PATRIMÔNIO PORTUÁRIO EM CIDADES TOMBADAS DO PARANÁ E SANTA CATARINA: ENTRE A PRESERVAÇÃO E A PERDA

June 3, 2017 | Autor: Juliana Pereira | Categoria: Historia Urbana, Patrimonio Cultural, Patrimonio Industrial, Ruinas, Paisagens Portuárias
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PATRIMÔNIO PORTUÁRIO EM CIDADES TOMBADAS DO PARANÁ E SANTA CATARINA: ENTRE A PRESERVAÇÃO E A PERDA
Juliana Regina Pereira

RESUMO

O presente artigo propõe uma breve reflexão sobre preservação e requalificação do patrimônio portuário em cidades históricas tombadas pelo IPHAN no litoral dos estados do Paraná e Santa Catarina, com especial atenção ao caso do complexo das Indústrias Matarazzo junto ao porto de Antonina-PR. Questões relacionadas ao tombamento do conjunto da cidade conduzem as análises de especificidades no tratamento desta categoria de patrimônio a partir da percepção de transformações da tecnologia e demais atividades predominantes em áreas portuárias, bem como sua ação sobre o espaço simbólico. Por fim, o trabalho destaca a importância do diálogo entre preservação e planejamento no sentido de (re)significar atribuições memoriais da cidade portuária.
Palavras chave: cidades tombadas, patrimônio portuário, indústria portuária, região Sul.


