«Património Histórico e Artístico de Alpalhão»

July 25, 2017 | Autor: Vitor Serrão | Categoria: Art History, Iconography and Iconology, Arte sacra, Historia Da Arte Em Portugal
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Descrição do Produto

ALPALHÃO

PATRIMÓNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO

Título Alpalhão - Património Histórico e Artístico Ilustração da capa João J. Tavares Mourato Fotografia Maria Russo Projecto gráfico e paginação Mariana Góis Impressão Nome da gráfica Lisboa, Abril de 2015 Depósito Legal 000000/15

ÍNDICE Apresentação

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Agradecimentos

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Capítulo 1 Memória 16, João Cosme e José Varandas

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Capítulo 2 Património Histórico e Artístico de Alpalhão, Vítor Serrão

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Capítulo 3 Outros Elementos de Interesse Histórico

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Capítulo 4 O Foral manuelino de Alpalhão

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Capítulo 5 Marcas de Cristianização, Carmen Balasteros e Margarida Ribeiro

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Biografias dos Autores

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Edifício da Antiga Câmara Municipal Actual Junta de Freguesia

Apresentação A génese deste livro insere-se no âmbito das actividades da LIAAL – Liga dos Amigos de Alpalhão, que pretende promover, divulgar e preservar as memórias desta Vila, a que se associou a actual Junta de Freguesia de Alpalhão. Os textos que aqui estão compilados são o resultado do interesse de vários historiadores em estudar e investigar o Património e a História de Alpalhão em diversos contextos, abaixo enunciados. O título desta obra surge no seguimento da palestra realizada nesta nossa Vila pelo Professor Vítor Serrão, a convite da LIAAL. Nesta palestra, o Professor apresentou o seu trabalho sobre o Património Histórico e Artístico de Alpalhão seguido de uma visita guiada, oportunidade que mereceu um grande entusiasmo por parte da população que mostrou o seu interesse em conhecer a sua História, o seu Património. De facto, o trabalho desenvolvido pelo Professor Vítor Serrão permite-nos, hoje, ter uma visão sobre o interesse do Património Histórico desta Vila, que vai mais além do que uma “mera observação”, sensibilizando-nos para a existência de objectos de valor, marcantes da identidade de uma população, que merecem ser divulgados e, acima de tudo, preservados. Não há dúvida que, como refere o Professor Vítor Serrão, as obras de Arte que perduram no tempo passaram a ser olhadas de outra forma, depois de “explicadas no seu contexto temporal, geográfico, estilístico e ideológico”. No que diz respeito ao Foral Manuelino, concedido a Alpalhão a 13 de

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Outubro do ano de 1512, mais se ficou a conhecer na palestra realizada, por ocasião da celebração dos seus 500 anos, pelo Professor João Cosme. Na sua apresentação o Professor, fez uma elucidação sobre os Forais Manuelinos, dando a conhecer o conceito genérico do Foral nos seus vários aspectos terminando numa análise mais específica que deu a conhecer o Foral de Alpalhão e o seu conteúdo, apresentando a sua transcrição que é, também, aqui publicada. Se o Património artístico edificado, os marcos históricos, identificam um povo, os sinais deixados por quantos cá passaram completam a sua história. O trabalho publicado na revista cultural IBN MARUÁN do concelho de Marvão, sobre as Marcas de Cristianização nos Núcleos Urbanos Antigos de Alpalhão e Valência de Alcântara (Cáceres), são bem a prova desta afirmação. Este é o resultado do estudo e da investigação das historiadoras Professora Cármen Balesteros e Dr.ª Margarida Ribeiro que incide sobre os vestígios dos Cristãos-Novos existentes nestas duas Vilas, e que, pela sua relevância, também é incluída neste livro. Depois da leitura dos trabalhos resultantes da investigação de tão conceituados historiadores, não nos restam dúvidas sobre o interesse do Património Histórico Artístico desta Vila, da sua História escrita e assinalada por marcas bem visíveis. Estes textos levaram-nos, na sua generalidade, à “redescoberta” do Património que perdurou no tempo com a sua arquitectura mais opulenta “com belas cantarias”, o seu casario popular ou os vestígios pré-históricos,

disseminados por toda esta região, mas dando especial relevância aos vestígios judaicos gravados nas cantarias, todos eles elementos que que nos dão a dimensão da história desta Vila. Mas a sua história não fica completa se não forem abordadas as suas tradições, que sobrevivem graças à vontade dos seus habitantes – Das procissões, em que evidenciamos a Romaria em Honra da Senhora da Redonda, que continua a contar com a presença dos que saíram da Vila, para fora ou dentro do País, que se realiza na segunda-feira de Páscoa; O Carnaval, com as suas Contradanças e os seus Trajes, agora transformados em Trajes Regionais; Também a Gastronomia, os costumes, não esquecendo o dialeto e o vocabulário local, diferente de qualquer outro. Cada uma destas tradições completa a identidade de um povo, do nosso povo, embora não caibam no âmbito da abordagem dos temas deste livro. O interesse demonstrado por este grupo de estudiosos na investigação, cada um nas suas áreas de especialização, permite afirmar que os valores do Património e da Historia desta Vila, acrescidos do valor Afectivo, são incomensuráveis para quem nela nasceu ou quem a adoptou como sua, e tornam-se por isso, razão de maior para a sua divulgação. A publicação deste livro por iniciativa da LIAAL-Liga dos Amigos de Alpalhão, a que se juntou a Junta de Freguesia de Alpalhão, pretende, desta forma, divulgar o Património desta vila, no contexto Histórico, Artístico e Cultural, contribuindo para a preservação do legado que foi deixado por quantos aqui viveram. João J. Tavares Mourato

Agradecimentos A Junta de Freguesia de Alpalhão e a LIAAL – Liga dos Amigos de Alpalhão agradecem ao Professor Vítor Serrão e ao Professor João Cosme, o empenho demonstrado no estudo e elaboração dos conteúdos presentes neste livro e gentilmente cedidos para a sua publicação. E, ainda, pela disponibilidade demonstrada no encontro com o nosso lugar, Alpalhão. Obrigado. Ao professor Cosme, agradecemos, também ter-nos disponibilizado o texto sobre Alpalhão, resultado do seu trabalho de investigação sobre as Memórias Paroquiais de 1758. Agradecemos igualmente à Doutora Margarida Ribeiro, pelo empenho, cedência e autorização da publicação do trabalho sobre as Marcas de Cristianização nos Núcleos Urbano Antigo de Alpalhão e Valência. Ana Cecília Manteigas - Presidente da Junta de Freguesia de Alpalhão João J. Tavares Mourato - Presidente da LIAAL

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Alpalhão Vista Panorâmica

Capítulo 1 ¹ Memória 16 pp.141-143

ALPALHÃO 1758, Abril, 4 Freguesia: Alpalhão Concelho: Nisa Distrito: Portalegre

1 Cosme, João e Varandas, José (2011). “Memória 16” in idem (org.) Memórias Paroquiais (1758) – Vol. III [Almonde -Amorim]. Lisboa: Caleidoscópio, 114-116.

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“/p.141/ Fica esta villa na provincia do Alemtejo, bispado de Portalegre. Hé de el-Rey nosso senhor, ahinda que tem alguas terras de comenda, como Montalvão, Niza que se chamam terras do Mestrado, e da comenda que há da Ordem de Christo. Hé o seu comendador o Excelentissimo Duque de Lafoens. Tem quatrocentos e vinte fogos; e mil e quatrocentas pessoas sogeitas a hua só freguesia de Nossa Senhora da Graça, igreja apresentada por el-Rey na Meza da Com[s]ciencia por concurso, com vigario que tem dous moyos de trigo e meyo, vinte e oito mil réis e cincoenta e dous almudes de vinho, e o pé-de-altar trinta mil réis. Tem coadjutor com dous moyos de trigo, e seis mil réis, vinte e cinco almudes de vinho. Thezoureyro com hum moyo e quinze alqueires de trigo, três arrobas de cera lavrada, cinco mil réis, oito alqueyres de azeyte. Esta igreja tem seis altares: da Senhora da Graça que hé o orago, da Senhora da Purificação, do Menino Deus, da Senhora do Rozario, do capelo do Arcediago e das Almas. Tem quatro irmandades a que chamam confrarias: das Almas e do Rozario, e das /p.142/ Chagas e da Senhora da Purificação. Está esta villa situada em hum campo mas ahinda que plano, tem sua altura donde se avista Montalvão, distante duas legos; e Niza, outras duas; Castelo Branco, oito; Villa Velha, quatro, e Aris duas; Castelo de Vide, duas. O seu termo tem por todas as partes meya legoa, muito fecundo de senteyo, feyjão e milho meudo e algum trigo.

Há nella Mizericordia com provedor e irmãos e hospital, erecta pella devoção e doaçans dos devotos que fazem de renda regularmente cem mil réis, e cento e trinta réis. Tem capitão-mayor, dous capitaens da Ordenança, hum de Auxiliares, e hum sargento-mor. Fora da villa tem hua ermida de Santo Antonio, outra de S. Sebastiam e do calvario; e outra meya legoa distante de Nossa Senhora da Redonda, imagem muito milagroza e de grande veneração não só para os desta villa mas tambem para as circunvizinhanças, e honde vêm com muitas romarias de Veram. E os da villa da Amieyra, distante três legoas, vêm todos os anos; a Justiça e toda a Nobreza com provizão de el-Rey para fazerem gastos à custa dos bens do concelho. Dentro tem duas ermidas: a de S. Pedro e da Santa Caza da Mizericordia. Tem dous juizes ordinarios, escrivam de camera, escrivão dos orphãos, escrivão do judicial e notas, /p.143/ alcayde. A mizericordia governa-se pello compromisso da de Lisboa. Tem esta villa finalmente seu sinal de muralha que hé ao redor hua parede mais larga, arruinada e quazi posta no alicerce, e hum castello no meyo com hua das quatro faces arruinada pelos castelhanos em Mayo de mil e settecentos e quatro. Este pello terremoto foi só o que padeceo nesta villa perecer hua pequena parte lá do alto da mesma face offendida, que as outras três se conservam inteiras. Dista de Portalegre quatro legoas; de Lisboa trinta e duas.

[Rio] Há mais hua ribeyra que, por fazer ao rio Sor, lhe deu a sua origem, que hé junto à aldeã de Lagoa, termo de Portalegre, ahonde de huns regatos se forma; e na distancia de duas legoas, a esta villa por cujo termo passa, faz seis moinhos que moem nos annos bem regulados de Outubro athé Mayo. Pela pequenhez deste termo alcançaram os moradores desta villa provizoens dos senhores reys passados para serem os pastos comuns, e poderem entrar com os seus gados no termo da villa de Niza. Há mais outra ribeyra ou riozinho chamado do Figueirô, de tão excelentes bordalos que, entrando hum homem desta villa em hua igreja da cidade de Coimbra a tempo que se faziam exorcismos a hum energúmeno (pessoa que nunca veyo a esta terra, nem o conhecia), disse o diabo: «-Oh, homem de Alpalham! Bons bordalos de Figueirô! Oh! Oh!» E por a não acabarem o diabo, guarde Deos a quem me manda fazer este papel.

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Capítulo 2

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Património Histórico e Artístico de Alpalhão ALGUNS ACERVOS A REDESCOBRIR.

1 Conferência de Vítor Serrão, Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com visita de estudo aos monumentos da vila, promovida pela Liga dos Amigos de Alpalhão (LIIAL)

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Introdução O património histórico-artístico português continua a ser encarado à margem das grandes prioridades políticas nacionais. Não espanta, por isso, que sobre o acervo patrimonial de Alpalhão – e com exclusão dos grandes testemunhos pré-históricos, as antas e outros monumentos megalíticos - o conhecimento das pessoas se resuma, com uma margem de boa vontade, ao que sobre ele vem escrito no Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Portalegre, de Luís Keil, editado pela Academia Nacional de Belas-Artes no longínquo ano de 1942, e de há muito esgotado, e aos magros estudos de Jorge Rodrigues e Paulo Pereira, mais recentes, sobre edifícios de interesse artístico da vila do Crato e dos limítrofes concelhos alto-alentejanos integrados no Distrito de Portalegre. Pergunta-se: qual a razão deste desconhecimento? Será que não existem em Alpalhão, nas suas igrejas e capelas, na sua arquitectura, desde a mais opulenta ao casario popular, nos recheios das antigas irmandades e casas nobres, nas ermidas rurais, obras de arte dignas de estudo, preservação e demorada visita? Claro que sim. O que se passa é que o desconhecimento se alia ao desinteresse geral, à falta de investigação nos arquivos, à falta de inventariação sistemática de espécimes, à falta de reais medidas de protecção e, sobretudo, a uma preconcebida e lamentável atitude de auto-menoridade face ao nosso património que continua a ser a grande responsável pela insensibilidade que grassa e que explica a falta de investimento na protecção, no restauro e estudo integrado dos imóveis a fim de se poder fomentar um turismo cultural de qualidade. Há que inverter esta situação, e cabe às forças vivas locais, por isso, um papel imprescindível de auto-descobrimento. O património secular que

ainda remanesce em Alpalhão, vila do antigo Priorado do Crato, depois das destruições do tempo e dos homens, das refregas militares (sobretudo as das guerras da Restauração), ou do abandono pura e simples, servenos para uma viagem encantatória sobre a memória das imagens e das formas que, na sua sempre retomada orgânica de exploração trans-contextual, continuam a testemunhar o esforço de gerações, o talento de homens, a fidelidade a gostos, a abertura a inovações, o desejo de exprimir fidelidades, constâncias ou revoltas e gritos de afirmação social. De tudo isso, que é parte da História, nos pode falar o património artístico de Alpalhão, quando devidamente (e demoradamente) interrogado pelos nossos olhares de hoje. E talvez, desse olhar de descobrimento, renasçam fascínios interrompidos no tempo, aptos a atrair as gentes de fora, e as da terra, sensibilizando-as param uma memória perdida e afirmando a necessidade do seu estudo e preservação – como uma mais-valia colectiva... Partimos da ideia de que as múltiplas experiências artísticas que se afirmam no tempo histórico à margem dos grandes «pólos artísticos» - é o caso de Alpalhão, vila que foi sempre parte da periferia - contribuem para assinalar um acento da identidade nacional; apesar de despidas de um maior acesso aos caudais da informação erudita, as obras que despontam fora dos «centeros» nem sempre se apresentam falhas de expectativa sobre as flutuações de gosto que aí assistem. Devemos contrariar a tese de que o «pólo central» (que, no nosso caso, foi sempre Lisboa, Porto, Évora, Coimbra, Portalegre, e também Roma, Sevilha, Antuérpia, Paris, Nova Iorque, conforme as épocas) seria sempre, por definição, o lugar privilegiado da criação artística, e de que a periferia

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significaria apenas um afastamento geográfico em relação àquele não restando senão considerar a dimensão periférica como sinónimo de atraso. Nós defendemos sempre um sentido renovado de pesquisa histórica: a necessidade de cumprir o estudo integral dos paradigmas de conhecimento estético sob as suas diversas facetas de produção e de recepção. No caso de Alpalhão, é imprescindível investigar – para melhor se perceber a sua identidade - o que resta da informação dos arquivos (guardados, em parte, no Arquivo Distrital de Portalegre), e estudar o muito de acervos artísticos que ainda se preserva em imóveis religiosos e civis. Mesmo que ligadas a uma bitola de regionalismo, muitas produções plásticas que nasceram e nascem em contexto de periferia não têm inevitavelmente de ser de signo retardatário – e devem constituir, sempre, um testemunho reforçado de identidade e manancial de trabalho extremamente cativador para uma História de Arte que queira estudar em globalidade do facto artístico, e apta a sensibilizar-se também pela produção provincial. Alguns exemplos da arte portuguesa atestam esse ponto de vista teórico-metodológico. E, como demonstraram Carlo Ginsburg e Enrico Castelnuovo («Centro e periferia», Storia dell’arte italiano, Einaudi, Turim, 1979; trad. A Micro-História e outros ensaios, Difel, Lisboa, 1989), resistência e atraso são atitudes que coexistem na periferia com significados diferenciados, já que se esta reflecte uma postura passiva, aquela mostra, pelo contrário, uma atitude activa que se liga a certa noção consistente de resistência. No campo nacional, verifica-se como o mercado é capaz de reelaborar contraposições alternativas ao estímulo que do «pólo central» se oferece, resistindo

aos modelos da novidade não só porque os recursos necessários para os gerar parecem inatingíveis mas sobretudo porque a periferia possui reservas de identidade que crê suficientemente atractivas para que certas soluções identitárias continuem a prevalecer. Seja qual for o modo com que encaremos as perspectivas de análise da arte emanada da periferia, é seguro afirmar que só com o seu estudo integral pode a História da Arte assumir um conhecimento transversal sobre a produção de um dado período histórico nas suas várias facetas ideológicas, estéticas etc. É por isso que o estudo da arte portuguesa tem de constituir um todo: Também nesta esfera de regionalidade brotam energias insuspeitas e caminhos de possível renovação à margem do modelo erudito, ambos apreciáveis para os olhares do nosso tempo. É essencial um olhar para as obras de arte, não como meros testemunhos históricos já de si datados, mas como interlocutores vivos: há que olhar sempre as obras de arte, depois de estudadas e como tal “explicadas” no seu contexto temporal, geográfico, estilístico e ideológico, como instrumentos eloquentes que nos explicam desejos, fascínios, anseios espirituais, memórias, protestos, indagações e energias vitais, num sentido de criação que, com maior ou menor sucesso, procurou rasgar caminhos da comunicabilidade social.

