PATRIMÔNIO CULTURAL DE CABOCLO Diretrizes para intervenções no aglomerado urbano do sertão de Pernambuco

Share Embed


Descrição do Produto

PATRIMÔNIO CULTURAL DE CABOCLO Diretrizes para intervenções no aglomerado urbano do sertão de Pernambuco

UNIVERSIDADE FERERAL DE PERNAMBUCO | CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO | DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO

PATRIMÔNIO CULTURAL DE CABOCLO Diretrizes para intervenções no aglomerado urbano do sertão de Pernambuco

Capa: Otoniel Fernandes

TRABALHO DE GRADUAÇÃO Aline Galdino Bacelar

ORIENTADOR Silvio Mendes Zancheti

Recife, 09 de outubro de 2006

DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado a minha família Aos meus pais Galdino e Deise Ao meu amor Wellington Bacelar Aos meus irmãos Anderson e Asenath

AGRADECIMENTOS

A Silvio Zancheti pela orientação e incentivo, Aos professores que contribuíram com minha formação, A Maria Carolina Galdino pela acolhida, A Fernanda Gusmão, Humberto Magno e Carvalho Pinto pelo apoio, A comunidade de Caboclo, Prefeitura de Afrânio, Comissão de Revitalização do Caboclo, Agência Condepe/ Fidem, IPHAN, FUNDARPE e Instituto arqueológico, histórico e geográfico de Pernambuco pela cooperação, E aos meus amigos pela compreensão e apoio.

APRESENTAÇÃO

“Patrimônio Cultural de Caboclo: Diretrizes para intervenções no aglomerado urbano do sertão de Pernambuco”, foi elaborado pela aluna Aline Galdino Bacelar sob a orientação do Prof. Silvio Mendes Zancheti, que, gentilmente, ofereceu conselhos e orientações durante esta etapa importante da formação acadêmica. Esta é a etapa final do Trabalho de Graduação, que tem por objetivo a conclusão da graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco. Trata-se de um estudo sobre os valores patrimoniais do povoado de Caboclo, município de Afrânio, no estado de Pernambuco e apresenta diretrizes para intervenções que assegurem a autenticidade do sítio histórico.

SUMÁRIO Introdução

02

Objeto de Estudo

02

Objetivo

02

Justificativa

03

Metodologia

04

Os conceitos

05

Valores Patrimoniais

06

Autenticidade

08

Intervenção patrimonial

09

Localização e características do território

11

O processo histórico de ocupação

16

Povos nativos

17

Fazendas de gado

19

Valores patrimoniais de Caboclo

23

Valores materiais

24

Valores imateriais

42

Intervenções no sítio histórico de Caboclo

46

Intervenções em edifícios particulares

47

Intervenções em edifícios e espaços públicos

63

Valores x Intervenções

74

Diretrizes de intervenção

84

Conclusão

92

Referências Bibliográficas

94

Patrimônio Cultural de Caboclo

INTRODUÇÃO

objeto de estudo

O povoado de Caboclo, pertencente ao município de Afrânio sertão do São Francisco, no Estado de Pernambuco. Este território está localizado no extremo oeste do Estado de Pernambuco, no sertão nordestino, distante 829 km do Recife. É uma área de caatinga e o relevo varia do plano ao ondulado. A região do vale do São Francisco teve uma formação urbana peculiar, caracterizada principalmente pela pecuária extensiva. O estudo da ocupação humana do sertão nordestino foi realizado através da análise das marcas do território que evidenciam as diferentes fases desse processo civilizatório do sertão pernambucano.

objetivo

Pretende-se identificar os valores patrimoniais de Caboclo. Este estudo englobará tanto o patrimônio material – os valores históricos, culturais, paisagísticos, urbanísticos e arquitetônicos, bem como o patrimônio imaterial – toponímia, festas religiosas, culinária e famílias. Como objetivo secundário, serão propostas diretrizes para intervenções que garantam a autenticidade dos valores patrimoniais identificados de Caboclo.

aline galdino bac elar

| 2

Patrimônio Cultural de Caboclo

justificativa

A paisagem entendida como o resultado da intervenção humana sobre a natureza, associa as pessoas ao lugar, criando laços afetivos a partir de sua linguagem. A história dos elementos da paisagem resume vários diálogos da história dos homens. Portanto, a linguagem da paisagem é composta de ações humanas ou gestos, ou textos. Spirn

O desejo de realizar um trabalho sobre Caboclo, surgiu desde que o visitei pela primeira vez, em 2003. Sempre fui questionada sobre a razão de querer fazer um trabalho de graduação a respeito de Caboclo tão longe de Recife, tão longe de casa - mas não adianta explicar aos que não tiveram a oportunidade de conhecer aquele lugar, tão especial. Ao chegar, pela primeira vez em Caboclo, encontrei um lugar cheio de histórias, belas paisagens e uma riqueza cultural enorme. Uma verdadeira viagem no tempo. Ruas sem asfalto, casario construído no século XVIII, árvores centenárias, lagoas com águas medicinais e muitas lendas contadas pelos mais antigos moradores. Mas algo me preocupava. Caboclo, que parecia parado no tempo, no meio do sertão, está sofrendo diversas intervenções, sem, contudo, haver nenhum instrumento normativo que as guiasse. Falta a Caboclo um levantamento conciso de seus valores patrimoniais, valores históricos, paisagísticos, urbanísticos e arquitetônicos, que então possam

subsidiar

diretrizes

de

intervenção,

mantenedoras

da

autenticidade do sítio histórico. Por esta razão, a necessidade de proteger um sítio histórico, com a significação cultural de Caboclo, representativo de parte da história do Nordeste e, por que não, do Brasil, exige medidas que garantam a proteção deste bem.

aline galdino bac elar

| 3

Patrimônio Cultural de Caboclo

metodologia

Para alcançar os objetivos delineados, identificar os valores patrimoniais e, propor diretrizes para intervenções no patrimônio cultural de Caboclo, foi estabelecida uma abordagem, que seguirá um roteiro conforme explicitado abaixo: Primeiro, foi desenvolvido um estudo sobre os conceitos fundamentais utilizados neste trabalho que são, entre outros, o de: - Valores patrimoniais; - Autenticidade; - Intervenção patrimonial. Esta análise teve por base o texto de Alois Riegl – O culto moderno dos monumentos, as Cartas Patrimoniais (Carta de Burra e Carta de Brasília) e o Documento de Nara (UNESCO), que trata da autenticidade do patrimônio cultural. Em seguida, foi feita a análise dos valores em Caboclo, valores materiais e imateriais, através de visitas de campo e fontes de informação (fontes físicas, escritas, orais e figurativas), o que torna possível conhecer a natureza, especificidade, significado e história do patrimônio cultural. A terceira etapa foi analisar as intervenções em Caboclo, utilizando como ferramenta, a análise direta de campo e as entrevistas com os responsáveis por estas intervenções, arquitetos e moradores. A quarta etapa reuniu todos os conceitos e práticas estudados, que subsidiaram uma análise sobre os Valores x Intervenções e avaliar o grau de autenticidade, através dos critérios da UNESCO. Por

último,

este

documento

apontará

recomendações

de

intervenção no patrimônio cultural de Caboclo. A proposição de diretrizes para intervenção foi, na verdade, o resultado do cruzamento da observação direta sobre o objeto estudado e o referencial teórico adotado. Essas diretrizes levarão em consideração os valores autênticos do lugar.

aline galdino bac elar

| 4

OS CONCEITOS

Os conceitos a seguir foram escolhidos por serem pontos cruciais na formação da análise crítica do objeto estudado – o povoado de Caboclo. Este estudo não tem como finalidade discorrer detalhadamente sobre os princípios, criar novas teorias ou mesmo perpetuar conceitos. O intuito é de demonstrar o desenvolvimento das idéias que foram postas em prática na proposição de diretrizes de intervenção, um dos objetivos deste trabalho.

Patrimônio Cultural de Caboclo

valores patrimoniais

Numa época de emergência de uma nova obsessão pela memória, é importante uma análise crítica sobre o que preservar e distinguir nos objetos, edifícios e monumentos os valores que justificam sua salvaguarda. Com a análise crítica do historiador de arte Alois Riegl, em seu livro O culto moderno dos monumentos históricos: sua essência e gênese, sobre a noção de monumento histórico a partir de valores de que foi investido no curso da história, elucidaram-se os critérios e objetivos da preservação. Riegl

faz

o

inventário

e

estabelece

uma

nomenclatura

pertinente. Sua análise é estruturada pela oposição de duas categorias de valores. Uns, ditos “de rememoração”, são ligados ao passado e se valem da memória. Outros, ditos “de contemporaneidade”, pertencem ao presente (CHOAY, 2001). Os valores de rememoração abrangem três outros: o histórico, o de rememoração intencional e o de antiguidade. O primeiro é, na acepção de Riegl, o mais abrangente. “(...) Chamamos histórico tudo o que foi e, hoje, não é mais. Podemos ainda adicionar a esse termo a idéia de que o que foi não poderá jamais se reproduzir e constitui um elo insubstituível

e

intransferível

de

uma

cadeia

de

desenvolvimento. Em outros termos: toda etapa supõe um antecedente sem o qual não poderia ter existido. A noção de desenvolvimento

está

precisamente

no

centro

de

toda

concepção moderna de história. Para nós, atualmente, toda atividade humana ou todo destino do qual nos resta um testemunho pode postular um valor histórico: no fundo, cada acontecimento histórico é insubstituível.” (apud PEIXOTO e VICENTINI, 2004) Ao valor histórico, interessa a integridade do monumento, sem que tenham sido alteradas suas características. Portanto, ele permite e até solicita o trabalho de recuperação e restauro, garantindo a sua perenidade como fonte histórica. Quanto ao valor de rememoração intencional, Riegl observa que grande parte dos monumentos desse valor sucumbiu à medida que o

aline galdino bac elar

| 6

Patrimônio Cultural de Caboclo

tempo passa, ou seja, as gerações posteriores se distanciaram daquelas que os produziram. O valor de antiguidade diz respeito à idade do monumento e às marcas que o tempo não pára de imprimir, e é logo percebido por todos. Costuma provocar um sentimento de piedade em relação aos velhos edifícios e objetos, o sentimento da passagem do tempo. “Sua vocação é a inalteração do monumento, deixando-o cumprir o seu destino,

transformando-se

em

ruína,

pedras

e

pó”

(PEIXOTO

e

VICENTINI, 2004). A segunda categoria de valores é a de contemporaneidade, que atendem às nossas expectativas enquanto obra nova. Estes valores incluem dois outros: o valor de uso e o de arte, ou artístico. “O valor de uso refere-se aos edifícios e às obras antigas que continuam a ser utilizados” (PEIXOTO e VICENTINI, 2004), ou seja, refere-se às condições materiais de utilização prática dos monumentos, o que, muitas vezes, requer intervenções para continuar tendo seu valor de uso. Por isso, Choay diz que “A ausência de valor de uso é o critério que distingue do monumento histórico tanto as ruínas arqueológicas, cujo valor é essencialmente histórico, quanto a ruína, cujo interesse reside fundamentalmente” na antiguidade. (CHOAY, 2001) Quanto ao valor artístico, Riegl o divide em dois. O primeiro deles é o valor artístico relativo que refere-se àquelas “(...) obras artísticas antigas que continuou acessível à sensibilidade moderna” (CHOAY, 2001). Com esse conceito de valor relativo da arte, Riegl descrê dos cânones absolutos e eternos da obra de arte. A partir do historicismo do século XIX, chega ao fim a hegemonia do neoclássico, como modelo de arte, admitindo, agora, outras manifestações e estilos artísticos, “(...) relacionado ao tempo, às crenças e aos valores da época em que foram realizadas” (PEIXOTO e VICENTINI, 2004). O segundo é o valor de novidade, que segundo Choay, diz respeito à aparência fresca e intacta dessas obras, fruto de uma atitude milenar, que atribui ao novo uma incontestável superioridade sobre o velho. (CHOAY, 2001). O valor de novidade está relacionado à forma, às cores e à integridade dos objetos, qualidades presentes nos monumentos e mais acessíveis ao grande público, porém encontra no valor de antiguidade seu mais ferrenho opositor. Segundo Choay, a análise de valores de Riegl, não se esgota na criação de uma classificação, apenas, mas ela é valiosa por revelar as

aline galdino bac elar

| 7

Patrimônio Cultural de Caboclo

exigências simultâneas e contraditórias dos valores de que o monumento histórico foi cumulado ao longo dos séculos. Os valores não são absolutos, mas cada caso deve ser analisado levando em consideração o estado do monumento e o contexto social e cultural em que se insere.

autenticidade

O significado da palavra autenticidade está intimamente ligado à idéia de verdade. Segundo a Carta de Brasília, “Autêntico é o que é verdadeiro, o que é dado como certo, sobre o qual não há dúvidas. (...) Nos encontramos diante de um bem autêntico quando há correspondência entre o objeto material e seu significado” (CARTA DE BRASÍLIA, 1995). De acordo com o Documento de Nara, “(...) a principal contribuição fornecida pela consideração do valor de autenticidade na prática da conservação é classificar e iluminar a memória coletiva da humanidade” (DOCUMENTO DE NARA, 1994), visto que, no mundo globalizado e homogeneizado que vivemos a busca por uma identidade cultural, normalmente, suprime a cultura das minorias. Visto

que

a

conservação

do

patrimônio

cultural

está

fundamentada nos valores atribuídos a esse patrimônio, a capacidade de aceitar estes valores depende, em parte, do grau de confiabilidade conferido ao trabalho de levantamento de fontes e informações a respeito do patrimônio. A autenticidade é, portanto, o principal fator de atribuição de valores. Conhecermos e compreendermos estes levantamentos de dados a respeito da originalidade dos bens, assim como de suas transformações ao longo do tempo, constituem requisitos básicos, segundo a UNESCO, para que se tenha acesso a todos os aspectos da autenticidade, tais como: - Forma e desenho; - Materiais e substâncias; - Uso e função; - Tradições, técnicas e sistemas de gerenciamento; - Localização e cenário (entorno); - Linguagem e outras formas de patrimônio intangível; - Espírito e sentimento; - Outros fatores internos e externos. (UNESCO, 2005)

aline galdino bac elar

| 8

Patrimônio Cultural de Caboclo

O emprego destas fontes de pesquisa permite delinear as dimensões específicas do bem cultural que está sendo examinado, como as artísticas, históricas, sociais e científicas.

intervenção patrimonial

As formas de intervir no bem patrimonial são várias e, segundo a Carta de Burra1, podem ser classificadas em cinco categorias: 1. Conservação: é uma intervenção num bem, que tem por objetivo preservar-lhe as características que apresentem uma significação

cultural.

A

conservação

implicará

ou

não

a

preservação ou a restauração, além da manutenção, podendo compreender

ainda,

obras

mínimas

de

reconstrução

Significação cultural designa valor estético, histórico, científico ou social de um bem para as gerações passadas, presentes ou futuras.

ou

adaptação. Ela prevê sua futura destinação, que deverá ser compatível para o bem, ou seja, aquelas que implicam a ausência de

qualquer

modificação,

modificações

reversíveis

em

seu

conjunto ou modificações cujo impacto sobre as partes da substância que apresentam uma significação cultural seja o menor possível. A conservação de um bem exige a manutenção de um entorno visual apropriado, no plano das formas, da escala, das cores, da textura, dos materiais etc. 2. Preservação: é a manutenção no estado da substância de um bem e a desaceleração do processo pelo qual ele se degrada, no caso em que a própria substância do bem, no estado em que se encontra,

oferece

testemunho

de

uma

significação

cultural

específica. A preservação se limita à proteção e à manutenção, na falta de dados que permitam realizar a conservação sob outra forma.

1 A Carta de Burra foi um documento redigido no encontro do ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, na Austrália, em 1980. Ela fornece normas e procedimentos sobre as várias formas de intervenção. Foi utilizado aqui, o livro organizado por Isabelle Cury, que reúne todas as cartas patrimoniais.

aline galdino bac elar

| 9

Substância refere-se ao conjunto e materiais que fisicamente constituem o bem.

Patrimônio Cultural de Caboclo

3. Restauração: é o restabelecimento da substância de um bem em um

estado

anterior

conhecido,

e



é

permitida

se

o

restabelecimento desse estado conduzir a uma valorização da significação cultural do referido bem. A restauração deve servir para mostrar novos aspectos em relação à significação cultural do bem, se baseando no princípio do respeito ao conjunto de testemunhos disponíveis, e deve parar onde começa a hipótese. As contribuições de todas as épocas deverão ser respeitadas. 4. Reconstrução:

é

o

restabelecimento,

com

o

máximo

de

exatidão, de um estado anterior conhecido. É caracterizada pela introdução de materiais diferentes, sejam novos ou antigos. Ela só é aceita nos casos em que constituir condição única de sobrevivência

de

comprometida

por

um

bem

desgastes

cuja

integridade

ou

modificações,

tenha ou

sido

quando

possibilite restabelecer ao conjunto de um bem uma significação cultural perdida. A reconstrução deve estar bem fundamentada em

testemunhos

materiais

e/ou

documentais.

