Paulo Mendes da Rocha. Obra completa

June 6, 2017 | Autor: Daniele Pisani | Categoria: Brazilian Modern Architecture, Paulo Mendes Da Rocha, Affonso Eduardo Reidy
Share Embed


Descrição do Produto

Daniele Pisani e Rui Furtado 35

ENTREVISTA - PROJETO DESIGN NOV ‘13

FOTOS DUARTE REGALADO

34

Paulo Mendes da Rocha Obra completa 1 2

Em meados de 2008, o historiador italiano Francesco Dal Co, editor da Electa, encomendou a Daniele Pisani (foto 1), seu assistente na Universidade IUAV de Veneza, um livro qwe reúne agora uma seleção abrangente, e por vezes inédita, da obra de Paulo Mendes da Rocha. Tinha início, então, uma jornada de quatro anos de pesquisas, entrevistas e visitas de Pisani a obras de Mendes da Rocha no Brasil, um processo que orbitou em torno do escritório mantido pelo brasileiro na rua General Jardim, em São Paulo. Para debater a publicação, a revista PROJETOdesign promoveu o encontro, no Porto, em agosto último, do autor com o engenheiro português Rui Furtado (foto 2), constante parceiro de trabalho de Paulo Mendes da Rocha. Leia, a seguir, os principais trechos da conversa entre os dois profundos conhecedores da obra do arquiteto brasileiro.

O livro é estruturado em sete capítulos, assim intitulados: Anos de formação acadêmica e primeiras experiências profissionais; Arquitetura paulista, semelhanças de família; Uma casa também é uma porta para o mundo; Reação e progresso; Arquitetura para um mundo novo; A “cidade para todos” na “cidade dos muros”; e Um atracamento momentâneo - que é dedicado à análise dos projetos do primeiro decênio do século 21. “A primeira parte do trabalho foi colocar a minha pesquisa sobre uma base mais ampla, que era tudo o que estava lá, nas gavetas e tubos do escritório”, assinala Daniele Pisani, que, assim, se serviu da liberdade dada por Paulo Mendes da Rocha à condução do seu trabalho e da contribuição cotidiana de Dulcinéia do Carmo Pereira - há décadas a guardiã do estúdio do arquiteto e pessoa a quem Pisani manifesta especial agradecimento na abertura do livro - para investigar a totalidade dos documentos arquivados. Este foi o ponto de partida para um processo amplo de pesquisa (acompanhado pelo trabalho fotográfico de Leonardo Finotti), também externo ao escritório da General Jardim, do qual o autor aponta a especial dificuldade em elucidar a história da década de 1970, anos de golpe militar: “Por que o Paulo, e não o Artigas, foi ‘proibido’ de exercer a profissão? Houve, de fato, tal ‘proibição’? E, sendo assim, por que ele desenvolveu projetos públicos naquela época, como o pavilhão brasileiro na Expo de Osaka?”. As conversas com Mendes da Rocha - parte da série de entrevistas que Pisani empreendeu, entre outros, com seus colaboradores antigos e atuais - começaram em italiano, depois a interlocução foi bilíngue até que se adotou o português, língua em que o autor debate os meandros e proposições do livro com o engenheiro português Rui Furtado (leia entrevista em PROJETOdesign 399, maio de 2013), que, desde o desenvolvimento do desde o p;rojeto do Museu dos Coches, em Lisboa, em 2008, tornou-se amigo e recorrente parceiro profissional de Mendes da Rocha. Utilizar os conhecimentos particulares e abrangentes, do historiador e do engenheiro, sobre a obra do arquiteto como diferencial de um debate acerca das contribuições da publicação ao conjunto da obra de