Castelo de Alpalhão Imagens do "Livro das Fortalezas" da autoria de Duarte de Armas, 1509-1510.

A Vila de Alpalhão A vila de ALPALHÃO, hoje no Concelho de Nisa, que pertenceu à Ordem de Cristo, liga-se a muitas fases importantes da História portuguesa. Teve um castelo edificado em 1300 por D. Dinis e cujas muralhas foram renovadas em 1660; destas, só existem vestígios muito limitados. Teve foral dado por D. Manuel em 13 de Outubro de 1512. Apesar de vitimada por um crescimento urbanístico nem sempre adequado à qualidade dos acervos históricos nela integrados, em parte desaparecidos, possui ainda um conjunto de espécimes artísticos de interesse e, até, algumas obras de arte cuja qualidade é inesperadamente elevada: é o caso da bela imagem gótica da Santíssima Trindade, que era da antiga Capela trecentista do Espírito Santo, e se deve a um escultor erudito de finais do século XV; do Cruzeiro quinhentista junto à Capela do Calvário; ou da esquecida Capela gótica de Santo António, esta em mau estado de conservação; das tábuas maneiristas da Capela de São Pedro, muito deterioradas; ou, ainda, do tecto pintado a fresco e esgrafito, com grotesco romano, na Capela de Nossa Senhora da Redonda, situada em sítio aprazível e altaneiro, no termo da vila. Passamos a citar esses valiosos acervos artísticos, ainda que de maneira abreviada, num convite ao seu gradual re-descobrimento.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça Fachada Principal

O Património A IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA GRAÇA, no centro da vila, data do início do século XVII, tendo sofrido remodelações no século XVIII. O prospecto, com fachada cingida por cunhais de cantaria aparelhada e porta com frontão interrompido, janelão cimeiro entre dois pináculos, inclui a torre sineira, quadrada, com quatro olhais de volta redonda e eirado com quatro coruchéus e cúpula recortada piramidal. O interior é de uma nave e tecto de esteira simples. A capela-mor tem altar de talha dourada barroca do primeiro terço do século XVIII. dos Passos. No interior, retábulo de talha dourada barroca do Estilo Nacional, do fim do século XVII, obra de boa produção de entalhe, acaso encomendada no âmbito do Priorado do Crato. Recorda no estilo e na morfologia o retábulo barroco da próxima Matriz de Gáfete. Nesta região existem, ainda, muitos e bons retábulos de talha barroca, mas falta um estudo sistemático de conjunto. O coro está assente sobre três arcos de volta perfeita, sendo o do centro maior. Tem dois púlpitos de alvenaria. O baptistério, com pia baptismal em granito trabalhado aos gomos, está colocado à esquerda. Do seu recheio são de destacar pela importância artística (devidamente assinalada por Luís Keil no seu Inventário Artístico, em 1942) um turíbulo e naveta de prata em forma de bóia e de caravela, do século XVII (que têm comos punções: P e MR), e uma coroa e diadema de imagem de Nossa Senhora, também do século XVII. No corpo da igreja estão várias sepulturas com epitáfios em mármore ou granito local, quase ilegíveis pelo gasto, umas delas com data de 1659, outra de um cavaleiro da Ordem de Cristo, Dr. Francisco Morato Roma.

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(pág. esq.) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

Exterior

(em baixo) Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça Capela-Mor e Altares Principais

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Rainha Santa Isabel em traje de Clarissa Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

Nossa Senhora da Conceição Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

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Nossa Senhora Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

São João Evangelista Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

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Nossa Senhora do Rosário Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

Nossa Senhora da Graça, Padroeira de Alpalhão Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

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Nossa Senhora das Candeias Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

Imagem de Passo da Via Sacra Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

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São Pascoal Bailão Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

São Romão Peregrino Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

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Senhor da Paciência Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

Santo António e São Francisco de Assis Igreja Matriz de Nossa Senhora da Graça

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Naveta em forma de caravela, Prata - séc. XVII Museu da Misericórdia

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Coroa e Diadema de Nossa Senhora, Prata - séc. XVII Museu da Misericórdia

Turíbulo em forma de bóia, Prata - séc. XVII Museu da Misericórdia

A CAPELA DO CALVÁRIO, situada à entrada da vila na estrada que vai para Gáfete, no cruzamento com a estrada de Nisa, mostra estrutura da segunda metade do século XVI, em forma de quadrilátero, com cunhais de cantaria aparelhada, cimalha e porta de granito. Precede-a um adro de forma redonda, murado, cujo acesso se faz por uma porta simples com ombreiras de granito. Numa das paredes está um Passo, em forma de altar com portada de granito lavrado, sobreposta por uma cruz entre dois pináculos e ao lado, encastrado na parede, um púlpito circular feito de blocos de granito. O interior é muito simples, em forma de rotunda com um pequeno altar. Próximo existe um cruzeiro constituído por uma coluna sextavada assente sobre três degraus. Sobrepuja-a uma cruz chanfrada com a escultura pétrea de Cristo Crucificado, na face anterior, e de Nossa Senhora da Piedade, na face oposta. Deve ser obra do meado do século XVI, um tanto fruste, seguindo modelos goticizantes. Está regularmente conservada.

(esq.) Capela do Calvário - Exterior (pág. dir.) Capela do Calvário - Pormenor de ombreira em Granito (pág. 32, esq.) Capela do Calvário - Interior - Altar (pág. 32, dir.) Capela do Calvário - Interior - Cúpula (pág. 33, esq.) Cruzeiro exterior à Capela do Calvário

Face da Cruz com escultura pétrea de Cristo Crucificado - séc. XVI (pág. 33, dir.) Cruzeiro exterior à Capela do Calvário

Face da Cruz com escultura pétrea de Nossa Senhora da Piedade - séc. XVI

apresentação

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A IGREJA DA MISERICÓRDIA (antiga do Espírito Santo), na extremidade da vila, tem exterior simples, do século XVIII, com porta de granito sobreposta por janelão. À direita ergue-se a torre, do tipo comum na região, com quatro olhais e cúpula recortada. O interior é de uma só nave; a capela-mor (que era a da Capela do Espírito Santo) é dos fins do século XIV, com o tecto de nervuras assentes sobre mísulas e tendo no feixe um bocete com a cruz de Cristo esculpida posteriormente. O arco do cruzeiro, de forma ogival, é chanfrado e com colunelos duplos. Tem coro assente sobre três arcos de volta abatida. No altar, retábulo de talha dos fins do século XVII, com imagens de dois santos bispos. Os altares colaterais, também de talha dos fins do século XVII, são da invocação de Santana e de S. João. O lavabo da sacristia, de granito, tem data de 1759. Luís Keil deu destaque a uma tábua sobre o arco cruzeiro, do fim do século XVI, muito repintada, representando a Última Ceia. Deve ser de oficina portalegrense, cidade onde no fim do século XVI trabalhavam muitos pintores nas obras da Sé. Restam também algumas imagens do século XVIII (as melhor é a de Sant’Ana, estofada e policromada) e várias Bandeiras da Misericórdia, de fraca pintura do século XVII (uma) e XVIII (as restantes). Na capela-mor, anota-se uma sepultura brasonada com a seguinte inscrição: Sª de Dona Margarida Delicada / Faleceo na era de 16(…) em o mes (...) tem / cada semana 5 missas e dia da S. Tª / Trindade missa cantada e vesperas / etc. Mas a melhor obra artística da Santa Casa é de bitola excepcional: a escultura em pedra calcárea da Santíssima Trindade (do tipo «Trono da Graça»), ainda com restos da policromia, que data do fim do século XV e mede 0,50 m de alto. É peça erudita de fino lavor naturalista, muito superior a uma outra imagem, coeva e com a mesma representação, que se encontra na capela do Espírito Santo de Gafete. Esta escultura revela a importância do mercado alpalhoense no fim do século XV, apto a escolher e pagar, fora da região, uma peça com este merecimento, que lembra as obras do famoso mestre coimbrão Diogo Pires-o-Velho. Só a existência desta escultura justifica uma visita a Alpalhão!

(em cima) Igreja da Misericórdia - Pormenor (pág. dir.) Igreja da Misericórdia - Exterior

(em baixo) Tábua com representação da Última Ceia - séc XVI

Igreja da Misericórdia

(pág. dir. em cima) Santos Bispos - Igreja da Misericórdia (pág. dir. em baixo) São Jorge - Igreja da Misericórdia

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(pág. esq.) Altar de invocação a Sant' Ana - séc. XVII

Igreja da Misericórdia

(em baixo, esq.) Pormenor do Altar de invocação a Sant' Ana - séc.XVII

Igreja da Misericórdia (em baixo, centro) Sant' Ana - séc.XVIII - Igreja da Misericórdia (em baixo, dir.) Pormenor do Altar de invocação a Sant' Ana - séc.XVII

Igreja da Misericórdia

Pormenores do Altar de invocação a Sant' Ana - séc.XVII Igreja da Misericórdia

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(pág. 41) Altar de invocação a São João - séc. XVII

Igreja da Misericórdia

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(em baixo) Pormenores do Altar de invocação a São João - séc. XVII

Igreja da Misericórdia

Pormenores do Altar de invocação a São João - séc. XVII Igreja da Misericórdia

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(pág. 44) Tecto em nervuras com bocete da cruz de Cristo - séc.XIV

Igreja da Misericórdia - Capela-Mor (pág. 45) Escultura da Santíssima Trindade, Pedra calcária - séc.XV

Igreja da Misericórdia

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(em baixo) Retábulo de talha do Altar da Capela-Mor - séc. XVII

Capela do Espírito Santo - Igreja da Misericórdia

Lavabo da Sacristia, Granito - ano de 1759 Igreja da Misericórdia

Sepultura brasonada de D. Margarida Delicada - séc. XVI Capela Mor - Igreja da Misericórdia

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(em baixo) Bandeiras da Misericórdia - séc. XVII e XVIII

Museu da Misericórdia

(pág. dir.) Ecce Homo

Museu da Misericórdia

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(dir.) Capela de S. Pedro

Exterior (pág. dir.) Retábulo Mor - séc. XVI

Capela de S. Pedro

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A CAPELA DE S. PEDRO, mal conservada, é um pequeno edifício do século XVI, com fachada larga e baixa, óculo na cimalha, portal com ombreiras e verga granítica e um Passo à direita integrado no pano murário. O frontão, no mesmo estilo, ladeado por coruchéus, tem cruz no remate. O interior é simples: arco do cruzeiro de volta plena com ressaltes em losangos e ponta de diamante e, no fecho, duas chaves cruzadas. O retábulo-mor é dos fins do século XVI, com pinturas do ciclo maneirista regional, mas que estão muito deterioradas. É urgente documentar todo este acervo, na eventualidade de se vir a obter apoio para uma intervenção de conservação adequada.

(em baixo, esq.) Pormenor do Retábulo Mor - séc. XVI

Capela de São Pedro (em baixo, centro) São Pedro - Capela de São Pedro

(em baixo, dir.) Pormenor do Retábulo Mor - séc. XVI

Capela de São Pedro

Pormenores do Retábulo Mor - séc. XVI Capela de São Pedro

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Pormenores do Retábulo Mor - séc. XVI Capela de São Pedro

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A CAPELA DE S. SEBASTIÃO, chamada do Mártir S. Sebastião, está situada a um quilómetro da povoação, na estrada que vai a Castelo-de-Vide. É um pequeno edifício do século XVI tardio, ou já do XVII, com porta e postigos de granito, e capela-mor em forma de cúpula, forma esta que se encontra muito na região, a crer no Inventário de Luís Keil. Tem portal lateral com ombreiras e verga chanfradas. O interior é muito simples; tem o arco do cruzeiro e o púlpito de granito aparelhado. O seu estado de conservação era razoável.

Capela de S. Sebastião - Exterior

(pág. 56) Capela de Nossa Senhora da Redonda - Exterior - séc. XVI (esq.) Capela-Mor - séc.XVI - Capela de Nossa Senhora da Redonda (pág. 58) Pormenor do tecto em nervuras com pinturas a fresco e têmpera - séc.XVI

Capela-Mor - Capela de Nossa Senhora da Redonda (pág. 59, em cima) Detalhe das pinturas do tecto em fresco e têmpera e bocete

floreado - séc.XVI - Capela-Mor - Capela de Nossa Senhora da Redonda (pág. 59, em baixo) Pormenor do altar - séc. XVI

Capela-Mor - Capela de Nossa Senhora da Redonda

A CAPELA DE NOSSA SENHORA-DA-REDONDA fica num sítio isolado, a dois quilómetros da povoação e é famosa pela sua romaria, na 2ª feira a seguir ao Domingo de Páscoa, festa essa já descrita por um autor do século XVIII, Frei Agostinho de Santa Maria, no seu famoso Santuário Mariano (de 1707, no Tomo VI, pág. 389 e segs.). É um edifício ainda do século XVI, do tipo de muitas capelas rurais do Alto Alentejo, com alpendre e fachada singela, e vestígios de algumas alterações sofridas do século XVIII. O interior é simples, de uma só nave, com portadas chanfradas emolduradas, e tem ainda a capela-mor primitiva, com o tecto de nervuras simples com cinco bocetes, sendo o principal floreado, e nervuras assentes sobre mísulas. É muito importante este tecto por estar todo pintado a fresco e têmpera em policromia variada, com festões, ramagens e ornamentos de grotesco, e incluir no nervurado principal uma raríssima decoração de esgrafito com decorações profanas, monocromas, sobre fundo amarelo em dois tons, incluindo grottesche romanos: grifos, leões, figuras de meninos nus, candelabra, sereias, albarradas, etc. Por cima desta tira corre outra com uma litania a Nossa Senhora e a data de 1564, que atesta a época de factura deste programa decorativo. Deve comparar-se este interessante conjunto de pintura e esgrafito com as pinturas do tecto da capela-mor da igreja matriz do Crato (de cerca de 1570) e do tecto da Capela de São João Baptista em Amieira do Tejo, da mesma época, que revelam idêntico espírito fantasista, de raiz neo-platónica. As paredes da capela-mor são revestidas com silhar de azulejo azul e branco da primeira metade do século XVIII e de fabrico lisboeta, representando a Visitação das Virgem a Santa Isabel, a Adoração dos Pastores, a Apresentação no Templo e a Circuncisão, todos com legendas latinas. O estado de conservação da Capela é ainda muito regular, devido à frequência das festividades e apoio das populações.