As

partes

reconstruídas devem poder ser distinguidas do restante do conjunto. 5. Adaptação: é o agenciamento de um bem a uma nova destinação (uso), sem acarretar prejuízo sério a sua significação cultural.

aline galdino bac elar

| 10

LOCALIZAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO TERRITÓRIO

As cidades são produtos de sua localização relativa. Produtos de localizações que possuam alguma qualidade estratégica. LANDON WHITE E GEORGE RENNER

Patrimônio Cultural de Caboclo

No estudo da localização de uma cidade temos que levar em consideração a sua posição ou situação geral geográfica e a sua posição ou situação local topográfica (CASTRO, 1948). Segundo Josué de Castro, a

situação

geral

geográfica

leva

em

consideração

as

‘conexões

estabelecidas entre o organismo urbano e os fundamentos geográficos da região, dentro da qual a cidade se encontra enquadrada, assim como as conexões dessa região com o resto do mundo’.

Figura 1 | Mapa da região Nordeste com o estado de Pernambuco e o município de Afrânio em destaque. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar.

Figura 2 | Mapa da Região do São Francisco com o município de Afrânio e o povoado de Caboclo em destaque. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de mapa da Agência CONDEPE/ FIDEM.

aline galdino bac elar

| 12

Patrimônio Cultural de Caboclo

Partindo desse primeiro fundamento fisiográfico, Caboclo está localizado no extremo oeste do estado de Pernambuco, contornado pela Serra dos Dois Irmãos e a Serra do Caboclo (Figura 3). Atualmente, Caboclo é um povoado do município de Afrânio, fazendo divisa, ao norte com o estado do Piauí, ao sul com o estado da Bahia, a leste com Petrolina e Dormentes e a oeste com o estado do Piauí (Figuras 1 e 2). Por localizar-se, estrategicamente, próximo aos estados do Piauí e Ceará, e ao mesmo tempo, no caminho para o sul da região nordeste – a Bahia, Caboclo tem uma grande importância histórica, pois foi um dos primeiros núcleos de povoamento da região, já que no final de século XVII e início do XVIII, fazia parte da ‘‘Travessia Velha’’ - os tropeiros que vinham das províncias do Piauí e Ceará, em demanda à Passagem do Juazeiro e Bahia.

Figura 3 | Vista de Caboclo inserido na paisagem, cercado, ao fundo, pela Serra de Dois Irmãos. Fonte: Foto da Comissão de Revitalização do Caboclo.

Como a construção da estrada de ferro – PT (Petrolina – Teresina), em 1926, foi deslocada 9 km de Caboclo, na fazenda Inveja, hoje Afrânio, o povoado parou no tempo, conservando suas principais características originais. A conexão com o centro urbano mais próximo – Afrânio - é feito pela PE-635, que vai de Afrânio até Dormentes, está asfaltada e bem conservada e a sinalização facilita a chegada ao povoado. De Petrolina, vem pela BR 407, até Afrânio e de lá até Caboclo, pela PE 635.

aline galdino bac elar

| 13

Patrimônio Cultural de Caboclo

O

segundo

fundamento

fisiográfico,

o

da

situação

local

topográfica, fica evidenciado a dependência da paisagem natural que lhe forneceu os elementos indispensáveis ao seu assentamento, tais como os recursos hídricos, a topografia, o clima e a vegetação2. Pode-se destacar como atrativos para a fixação da comunidade no local, os recursos necessários para a prática da pecuária, os pontos úmidos em meio à aridez do sertão. Caboclo possui diversas cacimbas e caldeirões, que se transformaram em ponto obrigatório de parada para os viajantes (tropeiros), que seguiam com o gado desde o Piauí e o Ceará em direção a Bahia (Figuras 4 e 5). Conforme Jacionira Silva: “Em cada aguada, distante uma da outra quanto o gado pudesse avançar na aridez da caatinga, instalava-se um curral, organizava-se uma feira, pontilhando a terra do índio com as marcas do colonizador invasor” (SILVA, 2003). Quanto aos aspectos econômicos, essa região fazia parte da

Figuras 4 e 5 | Lagoas de águas magnesianas em meio a vegetação da caatinga. Serviam de pontos de parada para o gado. Fonte: Foto da Comissão de Revitalização do Caboclo.

“Travessia Velha” desde o final do século XVII e XVIII. Cita Sebastião Galvão, em seu Dicionário Chorographico, que em virtude da Lei Provincial nº 601, de 13 de maio de 1864, Caboclo foi sede de Paróquia (GALVÃO, 1927). Apesar de ter sido sede de Paróquia, o povoado nunca prosperou e ainda hoje continua, praticamente, com sua primitiva feição, fazendo parte do município de Afrânio. Até o começo do século XX, Caboclo atuava como ponto de entroncamento do principal caminho que interligava essa região à Petrolina, com o caminho que, vindo de Cachoeira do Roberto, se dirigia rumo a Ouricuri. Até 1919, o povoado gozou de relativo desenvolvimento,

Cachoeira do Roberto, antes território do município de Petrolina, é, hoje, distrito de Afrânio, que junto com Caboclo e Santa Fé, tornaram-se pontos de parada para os viajantes dos sertões da Província.

todavia com a implantação da estrada de ferro Petrolina - Teresina (Figura 6), e o estabelecimento do núcleo de Afrânio, na então Fazenda Inveja, o contingente populacional do povoado foi, gradativamente, sendo atraído para a nova povoação que estava sendo criada. Com o passar dos anos, cada vez mais, foi se consolidando o núcleo de Afrânio, em detrimento ao de Caboclo, que marginalizado em face da estrada de ferro, foi entrando em decadência. A restrita e permanente dimensão urbana de Caboclo denota a estagnação econômica e social do povoado. A economia volta-se, 2 Os fatores de situação local funcionam como elementos de fixação da cidade, enquanto que de sua situação geral resultam os fatores de progressão ou crescimento (CASTRO, 1948).

aline galdino bac elar

| 14

Figura 6 | Vista da antiga Estação ferroviária de Afrânio. Fonte | Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

Patrimônio Cultural de Caboclo

sobretudo para as culturas de subsistência, atendendo à pequena população permanente, visto que a população cresce apenas uma vez, durante os festejos do final do ano. Dentre as culturas de subsistência enumeram-se, a mandioca, o feijão, e na criação, o rebanho caprino.

aline galdino bac elar

| 15

O PROCESSO HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO

Entre uma caatinga e outra, há sempre campos; de certas árvores, que não perdem as folhas, aproveita-se a rama para alimentar a gadaria contra o flagelo das secas. CAPISTRANO DE ABREU

Patrimônio Cultural de Caboclo

os povos nativos

A ocupação do território sertanejo, que foi efetuada, sobretudo, por meio dos rios transformados em caminhos de água, dava início à história da conquista de territórios através do povoamento com as fazendas de gado, da dominação dos indígenas reduzidos em missões religiosas

catequizadoras

e

das

“guerras

justas”

provocadas

por

vantagem do aprisionamento e posterior venda do índio, aproveitados como mão-de-obra escrava na criação de gado e outras benfeitorias (BARBOSA, 1991). No período pré-histórico, a região do povoado de Caboclo, bem como todo o sertão do São Francisco, era ocupada por tribos indígenas. Apesar de não ter identificado com exatidão qual a tribo que ali habitava, sabe-se que eles cercavam as lagoas formadas com água da chuva, até hoje existentes nas proximidades de Caboclo, com pedras empilhadas formando uma muralha (Figura 7).

Figura 7 | Resquício da muralha de pedra em torno da lagoa. Fonte: Foto de Aline Galdino, em 09-08-2006.

“Inicialmente,

as

aldeias

indígenas

onde

os

padres

se

estabeleceram, foram denominadas de “reduções”, porque nelas os índios eram reduzidos à fé e à civilização” (BARBOSA, 1991). Só depois o termo missão passou a ser usado para referir-se a ação evangelizadora dos

aline galdino bac elar

| 17

Patrimônio Cultural de Caboclo

missionários jesuítas, franciscanos e capuchinhos, já em andamento em 1645. Foram os capuchinhos bretões que instalaram os primeiros aldeamentos. O caso de Caboclo foi um pouco diferente, pois, por se tratar de uma região bastante seca, com apenas afluentes sazonais durante o verão, os índios não se fixaram ali, procurando lugares mais propícios para se estabelecer, tais como às margens de rios de águas perenes, uma vez que a água constituía-se num elemento de difícil obtenção em toda a região do sertão pernambucano (BARBOSA, 1991). De fato, ao longo do rio São Francisco e, especialmente nas suas ilhas, existiram diversas missões religiosas que, com o passar do tempo, deram origem a importantes núcleos urbanos. Embora o povoado de Caboclo não tenha passado por esta forma de ocupação do território – as missões – seu traçado urbano se assemelha ao de muitas aldeias-missões. A missão era rigorosamente planejada e constituía-se numa unidade urbano-rural de área de trinta a quarenta léguas em quadra ou em círculo, segundo o número de habitantes

e

qualidade

da

terra

(BARBOSA,

1991).

As

missões

alcançaram o sertão de Pernambuco na segunda metade do século XVII e foram destruídas ou extintas durante o final do século XVIII e século XIX, muitas hoje estão em ruínas e outras foram reformadas para utilização da Igreja contemporânea. A presença de religiosos missionários em Caboclo se deu de forma esporádica, através das chamadas “Santas Missões”, que era a visita de missionários por várias povoações, realizando diversos atos religiosos, tais como a realização de casamentos, batizados, procissões, bem como reformas e construções nas igrejas. Neste período, Caboclo já era ocupado por famílias brancas e ricas, proprietários de terras e criadores de gado (caprinos). Portanto, os índios que um dia habitaram em Caboclo, há muito, haviam sido expulsos de lá, sendo ocupado pela Fazenda Caboclo, que deu origem àquela povoação composta das famílias mais tradicionais da região. O processo de expulsão dos índios pelos grupos colonialistas, em especial os fazendeiros e vaqueiros, deixou marcas no povoado de Caboclo e em toda a região do vale do rio São Francisco (Figura 8).

aline galdino bac elar

| 18

Figura 8 | Tipo do vaqueiro que habitava o sertão, administrando as terras e o gado dos grandes proprietários latifundiários, que, em sua maioria, não viviam em suas terras.

Patrimônio Cultural de Caboclo

fazendas de gado

A ocupação do sertão pernambucano, bem como da Bahia e Piauí, deveu-se principalmente ao pastoreio (pecuária), empurrado pela monocultura do açúcar que, nos séculos XVII e XVIII era a atividade mais lucrativa e por isso protegida pela metrópole. Num primeiro momento a cana limitou a ocupação colonizadora ao litoral, faixa estreita, mas fértil (PORTO, 1959). Porém, com a crise do açúcar, no século XVIII, o exclusivismo primitivo se perdeu, o que possibilitou o surgimento de uma nova força – a civilização do “sertão da terra” – partilhando a liderança da vida econômica e social do nordeste. São duas realidades que se complementam: canavial e pastoreio, litoral e interior, senhor-deengenho e vaqueiro, casas grandes e currais. Portanto, foi o ciclo do pastoreio, ou pecuária, a principal fonte de espraiamento no trecho que vai do médio São Francisco à bacia do Parnaíba, nos limites do Piauí com o Maranhão. Vários fatores foram favoráveis para que isso acontecesse, um deles era a caatinga, que servia de incentivo para a prática da pecuária. Ao contrário das matas, mais próximas ao litoral, que dificultavam a fixação do gado, o sertão possuía vastas extensões livres, ou com vegetação rasteira, que era, nas palavras de Capistrano de Abreu, “hospitaleira” (apud PORTO, 1959). Por outro lado,

do

ponto

de

vista

da

penetração

povoadora,

a

caatinga

representava um entrave, conforme afirma Teodoro Sampaio: “só o gado pôde, primeiro, trilhar a caatinga” (apud PORTO, 1959). A penetração do território pernambucano se deu tanto por colonizadores pernambucanos como pelos baianos. Os pernambucanos se concentraram mais no avanço ao norte, pelo próprio litoral, e ao sul, também pelo litoral, até alcançar a foz do Rio São Francisco e subindo por ele, no atual estado de Alagoas. Enquanto isso, os baianos foram responsáveis pelas entradas em direção ao sertão, tanto baiano como pernambucano, bem como pela margem esquerda do São Francisco, até ultrapassá-lo, penetrando em território pernambucano, indo até o Piauí, conforme mostra o mapa a seguir (Figura 9). Portanto, a penetração do território pernambucano se deu pelas margens de rios, transformados em caminhos de água.

aline galdino bac elar

| 19

Patrimônio Cultural de Caboclo

LEGENDA Penetração baiana Penetração pernambucana

Figura 9 | Mapa da região Nordeste com os caminhos da penetração baiana e pernambucana. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de dados do Inventário do Patrimônio Cultural de Pernambuco – IPAC, 1985.

Teve início a ocupação do Sertão dos Rodelas, pelas entradas de reconhecimento organizadas por volta de 1560 e pelas bandeiras de preamento, sucedidas por expedições militares, nos primeiros anos do século XVII. Essas expedições eram organizadas pelo poder público ou privado ou ainda pelo consórcio de ambos. Quando um colono realizava uma bandeira às suas custas, ele poderia posteriormente requerer benefícios em troca do empreendimento, o que significava, muitas vezes, doações de sesmarias. Portanto, a existência de uma população nativa na região do sertão pernambucano levou à Coroa Portuguesa a criar e autorizar uma sucessiva publicação de leis e decretos com o propósito de manter o controle político-econômico da colonização. Estas leis e decretos reais

aline galdino bac elar

| 20

Sertão dos Rodelas foi como a região do médio São Francisco, inicialmente, depois metade do Nordeste, ficou conhecida até metade do século XVIII. O étimo Rodelas, segundo a versão mais aceita, provinha de uma cachoeira existente nas proximidades da confluência do Pajeú e designaria um prestigiado chefe de tribo situada na margem baiana do São Francisco, denominação que se estendeu à própria tribo. À medida que se estendia territorialmente, o sertão dos Rodelas foi perdendo a ligação com a identidade dos grupos nativos da região, sendo reduzido para sertão de Rodelas, um lugar somente, não o sertão dos nativos Rodelas.

Patrimônio Cultural de Caboclo

nomeavam, distribuíam poderes, doavam terras (sesmarias), cobravam impostos entre outros meios de manter o controle e domínio sobre a terra, a população em geral e a produção (BARBOSA, 1991). Apesar das entradas de reconhecimento já em andamento desde o século XVI, a ocupação realmente ocorreu, entretanto, através das sesmarias, tendo sido o São Francisco ocupado parte pela Casa da Torre de Garcia d'Ávila e parte pela Casa da Ponte, de Antonio Guedes de Brito. O primeiro Garcia D’Ávila, precursor dos sertões pernambucanos, chega com a comitiva do Governador Geral Tomé de Souza e apossa-se das terras em 1573, sendo mais de 70 léguas entre o rio São Francisco e o Parnaíba no Piauí. Pouco a pouco o gado trazido pelas caravelas foi introduzido nos sertões através das doações de grandes sesmarias. Garcia d’ávila e seus sucessores montaram em fins do século XVI e por todo o século XVII os currais pelas margens do São Francisco e seus

Garcia d'Ávila, patriarca da família, chegou à Colônia com o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, de quem recebeu sesmaria, iniciando sua criação com duzentas cabeças de gado. Os d'Ávila tornaram-se grandes proprietários de terra e ficaram conhecidos como os senhores da Casa da Torre, por habitarem uma construção imponente em forma de castelo, cujas ruínas ainda demonstram a sua grandiosidade.

afluentes, inclusive na região onde hoje está o povoado de Caboclo. Ao contrário dos engenhos de açúcar, que demandavam muitos equipamentos e mão-de-obra, o que requer muitos recursos, a pecuária não tinha tantas exigências. Segundo Bartira Barbosa, “a instalação dos currais primitivos resumia-se na construção do curral deixando-se em cada um deles um casal de escravos, dez novilhas, um touro e um casal de eqüinos. Basicamente a produção de cada curral se compunha de carne, couro e animais utilizados para abastecer os engenhos de açúcar da Bahia e de Pernambuco, necessitados de carne para a alimentação da população dos engenhos e do gado para o transporte da cana de açúcar e acionamento das engenhocas. O couro ficava reservado para a fabricação do vestuário do vaqueiro sertanejo, portanto, era consumido na própria região” (BARBOSA, 1991). Aos poucos, os povos nativos foram sendo expulsos, para dar lugar as extensas fazendas de gado, grande parte delas, pertencentes à Casa da Torre dos Garcia d’Ávila. Ora, a forma como Garcia d’Ávila ocupou o sertão foi portanto abusiva. Ocorreu então a sobreposição de contextos culturais – o dos grupos colonialistas, vaqueiros e missionários, sobre o das populações indígenas. Similarmente, a povoação de Caboclo surgiu a partir de uma fazenda de gado, Fazenda Caboclo, pertencente ao Capitão Valério Coelho Rodrigues, que vindo de Portugal, instalou-se no Piauí, tornando-se grande

fazendeiro,

pois



em

1789

possuía

mais

14

fazendas,

espalhadas tanto no Piauí como em Pernambuco. O capitão Valério Coelho

aline galdino bac elar

| 21

Figura 10 | Os d'Ávila tornaram-se grandes proprietários de terra e ficaram conhecidos como os senhores da Casa da Torre, por habitarem uma construção imponente em forma de castelo, cujas ruínas ainda demonstram a sua grandiosidade.

