PASSAPORTE PARA A VIDA

July 7, 2017 | Autor: Maria Angelica Ranzi | Categoria: Medicina, Auto Ajuda
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PASSAPORTE PARA A VIDA






"Não esperem palavras sobre a dor, ou sobre a morte. Eu simplesmente falarei para vocês, sobre a vida"









Maria Angélica Giacomelli Ranzi


























Apresentação



Conhecer o caminho de volta.
Somente este é o objetivo desta historia real. Lidar com as minhas emoções foi essencial para que eu retomasse minha vida após estar à frente de um diagnóstico de câncer.
Minhas culpas, meus medos, o choque do inesperado.
A falta de chão, aliada a incerteza da vida, foram intensamente vividos por mim e pelos que me cercam.
O que fazer na busca da cura? Onde buscar superação para enfrentar o que vem pela frente?
O que vem por ai, não passa de um sussurro suave e tímido da vida, no ouvido de todos aqueles que precisam de um empurrão para voltar a viver em plenitude.









"O mundo é movimento. Movem-se as águas, a terra os ventos.
Move-se a vida, transformando cada dia em pura novidade.
A natureza não se repete, e exausta, não repousa.
E nós como parte desta natureza, também somos isto: movimento.
Somos vontades, desejos, anseios, tristeza se sonhos.
Somos sempre algo a se concretizar. Nada completos.
Somos nós mesmos e outros ao mesmo tempo. Somos um pé de vento nesta
Corrida frenética em busca da realização e do autoconhecimento.
Queremos mais. Mas o que mais?Mais ter, mais sentir, mais poder?
As pessoas se agitam nas ruas, passam indiferentes e distantes.
Ilhas isoladas de ansiedade e solidão.
Somos tão iguais e ao mesmo tempo, tão diferentes em percepção, conhecimento e atitudes. Diferentes no pensar, no agir,no sonhar no sentir e no reagir.Mas é esta diversidade, temida por tantos, que é o tempero do mundo.
"È esta pitada que confere cores e brilhos ao espetáculo da existência."
Nov/2006




Tal de 2009

Era mais um início de ano. Diferente sim, mesmo que tivesse a mesma árvore de natal o mesmo espumante, as mesmas esperanças de um ano cheio de bons momentos.
A família estava separada. O motivo era de alegria, mas ainda assim estava separada, e foi diferente.
O ano iniciava correndo. Os dias tremulavam rapidamente no calendário.
E, quando vi, o vestibular já tinha passado novamente, e teríamos que trabalhar nossos corações, para aceitar algo que parecia tão triste naquele momento, mas que dias depois se mostrou só mais um estágio de preparação para. As nossas vidas.
Meu filho não tinha conseguido alcançar sua meta, e era frustrante, ter estudado tanto, e ter que recomeçar.
Não era pra ser. Como dizem, "nosso tempo, não é o tempo de Deus".
Aos poucos, cada um de nós foi ao seu jeito, acomodando a dor, a tristeza a culpa a frustração, dentro das gavetas históricas de experiência.
Ao longo do tempo, não tenho dúvida, serão elas, que trarão à luz da realidade, a tal falada maturidade, que nada tem a ver com idade, mas sim com o as lições que vivemos e das quais tiramos nossos aprendizados.



E par aprovar que maturidade não tem a ver com idade, eu chorei muito.
Sentia a minha tristeza multiplicada por mim e por todos, quando na verdade, tinha que resgatar lá da minha memória histórica, que isto não tinha a importância que eu estava dando.
Tinha solução.
E muitas soluções, principalmente quando se tem 19 anos.


















"À medida que o tempo passa lento pela manha, meus pensamentos já estão voando mais alto que meu próprio salto.
A neblina se espelha nos meus próprios pensamentos: Não se sabe dizer qual é uma e qual é outra.
Na verdade a liberdade de poder pensar e voar alto, não justifica a penumbra do ambiente.
Mas mesmo assim, vamos voar. Voar tão alto que podemos dar um olá para Deus.
Deixe comigo seu pedido. Coloque no envelope, pois o tempo está ruim.
Eu não vou perder tempo escrevendo, afinal vou estar tão pertinho, que com um simples sussurro ele ouvirá meus desejos, e de uma forma direta, atenderá meus pedidos.
Já estou aqui em cima agora.
Mas má noticia, Nada de Deus no local. O sol está deixando marcas douradas no papel. O resto permanece envolto em uma grande fumaça, que mais parece um grande incêndio nas nuvens.
Não posso deixar de lembrar meus filhos, apesar de que hoje as nuvens não são flocos de algodão doce, mas ainda assim, são brancas e rosadas e alegram aqueles que por aqui passam vez ou outra.
Março/2003



Seguir a vida!


Passada a fase pior, de tristeza e frustração, era hora de tirarmos férias.
Merecidas férias para nos prepararmos para um novo ano. Meu animo não era de férias, confesso estava triste, e tinha poucos sonhos pela frente.
Eu estava na minha melhor forma física, mas meu coração estava agitado, impaciente, não me sentia completa, e pensava em alguma mudança em minha vida profissional.
Minhas irmãs e cunhados estavam de volta do Canadá. Graças a Deus!
Eles fazem faltos. Aprendemos a nos proteger, anos acompanhar nas alegrias e nas tristezas.
Sim, sentimos muita falta de estarmos todos juntos. Minhas irmãs fazem a diferença em minha vida.
Foi ai que a minha vida mudou. Sem que eu pudesse imaginar, eu me deparei com fatos que não tinham muitas soluções.
Pior: Só tinha uma solução.







