistas como um estímulo à migração partidária. Nesse caso, os beneficiados com os recursos de patronagem tenderiam a migrar para partidos da base do governo. Essa é, imagina-se, uma hipótese bastante rentável. Como esse trabalho trata de partidos nos estados, substituiremos o termo “conexão presidencial” por “conexão governamental”. De acordo com nossa interpretação, políticos buscam conexão 27

Lei 9.504, de 1997. O que equivale a dizer “que os deputados optam pelas alternativas de ação capazes de maximizar suas chances de sucesso na carreira política” (Melo, 2000). Ver também Schmitt, 1999. Para um resumo da polêmica na literatura a respeito da migração, e uma posição própria, cf. Diniz, 2000.

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governamental para aumentar sua possibilidade de reeleição, trazer benefícios para suas bases eleitorais e melhorar sua posição relativa no campo político (no legislativo e junto ao executivo). Esse movimento, embora faça aumentar o partido - do ponto de vista eleitoral e organizacional - não o fortalece, ou o “institucionaliza”, nos nossos termos. Dificuldades conjunturais diversas - derrota eleitoral do governo, queda dos índices de popularidade da liderança política principal, desgastes da administração pública, efeitos negativos de projetos polêmicos diante da opinião pública etc. - promovem nova leva de migrações, fragilizando a agremiação. O recuo significativo do índice de avanço nas eleições proporcionais de 2002 (v. Tabelas 1 e 2) é uma prova do que se quer dizer. O mesmo fenômeno se repetiu nas eleições de Vereadores em 2004 (v. Tabela 4). Das nove cadeiras conquistadas em 2000 o partido só conservou cinco. No período final do governo Lerner houve uma queda brusca do desempenho eleitoral do PFL. O partido fez 11% dos votos válidos para Deputado estadual (contra os 22% que garantiu para si em 2000), voltando aos níveis do início da década de noventa. Na verdade, tratou-se do segundo pior desempenho da sigla desde 1986. Isso lhe deu apenas sete cadeiras na Assembléia Legislativa, atrás de PMDB e PT, e um índice de avanço eleitoral de -2,47. Na Câmara Federal a performance do PFL-PR foi ainda pior: 7% dos votos, apenas duas cadeiras conquistadas e um índice de avanço negativo: -2,68. O partido sequer apresentou candidato à sucessão governamental. Assistiu assim impassível ao retorno do PMDB e de sua maior liderança política no estado: Roberto Requião. Em 2004, já sem Lerner, que trocara o PFL pelo PSB no segundo semestre de 200329 , o Partido da Frente Liberal venceu em 25 cidades apenas, perdendo 55 prefeituras sob seu controle, Curitiba inclusive (ver Quadro 4 em anexo). Nunca o percentual de municípios sob os liberais foi tão escasso: somente 6% de todo o estado. O partido do Governador reconquistou sua hegemonia e o PMDB passou a controlar 30% das administrações municipais (ver Tabela 3). Esses valores - índice de avanço eleitoral, taxas de prefeituras conquistadas e índice de permanência média da bancada - indicam que o partido, ao amarrar seu destino institucional à figura pessoal do governador Lerner, ficou na dependência das oscilações da sua presença à frente do governo e, igualmente, do seu prestígio pessoal. Enquanto o Chefe do executivo estadual contou com um bom índice de aceitação junto à opinião, o partido cresceu. A decadência da imagem pública de Lerner, contudo, levou o partido a uma regressão no cenário político regional. Segundo o ranking dos Governadores do Instituto Datafolha, de junho de 2001, Jaime Lerner passou de sétimo para nono colocado nacional. Sua nota média à época era de 5,0 pontos. Cerca de um terço dos entrevistados, 32%, reprovava seu desempenho; para 37% ele era regular e 27% o aprovavam. Desde o início de seu segundo mandato (1999-2002), Lerner apresentou queda nas taxas de popularidade. Em junho de 1999 era aprovado por 52%, em dezembro 29

O ex-governador deixou o PFL e filiou-se ao PSB pois pretendia-se candidatar-se à Prefeitura do Rio de Janeiro em 2004 e transferiu o seu domicílio eleitoral para a cidade.

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do mesmo ano essa taxa caiu para 46%. Em junho de 2000 oscilou para 44%, caindo para 35% em dezembro deste ano e em dezembro de 2002 chegou a 27%, o menor índice desde que assumiu o governo pela primeira vez em 1995. A taxa de rejeição a seu governo cresceu continuamente ao longo do segundo mandato e oscilou de 19% (junho de 1999) a 36% (dezembro de 2002)30. De fato, há fortes indicações de que o personalismo suplantou a estruturação partidária no caso do PFL do Paraná nos anos noventa e no início da década seguinte. Os resultados eleitorais de 2002 e 2004 confirmam essa hipótese, mostrando um recuo do partido também na arena eleitoral.

