Patrimônio Ferroviário Brasileiro: Da Inclusão à Exclusão de Uma Paisagem Cultural

July 25, 2017 | Autor: R. Rodrigues da S... | Categoria: Patrimonio Cultural, Patrimonio Ferroviario, Paisagem Cultural, Rotundas Ferroviarias
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PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO BRASILEIRO: Da Inclusão à Exclusão de Uma Paisagem Cultural RODRIGUES DA SILVA, RONALDO ANDRÉ Universidade do Minho. Departamento de História Universidade Federal de Minas Gerais. Conservação-Restauração de Bens Culturais Móveis [email protected]

RESUMO Os complexos ferroviários apresentam-se como elementos de grande importância para a história brasileira e constituição de seu patrimônio cultural. Desde o desenvolvimento econômico, a partir dele realizado, desde o século XIX até meados do século XX, à constituição de elementos sociais-culturais e urbanísticos tem-se uma relação direta com a realidade histórico-social das cidades brasileiras. O patrimônio ferroviário nacional permitiu o desenvolvimento de sistemas sociais e de infraestruturas urbanas que se somam à economia brasileira. Dentre as estruturas ferroviárias, muitas encontram-se listadas e reconhecidas como patrimônio cultural, mas a grande maioria está em diferentes estágios de decomposição: desde abandonadas e arruinadas ao completo desaparecimento. Nesse sentido, o patrimônio ferroviário apresenta uma importância singular para o entendimento da vida social, das estruturas e do desenvolvimento urbano das cidades e da sociedade, não podendo ser visto de maneira independente e desconectada. Assim, as diferentes relações estabelecidas entre indivíduos e sociedade e a estrutura ferroviária determinam perspectivas próprias para se entender a diversidade de dimensões que o patrimônio cultural possui. Os conceitos de patrimônio e de cultura tomam, dessa maneira, um caráter pluralista cujos aspectos abordados no âmbito cultural envolvem a memória social e cultural que incluem as relações entre grupos e sociedades e, no caso específico, os elementos do patrimônio ferroviário. Como patrimônio cultural, se apresenta por meio de um coletivo imaginário social, muitas vezes compreendido segundo a percepção de diferentes grupos sociais e de indivíduos e se presenta como parte importante da identidade e memória, pessoal e coletiva. Assim, o trabalho objetiva interpretar a relação patrimônio ferroviário e sociedade por meio do reconhecimento, lembrança e inclusão como patrimônio e paisagem cultural, mas também com a preocupação em observar que, invariavelmente, se torna foco de descaso, abandono, degradação e mesmo extinção. Mesmo algumas expressões de preservação do patrimônio ferroviário encontram-se desconectadas, cuja relação entre presente e passado não se preocupa em um resgate da história e da memória. A reflexão se faz necessária a partir da importância do complexo ferroviário, sua arquitetura e estrutura, para compreendê-lo como paisagem cultural e social cuja interpretação constitui importante elemento patrimonial. Palavras-chave: Patrimônio Ferroviário; Rotundas Ferroviárias; Patrimônio Cultural; Paisagem Cultural.

1. INTRODUÇÃO O patrimônio cultural brasileiro tem em suas formas de expressão uma complexidade de representações e significados que, algumas vezes, não se encontram presentes no imaginário das pessoas. Entretanto, elas, de alguma maneira, fazem parte da identidade de pessoas, grupos, comunidades e podem ser percebidas no cotidiano. Uma das quais se encontra esquecida, e porque não negligenciada, pela sociedade a partir de suas diversas formas de representação, compreende o patrimônio ferroviário brasileiro. Os complexos ferroviários apresentam-se como elementos de grande importância para a história brasileira e constituição de seu patrimônio cultural. Desde o desenvolvimento econômico, a partir dele realizado, desde o século XIX até meados do século XX, à constituição de elementos sociais-culturais e urbanísticos tem-se uma relação direta com a realidade histórico-social das cidades brasileiras. O patrimônio ferroviário permitiu o desenvolvimento social e de infraestruturas urbanas que se somam à economia brasileira. Dentre as estruturas ferroviárias, muitas encontram-se listadas e reconhecidas como patrimônio cultural, mas a grande maioria está em diferentes estágios de decomposição: desde abandonadas e arruinadas ao completo desaparecimento. Essas estruturas, comumente, se constituem em edifícios e equipamentos que despertam interesse, seja pela monumentalidade e singularidade que representam ou pela importância e centralidade para a vida social e econômica dos centros em que se encontram. Assim, esse trabalho visa apresentar duas diferentes visões, que compartilham de interesses, diversos, difusos, diferentes, opostos mas que tem uma representatividade local que se confunde com a identidade e identificação do lugar como relacionados ao patrimônio ferroviário. Os complexos ferroviários compreendem realidades distintas de como se pode atuar em relação ao patrimônio cultural brasileiro e especificamente ao patrimônio ferroviário.