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Parede revestida a azulejo azul e branco - séc. XVIII Capela de Nossa Senhora da Redonda - Capela-Mor

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Pormenor da representação da "Visitação da Virgem a Santa Isabel" - séc. XVIII Parede revestida a azulejo - Capela de Nossa Senhora da Redonda - Capela-Mor

Pormenor da representação da "Apresentação no Templo" - séc. XVIII Parede revestida a azulejo - Capela de Nossa Senhora da Redonda - Capela-Mor

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Parede revestida a azulejo azul e branco - séc. XVIII Capela de Nossa Senhora da Redonda - Capela-Mor

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Pormenor da representação da "Circuncisão" - séc. XVIII Parede revestida a azulejo - Capela de Nossa Senhora da Redonda - Capela-Mor

Pormenor da representação da "Adoração dos Pastores" - séc. XVIII Parede revestida a azulejo - Capela de Nossa Senhora da Redonda - Capela-Mor

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(dir.) Torre do Relógio

Na vila, ainda se pode admirar a TORRE DO RELÓGIO, no centro da freguesia, edifício simples do começo do século XVIII, construído sobre as ruínas da antiga muralha do castelo mandado levantar pelo rei D. Dinis. É de forma quadrangular tendo um pequeno eirado com espaldares e coruchéus, quatro olhais com arcos de volta redonda e cúpula cónica esquinada. A serventia é feita por pequena escada assente sobre os restos da antiga torre do castelo. A conservação é medíocre. Ainda se recomenda um olhar para algum casario do século XVIII, com fachadas de certo carácter, e para alguns interessantes renques de casario rural.

(pág. esq., esq.) Nossa Senhora da Redonda com adereços de festa Capela de Nossa Senhora da Redonda (pág. esq., dir.) Nossa Senhora da Redonda Capela de Nossa Senhora da Redonda

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(pág. 66, em cima) Rua de São Pedro Nº36 (pág. 66, em baixo) Rua Nova Nº7 - Pormenor (esq.) Rua Nova Nº7 (pág. 68) Rua do Arrabalde (pág. 69) Rua do Arrabalde

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(em baixo) Chafariz da "Fonte de Baixo" - séc. XVIII

(pág. dir., esq.) Pormenor de carranca com bica - Chafariz da "Fonte de Baixo" (pág. dir., centro) Pormenor das Armas Reais - Chafariz da "Fonte de Baixo" (pág. dir., dir.) Pormenor do Escudo - Tanque lateral do Chafariz da "Fonte de Baixo"

Refira-se enfim o CHAFARIZ, situado na estrada que liga a Portalegre pelos Fortios, com tanque recortado, precedido de pequeno recinto murado, espaldar em blocos aparelhados de granito da região, com dois coruchéus e cruz. Ao centro estão esculpidas as armas reais (meado do século XVIII), e duas carrancas assimétricas jorram água. Ao lado, existe outro tanque em forma de quadrilátero com duas bicas e um escudo. A visita aos acervos artísticos de Alpalhão pode ser completado, com vantagem, com um percurso pelos templos e edifícios civis de Tolosa, Gáfete, Nisa e, mais longe, a antiga vila de Montalvão, onde existem elementos de interesse histórico-artístico - sem esquecer, naturalmente, o grande Monumento Nacional que é o Mosteiro da Flor da Rosa, no Crato. Vítor Serrão - 15 Abril de 2006

Agradecimentos O Autor agradece o apoio recebido para esta conferência, em informações e acolhimento, da parte de António Grave Caldeira (presidente da Associação LIAAL), de José Manuel Baginha, de Ladislau Figueiredo e Silva (antigo director do Arquivo Distrital de Portalegre), de António Ventura (meu colega na Faculdade de Letras), de Maurício Cunha, de Maria Adelina Amorim, e do senhor Provedor da santa Casa da Misericórdia de Alpalhão.

Capítulo 3 Outros Elementos de Interesse Histórico não descritos no texto anterior

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Chafariz da Defesa

Fonte Nova

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(pág. 75) Passo da Sra. do Bom Despacho

Ano de 1758, Rua do Castelo

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(em baixo) Anta de São Gens

Antiga estrada de Arez

Sepultura Medieval Fonte Velha

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Imagens do Foral Manuelino de Alpalhão - ano de 1512

Capítulo 4

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O Foral Manuelino de Alpalhão

1 Nota introdutória e leitura, João Cosme

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ÍNDICE 1. Enquadramento da problemática

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1.1. Espaço 1.1.1. Constituição dos Coutos de Homiziados 1.1.2. Afirmação da diferença identitária

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1.2. População 1.2.1. Numeramentos locais 1.2.2. Numeramento nacional (1527-1532)

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1.3. Órgãos de Poder 1.3.1. Juízes Ordinários e Juízes de Fora 1.3.2. Ordenações Afonsinas e Manuelinas 1.3.3. Protocolo da Nobreza 1.3.4. Os Regimentos

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2. Reformas dos Forais

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2.1. O que é um Foral?

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2.2. O Contexto

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3. O conteúdo do foral de Alpalhão

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4. Síntese Final

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5. Bibliografia

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Normas de Transcrição

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Transcrição do Foral de Alpalhão

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Glossário

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1. Enquadramento da problemática D. Manuel I outorgou foral à vila de Alpalhão, em 13 de Outubro de 1512. A outorga deste foral deve ser integrada numa dinâmica mais ampla, já que durante a segunda década do século XVI, o Venturoso concedeu cartas de foral à generalidade das vilas e cidades portuguesas.

Geral do Estado são unânimes em vincar que o Estado, com o significado actual, deve ter três elementos (território [espaço], população e órgãos de poder), sobre os quais passamos a tecer alguns considerandos.

Com o intuito de contextualização destes actos, queremos lembrar que este monarca nasceu em Alcochete em 31 de Maio de 1469 e faleceu na cidade de Lisboa em 13 de Dezembro de 1521. Reinou desde 1495 até a sua morte em 1521, o que significa que esteve à frente dos destinos do País durante 26 anos. Estes dados cronológicos permitem afirmar que o monarca português foi contemporâneo de Nicolau Maquiavel, pois este nasceu em Florença em 3 de Maio de 1469 e faleceu nesta cidade em 22 de Junho de 1527. O florentino foi autor de várias obras, entre elas o Príncipe que, em 1513, dedicou a Lourenço de Médicis, e onde, pela primeira vez, foi utilizada a palavra Estado.

1.1. ESPAÇO

Segundo Josep M. Vallès, foi nos séculos XVI-XVII que se situou a primeira fase da construção do Estado Moderno, onde o rei consolidou o seu domínio sobre outros centros de poder2. Porém, para que o Soberano possa fortalecer o seu efectivo domínio é necessário um prévio conhecimento dos titulares do poder nos diversos espaços bem como o número de súbditos nas diversas áreas do seu reino, particularmente daqueles que têm obrigações fiscais para com a Coroa. Todos os manuais de Teoria

A conquista do território português foi concluída em 1249 com a conquista da cidade de Faro. Todavia a definição do espaço, bem como a sua defesa ainda não estavam garantidas. Por isso, tornava-se imperioso definir e identificar o limite político da fronteira nacional. Esta tarefa foi realizada por diversos monarcas através de várias acções. 1.1.1. Constituição dos Coutos de Homiziados Estes situaram-se junto à fronteira e tinham por missão fixar ali pessoas para, assim, mais facilmente, se defender a integridade territorial3. O primeiro couto foi criado em Noudar por D. Dinis, por carta datada de 6 de Janeiro de 1308. Era importante colocar pessoas num ponto estratégico de extrema relevância e cuja área apenas recentemente tinha sido integrado na soberania portuguesa pelo tratado de Alcanizes (1297). Com D. Fernando seriam criados mais alguns destes coutos. Seria, porém, com D. João I, na sequência das lutas militares subsequentes à morte de

2 Josep M. Vallès, Ciência Política. Una introducción, pp. 91-92. 3 Humberto Baquero Moreno, «Elementos para o estudo dos coutos de homiziados instituídos pela Coroa», Portugaliae Historica, vol. II, 1974, Lisboa, p. 13.

D. Fernando (1383), e consequente crise sucessória, que se desenvolveria uma estratégica de criação de coutos de homiziados. Estes constituíam uma linha de pontos da presença efectiva na raia portuguesa. Durante o reinado do Rei da Boa Memória foram fundados dezassete coutos de homiziados. Esta dinâmica teria continuidade nos monarcas seguintes com particular incidência para D. Afonso V e D. Manuel I, pois havia necessidade de intensificar o povoamento dos locais de fronteira que num primeiro tempo a Peste Negra de 1348 e num segundo momento os ataques castelhanos praticamente desertificaram. 1.1.2. Afirmação da diferença identitária A necessidade de defesa impôs o conhecimento e a publicitação da demarcação fronteiriça. O período moderno seria determinante para o vincar das diferenças identitárias que deveriam existir em cada lado da fronteira. Assim, para que não surgissem dúvidas nem equívocos, Duarte d’Armas calcorreou o espaço fronteiriço, desenhando os castelos e as fortalezas cujo resultado este engenheiro militar deu a conhecer em 1509/1510, no denominado Livro das Fortalezas. Nele, não só estão identificadas as fortalezas portuguesas mas também não se esqueceu de assinalar com a bandeira castelhana as localidades que estavam para lá da fronteira e que, por isso mesmo não integravam o espaço português. Tal como já referimos, durante este período, efectuaram-se várias demarcações da linha de fronteira entre Portugal e Reino de Castela.

A consciência do todo começa a sobrepor-se às partes. Assim, os relatos regionais passam a dar lugar às descrições nacionais É mais outro exemplo da tomada da consciência da identidade nacional, para a qual deve ter contribuído de modo significativo a crise de 1383-1385, e as consequentes lutas militares. Reflexo desta nova perspectiva, é a publicação em 1561, em Veneza, pelo português Álvaro Seco, do primeiro mapa com todo o espaço nacional. As pesquisas para este trabalho foram iniciadas por volta de 1530. Estava-se cada vez menos no tempo de Pedro Hispano4 e cada vez mais no de Amato Lusitano5. 1.2. População A este propósito Claude Raffestein, com o seu olhar de geógrafo, vincou com toda a propriedade a importância do elemento população. Segundo ele, a população é a origem de todo o poder. Nela residem as capacidades virtuais de transformação; é o elemento dinâmico donde procede a acção6. Daí que, com a aparição do Estado Moderno, a contagem (numeração) da população se tenha tornado uma preocupação importante dos soberanos, pois queriam saber o número de fogos. Deste modo, passavam a ter informação sobre um “stock de energia” quer no seu volume populacional quer sob a dimensão fiscal (unidades tributáveis)7.

4 Nome por que o Papa João XXI era conhecido na Europa. Pedro Julião nasceu em Lisboa em 1210?, e morreu em Viterbo em 20.V.1277. Era referenciado como hispânico ou ibérico. 5 Nome por que era conhecido o famoso médico albicastrense João Rodrigues que nasceu em Castelo Branco em 1511 e morreu em Salónica em 1568. Lusitano já simboliza a especificidade e a genuinidade portuguesas. 6 Claude Raffestin, Pour une géographie du pouvoir, Paris, 1980, p. 50. 7 Claude Raffestin, Pour une géographie du pouvoir, Paris, 1980, p. 60. A expressão “stock de energia” é deste mesmo autor.

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1.2.1. Numeramentos locais

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Pensamos que, é neste contexto, que D. Manuel I, logo após a sua aclamação como rei, mandou proceder a um inquérito na comarca da Beira8. O regimento que consubstancia esta alçada está datado de 30 de Dezembro de 1495. No plano espacial, o inquérito de 1495 abrangeu o interior e parte central da Beira ao que correspondia à correição de Castelo Branco, Pinhel e Guarda. Nele procurava-se inquirir uma infinidade de dados de grande relevância social, tais como: número de moradores na vila e no termo, privilegiados, direitos e tributos das vilas, oficiais da fazenda e da justiça, judiarias, mourarias. Estamos perante o início das “radiografias sociais”. Em 1497, mandaria realizar um novo levantamento parcelar da população portuguesa. Alenquer seria contemplado com um levantamento dos agregados familiares da vila e do termo; e em 1513, foi feito o levantamento da população das vilas de Caminha e de Valença, povoações que pertenciam à administração eclesiástica de Valença, bispado de Ceuta, e se localizavam junto à fronteira do Reino de Leão e Castela. Mais uma vez, neste levantamento, encontramos o número de pessoas que havia nas vilas e respectivos termos, com os nomes, sobrenomes e apelidos, assim como referências a outras categorias sociais (cavaleiros, viúvas, pobres de pedir e privilegiados)9.

O interesse pelo conhecimento do espaço e da população portuguesa acentuou-se, daí que encontremos novos levantamentos na década de trinta de Quinhentos10. Tal como frisámos anteriormente, estes inquéritos fornecem uma “radiografia social” das respectivas comarcas. Ficase a saber, por exemplo, que «em alguns pontos do país havia tantos privilegiados que por vezes não era possível cumprir com os encargos dos concelhos, dado que só os pobres não era escusos»11. 1.2.2- Numeramento nacional (1527-1532) O primeiro levantamento da população portuguesa, abrangendo praticamente todo o espaço continental português, realizou-se entre 1527 e 1532. D. João III assumira a Realeza em 1521. Cronologicamente, os dados das terras do Ducado de Bragança, Mestrados de Sant’Iago, de Avis, de Cristo e do Priorado do Crato foram os últimos a ser levantados, e os dados foram apurados por funcionários senhoriais que depois os enviaram à Corte. O documento referente à casa de Bragança perdeu-se; daí que, por carta de 9 de Agosto de 1531, o Duque tenha autorizado nova contagem que se efectuou nos meses de Setembro e Outubro de 153112. Esta preocupação em conhecer o número de fogos não foi exclusiva do monarca português já que entre 1528 e 1536, a Coroa de Castela também levou a efeito o seu primeiro levantamento da população do seu reino13.

