Paulo Ribeiro Baptista O modernismo em cena Teatro e dança na obra de António Soares

May 22, 2017 | Autor: P. Ribeiro Baptista | Categoria: Art History, Theatre History, Modernism, Theatre Arts
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Paulo Ribeiro Baptista O modernismo em cena Teatro e dança na obra de António Soares 1. Introdução O pintor, designer, ilustrador, cenógrafo, figurinista e decorador António Soares foi uma destacada figura do modernismo português e uma personalidade multifacetada que desempenhou um papel de relevo na cena artística portuguesa da primeira metade do século vinte. No entanto, circunstâncias determinadas pela compaginação das tendências da historiografia e da critica de arte internacionais com a realidade portuguesa acabaram por determinar o seu esquecimento e a menorização da sua obra e do seu papel, num processo de parcial apagamento que durou até aos dias de hoje. Por essa razão, também o importantíssimo trabalho de António Soares no desenho para as artes de palco portuguesas permaneceu praticamente esquecido, apesar de ter integrado algumas das mais importantes coleções da arte portuguesa. António Soares foi um dos artistas plásticos da sua geração que mais trabalhou para os palcos, ou seja, para teatro, dança e outras artes do espectáculo, com uma actividade particularmente intensa entre meados da década de 1920 e meados da de 1930, num envolvimento que não se pode deixar de considerar inovador, particularmente na cena teatral portuguesa do início do século vinte, que se encontrava ainda dominada por um gosto cenográfico vincadamente oitocentista. Como poderemos constatar, António Soares soube tirar as devidas consequências estéticas da passagem dos Ballets Russes por Lisboa 1, transpô-las para a sua prática de desenho de palco e, evidentemente, para o conjunto da sua obra plástica. A obra de António Soares para os palcos permite compreender até que ponto a colaboração entre as artes plásticas e as artes cénicas contribuiu para a alteração do paradigma estético português, sobretudo durante o período de afirmação do modernismo. Esse processo, praticamente ignorado até aos dias de hoje, tem sido encarado apenas de forma pontual, circunscrito às contribuições isoladas de alguns artistas, particularmente de Almada Negreiros 2, sendo remetido pela historiografia para o domínio estrito das artes 1

decorativas, sem dele se tomarem as devidas consequências, o que restringe profundamente a amplitude do seu significado. Como veremos adiante, a importante contribuição de António Soares para o panorama do desenho das artes de palco portuguesas justifica plenamente, por si só, a autonomização dessa sua linha de trabalho na reavaliação do conjunto da sua obra. Com efeito, pensamos que essa análise obriga mesmo a reproblematizar a questão estética e teórica do modernismo português, na medida em que a diversidade da obra de António Soares não só não se enquadra nos modelos e nas cronologias que tradicionalmente têm sido adoptadas para abordar este período, como até as coloca claramente em causa 3. Por outro lado, um olhar sobre a obra de desenho para palco de António Soares obriga-nos ainda a repensar seriamente o papel da colaboração entre artes de palco e artes plásticas quer na estrita dimensão do processo de criação artística, quer na sua importância mediadora, através da disseminação dos valores estéticos modernistas nos palcos que, exibidos para plateias cheias, em sessões repetidas centenas de vezes, são veiculados por um poderoso dispositivo difusor e instrumento de mudança do gosto, insinuando os novos valores numa escala incomparavelmente mais eficaz que o diminuto impacto social alcançado pelas exposições vanguardistas. Esse papel das artes do espectáculo na afirmação do movimento modernista não passou despercebido aos seus protagonistas. Um dos primeiros balanços do movimento modernista, feito por António Ferro logo em 1929 4, embora com a primeira intenção de homenagear alguns dos companheiros entretanto mortos, teve a perspicácia de identificar claramente as três principais fases daquele movimento, definidas em torno de outros tantos momentoschave. Ferro definiu primeiro a fase do Orfeu, destacando nela a figura de Mário de Sá Carneiro 5, seguidamente identificou a fase da revista Contemporânea e nela salientou a contribuição de José Pacheco 6 e, por fim, reivindicou para o “seu” Teatro Novo a terceira fase, sublinhando o papel de Leitão de Barros, justamente no desenho para o palco. Mas, como afirmava então Ferro, mais do que as realizações em si mesmas e os respectivos “porta-estandartes”, esse balanço era um sintoma, no fundo, da iminência da “vitória” do modernismo ou, melhor dizendo, da afirmação plena da “geração moderna” e dos seus artistas, até porque a possibilidade da plena afirmação dessas 2

prerrogativas chegaria em breve, na consagração do papel de Ferro com a sua investidura no cargo de director do SPN, logo em 1933. Por outro lado, esse lúcido balanço do modernista António Ferro pode também servir-nos como guião para uma abordagem ao percurso de António Soares, na medida em que sugere claramente duas ordens de leituras: por um lado, por seguir a sua intervenção directa e activa em todas as definidas fases do movimento modernista, por outro lado, porque dá ênfase à importância fundamental que o teatro e os palcos acabaram por assumir no processo de afirmação do movimento modernista e à relevância da contribuição de Soares nesse domínio. Assinale-se que praticamente todas as figuras a que Ferro deu destaque enquanto percursores do movimento modernista tiveram alguma ligação ao teatro, Sá Carneiro enquanto dramaturgo, José Pacheco e Leitão de Barros 7 enquanto cenógrafos. São justamente essas as perspectivas que pretendemos explorar seguidamente, a participação de António Soares no movimento modernista através da sua significativa contribuição para a afirmação desse movimento e dos seus valores estéticos nos palcos portugueses. O recente interesse pelo modernismo português nos meios académicos e culturais permitiu a realização de várias exposições e a publicação de uma grande diversidade de estudos. No entanto, um dos problemas mais importantes de que essas abordagens padecem é o de não terem tomado em linha de conta a necessidade de se proceder a uma séria reconsideração de vários aspectos fundamentais daquele movimento, como a cronologia, as obras, os protagonistas e as suas contribuições específicas. Com efeito, os estudos publicados por José-Augusto França 8 e por Rui Mário Gonçalves 9 em meados dos anos 1970, constituem ainda a matriz fundamental para a produção historiográfica e crítica sobre esse movimento e esse período e esses estudos tiveram e continuam a ter uma profunda influência na produção historiográfica sobreveniente. Contudo, as suas leituras do modernismo artístico português, praticamente inquestionados até aos dias de hoje, deveriam ser revistas porque a investigação mais recente trouxe a lume obras e contribuições que parecem escapar cada vez mais aos constrangimentos criados pela divisão proposta por José-Augusto França, entre primeiro e segundo modernismo. Uma nova análise comparativa deve reequacionar justamente a dimensão cronológica, os seus protagonistas e sobretudo o seu âmbito. A compartimentação proposta por J.3

A. França, circunscrita genericamente às artes plásticas, que são analisadas de forma quase isolada dos outros contextos do movimento, tem-se revelado profundamente redutora para um entendimento abrangente desse fenómeno pluridisciplinar e complexo, particularmente no campo das artes cénicas e da sua articulação com outras dimensões culturais, questões em que esses estudos são praticamente omissos. Uma das ideias propostas por J.-A. França que fez escola e esteve na génese da organização de várias exposições, catálogos e estudos académicos, foi o da existência de um círculo artístico e estético, fundamental para o movimento modernista português, que se poderia ter formado entre Amadeo de Sousa Cardoso 10, o casal Sónia e Robert Delaunay, durante as suas estadias em Portugal, Eduardo Viana 11, eventualmente Almada Negreiros. Contudo, esse conceito e particularmente a suposta importância que esse “círculo” poderá ter representado para o modernismo português enquanto movimento, necessita de uma profunda revisão e reanálise. O próprio António Soares teve ocasião de expressar a sua veemente discordância desse entendimento do modernismo português que considerava uma moda ou, como sugeriu, um modedernismo à moda do Minho 12. Efectivamente, a suposta existência de um “círculo Delaunay” com uma certa “operacionalidade estética” no modernismo português parece ser desmentidas pela prática artística da maioria dos membros desse movimento que ignoraram olimpicamente as influências órficas delaunaysianas. Até mesmo as obras de Almada e Amadeu, que alguns estudos procuraram incluir forçadamente naquele círculo, foram praticamente “impermeáveis” às influências do orfismo, como sugere aliás uma leitura atenta e informada dessas obras. Porventura, apenas Eduardo Viana teve uma evidente fase órfica, mas foi incapaz de assimilar o orfismo enquanto recurso estético de transformação da sua pintura, rejeitando o sentido abstratizante que ele implicaria e, nessa medida, para Viana os “discos órficos” não passaram de elementos decorativos. A dificuldade de inscrever a obra de António Soares para os palcos nas categorias cronológico-artísticas limitadas pela leitura que o conceito da “hegemonia” de um suposto “círculo Delaunay” sobre o modernismo português implica levou-nos a procurar alternativas. A alternativa que nos é oferecida pela “proposta” de António Ferro, implicando um aprofundamento da análise ao papel que as artes de palco assumiram 4

no movimento modernista, permite revalorizar implicitamente a importância da contribuição do próprio António Soares. Efectivamente, uma das mais importantes vantagens dessa abordagem à contribuição para as artes de palco, um domínio lateral à obra plástica corrente, de um artista pouco estudado como António Soares, é a de que ela nos proporciona uma oportunidade privilegiada para adoptar uma perspectiva “independente” e, nessa medida, escapar aos referidos esquemas tradicionais de interpretação do modernismo. Essa via abre também a possibilidade de desvendar e redefinir importantes marcos da obra dessa figura, uma das mais esquecidas e desvalorizadas do movimento modernista português 13. Inequivocamente, António Soares contribuiu de uma forma significativa para a afirmação do movimento modernista, não só por ter cerrado fileiras com os seus compagnons de route nos momentos mais duros que esse movimento artístico e cultural teve que enfrentar, na segunda metade da década de 1910 e na primeira metade da de 1920 14, mas sobretudo por ter feito praticamente sozinho as despesas da continuação desse confronto no campo artístico, entre 1925 e 1930, quando a quase totalidade dos seus companheiros se exilou voluntariamente de Portugal, em Madrid, Paris e noutras paragens. Nesses anos, o tremendo esforço de afirmação dos valores estéticos modernistas fez-se em grande medida nos palcos dos teatros e daí a enorme importância e particular significado que a actividade teatral assume nessa fase da obra de António Soares. Há, por isso, que olhar para a sua intervenção artística nesse período à luz de um percurso moldado ideológica e esteticamente pela reação contra os valores mais conservadores da sociedade portuguesa. No entanto, essa intervenção iniciou-se muito cedo, como revelam as suas presenças nos salões dos humoristas, salões que procuravam criticar os valores profundamente conservadores que dominavam as artes e a cultura portuguesas e encontrar vias alternativas no domínio artístico. Justamente nos diz António Soares em 1914, quase um ano antes da experiência modernista da revista Orfeu: Atender às necessidades espirituais do povo, comunicando com ele por intermédio de uma arte que fosse a expressão sincera do seu modo de ver, é questão que não entrou ainda no programa dos meus colegas que até hoje