O presente trabalho é dedicado a uma breve análise sobre o lugar da cidade portuária em relação à concepção moderna de cidade com ênfase nas especificidades que a caracterizam como palco de interações e disputas culturais, tomando por objeto de análise o caso do complexo fabril das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo em Antonina, pequena cidade portuária na costa paranaense. Entendido como ruína moderna, o complexo se encontra em severas condições de deterioração em razão do abandono desde o encerramento de suas atividades em 1972. Sua propriedade é objeto de disputa entre os herdeiros da família Matarazzo, e os entraves judiciais vieram a público em razão da conclusão do processo de tombamento federal do conjunto histórico e paisagístico de Antonina, que abrange parte da área de construção da indústria e do porto.
O intenso fluxo de pessoas e mercadorias nas zonas portuárias, percebido como efeito de lugar, imprime sua marca sobre a região do porto e a cidade contígua em aspectos diversos, seja através do cosmopolitismo, característica indissociável de diversas cidades portuárias de trânsito internacional, ou de um aspecto generalizado de degradação física e simbólica do espaço portuário. Com relação à dimensão material, novas políticas para o desenvolvimento urbano, reutilização e preservação do patrimônio têm trazido à tona o porto como objeto de estudos, conforme se observa em diversos projetos de requalificação de centros históricos e waterfronts que têm retomado importância de territórios portuários em localidades diversas na Europa e América. Diante deste contexto, colocam-se importantes questionamentos: Em que medida projetos de intervenção que têm como objeto central o porto são capazes de trazer para um contexto de desenvolvimento urbano atual a leitura das interações e processos que ali tomaram lugar ao longo tempo? E de que maneira é possível ressignificar a relação dialógica entre o porto e a cidade em seus aspectos de materialidade e simbologia memorial? Para pensar estar questões, propomos traçar um breve retrospecto da formação econômica e urbana da baía de Antonina, uma vez que o reconhecimento em esfera oficial do valor histórico e cultural desta cidade evidencia sua demanda de integração entre o planejamento e urbano e propostas de preservação.
Uma das primeiras áreas exploradas economicamente pela coroa portuguesa na região sul do Brasil, a baía de Antonina era tida como local estratégico para o controle da região, e para a busca por índios e metais preciosos, em razão de sua extensa entrada para as terras do continente. A ocupação de Paranaguá, bem como de suas localidades vizinhas, como Antonina, Morretes e Guaraqueçaba, impulsionada pela exploração do ouro no início do século XVIII, passou por um processo de desaceleração quando das primeiras descobertas de jazidas de minerais preciosos em Minas Gerais, fazendo com que as povoações instaladas no litoral paranaense voltassem suas atividades produtivas da mineração para a subsistência. Em 1798, Antonina é elevada à categoria de vila, e a reabertura dos portos brasileiros dez anos mais tarde traz fôlego à atividade portuária da região cujo controle é disputado entre os portos de Antonina e Paranaguá. Como consequência do acirramento desta disputa, o Caminho da Graciosa, via que liga o planalto paranaense ao litoral através da Serra do Mar, é reaberto para facilitar o escoamento da produção agrícola, em especial de erva-mate, do interior do estado para o litoral.
A partir do século XIX, com a industrialização do processo de beneficiamento da erva-mate, o crescimento do volume de exportações impulsiona um rápido desenvolvimento urbano, observado na abertura de novas ruas, construção das igrejas de São Benedito e Bom Jesus do Saivá, do trapiche, e do mercado de Antonina. Obras para tornar carroçável o Caminho da Graciosa e a construção da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá intensificaram, na segunda metade do século XIX, a comunicação entre Antonina e as demais cidades do Paraná.
O ano de 1917 marcaria, então, o surgimento de um novo período de crescimento na cidade. Em um vasto terreno junto ao atracadouro Itapema foi instalada primeira unidade paranaense das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, dedicada a moagem de trigo, sal e açúcar. O conjunto foi construído sob o padrão arquitetônico de inspiração manchesteriana característico de edifícios fabris das Indústrias Matarazzo, cuja ornamentação é construída com ênfase em elementos da estrutura, com uso decorativo de materiais e texturas dos tijolos cerâmicos e das pedras de fecho, e destaque para as cintas entre os pavimentos e lanternins de motivo ornamental. O complexo abarca além dos edifícios fabris, os casarões da administração, uma escola nomeada em homenagem a seus fundadores, e uma vila operária formada por 50 casas de quatro peças pertencentes à empresa, onde os funcionários residiam sem custo. O moinho foi mantido em atividade pelas seis décadas seguintes, fornecendo farinha de trigo, sal e açúcar por via marítima para diversas localidades do Brasil, e há indícios de que no terminal portuário da empresa se operava também o despacho de cargas por contrato. A indústria, que contava com seu próprio terminal portuário, foi, no entanto severamente afetada pelo assoreamento dos canais da baía, onde a falta de investimentos de manutenção das áreas navegáveis, somada ao aumento do calado das embarcações, leva, a partir da década de 30, a atividade portuária de Antonina à decadência. Com sua economia estagnada, a cidade viveu em 1972 o fim do funcionamento das Indústrias Matarazzo e em 1976 a desativação definitiva do ramal ferroviário Morretes-Antonina.


Ruínas das Indústrias Matarazzo junto ao porto de Antonina-PR (foto da autora)