Patrimônio Cultural de Caboclo

Rodrigues e sua esposa Domiciana Vieira de Carvalho domiciliaram-se na Fazenda Paulista, origem da atual cidade de Paulistana - PI. Valério Coelho Rodrigues teve 16 filhos, entre eles Valério Coelho Rodrigues Filho, que passou a morar na Fazenda São João, atual cidade de Afrânio (BARBALHO, 1982). Um dos primeiros habitantes de Caboclo foi Inácio Rodrigues de Santana, filho de José Rodrigues Coelho e neto do Capitão Valério Coelho Rodrigues. Inácio casou-se com Cristina Maria Fernandes e seus descendentes habitaram em Caboclo e constituíram uma das famílias mais tradicionais da região. Por volta de meados do século XIX, a povoação de Caboclo alcançou certo desenvolvimento e destaque, chegando a ser sede de paróquia. Pela Lei Provincial nº 601 de 13 de maio de 1864, a sede da freguesia de Santa Maria Rainha dos Anjos, que corresponde a Petrolina, passou “a denominar-se freguesia do Senhor Bom Jesus da Igreja Nova, ficando elevada à categoria de Matriz a capela que sob a invocação do Senhor existe na povoação de Caboclo” (LEIS PROVINCIAIS apud FIAM/ CEHM, 1994). Assim os termos desta lei determinavam a transferência da sede da matriz para Caboclo e, consequentemente, o rebaixamento de Petrolina à categoria de povoação. De acordo com Tereza Serejo, “tendo em vista que, durante o período imperial, Igreja e Estado encontravam-se unidos, acreditamos que todas estas mudanças da sede da freguesia provavelmente traduziram uma disputa de poder entre os proprietários rurais da região, numa época em que não havia ainda um núcleo urbano que se sobrepusesse aos demais” (SEREJO, 1979).

aline galdino bac elar

| 22

VALORES PATRIMONIAIS DE CABOCLO

Patrimônio Cultural de Caboclo

PATRIMÔNIO MATERIAL

O conjunto dos bens patrimoniais materiais compreende a paisagem de Caboclo, com seus elementos naturais e culturais, e o povoado de Caboclo. Visto os conceitos que fundamentarão esta análise, pode-se identificar e avaliar os valores patrimoniais autênticos de Caboclo, que são: os valores paisagísticos, urbanísticos e arquitetônicos.

valores paisagísticos

Caboclo está localizado numa região bastante árida do sertão nordestino, bem próximo do Estado do Piauí. Não há nenhum rio perene que abasteça a região, pois o Rio São Francisco passa muito distante dali, por isso a região é bastante seca, sendo o povoado abastecido, apenas por um açude, Açude Bom Princípio e alguns riachos temporários (Figura 11). Por estar estabelecida em uma planície, o cenário urbano de Caboclo é logo percebido, desde a estrada (PE 635), como o conjunto de elementos naturais e construídos, estando estes dois, muito pouco

Figura 11 | Açude Bom Princípio. Única fonte de abastecimento d’água do povoado. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar, tirada em 10-12-2005.

modificados ao longo do tempo. A paisagem natural é composta pela vegetação da caatinga, as lagoas magnesianas, a Serra de Dois Irmãos ao fundo e a Serra do Caboclo em frente ao povoado (Figuras 12, 13 e 15). Da Serra do Caboclo, onde está colocado o cruzeiro dos Freis Capuchinhos, tem-se uma vista geral do conjunto magnífica, alcançando até as maiores lagoas mais afastadas do conjunto urbano (Figura 14). Verifica-se o valor da paisagem de Caboclo, também através das visadas e cenários possíveis logo na entrada do povoado. O acesso, que é feito através de uma rua tortuosa, ladeada pelo casario do início do século XX, parece conduzir-nos ao espaço mais marcante do povoado, o largo com casario ao redor e a Igreja de N. Sr. do Bonfim. O valor desta paisagem está no fato de o povoado de Caboclo ter preservado o mesmo ambiente do século XIX. As pequenas casas, de arquitetura vernacular, sem nenhum elemento excepcional, compõem um cenário harmonioso e, até certo ponto, grandioso, devido às proporções do largo, que se transforma no principal elemento urbano do povoado.

aline galdino bac elar

| 24

Figuras 12 e 13 | Vegetação da caatinga, predominante em Caboclo e lagoas formadas com água da chuva que ficam nas proximidades do povoado.

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figura 14 | Vista do alto da Serra do Caboclo, onde se pode admirar o começo do chapadão da Serra de Dois Irmãos ao fundo. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

Figura 15 | Vista do alto da escada externa de acesso ao coro da Igreja, onde se pode admirar a Serra de Dois Irmãos ao fundo. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

aline galdino bac elar

| 25

Patrimônio Cultural de Caboclo

valores urbanísticos

Os valores urbanísticos são dois, o histórico e o artístico. O primeiro é o mais importante, no caso de Caboclo, por ter preservado o traçado urbano original. Segundo o Inventário do Patrimônio Cultural do Estado de Pernambuco – IPAC, seu traçado é típico de muitas povoações que surgiram no nordeste brasileiro no século XVIII e XIX. Essas povoações se formaram a partir de uma capela que abre espaço a um amplo largo em torno do qual surgem os primeiros casarios, que continuam a se espraiar pelos caminhos de acesso (FUNDARPE, 1985) (Figuras 16 e 17).

Figuras 16 e 17 | Igreja de Nosso Senhor do Bonfim e largo a direita da Igreja. Fonte: Fotos de Carvalho Pinto e da Comissão de Revitalização do Caboclo.

Figura 18 | Mapa do povoado de Caboclo, demonstrando seu traçado urbano do século XIX. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

aline galdino bac elar

| 26

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figuras 19 e 20 | Parte do casario em torno do largo. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em janeiro de 2003.

Segundo Antônio Padilha, a Igreja do Senhor Bom Jesus do Bonfim foi construída em 1817 por Roberto Ramos da Silva, que identificou Caboclo como um dos poucos povoamentos no interior da região de Petrolina no início do século XIX (PADILHA, 1982). A Igreja atuou como centro polarizador do povoado e foi em torno dela que surgiram as edificações, formando um grande largo, do seu lado direito (Figuras 19 e 20).

aline galdino bac elar

| 27

Patrimônio Cultural de Caboclo

Em frente à Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, voltada para oeste, abre-se a principal e quieta rua do povoado. É uma via tortuosa, de chão batido, que franqueia acesso a uma série de pequenas ruas, becos e travessas que desembocam no largo da Igreja (Figura 21). O segundo valor citado está no conjunto urbano primitivo, em torno do largo. O casario data, predominantemente, do século XIX e início do XX, com apenas duas edificações do século XVIII preservadas (Figura 22). Isto mostra que, assim como muitas outras povoações do sertão nordestino, a existência de um pólo atrativo, como a Igreja, impulsionou a povoação de Caboclo (Figura 26). Destaca-se também o conjunto urbano a esquerda da Igreja, que antes da construção das casas que formam uma pequena quadra (Figura 23), constituía o segundo largo do povoado, menor que o principal, mas bastante interessante, pois dava maior destaque ao monumento principal do povoado, a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim (Figura 24). Este conjunto é predominantemente do início do século XIX,

Figura 21 | Rua tortuosa de acesso ao povoado – Caboclo, Afrânio. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

apesar de alguns vazios ou descontinuidade ao longo daquele século.

Largo maior é formado por conjunto urbano mais antigo

Figura 22 | Únicas casas restantes do século XVIII. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

Largo menor ocupado por construções em seu meio. Figura 24 | Mapa demonstrando a configuração urbana dos dois largos. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

O conjunto é bastante harmonioso, devido à unidade do gabarito, a técnica construtiva empregada, os elementos decorativos (ou a ausência deles) e o volume dos telhados. Porém, algumas casas possuem elementos decorativos e a própria largura da edificação/ lote que as diferenciam do restante do conjunto. Outra característica das

aline galdino bac elar

| 28

Figura 23 | Conjunto de casas construídas na década de 60 do século XX, que se localiza no meio do antigo largo. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

Patrimônio Cultural de Caboclo

casas que pertenceram às famílias mais importantes da região é que estas eram as únicas que possuíam calçada na frente, feita de ladrilho. São exemplos disso a Casa da família Cavalcanti Ramos e a antiga residência e loja do Capitão Jubilino Coelho de Macedo (Capitão Idobe) (Figura 25). Atualmente, o povoado de Caboclo, se destaca por configurar, basicamente, o traçado urbano que lhe deu origem, guardando também a sua escala original e a feição quase integral do casario que o compõe. Uma das principais características do sítio histórico de Caboclo é a sua unidade, isto é, “cada elemento do conjunto adquire valor somente quando relacionado aos outros elementos. Em geral, não existem elementos individuais de valor excepcional, a não ser algumas exceções. O valor do conjunto dos bens está na estrutura que ele forma. O que rege é o valor da relação e não o valor das características dos bens” (FURTADO et all, 2003). Embora o povoado não tenha passado por um processo forte de desenvolvimento, que normalmente traz grande expansão urbana e populacional, percebe-se uma expansão urbana, especialmente a partir

Figura 25 | Acima, a Casa da família Cavalcanti Ramos e, abaixo, antiga residência do Capitão Idobe. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

da década de 90 do século XX, com a construção de novas casas no sentido noroeste, nordeste e ao longo da PE 635. Essa expansão alterou a configuração urbana tradicional, casario em volta do largo e via tortuosa, dando espaço para novas ruas, ainda em processo de transformação/ consolidação (Figura 26).

LEGENDA RODOVIA ESTADUAL RUAS PRINCIPAIS RUAS SECUNDÁRIAS (em formação) CENTRO IRRADIADOR

Figura 26 | Ao lado, mapa demonstrando a Igreja como centro polarizador do povoado e a formação de novas ruas. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

aline galdino bac elar

| 29

Patrimônio Cultural de Caboclo

O conjunto urbano que vem crescendo ao longo da PE 635, na saída do povoado, é o que mais difere do tipo comum encontrado em Caboclo (Figuras 27 e 28).

Figuras 27 e 28 | A esquerda, formação de novas ruas e casas na expansão noroeste e ao lado, expansão ao longo da PE 635. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

Estas casas são de alvenaria de tijolos industrializados e não de adobe como a maioria das casas do povoado, possuem reboco de cimento e areia, os telhados normalmente apresentam cumeeira perpendicular à rua, bem como possuem elementos da arquitetura moderna nas fachadas, como as platibanda. De modo geral, as demais casas construídas pelos novos moradores, por se localizarem atrás das edificações mais antigas, e por serem térreas, não interferem tanto na paisagem do sítio histórico. Elas ocuparam o entorno do sítio de forma espontânea e fragmentada. Essa fragmentação ou descontinuidade na disposição das edificações se dá porque a região possui vários afloramentos rochosos que impossibilitam a continuidade das casas (Figura 29).

Figura 29 | Afloramentos rochosos entre conjuntos de casas. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

aline galdino bac elar

| 30

Patrimônio Cultural de Caboclo

Acontece em Caboclo um fenômeno bastante interessante, o esvaziamento do povoado na maior parte do ano, vindo a ser ocupado apenas em dias de festa, como a do padroeiro do povoado. Percebe-se, através do mapa, que a maior parte das casas desocupadas está em volta do largo, enquanto que as ocupadas se localizam mais a noroeste do largo e ao longo da PE 635 (Figura 30).

LEGENDA EDIFICAÇÕES OCUPADAS EDIFICAÇÕES DESOCUPADAS

Escala Gráfica

A tabela abaixo demonstra o percentual de ocupação das casas em comparação com o total existente no povoado (Figura 31). Valor Absoluto

%

54

24,2

Casas Desocupadas

169

75,8

Total

223

100,0

Casas Ocupadas

aline galdino bac elar

Figura 30 | Mapa demonstrando casas do povoado ocupadas o ano inteiro. Fonte | Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

Figura 31 | Tabela demonstrativa dos percentuais das casas ocupadas e desocupadas. Fonte: Elaborada por Aline Galdino Bacelar.

| 31

Patrimônio Cultural de Caboclo

Para a melhor compreensão da formação urbana do povoado de Caboclo, segue abaixo uma representação cartográfica com o provável desenvolvimento do conjunto urbano (edificações e espaços públicos). O primeiro momento representado inclui as edificações e caminhos existentes até o final do século XIX (Figura 32). O segundo mapa representa o povoado de Caboclo até 1985 do século XX, quando o núcleo do povoado ainda se concentrava em volta do maior largo (Figura 33). O terceiro mapa apresenta o desenvolvimento de Caboclo até os nossos dias (Figura 34). Os mapas foram elaborados a partir de levantamento da época das edificações, realizado em 1984, pela equipe da FUNDARPE e através de levantamento de campo realizado em 2005 e 2006.

aline galdino bac elar

| 32

Patrimônio Cultural de Caboclo

EVOLUÇÃO URBANA | SÉCULO XIX

Escala Gráfica

LEGENDA CAMINHOS EDIFICAÇÕES EXISTENTES

Figura 32 | Mapa mostrando a configuração urbana do povoado no final do século XIX. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

aline galdino bac elar

| 33

Patrimônio Cultural de Caboclo

EVOLUÇÃO URBANA | SÉCULO XX (até 1985)

Escala Gráfica

LEGENDA CAMINHOS EDIFICAÇÕES SÉC. XIX

Figura 33 | Mapa mostrando a configuração urbana do povoado no século XX, até 1985. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

aline galdino bac elar

| 34

Patrimônio Cultural de Caboclo

EVOLUÇÃO URBANA | SÉCULO XXI

LEGENDA RODOVIA ESTADUAL EDIFICAÇÕES SÉC. XIX EDIFICAÇÕES SÉC. XX E XXI (após 1985) Figura 34 | Mapa mostrando a configuração urbana do povoado nos dias atuais. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

aline galdino bac elar

| 35

Patrimônio Cultural de Caboclo

valores arquitetônicos

O casario datado do século XVIII, XIX e XX, cujo material empregado era o adobe, é exemplo da arquitetura vernacular. Foi possível identificar a época de construção das edificações a partir do

Adobe é um bloco de barro, maciço, seco ao sol, um pouco maior que o tijolo comum, usado na construção de casas rústicas.

levantamento feito pela FUNDARPE, conforme mapa em seguida (Figura 36). É possível perceber, portanto, que a maior parte das edificações mais antigas do povoado é do século XIX e início XX. O valor desta arquitetura está na unidade plástica e construtiva, contribuindo para a ambiência do povoado (Figura 35). A edificação, em geral, está em um lote longo e estreito. A fachada principal está alinhada com o limite do lote e o telhado em duas águas com cumeeira paralela ao menor lado da edificação. A maioria das casas tem portas e janelas com verga reta. A planta das edificações desenvolve-se em sentido longitudinal, sem recuos laterais, podendo apresentar recuo de fundos.

Figura 35 | Vista de parte do conjunto urbano tradicional, em torno do largo. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

Embora, desde 1990, novos conjuntos edificados começaram a surgir como resultado da expansão urbana, eles empregam um sistema construtivo similar, tijolos de adobe, a estrutura da coberta é simples, pois as linhas de madeira estão apoiadas diretamente na alvenaria e telhas de barro do tipo capa e canal. Uma das diferenças está no tipo de reboco utilizado, nas casas mais antigas ele é de cal, areia e barro, mas nas novas construções e mesmo aquelas do conjunto mais antigo que tiveram suas fachadas rebocadas na década de 90 do século XX, têm-se empregado reboco feito com cimento e areia.

aline galdino bac elar

| 36

O vernáculo é entendido como a construção elaborada segundo uma tradição secular, de origem colonial, que se transformou segundo uma regra tipológica relativamente constante. É a arquitetura de origem popular, cujo tipo foi mantido pelos mestres construtores ao longo dos séculos. (FURTADO et all, 2003).

Patrimônio Cultural de Caboclo

ÉPOCA DAS CONSTRUÇÕES

Escala Gráfica

LEGENDA SÉCULO XVIII SÉCULO XIX SÉCULO XX (até 1985) SÉCULO XX (após 1985) e XXI Figura 36 | Mapa mostrando a época das construções. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF e dados do IPAC.

aline galdino bac elar

| 37

Patrimônio Cultural de Caboclo

O valor histórico se destaca na Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, construída em 1817 (PADILHA, 1982), chegando a ser sede de paróquia, embora por um curto período, de 1864 a 1867, em virtude das Leis Provinciais nº 601, de 13 de maio de 1864 e nº 758, de 5 de julho de 1867 (LEAL, 1979). A Igreja é uma edificação isolada em uma das extremidades do largo, estando voltada para a entrada do povoado, como uma guardiã do Figura coro de Fonte Bacelar

conjunto de pequenas casas (Figura 37).