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têm feito arte que unicamente delicia a vista sem, no entanto, ter fim nenhum útil 15 Neste depoimento, aos vinte anos de idade, António Soares revela uma maturidade e uma consciência estética e artística rara entre os seus contemporâneos, demarcando-se da prática de uma arte acrítica e que continuava a dominar a produção salonista e académica marcada pela predominância do naturalismo. Mas num autodidacta como ele isso ainda assume um significado ainda mais profundo. Talvez por isso, António Soares tenha acabado por aderir, embora relutantemente, ao grupo dos humoristas e caricaturistas onde, apesar de tudo, encontrava algum espaço para defender valores de consciência social e nacional. Afinal, pugnava sobretudo por uma arte diferente, que trilhasse novos caminhos, longe das intenções daquele grupo. Aliás, só por insistência dos colegas participou na segunda exposição dos humoristas, em 1913, pela indecisão de se considerar modernista e não caricaturista. Contudo, voltaria a participar na exposição seguinte, realizada no Porto em 1915, reunindo humoristas e modernistas e, no ano seguinte, novamente na repetição desse certame. Em 1916, a presença de António Soares na exposição dos humoristas e modernistas do Porto afastou-o temporariamente da organização de um projecto que tinha lançado conjuntamente com outros sete artistas e membros fundadores, a Galeria das Artes 16. Nascida de uma tertúlia no Café Tavares que reunia António Soares, José Pacheco e Ruy Coelho 17, a iniciativa da Galeria das Artes pretendia criar uma sociedade de artistas que organizasse exposições numa sede, promovendo a venda das obras expostas, por forma a financiar o funcionamento da própria galeria. A sociedade instalou provisoriamente essa sede no Salão Bobone mas, presumivelmente durante a ausência de António Soares, a situação ter-se-á complicado devido a uma acumulação imprevista de despesas 18. Apesar dos contratempos, a iniciativa teve algum impacto, pelo menos segundo as notícias da abertura da exposição em Outubro de 1916, mas a continuidade da iniciativa terá ficado comprometida. Malgrado o envolvimento de várias figuras, nomeadamente de António Soares, foi José Pacheco que acabou por assumir publicamente a organização da iniciativa. Na realidade, algumas das notícias sobre a Galeria das Artes também mencionaram o papel de António Soares na iniciativa 19, desde logo o primeiro anúncio público, em Julho de 1916 20. No entanto, a crítica de arte coeva 6

foi praticamente omissa sobre a exposição propriamente dita, bem como sobre as obras expostas na Galeria das Artes, apenas um artigo fez uma breve e duvidosa menção ao carácter “futurista” da generalidade dos painéis 21. No decurso do biénio 1915-1916, António Soares participou activamente em diversas exposições e intervenções públicas, que podemos genericamente englobar no conjunto de iniciativas do movimento modernista e que, com a publicação da revista Orpheu e outros eventos diversificados, define a primeira grande vaga de afirmação do modernismo, seguindo a proposta cronológica de António Ferro. Na segunda etapa do movimento modernista que, como vimos, Ferro situou em torno da publicação da revista Contemporânea, certamente na sua segunda série, António Soares continuará a ter um papel de relevo, intervindo activamente em diversas iniciativas. Soares desenha capas e outros elementos gráficos para a Contemporânea, para a Ideia Nacional e para a Ilustração Portuguesa, principalmente durante o período em que António Ferro a dirigiu, porque o seu traço se adequava perfeitamente à imagem mundana, sofisticada e elegante que Ferro pretendia imprimir à publicação, numa fase em que os modernistas procuravam claramente obter a adesão do grande público, difundindo os seus ideais estéticos, sobretudo na sua vertente mais cosmopolita 22. Foi justamente nos salões da revista Ilustração Portuguesa que, em Março de 1922, António Soares realizou a sua primeira exposição individual, da qual o crítico Julião Quintinha nos dá um breve vislumbre referindo-se a pinturas “de cabeças de mulheres, de perfis, de cabeças de mulheres deliciosas- de mulheres que são apenas escarlates bocas de pecado, para beijar, olhos perversos que olham e nos perdem…” 23. Essas palavras poderiam ter saído da novela Leviana de Ferro, cuja capa foi desenhada pelo próprio Soares dentro do mesmo espírito e numa colaboração com Ferro que se veio a revestir de particular significado e longevidade, como veremos adiante. Desconhecemos se, nessa primeira exposição individual, António Soares teve oportunidade de mostrar alguns dos trabalhos que, entretanto, tinha realizado para os palcos, visto que o catálogo se limita a mencionar os números das obras. Contudo, ainda em 1922, na exposição individual seguinte, na casa comercial Araújo & Bastos 24, constam duas obras com os sugestivos títulos de jazz-band e ritmo fenício que nos levam a intuir representarem

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reflexões plásticas do artista sobre ritmo e movimento, enquadrando-se na linha de pesquisa sobre desenho de palco. Nessa segunda vaga de afirmação modernista, que podemos situar cronologicamente entre 1921 e 1922, uma das principais acções dos artistas e intelectuais da “geração moderna”, consistiu na gorada tentativa de eleger uma nova direcção de “novos” para a Sociedade Nacional de Belas Artes. Para além desse insucesso, também António Ferro se viu na contingência de abandonar a direcção da Ilustração Portuguesa, na qual tinha ensaiado uma profunda renovação estética, por força da contestação dos próprios leitores. A esses pesados revezes sobreveio, entre 1923 e 1925, um renovado impulso de afirmação modernista que se jogou em múltiplos tabuleiros. Por um lado, afirmou-se na arte, no Salão de Outono de 1925, numa exposição organizada por Eduardo Viana e na qual foram expostos os quadros destinados à decoração do café Brasileira, com grande impacto público. Por outro lado, jogou-se nos palcos, muito particularmente nessa única, crucial e dramática semana, que se iniciou no dia 2 de Julho de 1923 e em que teve lugar a dupla polémica de uma dupla estreia. Primeiro a estreia absoluta da peça O Lodo, de Alfredo Cortez 25 e, dias depois, a estreia em Portugal da peça Mar Alto, de António Ferro. A polémica em torno dessas duas representações atingiu o auge com a proibição da exibição do Mar Alto pelo Governador Civil de Lisboa, com a justificação da sua alegada imoralidade. Ainda em 1925, a iniciativa do Teatro Novo de António Ferro e de José Pacheco procurava consolidar essa segunda vaga de afirmação do modernismo nos palcos, em ruptura com o conservadorismo que dominava a prática dramática portuguesa. Efectivamente, o Salão de Outono, certame em que foram apresentados os quadros modernistas para o café Brasileira (do Chiado), representou um importante passo na afirmação dos artistas “novos”, tanto mais que a 20ª exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes, que lhe viria a suceder poucos dias depois no edifício da Barata Salgueiro, não poderia representar um maior contraste. À reabilitação da pintura portuguesa para a qual as obras dos artistas modernos no Salão de Outono tinham dado uma significativa contribuição 26 opunha-se o pesado carácter conservador e tradicionalista da exposição oficial daquela Sociedade que o crítico de arte Artur

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Portela 27 considerava que “se alguma coisa [a] marca é uma absoluta e confrangedora decadência” 28. É de assinalar que os quadros expostos no Salão de Outono, para além do sucesso que alcançaram no próprio certame, foram também consagrados pela sua permanente exposição nas paredes do café Brasileira, do Chiado, o que não deixa de ter um profundo significado pela visibilidade e consagração pública dessas obras e dos seus autores. Em qualquer circunstância, temos que valorizar o papel de António Soares nesse episódio. De facto, para além de ter sido um dos principais artistas expostos 29, António Soares assumiu também uma parte da responsabilidade no processo de decoração da Brasileira, desde logo como subscritor da carta que os artistas dirigiram ao Diário de Lisboa confirmando as conversas bem-sucedidas com o proprietário e assinalando o início da sua colaboração na decoração do referido estabelecimento 30. No mesmo ano, António Soares viria a colaborar na decoração do clube Bristol, outro estabelecimento que também convocou o trabalho dos modernistas, tendo António Soares assumido novamente um papel de destaque nessa empreitada artística. O episódio da Brasileira é revelador do espírito empenhado, combativo e persistente de António Soares na afirmação dos valores modernistas. Como referimos, outro dos importantes episódios na afirmação do modernismo foi a fundação do Teatro Novo de António Ferro e José Pacheco. Mais do que discutir a questão teatral e estética dessa companhia, interessa-nos abordar aqui o significado da sua dimensão cultural, nomeadamente pela sua inscrição no combate que António Ferro e Leitão de Barros encabeçaram em prol da renovação do teatro nacional e, muito particularmente, por uma transformação profunda na cenografia e nos figurinos 31. A polémica que as produções teatrais do Teatro Novo suscitaram nos meios teatrais foi exacerbada pelo facto de António Ferro, enquanto crítico teatral, ter atacado impiedosamente a revista Tangerinas Mágicas, uma produção em cena no Teatro da Trindade, reposição de um antigo sucesso do início do século. Nessa revista, Ferro criticava sobretudo a dimensão visual do espectáculo e os seus cenógrafos e figurinistas nos seguintes termos, “pedir aos artistas académicos, cheios de regras e dogmas, que façam modernismo é o mesmo que pedir a um ateu que entre numa igreja […]” e, seguidamente, apela a que os principais artistas modernistas portugueses, entre os 9

quais menciona expressamente António Soares, passassem a contribuir para a desejada renovação visual. Essa vontade de transformação, expressa por Ferro, tinha antiga e profunda inspiração nos referidos espectáculos que os Ballets Russes apresentaram em Lisboa em 1917 e 1918. Algumas tentativas de renovação visual tinham já sido ensaiadas na brilhante colaboração de alguns dos artistas modernistas na encenação das récitas amadoras do círculo de Helena de Castelo Melhor 32. A intervenção de António Ferro em defesa do trabalho dos artistas modernistas, a pretexto dos cenários conservadores e monótonos da revista Tangerinas Mágicas, suscitou uma forte reação por parte da classe profissional dos cenógrafos e figurinistas que responderam violentamente às críticas de Ferro e fizeram uma campanha cerrada contra o Teatro Novo. Apesar dessa reacção negativa, o apelo de Ferro teve consequências e a colaboração plástica dos modernistas para os palcos foi-se diversificando 33. Em primeiro lugar, com a significativa contribuição de Leitão de Barros para os cenários de A Rival (Julho de 1922), O Homem que Passa (Janeiro de 1923) 34, Ribeirinha (Março de 1923), Marquesinha (Abril de 1923), Bodas de Ouro (Maio de 1923), Madame Flirt (Dezembro de 1924), A hora imaculada 35 (Abril de 1926) e sobretudo para a estreia do Teatro Novo, na peça Knock ou a vitória da medicina de Jules Romain 36. Seguir-se-iam as cenografias para Salomé (1926), em que Leitão de Barros criou o cenário e Raul Lino os notáveis figurinos 37 , para O Homem e os seus Fantasmas (1926) e para O Cabeleireiro de Senhoras (1927-1928). É nessa senda de desenho modernista para palco que irão surgir alguns dos trabalhos de António Soares, cuja obra será abordada detalhadamente adiante. Definitivamente, a partir de meados da década de 1920, o modernismo assumiuse como uma das tendências referenciais do panorama cultural português, para o que muito contribuiu a disseminação dos seus valores veiculados pelos novos magazines ilustrados, renovados e cosmopolitas, o ABC, a Ilustração, o Domingo Ilustrado, o Magazine Bertrand, a Voga, mas principalmente pelo Notícias Ilustrado. Este último, dirigido por Leitão de Barros, veio revolucionar o grafismo e a paginação, usando intensivamente a fotografia, recorrendo à montagem, com uma impressão de elevada qualidade em rotogravura. No entanto, o processo de consagração modernista foi, em parte, adiado na transição para a segunda metade da década de 1920 devido ao êxodo de alguns dos mais destacados artistas modernistas portugueses e à ausência de outros, 10

exaustos, todos, da longa batalha pela malograda consagração. Almada Negreiros ruma a Madrid (1927), Eduardo Viana a Paris (1925), Mário Eloy 38 a Paris e Berlim (1925) e José Pacheco luta contra uma tuberculose que lhe consumirá as entranhas e os projectos. Do grupo, poucos restaram para continuar o combate, António Soares foi um deles, impedido de se afastar por força das suas obrigações familiares. A proposta de revisão crítica da cronologia do modernismo que nos vincula, compele ao repensar desse movimento a partir de um amplo levantamento das múltiplas colaborações e cumplicidades que surgiram entre as artes de palco, as artes plásticas, a literatura e a mundanidade nas primeiras décadas do século XX em Portugal. Esse cruzamento múltiplo de áreas e interesses resultou das mais variadas respostas aos obstáculos com que aquele movimento se foi deparando e às inflexões e atalhos que sobrevieram no assegurar da sua sobrevivência e afirmação. Com efeito, mais do que um conjunto limitado de epifenómenos, estritamente circunscrito às artes plásticas e à literatura, o movimento modernista deve ser entendido na abrangência de uma multiplicidade de acções e de laços culturais que se estabeleceram entre artistas, actores, empresários, bailarinos, jornalistas, críticos, escritores, polemistas que, determinadamente, procuraram transpor uma profunda barreira que o contexto hegemónico de valores tardo-oitocentistas tinha erguido no seio das instituições culturais portuguesas aos valores defendidos pela nova geração. Nas últimas décadas, os estudos sobre o movimento modernista internacional e as vanguardas artísticas têm-se debruçado, de uma forma cada vez mais profunda, na íntima ligação que se estabeleceu entre as artes plásticas e as artes de palco. Em muitos casos, essa ligação representou um dos principais factores de criatividade das próprias vanguardas artísticas e culturais. Infelizmente, em Portugal, a ligação entre arte e palcos não mereceu ainda a devida atenção à historiografia e, por isso, muitas das obras modernistas que foram realizadas em contexto de palco têm sido incorrectamente estudadas, descontextualizadas e, nessa medida, incompreendidas nas suas intencionalidade e importância. No entanto, uma das maiores maldições do desenho para os palcos tem sido a dificuldade de se conseguir autonomizar de uma das categorias das artes plásticas, a ilustração. Efectivamente, na historiografia da arte cenografia e figurinos são muitas vezes confundidos com ilustração, num determinado entendimento 11