8 Cf. Virgínia Rau, «Para a História da População Portuguesa dos Séculos XV e XV (Resultados e problemas e métodos)», in Do tempo e da História, vol. I, Lisboa, 1965, pp.7-46. Também João José Alves Dias se debruçou sobre este numeramento populacional [«A Beira Interior em 1496 (Sociedade, Administração e Demografia), in Ensaios de História Moderna, Editorial Presença, Lisboa, 1987, pp. 11-102]. 9 Para mais pormenores, veja-se António de Oliveira, «A população de Caminha e de Valença», Sep. de Bracara Augusta, tomo XXX – Fasc. 69 (81), Janeiro-Junho, 1976. 10 Para conhecer estes levantamentos, veja-se António de Oliveira, «A População das comarcas de Leiria e de Santarém em 1537», in Revista Portuguesa de História, tomo XV, Coimbra, 1975, pp. 235-299; Iria Gonçalves, «Notas de Demografia Regional: a comarca de Leiria em 1537», in Revista da Faculdade de Letras, IV Série, nº 1, 1976-1977, pp. 405-454; e João Cosme, «A população da comarca de Estremoz em 1538 (?)», in A cidade. Revista Cultural de Portalegre, nº 8 (Nova Série), 1983, pp. 83-107. 11 António de Oliveira, «A População das comarcas de Leiria e de Santarém em 1537», in Revista Portuguesa de História, tomo XV, p. 238. 12 João José Alves Dias, Gentes e Espaços (em torno da população portuguesa na primeira metade do século XVI), vol. II, dactilografado, pp. VII-VIII. Veja-se, ainda, António dos Santos Pereira, «O Numeramento de 1527-1532: alguns subsídios», in Anais Universitários – Série Ciências Sociais e Humanas, nº 2 – Outubro, Universidade da Beira Interior, Covilhã, 1991, pp. 105-112. 13 David-Sven Reher e Ángeles Valero Lobo, Fuentes de información demográfica en España, Madrid, 1995, p. 18.

1.3. Órgãos de Poder

1.3.2. Ordenações Afonsinas e Manuelinas

Neste subcapítulo não se disserta sobre os órgãos de poder propriamente ditos, mas tecem-se alguns considerando sobre os instrumentos utilizados pelos reis na sua acção de fortalecimento do seu efectivo domínio sobre os outros centros de poder.

Perante as queixas formuladas em Cortes quanto ao estado de confusão das leis, D. João I encarregou João Mendes de proceder à reforma das leis. D. João I morreu antes da conclusão desta reforma. Seu filho D. Duarte determinou que esta tarefa fosse continuada, atribuindo a responsabilidade a Rui Fernandes que a concluiu em 1446 ou 1447. Surgem assim as Ordenações Afonsinas.

1.3.1. Juízes Ordinários e Juízes de Fora Os juízes ordinários começam paulatina e lentamente a serem substituídos pelos juízes de fora. Urge por isso perguntar quem são uns e outros? Ora, precisamente, os juízes ordinários eram, regra geral, pessoas da terra com respeitabilidade e honorabilidade locais, com alguma idade e que exerciam funções judiciais tendo por base “a jurisprudência local”; isto é, tinham como modelo as soluções adoptadas em casos anteriores similares. Por sua vez, os juízes de fora, como o próprio nome indica, eram naturais de outras localidades, nomeados pelos reis e conhecedoras das normas jurídicas (cânones ou leis) que aprenderam nos bancos da universidade. Esta alteração representa uma profunda mudança no Direito aplicado, já estes conheciam apenas as normas jurídicas gerais aplicando-as cada vez mais a um maior número de localidades. A esta especificidade deve acrescentar-se que aos juízes de fora competia, também, presidir à vereação municipal. Seria, precisamente com D. Afonso V, que a nomeação de juízes de fora ganhou consistência14. Esta opção foi continuada por D. João II e reforçada por Manuel I.

Em 1505, Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim foram encarregados da reforma destas ordenações. Sabe-se que em 1512 saiu o Livro I das Ordenações Manuelinas, e em 1513 o Livro II e em 1514 os restantes volumes. Em 1521, surgiu nova edição das Ordenações Manuelinas. Este Corpus jurídico não é uma mera compilação de leis anteriores, mas o seu estilo e forma são diferentes dos das Ordenações Afonsinas. Independentemente do espaço e dos intervenientes, todos deveriam aplicar estas normas jurídicas. O costume só subsidiariamente seria aplicado. 1.3.3. Protocolo da Nobreza Também a nível protocolar foram tomas medidas. O Rei afirmou o seu poder social; entendendo-se este como a capacidade de impor a outrem um comportamento15. Isto significa que as atitudes públicas e a estrutura hierárquica da nobreza foram institucionalizadas. Foi neste contexto histórico-sociológico que D. Manuel I procedeu à reforma no direito heráldico.

14 Os juízes de fora foi uma criação de D. Dinis, e imposta por D. Afonso IV, pela Carta de Lei de 21 de Maio de 1349. Todavia, tal como se refere no texto, a sua nomeação ganhou particular consistência a partir de D. Afonso V. 15 António de Sousa Lara, Genealogia, Heráldica e Ciências Sociais, Cacém, 1991, p. 15. 16 Ibidem, pp. 127-140.

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Os oficiais de armaria dividiam-se em categorias: reis de armas que D. João I introduzira em Portugal, fixando-os em três (Portugal, Algarve e Índia); arautos ou anunciadores (Lisboa, Silves e Goa) e passavantes (Lisboa, Santarém, Silves, Lagos, Goa e Cochim)16. Existe uma nítida intenção de responsabilização pública da nobreza. O nobre não deve apenas a honra à sua consciência e o título ao rei, deve a honra à voz pública. Agora, a nobreza não pode esquecer-se que desempenha funções públicas. É uma forma de disciplinar a nobreza. 1.3.4. Os Regimentos A “onde uniformizadora” fez-se sentir em todos os patamares sócioorganizativos. Assim, em 1502 foi publicado o Regimento dos Pesos e Medidas; em 1504 foram impressos o Regimento dos Oficiais das cidades, vilas e lugares destes Reinos e o Regimento das Capelas, Hospitais, Albergarias e Confrarias. Em 1509 e em 1512 foram promulgados, respectivamente, os Regimentos das Casas da Guiné e da Índia. Neste último ano, os Artigos das Sisas; em 1514, o Regimento dos Contadores das Comarcas e, em 1516, o Regimento e Ordenações da Fazenda. Como o próprio nome indica, um regimento estipula as regras que uma determinada instituição deve seguir no seu funcionamento; determinando-se, por isso mesmo, não só as regras mas a sua aplicação a todas as instituições independentemente do espaço geográfico e do

modus operandi que até então tinha seguido. Esta uniformização dos procedimentos e regras é uma faceta muito significativa e emblemática da Modernização do Estado e das instituições durante o reinado de D. Manuel I.

2. Reformas dos Forais 2.1. O que é um Foral? Antes de começarmos a analisar o Foral Manuelino de Alpalhão, urge perguntar: - O que é um Foral? A palavra «foral» deriva do termo latino forum, que também deu foro, usado até ao século XV para designar o que depois se chamou foral. Neste período, o termo forum utilizava-se, na linguagem jurídica, em diversas acepções. Uma delas é a de lei: o Código Visigótico era denominado forum judicum, a lei dos juizes, expressão que originou no castelhano fuero juzgo. Todavia, os foros eram também os costumes praticados tradicionalmente em certa localidade ou região, o direito objectivo peculiar dos cidadãos desse lugar e que eles defendiam como privilégio seu. O foral constituía a espécie mais significativa das chamadas Cartas de Privilégio, na medida em que conferia a urn território ou comunidade um regime próprio. Na maioria dos casos, os forais foram outorgados pelo rei. Porem, no início da nossa nacionalidade, também poderiam ser concedidos por um senhorio laico ou eclesiástico a uma determinada terra, contendo normas que procuravam disciplinar as relações dos seus povoadores ou habitantes entre si, e destes com a entidade outorgante. Há várias famílias de forais, cada uma delas correspondendo a uma terra com certas características, económicas, situação geográfica e outras, que, por isso mesmo, serviriam de modelo aos forais que futuramente fossem dados a outra terra que apresentasse um número significativo

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de similitudes. Quer isto significar que não há uma regra, ou um padrão único a que todos obedecessem. Assim, face à grande diversidade de características e tipologias dos forais, chamamos à colação a síntese que Marcello Caetano elaborou sobre este assunto. Segundo este autor, (…) há, em primeiro lugar, que distinguir entre os forais originários e os forais confirmativos e ampliativos. A mesma localidade pode, através da sua história anterior ao século XVI (quando se fez a reforma geral dos forais), ter recebido mais de um foral, o primeiro dos quais é o fundamental, que o posterior ou posteriores vem a seguir confirmar, completar e ampliar. É aos forais originários que nesta altura nos vamos referir, enunciando algumas características que julgamos genéricas. Assim: a) O foral é um documento escrito (carta) outorgado unilateralmente pelo rei ou por entidade senhorial que possa dispor de certa área de terra em benefício de uma colectividade de pessoas. b) Embora desse documento não conste a aceitação dos destinatários, ele e considerado um pacto inviolável por qualquer das partes, o que torna difícil distingui-lo dos contratos abertos - actos unilaterais de oferta dirigidos pelos proprietários a grupos indeterminados de indivíduos que podem ser mesmo todos os presentes e futuros que a eles se queiram ligar. c) O objecto principal do documento é conceder a essa colectividade de indivíduos presentes e futuros o domínio da área que eles irão povoar,

cultivar e defender como homens livres, que já são ou que passam a ser no momento do ingresso nela.

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d) A concessão do domínio da terra tanto pode ser em plena propriedade com encargos sobre o conjunto a satisfazer pela colectividade, como só do domínio útil de cada parcela que individualmente fica obrigada para com o senhorio directo, ainda quando essas obrigações sejam satisfeitas através de funcionários da colectividade. e) Em qualquer caso, a concessão da terra é feita a título perpétuo e hereditário, com o poder para os destinatários de alienarem as suas partes desde que obedeçam a certas condições (mínimo de tempo de residência na localidade, transmissão em benefício de pessoa não privilegiada, que possa, portanto, suceder nos encargos impostos à colectividade …). f) O documento fixa precisamente os encargos ou obrigações que a colectividade (e seus membros) fica tendo para com o concedente; evitando o arbítrio ou o abuso nas exigências, e garante direitos, em geral sob a forma de privilégios, que tornem atraente a fixação na povoação considerada. g) Desta regulamentação de direitos e obrigações da colectividade fixada na terra concedida e que respeitam quer às relações da colectividade com o senhor concedente, quer às relações dos membros desta entre si ou com outras entidades locais, resulta uma comunhão de interesses individualizadora da entidade social dessa colectividade. h) A comunhão dos interesses, a necessidade de os membros da colectividade se concertarem acerca do cumprimento das obrigações colectivas e da fruição e defesa dos direitos e privilégios, dando consciência à existência de uma entidade social distinta das outras, 17 Marcello Caetano, História do Direito Português…, pp. 236-237.

leva à reunião da assembleia dos interessados (concilium) e a criação através dela de magistrados encarregados de reger a colectividade17. Deste modo, pode concluir-se que tanto pode ser foral a carta de povoação destinada a atrair habitantes para desbravar uma terra erma, como o aforamento colectivo pelo qual optam com frequência as corporações monásticas e as ordens militares e os foros breves em que já se encontram, a par das concessões essenciais, algumas normas de conduta que formam a lei particular da localidade privilegiada. Muito importante é a fixação precisa dos tributos e prestações que os vizinhos terão de satisfazer. Como alguns desses tributos eram multas devidas pela prática de crimes, encontram-se nos forais numerosas normas criminais. Mas só se incluíam regras referentes a casos em que era indispensável definir a multa a pagar, ou então em que se tornava conveniente resolver qualquer dúvida de momento existente ou fazer a concessão de um regime melhor e mais conveniente à paz pública do que o vigente até aí (bonos foros). Debalde se procurará no foral a organização do município, com a indicação das suas magistraturas. Muitos forais são totalmente omissos a tal respeito. Noutros apenas aflora aqui ou ali uma referencia incidental ao concílio, às magistraturas municipais ou aos funcionários régios. A organização municipal era costumeira: existia já na data da outorga do foral ou se estrutura depois, segundo os costumes locais ou do concelho a cuja família o foral pertencia. Nas terras da coroa, submetidas ao regime do reguengo ou ao

sistema foreiro, pontificavam os funcionários do fisco com exigências que, dada a ideia de que o domínio da terra permanecia comum ao senhor e ao colono, ou estava repartido entre eles, e na falta de regras ou contratos escritos e de fiscalização assídua, eram muitas vezes opressoras, abusivas e vexatórias. O foral significa que uma povoação conseguia ter a sua lei escrita a garantir-lhe a propriedade dos bens individuais e comunais e de onde constavam precisamente os deveres a cumprir para com o rei. E coisa análoga acontecia relativamente aos coutos e honras, onde também os senhores podiam conceder foral a uma ou outra povoação. Da segurança e independêcia que de tal lei resultava (os próprios forais se intitulavam carta stabilitatis, carta firmitatis ou firmitudinis) provinha a vantagem de os membros da colectividade se ligarem intimamente a esta, reivindicando a sua qualidade de vizinhos. Para mais, as necessidades públicas (povoamento, defesa, cultura da terra) que determinavam a outorga dos forais levavam a incluir neles certas isenções de deveres penosos a que o comum da plebe estava sujeito, ou certas facilidades, favores ou liberdades que o vulgo não possuía. Eram estas isenções e prerrogativas, ligadas à fixidez das obrigações, que constituíam o privilégio da povoação detentora do foral. A povoação privilegiada com seu alfoz distinguia-se, por conseguinte, do território onde os homens agricultavam terras que eram do rei ou de um senhor e, mesmo quando as possuíam, não podiam dispor delas livremente, ou até não podiam dispor das suas pessoas sem embaraços graves (o caso dos juniores). A povoação individualizava-se, ganhava personalidade e, para garantia e defesa dos direitos comuns, carecia de órgãos próprios: a assembleia dos vizinhos e os magistrados. De modo que o foral 18 Marcello Caetano, ob. cit., pp. 237-239.

arrastava consigo, mesmo que o não estabelecesse expressamente, a formação do concelho. Pode não haver sinal de magistraturas no seu texto, que isso não significa a inexistência actual ou próxima futura das instituições municipais na povoação que passasse a reger-se por ele. E por isso há muitas cartas de povoação que tem de considerar-se verdadeiros forais, quando garantam a liberdade das pessoas, que, como temos visto, estava intimamente ligada à livre disposição dos bens. Por vezes o outorgante do foral começa por conceder à povoação um modelo preexistente, isto é, um foral de outra localidade reputado generoso ou propício aos habitantes. Foi assim frequente a adopção em muitas terras portuguesas o foral de Ávila (depois transformado em foral de Évora) ou de Salamanca, acrescentados com disposições novas interpretativas ou ampliativas. Compreende-se como, sendo a liberdade das pessoas e dos bens a essência do foral, este era desejado nos burgos ou aglomerações urbanas mais importantes, vilas cercadas ou muradas a cujo abrigo decorria o comércio marítimo (Lisboa e Porto) ou aonde acorria a gente dos arredores a fazer mercado ou feira. Os mercadores e mesteirais necessitavam de liberdade para os seus negócios e profissões e careciam mesmo de regras jurídicas favoráveis à sua acção – o Direito urbano, onde aflora já o Direito mercantil18. 2.2. O Contexto D. Dinis foi o último rei da 1ª Dinastia a conceder forais. Isto significa que havia decorrido muito tempo e a sociedade portuguesa passara por alterações profundas. Tal como já vincámos anteriormente, o direito costumeiro começara a perder a sua importância em detrimento das leis