IV. CONCLUSÕES A história do Partido da Frente Liberal no Paraná pode ser dividida em duas fases bem distintas. Uma antes, outra depois do ingresso, na agremiação, do governador Jaime Lerner. Procuramos demonstrar que, mesmo tendo ganho significativo fôlego eleitoral, aumentado suas bancadas estadual e federal em 1997-1998 e conquistado 20% das prefeituras do estado em 2000, o PFL-PR não conseguiu institucionalizarse ou tornar-se um partido estável, contrariando o estilo nacional da agremiação. Mesmo os dados eleitorais devem ser tomados com o devido cuidado. Por outro lado, note-se, nunca se tratou do controle do governo por determinado partido, mas exatamente do seu inverso: do controle do partido por determinado governo. A ocupação de cargos no primeiro e segundo escalão possivelmente não se traduziu em influência efetiva sobre o processo decisório governamental, ficando a “equipe” do governador com o monopólio das questões-chave; o comportamento unificado da bancada (disciplina partidária) não induziu fidelidade partidária e as taxas de migração dos políticos pefelistas continuaram elevadas. Ao invés de transformar- se no partido do governo, o PFL-PR foi apenas um partido para o governo e um recurso institucional importante do líder político no estado, notadamente no que se refere à “governabilidade”. Quando as taxas de popularidade do segundo decresceram, a incipiente “institucionalização” do primeiro também recuou. Quando Lerner deixou a agremiação, seu desempenho diminuiu drasticamente. Pagouse assim o preço da dependência quase exclusiva de uma liderança personalista que, curiosamente, apresenta-se como puramente “técnica”.

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Cf. dados do sítio do Instituto Data Folha ver http://www.folha.uol.com.br/folha/datafolha/po/ avalgov_pr_9402.shtml

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Anexo Quadro 4 Eleições no Brasil – Paraná e Curitiba (capital) (1982-2002) Eleitos por partido/coligação; partido majoritário nos legislativos (número de cadeiras do partido majoritário/número total de cadeiras) Prefeitura (Curitiba – PR)

Câmara dos Vereadores (Curitiba – PR)

Governo Estadual

Assembléia Legislativa

Câmara dos Deputados

Senado Federal

1982

Maurício Fruet (PMDB)*

PMDB (22/33)

José Richa (PMDB)

PMDB(34/58)

PMDB (20/34)

Álvaro Dias (PMDB)

1985

Roberto Requião (PMDB) Álvaro Dias (PMDB/PND)

PMDB/PND (37/54)

PMDB/PND (24/30)

José Richa (PMDB/PND) Affonso Camargo (PMDB/PND)

1986

1988 Jaime Lerner (PDT)

PMDB (12/33)

1989

Fernando Collor (PRN)

1990

1992 Rafael Greca (PDT)

Cassio Taniguchi (PDT/PPB/PTB/ PSC/PFL)

Cassio Taniguchi (PFL)

Beto Richa (PSDB)

PRN (8/30)

José Eduardo Vieira (PTB/PDS/PTR/ PST)

Jaime Lerner (PDT)

PMDB (12/54)

PP e PFL (6 e 6/30)

Roberto Requião Fernando Henrique (PMDB) Cardoso (PTB/PFL/ Osmar Dias (PP) PSDB)

Jaime Lerner (PFL)

PFL (12/54)

PTB e PFL (6 e 6/30)

Álvaro Dias (PSDB)

Fernando Henrique Cardoso (PPB/PTB/ PFL/PSDB/PSD)

Roberto Requião (PMDB)

PFL (9/54)

PMDB e PT (6 e 6/30)

Osmar Dias (PDT) Flávio Arns (PT)

Luis Inácio Lula da Silva (PT)

PFL (9/35)

2002

2004

PMDB (16/54)

PDT (8/35)

1998

2000

Roberto Requião (PMDB)

PDT (8/33)

1994

1996

Presidência da República

PT/PTB/PMDB/ PCB/PCdoB (12/38)

Fonte: TRE-PR. Compilação dos autores. *nomeado

273

Quadro 5 Indicadores partidários na Assembléia Legislativa do Paraná Índice de permanência e bancadas por principais partidos (1987-2002)* índice permanência PDT

1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

,79 1,00 ,92 1,00 ,97 ,96 ,92 1,00 ,98 1,00 ,72 1,00 1,00 ,97 ,50 1,00

bancada PDT

índice permanência PFL

bancada PFL

índice permanência PMDB

bancada PMDB

5 4 4 5 6 5 6 7 9 9 11 2 3 3 2 6

1,00 1,00 ,93 1,00 ,95 ,96 ,79 1,00 ,99 1,00 ,54 1,00 ,83 ,94 ,86 1,00

8 6 6 5 6 7 8 6 7 7 6 19 10 9 10 9

1,00 ,97 ,88 ,80 ,92 ,93 ,99 1,00 ,96 1,00 ,85 1,00 1,00 1,00 ,96 1,00

37 37 32 24 16 12 12 12 12 12 11 8 7 7 7 8

índice bancada permanência PT PT

* As bancadas partidárias indicadas são as existentes no mês de fevereiro de cada ano.

274

1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 ,93 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00

1 1 1 1 3 3 3 3 5 5 5 4 4 4 4 4

índice permanência PTB ,63 ,88 ,72 ,92 ,79 ,96 ,84 1,00 ,88 1,00 ,47 1,00 ,92 ,89 ,83 1,00

bancada PTB

, 4 3 2 5 7 6 11 5 5 6 10 12 10 12 5

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