Oficializado em 2012, o tombamento federal do conjunto arquitetônico e paisagístico da cidade de Antonina supõe que a evidenciação do valor patrimonial atribuído ao local histórico esteja articulada à valorização dos laços identitários que o vinculam à cultura local. Todavia, suas demandas de desenvolvimento urbano são vagas, senão inexistentes. Na leitura do Plano Diretor de 1982, constante na documentação dos arquivos do IPHAN Paraná, poucas são as menções à necessidade de se elaborar um planejamento de longo prazo para a revitalização das áreas do porto, de modo que o estudo de meios de instrumentalização do próprio território como forma de valorizar o desenvolvimento histórico do tecido urbano envoltório ao porto à fábrica permanece em segundo plano se comparado ao enfoque que o estudo, encomendado pela superintendência paranaense do IPHAN, confere a elementos pontuais da arquitetura histórica na cidade.
Embora os meios práticos para a preservação da área tombada ainda sejam incertos, a extensão do tombamento compreende além do centro histórico da cidade, grande parte do complexo edificado das Indústrias Matarazzo e do porto anexo, para o qual está prevista "a retomada da atividade portuária, por meio de diretrizes para ocupação da área, desde que sejam preservados e recuperados os imóveis remanescentes mais importantes individualizados no registro do bem". Destacada no próprio texto em publicação do IPHAN, a postura de isolamento de determinados pontos da arquitetura histórica falha ao preterir qualquer possibilidade de construção de leitura, apreensão ou percepção da paisagem edificada enquanto conjunto de operações através do qual se desenvolvem ao longo do tempo as interações que dão à cidade sua forma e identidade, códigos estes que direcionam a construção de um futuro conectado com sua história.
Enquanto representações materiais de proezas da tecnologia e pujança econômica, as estruturas portuárias abandonadas ou esvaziadas de função se vêem atribuídas de um valor de rememoração que não está vinculado a seu estado original, mas à representação do tempo decorrido desde sua criação, denunciado pelas marcas da idade. Tida corpo visível da degradação irrefreável da obra do homem pelo tempo, a ruína se oferece na concepção de Riegl (1904) como chave para trazer à consciência do espectador o contraste entre a grandeza do passado e o presente, exprimindo um remorso de natureza romântica de queda profunda, e nostalgia de um passado que sonharia ser conservado. Deste modo, as aspirações românticas associadas a esta leitura do monumento em ruínas sugerem que a atribuição simbólica construída pela representação imagética da decadência ocasionada pela ação do tempo atue dialogicamente com o esvaziamento do valor de uso, possibilitando a um só tempo a construção de um novo sentido de existência ao monumento, e constantemente ressignificando suas atribuições originais. Segundo esta nova forma de organização, o patrimônio se encontra associado tanto ao território quanto à memória, elementos estes que atuam como vetores de uma construção identitária fortemente marcada pela obliteração, isto é, da identidade em busca de si própria. No âmbito deste constante processo, "o patrimônio define menos o que se possui, o que se tem e se circunscreve mais ao que somos, sem sabê-lo, ou mesmo sem ter podido saber", atendendo à anamnese coletiva na forma de seu dever com a conservação, a comemoração e a reabilitação da memória.
Entendido como objeto histórico, o lugar de memória encontra na leitura historicizada a monumentalização do patrimônio, e de modo complementar, a categorização de suas tipologias evidencia a existência de uma rede articulada de identidades, momentos e locais diversos que fazem parte de "uma organização insconsciente da memória coletiva que nos cabe tornar consciente de si mesma". Assim, a abordagem proposta nas políticas federais de preservação do patrimônio visa refletir por via da chamada Retórica da Perda, - segundo a qual instituições, valores e vestígios associados a uma determinada identidade cultural têm como destino a perda, compreendendo como efeito dessa visão um enquadramento mítico para o processo histórico condicionado de modo absoluto à destruição e homogeneização do passado e das culturas - sobre a valorização da condição histórica da cidade como forma de oficializar ações de preservação por parte dos órgãos públicos e da sociedade civil "no sentido de tornar exemplar e digna de ser conhecida as condições atuais das cidades tombadas e a história que cada uma abriga". Até meados de 2015 figuravam dentre os conjuntos urbanos protegidos em esfera federal 77 cidades históricas distribuídas por todo o território nacional, registradas com o intento de servir como testemunho dos "processos de transformação do país, por meio da preservação de expressões próprias de cada período histórico".


Centro histórico de Laguna, cidade tombada no litoral sul do estado de Santa Catarina (foto: Felippe Lopes)
Faz-se necessário também compreender em que em contextos históricos e geográficos diversos, as áreas portuárias representam espaço privilegiado de interações socioeconômicas, desenvolvimento técnico e apropriações simbólicas que oferecem uma série de possibilidades ao estudo do patrimônio industrial. Neste campo, o estudo das transformações nas áreas envoltórias ao porto encontra respaldo nos movimentos políticos, econômicos e sociais que mantêm em constante mudança as relações entre o porto e a cidade, as quais na dimensão material ganham corpo visível através do traçado urbano da região portuária, vias e ferrovias para o escoamento de cargas, técnicas construtivas e aspectos arquitetônicos dos edifícios, além de guindastes e demais maquinarias empregadas no porto, elementos que se encontram indissociavelmente relacionados aos usos, saberes e sociabilidades exercidas neste espaço.
Sob o sentido memorial, a simbologia pode também ser atribuída ao espaço do porto através de representações iconográficas estruturadas em características
frequentemente identificadas a partir da paisagem construída no diálogo com o mar, como que a demonstrar a conflitante relação entre interioridade e exterioridade, identidade local e informação estrangeira, em territórios tão fortemente marcados pelo portal simbólico para o que vem de fora (RUFINONI, 2012, p.13)