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escritas. Por isso mesmo, começa a surgir uma vasta produção legislativa (novas leis), muitas das vezes de conteúdo diferente das normas ínsitas nos forais antigos. A esta realidade deve juntar-se a deturpação das regras foralengas por parte de muitos donatários e senhorios, com o intuito de agravar as imposições e as injustiças sobre os habitantes dos concelhos. Uma das primeiras queixas contra o abuso na interpretação e na aplicação destas normas que as entidades outorgantes faziam, foi apresentada em 1430 pelos procuradores da cidade do Porto nas Cortes realizadas em Santarém. Todavia, D. João I nada fez para minimizar o impacto destes abusos. A este propósito, basta ler «as palavras dirigidas ao rei D. Afonso V nas Cortes de Coimbra-Évora de 1472-1473: Senhor, os foraes de cada luguar, per onde se mais rege e governa vosso Reino, estes são [h]oje em dia, e asy todos, ou moor parte falseficados, não autorisados, e os tiram de seu proprio entender, nem são interpricados a uso e costume d’ora nem são conformes a alguns artigos e Ordenações vossas19. Pode dizer-se que o avô (D. João I) não fez nada para acabar com as ilegalidades, e o neto (D. Afonso V) assemelhou-se-lhe, não só nas promessas e no seu não cumprimento, apesar da constatação de que o reino, mercê dos abusos, se ia despovoando. D. João II avançou um passo ... mas parou. A verdade é que deu ordens para que todos os forais baixassem à Chancelaria Régia para serem examinados, revistos e confirmados. E dos lugares onde não houvesse foral mas em que se cobrassem direitos de

portagem e outros semelhantes (parece que esses lugares eram muitos) devia ser apresentado em Lisboa o título ou o diploma régio que o havia autorizado. Julga-se que, mais uma vez, não se passou das intenções, o que não deixa de ser estranho num rei de cujo perfil parece que fazia parte a «determinação». Logo que D. Manuel I subiu ao trono, em 1495, os procuradores dos concelhos solicitaram novamente nas Cortes realizadas em Montemor-o-Novo, neste mesmo ano, que os forais fossem revistos. O Venturoso não perdeu tempo. De imediato nomeou uma comissão que nos primeiros meses de 1496 já se encontrava em actividade, iniciando o processo de revisão dos forais. A leitura dos forais antigos despertou algumas dúvidas junto dos desembargadores das Casas da Suplicação e do Cível. Para que o processo não perdesse celeridade, Fernão de Pina deslocou-se a Saragoça, em 1498, onde se encontravam D. Manuel I e a rainha D. Isabel. Foi nesta cidade aragonesa que os pareceres, apresentados pelos desembargadores, foram homologados pelo rei português, ficando conhecidos para a posterioridade como Pareceres de Saragoça. Convém relembrar que as transformações ocorridas nunca seriam completas, e muito menos duradoiras, «se as conquistas obtidas no plano politico não fossem a seguir institucionalizadas»20. Por isso, o reinado do Venturoso (1495521) caracterizou-se pela adopção de várias medidas que visavam institucionalizar uma nova forma de entender o Estado. Perspectivava-se um Estado forte, poderoso, rico e centralizado, servido por um numeroso funcionalismo dedicado e fiel, não é senão dificilmente compatível com uma ampla autonomia municipal»21.

19 João Pedro Ribeiro, Dissertação histórica…, Lisboa, 1812, p. 49, doc. nº1; citado por Carlos Margaça Veiga, «A Reforma Manuelina dos Forais», in O Foral da Ericeira no Arquivo-Museu, Edições Colibri, Lisboa, p. 46. 20 Diogo Freitas do Amaral, D. Manuel I e a construção do Estado moderno em Portugal, Coimbra, 2003, p. 14. 21 Ibidem, p. 23.

3. O conteúdo do foral de Alpalhão O texto do foral manuelino começa por referir que a carta de foral anterior fora outorgada pelo “Mestre do Temple” ou Ordem dos Templários. Esta ordem foi fundada em 1119 por Hugo de Payens e seguia os estatutos elaborados por S. Bernardo de Claraval. Os bens desta ordem, inicialmente de cariz supranacional, foram integrados na Ordem de Cristo por D. Dinis, em 1317. O principal escopo dos forais manuelinos é definir o património e os direitos, bem como as obrigações e as isenções ou privilégios que os vários titulares tinham. Daí que, de um modo geral, o texto dos diversos forais era muito uniforme. O Foral de Alpalhão não foge à regra e insere-se nesta sistematização. Nele explicita-se o que é património da Coroa, dos Senhores (Ordem de Cristo), e são definidos os direitos e obrigações dos vizinhos do concelho. A Ordem de Cristo tinha herdades e terras que “dá por reçam” como lhe apraz; quer isto significar a troco de uma determinada quantia de produtos recolhidos nessas terras. Por sua vez, os maninhos e os montados eram do concelho o qual podia aplicar coima aos gados que aqui vinham pastar. Os maninhos eram terrenos onde só se produzia mato e plantas silvestres enquanto que os montados eram terrenos plantados de sobreiros e azinheiras, onde o gado suíno se alimentava para engorda. Nesta carta definem-se, ainda, as obrigações fiscais e as penas respeitantes a diversas particularidades inerentes à vida quotidiana, tais como: a portagem, a pena de arma e o gado do vento. Estas coimas ou penas eram

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aplicadas, apenas, àqueles que não tinham licença (privilégio = isenção de pagamento) ou não usufruíam do estatuto jurídico de vizinho como no caso da dízima das sentenças. Importa esclarecer que o conceito de privilégio não se aplicava exclusivamente ao clero e à nobreza. Estes grupos detinham os privilégios com significado social mais elevado. Nesta época, os privilégios utilizavam-se para instituir e definir as categorias sociais. O Terceiro Estado também tinha privilégios, só que a sua natureza é que era diferente, pois até os mendigos, para poder mendigar, tinham de ter uma “carta de mendigar”.

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4. Síntese Final Importa frisar que a reforma dos forais deve inserir-se num amplo conjunto de reformas de cariz legislativo que D. Manuel I levou a efeito. Em todas estas alterações existe um traço comum: o «mundo local» está cada vez mais condicionado pelas normas gerais emanadas pelo Poder central que não só pretende estender as suas propostas legislativas a todo o espaço do território português, mas também identificar o património e os direitos régios para que mais facilmente pudesse beneficiar deles. Ao definir os direitos e obrigações dos vizinhos dos concelhos, o Poder Central jogou estrategicamente já que fez aquilo que lhe era solicitado pelos Povos. Todavia, soube aproveitar o contexto para definir os direitos da Coroa, condicionando os actos discricionários dos Senhorios. Esta atitude fortaleceu o Poder Central, clarificou as obrigações dos habitantes dos concelhos e respectivos dirigentes e condicionou os actos arbitrários dos poderes intermédios. O rei assume-se «como a entidade reguladora e distribuidora de benesses»22, o que pode ser interpretado que «as periferias, apesar de manterem ainda largas esferas de autonomia, eram estruturadas pelo Poder central, o que significa que este dispunha já dos mecanismos institucionais necessários, senão ao seu controlo efectivo, pelo menos à sua legitimação»23.

sentida, particularmente no domínio da fiscalidade. Houve o cuidado de elaborar autênticas “pautas aduaneiras” e listagens das obrigações dos moradores para com a Coroa. No que se reporta à vila de Alpalhão, pode acrescentar-se que, tal já frisámos anteriormente, pertencia ao «mestrado de Christo, e hé comenda; tem hum castello, e dentro hum bom apousentamento. A jurdição hé d’el-Rey nosso Senhor, e as sysas e terças do concelho, e a mais renda hé do comendador da qual tem o bispo da Guarda o quinto dos dízimos e deste quinto tem o cabido o terço. Tem hua só freguesia e moradores, CXb»24. Nas terras dos mestrados, pertencentes à comarca de Entre Tejoe-Odiana, o levantamento dos dados «foi feito por Nuno Alvarez, moço da real câmara, e só foi começado em 20 de Janeiro de 1532, dando-se por concluído a 5 de Abril do mesmo ano»25. Quer isto significar que os dados de Alpalhão são do ano de 1532, contando, nesta data, 115 fogos; o que corresponderia a cerca de 517 habitantes.

Os particularismos quase desaparecem face à tendência uniformizadora 22 Mafalda Soares da Cunha, Linhagem, Parentesco e Poder. A Casa de Bragança (1384-1483), Fundação da Casa de Bragança, 1990, p. 133. 23 Ibidem. 24 Cadastro da População do Reino. Actas da Comarca d’Antre Tejo e Odiana, por João Maria Tello de Magalhães Colaço, Lisboa, 1919, p. 68. 25 Júlia Galego e Suzane Daveau, O Numeramento de 1527-1532. Tratamento Cartográfico, Centro de Estudos Geográficos, Lisboa, 1986, p. 13.

5. Bibliografia AMARAL, Diogo Freitas do (2003) – D. Manuel I e a construção do Estado moderno em Portugal, Edições Tenacitas, Coimbra. CAETANO, Marcello, História do Direito Português. Fontes – Direito Público (1140-1495), 2ª edição, Editorial Verbo, Lisboa, 1985. [COSME, João] (2005) - O Foral Manuelino de Arronches, edições Colibri/ Câmara Municipal de Arronches. Nota introdutória e leitura por João Cosme DIAS, João José Alves (1988) - «A Beira Interior m 1496. (Sociedade, Administração e Demografia)», Ensaios de História Moderna, Editorial Presença, Lisboa. DUARTE, Luís Miguel (2004) - «Os “Forais Novos”: uma reforma falhada?», in Actas do III Congresso Histórico de Guimarães: D. Manuel e a sua época. Vol. I - Administração, Justiça, Direito, Guimarães, pp. 157-170. LARA, António de Sousa (1991) – Genealogia, Heráldica e Ciências Sociais, Lisboa. MARQUES, Maria Alegria Fernandes (2009) – A vila de Ança e o seu foral manuelino, Câmara Municipal de Cantanhede. MORENO, Humberto Baquero (1974) - «Elementos para o estudo dos coutos de homiziados instituídos pela Coroa», Portugaliae Historica, vol. II, Lisboa, pp. 13-63. VEIGA, Carlos Margaça (1993), «A Reforma Manuelina dos Forais», in O Foral da Ericeira no Arquivo-Museu, Edições Colibri, Lisboa, pp. 31-56.

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Normas de Transcrição Tendo em vista uma maior compreensão por parte dos leitores, optámos pelos seguintes critérios de transcrição: a) Desenvolveram-se todas as abreviaturas. b) Actualizou-se o emprego das maiúsculas e das minúsculas. c) Actualizou-se o emprego do i e do j, do u e do v, do b e do v. d) Para uma melhor compreensão do texto, a pontuação foi discretamente actualizada. e) As mudanças de fólios são referidas entre barras: /…/. f) As palavras que acrescentámos, com vista a uma melhor compreensão do texto, vão colocadas entre parênteses rectos: […]. g) O R maiúsculo colocado no meio da palavra foi desdobrado em duplo rr.

Transcrição do Foral de Alpalhão FORAL DE ALPAHÃO Outorgado por D. Manuel I à vila de Alpalhão, em Lisboa, 13 de Outubro de 1512. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Leitura Nova. Forais Novos de Entre Tejo-e-Odiana, fls. 55-55v. /fl. 55/ Foral da villa d’Alpalham

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E os montados, ysso mesmo, sam do concelho e levaram a coyma dos gaados que hy vierem pastar sem licença ou sem vezinhança. A pena que pollas posturas do concelho foram postas contanto que nam levaram da cabeça do gaado mayor mais que a dez reais por cabeça; e do gaado miudo huum real, a qual coyma e pena nam levaram; salvo des[de] que o malham for todo descuberto e o gaado andar todo no termo da dita villa, e d’outra maneiram nam. [Dizima das sentenças]

Dado per o Mestre do Temple Dom Manuel, etc.; [Terras da hordem] Tem a Ordem, na dita villa e seu termo, herdades e terras proprias que dá por reçam e como lhe apraz, como cousa sua prop[r]ia, segundo está demarcada no Tombo da dita Hordem. [Tabaliam] Item, pagará de penssam o tabaliam da ditta villa, cento e oytenta reais. [Maninhos] Item, os maninhos sam do concelho livremente, os quaaes seram dados pollo /fl. 55v/ sesmeiro segundo Ordenaçam, o qual os dará com acordo dos oficiaaes da camara, e d’outra maneira nam.

E nam se levará na dita villa a dizima das sentenças, assy da execuçam como da dada das sentenças, sem embargo de ser ora mandado pollos visitadores que se levassem, visto o poder que pera isso nom tinham e a posse em que a villa está de se nunqua hy levarem. E o gado do vento e a pena d’arma e a portagem com todollos capitollos até o cabo, tirando o capitollo da saca da carga por carga, em tudo hé tal como Montalvam. Dada em a cidade de Lixboa a xiii dias do mês d’Oytubro; Era de mil e quinhentos e doze annos. E vay escrito ho original em xi folhas e xii regras, sobescrito e assinado pollo dito Fernam de Pina.

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Glossário Gado do vento – gado doméstico que se encontrava perdido. Maninho – Terreno aberto onde só se produz mato e plantas silvestres e que é propriedade do município, do comum logradouro do povo. Montado – imposto pago aos donos das terras, plantadas de sobreiros e azinheiras, onde o gado suíno se alimentava para engorda. Pena de arma – sanções a aplicar pelo uso indevido de arma, quando feria alguém. Portagem – imposto indirecto que incidia sobre a compra e venda de mercadorias. Em regra, era pago pelos estranhos quando vinham vender ou comprar os seus produtos a um concelho. Reçam (ração) – quantidade de produtos agrícolas que, por direito, se davam aos Senhores da terra. Sesmeiro – aquele a quem se deu uma sesmaria, que por isso mesmo tinha de pagar uma prestação (taxa) pela utilização da terra que lhe fora distribuída, com a condição de, obrigatoriamente, a cultivar dentro de certo prazo.