38 | Interior da Igreja e madeira, no fundo. | Foto de Aline Galdino em 09-08-2006.

Figura 37 | Fachada da Igreja com calçada e cruzeiro à frente. Fonte | Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

A Igreja possui nave única com coro acima da entrada, capelamor e sacristias laterais abertas para o altar-mor através de arcos (Figuras 38 e 40). As paredes laterais da nave apresentam pilares alternados por quatro espaços que poderiam caracterizar a intenção de aberturas, e futura ampliação da Igreja, através de naves laterais (Figura 39). O acesso atual do coro, que foi construído em 1908, é feito por escada externa. Apresenta altares laterais na nave e altar-mor em massa, com tratamento da época (FUNDARPE, 1985).

aline galdino bac elar

| 38

Figura 39 | Vista da parede lateral com pilares alternados por quatro espaços. Fonte | Foto de Humberto Magno em agosto de 2001.

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figura 40 | Altares laterais e altar-mor em massa. Fonte | Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

A fachada é composta por uma superfície quadrada, com cinco aberturas, três portas de acesso e duas janelas, na altura do coro. O frontão ondulado e com óculo está acima de uma linha de cimalha que contorna toda a edificação. A Igreja é toda rodeada por calçada, construída em 1908 juntamente com o coro e escada de acesso. Além do valor histórico e artístico, a Igreja possui valor de uso, pois continua sendo amplamente freqüentada, especialmente pelos mais velhos da comunidade, que todas as noites se reúnem nela para rezar. Devido ao valor de uso, a Igreja passou por várias intervenções, como troca do piso e da cobertura, para que continuasse tendo condições materiais de utilização (PEIXOTO e VICENTINI, 2004). Há uns poucos metros da Igreja, havia as ruínas do cemitério que foi erigido em 1833 e possivelmente, com a Igreja, formavam as edificações mais antigas do povoado. Porém, o cemitério foi transformado no Memorial do Caboclo, contribuindo para perda de valores históricos (Figura 41). Através de levantamento de campo, pode-se verificar que a totalidade das edificações é térrea, dando ainda mais destaque a Igreja e ao grande largo (Figura 42). Predomina o uso habitacional, embora muitas casas permaneçam, o ano inteiro, fechadas (Figura 43).

aline galdino bac elar

| 39

Figura 41 | Memorial do Caboclo construído em cima do primeiro cemitério do povoado. Fonte | Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

Patrimônio Cultural de Caboclo

GABARITO DAS EDIFICAÇÕES

Escala Gráfica

LEGENDA 1 PAVIMENTO 2 PAVIMENTOS

Figura 42 | Mapa mostrando o gabarito das edificações, onde a totalidade das edificações é térrea, com destaque para a Igreja. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF e dados do IPAC.

aline galdino bac elar

| 40

Patrimônio Cultural de Caboclo

USO DO SOLO

Escala Gráfica

LEGENDA COMÉRIO/ SERVIÇO

MISTO

CULTO

DESOCUPADO

HABITAÇÃO

RUÍNAS

Figura 43 | Mapa demonstrativo dos usos, onde se percebe a predominância de casas desocupadas, seguido do uso habitacional. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF e dados do IPAC.

aline galdino bac elar

| 41

Patrimônio Cultural de Caboclo

PATRIMÔNIO IMATERIAL O conjunto dos bens patrimoniais imateriais compreende, de forma complementar ao patrimônio material, a toponímia, famílias, festas e culinária. As expressões das tradições culturais dão identidade ao lugar e são fundamentais na relação afetiva entre os moradores e o povoado. Tudo isso reunido, compõe o Patrimônio cultural de Caboclo.

toponímia

A origem do nome Caboclo está ligada aos primeiros habitantes da região. Assim como todo o sertão de Pernambuco, o povoado já foi habitado por índios, que de modo genérico, são conhecidos pela denominação de caboclos bravos. Embora não tenha sido identificada qual tribo habitou, especificamente, aquela região, sabe-se que aqueles índios cercavam as lagoas, existentes nas proximidades do atual povoado, com pedras empilhadas. Bem antes de existir como povoação, o local era uma fazenda de gado, que se chamava Fazenda Caboclo e pertencia ao português Capitão Valério Coelho Rodrigues. Mais tarde, não só a fazenda ficou conhecida assim, mas toda a região que hoje é o município de Afrânio.

famílias

Os primeiros habitantes de Caboclo foram da família Rodrigues, descendentes do Capitão Valério Coelho Rodrigues, que residia na Fazenda Paulista, atual cidade de Paulistana. O Capitão Valério Coelho Rodrigues e sua esposa Domiciana Vieira de Carvalho foram “tronco de uma das maiores e das mais importantes famílias piauienses até os dias atuais – a Coelho Rodrigues -, com ramificações em todos os Estados do Nordeste, principalmente em Pernambuco e na Bahia, e também em alguns Estados do sul do país” (BARBALHO, 1982). Até os nossos dias, a

aline galdino bac elar

| 42

Patrimônio Cultural de Caboclo

família Coelho exerce muita influência em Petrolina, e seus descendentes revezam-se no poder municipal. Contudo, é uma ramificação da família Rodrigues que até hoje habita o povoado de Caboclo, são os Albuquerque Cavalcanti. Inácio Rodrigues de Santana, neto do Capitão Valério, e sua esposa foram os primeiros habitantes de Caboclo. Eles tiveram dois filhos, entre os quais Miquelina Rodrigues de Santana, que se casa com o pernambucano de Recife, Antônio Luis de Albuquerque Cavalcanti e Mello, constituintes das maiores ramificações familiares da região. Seus filhos e netos ocuparam importantes

cargos

moradores,

que foi

públicos

na

Miquelina,

região.

Contam

bisneta do

os

mais

antigos

Capitão Valério Coelho

Rodrigues, quem plantou um dos tamarindos seculares que ainda existem no largo do povoado. Embora, a maior parte dos descendentes destas famílias tenha saído de Caboclo, para ir morar, principalmente, em Afrânio (sede) ou Petrolina, alguns outros descendentes, com menor poder aquisitivo, continuam a morar lá. Quase todos os moradores possuem algum grau de parentesco, pois até hoje Caboclo é habitado pela mesma família, os Cavalcanti. Estas

famílias

fazem

parte

da

história

de

Caboclo

e

contribuíram para sua formação e desenvolvimento, até a construção da estrada de ferro Petrolina – Terezina, com estação em Afrânio, em 1926, quando muitos moradores do povoado mudaram-se para Afrânio.

Figura 44 | Foto tirada no dia da inauguração da estrada de ferro Petrolina – Afrânio, em Afrânio. Aqui está alguns dos antigos moradores de Caboclo, da família Cavalcanti. Fonte: Foto extraída de panfleto do Museu Pai Chico, Caboclo – Afrânio.

aline galdino bac elar

| 43

Patrimônio Cultural de Caboclo

festas

A religiosidade é uma característica marcante dos habitantes de Caboclo, desde gerações passadas, e até hoje perpetuadas. Há mais de 150 anos, Caboclo festeja o padroeiro do povoado, o Senhor do Bonfim. O novenário acontece de 23 de dezembro a 1º de janeiro e reúne familiares e antigos moradores, vindos de toda a região, especialmente de Petrolina e Afrânio. Durante os nove dias acontece missa e, em seguida, shows, circo, barracas com comidas típicas e feira de artesanato regional (Figuras 45 e 46).

Figura 45 | Movimento de pessoas e barracas em torno da Igreja, na festa do padroeiro, em Caboclo. Fonte: Foto de Cosme Cavalcanti.

Figura 46 | Grande concentração de pessoas na festa do padroeiro, em Caboclo. Fonte: Foto de Cosme Cavalcanti.

Quase

todos

os

meses,

acontecem

festas

religiosas.

Em

fevereiro, é a vez de Nossa Senhora dos Remédios. A tradição começou com três anciãs, que costumavam rezar terços de casa em casa do povoado. Atualmente, a antiga casa delas, foi transformada na Casa de Orações Nossa Senhora dos Remédios, que abriga a imagem da santa.

aline galdino bac elar

| 44

Patrimônio Cultural de Caboclo

culinária

No campo dos ofícios, destaca-se a produção do doce de leite e peta, tipo de biscoito feito à base de farinha de trigo. O doce é feito em barra e cremoso, enquanto a peta pode ter várias formas e desenhos. Em toda a região Caboclo é conhecido por estes produtos, que faz parte da economia local. O saber fazer é passado de geração em geração, garantindo a continuação do ofício. O doce de leite e a peta são feitos nas próprias casas dos moradores do povoado, de forma artesanal. Destacase, entre os moradores que fabricam os produtos típicos, Assis, Maria de Miguel, Bebela, Mariano e a Fazenda Baixa Bela, na zona rural (Figura 47).

aline galdino bac elar

| 45

Figura 47 | Barras de doces de leite produzidos no Sítio Baixa Bela – Caboclo, Afrânio. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

INTERVENÇÕES NO SÍTIO HISTÓRICO DE CABOCLO

Patrimônio Cultural de Caboclo

Apesar do povoado de Caboclo ter passado tanto tempo esquecido,

nos

últimos

10

anos,

ele

tem

passado

por

diversas

transformações, tanto nas edificações quanto no espaço público. Achouse importante relatar tais intervenções com o fim de avaliar o grau de autenticidade

dos

valores

patrimoniais

atuais

de

Caboclo.

Como

metodologia de descrição e análise dessas intervenções, iremos dividi-las em Intervenções em edifícios particulares e Intervenções em edifícios e espaços públicos. Chamamos de Intervenções em edifícios particulares aquelas realizadas nas casas de uso habitacional, com o propósito de “requalificálas” para as atuais necessidades dos seus moradores. Incluem-se nas Intervenções em edifícios particulares aquelas realizadas nas fachadas, porém, por sua relevância em atribuir valor ao sítio, será descrita separadamente. As Intervenções em edifícios e espaços públicos consistem na construção de novos edifícios, de uso público, dentro do sítio histórico, ou mesmo nos espaços públicos, como os largos.

intervenções em edifícios particulares

Ao longo do tempo, surgiram novas necessidades na vida dos moradores de Caboclo, o que os levou a fazer alterações internas nas casas. São, na maioria das vezes, obras de ampliação, remodelação das divisões internas, simples troca da coberta - troca das madeiras e telhas ou alteração dela (como mudança de inclinação e/ou direção das águas do telhado), colocação ou troca de piso e mudança de materiais construtivos originais pelos mais modernos. Através de visitas de campo e entrevistas, foi possível identificar algumas dessas intervenções que se caracterizam quase todas pela falta de conhecimento, dos seus moradores, de critérios de intervenção em um sítio histórico. São obras feitas na informalidade, principalmente porque seus proprietários são pessoas com baixo poder aquisitivo. Será utilizada uma metodologia de abordagem que apresentará tipos de intervenções realizadas nas edificações particulares, através de fotografias, desenhos esquemáticos e textos descritivos.

aline galdino bac elar

| 47

Patrimônio Cultural de Caboclo

1. Alteração tipológica O tipo predominante dos conjuntos urbanos mais antigos, do século XIX e início do XX, é a edificação estreita e comprida, cuja largura varia entre 2 e 6 metros, predominantemente, com alguns exemplares mais largos, chegando a 16 metros (Figura 49). A maioria das edificações

2

não possui recuos laterais, apenas recuo de fundo, portanto, com fachada principal alinhada com o limite do lote. 1

Figura 48 | Localização dos casos de intervenção estudados que alteraram a tipologia das edificações. Serão apresentados dois casos, conforme mapa acima. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

Figura 49 | Croqui demonstrando o tipo predominante em Caboclo. Fonte: Elaborado por Aline Galdino Bacelar.

As intervenções que alteraram a tipologia própria de Caboclo se caracterizam

pela

remembramento

e

desmembramento

de

lotes,

transformando-os em uma única edificação. Isso levou a alteração de proporções entre a largura e a altura da edificação, característica esta fundamental no conjunto urbano de Caboclo. Quanto à criação de recuos frontal e lateral que poderiam vir a descaracterizar o conjunto não foi encontrado nenhum exemplo nas edificações de uso residencial, apenas foi identificado um caso, a pousada, que se trata de edificação recente e será analisado posteriormente. Segue abaixo alguns exemplos:

CASO 1.1 | Antiga casa do Coronel Jubilino: Este é um caso em que houve o desmembramento de uma edificação em três outras, devido à divisão de herança (Figura 50). Esta era a casa do Coronel Jubilino Albuquerque Cavalcanti, grande fazendeiro da região. A edificação é um dos poucos exemplares do século XIX e seu valor está na imponência, dada sua largura excepcional, mais de 22 metros (Figuras 51 e 52).

aline galdino bac elar

| 48

Figura 50 | Croqui demonstrando o lote antes do desmembramento e depois, com a configuração atual de três lotes distintos. Fonte: Elaborado por Aline Galdino Bacelar.

Patrimônio Cultural de Caboclo

Nesta edificação, a mudança da tipologia alterou as proporções entre altura e largura. Foi dado um tratamento de pintura diferenciado para cada divisão de lote, nas cores vermelho, rosa e verde. O ritmo das aberturas foi alterado, pois ocorreram entaipamentos. Internamente, foi verificado que se trata de três edificações distintas. Um indício de que originalmente se tratava de uma única edificação, é a cimalha que percorre a fachada das três edificações. Outra prova é o volume de cobertura, que permanece único, da mesma altura e inclinação, indicando a composição original de uma única casa.

Figura 51 | Estas são as duas edificações desmembradas da edificação ao lado. Houve também entaipamento de uma abertura. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

Figura 52 | Esta é a terceira parte da edificação original, que resguarda ainda parte de suas proporções, como a extensa largura do lote. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

aline galdino bac elar

| 49

Patrimônio Cultural de Caboclo

CASO 1.2 | Casas nº 17 e 18: Neste caso fica mais evidente a alteração tipológica, pois foi totalmente perdido o ritmo das aberturas, descaracterizando o conjunto (Figuras 53 e 54). Com o remembramento de dois lotes, houve também entaipamento de aberturas como janelas, conforme figura abaixo.

Figura 53 | Fachada esquemática do casario ao redor do largo – trecho indicado no mapa ao lado. Fonte: Desenho elaborado por Aline Galdino Bacelar.

Figura 54 | Esta é outra edificação que resultou da junção de 2 lotes. Isto fica claro através de uma comparação entre o ritmo das aberturas predominante no conjunto e esta. Através do levantamento realizado pela FUNDARPE em 1984, esta edificação se tratava de 2 lotes separados. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

Além do entaipamento de algumas aberturas, o remebramento pode ser verificado através da comparação entre o levantamento da FUNDARPE e a cartografia atual do sítio, conforme croqui abaixo (Figura 55).

Figura 55 | Croqui mostrando antes e depois do remembramento. Fonte: Elaborado por Aline Galdino Bacelar.

aline galdino bac elar

| 50

Patrimônio Cultural de Caboclo

2. Mudança da cobertura. A coberta é um dos elementos constituintes do bem que merece atenção, pois sua conservação garante a durabilidade dele. Uma edificação com sua cobertura em bom estado de conservação é um 2

pressuposto para a sua integridade. Intervenções que descaracterizem a coberta,

seja

a

estrutura

ou

o

revestimento,

comprometem

a

autenticidade do bem. A permanência do mesmo material de coberta foi observada,

1

embora a troca das telhas e do madeiramento seja bastante comum nas casas do povoado. Tem ocorrido em grande escala a troca dos caibros roliços, mais antigos, pelos caibros serrados. A troca da estrutura de madeira e das telhas ocorre com bastante freqüência nas edificações particulares. Isso acontece por causa do desgaste do material pelo tempo e intempéries. Com a substituição do madeiramento, os antigos caibros roliços estão sendo substituídos por caibros serrados. Embora seja comum a troca tanto da estrutura do

Figura 56 | Localização dos casos de intervenção estudados que mudaram a coberta, tanto o madeiramento como as telhas. Serão apresentados dois casos, conforme mapa acima. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

telhado como das telhas, percebe-se a continuidade da inclinação e direção das águas do telhado. Os casos apresentados darão um testemunho destas intervenções.

CASO 2.1 | Antiga casa do Coronel Jubilino: A coberta representada abaixo passou pela troca total das telhas, sendo que foi utilizado o mesmo material, de barro tipo colonial (Figura 58). Parte do madeiramento foi trocado, apenas a água em direção a fachada da casa. Da cumeeira para trás, apenas as ripas foram trocadas, restando parte dos caibros roliços originais. A altura do telhado permaneceu a mesma, alinhada com os telhados vizinhos, conferindo ainda alguma harmonia ao conjunto urbano em torno do largo.