.
"Uma grande mágoa me envolvia naquela indiferente semana de julho.
A casa parecia muito maior do que sempre fora.
O ócio, a falta do que fazer e a completa inércia pareciam abater indefinidamente minha vida.
Pela manha, o acordar cansado arrastado pela escada, me levava adormecida ao trabalho.
Infelizmente, nada parecia ter o poder e a energia suficiente de se contrapor a este estado lastimável que eu me encontrava.
Em tempo idos, já dizia que não acreditava na esperança, mas volta e meia recaio a pensar onde ela poderia estar escondida em meio de tantas dúvidas, tristezas e desânimos.
Agora nem isto me permitia. Crer e correr atrás da esperança eram coisa do passado que já não me pertencia.
"O que me restava, era olhar o relógio e sorrir ao ver que já chegava à hora de novamente dormir." Fechando Círculos-07/2008





A Notícia


A notícia de uma cirurgia urgente, me pega de surpresa e desprotegida
20/01/2009- Faço exames de rotina;
21/01/2009- Diagnosticado um nódulo
22/01/2009- Diagnosticado possível carcinoma;
23/01/2009- Como um retrato na parede, escutei , escutei, mas não queria acreditar.
24/25/26/27/28/29/30/01/2009- São dias de angústia, medo, muito medo.
Estávamos todos perplexos. Eu tinha que dizer a palavra, câncer com freqüência, para que, de alguma forma, começa-se a viver esta realidade.
Foi uma experiência terrível, chegar em casa, todos almoçando e em meio a muitas lágrimas, eu dar a notícia que ninguém queria ouvir:
"Infelizmente eu tenho câncer de mama."
Acho que foi a primeira vez que disse o nome da doença, sem me referir a ela, do modo como meus pais falavam: bruto mal
Perdi ou esqueci muitos sentimentos daqueles dias. Eu não podia acreditar que alguma coisa me consumia, sem eu sentir, e o pior sem eu consentir.
Fiquei muitas horas em vários dias chorando deitada no sofá. Tentava entender para depois viver o que acontecia.



Meu corpo estava saudável, tinha meu trabalho, estava sempre ocupada, planejando a vida de meus filhos. Enfim, era humanamente impossível acreditar que estava doente, acreditar na minha própria fragilidade .
A vida sempre me pareceu muito longa. Nunca me faltaria tempo para amar, para realizar novos projetos, para lutar para perdoar e para ser feliz.
Foram estas certezas, que o câncer ameaçou. Ele trouxe a flor da minha consciência, o qual frágil podemos ser.
E isto era forte e triste demais, pois fez com que eu pensasse, mesmo sem admitir, na morte.



















Hoje acordei pensando em muitas coisas Será um aviso?

Não, acho que avisos não funcionam assim.
Mas, deixo alguns recados:

Lucas: Não deixe que a engenharia te torne tão exato.
O barato da vida, muitas vezes, é sobrar restos.

Elisa: Só permita que a dor do outro, chegue
Até a ponta de teus dedos. Não deixe que ela chegue ao teu coração.

Quando se procura ajuda, queremos ser acarinhados, por uma pessoa forte, alegre e compreensiva, e com energia suficiente para transformar um mau dia, em um dia de luz e prazer.






Grande Ameaça

Tinha que mastigar tudo que me acontecia.
Junto comigo, sentindo o que sentia, chorando quando eu chorava estavam lá Elisa e Maria. Nesta fase da doença, isto que era importante: Se colocar no meu lugar e junto comigo tentar acalmar meu coração.
Não queria saber quais as chances, são queria saber se um milhão de pessoas já passou por isto, não queria saber de quantas vizinhas tiveram câncer, não queria saber, que brócolis é maravilhoso para combater estas infames células loucas que resolveram habitar meu corpo.
Enfim não queria saber se eu ia melhorar, porque na verdade ainda nem sequer entendia e assimilava que estava doente.
Foram muitas consultas e diagnósticos positivos. Foi nesta hora que minhas irmãs entraram pra valer na minha vida, e graças a Deus nunca mais saíram.
Dividir tristezas junto com o Paulo, Elisa e Lucas, minha família, foi a sustentação que eu precisava para reagir.
Acordar pela manha, com o Paulo me olhando e ganhar um abraço, me fez, egoisticamente, gostar de estar doente
Estranhamente não sentia raiva, nunca me perguntei o porquê. Somente via e vejo passar por mim, filmes da minha vida, coisas que eu lembrava, coisas que me contaram, mas principalmente coisas muito, mas muito boas.


Cheguei a feliz conclusão de que nada seria diferente. Vivi o que queria viver; comprei o que queria comprar; tenho o que preciso e o que gostaria de ter.
Construi uma linda família junto com meu marido. E são eles que agora lutam a minha luta.
Briguei sempre por aquilo que achei justo, ensinei tudo àquilo que continuo achando necessário.
Mesmo quanto eu olhei a vida com outros olhos, compreendi o quanto tinha aprendido com minha família



















Procure o que gosta de fazer, e seja um rebanho em um lindo pasto. Dedica teu tempo a aprender, mas saiba qual o momento de parar. Não adivinhas a presença do desconhecido, por isto teus passos devem seguir as pedras firmes e conhecidas.
Fev/2009














Filhos: se queiram bem!(meu pai).

Vocês têm idéia de quantas vezes lembramos de nossos pais durante nossas vidas?
Nossa íntima convivência com aqueles, que nos revelaram o caminho do saber, fizeram de nós uma família unida por valores de respeito e amor.
Seus conceitos e formas de ver a vida nos transformaram em pessoas integras profissionais competentes e dedicados, pais e mães de todos os filhos e sobrinhos.
Foi uma bagagem etérea, que passa para o futuro, como grande ramificação venosa.
As transformações que não revelam o tempo, os rostos que permanecem conhecidos nos espelhos e as lembranças da casa paterna são a ordem ditada por eles:










"Foi um choque indesejável, uma sensação de impotência, medo de sofrer, medo do vazio, medo de ficar só, medo de ser um peso para os meus, medo de abandonar as pessoas que tanto amo, medo de não viver minha vida por inteiro, e uma absoluta vontade de viver.
O câncer me arremessou para uma vida diferente. Foram momentos de reflexão sobre o que fazer como o que me restava dela.
. Olhar para traz com alegria de nada mudar, e olhar para frente com alegria de poder viver mais um dia com dignidade e sabedoria.
Um viver mais intenso, mais dolorido também, mas entendo que estou no caminho certo da cura, com sentimentos de superação com esperança e força de vontade.
Fev/2009










Turbilhão de Pensamentos


Quando parecia que nada diminuía meu completo estado de incapacidade diante de um câncer, lá estavam aqueles que iriam seguir comigo por todo este percurso, me abraçando, me carregando no colo.
Então, já era hora de reagir, e também me senti obrigada a diminuir minha dor, porque sabia que ela seria multiplicada neles.
Uma coisa me confortava muito: Assim que fizesse a cirurgia, ia acordar nova, curada.
Aquele pequeno tumor não mais estaria dentro de mim.
Isto iria fazer toda a diferença.
Acreditem que fez. Tudo que veio depois era um tratamento, drástico sim, mas apenas um tratamento.
