que esses desenhos ou pinturas devem “ilustrar” um certo espectáculo de teatro ou dança a que dizem respeito. Essa leitura profundamente redutora do desenho de palco teve o efeito de prejudicar profundamente a contextualização da obra de um conjunto de artistas portugueses cujas obras incluem uma significativa componente de desenho para teatro e para dança e que, nessa medida, têm escapado sistematicamente às categorias hegemónicas que a historiografia da arte definiu acriticamente para enquadrar algumas obras particularmente abrangentes. A verificação cabal da profunda inconsistência dessa leitura pode ser feita, mesmo relativamente à obra de alguns dos artistas “eleitos”, porque a inclusão do desenho para os palcos na categoria da ilustração a diminui inexoravelmente, como sucedeu com Almada Negreiros com a agravante de, sendo dramaturgo, justificar uma profunda reflexão sobre o seu entendimento do teatro enquanto espectáculo total. Seria injusto não valorizar algumas tentativas de colocar a questão do cruzamento das artes de palco com as artes plásticas, desde logo a exposição de 1993, O escaparate de todas as artes ou Gil Vicente visto por Almada Negreiros 39, que embora represente uma abordagem específica dentro de um vasto domínio que não teve continuidade (ou está apenas a tê-la agora, quase um quarto de século depois) teve a profunda intuição de convocar para o próprio título os termos de uma reflexão profunda. Devemos também assinalar um colóquio de 2011, sobre o tema A dança e a música nas artes plásticas do século XX 40, em que, até certo ponto, algumas destas questões foram afloradas, apesar da ambiguidade criada pelo protagonismo concedido a uma das vias de colaboração, desvalorizando formalmente o crucial papel assumido pelas artes plásticas na dança e na música e o significado que isso representou. Podemos considerar que no panorama artístico português, António Soares representa um caso paradigmático de uma situação de sistemática desvalorização, menorizado por um conjunto de circunstâncias 41 entre as quais se conta a pouca atenção que a sua obra para palco tem merecido à investigação, genérica e sistematicamente “compartimentada” na categoria de ilustração. Evidentemente que o facto de ter realizado muitos e importantes trabalhos para as instituições públicas durante o Estado Novo não lhe granjeou um especial apreço por parte de uma historiografia que viu as suas referências principais serem publicadas justamente por ocasião da mudança de regime e que, por isso, foi mais susceptível a critérios de ordem político-ideológica. Terão sido, portanto, essas as mais importantes causas das 12

profundas contradição e ambiguidade com que a historiografia do modernismo tentou situar a obra de António Soares. Se por um lado foi considerado como o autor de algumas das obras chave do movimento modernista português, figura marcante da sua afirmação estética, por outro acabou injustamente acusado de academismo e até mesmo “colaboracionismo” com o regime do “Estado Novo”. Mas não foi só a obra de António Soares que escapou à perspectiva que tem dominado a historiografia do modernismo português, o mesmo sucedeu com um conjunto de outras obras. O estudo das obras para palco de artistas como José Leitão de Barros, Raul Lino, José Pacheco, Jorge Barradas, José Barbosa ou Maria Adelaide de Lima Cruz, só para citar alguns dos mais significativos exemplos, seguramente alterará a visão do modernismo português. No presente caso, só uma profunda e consistente reavaliação da obra de António Soares, quer na sua vertente de desenho para os palcos, quer na sua restante obra plástica, poderá permitir uma leitura mais equilibrada e rigorosa do conjunto da sua obra e, sobretudo, da sua efectiva contribuição para o movimento modernista português e, dessa forma, permitir a descoberta de novos percursos e significações nesse movimento artístico 42.

2. Modernidade, vanguardas e artes de palco A apresentação do bailado A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky, pela companhia dos Ballets Russes no Théâtre des Champs-Élysées de Paris, a 29 de Maio de 1913 tem sido considerado por alguns historiadores, como Modris Eksteins 43, o momento que, verdadeiramente, marcou o início da modernidade. Com efeito, foi com o maior escândalo que o público parisiense recebeu a companhia de Serguei Diaghilev. Verdadeiramente, o escândalo tinha já sido tremendo aquando da representação de L’Aprés Midi d’un Faune, composição de Claude Debussy inspirada no poema homónimo de Stephane Mallarmé, que Vaslav Nijinsky dançou, no Theatre du Châtelet exactamente um ano antes, a 29 de Maio de 1912. Para grande espanto e até mesmo incredibilidade generalizados, quer Nijinsky, quer as bailarinas que com ele tinham dançado L’Aprés Midi d’un Faune estavam descalços e a coreografia rejeitava as regras da dança clássica, assumindo uma carga sexual que horrorizou o público. 13

A Sagração da Primavera representou uma tamanha revolução cultural na música, na dança, na coreografia e no desenho de figurinos e cenários que a crítica mais informada a soube logo identificar como um marco fundamental. Como disse logo o crítico de La Revue de Paris, Jacques-E. Blanche: A Sagração da Primavera marcará uma data na história da arte contemporânea. […] durante esses quarenta minutos, o público e os artistas revelaram-se ao observador na nudez da sua mais íntima natureza.[…] Um forte golpe de vento passou sobre as estepes e, atravessando a Europa, veionos refrescar por alguns instantes, interrompendo os nossos sonhos confusos. O acordar foi tão brusco e o abanão tão brutal, que precisámos de tempo para nos recompor […] 44 E prossegue adiante o referido crítico, agora na descrição dos cenários e dos figurinos: Uma arte plástica do mesmo sabor oriental e bárbaro, irmã da melodia religiosa ou popular, poço onde beberam todos juntos os reformadores da escola musical (lírica e sinfónica), cores vivas, agenciadas com um requinte ingénuo, formas primitivas, uma simplificação aparente dos recursos da decoração teatral […] que refaz a educação dos nossos sentidos emudecidos. 45 Com efeito, a importância da dimensão plástica dos bailados da companhia de Dhiagilev representou uma profunda mudança no paradigma do espectáculo. Para os Ballets Russes chegaram a trabalhar alguns dos mais inovadores artistas plásticos europeus. Desde logo Leon Bakst, que desenhou para a maior parte dos bailados das primeiras temporadas da companhia, mas também desenharam para aquela companhia artistas como Pablo Picasso, André Derain, Henri Matisse, Michel Larionov, para além da colaboração de outros artistas e intelectuais vanguardistas como Nicholai Roerich que desenhou a Sagração da Primavera, Carlo Goldoni, Jean Cocteau ou Gabriel D’Annunzio, para além dos compositores, evidentemente. Mas a importância dos cruzamentos entre arte, teatro e dança e o seu significado estético ainda é mais evidente se analisarmos as vanguardas artísticas, a Bauhaus, o 14

Futurismo, a Vanguarda Russa. O desafio que a renovação modernista das artes de palco colocou às vanguardas artísticas representou um dos seus mais poderosos estímulos criadores. Sendo fastidiosa e deslocada a abordagem às obras dos artistas das vanguardas que criaram para os palcos, importa-nos destacar o modo como essas criações plásticas têm assumido uma importância cada vez maior para a historiografia da arte modernista e das vanguardas. Em 2014, foi apresentada no Victoria & Albert Museum de Londres uma das mais recentes revisões da obra plástica dos construtivistas russos para palco na exposição Russian Avant-Garde, Theatre, War, Revolution & Design, 1913-1933 46. A revisão crítica proposta no catálogo raisonée dessa exposição destaca a importância de que, nesse período, o teatro profissional se assumiu como um “laboratório para a exploração da interpretação dramática, da síntese artística, da definição visual e da receção das audiências”; também de como encenadores, por exemplo Alexander Tairov, convocaram as obras plásticas de artistas como Kazimir Malevich, Liubov Popova, Alexander Rodchenko ou Vladimir Tatlin para as suas criações totais no teatro, inspiradas “no folclore, no circo, na biomecânica, no teatro clássico, em Adolphe Appia, em Edward Gordon Craig, emMax Reinhardt […ou até mesmo] em Charlie Chaplin e em Hollywood”. A simbiose desse trabalho de profunda cumplicidade, entre encenadores e artistas plásticos, contribuiu decisivamente para trazer ao espectáculo teatral uma dimensão eminentemente visual. No seu recente ensaio sobre o teatro e a visualidade, Dominic Jonhston aborda a questão metodológica da emergência do visual no teatro que, na sua perspectiva, é permanentemente contaminada pela fundamental dificuldade de separar a experiência visual da auditiva. Como refere aquele autor, “a experiência teatral está dependente de uma relação complexa entre a visão e outras formas de percepção sensorial” 47 e encontra nessa visualidade “implicações escópicas que governam a cultura teatral” 48. Essa abrangência da experiência visual não se distancia muito, afinal, desse conceito de obra de arte total ou, no original alemão, Gesamtkunstwerk, que Richard Wagner adoptou como definição da natureza do espectáculo operático. Também em Portugal, se bem que numa escala bastante menos ambiciosa, a dimensão plástica começava a assumir crescente importância nas artes de palco portuguesas, acentuando-se no decurso das décadas de 1910 e 1920. Os palcos representavam tribunas privilegiadas para veicular novas estéticas que, dessa forma, 15

atingiam um público significativo, ainda mais numeroso no teatro ligeiro. A presença dos Ballets Russes em Lisboa com toda a força visual que os seus espectáculos veiculavam também marcou profundamente António Soares, que assistiu deslumbrado à sua apresentação em Lisboa, em Dezembro de 1917. É justamente o próprio Soares que nos dá conta desse deslumbramento da seguinte forma: “[…] Sou pintor; o público e os admiradores, se os tenho, que me perdoem se alguma vez encontrarem bailarinos e palhaços na minha pintura, e para a história, se for dado a um pequenino Goya ter caprichos, eles serão numerosos, porque me dão sempre este bem estar inquieto, esta sensação de bailado russo, revolucionário e dominante, que me prende a inteligência, a embriaga, se encanta e domina, d’esta alegria espiritual, deste estranho sortilégio, que me faz amar a vida sem condições e ter, porventura, também alguma vaidade, para agradecer a Mr. Dhiaghilev a ideia desse espectáculo em Lisboa, dando assim a conhecer a um ignorado pintor o objecto das suas queridas actividades…” (António Soares) )49 Esses “caprichos” de que fala António Soares 50 marcaram de uma forma profunda a sua produção plástica para palco e “contaminaram” toda a sua obra 51. Essa marca é perceptível no traço dinâmico e fluido que ele próprio confessa radicar, pelo menos em parte, no fascínio que sentiu pelo movimento da dança e dos bailarinos, descoberto na récita dos Ballets Russes a que assistiu em Lisboa. Esse importantíssimo momento da apresentação dos Ballets Russes em Lisboa, como veremos adiante, foi marcante para as elites intelectuais e artísticas portuguesas, e não só influenciou profundamente a obra e a prática artística de António Soares como terá até marcado a sua própria vida, suscitando porventura um tal fascínio pela dança que provavelmente o conduziu ao encontro da bailarina Maria Germana, uma aluna de Francis Graça, com quem viria a casar. Mas a fascinação que o bailado, e os seus protagonistas, exerceu sobre António Soares e a sua visão moderna do desenho para palco estão bem patentes num outro texto em que analisa o cenário modernista pintado por José Pacheco para o bailado “A princesa dos sapatos de ferro”, apresentado numa das récitas de apoio ao contingente português que combatia na Flandres, que Helena de Castelo Melhor organizou: 16