Figura 57 | Caso 1 - Edificação estudada para intervenções quanto à alteração tipológica e quanto à mudança da coberta. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

aline galdino bac elar

| 51

Patrimônio Cultural de Caboclo

Caibro serrado

Caibro roliço

Figura 58 | Exemplo de edificação que passou por troca da coberta. Parte das madeiras foi substituída, restando ainda caibros roliços, enquanto que as telhas foram todas trocadas. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

CASO 2.2 | Casa da família Cavalcanti Ramos: Este é um caso de troca total da coberta, tanto da estrutura de madeira como da cobertura (Figura 59). Porém, preservaram-se as linhas que se apóiam diretamente sobre as paredes (Figuras 60 e 61). Embora na maioria das casas mais antigas as paredes internas não alcancem o telhado, neste caso trechos de parede sobem até alcançar as linhas de madeira, dando apoio a elas. Além de função estrutural, as aberturas conseqüentes desta disposição permitem iluminar vários cômodos da casa. Conta a Srª. Maria Ramos Cavalcanti de Albuquerque, 83 anos,

Figura 59 | Caso 2 - Edificação estudada para intervenções quanto à mudança da coberta. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

que foi seu pai quem construiu as paredes internas desta forma, no começo do século XX.

Figuras 60 e 61 | A cima e ao lado, exemplo de edificação que passou por troca da coberta. Observam-se também os trechos das paredes que vão até a coberta. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

aline galdino bac elar

| 52

Patrimônio Cultural de Caboclo

3. Acréscimos sucessivos.

1

Estas intervenções, em sua maioria, consistem na construção de banheiros, cozinhas, lavanderias, etc. e por vezes exigem pequenos acréscimos, ou puxados. Serão apresentados dois casos de acréscimos,

2

um que não é perceptível ao observador que está na rua e outro que alterou o volume total da edificação, ficando visível desde o largo.

CASO 3.1 | Casa de Adália Albuquerque: Este é um caso de construção de puxados, para instalação de banheiro que está localizado nos fundos do lote, afastado da edificação principal (Figuras 64 e 65). Quanto ao material empregado, observa-se que foi utilizado o tijolo furado, industrializado, reboco de cimento e areia

Figura 62 | Localização dos casos de intervenção estudados com acréscimos, alterando a planta original. Serão apresentados dois casos, conforme mapa acima. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

e a cobertura é de telha canal. O acréscimo não é percebido a partir do largo, e por ser pouco volumoso não interfere na ambiência do conjunto urbano.

Figura 63 | Caso 1 - Edificação estudada para intervenções que sofreram acréscimos. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

Figura 64 | Exemplo de edificação que passou por troca da coberta. Parte das madeiras foi substituída, restando ainda caibros roliços, enquanto que as telhas foram todas trocadas. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

aline galdino bac elar

| 53

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figura 65 | Croqui mostrando a edificação com o acréscimo, inserida no lote. Fonte: Elaborado por Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

CASO 3.2 | Casa de Sebastião Ramos Cavalcanti (Paixão): A edificação escolhida para apresentar o caso das intervenções com acréscimos de área, que alteram a volumetria tradicional do conjunto urbano, era um simples depósito. A adaptação para uma residência aconteceu em 1939, quando seu proprietário executou algumas obras de melhoria na casa, como, por exemplo, a troca da coberta, a qual permanece até hoje em bom estado de conservação, com caibros roliços e cobertura em telhas de barro tipo canal. O programa original contava com 1 sala, 1 quarto, 1 cozinha e nos fundo, um quintal, conforme croqui abaixo (Figura 39). Ao longo do tempo, foram surgindo novas necessidades, e embora existisse área livre nos fundos do lote, visto que eles se

Figura 66 | Caso 2 - Edificação estudada para intervenções que sofreram acréscimos. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

caracterizam por serem longos, a ampliação se deu a esquerda do lote, avançando sobre uma área vazia, conforme croqui (Figura 68). O puxado, construído há 30 anos, consiste na construção de mais um quarto e de uma lavanderia nos fundos (Figura 67). O volume da coberta também foi alterado, pois foi acrescentado mais uma água, em direção ao fundo do lote, que cobre a área nova (Figura 69). Este exemplo trata-se não só de um simples acréscimo, mas também de uma mudança na tipologia padrão, ou seja, ao invés de existir uma edificação contida num lote estreito e longo, sem recuos laterais, o que há é um tipo estranho ao sítio, como pôde ser percebido no desenho abaixo (Figura 68).

aline galdino bac elar

| 54

Figura 67 | Exemplo de edificação que passou por troca da coberta. Parte das madeiras foi substituída, restando ainda caibros roliços, enquanto que as telhas foram todas trocadas. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figura 68 | Croqui do lote original mais o acréscimo. Fonte: Elaborado por Aline Galdino Bacelar.

Figura 69 | Pode-se perceber o volume da coberta alterado com o acréscimo de mais uma água voltada para os fundos do lote. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

4.

Mudança da substância. Entende-se

por

substância

o

conjunto

de

materiais

que

fisicamente constituem o bem. A substância confere valor ao patrimônio, pois é um dos parâmetros de autenticidade dele. Portanto, intervenções que alterem a substância de um bem podem também descaracterizá-lo. As

intervenções

de

mudança

da

substância

podem

ser

analisadas através de três partes da edificação: a estrutura e o revestimento. O

material

utilizado

na

estrutura

das

edificações

é

predominantemente o tijolo de adobe cru. No próprio povoado existe alguns moradores que produzem este tipo de tijolo, de forma artesanal. É na lagoinha que os moradores “batem” o tijolo e depois colocam para queimar (Figura 70). Mesmo

as

casas

construídas

recentemente,

pelos

novos

moradores do povoado, são feitas com tijolo de adobe. Porém, algumas casas, tanto em volta do largo como mais afastado dele, tem construído ou reformado suas casas com tijolos industrializados (Figura 71 e 72).

aline galdino bac elar

| 55

É nas margens da lagoinha que alguns moradores batem tijolo de adobe. Figura 70 | Mapa com a localização da lagoa conhecida como Lagoinha. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figura 71 | Casa sendo construída, por trás do largo, com tijolos industrializados. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

Figura 72 | Vista dos fundos de duas edificações, cujas fachadas são voltadas para o largo. Percebese a mistura de materiais numa mesma edificação. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

Quanto ao revestimento empregado, as edificações mais antigas não possuíam reboco nas fachadas, apenas as casas maiores e das famílias

mais

importantes

tinham

reboco

de

cal

(Figura

73).

Internamente, acontecia da mesma forma, as casas das famílias com maior poder aquisitivo eram rebocadas (Figura 74).

Figura 73 | Casas construídas na década de 90 do século XX, porém com o mesmo sistema construtivo e materiais de antigamente. Percebe-se que a casa a direita do conjunto acima não teve sua fachada rebocada, dando uma noção de como eram as outras casas antes da intervenção. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

aline galdino bac elar

| 56

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figura 74 | Edificação com reboco interno, demonstrando que, em sua maioria, apenas não apresentavam reboco na fachada. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

Desde 1995, tem havido mudanças no material de revestimento, especialmente a troca do reboco de cal pelo de cimento e areia (Figuras 75 e 76). A alteração vem ocorrendo, mais precisamente, nas fachadas do conjunto do largo. Trata-se, portanto, da mudança da substância que compõe o bem. O problema desta intervenção só é percebido em longo prazo, pois enquanto a argamassa de cal tende a compactar, a de cimento tende a fragmentar, deixando a superfície mais frágil.

5. Alterações na fachada. Estas intervenções são uma das mais perceptíveis ao observador e inclui vários tipos de alterações, desde a pintura com cores vibrantes à colocação de platibandas, passando ainda pela criação de novas aberturas ou entaipamento delas. Portanto, serão apresentados alguns casos onde ocorreram estas intervenções, através da análise de fotos e documentos, visitas de campo e entrevistas com alguns moradores.

Colocação de reboco e pintura. O primeiro tipo de intervenção apresentado é a alteração do revestimento das fachadas de boa parte das casas, especialmente em volta do largo maior. A maioria destas casas não possuía reboco nas

aline galdino bac elar

| 57

Figuras 75 e 76 | No topo, fachada lateral da edificação acima, rebocada com argamassa de cimento e areia. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-08-2006.

Patrimônio Cultural de Caboclo

fachadas, apenas o tijolo de adobe, que ficava aparente. Só as casas das famílias mais importantes já apresentavam reboco, feito de cal, areia e, as vezes, barro. Como exemplo de casas que já possuíam reboco nas fachadas pode-se citar a casa da família Cavalcanti Ramos, a do capitão Idobe ou Jubilino Coelho de Macedo e a do Capitão Jubilino Albuquerque Cavalcanti (Figuras 77, 78, 79 e 80). A intervenção consistiu na colocação de reboco e pintura em todas as outras fachadas do largo em 1995 e 1996. O novo reboco foi feito com argamassa de cimento e areia, ao contrário do que era usado anteriormente, de cal, areia e barro (Figuras 75 e 76). Recentemente, as paredes foram emassadas e pintadas com tinta acrílica em cores vibrantes, dando certa artificialidade ao conjunto urbano. Através de fotografias tiradas em 2001, ainda pode-se perceber que as casas, embora rebocadas, eram pintadas em tons mais suaves (Figuras 81 a 84).

Figura 81, 82, 83 e 84 | Casario pintado em tons mais suaves. Fonte: Fotos de Humberto Magno em 2001.

Figura 77, 78, 79 e 80 | Fachadas que já possuíam reboco antes da intervenção ocorrida em 1995 e 1996. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

aline galdino bac elar

| 58

Patrimônio Cultural de Caboclo

Construção de platibanda. A platibanda é um elemento moderno, largamente usado tanto para proteger o transeunte, que passa na calçada, da água da chuva, como também por razões estéticas. As edificações do sítio histórico de Caboclo originalmente não apresentavam platibandas nas fachadas, apenas um simples beiral.

2

Porém observou-se a colocação de platibandas em algumas casas do sítio, que estão indicadas no mapa abaixo. 1 CASO 5.1 | Casa de Januária: O caso 1 é uma edificação que além da colocação de platibanda, adicionou uma cercadura em torno de toda a fachada, destoando do restante do conjunto (Figura 86). Além destas intervenções, pode-se observar

a

alteração

da

largura

da

janela,

que

adquiriu

Figura 85 | Localização dos casos de intervenção estudados com construção de platibanda. Serão apresentados dois casos, conforme mapa ao lado. Fonte: Mapa elaborado por Aline

uma

predominante horizontal totalmente incomum ao sítio.

Figura 86 | Caso 1 – Edificação que passou por uma intervenção com acréscimo de platibanda. Pode-se observar também a alteração na largura da janela, que está bem mais larga que as demais. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

CASO 5.2: O caso 2 é um acréscimo de platibanda, sem nenhuma intenção plástica. A linha da cumeeira, neste ponto, é interrompida, criando um vazio na seqüência de telhados. Estas alterações influenciam a unidade plástica e construtiva do conjunto urbano mais antigo do povoado (Figura 87).

aline galdino bac elar

| 59

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figura 87 | Caso 2 – Outro caso de colocação de platibanda. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

Estas alterações influenciam a unidade plástica e construtiva do conjunto urbano mais antigo do povoado (Figura 88).

Figura 88 | Unidade plástica e construtiva alterada pela inserção de elemento moderno como a platibanda. Fonte: Foto de Carvalho Pinto.

aline galdino bac elar

| 60

Patrimônio Cultural de Caboclo

Alteração das aberturas. Este caso é caracterizado tanto pela abertura de novas aberturas, estranhas ao conjunto, como pelo entaipamento de outras. O ritmo e dimensão das portas e janelas são muito importantes na configuração de um conjunto urbano. Especialmente em Caboclo, as casas seguem um padrão de aberturas bastante similar. Normalmente são seqüências de porta – janela, janela – porta – janela e alguns casos que a presença de portas excede a de janelas, quando seu uso anterior era misto, habitação e comércio (Figura 89). Este tipo de intervenção será estudado através de dois casos bastante elucidativos.

CASO 5.3: Este é um caso de entaipamento de duas aberturas que existiam ao lado da porta restante. Ao observar esta edificação, percebe-se imediatamente a falta das janelas, pois a seqüência de aberturas foi perdida. Através da fotografia e de visita de campo foi possível localizar

3

as antigas aberturas (Figura 90).

4

Figura 91 | Localização dos casos de intervenção estudados com alteração das aberturas na fachada. Serão apresentados dois casos, conforme mapa acima. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

Figura 90 | Localização das 2 aberturas entaipadas. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

aline galdino bac elar

| 61

Patrimônio Cultural de Caboclo

CASO 5.4 | Casa de Veridiano: Esta edificação passou por diversas intervenções que alteraram completamente sua tipologia. Mas neste momento serão analisadas as intervenções em sua fachada, que se caracterizam pela alteração da dimensão das aberturas. Percebe-se que a largura da porta é muito superior à das demais edificações do entorno e as janelas receberam uma cercadura em arco pleno, o que é bastante incomum neste sítio (Figura 92). Embora as janelas tenham uma cercadura em arco, as janelas de madeira são em verga reta e a forma das janelas é completamente distinta

das

demais

janelas

do

sítio.

Todos

esses

elementos

descaracterizam o sítio histórico de Caboclo.

Figura 92 | Fachada com suas aberturas alteradas, tanto a dimensão como a forma. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

aline galdino bac elar

| 62

Patrimônio Cultural de Caboclo

intervenções em edifícios e espaços públicos

Após a análise das intervenções em edificações particulares, serão analisados seis casos de intervenções no sítio histórico de Caboclo. Nesta etapa, serão edifícios ou equipamentos novos de uso público ou semi-público e ainda dois casos de intervenções no espaço público. Os casos que serão apresentados são os seguintes: 1.

Museu Pai Chico

2.

Memorial do Caboclo

3.

Pousada de Caboclo

4.

Novo cruzeiro da Serra do Caboclo

5.

Quadra no meio do largo menor A metodologia de abordagem incluirá a apresentação de plantas,

fotografias, mapas e textos descritivos de cada intervenção.

aline galdino bac elar

| 63

Patrimônio Cultural de Caboclo

1. Museu Pai Chico O museu Pai Chico foi construído em 2002, com recursos do FUNCULTURA, um fundo do Governo do Estado que financia projetos na área de cultura. Este projeto, bem como outros existentes no povoado, foi uma iniciativa da Comissão de Revitalização do Caboclo, uma ONG (Organização não Governamental), que desde sua criação, em 1995, vem desenvolvendo uma série de ações em Caboclo. O museu tem como objetivo abrigar artefatos que contam a história de Caboclo e daquela região, através de uma série de objetos, como os dos tropeiros, que por ali passavam em seu caminho para o sul do país, além de expor o mobiliário de algumas famílias que moravam em Caboclo e alguns saberes da tradição local, como a culinária. O Museu abriga também artefatos dos indígenas que habitavam aquela região, e que foram encontrados em uma escavação arqueológica realizada pelo arqueólogo peruano Neil Torres (Figuras 93 a 95). A escolha do local para uma intervenção como esta, bem próxima ao sítio histórico de Caboclo, exige alguns cuidados. O Museu está localizado na entrada do povoado, à margem da PE 635, portanto num local bastante visível, o que pode comprometer a autenticidade do sítio (Figura 96).

Figura 93, 94 e 95 | Alguns objetos expostos no Museu Pai Chico. Fonte: Foto da Comissão de Revitalização do Caboclo.

Figura 96 | Mapa com a localização do Museu, na entrada do povoado. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

O projeto arquitetônico consiste numa planta de forma circular e dois volumes prismáticos marcando a entrada do museu (Figura 97 e 98). A forma circular do volume principal possibilitou a existência de um pátio central descoberto circulado de varandas (Figura 100).

aline galdino bac elar

| 64

Patrimônio Cultural de Caboclo

Quanto aos materiais empregados na fachada, os volumes da

Figura 97 e 98 | Fachada principal com os dois volumes da entrada. Fonte: Foto da Comissão de Revitalização do Caboclo.

entrada são de pedra e o volume circular são em tijolos aparentes. Quanto às paredes internas, as do volume circular são com o próprio tijolo aparente da fachada e a varanda, pintada na cor vermelha. A coberta é parte em laje plana (blocos da entrada) e parte em estrutura de madeira e cobertura de telha canal (bloco circular e varanda). A coberta da varanda interna é com caibros de madeiras que se apóiam, em sua extremidade, sobre pilares de madeira retorcidos (Figura 100). As esquadrias existentes no museu são de madeira, pintadas na cor branca. Todo o piso, incluindo o da varanda, foi revestido com pedras do tipo Itacolomy (Figura 99). Apenas o piso do pátio interno é de cacos de cerâmica, formando um mosaico.