Mendes da Rocha é o que motivou PROJETOdesign a promover o encontro entre eles, no Porto, em 29 de agosto passado, do qual transcrevemos a seguir alguns trechos. “Eu sou engenheiro, pragmático,pragmático, e faço projetos com arquitetos”, testemunhou Furtado, para quem costumam soar estranhas, ainda que proveitosas, as interpretações que se fazem das obras arquitetônicas. “No caso do teu livro, francamente não senti tanto aquilo que estou a falar”, foi como ele abriu a conversa com Pisani. E o arquiteto, personagem oculta desta história, parece igualmente motivado com a publicação: “A melhor sensação que se tem com esse livro, diante de uma personalidade como o Daniele, é perceber que não é para você (...) você não tem mais nada que ver com aquilo. É uma espécie de frutificação do que você fez, não para ser doutrina de nada, mas para abrir os horizontes sobre a questão da arquitetura como uma forma peculiar de conhecimento. Todos nós sabemos que vamos morrer (...), entretanto, sabemos também que não nascemos para morrer. Nascemos para continuar, eis a questão”, depôs Mendes da Rocha à Folha de S. Paulo, sobre o lançamento do livro, em português, pela editora Gustavo Gili. Rui Furtado Eu sou engenheiro, pragmático, e faço

projetos com arquitetos. Tenho sempre dificuldade em encaixar o que vi sendo desenvolvido nos projetos com as interpretações que fazem deles. O que é muito divertido, de um lado, mas ajuda a construir algo para o futuro. No caso do teu livro, francamente não senti tanto aquilo que estou a falar. Isso é um cumprimento. Gostava de perceber como tu chegaste lá, porque começaste por ver a obra do Paulo e foste para as ramificações para conseguir perceber de que forma elas influenciaram o Paulo. Essa sistematização eu não tinha visto ainda de forma tão clara. Como isso tudo se processou? Mesmo toda a bibliografia que tu estudaste traça uma fotografia não só do Paulo, mas de um jeito de pensar e de ver a arquitetura de São Paulo daquela época, o que me parece um contributo muito bom. Dentro daquelas quatro paredes, daquele escritório maravilhoso que é o escritório do Paulo, com certeza descobriste as pontas dos icebergs, mas o resto estava todo escondido. Daniele Pisani Você conhece o escritório do Paulo.

ENTREVISTA - PROJETO DESIGN NOV ‘13

36

RF Essa é uma das razões por que estou a falar. DP Que está não muito em ordem. Do ponto de vista

lógico, a primeira parte do trabalho foi esquecer a síntese já feita nas pesquisas sobre o Paulo e colocar a minha pesquisa sobre uma base mais ampla, que era tudo o que estava no escritório dele. Muito de desconhecido estava lá, nas gavetas e nos tubos. Acho que um limite das pesquisas atuais sobre ele é que todas falam dos mesmos 30, 40 projetos, com as mesmas imagens. Uma das coisas mais importantes do livro é, então, mostrar todas as obras do Paulo novo, depois da graduação. O que a gente conhecia era o [Club Athletico] Paulistano, mas eu achei 20, 30 obras anteriores, que permitem ver quem eram os seus ídolos quando ele era jovem, ver os seus erros também, enfim, como ele conseguiu se tornar o que é [leia, nesta edição, o artigo de Pisani sobre o início da carreira de Paulo Mendes da Rocha]. Já são projetos de qualidade. Depois, sou historiador. Outra coisa que fiz, muito banal mesmo, foi colocar a obra do Paulo na história. Claro que não há a determinação do projeto pela situação histórica, não é isso que acontece, mas existe um tipo de relação. O Brasil dos anos 1950, quando ele começa a sua carreira de arquiteto, era um país com esperança de se tornar rico, democrático, um país completamente diferente dos anos 1970, da tecnocracia, do governo militar, do desenvolvimento mais autoritário. O Brasil dos anos 1990, e atual, é democrático, mas com outro tipo de problema: a violência. Ele foi capaz de adaptar o seu jeito de projetar à história do país? RF Essa colocação histórica é fundamental e é

particularmente impressionante quando tu vês o início da carreira do Paulo. Depois, ele tem uma coisa muito engraçada, sobre a qual eu penso muitas vezes, que é o fato de ter se formado tão tarde. O Paulo formou‑se com 27 ou 28 anos, portanto, teve muitos outros interesses durante a sua juventude. Mas quando se forma, o faz já com uma autonomia muito grande. O Paulo, desde o início, tinha ideias claras sobre o que queria fazer, e isso se percebe por seus projetos.