2. O PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO BRASILEIRO 2.1. Aspectos Históricos A história ferroviária do Brasil inicia-se em 1852 quando o Barão de Mauá, a partir das condições favoráveis estabelecidas pela legislação imperial, a Lei Geral 641, empreende a construção da primeira via férrea entre as cidades de Rio de Janeiro e Petrópolis, a primeira, capital do Império Brasileiro e a segunda, cidade escolhida pela família real brasileira para viver. Dessa maneira, em 1854, inaugurava-se a primeira ferrovia brasileira que permitiu a integração dos transportes hidroviário e ferroviário entre a Baía de Guanabara e Petrópolis. 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

A ferrovia, inicialmente, denominava-se “Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis” que posteriormente foi chamada de Estrada de Ferro Mauá. (Gerodetti e Cornejo, 2005). Dentre as pioneiras tem-se a Estrada de Ferro Minas e Rio (1884), a Estrada de Ferro Sapucaí (1891) e a Estrada de Ferro Muzambinho (1892). Entretanto, precocemente, em 1910, o governo federal encampava as companhias, por questões de insolvência financeira, e formava, por fusão das companhias, a Companhia de Estradas Federais – Rede de Viação Sul Mineira. (MAIA, 2009). Complementarmente, tem-se a Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), de 1881, dentre as mais importantes do Estado que foi arrendada pelo governo de Minas Gerais que em 1890 recebeu a concessão federal para uma linha de Barra Mansa (RJ) a Catalão (GO) e outra complementar estadual até Angra dos Reis (RJ). Essa última era considerada "corredor de exportação" desde o Estado de Goiás. Em 1931, por meio do governo estadual a EFOM é fusionada à Rede de Viação Sul Mineira, então em mãos do Estado desde 1922, para formar a RMV – Rede Mineira de Viação. (BRASIL, 1954). Os anos 50 foram de mudanças para a estrutura ferroviária brasileira, pois em 1953, a RMV passou às mãos do governo federal com a criação do DNEF – Departamento Nacional de Estrada de Ferro e a posterior criação da RFFSA – Rede Ferroviária Federal S.A. Assim, em 1957 foi criada uma nova rede e malha ferroviária com o surgimento em 1965 da Viação Férrea Centro-Oeste – VFCO. (CAMPOS, 2012) A partir de 1975 todas as linhas da RFFSA passaram a ser denominadas pela sigla federal até o ano de 1996 quando ocorreu o processo de privatização da rede ferroviária que foi desmembrada e sob cuja gestão, em grande parte do território mineiro, determinou-se à concessionaria Ferrovia Centro Atlântica – FCA. (SCHOPPA, 2004, CAMINHOS DO TREM, 2010).

3.

PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO – PATRIMÔNIO CULTURAL E

PAISAGEM CULTURAL As grandes estruturas e estações ferroviárias, desde o século XVIII significam não somente um conjunto de edifícios relacionados à prestação de serviços à sociedade, que estão considerados meio de transporte e logística. Para muitas pessoas, os diversos edifícios e espaços ferroviários têm diferentes signos e significados que se supõe também apresentem 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