Mapa indicativo das ruas com marcas de cristianização na Vila de Alpalhão

A) Rua dos Pêlames B) Rua de Santo António C) Rua de Santa Maria D) Rua da Cadeia E) Rua Direita F) Rua do Monte Sete G) Rua de São Pedro H) Largo do Terreiro

A

B

C D

E

F G

H

Capítulo 5

1

Marcas de Cristianização nos Núcleos Urbanos Antigos de Alpalhão e Valencia de Alcântara (Cáceres)

1 Balasteros, Carmen e Ribeiro, Margarida (1999-2000). “Ibn Marúan – nº 9/10. Lisboa,114-116.

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Largo do Terreiro Nº16

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Há já alguns anos que a existência de cruzes gravadas em ombreiras de portas, em núcleos urbanos antigos, começou a despertar a atenção de uma das signatárias deste trabalho (C.B.). Porém, do conjunto por nós estudado de marcas de simbologia religiosa gravadas em ombreiras de porta, onde assumem especial importância, pela sua frequência, as cruzes, fazem ainda parte outras marcas, a saber, as gravações longitudinais, as marcas na mezuzah ou ombreira de porta e, também, os anagramas de significado religioso (BALESTEROS, 1997: 166). Se, no que diz respeito as marcas na mezuzah, não temos dúvidas em inclui-las no conjunto daquilo que entendemos como herança material, no contexto do património judaico, já no que diz respeito as gravações longitudinais, pela impossibilidade da sua explicação lógica, pensamos poderem relevar de um possível significado religioso que, por ora, nos escapa. Deste modo, não avançamos explicações mais detalhadas para a sua existência, continuando, contudo, a registar o fenómeno sempre que o identificarmos. Em nosso entender, a existência de uma cruz gravada numa ombreira de porta, fachada de edifício, lintel ou soleira de porta, ainda que, nestes dois últimos casos, geralmente, não in situ, resulta do acto consciente de pretender transmitir a esse espaço, de utilização privada ou pública, a protecção divina do deus cristão, morto na cruz. A mesma cruz que, com a difusão do cristianismo, veio a ganhar foros de representação da religião cristã e dos seus crentes. Contudo, o símbolo da cruz de Cristo teve e continua a ter outros

Rua dos Pêlames Nº33

significados e usos que, respeitando pouco a ortodoxia católica, a aproximam do mundo das crendices populares e do das práticas mágicas. Assim, pensamos que as cruzes que estudamos tanto podem resultar de uma expressão religiosa, certamente católica, como de simples ritual magico para recolha de protecção contra algo ameaçador. É possível que seja esta a explicação para as cruzes identificadas em Vilar de Perdizes, Montalegre (LLINARES GARCíA, 1991: 81), mas também é possível considerar outras explicações, sobretudo, se levarmos em linha de conta o carácter raiano da zona, relacionando a sua existência com possíveis locais de fixação de judeus e judeus escondidos, sobretudo, após 1492 e ao longo dos quase trezentos anos de existência da Inquisição em Portugal. No decurso da nossa investigação, pudemos constatar que a prática da gravação de cruzes não é um fenómeno exclusive de espaços urbanos, verificando-se ainda em espaço rural, em estruturas como casas de monte, moinhos, monólitos junto a caminhos, ou mesmo em monumentos megalíticos (BALESTEROS, 2000: no prelo). É, contudo, em espaço urbano que o fenómeno é mais apreciável pela sua elaboração estética e número de exemplares, o que se compreende pela concentração populacional existente, terreno fértil para a difusão, tao-s6 de simples "modas" de carácter religioso, como para a manutenção ou recriação de diferentes actas rituais de carácter mais mágico que religioso. Na maior parte dos sítios sabre os quais incidiu o nosso trabalho de prospecção, o qual se estendeu já a cerca de cinquenta povoações portuguesas e espanholas, sobretudo, junto à fronteira, verificámos que a dispersão das cruzes gravadas em ombreiras de portas se faz, com

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Rua da Cadeia Nº7

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especial incidência, nos núcleos mais antigos, de tradição medieval, estendendo-se, ainda nessas localidades, a imóveis que, claramente, apresentam traças arquitectónicas datáveis dos secs. XVI, XVII e XVIII. No caso de algumas povoações, verificámos ainda existir uma certa coincidência entre a área de distribuição e maior concentração das cruzes gravadas em ombreiras de portas, soleiras, lintéis ou fachadas de edifícios, com as zonas das antigas judiarias medievais (BALESTEROS, 2000: no prelo). Perante esta constatação, que não faz, necessariamente, das cruzes gravadas em ombreiras, soleiras de portas, ou fachadas de edifícios, característica específica das judiarias medievais, pensamos que a melhor explicação para o facto de as encontrarmos em relação com e no contexto dos bairros judaicos medievais reside no facto de ter existido a vontade ou a necessidade de cristianizar espaços urbanos que, após os éditos de expulsão peninsulares dos judeus, foram habitados por gentes que, oficialmente, foram cristãos, ainda que de recente data e pouca firmeza de coração. É possível, assim, considerar que a identificação de uma cruz gravada na casa de um bairro judaico seja um indicador de que aquele imóvel terá sido habitado por um antigo judeu que, ante a obrigatoriedade da conversão, exprimiu, através da assumpção de um símbolo, a adesão evidente, eventualmente apenas aparente, a religião maioritária e única permitida. É também possível considerar outra explicação para o fenómeno, podendo esta ser que o morador da casa, algures nos séculos XVI, XVII

Rua de São Pedro Nº9

ou XVIII, cristão convicto, tenha procurado daquela forma demonstrar, publicamente, a adesão a uma Fé, evitando-se assim qualquer dúvida, em tempos de perseguição aos seguidores da Lei Velha. Sobretudo, quando se habitava uma casa de um bairro que fora judiaria. Contudo, será sempre difícil saber as verdadeiras intenções que moveram aqueles que, através da maceta e do cinzel, quiseram registar no granito, no xisto, ou no mármore, estes dois últimos materiais bem mais raros, um símbolo que identifica os seguidores de uma religião determinada. No estudo deste fenómeno devemos ainda considerar que, como já referimos, a gravação de cruzes em ombreiras, soleiras de portas ou fachadas de edifícios não é identificável, exclusivamente, no espaço das antigas judiarias, ultrapassando claramente a área dos antigos bairros da minoria judaica. É o caso da Guarda (BALESTEROS, 2000: no prelo) de Trancoso (BALESTEROS, SANTOS, 1998: no prelo), da Covilhã, de Valência de Alcântara, ou de Plasência e de Trujillo na Extremadura espanhola. Se considerarmos que, neste caso, imóveis fora das judiarias medievais, os edifícios apresentam traças arquitectónicas que os remetem, maioritariamente, para os sécs. XVI, XVII ou XVIII, poderemos pensar estarmos perante a simples divulgação de uma "moda" de carácter religioso, de um ritual mágico de recolha de protecção divina, ou, então, estarmos ainda perante o resultado de um ambiente mais ou menos generalizado de perseguições ou de suspeição inquisitorial, que possa ter levado a necessidade de tentar afastar, dessa forma, qualquer dúvida no que diz respeito ao seguimento da Lei de Cristo. Julgamos que todas estas interpretações podem ser possíveis, desde que a explicação para a existência de uma cruz gravada numa ombreira de

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Despertas para o estudo das marcas de simbologia religiosa, sobretudo, depois de, aparentemente, errante, mas, atento deambular pelas ruas de Alpalhão, não pudemos evitar o crescimento das nossas interrogações, para algumas das quais ainda hoje não temos resposta definitiva, quando nos decidimos por, igualmente, descomprometido, mas atento deambular pelo Barrio Gótico de Valência de Alcântara.

porta ou fachada de edifício não seja feita de forma simplista, procurando recolher-se do espaço envolvente, do próprio edifício, de alguma tradição oral e mesmo da documentação escrita, eventualmente, existente, todos os dados para a construção da malha explicativa do fenómeno. Depois de juntas todas estas as informações, é possível que venhamos a estar mais próximos das verdadeiras razões que moveram os gravadores ou os "encomendadores da gravação" de cruzes. Antes de terminar o enquadramento da problemática que envolve o nosso estudo, consideramos ainda importante dizer que, ate ao momenta, não encontramos qualquer informação, na documentação escrita, que acrescente mais pistas as nossas tentativas de compreensão do fenómeno. Apresentada que esta parte da problemática que envolve o estudo que nos preocupa, diremos ainda que não terminam por aqui as questões que nos assaltam.

Tendo tornado consciência da extensão urbana que o fenómeno apresentava na vila de Alpalhão, confessamos que começámos, apesar de tudo, por considerá-lo como uma manifestação de carácter local, ainda que tivéssemos registado desde logo uma sua distribuição num núcleo urbana de características mais ou menos semelhantes, do ponto de vista do seu discurso construtivo e, também, da sua origem cronológica. Rapidamente, nos fomos apercebendo que a distribuição das cruzes em ombreiras de portas na vila coincidia com o núcleo urbano de tradição mais antiga e, certamente, de origem medieval. Os nomes que ainda hoje guardam as ruas deixam poucos lugares para a dúvida, recordando mesmo o antigo Castelo, que a pena de Duarte De Armas, nos inícios do séc. XVI, ainda registava (Castelo Branco, 1990: s/p.). Topónimos como Rua do Castelo, Rua Direita, Rua de St. a Maria ou mesmo Rua dos Pelames, falam-nos de tempos idos, de gentes que eram outras, mas de um, espaço que continua a ser muito semelhante e ainda carrega mensagens desses tempos já distantes. Como já tivemos oportunidade de afirmar em trabalho anterior, não só nos preocupa, do ponto de vista científico, o entendimento deste fenómeno, como também nos preocupa a sua preservação, enquanto expressão patrimonial de um determinado período ou acontecimento histórico. Na

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verdade, verificámos já que, em algumas localidades, os dados recolhidos na prospecção inicial diferem dos obtidos no levantamento de pormenor. Já foi possível percebermos que, algumas vezes, a falta e do prospector por nem sempre conseguir observar a olho nu gravações que, só com o olho treinado ou com utilização de luz rasante, se identificam mais claramente. Tivemos já também oportunidade para verificar que, nalguns casos, como o de Alpalhão, Nisa ou mesmo Trancoso, o desaparecimento de uma marca se ficou a dever a desconhecimento ou desleixo do proprietário ou da Autarquia, por se ter procedido ao picar das ombreiras, ao seu reboco com cimento e posterior pintura, ou então ao derrube da casa. Porém, não deixa de ser interessante, do ponto de vista da apropriação e usufruto do património, o facto de já termos verificado, como em Alpalhão, que alguns habitantes optaram, muito recentemente, por "cristianizar" também as ombreiras das suas portas, desta vez, com recurso a instrumentos que facilitam bastante o trabalho humano, como a rebarbadora eléctrica. Sendo este um fenómeno Interessante, cujo estudo caberia melhor no âmbito de uma possível investigação sobre antropologia do fenómeno turístico, não deixa de ser verdade que introduz alguma perturbação na nossa análise, sobretudo, quando um dos nossos objectivos é procurar contextualizar cronologicamente a emergência destas marcas. Verificamos ainda que, sendo este um fenómeno pouco estudado e mal conhecido, e também, em consequência, pouco divulgado e valorizado. Casos existem, como em Trancoso ou na Guarda, em que os moradores nos dizem, apesar da evidência de uma grande cruz na sua ombreira de porta ou fachada de casa, que sempre se recordam de a ter visto no local, ainda que nunca lhe tenham prestado especial atenção. Na maior parte

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Rua de Santo António

dos casos, verificámos que, só depois do trabalho atento da equipa de prospecção e levantamento, gerador de muitas e legítimas interrogações por parte dos moradores, é provável que uma parte da população tenha vindo a olhar este aspecto, de um património que é seu, com "olhos de ver". Neste contexto, diremos ainda que nunca esqueceremos a compreensível reacção de um trancosense, há já alguns anos, que, no cair de uma noite anunciadora da chegada de um Inverno ventoso, passava por nós e comentava com um companheiro imaginário: "Vejam bem! A gastar dinheiro a fazer fotografias a uma porta velha!". Enfim!... o que para uns é velho, para outros é antigo! Depois de termos constatado que a gravação de cruzes em ombreiras de portas não era um exclusivo da vila de Alpalhão e que apresentava características significativas também em Valência de Alcântara, começámos a considerar que não estávamos perante o resultado de uma simples coincidência. Em Valência de Alcântara, porém, já outros olhos da terra, antes dos nossos, se haviam demorado na observação

das portas do chamado Barrio Gótico, registando e inventariando o surpreendente discurso plástico dos revestimentos exteriores das portas do bairro de origem medieval (BEJARANO, 1993: 1-50). Naturalmente, não fugiram a este olhar atento as cruzes gravadas nas ombreiras graníticas, a respeito das quais veio a partilhar connosco conhecimentos e também interrogações muito semelhantes. Durante a visita a Valência de Alcântara, guiados por Francisco Bejarano, tivemos oportunidade de registar a existência de uma relação geográfica entre a área de distribuição das cruzes, o bairro judaico medieval e, sobretudo, a incidência daquelas na zona onde se implantava um edifício que os naturais identificavam como a antiga sinagoga medieval e, mesmo, como a "Iglesia de los judíos". Em Valência de Alcântara, confluíram, assim, três das vertentes que mais são queridas ao nosso projecto de investigação: um bairro judaico medieval, uma sinagoga que tivemos oportunidade de estudar (BALESTEROS; OLIVEIRA, 1994: 115-139), escavar e, finalmente, acompanhar do ponto de vista da sua recuperação e, ainda, um conjunto significativo de magníficas portas em cantaria granítica com cruzes gravadas nas ombreiras das suas portas! Depois dos primeiros trabalhos de prospecção, realizados em Valência de Alcântara, Alpalhão e Nisa (BALESTEROS, 1996: 216-225) rapidamente, ganhámos o hábito de observar, com uma demora provocadora da estranheza de moradores, as portas das casas mais antigas, na descoberta das marcas gravadas, sobretudo, nas suas ombreiras, enquanto percorríamos vilas e cidades raianas, de um e outro lado da fronteira, em busca de vestígios materiais do património judaico. Foi a partir de

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Rua de Santa Maria Nº8

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(pág. 110 e 111) Rua de Santa Maria Nº15

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então que começámos a estudar o fenómeno de forma mais sistemática, o que nos conduziu já ao levantamento gráfico exaustivo, inventário e tipologia das marcas identificadas em Trancoso, Estremoz e na Guarda. Iniciámos a nossa Viagem em Alpalhão e Valência de Alcântara e é aqui que pretendemos agora voltar, depois de tantas cruzes se terem cruzado com os nossos olhos e com o nosso pensamento. Na vila de Alpalhão, as cruzes registam-se em 11 das artérias, a saber; o Largo do Terreiro com uma porta, a Rua do Arrabalde com uma porta, a Rua do Borralho com 2 portas, a Rua do Castelo com 3 portas, a Rua Direita com 5 portas, a Rua do Monte Sete com 1 porta, a Rua Nova, agora, apenas com uma porta2, a Rua dos Pelâmes com 2 portas, a Rua de St. António com 1 porta, a Rua de Sta. Maria com 3 portas e a Rua de S. Pedro também com 3 portas. Observando o excerto da planta aerofotogramétrica, onde incluímos a localização dos imóveis em que se identificam cruzes, verifica-se que estas se distribuem na zona mais antiga da povoação, o que se confirma quando atendemos a topónimos como os de Rua Direita, do Castelo, Sta. Maria, Pelâmes e mesmo Rua do Arrabalde e Rua Nova.

2 Como já afirmamos, casos existem em que, por desconhecimento do proprietário ou algum desleixo por parte das Autarquias, este género de património, pelas suas características específicas, pode ser rápida e facilmente destruído ou danificado. A cruz que se deveria identificar na ombreira esquerda interna da casa da Rua Nova, nº 16, não é hoje observável, por terem sido rebocadas e pintadas as ombreiras da porta. Esta marca já tinha sido por nós identificada em planta nas Actas do 2º Encontro de História Local e Regional de Portalegre, bem como no desdobrável turístico editado pela Região de Turismo de S. Mamede, intitulado Marcas de Simbologia Religiosa - Alpalhão, sob a nossa responsabilidade científica e técnica, por ocasião da passagem dos 500 Anos sobre o Édito de Expulsão dos Judeus de Portugal.