"O choro é incontrolável. Choro pelo futuro, que nem imagino como será escrito. Choro pela total incapacidade de controlar o pânico. Choro pela dor de provocar a dor, as pessoas que amo. Choro por me sentir covarde, porque na verdade não quero olhar para frente. Mas foi este tempo, que me ajudou a elaborar tudo o que estava acontecendo, e me fortaleceu para vida"
Jan/2008














Já era Hora...


Os dias custavam a passar. Eu tentava me convencer que tinha muito que tirar desta experiência.
Queria acreditar que tinha mais muito que aprender, pois só assim, poderia ainda continuar ensinando, dividindo sensações e experiências.
Foi assim que decidi escrever tudo que estava passando.
Descobri que o paciente de câncer passa por várias fases, e não adianta tentar abreviar, ou acelerar porque elas existem e se apresentam no momento certo.
Na hora que estamos preparados para aceitar cada uma dela.
Dias antes da cirúrgica, me sinto estranhamente confusa.
No dia 28 de janeiro, verão intenso, meu ritmo cai novamente.
Completamente sem ânimo, tenho a sensação esquisita de "tanto faz".
Não tinha vontade de comer gomas de minhocas azedas, que tanto gosto, e isto me preocupou.
Tinha que reagir, buscar o equilíbrio, caminhar, comer frutas, acreditar que dia 31/01/2009, seria o dia de esclarecer diagnósticos.
Pois é: Acreditem, pensei que poderia ser muito mais simples.




É incrível que a gente sempre pense assim, independente do que digam os médicos.
Queria acreditar que poderia ser um equivoco, e que minha vida prosseguiria com mais este aprendizado.























"Algumas coisas passam brevemente em nossas vidas e a gente dá graças a Deus...
Outras demoram anos para passar e a gente se pergunta quando é que isto vai acabar?
Mas as melhores coisas da vida são aquelas que a gente nem vê passarem e quando passa, a gente reza para que elas voltem logo...
Convido a vocês que juntos alcemos vôos. Aquele vôo intangível de alguém que não se contenta só com um pouco de vida. "
Jornal sitia do Vô Bimbo- Ago/2008















Contato com a Realidade

O quarto do hospital é quente e tem cara do verão. Estou na maternidade. E busquei nisto outro sentido.
Estar ai representava um nascer de novo um acordar renovado.
Todos os sentidos, com novo olhar, e todos os órgãos funcionariam como um relógio.
Meus seios foram tatuados pelas mãos da Dr. Luciana, que naquele momento estavam representando meu futuro.
Eles estavam cheios de linhas, pontilhadas ou não, mas ainda assim tinham a simetria da fé e a coragem que me possuía por inteiro.
Como pela manha já estaria dormindo, pensava em deixar algumas recomendações.
Mas para que escrever mais coisas para meus filhos?
Não, eles já sabiam tudo o que precisavam, eles já aprenderam muito comigo.
E depois, minha confiança e fé, garantiam que estaria de volta escrevendo as sensações prazerosas de vencer esta terrível doença.
Acordei toda enfaixada, sem dor.
Meus seios estavam menores e firmes, sem nódulos, sem câncer.
Novamente me surpreendo com minha atitude, pois se a tristeza chegasse perto, logo eu olhava para outra janela, e descobria alguma coisa boa para pensar.
Tudo corria bem.




Logo estaria saindo do hospital com meu lindo sapato salto 10, lábios pintados, e uma mala cheia de esperanças.
Em silencio eu agradecia a Deus, por não ter perdido minha intimidade, minha individualidade. Estava ai integra, e completamente rodeada de pessoas que me amavam, e que me ajudariam a passar de fase, como um final feliz de qualquer joginho de videogame.
Não queria ouvir "game over", porque a vida real, não tem rascunho, e eu definitivamente teria que fazer tudo certo da primeira vez.
O que não dependia de mim, eu me colocava inteira na mão dos médicos, mas a minha parte, até hoje, tenho feito todo o esforço necessário para concluir.
Absorta em meus pensamentos, nem percebi que já estava em cãs, e mesmo sem querer pensar no assunto, eu sabia que um longo tratamento me aguardava.









"Quando não se sabe quem é o nosso opositor, não basta escolher as armas.
Parece que não vamos vencê-lo. O choque natural da notícia, aliado a fragilidade da cirurgia, traz um sentimento de traição. Traição da nossa própria vida
E de nosso próprio corpo.
Quando haverá descanso?
Vou ter que buscar forças para viver esta historia, de uma forma única, com coragem, sem amargura, e principalmente, sem endurecer meu coração.
Fev/2009












Tempo de Espera


Começar as fisioterapias, encaminhar documentação, busca resultados. Foram tempos de compasso de espera.
A angústia e vontade de dar o próximo passo faziam os meus dias de 12 horas ou menos.
Era um estranho sentimento de fazer tudo logo e buscar a maior proteção possível.
Já neste momento, comecei a questionar esta idéia de pensar no futuro.
Não pude deixar de lembrar-se do livro: O Cisne Negro, que tanto remoeu meus neurônios, na busca da compreensão daquilo que o autor chamava de: "O impacto do altamente improvável."
Pois não é que era verdade? Isto estava acontecendo comigo.
Um acontecimento altamente improvável imprevisível, e que causou um grande impacto em minha vida.
Virou tudo de cabeça para baixo, ameaçou tudo que ate então, eu achava seguro.
Este momento é difícil, acreditem
As pessoas em geral, os médicos, os amigos, me mandavam não parar de sonhar, ter planos para o futuro, que tudo isto irá me ajudar a superar esta tempestade que estava sobre a minha cabeça.
Mas como fazer isto, quando na verdade os únicos planos que podem ser feitos, são preparativos para conter o câncer?


E aí, como pensar no futuro? Porque ter tanto cuidado com ele? Que surpresas ele nos trará?
Sempre olhei para o futuro, como uma criança, que precisa ser protegida no presente.
Lodo engano.
Resguardar o meu futuro, talvez tenha me impedido de viver melhor o meu presente.
Viver em plenitude. Sofrer somente na medida da verdadeira necessidade.
Abraçar somente aquilo que me faz feliz, aquilo que transforma meus dias, e principalmente, aquilo que preenche as fenda do meu corpo.
Esta é minha meta agora.
