uma identidade com pessoas, grupos e sociedade (cidades) para além do símbolo de desenvolvimento e progresso (até meados do século XX) e atraso, infelizmente para muitos, no Brasil, após os anos 50 e 60. O complexo ferroviário se desenvolve não somente a partir das atividades diretamente relacionadas à logística e transporte, mas também às estruturas sociais a ele circunscritas. Muitas atividades indiretamente se relacionam aos seus elementos, a partir dos quais se define uma paisagem que apresenta um grande elemento central, a Estação, que por suas características próprias permitiu uma identificação social. Desde a chegada e partida de pessoas aos processos de carga e descarga de produtos e serviços, as estacoes ferroviárias e seus complexos estão, de diversas maneiras, relacionados à memória e à história de indivíduos e sociedades. Assim, o conceito de memória compreende um grande número de variáveis que se entrecruzam e se inter-relacionam a partir de uma condição interdisciplinar. A memória dos indivíduos que se constrói a partir da relação com elementos do complexo ferroviário ocorre de maneira efetiva em muitas das cidades e núcleos rurais e urbanos brasileiros em que esteve presente esse tipo de modal de transporte. Apesar de fazer parte da realidade atual, as memórias e a identidade ferroviárias se perpetuam de diversas maneiras. Em sua quase totalidade, em um passado não tanto recente, o complexo ferroviário brasileiro, principalmente de passageiros, sofreu um grande impacto negativo a partir dos anos 60 que se intensificou nos anos 80, do século XX. Entretanto, quando se relaciona os estudos de memória à história se pode reviver ou fazer presente uma memória social e coletiva, representada, por exemplo, por uma identidade ferroviária. Dentre as diversas análises possíveis, se constrói a memória a partir de quadros de representação e suas relações com a memória coletiva em que se verifica a amplitude das interações sociais estabelecidas. Muitas análises realizadas desenvolvem questões que relacionam a memória, sua construção e relações às identidades pessoal e coletiva que se apropriam de elementos comuns e de identificação. (Santos, 1998). Dessa maneira, a memória pessoal relacionada à memória ferroviária, como um elemento específico, determina, segundo Halbwachs (1990, 2004) a memória coletiva que considera a construção no presente de fatos passados os quais trazem significados para um determinado e específico grupo. Estas recordações têm significados próprios e garantem importantes graus de identificação e identidade. Geralmente se estabelecem a partir de mudanças e transformações que se constituíram como elementos-chave em um determinado tempo e espaço na vida das pessoas que pertencem a eles. Pode-se, assim relacionar o conceito dessa memória ferroviária ao conceito de patrimônio cultural cujo conceito construído pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Nacional) privilegia, de certa maneira, a preservação que promove “a interação entre ambiente, natureza e história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”. As diferentes maneiras de articulação existentes entre a cultura e a memória, a história e a sociedade, reescrevem um passado e presente, muitas vezes recente, mas esquecido. Além disso, definem novas maneiras de se enxergar as fronteiras e articulações que identificam uma linguagem nacional própria e uma identidade e memória sociais que muitas vezes são significantes e trazem significado a questões que inquietam estudiosos e apaixonados pela memória cultural. (Ferreira e Orrico, 2002) Segundo Choay (2001), tais características particulares garantem maior abrangência ao patrimônio cultural quando relacionado à natureza e escala diferenciadas que determinam uma maneira única ao se tratar sua definição e também sua identificação e identidade. A mera classificação de edifícios ou de aspectos arquitetônicos não permite abarcar as possibilidades de identificação do patrimônio, uma vez que se pode considerar todo um território de influência que possui formas de expressão. Nesse sentido e se considerando os componentes construídos e/ou modificados pelo homem, deve-se dar relevância à vida social, às construções e ao desenvolvimento urbano das cidades e da sociedade que não podem ser vistos de maneira independente e desconectados. As diferentes relações que se estabelece entre sociedade e organizações (ou pode-se dizer empresas) determinam perspectivas particulares para a construção de conceitos de patrimônio e cultura que extrapolam os aspectos comumente abordados. Sob essa perspectiva, a memória e a cultura social se compõem de um imaginário que se relaciona à percepção dos grupos sociais e dos indivíduos que se identificam segundo determinadas perspectivas envolvendo, inclusive, o campo do trabalho. A construção do eu (indivíduo) e do social (grupos, comunidade) decorre, assim, de experiências vividas que incluem aquelas ocorridas no âmbito do trabalho e das organizações e por eles determinadas. Apesar da ampliação das percepções do conceito de patrimônio, deve-se considerar que atualmente, segundo Araújo (2009), a análise e interpretação dos conjuntos considerados patrimônios culturais, no Brasil, encontra-se determinada por parâmetros tradicionais e somente permitirá mudanças e ampliação se houver uma atuação compartilhada entre os diversos indivíduos e grupos envolvidos, além de uma capacidade de construção de identidade e identificação das paisagens culturais pelas populações de seu entorno. Um entendimento global da paisagem cultural torna-se necessário compreender o conceito de paisagem cultural conjuntamente àquele relacionado à construção de contribuições 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

destinadas ao entendimento dos lugares e maior capacidade de compreensão dos espaços, bem como dos aspectos socioculturais a eles relacionados. (CASTRIOTA, 2009) Dessa maneira, pode-se perceber a utilização de uma abordagem interdisciplinar que torna possível um amplo entendimento dos conceitos relacionados ao patrimônio cultural e à paisagem cultural. Uma percepção integrada de diferentes áreas do conhecimento possibilita o desenvolvimento de novos campos do saber e envolve uma dinâmica de (re)construção ou (re)definição das formas de atuação e percepção dos lugares, por parte de grupos e/ou indivíduos que determina novas formas de pensar.

3.1. A Rotunda Ferroviária – Um Elemento da Paisagem Ferroviária As rotundas ferroviárias (em inglês, roundedhouses; em espanhol, casas redondas) se destacam por sua importância quanto à manutenção das locomotivas e máquinas de tração ferroviárias. A partir de sua identificação nos complexos ferroviários percebe-se certa imponência arquitetônica, por se constituírem como um dos grandes edifícios e uma das principais áreas dos complexos ferroviários. Esses elementos da estrutura ferroviária despertam interesse, desde sua centralidade nos espaços e paisagens ferroviários como a admiração das pessoas por seu tamanho, forma e complexidade. No Brasil, segundo Morais (2000), existiram ao todo cerca de 24 rotundas ferroviárias, sendo que, atualmente elas se restringem a um número total de 15 exemplares. Tal fato ocorre por estarem situadas, de maneira geral, em áreas conturbadas pelas cidades e também por se situarem em áreas de grande interesse especulativo do capital. Geralmente as estruturas tinham como principal característica arquitetônica o aspecto poligonal que compreendia uma circunferência completa ou um arco de circunferência e se diferenciavam de outros tipos de depósitos de máquinas que apresentavam uma arquitetura poligonal retangular composta de edifício e um elemento denominado girador ou viradouro o qual posicionava as máquinas para entrada e saída. (Perdonnet, 1856). As rotundas, segunda Kühl (1998), se caracterizam pela forma hexagonal ou cilíndrica e, em muitos casos, em meia circunferência. Os edifícios destinados às máquinas locomotoras tinham capacidade de guarda, no Brasil, em sua maioria, entre quatro e oito máquinas, mas os maiores depósitos podiam receber até vinte locomotivas. As maiores dimensões evoluíram gradualmente para 37 m de diâmetro e capacidade para 12 máquinas em 1830-40 para 110 m de diâmetro e 70 máquinas nos anos 1900-1910. A principal característica centra-se no girador (ou viradouro) ao centro de sua estrutura que possibilita o posicionamento das