DP Acho que ele não tem a consciência toda do seu

trabalho. Tem coisas perdidas na memória dele, das obras do passado. Quando eu perguntava sobre as datas e razões dos trabalhos, ele me dizia: “Não sei, não me lembro, isso aqui não existe. Não vale nada, esquece. Eu apenas fiz três obras: a Patriarca, o Paulistano...” e a terceira sempre mudava. Depois, olhava o projeto e dizia: “Isso aqui é muito bonito”. RF Talvez esteja perdido na memória seletiva dele. É como tu dizes, ele fala uma coisa bombástica sobre a obra, que não presta, depois quando tu começas a escavar ele vai se lembrando do que havia lá. Eu trabalho com o Paulo há uns anos, somos amigos, e ele mostrou-me a casa dele e o Paulistano. Foram as duas únicas obras dele que eu fui ver com ele. Está sempre a dizer: “A gente não anda a mostrar aos amigos aquilo que a gente faz, não se fala sobre isso”. DP De fato, é isso o que ele faz. RF Uma das coisas de que acho muita graça é que o

Paulo é denominado de tudo e mais alguma coisa, desde brutalista a seguidor do [Vilanova] Artigas etc. E tu, a certa altura, defendes uma tese do Paulo mais na linha do [Affonso Eduardo] Reidy do que na do Artigas. Alguma vez falaste disso com o Paulo? DP O Paulo nunca falou que o mestre dele era o Reidy,

mas que o Reidy era o arquiteto que todos os alunos do Mackenzie estavam olhando, mais do que os outros, isso é certeza. Depois, o MAM [do Rio de Janeiro], que é um prédio organizado pelo partido estrutural, e que faz isso com grande graça e elegância, foi feito sobre um aterro no meio do mar, que é a lição que o Paulo aprendeu do pai - a arquitetura como a construção do território para o homem. Quando o Paulo fez o seu primeiro projeto importante, o Paulistano, o Artigas ainda não tinha feito nada desse jeito. Ele sempre fala que tem dois mestres, o pai e o Artigas, só que o Artigas foi o mestre ideológico-político. É muito interessante, e o Paulo nunca vai falar isso, mas os seus primeiros projetos foram feitos para os amigos do pai, como os clientes ricos da praia do Guarujá. O que não tem nada de mau, mas é um fato. Digamos, então, que quando

ENTREVISTA - PROJETO DESIGN NOV ‘13

38

o Paulo encontra o Artigas o lado político-social vai se inserir na sua arquitetura. Acho uma bobagem total o Artigas ter sido interpretado como o mestre arquitetônico do Paulo. O Paulo é Paulo como arquiteto antes mesmo de encontrar o Artigas, como demonstra a datação do Paulistano. Não tem como negar isso. Mas, como intelectual, o Artigas foi o mestre do Paulo. RF Uma das características do Paulo é que a sua

arquitetura materializa um conjunto de convicções políticas e sociais. Isso está muito claro no livro.

“Acho uma bobagem total o Artigas ter sido interpretado como o mestre arquitetônico do Paulo. O Paulo é Paulo como arquiteto antes mesmo de encontrar o Artigas, como demonstra a datação do Paulistano. Não tem como negar isso. Mas, como intelectual, o Artigas foi o mestre do Paulo” DP É por isso que, paradoxalmente, eu fiz a escolha de

falar pouco em termos gerais e muito de cada projeto. Acho que, para ver o lado ideológico, intelectual do Paulo, não se pode fazer um discurso geral, é preciso ver como tudo isso funciona em cada projeto. A gente acha a obra do Paulo fundamental porque não são considerações intelectuais de um lado e a obra do outro. Não há outra maneira de explicar as suas convicções senão olhando para a obra, ele não é capaz de se explicar por palavras. No livro, então, tentei dar a palavra à obra do Paulo. E encontrei muitos projetos que não tinham sido publicados até agora - o auditório de Campos do Jordão, o projeto para o Crea, muito bonitos, mas que estavam lá escondidos -, além de versões diferentes de trabalhos muito conhecidos. É interessante ver como ele chegou à solução final. RF O Paulo tem o conhecimento brutal da construção,

domina totalmente o processo construtivo.