Assim, em consonância com as transformações que se operam no espaço, a representação simbólica do porto também se preserva na forma de valores que consolidam um imaginário da navegação fortemente ligado à expansão da indústria, à navegação a vapor, e ao trânsito constante de mercadorias e pessoas nas cidades portuárias.
O litoral sul do Brasil conta com cidades históricas tombadas em âmbito federal enquanto conjuntos arquitetônicos e artísticos nos quais se encontram preservadas "características herdadas da riqueza histórica e diversidade cultural de seus fundadores e habitantes", ao que se soma a presença de inúmeros sambaquis e sítios arqueológicos. Nos estados do Paraná e Santa Catarina, os primeiros povoamentos surgiram principalmente em função da atividade mineradora, de colônias de imigrantes, e a partir de fortificações erguidas no Brasil colonial como forma evitar a entrada de espanhóis e franceses no litoral e suas fronteiras. Observa-se no Paraná, alem do mencionado caso da cidade de Antonina, a organização de Paranáguá em torno da atividade portuária, beneficiada pela proximidade em relação ao porto de Santos, ao passo que em Santa Catarina, povoamentos estratégicos estabelecidos por navegadores europeus deram origem a São Francisco do Sul, cidade histórica localizada em uma ilha na Baía da Babitonga, e que conta até os dias de hoje com um porto de escoamento em atividade.

Centro histórico de São Francisco do Sul-SC, de onde se pode ver os guindastes do porto (foto: IPHAN/SC)

No entanto, o afastamento das atividades portuárias em relação aos centros urbanos reverbera invariavelmente no tecido urbano envoltório, e é possível compreender este fenômeno como efeito provocado por um acelerado processo de obsolecência tecnológica. A partir do último quartel do século XX, na medida em que transformações nos padrões da logística portuária, somados à modernização dos navios de carga, percebe-se com maior intensidade a limitação, ou mesmo incapacidade, de dar continuidade às atividades produtivas em antigas instalações portuárias. A este respeito, Del Rio (2001) afirma que
Por um lado, os modernos e gigantescos navios de carga, a conteinerização e a especialização do movimento portuário, as dificuldades de acomodar as novas logísticas portuárias às limitadas instalações e espaços das áreas centrais e a difícil acessibilidade dos meios de transportes de apoio – rodovias e ferrovias – foram fatores fundamentais para seu esvaziamento, em detrimento de novas instalações portuárias em grande portos mais afastados, tecnológica e fisicamente preparados para os novos tempos (DEL RIO, 2001)

A década de 1930 marcou a decadência defitiva do porto de Antonina, pois além dos maciços investimentos públicos no porto concorrente em Paranaguá, o assoreamento do fundo da baía e o aumento do calado das novas embarcações tornava as antigas instalações antoninenses inviáveis para utilização. No mesmo período houve grande queda das exportações de erva mate, sobretudo para a Argentina, de modo que a queda nas exportações de madeira, ocorrida logo em seguida, provocou o fechamento de diversas de empresas exportadoras que operavam na região, o que levou a cidade a um novo período de estagnação econômica. Após décadas de decadência, A inauguração da BR-277 em 1970 põe fim definitivo às atividades industriais na cidade, uma vez que a até então utilizada estrada da Graciosa, íngreme e pavimentada em pedra, deixa de ser atrativa ao transporte de cargas. Quado do fechamento do moinho das Indústrias Matarazzo, em 1972, a falta de oferta de emprego levou muitos dos antigos operários e pequenos comércios que atendiam à empresa a abandonar a cidade, deixando certo número de edificações do centro da cidade abandonadas.
Por fim, o ramal ferroviário que ligava o planalto a Antonina seria desativado em 1976.


