Pátria

July 4, 2017 | Autor: Ana Pinto-Coelho | Categoria: Cultural History, Identity (Culture), Macau, Aeronautics, Macau studies, History of Aeronautics
Share Embed


Descrição do Produto

16 JTM | OPINIÃO

Terça-feira, 31 de Março de 2015

I-Uma longa viagem na “idade heróica” F

oi em 1924 que aqui chegou o “Pátria”. Com toda uma história de esforço e determinação, vale muito a pena recontá-la nos dias de hoje. É feita de vontade, de alguma teimosia e de uma verdadeira mostra do que é lutar contra ventos e marés, quando tudo parece estar contra nós desde o primeiro minuto. E, mesmo assim, entre o saber esperar, o desespero, o sentimento de impotência e tantos outros, o facto é que se chegou ao destino, esse longínquo destino. Este é o exemplo do que é uma Odisseia, cheia de episódios que nos fazem rir, outros que nos assustam e ainda outros que nos conseguem enervar. Porque tantas são as situações, as burocracias típicas daquela época em Portugal, as más vontades que ainda hoje mancham o mundo, até a casmurrice de um S. Pedro que nunca por nunca esteve pelos ajustes desde o primeiro dia. Quaisquer outros homens, que não fossem estes, teriam certamente desistido. Mas não foi assim! E, por tudo isto, temos esta história para contar sobre o que realmente foi, tanto à época como ainda hoje, um feito heróico. Chamo-lhe assim mesmo, porque é mais que justo! Estas crónicas que vos vão chegar nas próximas semanas, são baseadas em obras que incluem, sempre que possível, pistas até agora desconhecidas sobre esta viagem. Também juntei outros elementos de valor histórico que, dispersos aqui e ali, permaneciam quase ignorados, perdidos em arquivos privados, em colecções particulares e lojas de alfarrabistas. O critério de investigação, e na impossibilidade de recorrer a testemunhos pessoais directos, baseia-se nos relatos escritos pelos principais protagonistas da viagem, nomeadamente no livro “De Portugal a Macau”, da autoria de um dos nossos “personagens principais”, Sarmento de Beires. Este livro foi publicado pela primeira vez em 1925 pela editora Seara Nova. Contudo, alguns dos textos que vão ser referidos, são extraídos da terceira edição publicada no Porto no ano de 1968. A razão de escolha do livro “De Portugal a Macau” deve-se ao facto de constituir o melhor testemunho da viagem. Escrito na primeira pessoa, ao correr da pena e ainda a quente, quase sem tempo – ou mesmo sem tempo – para reflectir sobre os acontecimentos. Aqui vamos poder ler o que se consegue saber, até hoje e ao máximo, sobre esta viagem, transmitindo todos os episódios de que há conhecimento. Estes estão presentes em duas obras, o livro que foi escrito por um dos protagonistas da aventura, o já citado Sarmento de Beires, e na obra “Na esteira do Pátria – 75 anos depois” do autor Henrique Henriques-Mateus, por mim editada em 1999. Em conjunto, são pérolas que devem ser lembradas, pois contêm factos a que os jornais nem sempre se referem, que reforço agora com pesquisas feitas up-to-date na internet. Quanto à escolha da terceira edição do Sarmento de Beires, esta prende-se com o facto do “Na Esteira do Pátria”

DE PORTUGAL A MACAU A BORDO DO “PÁTRIA” Ana Pinto-Coelho*

já o ter feito, transformando-o no seu “livro de combate”, pelo simples facto de esta ser a edição mais completa, onde se incluem factos e notas que não existiam nas edições anteriores. Esta história vai ser contada tendo por base o relatório da viagem, também com várias edições, escrito por Brito Pais (outro dos protagonistas) que, originalmente, foi lido numa sessão pública feita aqui em Macau em honra dos aviadores. Estas três fontes foram, por sua vez, secundadas por documentos inéditos e artigos publicados em jornais e revistas da época, sobretudo portugueses. Quanto ao muito que se escreveu sobre esta viagem na imprensa estrangeira da época, conseguiram-se escassos elementos, muito embora tenha sido feita por mim uma procura em hemerotecas de vários países, que muito embora se tenham esforçado por ajudar, pouco ou nada conseguiram encontrar. Pelo menos nada de muito interessante e que justifique ter aqui alguma relevância. Fica no entanto esta ressalva, de que provavelmente muito poderia ser acrescentado a esta história, dado que é certo o impacto que a esta Odisseia teve na altura e o que foi comentado um pouco por todo o Mundo na imprensa internacional que existia à época. Estamos a 91 anos de distância. Invocar o voo de Brito Paes, Sarmento de Beires e Manuel Gouveia até este então tão longínquo Macau, feito através de regiões inóspitas, algumas das quais nunca antes atravessadas pelo voo de qualquer avião, é invocar um tempo aventureiro. Um tempo em que voar, fosse para onde fosse, era um mergulho no desconhecido e quase sempre um risco de vida ou morte. Fizeram a viagem confiando num aparelho que, apesar de “rijo” para a época – era assim que os pilotos do tempo dos grandes raids os viam -, hoje em dia afigura-se de uma fragilidade incontestável com um motor ainda das primeiras gerações que, apesar de já muito evoluído (se comparado com os anteriores a 1914), conservava uma fiabilidade pouco recomendável. Não é difícil imaginar! No caso deste avião em particular, que fez a viagem Portugal-Macau, o motor que o equipava foi extraordinário, respondendo sempre bem a tudo quanto dele se exigiu e com excelente comportamento. E isto, apesar de ser um modelo na altura já com seis anos, feito para equipar um aparelho de bombardeamento destinado a um cenário de guerra europeu, com uma autonomia de voo bastante reduzida. Ou seja: não estava, na sua concepção, a ideia de fazer grandes distâncias. Este motor ainda existe, seccionado, e faz parte do espólio do Museu do Ar em Alverca. Posto isto, acrescente a ideia do quão longe ficava Macau na cabeça dos portugueses, principalmente nes-

Um tempo em que voar, fosse para onde fosse, era um mergulho no desconhecido e quase sempre um risco de vida ou morte

sa altura. Imagine-se um tempo onde dar a volta ao Mundo a bordo de um avião não passava de um sonho. E disparatado. Alguns que escrevem sobre história da aviação chamam-lhe simplesmente “o tempo dos exploradores”, “idade heróica”, outros “aqueles que apostaram tudo aos comandos de um

“coucou” (ou seja, de um “calhambeque”). Foi assim que Pelletier Doisy apresentou o “Pátria” a um correspondente do jornal “A Época”. Já na altura, o avião pareceu-lhe muito antiquado e inapropriado para o fim que lhe destinavam: chegar a Macau! *Investigadora. Passa a escrever neste espaço às segundas-feiras.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.