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máquinas. As rotundas que não tinham a parte central coberta eram denominadas “anelares”, diferente das cobertas chamadas simplesmente de “rotundas”.

Figura 1: Antiga Rotunda de São Diogo (Rio de Janeiro) – Estrada de Ferro Central do Brasil Fonte: Arquivo Marc Ferrez (Arquivo Nacional – RJ), s/d.

Observa-se de maneira interessante que no período das Grande Guerras a estrutura das rotundas não foi destruída, assim como outros exemplares de grandes edifícios a pesar de poder se tornar um alvo em potencial devido à sua centralidade para o transporte ferroviário. Uma vez destruído o girador que posicionava e permitia a retirada das locomotoras, tornava-se impraticável a utilização do transporte ferroviário. Ao diferenciar-se das outras estruturas ferroviárias, principalmente por seu formato, as rotundas podiam ser consideradas elementos especiais do conjunto pois determinavam novos espaços considerados sociais ou de trabalho, ou ainda privativos. Elas foram dedicadas a funcionar como abrigos ou refúgios de funcionários e passageiros, pois suas estruturas semicobertas ofereciam proteção aos passageiros que não estivessem nas plataformas ou mesmo alternativa às plataformas descobertas, às cabines ou guaritas (dos guardas ferroviários), às pontes de pedestres ou passagens subterrâneas. Destacam-se ainda como referência espacial em relação a outros elementos de menor tamanho, como as caixas d’água, os depósitos; os banheiros e bebedouros. O que se conclui, a partir da multiplicidade de estruturas ferroviárias existente que compõem o complexo ferroviário, são as diversas possibilidades de se recuperar e valorizar elementos do patrimônio ferroviário cuja importância não se encontra somente pela preservação do patrimônio e da memória, mas também pela manutenção e desenvolvimento da memória e história social. 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

4. PATRIMÔNIO INCLUÍDO vs. PATRIMÔNIO ESQUECIDO A valorização e reconhecimento do patrimônio ferroviário observa a ocorrência de uma multiplicidade de ações que convergem para sua incluso, mas igualmente se identifica, para um grande número de casos, a degradação, espoliação, abandono, saque e outros tipos de deterioração desse patrimônio. As diferentes interpretações que se tem do patrimônio ferroviário se constituem em realidades distintas que estão presentes nos diferentes locais. O que se pode compreender por patrimônio ferroviária se confunde, equivocadamente, muitas vezes, à arquitetura ferroviária. Mas essa representatividade pode ser considerada complexa e corresponde desde elementos relacionados à vida ferroviária às paisagens decorrentes do complexo ferroviário, considerando-se ainda vilas ferroviárias e mesmo cidades ferroviárias que permitem múltiplas interpretações. Quando se trata de avaliar as realidades dos elementos arquitetônicos percebem-se distintas situações, e no caso particular, as diferentes realidades que caracterizam as rotundas brasileiras que se destinam a diferentes usos e desusos na atualidade. Elas que tinham uma função específica e uma estrutura diferenciada apresentam diferentes realidades desde aquelas que contêm elementos originários de suas funções e que as mantêm àquelas que foram transformadas em Centros Culturais, órgãos públicos e outras funcionalidades. Mas também aquelas que foram totalmente destruídas ou se encontram arruinadas. (Figura 2)

Figura 2: Rotunda do Complexo Ferroviário de São João Del Rei (Minas Gerais) Fonte: Isabel Rodrigues (Arquivo Particular), 2010.

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Assim, se deve destacar a multiplicidade de situações em que se encontram e as diferentes possibilidades de revalorização e recontextualização. Algumas se apresentam em situação de reversão, no que se refere a possíveis reusos, mas também há estruturas que constituem casos de total abandono. Segundo Tartarini (2001), ao se buscar compreender o patrimônio ferroviário deve-se avaliar de maneira interdisciplinar as suas características e funções que se constituem em elementos de identificação e identidade, pessoal e coletiva. Estas diferentes realidades podem levar a diferentes memórias e a uma história social que permite melhor descrever a realidade social em que se encontra inserido. Ao avaliar as realidades de um elemento ou de um complexo ferroviário, deve-se buscar respeitar suas características, distinções e perceber que os elementos têm usos e funções que podem não mais corresponder a uma realidade funcional, mas que, muitas vezes, se encontram relacionadas à memória e história locais.