DP Essa forma de conhecimento muito técnico já está

lá, no Paulistano, no começo da carreira. O aço era pouco usado na arquitetura brasileira na década de 1950, tinham se passado poucos anos da abertura da Siderúrgica de Volta Redonda [Companhia Siderúrgica Nacional, 1946], e, então, não era típico, no Brasil, pendurar uma estrutura com cabos de aço. E aquela era mais ou menos a primeira obra que o Paulo ia construir, era um menino ainda. Ele diz, e eu estou seguro de que está certo porque não é alguém que conta histórias à toa, que o que o engenheiro fez no projeto do Paulistano foi dimensionar os cabos. Para ele, a melhor forma de se livrar dos condicionamentos da técnica é conhecer o seu funcionamento. A liberdade dos seus projetos ocorre porque, desde o início, estão resolvidos os problemas técnicos. O projeto é feito na medida da possibilidade técnica. RF Também achei interessantíssima a explicação

que tu fizeste do projeto [do pavilhão brasileiro] na Expo de Osaka. DP A arquitetura e a exposição eram a explicação uma

da outra. Para entender o projeto do Paulo eu tinha que entender o projeto da exposição feito pelo Flávio Motta, de narrar a história do Brasil como a história das diferentes formas de apropriação da natureza pelo povo brasileiro. O Flávio Motta tinha selecionado reproduções de obras de arte para explicar a história da relação do país com a natureza, e é evidente que a compreensão do projeto do Paulo fica mais clara com isso. As ondulações do terreno, que não estavam lá, começam a fazer sentido. Acho que esse é um projeto típico, mas também particular do Paulo. Antes falamos que a obra dele é o próprio discurso, mas Osaka é um projeto mais simbólico. Ele sabia que era um pavilhão, que havia 95% de chance de ser destruído depois da exposição. RF Foi exatamente isso foi o que percebi quando

li o teu texto. DP Não é uma exceção, mas a parte discursiva é mais sublinhada nesse projeto. Foi uma pena não ter havido a exposição do Flávio Motta, porque essa era uma parte fundamental da obra. Procurei fotos nas

ENTREVISTA - PROJETO DESIGN NOV ‘13

40

RF Gostei muito da introdução do Francesco

[Dal Co], sobre o Paulo ser o verdadeiro contemporâneo. Acho que é de tal ordem a urgência que ele tem de efetivamente contribuir para a evolução do hábitat do homem que, com certeza, é a pessoa mais contemporânea que conheço. DP Estou de acordo. Não sei se consegui explicar no livro, mas acho quase incrível o que o Paulo conseguiu fazer nos anos 1980, depois da redemocratização no Brasil. Não vejo outros arquitetos com 60 anos capazes de se reinventarem desse jeito e fazerem um projeto tão jovem como o da loja Forma. Não estou de acordo com a definição de brutalismo, mas tudo bem, ele foi capaz de entender que o mundo tinha mudado, que seria patético continuar a pensar como nos anos 1960. Ele conseguiu mudar não a lógica do seu trabalho, que é a mesma, mas os materiais, a estética, completamente. Eu acho isso incrível. A nostalgia não existe nele. “Vamos fazer a luta agora, com os instrumentos que temos”, é assim que se comporta o Paulo. RF E com a geração desse momento. É exatamente isso o que acho notável nele, só acrescentando que à medida que ele vai ficando mais velho a abrangência aumenta e, portanto, as suas preocupações vão ainda mais longe. Isso muitas vezes dificulta as nossas conversas com ele porque a gente não consegue perceber aonde é que vai aquela cabeça.

DP O Paulo tem um pensamento muito articulado.