Figura 99 e 100 | Acima, um dos ambientes internos do volume circular com os tijolos aparentes na parede e a pedra Itacolomy no piso. Ao lado, pátio central e varanda em volta. Fonte: Foto da Comissão de Revitalização do Caboclo e de Carvalho Pinto.

aline galdino bac elar

| 65

Patrimônio Cultural de Caboclo

2. Memorial do Caboclo

Memorial do Caboclo

O Memorial do Caboclo é um espaço construído sobre o primeiro cemitério do povoado, construído em 1833 e desativado em 1910. Em 1985, através de fotografia do Inventário do Patrimônio Cultural do Estado de Pernambuco – IPAC, o cemitério era uma área bastante arborizada, um destaque no meio da paisagem árida do povoado, visto que existem poucas árvores, com exceção dos tamarindeiros e do frondoso figo localizados no largo. O Memorial foi construído em 2003, através da iniciativa e recursos da Comissão de Revitalização do Caboclo. Na sua inauguração, foi realizada uma cerimônia religiosa com a participação da comunidade e pessoas importantes da região, porém, desde então, o espaço tem sido subutilizado, ficando fechado a maior parte do ano. Através de entrevista realizada com os moradores, foi identificada a insatisfação deles com o projeto. Queixam-se da falta de utilidade do espaço e do fato de terem sido derrubadas as árvores que existiam anteriormente. O local do projeto é um fator crucial nesta intervenção. Além de está localizado em cima do antigo cemitério, fica no entorno imediato do sítio histórico, bem em frente da Igreja (Figura 101). Por isso merece uma atenção especial, visto que está inserido no conjunto urbano da via tortuosa que dá acesso ao povoado (Figura 102). O projeto arquitetônico é bastante simples, consiste em dois planos de piso interligados por escadas e uma coberta, cuja estrutura é formada por tesoura de madeira e a cobertura é de telhas cerâmicas. Abaixo do telhado existe um forro de madeira. A coberta está apoiada sobre duas paredes de pedra. Como marco para destacar a intervenção, foi construída uma parede vertical com um rasgo em forma de cruz (Figura 103).

aline galdino bac elar

| 66

Figura 101 | Mapa com a localização do Memorial do Caboclo, inserido no sítio histórico. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figura 102 | Inserção do Memorial no conjunto urbano de Caboclo. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

Figura 103 | Vista do Memorial do Caboclo onde é possível perceber o volume da coberta, o marco vertical e os materiais empregados. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

aline galdino bac elar

| 67

Patrimônio Cultural de Caboclo

3. Pousada de Caboclo Pousada de Caboclo

A Pousada de Caboclo é o único equipamento de hospedagem do povoado. Naquele local, funcionava antes a Casa dos Romeiros, construída aproximadamente em 1985, que foi adaptada para ser uma pousada, cuja obra foi concluída em 1998. Esta intervenção foi também uma iniciativa da Comissão de Revitalização do Caboclo. Embora a demanda de hóspedes seja muito pequena durante o ano, em períodos de festas, como a do padroeiro do povoado, a pousada e outras casas particulares, são insuficientes para abrigar tanta gente. O número de visitantes atraídos pelo turismo cultural ainda é muito pequeno, porém, nos últimos anos, tem havido um fluxo de visitantes de alunos e professores que vem a Caboclo para pesquisas científicas, na área de alimentação animal, na caatinga, da Universidade Vale do São Francisco – UNIVASF. Além do uso principal como pousada, o local é

Figura 104 | Mapa com a localização da Pousada de Caboclo. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

utilizado também como Centro de Treinamento, que oferece cursos diversos para a comunidade, como o de apicultura. A Pousada de Caboclo está localizada num lote tradicional, entre duas edificações antigas do povoado, à sua esquerda, está a casa utilizada pelo padre quando vai a Caboclo, e à direita, a antiga residência do Capitão Idobe. O projeto arquitetônico da Pousada consiste numa tentativa equivocada de inserir um edifício novo num sítio histórico do século XIX, através da utilização de formas similares às existentes, porém, sem levar em conta as características importantes da arquitetura existente, que são, entre outras, a tipologia, a coberta, o ritmo e a dimensão das aberturas (Figura 105). CTC

Figura 105 | Desenho esquemático que demonstra como a Pousada descaracteriza o conjunto, através de mudança da tipologia, da coberta e das aberturas. Fonte: Elaborado por Aline Galdino Bacelar.

Recuos laterais

A planta da Pousada são duas seqüências de quartos acessados por corredores nas extremidades laterais da edificação, e no final deles chega-se a um salão onde fica o refeitório e mais atrás, o Centro de Treinamento. O programa conta ainda com uma cozinha comum e uma cozinha sertaneja, com forno a lenha. Há também um espaço para danças

aline galdino bac elar

| 68

Figuras 106 | Acima, croqui da disposição interna da Pousada. Fonte: Elaborado por Aline Galdino Bacelar.

Patrimônio Cultural de Caboclo

e apresentações, que está localizado nos fundos do terreno que pertence ao lote vizinho (Figura 106).

Figuras 107 | Ao lado, vista da fachada da Pousada com suas aberturas desproporcionais ao conjunto. Fonte: Elaborado por Aline Galdino Bacelar.

A fachada trata-se de um pastiche, com a utilização de cercaduras e cimalha para imitar as edificações vizinhas. A proporção das janelas e porta é bastante incomum ao sítio, pois as janelas são no formato quadrado e a porta é bastante larga (Figura 107). A estrutura de coberta é formada por tesouras de madeira e a cobertura é de telhas cerâmicas tipo capa e canal. A cobertura descaracteriza o conjunto por ter inclinação bem menor que a das outras edificações, conforme pode ser percebido pelo desenho esquemático das fachadas próximas a Pousada (Figura 105). Os quartos possuem forros de gesso. Quanto aos materiais empregados, as paredes são de tijolos furados industrializados, rebocadas com massa de cimento e areia e pintadas. O piso é de cerâmica e algumas áreas, de cimento queimado. As únicas aberturas existentes na pousada são as da fachada frontal e as portas localizadas na cozinha, que dão acesso ao quintal. As janelas e a porta da fachada são de madeira, pintadas na cor amarela. A tipologia da pousada também descaracteriza o conjunto urbano em torno do largo, por apresentar recuos laterais, inexistente em quase todo o sítio (Figura 108).

aline galdino bac elar

| 69

Figura 108 | Vista do recuo lateral direito, que serve de acesso ao fundo do lote. Fonte: Foto da Comissão de Revitalização do Caboclo.

Patrimônio Cultural de Caboclo

4. Novo cruzeiro da Serra do Caboclo Comumente,

os

vilarejos

do

interior,

recebiam

a

visita

esporádica de missionários religiosos, eram as chamadas “Santas Missões”. Em 1917, foi colocado um cruzeiro na Serra do Caboclo, pelos missionários Frei Gabriel e Frei Agostinho (Figura 113). É um cruzeiro de madeira apoiado sobre

um pedestal

de tijolo e pedra,

medindo

aproximadamente 2 metros (Figura 114). O cruzeiro é um símbolo da religiosidade dos moradores de Caboclo, que subiam a Serra para pagar promessas. O acesso ao Cruzeiro se dá, no início, pelo muro do açude Bom Princípio e continua subindo por um caminho com muitas pedras, o que dificulta a caminhada (Figuras 109 a 111). A vista que se tem do alto da Serra é deslumbrante. É possível ver até as lagoas mais distantes do povoado. A intervenção consistiu na colocação de um novo cruzeiro, bem ao lado do antigo. O novo cruzeiro é de ferro e muito mais alto que o antigo, criando uma “competição” entre eles. A incoerência dos materiais e da dimensão do novo cruzeiro desvaloriza o antigo cruzeiro, que foi colocado ali com um propósito, como símbolo da religiosidade da comunidade (Figura 112).

Figuras 109 a 111 | Vistas da subida da Serra do Caboclo. Fonte: Fotos de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

Figura 112 | Vista dos dois cruzeiros. Fica clara a grande diferença de altura e materiais entre eles. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

aline galdino bac elar

| 70

Patrimônio Cultural de Caboclo

Próximo aos cruzeiros, foi construído uma pequena capela que também serve como mirante. Porém, o uso como mirante fica bastante comprometido, pois a área em que está localizado é um pouco plana e distante da encosta do morro, ficando impedida uma das visadas mais desejadas, a vista do povoado e das lagoas, que só é possível ao se aproximar da encosta. A capela/ mirante foi construída em pedra, possui porta de ferro e vidro e escada de acesso ao mirante de ferro. Existem rasgos horizontais, estreitos, vedados com tijolos de vidro (Figura 115 e 116).

Figuras 113 e 114 | Ao lado, local da Serra do Caboclo em relação ao povoado e, acima, cruzeiro de madeira colocado no alto da Serra do Caboclo pelos Freis missionários. Fonte: Mapa – ITEP e foto da Comissão de Revitalização do Caboclo.

Figura 116 | Escada de acesso ao mirante. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005.

Figura 115 | Capela/ mirante feito em pedra. Fonte: Foto da Comissão de Revitalização do Caboclo.

aline galdino bac elar

| 71

Patrimônio Cultural de Caboclo

5. Quadra no meio do largo menor Conforme já foi apresentado, um dos valores patrimoniais de Caboclo é o seu traçado urbano, caracterizado pelo grande largo, em torno do qual surgiram as primeiras casas. A Igreja, como elemento irradiador da povoação, se localiza na interseção de dois largos, um maior, onde estão localizadas as edificações mais antigas, e outro menor, do lado esquerdo da Igreja. Entretanto, devido à criação de uma pequena quadra, composta apenas de cinco casas, localizada no meio do largo menor, este traçado foi perdido (Figuras 117 e 118).

Figura 117 | Mapa com a localização da quadra no meio do largo menor. Fonte: Mapa elaborado por Aline Galdino Bacelar a partir de base cedida pela CODEVASF.

aline galdino bac elar

| 72

Patrimônio Cultural de Caboclo

Figura 118 | Edificações da pequena quadra, localizada no meio do antigo largo. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

As casas no meio do largo menor foram construídas na década de 60, do século XX e atualmente, encontram-se abandonadas. Trata-se de cinco edificações, com um padrão tipológico diferente das demais casas do largo. A edificação está em um lote que vai de uma rua a outra, pois esta quadra dividiu o antigo largo em duas ruas que desembocam na Igreja (Figuras 119 e 120). Das cinco, três são mais compridas e diferenciam-se pela cobertura em três águas, deixando uma das fachadas bastante alta (Figura 118). As outras duas são menos compridas e o telhado possui duas águas.

Figuras 119 e 120 | A quadra dividiu o largo em duas ruas. No alto, rua à esquerda da quadra e acima, rua à direita da quadra. Fonte: Foto de Aline Galdino Bacelar em 09-08-2006.

aline galdino bac elar

| 73

VALORES X INTERVENÇÕES

Patrimônio Cultural de Caboclo

Após

a

descrição

dos

casos

de

intervenções,

tanto

em

edificações particulares, como nas edificações e espaços públicos, é importante analisá-las do ponto de vista dos valores patrimoniais. Levando em conta o contexto cultural e social do sítio histórico de Caboclo, foi possível identificar valores patrimoniais, cumulados ao longo dos séculos. Visto que a autenticidade é o principal fator de atribuição de valores, foi necessário, durante este trabalho, levantar uma série de dados a respeito da autenticidade dos bens materiais, assim como de suas transformações ao longo do tempo (DOCUMENTO DE NARA, 1994). Daí a necessidade de analisar as várias intervenções ocorridas no povoado nos últimos anos, além, é claro, das dimensões históricas, artísticas e sociais autênticas. Através do cruzamento de informações, dos valores patrimoniais e das intervenções realizadas, avaliaremos a autenticidade destas intervenções. A análise abordará os cinco tipos de intervenções estudados nas edificações particulares, e as cinco intervenções específicas nos edifícios e espaços públicos. A autenticidade do bem será avaliada pelos critérios da UNESCO, descritos no Guia Operacional, que são: - Forma e desenho; - Materiais e substâncias; - Uso e função; - Tradições e técnicas; - Localização e espaço; - Espírito e sentimento. (UNESCO, 2005) As intervenções ocorridas em Caboclo serão analisadas, quanto à manutenção da autenticidade de seus valores, à luz do fundamento de que “a intervenção contemporânea deve resgatar o caráter do edifício ou do conjunto (...) sem transformar sua essência e equilíbrio, sem se deixar envolver em arbitrariedades, mas enaltecendo seus valores” (CARTA DE BRASÍLIA, 1995). Primeiro, serão analisados os cinco tipos de intervenções em edifícios particulares, que são: 1. Alteração Tipológica: Visto que um dos valores urbanísticos de Caboclo é seu conjunto predominante de casas geminadas com alguns poucos casos de edificações mais largas, seguindo o mesmo padrão

aline galdino bac elar

| 75

Patrimônio Cultural de Caboclo

tipológico

e

morfológico,

a

modificação

desse

estado

provoca

a

descaracterização do patrimônio. Tanto o Caso 1.1(Casa da família Cavalcanti Ramos), como o Caso 1.2(Casas nº 17 e 18), apresentaram alterações da forma e do desenho tradicional através do remembramento de duas edificações e o desmembramento em três edificações. Constatouse

que

esta

intervenção

leva

a

descontinuidade

e

perda

da

homogeneidade do conjunto em torno do largo. Por tratar-se de edificações sem rebuscamento arquitetônico, seu valor está na unidade plástica das fachadas, dos volumes de coberta e da técnica construtiva, portanto, resguardar a tipologia original é fundamental para garantir a autenticidade da forma e do desenho. 2. Mudança da Cobertura: Constatou-se que nos casos de mudança de cobertura, a forma tradicional foi mantida, como a altura e a inclinação, fatores importantes para a permanência da autenticidade. O material utilizado continua sendo a madeira e a telha cerâmica, embora a técnica tenha sofrido algumas renovações, como a mudança dos caibros roliços pelos serrados. Isso é compreensível, pois atualmente, não se encontra mais disponível a madeira na forma primitiva. Segundo a Carta de Brasília sobre autenticidade, “neste caso, a renovação de práticas evolutivas, em continuidade cultural como a substituição de alguns dos elementos através de técnicas tradicionais, resulta em uma resposta autêntica” (CARTA DE BRASÍLIA, 1995). Quanto ao uso, notou-se que as coberturas em melhor estado de conservação tem maior potencial de uso, embora muitas delas estejam desocupadas. 3. Acréscimos Sucessivos: Sabe-se que, em alguns casos, é inevitável a construção de acréscimos para oferecer melhores condições de moradia. O Caso 1(Casa de Adália Albuquerque) trata-se de uma situação similar, o acréscimo construído foi fruto de necessidades básicas, tais como um banheiro. O uso destas intervenções é, portanto, compatível com o bem. Quanto à forma e desenho, a intervenção não interfere no conjunto, pois é pouco volumoso e está contido no mesmo lote, nos fundos. Os materiais utilizados não foram autênticos, mas ocorreu a inserção de elementos modernos, tais como o tijolo industrializado e furado e argamassa de cimento e areia. A autenticidade do bem não foi perdida, pois foram respeitados o equilíbrio de sua composição e suas relações com o entorno. Já o Caso 2 (Casa de Paixão) não respeitou os

aline galdino bac elar

| 76

Patrimônio Cultural de Caboclo

valores autênticos do conjunto urbano, em aspectos como a forma e a localização. Sabe-se que a necessidade de acréscimos existe, mas estes devem respeitar os valores do bem, que são, entre outros, a tipologia e o padrão construtivo. Esta intervenção criou um tipo estranho ao sítio, que descaracteriza o conjunto urbano de maior urbanístico do sítio histórico. 4. Mudança da Substância: A arquitetura vernácula de Caboclo é constituída por materiais efêmeros por natureza, como a terra, e a madeira, que exigem renovações ao longo do tempo que garantam seu uso, sem perder a autenticidade do bem (CARTA DE BRASÍLIA, 1995). Neste caso, é necessário aplicar certa flexibilidade, especialmente quando esta troca de materiais não afeta a integridade do bem. Porém, quando o material tradicional encontra-se disponível à comunidade, ele deve ser empregado segundo as técnicas tradicionais conhecidas. A mudança da substância desvaloriza a unidade construtiva do sítio, que é um dos seus valores patrimoniais. Os casos estudados dizem respeito ao emprego do tijolo de adobe, material tradicional que compõe a maior parte do sítio e do revestimento, que originalmente era composto de argamassa de cal. Algumas casas, novas ou que passaram por intervenções, utilizaram um material diferente em sua estrutura, o tijolo industrializado, o que leva a perda de autenticidade. Neste caso é possível continuar utilizando o tijolo de

adobe,

pois

está

disponível

no

próprio

povoado.