5. ROTUNDAS BRASILEIRAS – DIFERENTES REALIDADES Uma análise das realidades de algumas das rotundas brasileiras tem-se uma multiplicidade de situações em que se encontram, variando desde uma inclusão na paisagem social e urbana que, muitas vezes, se encontram, mas desconectadas, em alguns casos, da paisagem ferroviária a que pertencem. As rotundas e seus respectivos complexos ferroviários apresentam situações positivas que consideram propostas de revalorização e reuso de suas estruturas, mas também casos de total abandono e mesmo de desterritorialização em relação à sociedade. Seguem algumas informações, umas mais detalhadas que outras, de algumas das rotundas ainda existentes (e resistentes) no Brasil1.

5.1. Rotunda da Estação de Porto Novo do Cunha – Além Paraíba – MG A Estação de Porto Novo fazia parte da Estrada de Ferro Leopoldina e foi inicialmente denominada por Porto Novo do Cunha sendo inaugurada em 1871 como estação final. O tamanho inicial de sua bitola (longitude de uma linha férrea) era de 1,60 metros, mas depois de incorporar-se como linha auxiliar à cidade de Entre Rios se determinou sua modificação e

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As informações, de maneira geral, apresentadas no trabalho encontram-se na página WEB, Associação Brasileira de Preservação Ferroviária – www.abpf.org.br e www.abpf.com.br; Associação Nacional de Preservação Ferroviária – www.anpf.com.br, Estações Brasileiras - http://www.estacoesbrasileiras.com.br/; Estações Ferroviárias do Brasil – www.estacoesferroviarias.com.br; Preservação Ferroviária – www.memoriaferroviaria.com.br; dentre outras. 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

redução para a bitola métrica em 1911. Em 1957 passou por incorporação à RFFSA, órgão estatal federal. La empresa mantinha as oficinas de manutenção e construção de vagões nas linhas de sua concessão: “Porto Novo com sua rotunda de 360º em Além Paraíba, MG, foi a primeira oficina da Leopoldina (E. F. Leopoldina) e uma das mais importantes durante a fase da tração a vapor. Contudo com os processos de utilização do diesel passou a fazer a manutenção de carros, vagões e máquinas até sua desativação ao final da década de 1990”. (Buzelin e Setti, 2005, pp. 67).

As oficinas da Estação de Porto Novo eram consideradas as mais importantes da rede ferroviária brasileira, pois nela ocorria a construção ou reforma dos carros e vagões. Entretanto, sua importância arquitetônica e estratégica no desenvolvimento das ferrovias no Brasil está desconsiderada na atualidade. A rotunda, assim como a estação e todo o complexo estão abandonados, principalmente depois do processo de privatização e de sua incorporação pela empresa FCA – Ferrovia Centro Atlântica. A estação ferroviária é utilizada, atualmente, como hospedaria para os profissionais da empresa concessionária. Desde 1990 a empresa se propôs inaugurar um Centro Ferroviário de Cultura, mas faz anos que o mesmo não existe e o que se observa é o total abandono da estrutura da rotunda, que ainda encontra sua estrutura, em grande parte, bem preservada, apesar da situação de todo o complexo ferroviário que foi o primeiro em sua tipologia no Brasil.

5.2. Rotunda do Complexo Ferroviário de Barra do Piraí – RJ A linha de Barra de Piraí tem grande importância histórica pois foi a primeira a ser construída, sendo entregue em 1858 e fazia a ligação entre a Estação Dom Pedro II na cidade do Rio de Janeiro até Belém (Japeri). Foi denominada Estrada de Ferro Dom Pedro II, tendo posteriormente, em 1889, seu nome mudado para Estrada de Ferro Central do Brasil. A cidade de Barra do Piraí foi incorporada em 1864 quando a linha ampliou-se até a então província de Minas Gerais cuja estação final se encontrava na cidade de Juiz de Fora, em 1875. Após, ocorreu uma ampliação na direção noroeste do Brasil e chegou à cidade de Monte Azul (MG) em 1948 quando foi integrada à Viação Férrea Leste Brasileiro que tinha como estacao final a cidade de Salvador, Bahia. A cidade fluminense tinha importância até a década de 90 quando fazia a conexão à São Paulo, para transportar carga.

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A rotunda de Barra do Piraí “foi construída em 1891 e tinha capacidade para 30 máquinas”. Sua importância para o complexo ferroviário se baseava em sua posição estratégica pois era considerada como “ponto de convergência de três linhas de grande importância e muito bem localizadas com relação ao comércio ao qual serviam”. (Gerodetti e Cornejo, 2005, pp. 26).