Onde estaremos daqui a alguns anos? Seremos sementes?
Aquelas guardadas a sete chaves, para a próxima estação?
Aquelas, que em um terreno cuidadosamente preparado, serão jogadas no momento certo do plantio?
Eu prefiro ficar cuidadosamente adormecida, em um chumaço de algodão. Aos poucos um pequeno broto verde, vai tirando do rosto de alguma criança, gritos e expressões de surpresa e alegria;
- Deu certo! Eu tinha uma coisa viva e nem sabia.












Um Novo Recomeçar


Já não era sem tempo. Foi o momento de iniciar o tratamento.
Foi muito importante saber tudo a respeito das drogas que passaria a conviver comigo por alguns meses.
A cada 21 dias, faria as quimioterapias, que eu acreditava e acredito ate hoje, iriam fazer um verdadeiro arrastão pelo meu corpo, procurando qualquer célula com a menor suspeita de problema.
Como acontece normalmente em nossas vidas, os bons pagam pelos ruins.
No meu corpo não seria diferente: Muitas células boas seriam atingidas, e minha imunidade mostrava a cada dia o quanto isto atingia meu organismo.
Procurava pensar que a cada sessão seria melhor, pois o organismo iria se acostumando.
Isto provavelmente é verdade, mas apesar de ficar acostumado ele ficava também, muito mais fraco.
O tratamento é radical.
Os sintomas físicos são terríveis.
Na primeira sessão, uma crise alérgica coloca meu coração em disparada.
Um mal estar toma conta de mim, sob o olhar curioso, mas imóvel de todos os meus colegas de quimioterapia.
As enfermeiras correm, tiram o medicamento, me acalmam e como se fosse à coisa mais comum do mundo, iniciam novamente. Juro que pensei por um momento, que podia repetir o que tantas vezes fazíamos na escola: professora posso ir para casa, estou com dor de cabeça.
Mas não foi fácil assim. Eu tinha que ficar e o cheiro daquilo tudo, me deixa mal só de lembrar.
Na segunda sessão, minha cabeça doía, e como recomendado, cortei meu cabelo.
Não sofri com isto, mas com o corpo completamente debilitado, olhar o espelho, já sem cabelos fez com que por alguns momentos eu sentisse muita pena de mim.
Esta doença pode ser muito solitária. Pouco se fala sobre projeções futuras, porque nada pode nos dar certezas.
Pouco se fala de dores, do mal estar, porque são momentos somente seus. Nada vai diminuir seus efeitos.
Fala-se muito dos passos que serão seguidos, dos exames de acompanhamento, mas eu pessoalmente falei muito pouco dos meus medos, dos meus sentimentos, porque ninguém teria respostas, nem os médicos.
Por muitas vezes escrevia o que sentia, mas também com a mesma freqüência joga tudo fora e voltava à luta.
Isto faz parte da nossa cultura. Não nos permitimos ficar deprimidos, ou tristes. E falar sobre isto menos ainda.
Algumas pessoas conseguem nos dizer na hora certa o que precisamos ouvir. Saber que tem gente lutando com a gente fazem muito bem, e me levou até o final das quimioterapias, de uma forma muito mais tranqüila do que eu poderia imaginar.
Para cada sessão de quimioterapia, eu levava em meu coração, um medo velado de não encontrar lá alguns de meus companheiros. Muitos passavam mal, e tinham que hospitalizar, outros simplesmente nunca mais eu vi, e ninguém nunca falava sobre isto.
Idosos, jovens, e até crianças. Eu me perguntava, em que mundo eu vivia, que nunca imaginei que isto poderia me acontecer. Cada novo encontro, novas pessoas, muito trabalho para aquelas branquelas que faziam de tudo para nos animar.
Houve muitos momentos de desespero, e em um deles Paulo me disse: Tu não és uma mulher de coragem, tu és uma mulher de fibra. Tu és a minha esposa.
Pessoas de coragem são fáceis de encontrar, porque quem tem coragem não mede as conseqüências, se atira sem medo, mesmo sem saber para onde.
Pessoas com fibra têm dentro de si, um objetivo secreto, que determina os passos a serem seguidos.
Eu tinha que viver, eu tinha que fazer sofrer o menos possível , aqueles que eu sabia, estariam do meu lado até a recuperação final.










Quando olho para minha cabeça recém nascida, tenho sentimentos confusos, e contraditórios.

Não são os cabelos que me fazem falta, nem sinto falta de poder colocar sobre eles, tintas loiras que mudam minha identidade.

O sentimento que enxergo no espelho, é o de olhar para frente, mirar o amanha, para tornar o meu presente melhor.

Assim tão despida, tão desprovida de máscaras eu não tenho escolha: Minha esperança na vida terá que se renovar, muito mais rápido do que os meus cabelos crescerem.

Nasala uma foto linda com meus cabelos longos, representa o retrato da esperança, de quem tem um câncer, e vai ter que se livrar dele em no máximo cinco anos.

Abril/2009

















RETRATO DA ESPERANÇA


Sentada em algum canto da casa, eu em dava conta muitas vezes, que apesar do câncer, eu sou uma mulher de sorte.
Consegui transformar a maioria dos meus sonhos em realidade.
Inclusive esta tentativa, de relatar meus sentimentos com total paixão, talvez ajude outras pessoas, que assim como eu, foram ou serão submetidas involuntariamente a provações, a encontrar um meio de realizar seus sonhos, e principalmente, ajude a entender que não é nossa culpa estarmos doentes.
Porem, somente nós pode injetar a quantidade necessária de energia em nosso organismo, para reagir de forma positiva ao ataque das drogas.
O câncer estava ai. Dissecado no microscópio.
Nunca mais será a mesma coisa, por mais que todo mundo diga o contrário.
Alguma coisa muito importante muda em nós. Mas não é em nosso corpo, é em nossa alma.
Não podemos mudar o fato de ser portadoras de um câncer. Temos que resolver como reagir a isto.
As cartas não podem ser mudadas, temos apenas que pensar como jogar. Esta será uma grande viagem.
Pelo menos, assim espero.