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Rua Direita Nº13

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com registo de cruzes, mas, actualmente, apenas a porta nº 12 desta rua apresenta 3 cruzes, porque aquela que se identificava na ombreira esquerda interna da porta nº 16 encontra-se hoje escondida por obras recentes. Se em Alpalhão verificamos o desaparecimento de cruzes, registadas em prospecções anteriores, o que mostra o frágil carácter deste património, verificamos, paralelamente, o interessante fenómeno do "nascimento" de novas exemplares, agora, certamente, por motivos que em nada se prendem com necessidade de afirmação ou ocultação religiosa. E o caso das cruzes que se observam no nº 30 da Rua Direita, as quais são de evidente produção recente. No conjunto das 11 ruas que apresentam portas com cruzes gravadas nas ombreiras, regista-se, a cabeça, a Rua Direita, onde 5 portas apresentam gravações, seguindo-se as Ruas do Castelo, de Sta. Maria e a de S. Pedro, onde três portas de cada uma das ruas apresentam cruzes gravadas3. Apresentando 2 portas com gravação de cruzes, registamos a Rua do Borralho e a Rua dos Pelames4. Finalmente, com uma porta com cruzes gravadas, refira-se o Lg. do Terreiro, a Rua do Arrabalde, a do Monte Sete, a Rua Nova e a Rua de St. António. Apesar da porta nº 5 da Rua de St. António ser a única desta rua onde se verifica a gravação de cruzes, e, contudo, nesta mesma porta que se verifica a maior concentração de gravações que alguma vez já identificamos, registando-se nas duas ombreiras o impressionante quantitativo de 11 cruzes. Há 4 anos a esta data, a Rua Nova estaria incluída no conjunto das ruas com 2 portas

Na vila, o quantitativo total de cruzes registadas com este trabalho e de 50, verificando-se que 86% dos exemplares - 43 cruzes - se identificam em ombreiras de portas. Os restantes 7 exemplares, que representam 14% do total, identificam-se em lintéis de portas, casos da Rua dos Pelâmes nº 25 ou da Rua de S. Pedro nº 20 ou ainda, na estrutura de uma chaminé, na Rua do Castelo nº 55, caso único em que registamos o fenómeno no interior de um imóvel que, por ter sido adquirido pela Autarquia, tornou mais fácil o estudo do seu espaço interno. Sabemos contudo, que, outros imóveis existem onde é possível identificar cruzes gravadas em ombreiras de portas interiores. Naturalmente, o estudo destas marcas será também interessante mas a necessidade de penetrar em espaços privados cria algumas dificuldades que nos levam, por ora, a dirigir a nossa atenção, sobretudo, para os espaços públicos.

3 É no nº 20 da Rua de S. Pedro que podemos identificar, no lintel da porta, o único exemplar de Alpalhão de uma cruz em relação com anagrama de significado religioso: IHS+AM. 4 Parece-nos bastante provável que o lintel de uma das portas da Rua dos Pelâmes, onde se registam várias cruzes, não esteja in situ, dada a orientação actual das cruzes. Não deixa de ser interessante que o reaproveitamento tenha respeitado a visibilidade da face gravada do bloco granítico.

Rua Direita Nº13

No que diz respeito ao conjunto das 43 cruzes gravadas em ombreiras de portas, verificamos que, em 53% dos casos, houve uma preferência pelas ombreiras direitas das portas manifestando-se, portanto, uma opção pelo lado funcional do corpo humano. Contudo, em 47% dos casos, a ombreira esquerda das portas foi também utilizada como local de gravação. Já no que diz respeito a opção pela gravação na face interna ou na face externa das ombreiras, verificamos que a preferência foi para as faces internas, em 69% dos registos, podendo assim pensar-se que, nestes casos "a gravação da cruz prossegue objectivos mais familiares e intimistas que naqueles onde se optou pela sua gravação nas faces externas das ombreiras, ou seja, em 26% dos casos. Das 50 cruzes registadas em Alpalhão, 26 são cruzes simples, ou seja, sem qualquer decoração e compostas apenas por dois eixos ortogonais, em que o horizontal cruza o vertical a 2/3 de altura a partir da base. No conjunto das 24 cruzes que apresentam decoração, verificamos que esta se pode identificar nas bases, nos braços ou nos topos. Ainda assim, a nosso ver, o elemento que melhor distingue uma cruz de outra, no que ao seu tipo diz respeito, e a decoração da sua base. Esta pode variar, fundamentalmente, num conjunto de 5 formas, a saber: triangular, semicircular, circular, rectangular e recta. Em Alpalhão, verificamos que 50% das cruzes decoradas apresentam base triangular, como a que se identifica no nº 16 do Largo do Terreiro, ainda que as cruzes decoradas de base circular também tenham alguma expressão, registando-se em 21% dos casos no conjunto das cruzes decoradas.

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(dir.) Rua Direita Nº26 (pág. 115) Rua Direita Nº30

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No que diz respeito à análise dos braços, verificamos que a variante mais significativa consiste no número destes, ou seja, se a cruz apresenta um braço único ou vários braços que podem ou não apresentar decoração. Em Alpalhão, como se pode verificar na grelha de Inventário e Tipologia que apresentamos, a maior frequência de casos acontece no grupo das cruzes de braço único, com decoração, com 67% dos casos. Na análise dos topos, optámos por separar apenas os topos simples dos decorados por nos parecer não existirem outras variantes passíveis de integrar uma tipologia. No caso dos topos das cruzes, o maior número de registos vai também para os decorados, com 54% dos casos, no conjunto das cruzes decoradas. Assim, em Alpalhão, o conjunto das 50 marcas de cristianização estudadas concentra-se no núcleo mais antigo da vila, distribui-se por 11 ruas e largos e identifica-se, maioritariamente, em ombreiras de porta. A face interna das ombreiras direitas das portas foi o local preferido para a sua gravação, sendo que 52% delas são cruzes simples. Em 48% dos casos houve uma opção por um trabalho mais cuidado da cruz, salientando-se, no que à sua decoração diz respeito, o conjunto de cruzes decoradas de base triangular. As cruzes gravadas em ombreiras de portas são um fenómeno de muito difícil datação e registam-se em muitos casos, como nesta vila, em imóveis de arquitectura popular e tradicional, a respeito dos quais é difícil reconhecer com clareza uma data de construção. Contudo, face à estrutura dos imóveis em estudo em Alpalhão, pensamos que a gravação destas cruzes deverá ter ocorrido algures dos sécs. XV / XVI em diante. Assim, pensamos que é possível estabelecer uma relação entre

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Rua Direita Nº59

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a gravação destas cruzes e o fenómeno cristão-novo, em que o medo ou a vontade de afirmação da pertença a um credo religioso tenha sido responsável por esta verdadeira "cruzada". Valência de Alcântara encontra-se a alguns quil6metros da fronteira com Portugal, na província de Cáceres, mas, nesta como noutras realidades hist6ricoarqueológicas, a fronteira foi e é um mero fenómeno administrativo e político muitas vezes ignorado pelas gentes da terra. Os saberes e os comeres, a paisagem e a forma como o homem a humanizou e ate os "aconteceres" da história, foram dando contorno a fenómenos semelhantes marcados por acontecimentos partilhados. Ainda antes do que aconteceu em Portugal, os ventos da intolerância religiosa e o sentimento antijudaico instalaram-se nos reinos da Espanha, com especial violência a partir de meados do séc. XIV. As disputas religiosas, as predicas contra os judeus e as perseguições desencadeadas pelas acções do arcediago de Écija ou de S. Vicente Ferrer, ainda que não com um impacto directo na Extremadura espanhola, foram algumas das faces de um mesmo fenómeno que, no último quartel do séc. XV, conduziu ao estabelecimento da Inquisição nos reinos da Espanha, como consequência da ambição que tiveram Fernando e Isabel, chamados Reis Católicos, em conseguir a unidade política, forçando a unidade religiosa. Apenas quatro anos separam ambos os Éditos de Expulsão dos judeus peninsulares e, em 1496, a expulsão dos judeus portugueses pareceu a D. Manuel ser clausula matrimonial aceitável, tendo em vista ambição ainda vasta que a dos Reis Católicos. Apesar de não conseguida a União Ibérica, uniu a história dos países peninsulares a questão judaica, acrescentandolhe o toque de dramatismo que as intolerâncias acarretam.

Rua Direita Nº59

A necessidade de, após 1492, os judeus abandonarem os reinos da Espanha, fez das regiões fronteiriças locais de trânsito de gentes que procuraram destino seguro na Europa ou então o esperavam encontrar em Portugal. Alguns não procuraram longe o abrigo e estabeleceramse logo junto à fronteira nas mesmas povoações que antes visitavam como mercadores. Foi este o caso de Fernão de Orta, judeu, mercador, pai de Garcia de Orta e natural de Valência de Alcântara. Outros, como ele, atravessaram em 1492 a fronteira de Marvão, vindos de Valência ou vindos de povoações vizinhas, podendo este trânsito de gentes ser o responsável pelos topónimos cartografáveis Judearias, em Castelo de Vide, ou La Juderia, em Valência de Alcântara. Desde os finais do século XIII que a presença judaica em Valência de Alcântara se encontra documentada. Através de registos da Chancelaria de D. Sancho IV, sabe-se que na vila existia então uma aljama judaica (LACAVE, 1992: 408), o que implica a existência de um grupo populacional com alguma expressão numérica e financeira, capaz de se afirmar como entidade com alguma autonomia administrativa, religiosa e mesmo fiscal. Enquanto nos séculos XIII e XIV está documentada a existência da aljama judaica na vila (LOZANO, 1984: 36), ao longo do século XV ela parece ter conhecido um decréscimo demográfico que explicará o facto de a documentação referente a contribuições para impostos, no final do séc. XV, só já mencionar o contributo dos judeus de Valência de Alcântara como originário da judiaria e já não da aljama da vila. Ainda que vendo a sua população diminuir no séc. XV, a existência de uma zona de habitação judaica é um dado incontornável na análise da estruturam urbana antiga desta povoação, onde o chamado Bairro Gótico e testemunho inequívoco da arquitectura popular moderna de

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Rua Direita Nº60

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Rua Direita Nº63

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(dir.) Rua Direita Nº65 (pág. 121) Rua do Monte Sete Nº14

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origem tardo-medieval. Considerando a existência de uma comuna judaica ou tão-só de uma judiaria que, em conjunto com a mouraria, são os núcleos habitacionais que, de forma mais significativa, constituem este bairro de tradição medieval, é necessário considerar também que estes bairros possuíram estruturas religiosas próprias, servindo cada uma das minorias religiosas em presença. Do templo muçulmano ainda hoje a toponímia guarda a memória na Calle Mezquita. No início do século, a localização da Mesquita e o destino desta, após a expulsão das minorias religiosas, estavam ainda bem presentes (LOZANO, 1984: 32). Da Sinagoga medieval resta, na Calle Gasca, um espaço construído, pleno de evocações simbólicas e, recentemente, recuperado, cuja memória sobreviveu nas recordações dos mais antigos. Outras memórias permanecem ainda relacionando Valência de Alcântara com a história e o destino dos judeus peninsulares. É o caso da Pedra de Armas com o escudo da Inquisição, que se identifica na Calle Bordallo, ou ainda o facto de o almejado casamento entre o rei D. Manuel e a infanta D. Isabel, filha dos Reis Católicos, ter acontecido precisamente nesta vila, no dia 7 de Outubro de 1497, na lgreja de Santa Maria de Rocamador (DIEGUEZ, 1990: 103). Se a documentação escrita e os testemunhos arqueológicos e arquitectónicos dão conta da presença judaica na vila, mas, também, da presença de gente relacionada com a Inquisição, é possível considerar que, também, aqui, a vontade de se afirmar como cristão ou o medo de

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Rua do Monte Sete Nº2A

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que a suspeita sabre o verdadeiro credo religioso de alguns ganhasse consistência tenha sido responsável pelo conjunto de marcas de simbologia religiosa, gravado em ombreiras de portas e janelas. O conjunto de cruzes de Valência de Alcântara, num total de 31, distribui-se no interior do chamado Barrio Gótico-Judío, o qual inclui a zona da antiga mouraria e, ainda, casas que, certamente, foram cristandade. Identificam-se as cruzes que analisamos, num total de 12 ruas e 2 praças, sendo uma destas a de La Constitución ou Plaza de España e a outra conhecida pelos habitantes como Quatro Calles. A análise da planta, onde registámos a distribuição das Marcas de Cristianização no Núcleo Urbano Antigo de Valência de Alcântara, parece apontar para a existência de, pelo menos, três núcleos urbanos definidos por uma maior concentração do fenómeno. Um dos núcleos é constituído pelas Calles Gasca, Caballero, S. Pedro, Pocito, Santiago e Bordalo, outro pela Bolvedana e Cortizada e outro, ainda, pelas Calles Juan Durán, Aparicio Diaz, Marqués de La Conquista e Garcia Morato. Podendo as cruzes identificadas nos dois primeiros núcleos urbanos explicar-se pelo facto de aí terem vivido os hereges, mouros e judeus, cuja memória havia que substituir, parece-nos possível considerar que o último núcleo se explique pela presença de famílias de origem conversa ou, então, pelo facto de, em determinada altura, a marcação de cruzes nas ombreiras das portas se ter vulgarizado. Localizamos também, na planta em análise, duas possíveis marcas na mezuzah, identificada uma na Calle Entrecasas e outra na Calle Bolvedana. Bastante afastadas da zona onde pensamos que a judiaria se terá definido, Calles Gasca, S. Pedro, Pocito, Caballero, Bordalo e Santiago,

Rua do Monte Sete Nº2A

parece-nos ser de registar a possibilidade da sua existência, considerando não só que a obrigatoriedade da vivência em espaço urbano específico acontece, nos reinos da Espanha, apenas a partir de 1412 e que, tal como em Portugal, várias foram as excepções, por motivos de carácter sócioeconómico, de judeus que tiveram residência fora da judiaria. Na sua grande maioria, as cruzes identificadas em Valência de Alcântara foram gravadas em ombreiras de portas, registando-se apenas 3 espaços construídos onde a opção foi diferente, caso da ombreira da janela, já na C. Gasca, do edifício nº 1 da Praça Cuatro Callles, de uma das colunas da arcada da Plaza de España ou ainda das colunas da sala de oração da Sinagoga Medieval, o que nos parece ser bastante significativo. Nos restantes 28 espaços, a gravação ocorreu nas ombreiras de portas, registando-se em 54% dos casos a opção pelas ombreiras esquerdas. Em 53% dos casos as cruzes de Valência de Alcântara identificam-se na face externa das ombreiras, o que mostra a intenção de as apresentar como um sinal para o exterior. Registamos também nesta vila um predomínio das cruzes simples ou sem decoração, à semelhança do que acontece em Alpalhão, em Estremoz e em Trancoso (SANTOS; SANTOS; BALESTEROS; 1999: no prelo) verificando-se que, no que diz respeito ao grupo das decoradas, predominam em Valência as bases semicirculares e rectas, os braços únicos sem decoração e os topos sem decoração. Comparando ainda os dados de Valência de Alcântara com aqueles que possuímos para a Guarda (BALESTEROS, 2000: no prelo) e Estremoz, verificamos, nas três povoações, uma predominância da escolha das faces externas das ombreiras como local de gravação das cruzes. No que diz respeito ao grupo das cruzes decoradas, cremos que o factor de análise

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Rua de Santo António Nº5

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mais representativo é a decoração das bases, onde as triangulares, as circulares e as semicirculares se apresentam como as mais comuns, tanto em Alpalhão, na Guarda, em Estremoz, em Trancoso, como em Valência de Alcântara, onde as bases triangulares têm, contudo, expressão diminuta. Concluímos, assim, que a gravação de cruzes em ombreiras de portas e janelas não é um fenómeno exclusivamente português, dado com o qual já contávamos e que resulta das prospecções prévias desenvolvidas. Em todos os locais que já foram objecto de análise detalhada, em Estremoz, na Guarda, em Trancoso, em Alpalhão e em Valência de Alcântara, possuímos informação a respeito da existência de uma zona medieval de habitação judaica. A excepção é Alpalhão, onde só temos, por ora, informação para existência de condenados pela Inquisição de Évora. Sabemos também que, em espaço urbano, o local preferencial para este género de gravações são as ombreiras das portas, ainda que aquelas também se identifiquem noutros espaços como soleiras de portas, lintéis, janelas, fachadas ou cunhais de casas, esquinas de ruas ou fontes. Um número significativo das cruzes foi gravado nas ombreiras direitas das portas, nas suas faces externas, o que se prende com a maior funcionalidade do lado direito do corpo humano e com uma intenção de afirmar ostensivamente a pertença a um grupo religioso definido. Da apreciação dos dados do conjunto x ainda que as cruzes sem decoração apresentam uma clara preponderância sabre as decoradas, ainda que se identifiquem conjuntos como o de Trancoso, onde a decoração de algumas cruzes é, verdadeiramente, notável. Sendo mais frequentes as cruzes simples, do que as cruzes decoradas, no conjunto destas, o tipo de base parece ser o elemento mais significativo, verificando-se uma predominância das bases triangulares, circulares e semicirculares.