Quanto

ao

revestimento, o dano à autenticidade não chega a afetar seus valores mais importantes, trata-se de um preciosismo da intervenção. 5. Alterações na Fachada: A análise sob os critérios de autenticidade da UNESCO, demonstra que as intervenções nas fachadas do sítio histórico

de

Caboclo

levam

a

perda

de

autenticidade,

e

conseqüentemente, a desvalorização patrimonial. Normalmente, as casas mais antigas eram rebocadas, primeiro, internamente, por razões de conforto, e só depois, dependendo do poder aquisitivo, a fachada era rebocada. Devido à fragilidade das casas sem reboco, muitas ruíram. A colocação do reboco até certo ponto é boa, pois protege a edificação contra as intempéries, dando maior durabilidade. Porém, o problema desta intervenção é que, na maioria dos casos, trata-se de mera cenografia, o interior encontra-se em péssimo estado de conservação, o que leva à perda da autenticidade intrínseca do bem. A colocação do novo reboco nas fachadas do largo não respeitou a autenticidade do material

aline galdino bac elar

| 77

Patrimônio Cultural de Caboclo

tradicional e das técnicas e tradições. O acréscimo da platibanda nas fachadas foi outra alteração descaracterizante do conjunto urbano. Estas intervenções desvalorizaram tais imóveis pela falta de autenticidade da forma e desenho, das tradições e técnicas e dos materiais utilizados. A falta de harmonia com o local ou entorno também são parâmetros de autenticidade não alcançados. A alteração das aberturas, especialmente as do Caso 2 (Casa de Veridiano), não respeitaram nenhum parâmetro de autenticidade do bem. Houve a alteração da forma e da dimensão das janelas e portas, o uso inadequado de materiais descaracterizantes, como o vidro nas janelas, a anulação das técnicas e da tradição construtiva, através da inserção de arcos plenos, em contraponto à verga reta e a descontinuidade morfológica e tipológica do conjunto urbano, criando uma falta de harmonia com o entorno. Portanto, o teste de autenticidade nas edificações estudadas que sofreram algum tipo de intervenção, revela a falta de concordância entre o valor atribuído e o valor autêntico do bem. Isto significa que as edificações do sítio têm perdido, ao longo dos últimos 15 anos, seus valores autênticos, porque o ritmo acelerado das intervenções de edifícios públicos (Museu, Memorial, Cruzeiro) tem causado uma empolgação em seus moradores pelo novo, pela mudança. Ao lado da valorização patrimonial, caminham sempre os interesses econômicos, tais como o turístico. Unindo isso à falta de conhecimento dos moradores, o que acontece é uma série de pequenas intervenções descaracterizantes, embora, muitas delas sejam realmente necessárias e justificáveis. Estas intervenções indispensáveis são as que menos alteram a autenticidade do bem. Seguem abaixo duas tabelas sintéticas da análise sobre as intervenções estudadas e os critérios de autenticidade.

aline galdino bac elar

| 78

Patrimônio Cultural de Caboclo

Intervenções em Edificações Particulares x Valores

CRITÉRIOS DE AUTENTICIDADE

Mudança da substância

Acréscimos sucessivos

Mudança cobertura

Tipologia

INTERVENÇÃO CASOS

1.1

1.2

2.1

2.2

3.1

3.2

4

Forma e desenho Alterou a forma e o desenho tradicional. Perda de valor. Alterou a forma e o desenho tradicional. Perda de unidade. Conservou a inclinação e direção da cobertura, o que contribui para a unidade plástica. Conservou a inclinação e direção da cobertura, o que contribui para a unidade plástica. Não interfere no conjunto, pouco volumoso.

Interfere no conjunto, prejudicando a unidade.

-

Materiais

Uso

Tradições e técnicas

Localização e espaço

-

-

-

-

-

-

-

-

Manteve o uso exclusivo da madeira e telha cerâmica.

-

Manteve o uso exclusivo da madeira e telha cerâmica. Uso de materiais modernos.

-

Necessidade s básicas uso compatível. Necessidade s básicas uso compatível.

Perda do uso de materiais autênticos. Porém, em alguns casos, é um preciosismo da intervenção.

-

Figura 121 | Tabela resultante da análise das intervenções em edificações particulares estudadas. Fonte: Tabela elaborada por Aline Galdino Bacelar, a partir dos critérios de autenticidade descritos no Guia Operacional da UNESCO (UNESCO, 2005).

aline galdino bac elar

| 79

A técnica foi renovada. Troca parcial dos caibros roliços pelos serrados. A técnica foi renovada. Troca total dos caibros roliços pelos serrados.

-

-

Perda da unidade construtiva.

-

Foram respeitados o equilíbrio da composição e a relação com o entorno. Foi criado um tipo estranho ao conjunto. Não se harmoniza com o entorno.

-

Patrimônio Cultural de Caboclo

Intervenções nas Fachadas x Valores

CRITÉRIOS DE AUTENTICIDADE

Reboco e pintura

INTERVENÇÃO CASOS

Platibanda

5.1

Alteração das aberturas

5.2

5.3

5.4

Forma e desenho A aparência do conjunto foi modificada, pois antes, a maioria das casas tinha sua fachada em tijolo de adobe. Houve perda de unidade plástica e construtiva.

Materiais Não utilizou os materiais tradicionais (argamassa de cal). Contudo, esta Intervenção contribuiu para a integridade do bem.

-

Uso

Tradições e técnicas

Localização e espaço

-

-

-

Trata-se de técnica moderna, não presente no restante do sítio. Trata-se de técnica moderna, não presente no restante do sítio.

Falta de equilíbrio com o entorno.

-

Houve perda de unidade plástica e construtiva.

Alteração do ritmo, através de entaipamento. Alteração da forma e dimensão.

-

-

-

-

Uso inadequado de materiais (vidro).

-

Figura 122 | Tabela resultante da análise das intervenções nas fachadas das edificações particulares estudadas. Fonte: Tabela elaborada por Aline Galdino Bacelar, a partir dos critérios de autenticidade descritos no Guia Operacional da UNESCO (UNESCO, 2005).

aline galdino bac elar

| 80

Perda da técnica e tradição através da inserção de arcos plenos.

Falta de equilíbrio com o entorno.

Falta de harmonia com o entorno. Falta de harmonia com o entorno.

Patrimônio Cultural de Caboclo

Agora, serão analisados os cinco tipos de intervenções em edifícios e espaços públicos, que são: 1. Museu Pai Chico: Embora um equipamento como um museu seja importante para resguardar e divulgar a memória do lugar, esta intervenção, quando analisada sob os critérios de autenticidade, revela alguns aspectos negativos, ou não autênticos. Quanto à forma e desenho, o Museu Pai Chico possui um partido arquitetônico completamente distinto do restante do sítio. A forma circular do volume principal é um elemento estranho na paisagem. Na fachada, os dois volumes de pedra dão um aspecto pesado à composição, embora, internamente, o espaço seja bastante agradável, por causa da varanda e do pátio central. Portanto, a intervenção não possui o espírito do lugar, uma identificação própria com o sítio histórico, podendo ser inserido em qualquer outro lugar. Alguns dos materiais empregados fazem parte da tradição construtiva de Caboclo, como o tijolo, a telha e a madeira. Porém, o uso exagerado da pedra, especialmente por estar aplicada sobre volumes grandes, não contribui para a unidade plástica e construtiva do conjunto, devido à inexistência de outros casos da arquitetura tradicional de Caboclo. Percebe-se a intenção de incorporar ao edifício as técnicas e tradições do lugar através, sobretudo, do material empregado, deixando de lado a forma e a relação com o entorno. Um aspecto deficiente da intervenção é a falta de equilíbrio entre o edifício e o seu entorno, tão importante em qualquer intervenção. 2. Memorial do Caboclo: Neste caso, ocorre a incoerência de usos, o antigo e o novo. A localização da intervenção desvaloriza o sítio, pois sua construção se deu sobre o primeiro cemitério do povoado, construído em 1833. O uso atual não satisfaz as necessidades da comunidade, pois passa a maior parte do ano fechado e não contribui para a valorização do povoado. Quanto à forma e desenho, trata-se novamente de uma incoerência, pois não possui qualquer relação com o conjunto ao redor. Um dos materiais empregados foi a pedra, elemento não identificado nas edificações do conjunto primitivo do povoado. Por tudo isso, verifica-se que esta intervenção não contribui para a autenticidade do sítio histórico. 3. Pousada de Caboclo: Este caso é uma intervenção que afeta a autenticidade do sítio especialmente quanto à forma. Através da análise

aline galdino bac elar

| 81

Patrimônio Cultural de Caboclo

da intervenção sob os critérios de autenticidade especificados, é possível concluir que a fachada é um pastiche, ou seja, uma imitação direta de alguns elementos existentes no conjunto urbano, sem levar em conta outras características próprias do lugar, tais como a tipologia, a coberta, o ritmo e a dimensão das aberturas, o que compromete o valor atribuído à forma, tão importantes para o valor artístico do patrimônio. A utilização de técnicas distintas das presentes na arquitetura tradicional de Caboclo é outro fator que leva a falta de autenticidade. Isso está presente, por exemplo, na estrutura da cobertura, que é feita com tesouras de madeira e não através da técnica e tradição do lugar. Quanto à localização, a intervenção

não

valoriza

o

conjunto,

que

é

caracterizado

pela

homogeneidade e a unidade, pois acontece uma ruptura tanto no ritmo das aberturas, como no volume da coberta e na tipologia predominante (criação de recuos laterais). O espírito e a marca de sua época não se encontram impresso na intervenção, portanto, não há a “correspondência entre o objeto material e seu significado” (CARTA DE BRASÍLIA, 1995). 4. Novo Cruzeiro: Neste caso, a intervenção realizada – colocação do novo cruzeiro - busca minimizar o patrimônio existente, através da altura e do material utilizado. Avaliado sob os critérios da forma, dos materiais, das tradições e técnicas, da localização e entorno, bem como, do espírito e sentimento, a intervenção revela-se sem valor e autenticidade. A colocação do cruzeiro metálico e a construção da capela/ mirante interferem no valor paisagístico do bem. Desde a PE 635 é possível admirar o antigo cruzeiro, que se firmou como marco na paisagem, todavia, o novo cruzeiro leva a perda da significação cultural, do valor estético, histórico e social do bem para as gerações passadas, presentes ou futuras. 5. Quadra no largo menor: A pequena quadra aparece como um elemento estranho ao sítio, uma intervenção que provoca tanto a perda dos valores urbanísticos do bem, o antigo largo, que valorizava o monumento do povoado, dando-lhe mais destaque, a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, quanto do valor artístico do conjunto urbano que compõe os largos. A forma da edificação e da cobertura não valoriza o conjunto, sua localização interfere diretamente no traçado urbano original, sem falar no abandono em que se encontram os imóveis.

aline galdino bac elar

| 82

Patrimônio Cultural de Caboclo

Segue

abaixo

uma

tabela

sintética

da

análise

sobre

as

intervenções estudadas e os critérios de autenticidade. Intervenções em Edifícios e Espaços Públicos x Valores

CRITÉRIOS DE AUTENTICIDADE

Quadra largo menor

Novo cruzeiro

Pousada de Caboclo

Memorial do Caboclo

Museu Pai Chico

INTERVENÇÃO

Forma e desenho

Tradições e técnicas

Localização e espaço

Há a intenção de incorporar algumas técnicas tradicionais, mas não isso não foi alcançado satisfatoriamente.

Falta de equilíbrio entre o edifício e o entorno.

Uso incoerente. Não levou em Não atende consideração as demanda. técnicas do lugar.

Construído sobre o primeiro cemitério do povoado. Perda de valor histórico.

Materiais

Uso

Sua forma não se relaciona com o entorno. Os dois volumes da entrada conferem aspecto pesado à composição. Ambiente interno agradável. Não há relação nenhuma com as formas existentes no sítio, principalmente a coberta. Trata-se de pastiche, imitou elementos e formas do sítio de forma direta, sem considerar o espírito da época. Forma desvaloriza o bem existente – antigo cruzeiro de madeira.

Uso de alguns materiais tradicionais, todavia, a pedra aplicada nos volumes grandes de entrada não se harmoniza com o conjunto.

A existência de um museu no povoado é importante, na medida em que atrai visitantes.

O material mais utilizado, a pedra, não faz parte do repertório tradicional do sítio. Neste caso, os materiais utilizados não interferiram na autenticidade da intervenção.

A forma da cobertura e o tipo do lote destoam do restante do conjunto urbano.

As cinco casas Neste caso, os estão vazias. materiais utilizados não interferiram na autenticidade da intervenção.

Uso de materiais inadequados.

É importante existir uma pousada no povoado, devido ao turismo existente.

-

Estas não foram respeitadas. Uso de técnicas ausentes em todo o sítio, tais como tesouras de madeira na coberta. Não possui relação com a tradição do lugar. Leva a perda da significação cultural do antigo cruzeiro.

Sua localização interfere no traçado urbano antigo.

Figura 123 | Tabela resultante da análise das intervenções em edifícios e espaços públicos. Fonte: Tabela elaborada por Aline Galdino Bacelar, a partir dos critérios de autenticidade descritos no Guia Operacional da UNESCO (UNESCO, 2005).

aline galdino bac elar

Não respeitou o entorno, através de alteração tipológica e morfológica (recuos laterais, aberturas e coberta). Não busca harmonizar-se com a paisagem.

| 83

DIRETRIZES DE INTERVENÇÃO

Patrimônio Cultural de Caboclo

Visto que os valores patrimoniais de Caboclo estão sendo ameaçados pelas intervenções ocorridas, serão dadas diretrizes de intervenção que mantenham a autenticidade do sítio histórico. O objetivo destas recomendações é preservar os valores patrimoniais autênticos. Nas

edificações

particulares,

as

intervenções,

sejam

elas

realizadas pelos próprios moradores, ou por instituições públicas, devem garantir a preservação da significação cultural do bem, que inclui a unidade plástica e construtiva, as técnicas tradicionais, os materiais, o traçado urbano e mesmo os valores subjetivos de espírito e sentimento. É verdade que existem muitas diretrizes que poderiam ser incluídas neste trabalho, porém, só foram incluídas àquelas relacionadas aos casos estudados anteriormente, que foram: TIPOLOGIA: Recomenda-se a preservação da tipologia padrão, de forma a não descaracterizar o conjunto através de alterações da proporção volumétrica, das aberturas e das cores. Nos dois casos estudados é possível intervir para resgatar a tipologia original, através da reabertura das portas e janelas entaipadas e do tratamento correto da fachada. COBERTURA: Neste caso, devido à efemeridade de alguns materiais, como a madeira, e da falta de disponibilidade no mercado dos caibros roliços, é preciso ser mais flexível quanto a intervenções deste tipo. Embora a forma não seja a mesma (roliços – serrados), é fundamental que as trocas, parciais ou totais, da cobertura do bem mantenham o uso da substância tradicional, a madeira e telhas tipo capa e canal, da técnica, da inclinação das águas e da altura da cumeeira. Isto garantirá a autenticidade e o valor do conjunto urbano. ACRÉSCIMOS: Através dos estudos de caso apresentados quanto à ampliação das edificações, verificou-se que a necessidade de algumas mudanças ao longo do tempo existe e é compreensível. Contudo, não é admissível a alteração de algum aspecto fundamental para a valorização do bem. Os acréscimos, quando necessários, devem interferir o mínimo possível no equilíbrio do conjunto. Para tanto, sugere-se a utilização de materiais e técnicas tradicionais, quando disponível, e de formas e desenhos que não prejudiquem a ambiência tradicional, o equilíbrio de sua composição e suas relações com o entorno. É preferível que os

aline galdino bac elar

| 85

Patrimônio Cultural de Caboclo

acréscimos

ocorram

seguindo

o

desenvolvimento

tradicional

das

edificações do sítio, ou seja, em sentido longitudinal. SUBSTÂNCIA: Quanto à substância da estrutura das edificações, o tijolo de adobe, é possível perpetuar seu uso, mesmo na construção de novas edificações, pois se constatou a disponibilidade do material no próprio povoado. Isso contribuirá para a autenticidade do bem. Todavia, a permanência do uso do revestimento tradicional das casas mais antigas de Caboclo, a argamassa feita com cal, é um preciosismo da intervenção. Recomenda-se a utilização por causa da própria qualidade e durabilidade do material. Em longo prazo, o uso da argamassa de cal, garante maior durabilidade às paredes, devido à capacidade que ela possui de aglutinarse, ao contrário da argamassa de cimento, que tende a esfarelar-se. FACHADAS: Como parte fundamental para a permanência da ambiência e unidade do conjunto urbano, as intervenções nas fachadas devem ser precedidas de estudos detalhados, para que não se comprometa a autenticidade do bem. A fachada faz parte do bem como um todo, portanto, ela deve ser autêntica, não uma mera cenografia, ou colagem de fragmentos desconexos. A colocação de reboco nas fachadas deve balizar-se pelas diretrizes dadas no item anterior. Quanto à pintura dos imóveis, ela deve valorizar o sítio, ser autêntica, não distorcê-lo, visto que o povoado nunca aparentou tamanho colorido. Tons mais claros são mais apropriados à região. Não devem ser construídas platibandas nas edificações de valor histórico, pois isso descaracterizaria o bem. As aberturas originais devem ser respeitadas, e no caso das que foram entaipadas,

deve

preceder

de

estudo

detalhado,

que

subsidie

a

reabertura delas. Quanto às novas aberturas, como as do Caso 2, que alteraram a dimensão e a forma tradicional do sítio, sua fachada merece novo estudo, baseado em fontes disponíveis e confiáveis, que possam oferecer indícios das aberturas originais, visto que nesta edificação se localizava a casa de Pai Chico, um dos moradores mais ilustres de Caboclo e quinto prefeito de Petrolina. Portanto, em sua maioria, as intervenções nas fachadas devem se restringir no âmbito da conservação, incluindo apenas obras de reparos e manutenção.