Uma pintura sem contornos, indefenida… Talvez por tudo isso, neste diabólico bailado aparece como mago da folia e do artifício perturbante, o “pontillisme” de Seurat aproveitado no seu cenário e, porém, desejo de progressão técnica, como necessidade temperamental 52. Quando o vi pareceu-me arremessarem sobre os bailarinos uma verdadeira chuva de deslumbrantes “confettis”, com a mesma vibração luminosa que noto nos quadros de [Henri] Martin e [Maurice] Denis 53. Delacroix entretinha a sua voluptuosidade de colorista, jogando matizes e reflexos de sedas; artifício de grandeza sonhada, os modernos “coloriste” como José Pacheko, desde os impressionistas constroem o arco-íris de papéis de cores! Adiante, no mesmo texto, António Soares confessa as dificuldades com que se confrontavam os artistas modernistas, referindo-se especificamente ao caso de José Pacheco: […] esquecida a iniciativa e proteção artística dos grandes senhores da renascença italiana, abandonada à curiosidade da besta na poeira dos museus, a obra de arte, desmaiado o interesse pelos artistas, na era das grandes lutas comerciais e dos “soviets”; um ilustre artista meu camarada, sonha alto na indiferença da época, triunfos olímpicos, glórias esbraseadas. No entanto, não deixa de sublinhar o carácter excepcional do papel de José Pacheco e, através desse exemplo, dos seus companheiros e dele próprio. José Pacheko dá-me a ideia de existir pelo temperamento, para uma idade de seda, sonhador incorrigível, imaginativo, vive a sugestão de certa existência galante e perfumada com risos, etiqueta, pó de arroz, amor. Semelhante àquele estranho personagem da “Grande Sombra” 54 que, para gozar intensivamente a vida a esconde no mistério, assim também aqueles seus nervos, tocados da vertigem do “Sud-Express”, do ruído de Paris, vibram na névoa.

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Deste modo, da sua própria pena surge esse termo “vertigem”, que já foi utilizado para definir outras artes de outros modernistas e que ele tem consciência de definir, uns e outros pelo desejo dessa vida moderna do ruído, da vibração da Grande Metrópole, da “Cidade-Luz”, de Paris. Todas essas referências estéticas marcaram a obra de António Soares e são, aliás, anteriores à “epifania” que sentiu ao assistir às récitas dos Ballets Russes. Reforçando a precocidade dessa consciência cosmopolita de António Soares, a pesquisa da investigadora Foiteni Vlachou permitiu compreender que as referências eruditas às figuras da dança, nomeadamente à figura do fauno, surgiram muito cedo em António Soares, datando de antes de 1916 e, portanto, da vinda da companhia de Dhiaghilev. Essas referências foram, aliás, um dos temas da troca de correspondência entre aquele pintor e o poeta do Orpheu Augusto Ferreira Gomes 55. Verificamos, com efeito, que as referências modernistas deste muito cedo tinham pontuado a sensibilidade e o trabalho de António Soares.

3. O desenho para palco entre a tradição e a mudança Será justamente essa dimensão do visual no espectáculo que cativou alguns dos intelectuais e dos artistas plásticos portugueses modernos que começaram a encontrar nas artes de palco, e particularmente no teatro ligeiro, que abrange a música e a dança um dos veículos privilegiados para ensaiarem uma renovação estética, inspirados sobretudo pela apresentação dos Ballets Russes em Lisboa. Todavia, esse interesse surgira antes ainda das récitas da companhia de Dhiaghilev, encontrava-se já em alguns dos primeiros trabalhos gráficos de António Soares para cena, do início da década de 1910, como sucedeu aliás com outros artistas desse grupo. No seu Manifesto O Music-Hall de 29 de Setembro de 1913 56, Marinetti tinha sustentado a preferência pelo music-hall, pelo teatro de variedades e por outras artes de palco ligeiras como o cabaret e o circo que, no seu entender, ofereciam a única forma de entretenimento digna do verdadeiro espírito futurista. Sabemos que parte desse manifesto foi lido publicamente por José de Almada Negreiros na conferência que proferiu no Teatro República, a 13 de Abril de 1917 57, tendo a ela assistido alguns dos mais inconformistas intelectuais portugueses. Mas, para além do próprio Almada, o 18

peso político, ideológico e cultural de Marinetti e dos seus manifestos e, em particular do manifesto O Music-Hall, marcou profundamente António Ferro na sua intensa actividade teatral, como dramaturgo e director 58 mas, sobretudo, como crítico de teatro durante toda a década de 1920 e início da seguinte. Recordemos que uma das suas mais emblemáticas obras de Ferro foi justamente o ensaio A Idade do Jazz Band. Enquanto crítico teatral e director da secção teatral do Diário de Notícias, Ferro dedicou uma atenção muito especial ao teatro ligeiro. Já antes dele, nas páginas d’A Capital, a crítica teatral quase diária de Leitão de Barros, entre 1921 e 1924, dispensara uma atenção muito particular à cenografia e à visualidade da cena. Desse modo, foi ganhando corpo uma tradição de crítica do desenho para cena que teve continuidade nas crónicas de Ferro, embora dispensando maior atenção à “revista à portuguesa” que o seu predecessor. O seu papel acabou por se tornar determinante na medida em que no contexto cultural português do primeiro quartel do século vinte, a intersecção de uma multiplicidade de planos, o estético, o político-ideológico, o civilizacional cuja mudança impunha a intervenção de uma figura catalisadora que conseguisse visar simultaneamente vários domínios, o teatro, a escrita, o jornalismo, a política, a dança e as artes plásticas. Irremediavelmente, António Ferro teria de assumir essa função de catálise, tornando-se num dos protagonistas de um confronto estético, político e até social que ficou conhecido como o conflito entre “novos” e “velhos” e que marcou profundamente a cena cultural portuguesa ao longo das décadas de 1910 e de 1920. Como vimos, as exposições dos humoristas, dos modernistas e as conferências futuristas podem considerar-se epifenómenos de uma conflitualidade mais ampla e longa que, em larga medida, dividia o campo da cultura e das artes portuguesas entre “novos” e “velhos”, ou seja entre modernistas e conservadores. Uma série de episódios e iniciativas marcaram a afirmação dos “novos”, como as referidas exposições dos humoristas, em que António Soares teve importante participação, a edição da revista Orpheu ou as sessões públicas em que Almada Negreiros fez a leitura do seu Manifesto Anti Dantas e dos manifestos de Marinetti. No entanto, ainda antes da definitiva consagração da “geração moderna” no I Salão dos Independentes de 1930, os palcos já tinham aberto as suas portas à colaboração dos modernistas na cenografia, nos figurinos, na coreografia da dança, muito particularmente na popular “revista à 19

portuguesa” devido, em grande medida, à acção de António Ferro. Há que reconhecer que a insinuação dos novos valores estéticos se podia fazer com muito maior eficácia junto do grande público dos teatros do que nas salas de exposições. Efectivamente, foi nos trabalhos para os palcos da “revista à portuguesa” e do teatro moderno que os novos valores estéticos puderam surpreender e cativar as plateias e, nesse sentido, António Ferro terá sido o primeiro em Portugal a compreender que a batalha pela afirmação dos valores modernistas tinha que ser travada junto do grande público, nos teatros, nos cinemas e nas revistas ilustradas. Desse modo, desde cedo Ferro tinha consciência de uma das dimensões fundamentais da eficácia da propaganda, a questão do seu impacto. A importância do envolvimento das vanguardas artísticas na profunda revolução que teve lugar no teatro no início do século XX foi já abordada anteriormente 59. A colaboração de artistas cubistas, expressionistas, futuristas e construtivistas na nova produção teatral foi fundamental para essa revolução. Algum eco dessas transformações ia chegando a Portugal, mas apesar disso, a cenografia nacional persistia numa tradição tardo-oitocentista que tivera em Luigi Manini o principal expoente. A escola que Manini fundou prolongou-se no trabalho de Augusto Pina. No entanto, essa tradição já não se adequava às exigências do teatro da década de 1920, que experimentava uma renovação de repertório, com tentativas de ruptura como sucedeu nos casos das peças Zilda (1921) e Salomé (1926), protagonizadas por Amélia Rey Colaço ou no da peça Mar Alto (1923) de António Ferro e ainda no caso da curta experiência do Teatro Novo (1925). A prática de cenógrafos como José Mergulhão, Eduardo Reis, Renda, Serra e Amâncio por vezes elegante, mas pouco inovadora, não conseguia acompanhar o ritmo das mudanças que os palcos iam impondo e que a crítica mais informada ia pedindo. Das peças referidas, a Zilda teve cenários de Alice Rey Colaço, Milly Possoz e Jorge Barradas 60 e a Salomé teve cenários e ousados figurinos de Raul Lino 61, inspirados na Salomé simbolista de Franz Von Stuck. Referimos anteriormente os variados desenhos para cena de Leitão de Barros, entre 1922 e 1926, em particular para o Teatro Novo. Na dança, também são de mencionar os cenários e figurinos para os bailados A Princesa dos Sapatos de Ferro (1918), o Jardim da Pierrette (1918) e o Bailado do Encantamento 20

(1918), desenhados por Raul Lino, Almada Negreiros e José Pacheco e ainda inspirados nesse deslumbramento que a passagem dos Ballets Russes tinha deixado em Lisboa. Essas contribuições para a renovação da cenografia portuguesa são mencionadas num artigo de fundo do Notícias Ilustrado, de Fevereiro de 1929 62, e um dos nomes mais destacado é justamente o de António Soares. A primeira sugestão da colaboração de António Soares para teatro tem lugar em 1910 63, na revista Às Armas! no Teatro da Trindade. Tratou-se provavelmente de um cartaz que não chegou aos nossos dias. Desde logo, nesses primeiros trabalhos de António Soares para teatro são evidentes a elegância, o dinamismo e a modernidade. Entre essas primeiras colaborações de desenho para palco, refiram-se os trabalhos para duas peças do Teatro Nacional, Coração de Todos (1914) e Os Redentores da Ilíria (1916), das quais apenas ficou uma breve menção na imprensa da realização de um cartaz para Coração de Todos

. Em 1918, António Soares colaborou em duas peças de Veva de

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Lima 65 levadas à cena em espectáculos de apoio aos soldados portugueses na frente de batalha, as peças À Luz de um Vitral 66, que contou com a interpretação de Amélia Rey Colaço e A Borboleta (1918), que a própria Veva de Lima protagonizou. É de referir que um pequeno esboço de uma cena da peça À Luz de um Vitral, publicado na crítica da revista Ilustração Portuguesa, sugere que o desenho de António Soares para o cenário possuía formas marcadamente modernas. Mas da década de 1910, os dois trabalhos gráficos mais marcantes de António Soares que chegaram aos nossos dias foram os cartazes publicitários para a peça Flor da Rua do Teatro Avenida (1913) e para o teatro Apolo, provavelmente para a peça De Alto a Baixo 67. São composições notáveis, mas a do teatro Apolo é uma peça de grande modernidade, sobretudo pelo dinamismo da figura em contre-plongée 68. Em meados da década de 1910, António Soares encontrava-se já empenhado no combate pela afirmação dos valores modernistas. Para além da referida participação nas exposições dos humoristas, sabemos da sua ligação a um grupo de futuristas e de colaboradores do Orpheu que se reuniram na cervejaria Jansen em 1915, num suposto “congresso de protesto” descrito por Reinaldo Ferreira 69. No mesmo ano é de referir a intervenção pública de promoção dos valores modernos, numa sessão em Santarém em