Eu acho que é o mais arquiteto dos arquitetos, porque todo o discurso extra-arquitetônico toma palavra na obra arquitetônica dele. Isso é o mais incrível, não se pode falar em termos gerais, tem que ver como funciona o detalhe. A Forma é o projeto mais impressionante do Paulo nesse sentido, as duas vigas que permitem ter a vitrine embaixo são também a solução de todo o espaço interior. É a resposta mais sintética possível, racional mesmo, mas também bonita. RF E o raciocínio dele nunca se limita ao tema dado, o

Paulo alarga o projeto até o limite das possibilidades. O teu livro mostra isso muito bem, caso a caso, através das obras. No Museu dos Coches isso aconteceu com muita graça: o Paulo deu uma intervenção urbana ao sítio, destinada a inovar a vida da cidade e a melhorá-la, o que é um aspecto fundamental da obra dele. A gente percebe isso antes mesmo de o museu estar aberto. Isso me faz pensar numa outra dimensão da obra do Paulo que eu considero notável, mas que hoje em dia está difícil de aplicar, que é o raciocínio sobre a forma de viver. E que remete, por exemplo, às questões das facilidades todas - climatização, rolamentos de todos os tipos - que dão liberdade para os projetos de hoje. Ele os coloca como artefatos idiotas, não fazem sentido para alguém como ele, para quem a vida é uma coisa simples. A sua experiência lhe permite criticar esses tabus todos de sofisticação que, no fim de tudo, estão a construir aquilo que ele classifica como o caminho do desastre. DP Faço, então, um exemplo que é completamente

diferente, mas que tem a ver com o que você está dizendo. Com as casas dos anos 1960, a ideia do Paulo era mudar o jeito de morar; a pessoa não pode se fechar no quarto porque simplesmente ele não é fechado. RF Não é diferente, é exatamente o mesmo exemplo.

FOTOS MARIA FURTADO

revistas japonesas dos anos 1969 e 1970, mas sempre tem as mesmas poucas imagens, repetidas. Acho que é porque o pavilhão brasileiro foi um dos últimos a serem inaugurados, os fotógrafos não tiveram tempo de registrá-lo. Mesmo depois, a exposição estava feia e o pavilhão não era espetacular como o pavilhão da Rússia e outros. Ficou meio escondido.

ENTREVISTA - PROJETO DESIGN NOV ‘13

42

DP A arquitetura do Paulo sempre foi crítica ao

RF Sem dúvida que é uma imposição, mas se

lugar-comum, mas ele adaptou a crítica às condições diferentes. As últimas casas construídas, a Isabela Prata e a Cândido Pessoa, são muito menos violentas e impositivas contra quem mora, mas não porque o Paulo perdeu a batalha, é porque ele entendeu que tinha que mudar a posição. Acho que aconteceu, nos anos 1980, uma reorganização da posição de luta da arquitetura dele, começou a usar novos materiais. A loja Forma é o início do uso amplo, sistemático do aço. Entre a estética da casa do Paulo [Butantã] e a da loja Forma tem uns 2 mil, 3 mil anos. Ele é o último dos modernos, mantém viva a ideia da arquitetura enquanto possibilidade de transformação geral do mundo, mas sem qualquer nostalgia. Mas, aqui, tenho que fazer uma crítica: acho que essa capacidade do Paulo de adaptar os assuntos ideológicos a situações diferentes não aconteceu com a ideia de espaço público, que, para ele, tem ainda que ser sempre aberto, permeável.

continuarmos a proteger tudo a violência permanece. Há que começar de algum lado, é isso o que ele tenta fazer permanentemente. Também no Museu dos Coches foi uma guerra, queriam fechar a praça por causa da segurança, mas ele conseguiu que ela ficasse totalmente aberta. O objetivo dele é que São Paulo venha a ser um sítio como os outros. E a segurança melhorou muito, temos que reconhecer isso. Esses aspectos todos é o que discutimos nos pormenores dos projetos dele.

RF Sim, porque ele diz que as pessoas não vivem na

casa, vivem na cidade.