Uma serenidade mágica me invadia em grande parte do tempo. Estar doente era apenas uma circunstância triste. Viver eternamente triste é a verdadeira doença.
A paciência, o afeto e a sabedoria aprendida, vivida e dividida tantas vezes com minhas irmãs, me ajudaram a escolher o caminho certo.
Aquele que transcende a dor e o medo, aquele em que o sol brilha e a força te confere poderes de super heróis.
Quando sofro, fico mais perto das pessoas que sofrem.
A minha dorme aproxima das dores do mundo. Estou muito mais sensível agora.
Hoje eu choro e agradeço, porque meu fardo e tão leve, perto de tantos outros.
Abril/2009







Dividindo Nossos Medos


Quando somos acometidos por uma doença grave, não podemos dizer que sentimentos ela nos trouxe.
Não podemos mudar os fatos. Assim, temos que procurar, em meio aos trapinhos que sobram da gente, motivos para viver novamente,
Esta é a grande sacada.
É difícil sim, mas perfeitamente possível.
Não cabe a nós achar culpados, muito menos apontar para o outro e dizer: porque não ele?
Isto não alivia a dor, não nos traz a luz da cura.
Simplesmente piora nossa situação, deprimindo ainda mais os sentidos, e amargurando o nosso coração.
Convido a todos que passam por semelhantes situações, a exercitar o ato de dar e receber amor.
Uma simples equação, que começa descobrindo o amor dentro de nos. Acreditar que merecemos este sentimento, estar abertos a receber amor da família, dos amigos, dos médicos.
Abrir nosso coração, dividir experiências, chorar no ombro de um, amigo, vai nos dar muita vantagem na corrida vertiginosa contra o câncer.
Ter fé. Este é outro segredo para enfrentar tudo e todos. Eu não conseguia rezar, mas perdi a conta da quantidade de imagens, terços novenas, medalhas que ganhei ao longo do primeiro ano de doença, de meus amigos, familiares, de todos aqueles que torciam por mim.
Não tem problema se não consegue rezar, o importante e sentir a energia que é transmitida através da fé destas pessoas. Faz-nos acreditar que não estamos sós. Que a minha dor não é única, já que divido com muitos amigos.
Experimente. È um exercício de que acalma o sofrimento, e desperta em nós uma vontade imensa de viver. È como um grande arrastão de bons pensamentos empurrando você para a vida.



















MATURIDADE DE MEUS 50 ANOS


Somos capazes de adaptara nossa vida ao vai-e-vem dos ventos? Uma gangorra perdida no parque de diversões?
E o que seria pior ainda, é estar só sobre a gangorra: Só em baixo ou só em cima, mas sempre só.
É amigos, o que posso afirmar, é o que todos já sabem:
Não há dia sem tempestade, nem milagre sem fé, colheita sem plantação, dinheiro sem trabalho, sucesso sem determinação, ciúmes sem amor, cura sem sofrimento, amor sem coração.
Sem adversidades, seríamos como bandeiras hasteadas sem vento. Sem tremular, não testaríamos nossos limites e nosso mundo, seria seguro sim, mas sem a graça dos descobridores.
Agora se achamos difícil este viver, resistir um período prolongado de doença pode considerar sem medo, um verdadeiro milagre.
Vivi até hoje muitos dissabores, mas não deixem que fossem obstáculos para mim. Sabia que tinha que manter o salto alto, o rosto pintado e um sorriso constante de confiança e fé.
Descobri com o passar dos dias, que a felicidade não significa se ausentar de problemas, pelo contrario, o segredo é enfrentá-los, transformando em oportunidade de aprendizado.
E aí, a superação, força e fibra vêm por conseqüência.
Agrada-me poder personificar a esperança, graças às experiências que compartilho com vocês.
Cada esperar tem seu jeito, sua singularidade, sua expectativa, seu cheiro e sabor.
O esperar, só não pode vir envolto em revolta, carregado de cinismo; embalado no pior sentimento que pode existir: a pena.
Dividir, compartilhar e sem dúvida, aceitar o câncer, é vencer o primeiro dos muitos medos que vem por ai. E principalmente, encarar definitivamente a perspectiva da falsa eternidade.
Hoje, consigo mostrar a minha força muito maior do que a força da doença. Mas mesmo assim, sempre estou preparada, com meus sentidos sempre alertas para considerar o inverso, e se necessário buscar um placar ao meu favor.

12/09/2010













Doses Diárias de Carinho

O tempo ia passando, e eu passei a gostar da suave dependência que a doença trouxe.
Coisas gostosas para comer, massagens nas pernas, abraços e lágrimas. Muitas lágrimas.
Quanto manipular o leque com sabedoria de jovens e de velhos, me trazendo uma brisa leve e cheia de amor.
Acho que aflorou em mim, a minha infância, ainda que conscientemente não lembre de muita coisa.
Mas afinal, todos sabemos ser crianças. Está dentro de nós. Agora mais do que nunca eu posso saber o quanto era agradável.
Aos meus quase 50 anos, eu me dou como adulta e recebo como uma criança.
É por isto que não tenho medo de envelhecer.
Os jovens têm a sensação que a vida é dura. Não tem a sabedoria da idade, entendem pouco da vida.
Não conseguem, na flor da juventude, enxergar que o envelhecer não é só decair fisicamente.
Envelhecer é crescer.
Envelhecer é muito mais do que "o fato negativo que se vai morrer um dia".
É positivamente compreender que um dia teremos que morrer, e que podemos viver melhor por causa disto.
Minha vida teve muitas realizações. É completa, sentidos esgotados.
Aos meus filhos, e quando digo filhos, chamo todos os meus sobrinhos peço que pensem sobre isto:
Não gastem suas energias batalhando contra o tempo em todos os sentidos.
Não precisam pular fazes, não precisam chorar por antecipação, não precisam se preocupar tanto com a aparência, porque o envelhecimento e tudo de bom e ruim que ele carrega, é inexorável.

