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que colaborou artisticamente com o crítico D. Tomás de Almeida 70. No final de 1914, Soares tornara-se sócio efectivo da Sociedade Nacional de Belas Artes 71. Entre 1916 e 1918, em várias cartas trocadas entre Raul Lino e António Soares, aquele arquitecto lhe sugeriu vários trabalhos gráficos. É sabido que os pintores modernistas tiveram uma quase insuperável dificuldade em expor e, principalmente, em vender as suas obras. Por essa razão, aqueles que não dispunham de uma situação financeira que lhes permitisse passar longos períodos sem receitas da sua pintura eram obrigados a deitar mão a outros trabalhos. Era esse precisamente o caso de António Soares que, desde muito cedo, se viu perante a necessidade de sustentar a família, mãe e irmãos. Por isso, as propostas de trabalho de Raul Lino, como sucedeu com a encomenda dos frescos para a Escola Primária da Tapada (1917), representavam uma importante contribuição para o equilíbrio da situação financeira de Soares e é provável que, nesse início de carreira, alguns dos trabalhos que realizou para os teatros possam também ter partido de propostas daquele arquitecto e artista que, como vimos, tinha ligações estreitas com algumas destacadas figuras dos meios teatrais portugueses. No início da década de 1920, António Soares inicia uma colaboração fecunda com a Ilustração Portuguesa, particularmente entre 1921 e 1922, nos trinta números em que António Ferro assumiu a direcção da revista 72. Nesses números, António Soares ilustrou seis capas e vários artigos 73. Num pequeno texto que acompanha uma das suas ilustrações sobre a exposição dos seus próprios trabalhos no salão da Ilustração Portuguesa, escrito muito provavelmente pela pena do próprio Ferro, é usada a expressão “regionalismo-síntese” para caracterizar algumas das obras expostas por Soares 74. Esse “regionalismo síntese” de 1922 pode justamente representar o ponto de partida para a estilização modernista que António Ferro virá a exigir mais tarde à revista à portuguesa e para a qual convocará, naturalmente, António Soares. Mas Ferro também admirava as figuras cosmopolitas, elegantes e sofisticadas de Soares, a tal ponto que lhe encomendou as capas de várias das suas obras, entre as quais a da emblemática e polémica novela Leviana 75. Será novamente pela mão de Reinaldo Ferreira que, num interessante artigo de página inteira publicado no jornal La Esfera de Madrid intitulado “El teatro futurista en 22

Portugal”, ouvimos falar do fervilhar artístico e teatral desse Portugal de meados da década de 1920 76. Para além de se referir a algumas peças modernas de Vitoriano Braga, Almada Negreiros e António Ferro, Reinaldo Ferreira fala da importância do décor que considerou representar para o teatro futurista lusitano a alma e a hipnose da obra. Nele reside o foco que ilumina e abre de par em par o espírito do espectador, unindo-o ao palco uma ponte telescópica. E adiante aborda com destaque o trabalho de António Soares para teatro, entre o de outros colegas. De facto, não só o teatro moderno se ia paulatinamente impondo nos palcos portugueses, como se tomava progressiva consciência da importância que a dimensão visual nele devia assumir. Depois de ter realizado o cenário para A Borboleta de Veva de Lima, António Soares retratou o bailarino Florêncio em 1925 77, muito provavelmente no contexto da apresentação das suas danças 78, no alinhamento da peça Knock ou o triunfo da medicina, de Jules Romains, que António Ferro produziu para o Teatro Novo. No ano seguinte retratou a actriz e declamadora argentina de origem bielorussa Berta Singerman, durante a sua passagem por Lisboa. Berta Singerman era uma figura de grande prestígio internacional que circulava pelos meios intelectuais de vanguarda e era muito próxima do círculo de António Ferro e dos modernistas portugueses. Seguramente que o interesse de António Soares por essa figura e os vários retratos que dela fez, terão resultado desse contexto. Mencione-se ainda um contacto com o cinema, provavelmente esporádico, pelo menos no desenho do logotipo da companhia do cineasta francês Albert Durot, que se estabeleceu em Portugal por volta de 1920, para a rodagem dos seus Films d’art, provavelmente inspirado pelas experiências de André Antoine. Na produção para teatro de António Soares, como cenógrafo, figurinista e artista gráfico é importante sublinhar o modo como soube pesquisar e aprofundar os aspectos técnicos do teatro e, em particular, da cenografia, como se pode constatar em muitos dos seus desenhos 79, provas evidentes do seu método de trabalho, sistemático e rigoroso. Terá sido essa capacidade de envolvimento no domínio da produção teatral que fez dele um dos mais profícuos artistas da sua geração nesse domínio. A consagração do desenho teatral de António Soares surgiria a partir de meados da década de 1920, quando algumas das figuras do meio crítico teatral, em particular 23

António Ferro e Paulo Brito Aranha, que tinham persistentemente pugnado pela colaboração dos artistas modernistas na revista à portuguesa, reconheceram a importância da sua contribuição. Nas famosas cortinas da revista A Rambóia (1928) pintadas por António Soares, esses críticos viram a marca do modernismo. As colaborações de António Soares e de outros artistas modernistas alteraram decididamente o carácter da própria revista à portuguesa, estilizando-a e modernizando-a, como será abordado mais adiante. A responsabilidade pela concretização da mudança estética no desenho para teatro foi protagonizada por um grupo de novos artistas que integrava José Barbosa, Pinto de Campos, Maria Adelaide de Lima Cruz 80, Jorge Barradas, para além, bem entendido, de António Soares e também de alguns cenógrafos da geração precedente que souberam evoluir plasticamente, como José Mergulhão e Luís Salvador. A omissão de Almada Negreiros nesse grupo justifica-se porque, embora se tenha destacado no desenho para bailado logo em 1918, a sua prolongada estadia em Madrid, onde aliás também se dedicou ao desenho para a cena teatral, mas madrilena e espanhola, o afastou do contexto português naquela fase determinante. Além de Almada também se ausentaram para o estrangeiro, como vimos, diversos outros membros do grupo dos “novos” como Viana e Elói. Por isso, António Soares, Jorge Barradas, Maria Adelaide Lima Cruz, Paulo Ferreira 81, Pinto de Campos e José Barbosa foram forçosamente recrutados para as fileiras dos modernistas no teatro, uns por alguns anos, como Soares e Barradas, outros quase em exclusividade, como Lima Cruz, Pinto de Campos e Barbosa. Entre 1926 e 1933, a produção de António Soares para os palcos foi particularmente intensa, tendo sido possível identificar até agora cerca de dezassete espectáculos teatrais em que participou, dos quais dez foram revistas.

4. António Soares e o Modernismo na Revista Como vimos anteriormente, a partir de meados da década de 1920 a revista foi assumindo uma importância cada vez maior na cena teatral portuguesa. O teatro musical tinha um público fiel e interessado em Portugal e a opereta, um dos géneros mais populares nas primeiras duas décadas do século vinte, tinha começado 24

sucessivamente a perder o interesse do público em favor da revista. Dessa forma, a revista à portuguesa foi-se assumindo como um género cada vez mais popular, com origem na Revue de Fin d’Année, de enorme sucesso em França, capitalizando a espectacularidade das operetas, mágicas e féeries, mas indo também ao encontro da modernidade do music-hall e dos espectáculos de cabaret a que os roaring twenties tinham trazido estrondoso sucesso nas metrópoles mais cosmopolitas. A importância da revista viu-se também reforçada pelo interesse que suscitou aos modernistas, certamente inspirados pelo texto panfletário de Marinetti sobre o musichall. Segundo o historiador do futurismo Giovanni Lista, nesse texto Marinetti celebra o teatro de variedades e o music-hall como um teatro de futuro 82, ligado à cidade moderna e ao seu carácter “polifónico”, como refere Lista: “[…] ele comemora a cena do music-hall ou o emaranhado simultâneo de eventos díspares correspondentes ao espírito dionisíaco que reina nas ruas da cidade moderna. Marinetti tira todas as consequências dessa exaltação futurista do music-hall, propondo mesmo os postulados de uma poética do teatro como imago urbis […] Em função da modernidade, o music-hall surge a Marinetti como uma imagem da mudança e da renovação permanente, uma cena que responde aos valores inéditos da civilização tecnológica.[…] 83 Com efeito, os futuristas entenderam o music-hall e a sua ligação umbilical aos ritmos modernos, nomeadamente ao jazz-band, como um dos mais importantes polos vanguardistas do teatro por contraponto à sua evidente desaprovação relativamente ao teatro contemporâneo que, do ponto de vista de Marinetti, alternava entre o pastiche das reconstituições históricas e a fastidiosa minúcia das reproduções fotográficas realistas. Os artistas modernistas portugueses aderiram a esses princípios, a essa linha de intervenção e a sua acção teve início desde logo. Primeiro, como referimos, nos espectáculos de apoio ao contingente português em França organizados por Helena de Castelo Melhor, depois, paulatinamente, numa progressiva colaboração com as empresas teatrais. Como vimos, o difícil processo de aceitação da estética modernista na revista à portuguesa foi objecto de uma longa e dura campanha, sobretudo na crítica 25

teatral de que um dos principais paladinos foi justamente António Ferro. Numa das suas primeiras críticas a uma revista, a Bichinha Gata em cena no Salão Foz 84 (1921) Ferro dá-nos um precoce testemunho da sua reserva relativamente à estética da revista: “Nas revistas portuguesas falta, acima de tudo, o bom gosto. Ele nunca será possível entre nós. Em Portugal ter bom gosto é ser futurista. Poiret 85, o feiticeiro de Paris, que sabe vestir uma revista como sabe vestir qualquer mulher, passaria como doido entre nós. Em Portugal as revistas vestem-se como criadas de servir, como criadas de servir um público sem exigências.” 86 Essa crítica de António Ferro é contundente, e representou um dos primeiros passos de um longo processo de tentativa da modernização do desenho nas artes de palco. Essa análise é evidente na crítica à Vida Nova (1924), num diagnóstico genérico dos problemas de que enfermava a revista à portuguesa: A decadência da revista em Portugal não é responsabilidade dos revisteiros. Não podem existir boas revistas sem bons cenários, sem mulheres bonitas, sem um guarda-roupa que se imponha pela originalidade e pelo imprevisto. […] A revista Vida Nova poderia ter agradado mais do que agradou se tivesse sido defendida pelo cenário, pelo guarda-roupa e pela beleza das mulheres […] No entanto, o referido episódio da violenta crítica de António Ferro à revista Tangerinas Mágicas (1925) e a polémica que lhe sobreveio, são reveladores de toda a dimensão da sua agenda e de que forma os artistas modernistas, os “novos” faziam parte dessa equação. Repete-se, por isso, uma frase já citada, mas que agora, ampliada, assume um significado mais abrangente: “Pedir aos artistas académicos, cheios de regras e dogmas, que façam modernismo é o mesmo que pedir a um ateu que entre numa igreja. […] Há aí toda uma geração que se tem posto [no sentido de tem sido posta] à margem [da cenografia], sistematicamente para quem se tem olhado com ironia e desdém. Cito nomes: Raul Lino, Almada Negreiros, Jorge Barradas, Stuart Carvalhais, Bernardo Marques, José Pacheco, Leitão de Barros, 26