Marcas de Cristianização no Núcleo Urbano Antigo de Alpalhão

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LEGENDA: Área de dispersão das Marcas de Cristianização Marcas de Cristianização do Espaço

Distribuição das Marcas de Cristianização por Ruas no Núcleo Urbano Antigo de Alpalhão

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Lg. do Terreiro R. do Arrabalde R. do Borralho R. do Castelo R. Direita R. do Monte Sete R. Nova R. dos Pelâmes R. de S. António R. de Sta. Maria R. de S. Pedro 0

2

4

6

8

10

12

Marcas de Cristianização no Núcleo Urbano Antigo de Alpalhão Cruzes S/ Dec.

C/ Dec. Base

Morfologia Localização Lg. Terreiro, 16 R. do Arrabalde, 21 R. do Borralho, 3 ",6 R. do Castelo, 28 (cima) " , 28 (baixo) " , 44 " , 55 " , 55 (chaminé - cima) " , 55 (chaminé - baixo) R. Direita, 13 " , 30¹ " , 30 " , 30 " , 30 " , 49 " , 60 (cima) " , 60 (baixo) " , 63 R. do Monte Sete, 24 R. Nova, 12 (esq.) " , 12 (dirt. int.) " , 12 (dirt. ext.) R. Pelâmes, 25 (esq.) " , 25 (centro) " , 25 (dirt.) " , 25 (baixo) " , 33 (dirt.) " , 33 (esq.) R. de S. António, 5 (1) " , 5 (2) " , 5 (3) " , 5 (4) " , 5 (5) " , 5 (6) " , 5 (7) " , 5 (8) " , 5 (9) " , 5 (10) " , 5 (11) R. de S. Maria, 8 (dirt.) " , 8 (esq.) ",9 " , 11 R. de S. Pedro, 19 (dirt.) " , 19 (esq.) " , 20 " , 20 (lintel) " , 25 (int.) " , 25 (ext.)

Triangular

SemiCircular

Circular

Braços Rectangular

Recta



Único S/ Dec. •

C/ Dec.

Topos Múltiplos S/ Dec. C/ Dec.

S/ Dec.

C/ Dec.

Em Relação c/ Anagrama



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1 Marcas de produção recente. Não identificadas no 1º levantamento realizado em 1996 com resultados publicados no "Roteiro do Património Judaico na Região de Turismo de São Mamede".

Local de Gravação das Cruzes 14%

128

86%

Ombreiras - 43 Outros Espaços - 7

47% 53% Ombreira Direita - 23 Ombreira Esquerda - 20

5% 26%

69% Ombreira Interna - 30 Ombreira Externa - 11 Chanfro - 2

Análise das Cruzes quanto à Decoração

DECORADAS / SEM DECORAÇÃO

BASES

129

13% 8% 48%

52%

50% Cruzes c/ Decoração - 24

21%

Cruzes s/ Decoração - 26

8%

BRAÇOS 4%

4%

Triangular - 12 Semi-circular - 2 Circular - 5 Rectangular - 2 Recta - 3

TOPOS 25% 46% 54%

67%

Único s/ Decoração - 6 Único c/ Decoração - 16 Múltiplos s/ Decoração - 1 Múltiplos c/ Decoração - 1

C/ Decoração - 13 S/ Decoração - 11

Inventário e Tipologia das Marcas de Simbologia Religiosa - Núcleo Urbano Antigo de alpalhão BASES TRIANGULAR

CIRCULAR

SEMI-CIRCULAR

RECTANGULAR

RECTA

130

0 0 0

4cm

0

4cm

Lg. do Terreiro, 16

R. do Monte Sete, 24

0

4cm

R. Nova, 12

4cm

4cm

R. Direita, 49

R. de S. António, 5

2

3

QUANTIDADE 12

5

2

TOPOS

BRAÇOS ÚNICO C/ DECORAÇÃO

S/ DECORAÇÃO

0 0

SIMPLES

MÚLTIPLOS C/ DECORAÇÃO

0

4cm

S/ DECORAÇÃO

4cm

0

4cm 0

R. de Sta. Maria, 8

R. dos Pêlames, 33

16

6

DECORADOS

4cm 0

4cm

R. de S. Pedro, 20

R. de S. Pedro, 25

R. de S. Pedro, 25

1

1

11

R. Nova, 12

QUANTIDADE

QUANTIDADE

13

4cm

Marcas de Cristianização no Núcleo Urbano Antigo de Valência de Alcântara

131

LEGENDA: Bairro Gótico Marcas de Cristianização do Espaço Marcas na Mezuzah Sinagoga de Valência de Alcântara

Distribuição das Marcas de Cristianização por Ruas no Núcleo Urbano Antigo de Valência de Alcântara

132

C. Aparício Diaz C. Bolvedana C. Bordalo C. Caballero C. Cortizada C. Garcia Morato C. Cuatro Calles C. Gasca C. Juan Duran C. Mq. de la Conquista C. Posito C. San Pedro C. Santiago Pl. de la Constituición 0

1

2

3

4

5

6

Marcas de Cristianização no Núcleo Urbano Antigo de Valência de Alcântara

133 Cruzes S/ Dec.

C/ Dec. Base

Morfologia Localização C. Aparicio Diaz, 7 " , 12 " , 15 C. Bolvedana, 2 " , 13 C. Bordalo, 4 " , 22 C. Cabalero, 15 " , 17 (cima) " , 17 (baixo) " , 17 (chanfro) " , 27 (dirt.) " , 27 C. Cortizada, 33 C. Garcia Morato, s/n Cuatro Calles, 1 " , 1 (janela) C. Gasca, 11 " , 24 - Sinagoga " " C. Juan Duran, 12 " , 13 C. Mq. Conquista, 7 C. Posito, 10 (baixo) " , 10 (cima) C. San Pedro, 4 ",6 C. Santiago, 9 (esq.) " , 9 (dirt.) " , 19 Pl. de la Constituicion

Triangular

SemiCircular

Circular

Braços Rectangular

Recta

Único S/ Dec.

C/ Dec.

Topos Múltiplos S/ Dec. C/ Dec.

S/ Dec.

C/ Dec.

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Local de Gravação das Cruzes

10%

134

90%

Ombreiras - 28 Outros Espaços - 3

46%

54% Ombreira Direita - 13 Ombreira Esquerda - 15

4% 43%

53% Ombreira Int. - 12 Ombreira Ext. - 15 Chanfro - 1

Análise das Cruzes quanto à Decoração

DECORADAS / SEM DECORAÇÃO

BASES 7%

33%

33%

48%

52%

135

Triangular - 1 Cruzes c/ Decoração - 15

Semi-circular - 5

21% 20%

Circular - 3

Cruzes s/ Decoração - 16

Rectangular - 1 Recta - 5

BRAÇOS

TOPOS

20% 47% 53% 27%

53%

Único s/ Decoração - 8

S/ Decoração - 8

Único c/ Decoração - 4

C/ Decoração - 7

Múltiplos s/ Decoração - 3

Inventário e Tipologia das Marcas de Simbologia Religiosa - Núcleo Urbano Antigo de Valência de Alcântara BASES TRIANGULAR

CIRCULAR

SEMI-CIRCULAR

RECTANGULAR

RECTA

136

0 0

4cm

Cuatro Calles, 1

0

4cm

C. Caballero, 17

0

0

4cm

C. Posito, 10

4cm

4cm

C. S. Pedro, 5

C. Aparicio Diaz, 12

1

5

QUANTIDADE 1

3

5

TOPOS

BRAÇOS ÚNICO C/ DECORAÇÃO

0

S/ DECORAÇÃO

0

4cm

C. Caballero, 17

4cm

C. Garcia Morato, s/n

0

4cm

8

0

4cm

C. Caballero, 27

C. Caballero, 27

QUANTIDADE

QUANTIDADE 4

DECORADOS

S/ DECORAÇÃO

0

C. Bolvedana, 2

SIMPLES

MÚLTIPLOS

3

8

7

4cm

Bibliografia BALESTEROS, Carmen; OLIVEIRA, Jorge, (1994), "A Sinagoga de Valência de Alcantara", in Ibn Maruán, Revista Cultural do Concelho de Marvão, n.º 4, Camara Municipal de Marvão. BALESTEROS, Carmen, (1996), "A tradição das Gravações de Simbologia Religiosa Judaica e Cristã em Ombreiras de Porta", in Actas do 2º Encontro de História Regional e Local do Distrito de Portalegre, A.P.H., Lisboa. BALESTEROS, Carmen, (1997), "Marcas de Simbologia Religiosa judaica e cristã em ombreiras de porta - III", in Ibn Maruán, Revista Cultural do Concelho de Marvão, nº 7, Ed. Colibri, pp. 165-182.

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DIÉGUEZ LUENGO, Elías, (1990), Curiosidades de La Historia de Extremadura, Cisán, Albuquerque. LACAVE, José Luís, (1992), Juderias y Sinagogas Españolas, Ed. Mapfre, Madrid, Espanha. LLINARES GARCÍA, Mar, (1991) "Algúns Aspectos do Simbolismo na Cultura Popular Galega" in Larouco - Revista da Historia Primitiva, Tradicións Orais e Patrimonio Cultural de Galicia, Grupu Arqueolóxico Larouco, Ed. do Castro.

BALESTEROS, Carmen; SANTOS, Carla Alexandra, (1998), "Aspectos do Património Judaico em Trancoso", in Actas das 1as Jornadas do Património da Beira Interior, Guarda, 1998.

LOZANO BARTOLOZZI, Maria del Mar, (1984), "El Barrío Gótico de Valencia de Alcántara", in Alcántara - Revista del Seminario de Estudios Cacerenos, nº2, Tercera Época, Institución Cultural "El Brocense", Excma. Diputación Provincial.

BALESTEROS, Carmen, (2000), "Marcas de Cristianização no Centro Histórico da Guarda: as marcas da religião no quotidiano dos espaços urbanos", in Actas do Colóquio Guarda. História e Reconstrução da Memória, (no prelo).

SANTOS, Carla Sofia; SANTOS, Carla Alexandra; BALESTEROS, Carmen, (1999), "Marcas de Cristianização nos Núcleos Urbanos Antigos de Estremoz e de Trancoso", 3º Congresso de Arqueologia Peninsular, Vila Real, (no prelo).

BEJARANO, Francisco, (1993), Inventário de las Portadas del Llamado Barrio Gótico de Valencia de Alcántara, Ed. Ayuntamiento de Valencia de Alcántara. CASTELO BRANCO, Manuel da Silva, (Introdução de), (1990), Duarte de Armas - Livro das Fortalezas, Ed. Inapa, Lisboa.

Biografias dos Autores

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Vítor Serrão, nasceu em Toulouse-França a 28 de Dezembro de 1952, é professor catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, onde integra o Instituto de História da Arte e é presidente da Comissão Executiva do Departamento de História. Licenciado em História pela FLUL (Faculdade de Letras de Lisboa, 1975), obteve o Mestrado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (1982, com a tese O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses, editada pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda, em 1983, e galardoada com o Prémio Nacional José de Figueiredo da Academia Nacional de Belas-Artes) e obteve o Doutoramento na Universidade de Coimbra (1992, com a tese A Pintura Proto-Barroca em Portugal, 1612-1657, editada parcialmente pela Colibri, 2000). É autor de diversa bibliografia sobre Teoria da Arte e Arte Portuguesa dos séculos XVI a XVIII, com realce para a pintura maneirista e barroca nacional, de que se destacam, além dos dois citados livros, os seguintes livros e catálogos: A Pintura Maneirista em Portugal (ICALP, 1982), Estudos de Pintura Maneirista e Barroca (ed. Caminho, 1988), Sesimbra Monumental e Artística (1986, com Eduardo da Cunha Serrão), Sintra (ed. Presença, 1989), Santarém (ed. Presença, 1990), Josefa de Óbidos e o tempo barroco (catálogo de expº, IPPC, 1991), A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões (catálogo de expº, CNCDP, 1995), André de Padilha e a pintura quinhentista, entre o Minho e a Galiza (ed. Presença, 1998), Estudo e Restauro dos Painéis do Mosteiro dos Jerónimos (ed. IPPAR, 2000), A Cripto-História da Arte. Análise de Obras de Arte Inexistentes (Livros Horizonte, 2001), Rouge et Or. Trésors d’Art du Baroque Portugais (catálogo, Paris-Roma, 2001-2002), O Renascimento e o Maneirismo (ed. Presença, 2002) e O Barroco (ed. Presença, 2003), A Lenda de S. Francisco Xavier pelo pintor André Reinoso (ed. Bertrand,

2006) e As Pinturas Murais da Capela de S. João Baptista de Monsaraz (no prelo). Tem dezenas de textos de História de Arte em prestigiadas revistas científicas portuguesas, espanholas e italianas. Pertence à Academia Nacional de Belas-Artes, à Academia Portuguesa da História e à Associação Portuguesa de Historiadores de Arte. Dirige a revista Artis, do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa (com 4 nºs saídos, desde 2001) e pertence ao conselho redactorial das revistas Monumentos (da DGEMN) e Archivo Español de Arte (do Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, de Madrid).

João Cosme, natural de Mourão, é professor auxiliar com agregação do Departamento de História, e investigador do Centro de História desta Universidade e sócio do CEPESE. Tem participado em congressos nacionais e Internacionais, onde apresentou comunicações. Entre os seus trabalhos mais recentes podem citar-se: «La Inquisición en el Bajo Guadiana Português ( Moura, Mourão, Olivença y Serpa ) desde 1640 hasta 1715», in La Inquisición en el Guadiana Fronterizo, Ayuntamiento, Olivenza, 2006, pp.29-184; História da Policia de Segurança Pública. Das origens à actualidade, Edições Silabo, Lisboa, 2006, 381 páginas; «Olivença (1640 – 1715 ). População e Sociedade», in Revista de Estudios Extremeños, T. LXII. N. II. Mayo-Agosto, Diputación de Badajoz, 2006, pp. 753-824; «As Preocupações Higio - Snatárias em Portugal (2.ª metade do século XIX e principio do XX)», Revista da Faculdade de Letras. História, Porto, III, vol. 7, 2006, pp.181-195; «Nótulas sobre a presença feminina na colonização brasileira», in Islenha, n.º 39 (Julho-Dezembro), Funchal, 2006, pp.113122, Memórias Paroquiais (1758).

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Margarida Ribeiro, é licenciada em História, ramo Património Cultural pela Universidade de Évora. Entre 1997 e 2004 colaborou no projecto Arqueologia Judaica em Portugal, coordenado pela Drª Carmen Balesteros, na recolha e tratamento de informações das marcas de simbologia religiosa em espaços judaicos em Portugal e Espanha. Nas localidades portuguesas de Évora, Alpalhão, Castelo Branco, Trancoso, Guarda, Medellin e Freches, bem como nas localidades espanholas de Cáceres, Valência de Alcantara, Alcantara, Zafra, Jerez de los Caballeros e Cória. Participou ainda nos trabalhos de escavação e estudo das sinagogas portuguesas de Castelo de Vide e Évora e na sinagoga espanhola de Valência de Alcântara. Atualmente desenvolve o seu percurso profissional na área do Património Cultural Imaterial.

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