“Acho que aconteceu, nos anos 1980, uma reorganização da posição de luta da arquitetura dele, começou a usar novos materiais. A loja Forma é o início do uso amplo, sistemático do aço. Entre a estética da casa do Paulo [Butantã] e a da loja Forma tem uns 2 mil, 3 mil anos”

DP Exatamente. Mas acho que essa ideia ficou

DP Quando conheci você, no escritório do Martin

complicada depois do golpe militar, não por causa do Paulo, mas porque São Paulo se tornou uma cidade muito violenta. Fechar o Mube com uma grade pode ser culpa do Mube, mas depois aconteceu o mesmo com a Fiesp e com a Pinacoteca do Estado - instalaram detectores de presença. Por exemplo, acho que o Sesc Pompeia é, como espaço público, o mais vivido e agradável de São Paulo. Se a Lina [Bo Bardi] tivesse quebrado os muros que separam o Sesc da cidade, em vez de controlar a entrada, como ela fez, não poderia funcionar da mesma forma. Então, acontece o contrário, se você criar o espaço aberto o proprietário vai fechar depois. E o resultado será sempre pior do que se estivesse sido fechado já no projeto.

[Corullon, da Metro Arquitetos], vocês estavam discutindo o detalhe dos cabos da Serpentine [é possível que a edição de 2014 do pavilhão inglês seja um projeto conjunto de Paulo Mendes da Rocha e Marina Abramovic]. Achei engraçado, você propôs esconder os cabos, mas o Paulo disse “se existem os cabos, tem que ver os cabos”. Ele foi mais engenheiro do que você [risos].

RF Mas eu acho que ele tem razão, a sociedade é que

tem que mudar. DP Esse é o discurso, mas não sei se é o jeito melhor para acertar as coisas.

RF Tendemos sempre a um raciocínio formalista - se os

cabos parecem feios é preciso escondê-los. Mas, para o Paulo, o formalismo é a última das preocupações, não é algo por si só, mas o resultado de todo o raciocínio. Ele tem uma clareza de ideias raríssima, muito articulada, e os detalhes vêm todos juntos, com o partido do projeto. É isso o que o Paulo sempre faz, e muito bem. É fascinante sua capacidade de olhar para as coisas com a simplicidade e a liberdade de uma criança, realmente surpreende a todos o modo como ele vai direto aos assuntos e se liberta de tudo o que não interessa. No meu trabalho com ele é disto que gosto,

ENTREVISTA - PROJETO DESIGN NOV ‘13

44

desse processo muito interessante intelectualmente de ir estimulando o Paulo até que as coisas aconteçam.

criança, o que é muito difícil para alguém que leva uma vida permanentemente bombardeada por informações de todo o tipo. É preciso ter clareza de ideias para conseguir dizer o que não interessa e manter-se em determinado rumo.

sai um tubo e, deste, outro tubo. Há uma vela de papel e então outro peso. Se tentares soprar a vela na esperança de que ela comece a girar, seu peso introduz uma resistência à própria rotação e todo o conjunto começa a se movimentar de forma imprevisível. Isso tem tudo a ver com a filosofia do Paulo, mas o mais impressionante não é a coisa em si - como escultura é até bonita, muito precária -, é tu imaginares o Paulo a fazer aquilo. Ele não esteve a fazer uma escultura, mas a entender o movimento daquilo tudo e a concluir que era a melhor representação da imprevisibilidade que conseguiria arranjar.

DP Uma vez achei numa gaveta do escritório esses

DP Que é a definição da arquitetura do Paulo.

DP Imagino. RF Ele é capaz de pensar com a liberdade de uma

desenhos incríveis que estão no livro, o Paulo não sabe, dos pipas (imagem 1). Acho uma imagem sintética da obra do Paulo, é o jogo da criança que aprende as leis da levidade. O fato de que um objeto pesado possa voar é a imagem da arquitetura para o Paulo. RF É, sim. Já foste à casa dele?

RF O que acho notável é essa capacidade de ter, no meio

de tudo, o frescor de se pôr numa mesa a construir um artefato que ele projetou para ver a imprevisibilidade daqueles movimentos. Essa peça, como há várias outras no escritório, é concretamente poética. Tem a técnica, a poesia, a física, a filosofia. (Por Evelise Grunow)

DP Não. RF Então te falta uma peça fundamental que, na minha ótica, o sintetiza completamente. Uma peça que, devido às leis da física, mimetiza o caos (foto 2). É um cabo pendurado em cima, com um peso grande embaixo, dele

VE JA MAIS IMAG E NS E M GOO.G L /g yYmV b

2

RUI FURTADO

1

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.