Fica em paz, e liberta tuas amarras. Muitas vezes esperamos de nós mesmos muito mais do que precisamos. Se esperássemos só o que seria suficiente, certamente nos surpreenderíamos, com nossa capacidade e força.
Maio/2009
















Auto-estima

O processo de tratamento é lento, e mais de uma vez, os joelhos se curvam.
É inevitável sentir pena de nós mesmos. Da fragilidade em que o nosso organismo fica da falta de motivação para qualquer projeto, da indiferença no viver.
Por isto temos que aprender muito rápido, a encarar o próprio medo, e mais uma vez estar perto das pessoas que amamos.
Não posso negar várias vezes o medo me consome, mas a cada dia que passa , aprendo a controlar meus pensamentos e acalmar meu coração.
Não acredito em milagres, mas acredito em uma conspiração favorável de seres superiores, que muitas vezes afagam minha alma, e junto comigo, seguem a caminhada.
Tenho aprendido neste novo tempo, que a aceitação do que acontecerá, e a paz que preciso.
Estar preparada, para mim, é uma associação da paz com o meu destino.
Percebo, que se me livro do medo, da copa, da dúvida, alcanço o que para mim sempre foi o mais difícil:
Fazer as pazes com a vida.
Acredito que tenho ainda muito tempo.
E, enquanto eu puder amar sentir recordar, e principalmente
Realinhar aquilo que ainda flutua escondido nos meu pensamento, ainda estará presente.
Ainda estarei vivendo.
Ainda não terei desistido, e ainda vou ter tempo para cuidar do amor, da sensibilidade da espiritualidade.
Esta é um atarefa diária. Nosso tempo é precioso, e cuidar de nossa alma, realinha nosso corpo físico.
As dores começam a ser suportáveis, e a gente consegue olhar para o lado, e agradecer pela vivencia que estamos acumulando em nosso caminho.





















Diante de meu corpo em crise, tudo que vejo hoje, é o silencio de minha alma, que antes gritava
Março/2010
















(ENTRE PARÊNTESES)

Fico pensando na singularidade dos seres humanos. Procuro pares da minha doença, para poder dividir medos e dúvidas, e descubro que esta experiência que vivo, apesar de ser a mesma em outra enorme quantidade de mulheres, traz reações, sentimentos e pensamentos completamente diferentes.
Hoje em dia (fez um ano em janeiro"), faço os exames de controle, e sempre que chega nesta hora, fico ansiosa e assustada.
Um grande medo me consome, mas entendo que não existem pessoas fracas ou fortes, diante de uma doença.
Não acredito que qualquer doença ou experiência, seja obra de merecimento.
Ouvi muitas vezes: logo contigo, uma pessoa boa e com um astral super bom?
O que isto significa? Tem câncer, somente quem merece?
Prefiro pensar que nossa vida tem que ser preenchida com coisas boas e com coisas más. Ela nós cabe fazer sempre o nosso melhor, independente do tipo de experiência, que nos é entregue para vivenciar.
Passado um ano, tenho muitos momentos de verdadeiro cansaço
Qualquer sintoma simples merece uma avaliação profunda dos médicos.



Tenho dores no corpo, e dores na alma, que remédio algum pode tratar.
Brigo comigo mesmo, buscando mais força do meu corpo, do meu coração, da minha cabeça.
Não está fácil. Espero logo à frente, poder relatar que isto também passa, e que não passou de uns parênteses na minha historia.





















Quero perceber tudo com calma, mesmo na correria.
Sentir que a vida é quente, mesmo quando me parece fria,
Sentir o amor presente com toda sua euforia.
Viver cada momento, como se fosse o primeiro dia.

Abril/1987



















REMEXENDO

Tenho certeza, ou talvez nem tanto, que a fragilidade que me abateu neste último ano, é responsável por muitos momentos de profunda reflexão sobre a minha vida.
Ela sempre me pareceu cheia, muitas vezes sem graça. Sempre procurei nas pessoas, muito mais do que eu achava, que elas poderiam me dar.
Tenho poucas lembranças da minha infância, mas posso me lembrar de quando colocava na minha mochila uma camisa do meu pai, um xadrezinho, miúdo de branco com vermelho, punhos de abotoaduras, tipicamente masculina.

Ela fica lá por alguns minutos, até eu alcançar a curva do Bridi
Era lá que acontecia minha transformação. Eu vestia aquele camisão e me sentia na moda, me sentia igual as 'bundinhas' do centro.
Mas nada é perfeito e ai eu passava a tarde inteira com remorso de ter usado a camisa, que provavelmente, era a melhor que o pai tinha.
Também era com remorso que eu achava a latinha de castanhas vazia escondida no meu armário. Mas também era tão difícil conviver com as vontades de adolescente.
Eu esperava poder ter tido mais liberdade com minha mãe, ter conversas mais sérias sobre muitas coisas.
Veja: Mais uma vez eu esperava mais dos outros para ser mais completa.
Na primeira manha quando eu passei a ser uma mulher casada, dona do meu nariz, eu preparei um café, que lembro até hoje.
Acho que nem tinha café, mas tinha muitas frutas, principalmente mamões papaia, que eu abri e deixei pronto um para cada um.
Isto foi um luxo. Sempre quis ter frutas no café da manha.
E ai comecei a esperar muito do Paulo, muito mais do ele podia me dar. Esperava que ele fosse o melhor em tudo: no trabalho, na faculdade, melhor marido, melhor pai.
Eu demorei mui topara perceber que aquele era o jeito dele me amar, dele se preocupar, dele dar tudo que ele podia.
Mas a historia se repetia.
Com meus filhos, também aparecia aquele traço do passado. Um desejo que me consumia de ser reconhecida através deles.
Os dois foram crianças normais, graças a Deus.
Mas, mais uma vez, a ansiedade aparecia, quando ano a ano,
Eu assistia apresentações, torneios de futebol, entrega de boletins, sem honras especiais para eles.
Somos mesmo um mistério. Assumir nossas imperfeições é muito difícil. Escrever estes sentimentos mesquinhos, é muito difícil para mim, mas foi a forma que eu achei de poder trabalhar e superar as imperfeições, criando uma oportunidade única de melhoria.
Remexer uma gaveta, que mantive durante muito tempo fechada, me remete a um sentimento de vitoria.
Leva-me a reconhecer a felicidade dos pequenos detalhes da vida:
Da água quente do chuveiro depois de um dia de trabalho, do pó da lixa, do pingo da tinta em minhas mãos, de um banheiro dentro de casa, da vitória de deixar de fumar, dos batizados de boneca, do funcho com açúcar e limão.
De poder ajudar, de poder aceitar ajuda, de nunca ter passado fome, de ter conhecido o mar, de ter conseguido estudar, de ter visto no rosto do meu pai o orgulho ,quando eu dava um dinheirinho de algum aumento de salário, de nunca ter visto nenhum sobrinho no caminho das drogas, de não termos perdido ninguém contrariando o ciclo normal da vida.
Do carinho e do amor que recebo da minha Irma, quase gêmea, tão longe, mas tão perto do coração, das conversas com uma grande amiga (irmã de coração), de muitas tardes tranqüilas com minhas irmãs, sempre com mãos estendidas para ajudar a quem precisa, de uma noite fria de outono abraçadinha ao Paulo.
Do seu silencio, da sua calma.
Da imensurável saudade de meus filhos Lucas e Elisa.
E, maior felicidade ainda, é perceber o grande orgulho que sinto deles. E é por eles que luto pela vida.
È, por todos vocês a quem eu amo verdadeiramente, que não vou me permitir desistir.