António Soares, tantos outros […]A renovação-[…] só é possível com processos diferentes e com mocidade.” 87 A acção de António Ferro viria a dar frutos a breve trecho, mas devemos recordar, isso veio a suceder justamente no momento em que, como vimos anteriormente, quase por uma espécie de exaustão, vários artistas se exilaram temporariamente, rumo a outras paragens, Viana, Almada, Elói. Com efeito, António Soares foi um dos que ficaram, por força das suas responsabilidades familiares 88. Embora a cena teatral ligeira tenha sido agitada por algumas companhias itinerantes que apresentaram cenários e figurinos modernos, casos da vedeta espanhola do music-hall La Argentinita 89, da companhia de danças russas Coq D’Or 90, da troupe russa Eltzoff 91, da Companhia de Variedades Francesa Ba-Ta-Clan e da Companhia Velasco 92. Todos esses espectáculos elevaram o nível de exigência do público português, mas o primeiro grande passo na renovação da revista à portuguesa, foi dado em 1927 quando uma jovem e empreendedora actriz, cantora e bailarina italo-portuguesa, Luísa Satanela conseguiu pôr de pé um espectáculo que renovava relevantes aspectos do espectáculo e muito particularmente os figurinos e a coreografia dos bailados, na revista Água-Pé. Nela se distinguiram o figurinista e cenógrafo José Barbosa e o coreógrafo e bailarino Francis Graça. Logo no ano seguinte, estrearia A Rambóia, uma revista que, genericamente, seguia um mesmo figurino semelhante ao da Água-Pé, pelo menos no que dizia respeito ao desenho de cena e à coreografia dos bailados. Novamente, José Barbosa e Francis Graça desempenharam na Rambóia respectivamente as funções de figurinista e de dançarino, agora com uma contribuição fundamental de António Soares nos cenários e rideaux. Disso nos dá conta António Ferro, o crítico de serviço do Diário de Notícias: “A Rambóia tem alegria, vida, sabor português, o ritmo de um bailarico, a marcha turbulenta duma romaria. […]. Os figurinos de José Barbosa neste quadro são pincelados dum indiscutível bom gosto. […]. Uma harmonia rara no género: interpretação, música e guarda-roupa.[…] A cortina do vira de António Soares, uma pequena maravilha, merecia sem favor uma ovação do público. Para se ver o que essa cortina vale como 27

progresso, como passo, basta olhar atentamente os restantes cenários. Que distância, que abismo […] o que seria da […] Rambóia sem esse perfume de modernidade tão criticado. O que seria da revista se não fossem os figurinos decorativos de José Barbosa, os bailados que Francis levantou, tão portugueses e saudáveis, se não fosse o desembaraço “novo estilo” das suas girls? A diferença entre o antigo (o antiquado…) e o moderno pode avaliarse confrontando a admirável cortina de António Soares e o cenário infeliz “Arte Nova” do “Novo armazém”. 93 Nesta crítica à revista Rambóia, António Ferro faz uma síntese dos vários aspectos que, no seu entender, deveriam caracterizar a renovação da revista, a cenografia e os figurinos, que queria modernos e arejados, mas mantendo-se profundamente portugueses, as coreografias alegres dos bailados, onde um apontamento nacionalista era imprescindível, e uma interpretação arejada. Concluindo, com a Rambóia estava encontrado o modelo ideal da revista à portuguesa e a contribuição de António Soares para o seu sucesso revelou-se decisiva, sobretudo através de uma inteligente e sensível estilização dos motivos tradicionais portugueses, que se iria tornar um dos traços mais marcantes do desenho dos figurinos. Devemos assinalar que assim como António Ferro, também António Soares tinha já expresso a ideia de que havia um profundo défice de artistas especializados no desenho em Portugal, num depoimento a respeito da sua visita à Exposição de Artes Decorativas de Paris (1925). Também deixou outra nota interessante, durante a visita ao referido certame, a de ter sentido a imediata pulsão de “derivar para o boulevard, para o cabaret, para o teatro onde o nu das revistas corresponde perfeitamente à curiosidade de tout le monde”, 94 e à do próprio António Soares, naturalmente, como as representações de mulheres elegantes e cosmopolitas na sua pintura bem revelavam. António Soares voltaria a seguir a mesma fórmula de cortina estilizada na revista Coração Português (1928), concorrente da Rambóia. Eva Stachino, a principal figura do Coração Português, também procurou renovar com quadros como “O berço do jazzband” ou “Salão automóvel” e a colaboração de António Soares nesse espectáculo surgia na justa medida dessa tentativa de renovação.

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Um sinal da aproximação de António Soares aos palcos e bastidores surge num dos seus desenhos do bailarino Francis Graça (c. 1925), provavelmente no contexto da apresentação de um número de dança no Teatro Novo, por iniciativa de António Ferro. A aproximação a esse círculo, definido em torno de Ferro, não surpreende porque António Soares foi, como vimos, um dos artistas plásticos que mais colaborou nas iniciativas e projectos de Ferro, durante os anos 1920 e início dos 1930. Provavelmente, os desenhos que António Soares fez de Berta Singerman também se poderão ter inscrito nesse mesmo contexto; sabemos da profunda ligação que se tinha então estabelecido entre o casal Ferro-Castro e a diseuse e actriz argentino-bielorussa, nas suas duas passagens por Portugal durante os anos 1920 e na dos anos 1930 95. António Soares desenhou várias vezes Berta Singerman, mas esses desenhos não formam uma série porque, aparentemente, são de datas diferentes. Existe ainda um projecto de maquete de António Soares que pode ter constituído a base do cenário para um desses espectáculos 96. Particularmente significativo é o número de fotografias de Berta Singerman que António Soares tinha na sua posse, algumas delas com dedicatória ao pintor, e que parecem provar a proximidade entre o artista e a diseuse. A bailarina Lea Niako foi outra das artistas que António Soares retratou durante as suas passagens pelos palcos portugueses, em 1927 e 1929. Niako dizia-se originária da Indochina mas era, na verdade, natural de Hamburgo, de seu verdadeiro nome Maria Kruse. Teve uma vida particularmente aventurosa, mesmo para uma artista internacional. Em Portugal, por exemplo, foi vítima de um famoso incidente, o chamado rapto da Boca do Inferno 97, segundo o local onde conseguiu escapar ao seu raptor. Mais tarde, chegou a ser presa pela Gestapo em Berlim, envolvida num célebre processo de paixão e espionagem que envolveu directamente o seu amante, o aristocrata e adido militar polaco Barão Georg von Sosnowsky, acusado de roubo de segredos militares alemães 98. Mas, em termos artísticos, o que mais a celebrizou na sua passagem pelos palcos de Lisboa 99 foi a plena assumpção, aqui inédita, da nudez, num dos mais significativos sinais de liberalidade da década de 1920. Lea Niako foi capa de várias revistas, posando nua sem censura 100 e todas as referências que lhe foram feitas elogiam quer o seu espectáculo, quer a elegância das suas formas esculturais. O retrato de Lea Niako 101 é um dos mais interessantes desenhos da série que António Soares 29

realizou neste período 102 e que um jornalista caracterizou de retratos “expressionistas”, pretendendo certamente referir-se à expressividade sugerida pelo seu traço e pela sua subtil técnica de sombreado 103. O desenho a sanguínea de Lea Niako é, provavelmente, um dos mais importantes desenhos de António Soares e afirma claramente a singularidade do estilo do artista numa surpreendente capacidade particular de sugerir uma tridimensionalidade que, por exemplo, escapa aos desenhos equivalentes de António Carneiro com que, aliás, os desenhos de Soares chegaram a ser comparados. Num outro desenho, Niako posou para um nu elegante de sugestão oriental em que António Soares consegue sugerir a expressividade de uma das poses da bailarina em palco. O interesse de António Soares pela dança e pelos seus protagonistas, que já registámos a partir do seu precoce texto sobre os Ballets Russes, tem significativo reflexo nos trabalhos deste período, retratando vários bailarinos que se exibiram nos palcos portugueses, Lea Niako e Francis, como vimos, mas também Luís Turcifal, nome artístico de um futuro historiador de arte, Luís Reis Santos 104 que na juventude se dedicou à dança, e sobretudo Natacha Baltrina 105. O retrato de Natacha de António Soares é justamente considerado pela historiografia da arte como uma das obras mais marcantes do modernismo português. Natacha Baltrina, uma bailarina de origem estoniana, que terá integrado a Companhia de Bailado de São Petersburgo e itinerou Lisboa em 1928, fixou-se por algumas temporadas no nosso país. Nessa estadia, integrou um conjunto de espectáculos apresentados nos palcos portugueses, alguns com Francis, nomeadamente a revista Carapinhada (1928) e ainda uma actuação no Salão Voga, I Salão de Outono da Elegância Feminina e Artes Decorativas (1928). Natacha era amiga íntima de António Soares 106, o que teve um reflexo directo no próprio processo de execução da obra. Na pintura, a figura de Natacha assume, com grande naturalidade, a elegância discreta da pose erudita de uma bailarina, erecta e de braços elegantemente posicionados. O desenho do rosto sugere um volume que se filia nos desenhos da série do de Lea Niako. No Retrato de Natacha, esse volume faz sobressair três pontos do rosto de onde emana um fogo profundo, uma volúpia da sensual boca carmim e dos perscrutadores olhos azul topázio. Toda a construção da pintura, da pele discretamente bronzeada, ao vestido 30

preto decotado, ao fundo cenográfico neutro escuro, ao galgo de modulação expressionista, quase estilizado, faz convergir o nosso olhar para esses três pontos fulcrais, para a chama do rosto de Natacha, marca inédita na pintura portuguesa. Com efeito, é na especial cumplicidade, que pressentimos entre retratada e pintor, que reside parte do segredo da exótica sensualidade de Natacha, que o retrato de António Soares nos sugere com todo o virtuosismo. Esse virtuosismo resulta de duas erudições, a da pose elegante e estudada da bailarina e a do entendimento sensível do artista que soube transpor para a tela a sugestão dessa voluptuosidade. Talvez por isso pareça ainda mais absurda a filiação proposta pela historiografia da arte para esta obra, numa espécie de pós-tenebrismo columbaniano 107. Verdadeiramente, o retrato de Natacha não podia estar mais distante da estética académica tardo-naturalista e a melhor prova disso é justamente a capacidade evidente de exprimir a tensão sensual da bailarina russa, em inteira oposição a um certo “pudor asséptico” dos retratos de Columbano. Essa sensualidade é uma das características que melhor define a modernidade de António Soares, mesmo na sua compaginação com o retorno à ordem que recolocou a figuração no programa estético contemporâneo. Assim, podemos afirmar que António Soares tinha já realizado a “evolução” do seu estilo graficamente elegante e cosmopolita, que marcara as suas primeiras exposições, para uma expressão madura e profunda patente na sua pintura de final dos anos 1920, nos retratos de Natacha e de sua irmã. Por isso, é da mais profunda injustiça tentar aproximar o seu trabalho de uma prática gráfica de ilustração próxima da do francês René Georges Hermann-Paul, como sugeriu Diogo de Macedo 108. As relações que se estabeleceram entre António Soares e Francis – por ele várias vezes desenhado-, Natacha - que dançou com Francis e com ele terá partilhado a sua técnica de dança -, e Maria Germana - aluna de Francis, amiga de Natacha e sua futura mulher -, levam-nos a intuir a existência de um círculo formado em torno da dança e que abrangia, pelo menos, estas quatro figuras. Soares terá sido irremediavelmente atraído para esse círculo pelo seu profundo e precoce interesse pela dança. Esse interesse justifica, aliás, a sua extensa produção de desenho de dança, na maior parte dos casos de grande estilização. Supomos que a sua aproximação a esse círculo de dança poderá ter surgido no contexto da sua colaboração na revista, sobretudo desde 1927, 31

quando tanto ele como Francis atingiram o sucesso nas respectivas áreas artísticas, colaborando várias produções daquele género teatral. António Soares fotografou obsessivamente a jovem bailarina Maria Germana, mulher. Justifica-se, por isso, uma menção à importância que a fotografia assumiu no contexto do seu trabalho e, muito particularmente, do seu desenho de dança. O início da sua actividade como amador fotográfico e do seu entusiasmo pela fotografia parece datar justamente da altura em que começou a fotografar exaustivamente a sua mulher, explorando plasticamente a pose. Mas o seu arquivo privado possui muitas outras imagens de fotógrafos profissionais, tais como de Silva Nogueira, de Mário Novais, de Fernandes Tomás e de SanPayo, na maior parte dos casos, fotografias de figuras ligadas à dança e aos palcos. Acreditamos que António Soares terá utilizado frequentemente a fotografia enquanto “documentos para artista”, como fizeram aliás tantos outros artistas plásticos antes e depois dele mas, no seu caso, a extensão e importância da forma como a utiliza eleva esse uso a um outro nível de leitura, de uma capacidade profunda de intuir o fotográfico enquanto recurso estético fundamental para a prática artística contemporânea, que muito provavelmente António Soares conseguiu intuir através da questão da dança, muito mais exigente relativamente à pose. Também aqui, António Soares foi um inovador porque terá sido o primeiro artista da sua geração a incorporar expressamente a dimensão do fotográfico na sua prática estética. Nas suas longas séries fotográficas também se destacam um grande número de auto-retratos, muitos deles de uma modernidade assinalável e, apesar da evidente dimensão narcísica, neles não deixa de estar presente um olhar moderno e, por vezes, “arejadamente” crítico da sua própria imagem. Não é possível entender a transformação cultural e estética que Lisboa e a sua sociedade elegante viviam, protagonizada pelos intelectuais e artistas modernistas, e que teve a revista à portuguesa como um dos principais campos de ensaio, sem fazer um percurso por alguns dos clubes que foram renovados no final da década de 1920 e no início da seguinte. Nesse período particularmente radioso da Lisboa elegante, a vida nocturna e os seus bailes assumiam, particularmente no carnaval, um especial destaque a que os jornais e revistas davam amplos publicidade e eco. Por essa razão, o episódio de renovação modernista do café Brasileira do Chiado veio a ter profundas 32