5.3. Rotunda do Complexo Ferroviário de Bauru – São Paulo A estação foi fundada em 1906, sendo posteriormente inaugurado o edifício atual em 1939. Fazia parte da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, incorporada à RFFSA em 1975 e posteriormente privatizada e incorporada pela concessionária NOVOESTE, em 1996. A rede transportou passageiros até 1995 e desde então somente se destina ao transporte de carga. O complexo de Bauru foi considerado entre as décadas de 1940-1960 um dos maiores do Brasil, principalmente por sua importância económica em função do transporte de café para o Porto de Santos e posterior exportação. Entretanto, com o processo de privatização as oficinas foram trasladadas para outra localidade na década de 90 e as últimas viagens de passageiros a chegar na cidade ocorreram em 2001. O complexo ferroviário se compunha a partir da convergência de três das grandes companhias ferroviárias– a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a Estrada de Ferro Sorocabana e a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Com isso, o grandioso conjunto executava todos os serviços de manutenção ferroviária que anteriormente se realizavam em diferentes centros das companhias que compunham o Complexo de Bauru. Apesar de sua imponência, beleza dos edifícios e complexidade espacial, seus prédios, escritórios e oficinas foram desativados com o tempo, principalmente depois do processo de privatização e a desativação do trem de passageiros. Algumas das instalações ainda servem de armazenamento de empresas localizadas ao redor do complexo, mas a rotunda está desativada e abandonada.

5.4. Rotunda do Complexo Ferroviário de Campinas – SP A primeira rede a chegar à cidade de Campinas foi a Estrada de Ferro Rio-Clarense que fazia o percurso entre as cidades de Jundiaí e Campinas que posteriormente se desenvolveu até as cidades de São Carlos e Rincão. Posteriormente foi chamada por Companhia Paulista de Estradas de Ferro até sua incorporação pela FEPASA e posterior privatização à ALL (América Latina Logística).

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Em 1984, a estação atual de Campinas comemorou seu centenário sendo completamente reformada dois anos depois e registrada como patrimônio pelo órgão estatal paulista, o CONDEPHAAT. As linhas de duas das redes – Sorocabana e Mogiana – que também passavam pela estação foram transferidas para outra estação e os trens de passageiros permaneceram até 2001. A estação passou a servir como Centro Cultural em 2003, além de incorporar em sua estrutura outros eventos. Em 2005, com repercussão na mídia ocorreu um acidente que ocorreu em função de uma composição ferroviária de carga com madeira danificou as vigas metálicas da estação e danificou todo o edifício principal. A rotunda da estação encontra-se preservada, mas de certa maneira abandonada, pois necessita receber um processo de conservação e restauração e se determinar novos usos.

5.5. Rotunda do Complexo de Campo Grande – MS A rotunda do complexo da “Esplanada da Noroeste do Brasil” (pertencente à empresa NOVOESTE), na cidade de Campo Grande fez parte inicialmente da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que tinha como ponto de partida a estação e cidade de Bauru e finalizava sua linha em Cuiabá, seguindo posteriormente desde Corumbá à divisa com a Bolívia em Santa Cruz de la Sierra. Seu primeiro percurso na região pertenceu à Estrada de Ferro Itapurá-Corumbá (1912) sendo incorporado pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em 1917 e posteriormente adquirido pela RFFSA quando ocorreu o processo de federalização da rede ferroviária brasileira, em 1975. Em 1996 a concessionária NOVOESTE obteve o direito de concessão com o processo de privatização. A estação de Campo Grande inaugurou-se em setembro de 1914 e atualmente encontra-se desativada, assim como todo o complexo ferroviário que, em grande parte, não possui suas vias e travessias. O último trem de passageiros circulou em 1996, sendo que em 2004 se construiu as variantes ferroviárias a fim de determinar a extinção e exclusão das travessias ferroviárias na parte central da cidade. A rotunda apresentava capacidade para treze máquinas locomotoras e se constituía em um dos grandes espaços do complexo e paisagens ferroviários, não somente por sua localização, mas também por sua grande área em que se pode revitalizar e criar possibilidades de utilização, como um complexo cultural e artístico. Em seu espaço aberto há possibilidades para a realização de feiras e outros eventos.

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Mas, todo o complexo ferroviário se encontra em adiantado processo de deterioração e abandono, seja pelas autoridades estatais ou órgãos diretivos da empresa concessionária. (Arruda; Vargas e Queiroz, 2002).

5.6. Rotunda de Cruzeiro – SP A rotunda da cidade de Cruzeiro se encontra, atualmente, transformada em Centro Cultural. Toda a estrutura do complexo ferroviário que compunha a Estrada de Ferro Dom Pedro II, nas últimas décadas do século XIX (1878-1889), foi substituída por novas estruturas urbanas de transporte e moradia. As empresas concessionárias subsequentes à primeira foram a Estrada de Ferro Central do Brasil (1889-1975), a RFFSA (1975-1998) e posteriormente, a concessão privada à MRS em 1998. (Castro, 2005) O primeiro edifício da estação foi inaugurado em 1878 e se constituiu como ponto de partida para a Estrada de Ferro Minas e Rio que depois foi incorporada à RMV – Rede Mineira de Viação. Entre os anos de 2000 e 2001, a linha transformou-se em trecho turístico que esteve sob a gestão da ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária). Os trens turísticos faziam o percurso de Cruzeiro até Passa Quatro, pero mas com a interrupção do túnel entre São Paulo e Minas Gerais e sem apoio – estatal ou da concessionaria – para sua recuperação, deixou-se de realizar tal atração turística.