A tempestade de sentimentos e vontades, soa agora como um clarim solitário.
É por tudo isto, que vivo e agradeço.
Abril/2010
















GAME OVER

Acredito que toda a nostalgia que me invade por inteiro dia após dia, tem a ver com um processo de agradecimento, pela forma como consegui passar pelas rotinas do tratamento de câncer.
É inacreditável me sentir tão inteira. Vejam que não falo de dores físicas, mas sim de uma tranqüilidade que normalmente me acompanha.
Minha cabeça respondeu muito bem a toda esta confusão que vivi.
Fui surpreendida esta semana com uma pergunta que sequer tinha me ocorrido:
Como vai tua luta contra o câncer?
Como senão tivesse estudado a lição de casa, não sabia o que responder.
Fiquei parada por um tempo, e depois respondi que estava indo tudo bem.
Mentira.
Eu não me sinto mais lutando contra ninguém e nem contra nada. Conscientemente, já resolvi esta fase, não tenho a mínima chance de admitir que ainda esteja no ringue.
Já desci, e faz tempo. Meu braço já foi levantado, e a vitoria já faz parte da minha história: Game over.
Vejam que isto não afasta dos meus pensamentos, aqueles medos que tanto falo.
Mas são medos novos, são medos que qualquer ser humano sentiria, após passar por este tipo de provação.
Nunca pensei, e nem penso em morte. As coisas que eventualmente me assustam, é o sofrer e fazer sofrer.
Mas tenham a certeza, que dores, mau humor, cansaço, vontade de jogar tudo para o alto, tristezas e muitos outros sentimentos ruins, acompanham qualquer ser racional, doente, ou não.
Para sentir tudo isto, somente uma exigência é necessária: ESTAR VIVO
Eu estou viva! E que venham estes sentimentos pequenos, porque cada vez estou mais forte para combatê-los.
Se em alguns momentos a depressão me alcança, eu sei que ela vai embora e são por isto, que tranqüilizo todos vocês.
A partir do momento que aceitamos que faz parte do viver, termos altos e baixos, nossa luz interior reaparece e o brilho da vida sopra com muita mais força em nossa direção, imprimindo um caminhar firme e seguro, sempre à frente.











Sinta seu poder. Entenda o sentido da diferença. De pedaços, reconstrua o todo.
Do escuro traga a luz cheia de cores.
Do estranho, busque o familiar.
Está a maravilha do imprevisível, do menos óbvio.
Coragem: Incite as diferença.
Set/2001














SABEDORIA: VIRTUDE FUNDAMENTAL PARA O APRENDIZADO

Há pouco mais de um ano, eu fiz o exame que mudou a minha vida. Vocês fazem idéia o quanto em qualidade de vida eu ganhei?
Descobrir o câncer precocemente, eu sei, pode parecer nada de mais.
A gente se pergunta inicialmente, para que isto, se na verdade, mesmo passando por todo o tratamento, ainda assim "seremos sempre portadoras de neoplasia de mama".
No entanto, se soubermos antes que ele se manifeste em nosso organismo por inteiro, temos tempo de alinhar nossa mente e nossa alma e nos prepararmos para passar por tudo que vem pela frente, com muito mais equilíbrio emocional
A gente aprende muitas coisas.
Fisicamente, nosso corpo ainda não está tão debilitado pela doença e por isto reage muito melhor a toda a química que ver por ai.
Superei seis sessões de quimioterapia radicais, sem nenhuma pausa e sem internações.
Meus leucócitos sentiram muito o baque da medicação, mas consegui me recuperar a cada 21 dias.
Meus cabelos caíram, mas todos caem. Eu sabia que eles renasceriam mais fortes (só nunca imaginei que eles seriam crespos).
Fiquei sem cílios, sem sobrancelhas, sem qualquer tipo de pelo, se é que me entende.
Fiquei literalmente despida.
Engordei. Por um lado isto significa que não parei de comer, o que é bom nesta situação, de enjôo e de mal estar por todo o corpo.
O legal é que mesmo um ano e meio depois, a gente ainda se permite chorar, ficar triste, sentir dor, sentir pena do próprio corpo, sentir raiva, e continuar dia após dia, evitando o desanimo, optando sempre pela vida.
Neste período, foi inevitável, desanimar, às vezes. Quando tudo parece estar indo para o melhor, vem um herpes zoster, vem um resfriado mais forte, vêm exames e mais exames, descolamento de retina, laser e mais laser.
Mas o que resolve para mim, e pensar que já passei o pior, e que o pior que ainda poderia acontecer, é a própria morte. Mas esta, a gente aprende muito fácil e rápido, a não temê-la.
Vamos combinar que não é tão ruim assim, perto de tantos sofrimentos que a gente presencia no mundo.
Não falo só de doenças estranhas ou de doenças crônicas. Falo de violência, de gente que sofre e morre pela loucura praticada por seres iguais.
Pois é. Um ano e alguns meses já se passaram. Foi tão rápido que às vezes, parece que vou reencontrar, a qualquer momento, minha vida antiga. Meus velhos sonhos.
Tenho saudades de me sentir importante, indispensável em meu trabalho. Ter o poder, ter influência, ter reconhecimento. Poder ajudar financeiramente, ao invés de ser ajudada.
Mas quando bate esta nostalgia, tenho que comandar meu cérebro, para focar na essência da vida e não na sua materialidade.






Ainda não terá chegado tua hora, se tiveres no fundo de teu coração, aquela vontade de fazer, de crescer, de olhar, de ensinar, de aprender, de amar, de poupar, de pensar no futuro de tua família, mas principalmente de pensar no teu futuro.
Enxergo-me a frente. Firme e forte.
Abril/2010


















UM POUCO MAIS DE NOSTALGIA

Agora tenho mais tempo, para curtir coisas que eu vivi, e sem perceber, perdi ao longo da minha vida.
Algumas coisas escritas no passado trazem para o presente a certeza de que nossa vida é um livro aberto para Deus, todo rascunhado, sujeito a pequenas oscilações.
E muito engraçado o jeito que nos colocamos à frente da vida.
Nascemos sabendo que não temos a eternidade pela frente, mas vivemos se esquecendo disto.
De repente, um susto, nem sendo obrigatoriamente uma doença, traz você para o real.
Coloca você frente a sua finitude. Mesmo virando a página, leva você a voltar alguns capítulos e valorizar ainda mais aquilo que já foi vivido.
Ganhei uma prorrogação. Consciente disto, dentro dos limites do meu corpo, tenho saboreado cada momento.