Centro histórico de Paranaguá-PR, núcleo do qual a atividade industrial portuária tem sido paulatinamente deslocada (foto: IPHAN/PR)

Rufinoni (2012) entende que o fenômeno do esvaziamento provoca "a degradação funcional não apenas dos portos propriamente ditos, mas também de grande parte dos tecidos envoltórios", sendo as áreas contíguas à zona do porto em abandono também expostas ao processo de deterioração pela ação do tempo. Neste sentido, elementos de infra-estrutura presentes na malha urbana, tais como ferrovias e vias de acesso, podem dificultar a renovação de dinâmicas de integração com o entorno em razão de sua caracterização fundiária, algo que faz destas estruturas alvos preferenciais de especulação, além dos entraves impostos pela sobreposição da administração do espaço em diferentes esferas tanto do poder público quanto do poder privado. A preservação de edifícios históricos localizados em propriedades particulares é particularmente complicada. Como exemplo disto temos o caso da inclusão de parte do terreno das Indústrias Matarazzo ao tombamento de Antonina, em que a intenção se realizar qualquer intervenção no sentido de preservar o referido patrimônio esbarra em querelas familiares sobre a propriedade do terreno, o qual permanece inacessível aos órgãos de preservação.
Diante do labirinto de atribuições administrativas criado nas mencionadas esferas, cria-se, ao redor do porto e da renovação de seus usos e interações simbólicas no âmbito da cidade portuária, uma arena na qual proliferam discussões e diferentes proposições no sentido de coordenar renovação e preservação da memória e do patrimônio edificado. Abordando diferentes possibilidades de reapropriação do espaço portuário, estas discussões têm ganhado terreno no sentido de ressignificar atribuições econômicas, políticas e simbólicas destes territórios a partir de propostas de intervenções modernizadoras que, em diferentes escalas, buscam possibilidades de adaptação de antigos edifícios a novos usos, além da renovação da paisagem em cidades portuárias. Embora sejam conhecidos projetos de grande envergadura, tais como em Baltimore, nos Estados Unidos e Puerto Madero, na Argentina, no contexto brasileiro, são características as dimensões pequenas das cidades históricas que ainda conservam patrimônio edificado de natureza portuária, sendo igualmente reduzidas as possibilidades de financiamento de projetos de reabilitação.
Neste sentido, a experiência oferecida pelo Programa Monumenta em São Francisco do Sul, Santa Catarina, representa um importante esforço no sentido de estabelecer diálogo entre a ideia de preservação da cidade como documento histórico e instrumentalização da cidade histórica como espaço para a melhoria da qualidade de vida de sua população. O processo de renovação do centro histórico da cidade realizado a partir de 2006, promoveu a restauração de diversos edifícios históricos de valor arquitetônico nas proximidades de seu terminal marítimo, contribuindo para o reforço da atividade turística no local. Tendo em vista a diversidade de possíveis intervenções, e as ainda mais variadas possibilidades de impacto a ser exercido sobre o tecido urbano portuário, cabe questionar em que medida estas propostas de intervenção são capazes de reconhecer no território portuário sua dimensão documental enquanto locus da história urbana. De modo semelhante à cidade catarinense, nas cidade paranaense de Paranaguá, onde é mantido em atividade o maior porto agroexportador do Brasil, intervenções de preservação são voltadas especialmente para elementos pontuais da arquitetura urbana, o que promove um afastamento simbólico dos elementos de natureza portuária da paisagem cultural da cidade. Em nenhum dos mencionados casos há edifícios industriais localizados na zona de tombamento, o que faz do tombamento das Indústrias Matarazzo em Antonina caso sem paralelo nos estados da região Sul.
No âmbito dos projetos, embora possam ser medidos retornos econômicos positivos a partir da atribuição de novos usos comerciais, atividades culturais e turísticas nas cidades portuárias de São Francisco do Sul, Paranaguá e de certo modo até Antonina, a preservação da identidade histórica circunscrita ao espaço do porto, ainda representa um desafio à integração entre as áreas modificadas e suas regiões envoltórias na medida em que intervenções de preservação transcendem à reabilitação física, atingindo também o espaço simbólico da cidade. Neste sentido, quando há degradação material do espaço físico, também o espaço social submetido ao processo de degradação, e se torna, ele mesmo, arena na qual usos e atribuições simbólicas podem ser ou não reconstruídas e ressignificadas de acordo com a conveniência da reabilitação do espaço físico.
De maneira geral, pensar os processos de transformação em áreas portuárias e a inoperância de projetos de intervenção que integrem as zonas portuárias aos centros históricos dos conjuntos urbanos tombados nos estados do Paraná e Santa Catarina nos motiva a refletir sobre a natureza dos valores simbólicos atribuídos às áreas dos portos, e em que medida existe o desejo de se incorporar aspectos relacionados à indústria portuária à identidade histórica construída no esteio da reabilitação destas cidades históricas. Assim, neste palco privilegiado de interações sobre o tempo da tecnologia e do crescimento acelerado das demandas de produtividade, a decadência de estruturas e edificações funcionais passa a oferecer um vislumbre de interações sociais e padrões de ocupação do espaço que que se choca com a percepção moderna de uso. Enquanto lugar de significados em constante desconstrução e reconstrução, o espaço do patrimônio portuário é constituído elementos que, desagregados pela ação do tempo, persistem na forma de fragmentos materiais e simbólicos.