5.7. Rotunda do Complexo Ferroviário de Lins – SP O complexo ferroviário de Lins pertenceu à Estrada de Ferro Noroeste do Brasil até 1975, quando ocorreu a federalização das linhas e incorporação pela RFFSA. Em 1996 houve a cessão à concessionária NOVOESTE. Sua primeira estação inaugurou-se em 1906 e fazia parte do complexo que levava à região centro-pantaneira do Brasil. Em 1922 foi construída a nova estação que posteriormente foi trasladada para outro local em 1954. Atualmente o edifício se encontra desativado e em ruinas, assim como todo seu complexo ferroviário em estado de deterioração, incluindo a rotunda que, infelizmente, tem seu uso destinado a ferro-velho e outras utilizações marginais.

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5.8. Rotunda do Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – RO O complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM) encontra-se transformado em Museu Ferroviário cuja utilização se faz a partir da estação central de manutenção de toda estrutura que compreendeu grande vulto de desbravamento e processo de desenvolvimento da região amazônica nas décadas de 30 e 40 no Norte do Brasil. O complexo ferroviário que se desenvolve paralelamente ao Rio Madeira tem sua utilização derivada e complementar à circunscrição geográfica em relação ao porto fluvial cuja navegação ocorreu em função, principalmente, da produção do látex. Além da estação ferroviária, o complexo da E. F. Madeira-Mamoré também continha serviços auxiliares de abastecimento de agua, as oficinas, demais instalações ferroviárias e uma Usina Eléctrica para prover a cidade de Porto Velho. (BRASIL, 1954; FERREIRA, 2005; HARDMAN, 2005). Atualmente o complexo encontra-se protegido e compõe um conjunto de atividades que engloba um programa permanente de manutenção e desenvolvimento de atrações culturais as quais deve-se observar a necessidade de ações e educação patrimonial para que se possa perpetuar suas características histórico-sociais ao longo do tempo.

5.9. Rotunda do Complexo Ferroviário de Ribeirão Vermelho – MG O complexo de Ribeirão Vermelho pode ser considerado um dos eixos de desenvolvimento do Brasil Central e possibilitou a expansão e desenvolvimento socioeconômico do país na primeira metade do século XX. Entretanto, não se observa uma preocupação com relação a sua manutenção e preservação. A rotunda foi construída em 1895, pela Cia. Estrada de Ferro Oeste de Minas e sua estrutura se compunha de material importado da Escócia, com cerâmicas francesas equipamentos, máquinas e projeto ingleses e cuja estrutura original apresenta semelhanças a um anfiteatro greco-romano do tipo poligonal. O conjunto férreo inclui as oficinas, escritórios, armazém e demais edifícios, como áreas de manutenção e conservação das máquinas e se constituía em importante ponto de confluência de linhas ferroviárias, uma estação-tronco. Nos últimos anos os órgãos municipais da cidade buscam desenvolver ações coordenadas com o Governo Federal para desenvolvimento de um plano de recuperação e reutilização do complexo com o propósito de garantir a manutenção desse patrimônio sociocultural. Recentemente, em agosto de 2014, o Conselho Estadual de Patrimônio Cultural do Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA/MG, deliberou por unanimidade pela preservação do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico Ferroviário de Ribeirão Vermelho promovendo-o a patrimônio estadual. (Figura 3) 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Figura 2: Rotunda do Complexo Ferroviário de Ribeirão Vermelho (Minas Gerais) Fonte: Ronaldo André Rodrigues (Arquivo Particular), 2013.

5.10. Rotunda do Complexo Ferroviário de São João Del Rey – MG O Complexo Ferroviário de São João Del Rey encontra-se localizado próximo ao centro histórico da cidade e pertenceu primeiramente à Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM) sendo uma das poucas estruturas ferroviárias a utilizar em suas dimensões o tamanho de 0,76 m em seus trilhos que a notabilizou no Brasil com o nome de “bitolinha”. Possui uma paisagem ferroviária urbana de 37.000 m2 com pátio ferroviário, edifícios de manutenção, além da principal atração, o trem turístico entre as cidades de São Joao Del Rei e Tiradentes, com percurso de 12 km. Em seu complexo tem-se o Museu Ferroviário. As intervenções ocorridas em 1984, através do programa PRESERVE, determinou sua recuperação e reutilização e tornaram possível a manutenção das funções da rotunda e outros elementos. A rotunda, reconstruída, em sua planta poligonal com 24 lados, está inscrita em um círculo de 43 m de diâmetro. Internamente encontra-se o girador (ou viradouro) com diâmetro de 6,50 m e 24 áreas de manutenção. (Morais, 2000). Ainda como principais características da rotunda de São João Del Rey se verificam duas linhas localizadas em lados opostos reservados à entrada e saída das máquinas e vagões. Há também dois fossos de inspeção debaixo das duas linhas… possui sistema construtivo de pedras em sua base e no fosso do girador, alvenaria nas paredes autoportantes e colunas de ferro fundido como sustentação com estrutura de madeira e telhas cerâmicas… seu tratamento externo possui ornamentos em relevo de argamassa…. Contornando as janelas envidraçadas com vergas em arco plano, molduras com desenhos em forma grega se conjugam em forma de cruz... Internamente uma colunata de ferro fundido contorna o pátio central. (Moreira, 2007, p. 99-100)

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Pode-se observar, assim, um conjunto e estrutura singular em sua forma e conjunto arquitetônico no qual se percebe uma representação significativa do patrimônio e história. Além das características da rotunda se tem um conjunto significativo da paisagem ferroviária e um exemplar da variedade de representações do patrimônio e da paisagem culturais.