Na verdade não sei como, mas contínuo ao teu lado, como uma mistura de água e leite.

Sozinhos tão diferentes, mas juntos se transformam em um só.

Tornam-se mais fracos, mas nem por isto menos coerentes, compreensivos, maleáveis.

Não tenho dúvida: eu sou água que se modifica a cada corante.
Pura, clara e cada vez mais transparente com o passar dos anos.

São misturas de elementos tão diferentes, que confere aos relacionamentos a verdadeira experiência da elasticidade, da tolerância, e como não poderia deixar de ser: da combustão.

Esta, obedecendo ao ritmo do relógio do coração, perde a força e se transforma, rapidamente, em cinzas

Julho/2010













RESILIÊNCIA


Que rica experiência esta, que faz com que, assim como os metais, a gente retorne a forma original, mais forte, mais apaixonante, mais preparada para vida.
Cada vez mais o meu corpo aprendeu uma linguagem única. Sinaliza o que é irregular, enquanto que minha alma produz o néctar necessário para amenizar as dores, suavizar o sofrimento e aparar arestas.
Cada ferida, cicatriz, e até aqueles quilos a mais, representa a prova da luta incansável para voltar a viver.
Representa que nada é ao acaso, e que nestes três anos a minha participação, foi de atriz principal.
Não carrego mais a máscara da vítima do destino, porque na verdade, ter a possibilidade de protagonizar esta historia,é uma dádiva divina.




HORA DE ESQUECER

Mas no sábado, tudo se transforma.
Amanhece ela é hora de contar histórias. Os aromas do passado começam invadir o presente.
Risadas, momentos vivenciados, estilos.
Palavras invadem os espaços apertados entre sotaques do mundo, transformando o cotidiano da semana, em um domingo especial.

Sitio do Vô Bimbo
Em alguma data em que estava realmente feliz.














Hoje, prefiro encher meus dias de vida, do que minha vida de dias. Mas estou certa, que é muito mais fácil falar, escrever, do que efetivamente fazer.
É por isto, que neste momento dou uma pausa. Vou amornar um pouco esta historia particularmente verdadeira, e vou me dedicar a registrar, coisas escritas muito antes destes dias.
Coisas que tem pouco de realidade, masque pelo menos me afastam da metáfora que o câncer representa: síntese do mal e do incurável. Do diagnóstico fatalista.
São coisas minhas coisas para meus filhos meus sobrinhos, coisas de medo, coisas de amor, coisas sem sentido, coisas que guardei comigo 50 anos.
Espero tirar de você alguns suspiros, de satisfação ou tédio. Alguns sorrisos, algumas lágrimas. Não importa.
O que importa é tocar o coração e fazer pensar, e mudar uma atitude, é se apaixonar por outro ou definitivamente se apaixonar por nós mesmos.
Todos estão convidados para esta viagem, e enquanto ela não me começa retrato a verdadeira alegria de ter conquistado até aqui, mais uma vitoria: a vida





MINHA FAMÍLIA


Já dizia Martha Medeiros:
" Dentro de um abraço é sempre quente, e sempre seguro. Dentro de uma abraço, não se ouve o tic-tac dos relógio e, se faltar luz, tanto melhor.Tudo o que você pensa e sofre, dentro de uma abraço se dissolve."
Minha querida família: eu ainda acrescentaria que um abraço tem um poder de reencontrar trilhas, de oferecer força para uma nova vida, tem o poder mágico da cura.
O abraço de vocês por anos a fio, me deu e me dá forças para me auto declarar, uma exímia adestradora de vidas, já que estou lidando com uma, que é arriscada, cheia de tropeços e insiste em me testar diariamente;
O abraço de vocês fez com que eu deixasse de procurar a felicidade nos lugares errados. Procuro levar uma vida feliz de riso e beleza. Tenho o prazer, como finalidade de vida;
O abraço de vocês alimentou minha alma, colocou na minha frente um grande escudo formado pelas orações, pelo amor, pela doação, pela força, pela certeza de vocês na minha capacidade de superação;
O abraço de vocês me dizia todos os dias, o quanto acreditavam em mim. E este acreditar fez com que eu lutasse, para não decepcionar, para não fraquejar, para sair vitoriosa; e principalmente para que eu acreditasse em mim mesma.
O abraço de vocês fez e sempre fará toda a diferença na minha vida. Mais do que as ajudas financeiras que foram muitas, mais do que a procissão de fé incansável , mais do tantos colos que eu ganhei neste caminho, eu sabia que cada degrau, tinha um de vocês atrás de mim, caso eu resolvesse voltar. O revezamento era intenso e cobertura então, nem se fala.
O abraço de vocês me devolveu a auto-estima, fez com que eu me sentisse uma mulher ativa, me incentivando, há ocupar meu tempo com trabalhos de prazer diário.
O abraço de vocês e suave, terno, calmo, quase invisível, e é por isto que hoje dedico um forte abraço a todos vocês e agradeço a Deus por tê-los à frente da minha vida.
Obrigado por tudo e para sempre.
Dez/2011














A casa está quieta. A brisa sopra lá fora. O pé de ipê amarelo, perto do meu quarto, acaricia a minha janela com leve tique-tique.
È primavera. Um bem estar me abraça por inteiro. O horizonte não anula os limites, as fronteiras.
Pelo contrário, ele cria uma nova linguagem para eternizar a vida.
Todo o cenário se recompõe das longas chuvas e longos dias de frio.
Nossas vidas são invadidas por novos desafios, novas esperanças.
Tudo mais doce. Tudo mais gostoso. Simples assim.
Antigo e novo se misturam, quando o mundo corre atrás do tempo que sempre falta.
Mas o que será que o futuro me reserva?
Seja o que for, estou cheia de energia para gastar com alegrias ou tristezas. Confio em Deus, por ele saber o quanto de merecimento me cabe.
Set/1985


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