consequências, já no final da década de 1920 e no início da de 1930, na decoração de alguns dos mais elegantes clubes nocturnos lisboetas. António Soares assumiu um papel de especial destaque na decoração dos mais afamados e elegantes clubes, o Bristol Club, o York Bar, e o Maxim’s, que se renovaram nesse período, para além do café Brasileira do Chiado, como vimos anteriormente. A iniciativa da renovação dos clubes elegantes lisboetas partiu do gosto dos seus proprietários e da necessidade de actualizarem a sua decoração, na maior parte dos casos para um gosto marcadamente art-deco. O proprietário do Bristol Club, Mário Ribeiro, encomendou a renovação do seu estabelecimento a um conjunto de artistas modernistas, o arquitecto Carlos Ramos, os escultores Leopoldo de Almeida e Ernesto do Canto e os pintores António Soares, Eduardo Viana e Almada Negreiros, entre outros, procurando tornar esse estabelecimento num dos mais modernos espaços noturnos lisboetas. Noutro clube, no Maxim’s, a contribuição de António Soares revelou-se particularmente relevante, de tal forma que, dessa intervenção nasceu uma das obras mais marcantes do modernismo português, o telão para o Baile das Artes 109. A dinâmica criada em torno dos clubes elegantes dos anos 1920 e 1930 determinou que aqueles que se conseguiram modernizar acabaram por merecer a preferência de um público que se mostrava cada vez mais exigente. Talvez tenha sido essa uma das principais razões para o fecho de espaços mais tradicionais, nomeadamente o do clube Maxim’s, em 1933, impossibilitado de renovar os salões tardo-barrocos do andar nobre do Palácio Foz. No entanto, os seus proprietários não deixaram de tentar todos os expedientes para criar um outro ambiente nesses salões, sobretudo por ocasião dos maiores eventos neles organizados, como no Baile das Artes de Abril de 1929, durante o qual as enormes paredes do salão principal foram decoradas com telões de grandes dimensões dos artistas modernistas. Felizmente, o notável telão que António Soares pintou para esse espaço com uma ligação profunda ao desenho para palco chegou até aos nossos dias. Nessa obra de grande dimensão, Soares soube conjugar dois dos mais importantes elementos que marcaram a sua obra, um grupo de mulheres elegantes e sofisticadas que rodeia a figura de um arlequim a dançar para elas. A composição monocromática é elegante e fortemente dinâmica. O movimento da obra está evidentemente presente na figura do arlequim, mas é também sugerido pelas 33

posições das figuras femininas, esboçadas em traços largos, algumas uma mera silhueta. A partir dessa obra verificamos que António Soares já se encontrava preparado para superar os grandes desafios que as artes de palco lhe iriam colocar. Mas o seu papel no programa decorativo do clube Maxim’s não resumiu à pintura do grande telão, coordenou todo o programa decorativo, contando com as colaborações de diversos artistas modernistas 110. O trabalho de António Soares para os palcos prosseguiu na revista Chá de Parreira (1929), que reuniu alguns dos mais destacados artistas portugueses, dando corpo a um exuberante espectáculo de teatro ligeiro, representado por António Silva e Vasco Santana, Beatriz Costa e Luísa Satanela, cantado por Corina Freire, dançado e coreografado por Francis Graça e cenografado por António Soares. A base musical consolidava uma síntese entre os ritmos modernos e as danças tradicionais estilizadas, escrita por um compositor que se especializaria no sincretismo de valores musicais tradicionais e modernos, Frederico de Freitas. Outro tanto fez António Soares na cenografia, numa estilização de formas, acertada com os trajos do costumier José Barbosa Filho, que marcaria longa profundamente a iamgem dos palcos nacionais. Uma das maquetes de cenários que António Soares produziu, Solar da Alegria, conjuga o lettering e os elementos decorativos modernos com elementos arquitectónicos tradicionalistas. Toda a retórica à volta de Chá de Parreira salienta justamente essa ligação entre tradição e modernidade. Por exemplo, António Ferro refere que naquela revista está bem: “tudo o que não vem do casão, das revistas, tudo quanto é novo, tudo o que foge ao cromo […] tudo o que é moderno sem deixar de ser português” 111. Mas quanto às novidades que aquela revista trouxera, acrescenta Ferro, foram: “Os cenários admiráveis, os cenários europeus de António Soares […] a sua cortina do Fado, com a técnica dum grande carvão, vale bem a guitarra em punho e os trinados na garganta de qualquer cantador afamado [são conhecidas as profundas reservas de Ferro relativamente ao fado] - A sua alegoria ao fado, que vem a seguir, podia ser a maqueta dum quadro definitivo: […] A cortina de A Vara Larga é outro documento da sua alta 34

habilidade. A cena do Arraial [o fecho] é do mais belo que tenho visto […] nem grinaldas, nem anjinhos, nem meninas penduradas, nem repuxos, luz, côr, movimento, Portugal dentro da nossa época!... Evidentemente que a crítica de António Ferro a Chá de Parreira, mais do que uma pura e simples apreciação ao espectáculo, pressupõe justamente a sua leitura da revista enquanto variação nacionalista dos espectáculos cosmopolitas de music-hall e de variedades e Ferro segue aqui esse guião à risca, dividindo a crítica entre os elogios à dança e à coreografia de Francis Graça, aos cenários de António Soares e, quanto ao resto, verdadeiramente, pouco acrescenta. No fundo, Ferro persistia no combate pela sua agenda político-estética, desinência nacionalista de um programa marinettiano baseado genericamente nos princípios do Manifesto do Music-Hall. Se o carácter imaterial da representação teatral impede a sua reconstituição histórica, ainda mais difícil se revela essa situação no caso de uma revista do final dos anos 1920, em que existe uma complexidade de recursos e uma diversidade de circunstâncias de recepção virtualmente impossíveis de recriar. Restam-nos os ténues traços que dela ficaram, testemunhos contemporâneos e ainda alguns vestígios, fotografias, maquetas, um ou outro trajo, programas e cartazes. No entanto, no caso de algumas das revistas à portuguesa dispomos, apesar de tudo, da possibilidade de encontrar paralelos de alguns aspectos da representação dessas revistas nas produções cinematográficas da chamada “comédia à portuguesa”, sobretudo da década de 1940. Alguns aspectos da encenação, do contexto, da representação de algumas rábulas e até de alguns dos actores dos elencos das revistas Rambóia ou Chá de Parreira pontuaram as comédias cinematográficas portuguesas como Pátio das Cantigas (1942) onde, seguramente, certas cenas e diálogos foram inspirados, senão mesmo literalmente transpostos do contexto revisteiro, em que tinham sido representadas centenas de vezes, passando directamente para o celulóide. Por fim, devemos mencionar que a discussão dos honorários de António Soares pela sua colaboração em Chá de Parreira mereceu uma longa e acesa troca de correspondência entre o pintor e o empresário teatral visto que o pintor pretendia ser pago pela bitola da sua anterior colaboração na Rambóia, o que foi contestado pelo 35

empresário 112. Afinal, a luta da “geração moderna” pelo reconhecimento e a consagração continuava acesa. A questão remuneratória era uma das vertentes dessa confrontação. A sequela de Chá de Parreira, menos de um ano volvido, intitulou-se A Cigarra e a Formiga (1930). A fórmula tinha sido encontrada e o sucesso alcançado por António Soares na cenografia representou a segurança de uma continuidade do seu trabalho na nova produção e noutras subsequentes. Para A Cigarra e a Formiga António Soares criou cenários de grande modernidade, uma representação perspectivada da ponte de Brooklin (Nova Iorque) que trazia ao público, segundo António Ferro 113, uma “visão sintética de Nova Iorque”. Seguir-se-ia a revista A Bola (1930) em que António Soares realizou um telão para o quadro “Rua da Amargura”, elogiado como moderno pelo crítico do Diário de Notícias 114 e a revista O Canto da Cigarra (1931), em que fez cenários em colaboração com Jorge Barradas e Cunha Barros 115. Em Pim!Pam!Pum! (1932), viria a colaborar pontualmente, desenhando os figurinos das bailarinas alemãs Mary e Trudel. Poderá ter sido esse o ensaio para o desenho dos trajos e do cenário do espectáculo que Corina Freire viria a apresentar em Paris (1933), com Francis Graça e Ruth Walden, no âmbito das campanhas de propaganda de Portugal organizadas por António Ferro 116. De Paris, a própria actriz e cantora fala desse trabalho, na correspondência que trocou com António Soares, referindo-se concretamente a eles por “terem causado a melhor das impressões” 117. A questão da estilização dos motivos tradicionais e a da sua transposição para cenários e figurinos dos espectáculos emergiu muito cedo na produção modernista. Pelo menos desde 1914, Natalia Goncharova desenha figurinos e telões claramente inspirados nos motivos do folclore russo, que a artistas adaptou nos trajos do bailado Le Coq d’Or, que os Ballets Russes apresentaram desde 1914. Essa imagem de uma síntese de modernismo e tradição foi especialmente grata a um certo nacionalismo cosmopolita que, segundo António Quadros 118, vinculou os precursores do modernismo português e caracterizou o sentido estético de seu pai, pelo menos desde o início da década de 1920, logo evidente na orientação dada à Ilustração Portuguesa. Mas a questão dos figurinos marcou a referida polémica de meados dos anos 1920 em torno da visualidade da revista à portuguesa. António Ferro, um dos seus protagonistas dessa polémica, foi justamente 36

o mais activo defensor da estilização modernista dos motivos do folclore português. Mais tarde será precisamente essa a linha dominante dos figurinos da companhia dos bailados Verde Gaio, que o SPN de Ferro criou. Não podemos deixar de considerar as criações de António Soares para os referidos espectáculos de Corina Freire, Francis Graça e Ruth Walden em Paris, também sob os auspícios de Ferro, como experiências precursoras dessa tendência nacionalista-modernista que tão profundamente viria a marcar a sua acção futura. A colaboração de António Soares no teatro ligeiro prosseguiu em Fogo de Vistas (1933), um dos mais paradigmáticos exemplos da revista modernista. Soares foi o autor dos cenários para os números “Verbena”, “Furta cores” e “Carne sem ossos”, trabalhos em que deu continuidade ao seu desenho manifestamente elegante e sensível. O desenho da abertura de “Verbena” tem um traço particularmente cuidado, mas aquele que mais surpreende é o cenário do número “Furta cores” 119, que claramente sugere um ambiente tropical, numa tendência inovadora que virá a ter enorme sucesso. O telão “Furta cores” é uma verdadeira explosão de cor, situação inédita em António Soares. Nos seus trabalhos para Fogo de Vistas, a quantidade surpreendente de estudos para cortinas e rompimentos revela toda a sua dedicação ao trabalho cenográfico. Num documento particularmente revelador preservado no espólio de António Soares, uma nota sua num esquema cenográfico, dá-nos conta da sua particular preocupação com a dimensão estética: O cenário deve ter uma expressão de policromia equilibrada das diferentes cores do espectro solar, sendo a pintura “intersecionista” com raios, ângulos, facetas e arestas e tudo num sentido francamente modernista. 120 As criações de António Soares marcavam de tal forma os palcos da revista que alguns críticos chegaram a falar de uma “maneira Soares” 121 que terá influenciado a revista O Pagode, representada em 1933 no Teatro Maria Vitória: Nos cenários, há notas interessantes. [António] Soares, o ilustre pintor, tão combatido por vezes pelos cenógrafos profissionais, vai fazendo escola. Sente-se nitidamente a sua influência nalgumas das cenas mais decorativas da revista O Pagode 122. 37

Quando, em 1931, António Ferro procurou fazer um balanço da mudança profunda que representou o assumir da modernidade e dos artistas modernistas, deu a revista à portuguesa como exemplo excepcional ao fazer uma crítica cerrada à passividade generalizada que caracterizava a cena cultural portuguesa e que se podia cristalizar na expressão justificativa corrente “o meio não dá”: O meio não dá? É possível… Mas talvez dê o fim, talvez dê o que nós desejamos… Um exemplo pode ilustrar este arrazoado. As revistas portuguesas, as revistas de teatro pareciam condenadas a um eterno mau gosto, às eternas grinaldas e aos eternos cenários “trambalazanas”, porque o “meio”, o caluniado “meio” não dava para mais… A crítica, “porém não se resignou ao dogma”. Tantas observações fez, tanto gritou, que as empresas para agradar a este e àquele, principiaram a encomendar, timidamente, cortinas, cenários a António Soares, a Barradas, a Leitão de Barros, etc., etc. 123 Na realidade, a modernização dos cenários não poderia ser, por si só, suficiente para transformar a revista; temos, por isso, que retirar do texto de Ferro as devidas consequências para figurinos, encenação e coreografias, ou seja, para toda a produção visual da revista, para uma revista de ideias como Ferro se lhe refere no artigo Espírito Moderno 124. Mas, como referimos anteriormente, há que ir mais longe e recordar que aqueles que Ferro distingue, nesse texto, foram justamente aqueles que cerraram fileiras no terreno, defendendo os valores do modernismo numa luta persistente, mantendo uma prática artística sistemática que os seus companheiros, a quem a exaustão fez rumar a outras paragens, acabaram por abandonar, deixando-os “entregues à sua própria sorte”. Daí a justeza dessa particular homenagem que Ferro endereça porque, efectivamente, foram eles os porta-estandartes do modernismo nos anos de chumbo que antecederam os anos de Ferro e o esquecimento a que, malogradamente, alguns deles foram votados, de que António Soares será porventura o caso mais gritante, representa uma profunda injustiça e uma grave lacuna que distorce o rigor histórico.