6. REFLEXÕES PATRIMONIAIS FERROVIÁRIAS As diferentes realidades das rotundas brasileiras e consequentemente dos complexos ferroviários levam a reflexões que tratam desde a compreensão do papel histórico e da sua pertinência à memória das populações locais até as políticas sociais e culturais de valorização desse tipo de patrimônio. Comumente não se tem valorado de maneira significativa os exemplos de patrimônio ferroviário e industrial no Brasil. Tal realidade leva a não-preocupação, ou mesmo descaso, em relação a exemplares os mais diversos, e especificamente as rotundas em que ocorrem destruição e perda de função, além de processos de decadência das estruturas ferroviárias, em geral, desde meados do século XX, quando houve transferência do modal ferroviário ao rodoviário e posteriormente a extinção da RFFSA que determinaram a substituição por outras alternativas de infraestrutura urbana ou de transportes. Pode-se distinguir diferentes realidades às rotundas, mas se deve destacar a sua importância para a memória e história de alguns centros urbanos e rurais da sociedade brasileira e, principalmente, da história ferroviária. O que se percebe, entretanto, é a formação de uma ideia positiva, desde órgãos públicos a privados, instituições e indivíduos que determinam uma crescente inserção de museus dedicados a esse patrimônio. Ao se considerar o potencial turístico do setor, tem-se uma realidade que representa, tão somente, cerca de 5% de todo o transporte ferroviário em 22 percursos. (ANTP, 1999). No que se refere às rotundas, se destaca a existência de outros exemplares, além dos especificados no trabalho, que fazem parte, igualmente, da memória e da história das cidades em que se encontram. Elas fazem parte, inseridas no complexo ferroviário, de um período passado de progresso e desenvolvimento que transformou a paisagem brasileira e permitiu o desenvolvimento socioeconómico. Buscou-se, finalmente, apresentar as estruturas ferroviárias das rotundas como exemplares remanescentes de uma história e memoria que, em geral, está se perdendo no Brasil. Mas que, também, em contraste a tal ponto, encontra exemplares cuja preocupação de valorização e preservação determinam um futuro de reutilização que se apresente inserido a adequados processo e projetos de continuidade de uma memória, de refuncionalização que preserve ou 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

rememore suas funções e que transforme a realidade de abandono em inserção ao conceito mais amplo de patrimônio cultural e paisagem cultural brasileiros..

7. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Guilherme Maciel. Paisagem cultural: um conceito inovador. IN: CASTRIOTA, Leonardo Barci. Paisagem cultural e sustentabilidade. 1ª. ed. Belo Horizonte: IEDS; UFMG, pp. 25-45, 2009. BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. I Centenário das Ferrovias Brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, 1954. CAMINHOS DO TREM. São Paulo: Grupo Tejofran, Duetto Editorial, 2010. CAMPOS, Helena Guimarães. Caminhos da história: estradas reais e ferrovias. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio cultural: conceitos, políticas, instrumentos. 1ª. ed. São Paulo: Annablume, 2009. FERREIRA, Lúcia M.A.; ORRICO, Evelyn G.D. Prefácio. In: ________. Linguagem, identidade e memória social. 1ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A, Prefácio, p. 7-12, 2002. GERODETTI, J.E.; CORNEJO, C. As Ferrovias do Brasil nos cartões-postais e álbuns de lembranças. São Paulo: Solaris Edições Culturais, 2005. HALBWACHS, Maurice. A Memória coletiva. São Paulo: Vértica, 1990. ______. Los marcos sociales de la memoria. 1ª ed. Barcelona, Anthropos, KÜHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexões sobre a sua preservação. São Paulo: Ateliê Editorial, FAPESP, 1998. MAIA, Andréa Casa Nova. Encontros e despedidas. História de ferrovias e ferroviários de Minas. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009. MORAIS, Sérgio Santos. Preservação do Complexo Ferroviário de São João del Rey. Boletim Informativo da Associação Brasileira de Conservadores-Restauradores de Bens Culturais, Rio de Janeiro, p. 4-5, Dez./Jan./Fev. 1999/2000. SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Sobre a autonomia das novas identidades coletivas: alguns problemas teóricos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 13, n.38, 1998. SCHOPPA, R.F. 150 anos do Trem no Brasil. Votorantim, 2004. TARTARINI, Jorge D. Arquitectura ferroviaria. Buenos Aires: Colihue, CEDODAL, 2001. 3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

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