aline galdino bac elar

| 86

Patrimônio Cultural de Caboclo

Foram também estudados cincos casos de intervenções em edifícios e espaços públicos, que em sua maioria, foram realizadas pela Comissão

de

municipais

e

prejuízos

ao

Revitalização particulares. patrimônio

do

Caboclo,

Algumas cultural

de

com

destas

recursos

estaduais,

intervenções

trouxeram

Caboclo,

como

a

perda

de

autenticidade e valor patrimonial. Porém, alguns casos são irreversíveis, ou seja, não é possível modificar a situação existente, como é o caso do Museu, enquanto que em outros casos, é possível intervir para resgatar o valor patrimonial do sítio. As recomendações propostas abaixo dizem respeito a e estes casos, que são: MEMORIAL DO CABOCLO: Neste caso, é possível alterar o uso da intervenção, visto que não é possível retornar à forma e ao uso original, pois era uma área arborizada onde se localizava o primeiro cemitério do povoado. O novo uso deve ser definido não só pelo grupo técnico, mas também através de consulta a comunidade. A função de memorial pode ser transferida para o Museu Pai Chico, não sendo necessário mais um espaço para fins similares, dada à restrita dimensão do lugar. POUSADA DE CABOCLO: Devem ser feitas intervenções tanto na cobertura, para harmonizá-la ao conjunto, como na fachada. Tais intervenções devem ser precedidas de estudos mais detalhados quanto à inclinação mais apropriada das águas e a altura da cumeeira. A fachada deve ser alterada para corresponder ao significado da obra, pois atualmente, trata-se de pastiche, através da cópia direta de elementos da arquitetura tradicional. A nova proposta deve ser autêntica, indicando a atualidade do projeto, sem, contudo, prejudicar o equilíbrio do conjunto. A fachada deve contribuir para a unidade plástica, através do ritmo de aberturas, do volume de coberta e dos elementos decorativos. Não devem acontecer a simples cópia de elementos decorativos, como cimalhas e cercaduras. CRUZEIRO E MIRANTE: A falta de equilíbrio entre a intervenção e seu entorno é um atentado contra a autenticidade. Por isso, é necessária a tomada de ações que assegurem a manutenção do entorno primitivo, composto pela paisagem da Serra do Caboclo e o cruzeiro de madeira. Portanto, deve ser feita a retirada do cruzeiro metálico imediatamente. Quanto à capela/ mirante, deve ser revisto seu projeto, pois embora

aline galdino bac elar

| 87

Patrimônio Cultural de Caboclo

tenha prejudicado o entorno através da forma e dos materiais, a construção de um mirante na Serra atrairia mais visitantes e possibilitaria vislumbrar a paisagem de Caboclo e região. QUADRA NO LARGO MENOR: Este caso de intervenção no espaço público alterou a morfologia do traçado urbano original de Caboclo. Embora a formação urbana mais antiga seja a localizada no entorno do largo maior, a existência do largo menor valorizava ainda mais o monumento do povoado, a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Para a restauração

dos

valores

urbanísticos,

é

necessário

desfazer

esta

intervenção através da remoção da quadra, o que pode ser feito sem grandes problemas, visto que as casas estão desocupadas. Após a retirada, é importante reabilitar o segundo largo, através do controle maior nas intervenções ao redor dele e da restauração do casario antigo, que se encontra em péssimo estado de conservação. A seguir, é apresentado um quadro resumo com as principais diretrizes de intervenção:

INTERVENÇÕES TIPOLOGIA

COBERTURA

ACRÉSCIMOS

SUBSTÂNCIAS FACHADAS

DIRETRIZES Preservar tipologia padrão. Intervir para resgatar a tipologia original, através da reabertura das portas e janelas entaipadas e do tratamento correto da fachada. As trocas, parciais ou totais, da cobertura do bem devem manter o uso da substância tradicional, a madeira e telhas tipo capa e canal, da técnica, da inclinação das águas e da altura da cumeeira. Devem-se utilizar materiais e técnicas tradicionais, quando disponível, formas e desenhos que não prejudiquem a ambiência tradicional, o equilíbrio de sua composição e suas relações com o entorno. É preferível que os acréscimos ocorram seguindo o desenvolvimento tradicional das edificações do sítio, ou seja, em sentido longitudinal. Recomenda-se o uso do tijolo de adobe e da argamassa de cal. A colocação de reboco nas fachadas deve balizarse pelas diretrizes dadas no item anterior. Quanto à pintura, tons claros são mais apropriados à região. Não devem ser construídas platibandas nas edificações. As aberturas originais devem ser respeitadas, e no caso das que foram entaipadas, deve preceder de estudo detalhado, que subsidie a reabertura delas.

aline galdino bac elar

| 88

Figura 124 | Tabela síntese com as principais diretrizes de intervenção para os casos de edificações particulares. Fonte: Tabela elaborada por Aline Galdino Bacelar.

Patrimônio Cultural de Caboclo

INTERVENÇÕES MEMORIAL DO CABOCLO POUSADA

CRUZEIRO E MIRANTE QUADRA NO LARGO MENOR

DIRETRIZES Alterar o uso da intervenção. A função de memorial pode ser transferida para o Museu Pai Chico. Devem ser feitos estudos detalhados quanto à inclinação mais apropriada das águas e a altura da cumeeira, que subsidiem uma intervenção deste tipo. A fachada deve contribuir para a unidade plástica, através do ritmo de aberturas, do volume de coberta e dos elementos decorativos. Não devem acontecer a simples cópia de elementos decorativos, como cimalhas e cercaduras. Deve ser feita a retirada do cruzeiro metálico. Quanto à capela/ mirante, o projeto merece ser revisto, quanto à forma e aos materiais. Desfazer esta intervenção através da remoção da quadra, o que pode ser feito sem grandes problemas, visto que as casas estão desocupadas. Reabilitar o segundo largo, através do controle maior nas intervenções ao redor dele e da restauração do casario antigo, que se encontra em péssimo estado de conservação.

Embora a preocupação com a preservação do patrimônio acontece quase sempre junto com a percepção do seu potencial desaparecimento e sua fragilidade frente à dinâmica do tempo, este trabalho pretende antecipar-se a isso e desde já propor medidas para sua preservação. Então, além das diretrizes específicas para cada caso, serão dadas recomendações para a conservação do sítio histórico de Caboclo, dado o seu valor patrimonial, conforme foi explicitado. Visto que o povoado de Caboclo vem sofrendo diversas intervenções, como já foi exposto, houve a necessidade de abordar algumas recomendações que devem ser tomadas para a conservação do lugar e de suas características autênticas. Entre elas, destacamos:

1. Tombamento do patrimônio cultural de Caboclo. Conforme o estudo dos valores patrimoniais fica claro a relevância deste sítio como o “testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa (...) não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural” (CARTA DE VENEZA, 1964). O povoado de Caboclo

aline galdino bac elar

| 89

Figura 125 | Tabela síntese com as principais diretrizes de intervenção para os casos de edificações e espaços públicos. Fonte: Tabela elaborada por Aline Galdino Bacelar.

Patrimônio Cultural de Caboclo

possui um relevante conjunto de bens patrimoniais, ambientais e culturais que merece ser conservado como testemunho de uma ocupação secular

no

sertão

pernambucano.

O

tombamento,

seja

em

nível

municipal, estadual ou federal, é cabível devido aos inúmeros valores autênticos de Caboclo. Esta zona de proteção deve incluir não só o patrimônio arquitetônico e urbanístico, mas também o entorno com significação cultural, que compõe a paisagem do sítio. Isto inclui a Serra do Caboclo, o núcleo urbano e as lagoas magnesianas.

2. Manter

a

edificação

em

uso

constante

e,

se

possível,

satisfazendo o programa original. Em Caboclo, muitas das casas estão vazias, vindo a ser ocupadas apenas em dias de festa, como a do padroeiro do povoado. Isso provoca o esvaziamento do povoado na maior parte do ano. Algumas delas estão com suas fachadas apenas “mascaradas” com pintura, enquanto seu interior encontra-se em estado de pré-ruína (Figuras 126 a 128). Notou-se uma expansão do povoado na direção noroeste, com a construção de casas por moradores mais recentes (últimos 20 anos). Portanto, a demanda de novos moradores existe, mas eles não têm acesso às casas mais antigas em volta do largo, que continuam fechadas a maior parte do ano e são de propriedade dos descendentes dos antigos moradores, que as deixam sofrendo o lento processo de degradação até se tornarem ruínas ou as modificam de sua feição original devido a acréscimos sucessivos. Portanto, manter estas casas ocupadas, em detrimento do seu atual abandono é uma das maneiras de preservar o patrimônio de Caboclo.

3. Realizar o inventário de referências culturais. A identidade e a memória do lugar durante sua formação e consolidação merecem ser registradas. Especialmente as celebrações e ofícios, como as festas do Senhor do Bonfim, de Nossa Senhora dos Remédios e a culinária. É necessário fazer um levantamento mais

aline galdino bac elar

| 90

Figuras 126 a 128 | Exemplo de casas que estão em estado de préruína. As fachadas pintadas, mas o interior e a coberta encontram-se em estado precário. Fonte: Fotos de Aline Galdino Bacelar em 10-12-2005 e 09-082006.

Patrimônio Cultural de Caboclo

aprofundado

das

origens

de

tais

expressões

culturais,

a

fim

de

documentar e promover o patrimônio imaterial de Caboclo.

4. Mapear todo o patrimônio cultural de Caboclo. Realizar o mapeamento e a identificação precisa das lagoas magnesianas: lagoa do Tanque, Comprida e Redonda, pois, até então, só a lagoa conhecida como Lagoinha está mapeada. Isso subsidiará a delimitação mais precisa do perímetro de tombamento do patrimônio cultural de Caboclo. É importante mapear as fazendas de gado que deram origem ao povoado e ao município de Afrânio, tais como a Fazenda Caboclo (atual povoado de Caboclo) e a Fazenda São João (atual sede do município de Afrânio).

aline galdino bac elar

| 91

Patrimônio Cultural de Caboclo

CONCLUSÃO

Estudar o sítio histórico de Caboclo foi um desafio, mas, ao mesmo tempo, enriqueceu o aprendizado sobre uma área pouco explorada no período acadêmico – intervenções, valores patrimoniais e autenticidade. A investigação sobre estes temas aliada ao trabalho de campo possibilitou a análise crítica da situação atual encontrada. Primeiramente, a identificação dos valores patrimoniais de Caboclo,

sejam

eles

paisagísticos,

urbanísticos

e

arquitetônicos

demonstrou a importância da preservação deste sítio histórico, através de um suporte legal e normativo, tal como o tombamento. Mas, sabemos que tal medida, sem a devida conscientização da comunidade, não será válida. Portanto, conjuntamente com o tombamento, deve haver a preocupação com a educação patrimonial da comunidade de Caboclo. A escola municipal existente ali pode servir de apoio para esta iniciativa. Num segundo momento, foram analisadas as intervenções realizadas em Caboclo, tanto em edificações particulares como nos edifícios e espaços particulares

públicos. Os casos estudados nas

demonstraram

que

as

intervenções

edificações

acontecem

por

necessidade de melhoria da qualidade de vida de seus moradores, o que é bastante compreensível. Este tipo de intervenção sempre ocorrerá, cabe apenas, nestes casos, orientar os seus proprietários para intervir sem prejudicar um dos valores mais importantes do sítio, o valor do conjunto, da unidade, da relação entre os elementos que compõe o bem. Quanto às intervenções em edifícios públicos, constatou-se que, quase sempre, não levaram em conta a ambiência e o entorno, contribuindo para a descaracterização do patrimônio cultural. Por fim, a aplicação dos critérios de autenticidade fornecidos pela UNESCO, que são forma e desenho, materiais e substâncias, uso e função, tradições e técnicas, localização e espaço, espírito e sentimento, subsidiaram a avaliação da autenticidade dos bens. Esta análise revelou a perda de autenticidade, especialmente no que diz respeito às tradições/ técnicas e localização/espaço. Por outro lado, a análise permitiu a proposição de diretrizes de intervenção mantenedoras da autenticidade do sítio.

aline galdino bac elar

| 92

Patrimônio Cultural de Caboclo

É possível que este trabalho tenha trazido à tona a questão da valorização patrimonial de territórios que estão localizados fora do eixo tradicional de interesse de conservação pelos órgãos competentes – litoral e mata. Mais além, trouxe à atenção a importância de sítios históricos como Caboclo, que apesar de sua restrita dimensão territorial, quando considerado e julgado no contexto cultural ao qual pertence, ganha valor e, portanto, merece ser preservado.

aline galdino bac elar

| 93

Patrimônio Cultural de Caboclo

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBALHO, Nelson. Cronologia pernambucana: subsídios para a história do Agreste e do Sertão. Recife: Centro de estudos de história municipal/ FIAM, vol. 4, 1982. BARBOSA, Bartira Ferraz. Colonização e meio ambiente no sertão pernambucano. In: Revista Clio histórica. Recife, n. 17, p. 7-17, 1998. ______. Índios e Missões: A colonização do médio São Francisco pernambucano nos séculos XVII e XVIII. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1991. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. [Tradução do original Teoria del Restauro, publicado em 1963. Tradutora: Beatriz Mugayar Kühl]. CARTA DE BRASÍLIA. In: CURY, Isabelle (Org). Cartas patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. CASTRO, Josué de. Fatores de localização da cidade do Recife: Um ensaio de Geografia Urbana. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Unesp, 2001. CURY, Isabelle (Org). Cartas Patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. DOCUMENTO DE NARA. In: CURY, Isabelle (Org). Cartas patrimoniais. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE/ FIDEM. Plano de preservação dos sítios históricos do interior/ PPSHI – Primeira parte. Recife: Governo do Estado de Pernambuco, 1982. FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO MUNICIPAL DO INTERIOR DE PERNAMBUCO/ FIAM. Calendário oficial de datas históricas dos municípios do interior de Pernambuco. Recife: FIAM/ CEHM, 1994. FUNDARPE. Inventário do patrimônio cultural do Estado de Pernambuco – Serão do São Francisco/ IPAC. Recife: Governo do Estado de Pernambuco, 1985. FURTADO, Ricardo Cavalcanti e ZANCHETI, Sílvio Mendes (coordenadores), PONTUAL, Virgínia, CARNEIRO, Ana Rita Sá, MOREIRA DA SILVA, Álvaro Antônio, Piranhas: proposta de tombamento e plano de gestão. Recife: L. Dantas da Silva/ CHESF, 2003. GALVÃO, Sebastião de Vasconcellos. Diccionário Chorographico, Histórico e Estatístico de Pernambuco. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1908. Vol. 1.

aline galdino bac elar

| 94

Patrimônio Cultural de Caboclo

LEAL, Fernando Machado, Restauração e conservação de monumentos brasileiros. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1977. LEMOS, Carlos A. C.. O que é patrimônio histórico. São Paulo: brasiliense, 1987. MELLO, José Antônio Gonçalves de, Três roteiros de penetração do território pernambucano (1738 a 1802). Recife: UFPE, 1958. PADILHA, Antônio de Santana. Petrolina no tempo, no espaço, na vez. Recife: FIAM/ CEHM, 1977. PANET, Amélia, MELLO, José Octávio, PANET, Miriam, GUNN, Philip, CORREIA, Telma, Rio Tinto: estrutura urbana, trabalho e cotidiano, João Pessoa: UNIPÊ, 2002. PEIXOTO, Elane Ribeiro, VICENTINI, Albertina. Aloïs Riegl e o culto moderno dos monumentos. In: Estudos. Goiânia, n. 10, p. 1875-1889, 2004. PORTO, José da Costa. O pastoreio na formação do nordeste. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1959. RIEGL, Aloïs. El culto moderno a los monumentos. Madrid: Visor, 1999. SEREJO, Tereza Cristina Leal. Coronéis sem patente: A modernização conservadora no sertão pernambucano. Tese (Mestrado em História) – Departamento de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1979. SILVA, Jacionira Coêlho. Arqueologia no médio São Francisco: indígenas, vaqueiros e missionários. Tese (Doutorado em História) – Departamento de História, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2003. UNESCO. Operational Guidelines for the implementation of the World Heritage Convention. Paris: World Heritage Centre, 2005.

aline galdino bac elar

| 95

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.