Bibliografia

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DEL RIO, Vicente. Voltando às origens. A revitalização de áreas portuárias nos centros urbanos. Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 015.06, Vitruvius, ago. 2001.
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MENEGUELLO, Cristina. Da Ruína ao Edifício: Neogótico, reinterpretação e preservação do passado na Inglaterra vitoriana. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.
MONIÉ, Ferédéric. VASCONCELOS, Flavia Nico. Evolução das relações entre cidades e portos: entre lógicas homogeneizantes e dinâmicas de diferenciação. Confins Revue franco-brésilienne de géographie vol.15, 2012.
MORSE, Richard. As "cidades periféricas" como arenas culturais: Rússia, Áustria, América Latina. Estudos Históricos, vol. 8, no. 16, 1995, pp.205-225. Disponível em: .
RIEGL, Aloïs. O Culto Moderno dos Monumentos: sua Essência e sua Gênese. Goiânia: Editora UCG, 2006.
RUFINONI, Manoela Rossinetti. Territórios portuários, documentos de história urbana: as intervenções no porto de Gênova e os desafios da preservação. Cidades, Comunidades e Territórios (Dec/2012), pp. 12-24.

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Mestranda em História pelo PPGHIS da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: [email protected].
Sobre este tema ver: VICHNEWSKI, Henrique Telles. As Indústrias Matarazzo no Interior Paulista: Arquitetura Fabril e Patrimônio Industrial (1920-1960). Dissertação (Mestrado História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.
Neste ponto, se faz imprescindível esclarecer que a função privada do terminal portuário (ou terminal de uso privativo – TUP) o diferencia da orientação de uso público do porto. Para fins de distinção, trataremos por 'terminal portuário' o espaço circunscrito ao complexo industrial das IRFM.
IPHAN. Conselho Consultivo confirma tombamento do Centro histórico de Antonina, no Paraná. Brasília, 2012. Disponível em . Grifo nosso.
RIEGL, Aloïs. O Culto Moderno dos Monumentos: sua Essência e sua Gênese. Goiânia: Editora UCG, 2006. pp.50
Idem, pp. 63
Idem.
NORA. Op. Cit. pp.27.
GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A Retórica da Perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; IPHAN, 1996. pp. 22
IPHAN. Conjuntos Urbanos Tombados (cidades históricas). Disponível em: .
Idem.
IPHAN. Conjuntos históricos tombados (cidades históricas): Sul. Disponível em: .
IPHAN. Parecer técnico sobre o tombamento do conjunto histórico e Paisagístico de Antonina-PR. Curitiba, 2010.
RUFINONI, Op. Cit.



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