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Na verdade, o processo de transformação da imagem da “Revista à Portuguesa” afirmado na Água-Pé e consolidado depois de uma forma mais consistente na Rambóia e na Chá de Parreira, pela mão de António Soares e de outros desenhadores modernistas, num processo plasticização e estilização, como lhe chamou o crítico Hermano Possolo 125, teve um profundo impacto em várias dimensões 126. Se por um lado, representou uma das vertentes dessa profunda transformação de que a revista foi palco; por outro contribuiu para a consolidação de uma estética modernistanacionalista nos meios artísticos portugueses seguindo uma tendência hegemónica europeia, num quadro político de emergência das ditaduras às quais esses valores nacionalistas tanto agradavam. Foi esse nacionalismo que também veio a marcar o quadro estético de muitas das iniciativas organizadas pelo SPN/SNI nas décadas seguintes, nomeadamente a companhia de bailados Verde Gaio, em grande medida pela mão de António Ferro.

5. A consagração, Electra-A Mensageira dos Deuses Como vimos, António Soares teve uma longa colaboração no teatro porque começou a desenhar, de forma esporádica, desde a década de 1910, nomeadamente para os teatros Apolo e Nacional. Acompanhámos, depois, a sua colaboração com Veva de Lima em duas récitas de apoio ao contingente português em França, em 1917 e 1918, e há menções de uma possível colaboração na peça O Sapo e a Doninha, de Ramada Curto, que estreou no Teatro do Ginásio em 1928 127. Em 1930, António Soares teve a oportunidade de colaborar na cenografia da peça Henrique IV, uma obra vanguardista do dramaturgo italiano Luigi Pirandello 128, estreada em Portugal no Teatro do Ginásio, encenada pela companhia Bívar-Alves da Cunha 129. Apesar da exaustiva produção de António Soares para esse espectáculo, essa cenografia não chegou a ser utilizada nas récitas de referida companhia. Henrique IV é um drama sobre a ténue fronteira entre a loucura e a lucidez e a sua apresentação teve um significado estético de grande modernidade na cena portuguesa. Como sugere o crítico Artur Portela 130, nessa peça, Pirandello explora a consciência da modernidade criando um paradoxo entre forma e vida, ou seja, entre a máscara que o homem cria para si 39

próprio e a realidade. O desafio colocado ao público de Lisboa pela modernidade da peça dividiu-o; uma parte dos espectadores teve uma reacção adversa à peça, mas, para muitos, essa representação constituiu mais um marco na afirmação de uma estética teatral modernista, pela qual tanto ansiavam 131. A cenografia rigorosa de António Soares para a peça Henrique IV, que conhecemos dos seus numerosos estudos e maquetes, seguiu à risca os preceitos do dramaturgo, num sensível e erudito entendimento da estética pirandelliana procurando construir um contexto de meta teatralidade em que a cenografia desempenha considerável protagonismo. No entanto, a cenografia de António Soares não chegou a ser montada para o espectáculo 132. Para o Teatro Nacional, António Soares cenografou a comédia A Boneca e os Fantoches de Ramada Curto, representada pela companhia Rey Colaço-Robles Monteiro (1930) 133, desenhando uma maqueta de cenário moderna que foi elogiada pelos críticos, por António Ferro 134 e por Artur Portela que a considerou de um “modernismo sintético” 135. A cenografia proposta recria uma sala modernista de gosto art-deco. O mobiliário e a iluminação têm linhas direitas, quase funcionalistas; as paredes estão decoradas com frisos verticais de formas geométricas; um quadro de grandes dimensões com formas orgânicas estilizadas, de sugestão órfica, cobre a parede principal da sala. Entre os trabalhos que António Soares realizou para o Teatro Nacional conta-se a o projecto de remodelação da entrada e do bar do teatro. Esse bar, baptizado com o nome cosmopolita de American Bar, tem um desenho extremamente moderno, um lettering marcadamente art-deco e uma grande pintura decorativa da autoria do próprio pintor 136. António Soares voltou a desenhar um novo cenário marcadamente modernista para a comédia Boa noite, sr. Borges! que a companhia Artistas Unidos representou no Teatro Avenida em 1931 137. Não foi possível encontrar qualquer maquete ou desenho de António Soares para esse espectáculo mas uma carta da referida companhia, acerca do prazo de entrega das maquetes 138, e uma fotografia de cena 139 confirmam a participação de Soares, mostrando um conjunto de elementos cenográficos modernistas, que estão em linha com o trabalho que aquele artista realizara para A Boneca e os Fantoches. 40

Ainda em 1931, António Soares volta a colaborar com a companhia Bívar-Alves da Cunha, na peça As Duas Chamas, de Tomás Ribeiro Colaço 140. Para esse espectáculo, produziu uma tela que participa na própria peça. No enredo da peça, o quadro de Soares tinha uma função primordial, colocado num cavalete no centro do cenário e dividia as duas principais personagens, o pintor João, autor do quadro, e a sua companheira, e também pintora, Margarida, que era, em parte, retratada nessa tela. Não conhecemos nenhuma imagem da tela de António Soares, mas segundo a descrição do dramaturgo, ao centro tinha uma figura feminina alada sob uma luz intensa que representava a vitória da arte e sob essa figura, um grupo iluminado representava os vencedores enquanto envoltos na sombra estavam os derrotados da arte. O crítico do Diário de Lisboa encontrou nesse quadro um “simbolismo expressivo” 141 e o próprio dramaturgo testemunhou que o considerava um “verdadeiro personagem” da peça 142. Em 1937, António Soares desenhou um conjunto de maquetes de cenário para um espectáculo de apoio à Cruz Vermelha Revolucionária de Espanha, respondendo ao apelo de Gil-Robles y Quiñones de Leão, Marquês de San Miguel de Hijar, delegado do Governo Nacionalista de Burgos 143 junto das autoridades portuguesas 144. Os desenhos de António Soares foram passados a telão por Manuel Oliveira 145, cenógrafo de Teatro Nacional e representavam as Cortes de Toledo e Toledo destruída 146. Não foi possível, no entanto, confirmar a realização do referido espectáculo. A reabertura solene do Teatro Nacional de S. Carlos (1940) foi uma das iniciativas das comemorações do triplo centenário de Portugal 147. António Soares desenhou uma cortina para o espectáculo que assinalou essa reabertura, a ópera D. João IV de Ruy Coelho. Foi uma das numerosas encomendas oficiais feitas a António Soares neste período, tal como com os trabalhos para a Exposição do Ano X da Revolução Nacional (1936), as grandes pinturas para a Assembleia Nacional e para o Gabinete do Presidente do Conselho e o quadro para a Exposição Internacional de Paris (1937), com o qual obteve um grand-prix 148 e com o quadro premiado na Exposição Internacional de Nova Iorque (1939). A colaboração de António Soares na concepção da cenografia e dos figurinos da peça Electra - A Mensageira dos Deuses (1945) 149 representou o culminar de uma prática 41

continuada de mais de vinte anos de trabalho no desenho para palco que, nesse espectáculo, assumiu uma dimensão de grande erudição. A peça, um drama em dois actos da autoria de Jean Giraudoux (1937), é um dos exemplos mais marcantes do teatro de vanguarda francês do período entre guerras, marcado pelas obras desse dramaturgo e de Paul Claudel. O texto está “envolto nas ideias de adultério e matricídio”

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sugeridas pelo mito grego de Electra e foi uma aplaudida incursão dos Comediantes de Lisboa e do seu encenador principal, Francisco Ribeiro, no teatro modernista, numa tentativa de fugir à comédia, género em que aquela companhia se tinha especializado 151. A colaboração de António Soares nessa produção surge naturalmente porque, no final da década de 1930 e no início da seguinte, tinha já colaborado em duas importantes produções cinematográficas de António Lopes Ribeiro, irmão de Francisco e um dos elementos mais destacados da companhia Comediantes de Lisboa, primeiro em A Revolução de Maio (1937) 152 e depois em Feitiço do Império (1940). Para a execução do desenho de cena da peça Electra - A Mensageira dos Deuses, António Soares rodeou-se de dois colaboradores de peso, Frederico George 153 para a pintura dos cenários e Alberto Anahory para a elaboração dos figurinos 154. Para além da complexidade dos desenhos de cenários e figurinos, um dos aspectos que impressiona na sua produção é a quantidade de desenhos técnicos que António Soares realizou para o referido espectáculo. Com efeito, essa dimensão técnica radica, evidentemente, no facto de Soares ter dedicado uma grande parte da sua obra ao design, com criações verdadeiramente intemporais, como a do design de toda a linha de produtos Feno de Portugal ou do logotipo/título do Diário de Lisboa 155. A cenografia e os figurinos da peça Electra - A Mensageira dos Deuses, foram especialmente aplaudidos pela crítica que reconheceu a importância da contribuição de António Soares para o sucesso e grandiosidade do espectáculo. Muito provavelmente, terão sido os projectos de teatro de Electra - A Mensageira dos Deuses que António Soares levou ao primeiro salão de artes decorativas do SNI.

6. Considerações finais

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A diversidade e a importância da obra de desenho para palco de António Soares suscitam um conjunto de interrogações a que este ensaio apenas pode dar uma resposta parcial. Desde logo se coloca a questão da importância que as artes de palco, e através dela, o desenho para palco, a cenografia, os figurinos, assumiram na afirmação do modernismo em Portugal. O papel das artes de palco deve ser entendido como particularmente relevante porque, do ponto de vista social, teve como alvo um público incomparavelmente mais vasto do que as manifestações artísticas de outros tipos. Durante as décadas de 1920 e 1930, a disseminação dos valores modernistas através dos palcos teve um forte impacto no público, como reconheceu o crítico António Ferro, uma das mais destacadas figuras do movimento modernista, no balanço que fez desse movimento. Por toda a Europa, os artistas vanguardistas desenhavam para os palcos e em Portugal, António Soares foi um dos artistas mais activos na afirmação modernista. Os seus trabalhos para a revista à portuguesa veiculavam valores modernistas de forma inovadora. Noutra perspectiva de análise, o percurso artístico e de intervenção de António Soares desafia-nos a questionar a forma como a historiografia tem abordado o modernismo, nas suas fases, iniciativas e protagonistas. António Soares esteve presente e activo em muitas das iniciativas de contestação ao status quo conservador e retrógrado que, durante as décadas de 1920 e 1930 restringia a afirmação dos “novos” nas principais instituições artísticas. Essa luta foi assumida por um grupo de artistas e grande parte das iniciativas concretizadas foram colectivas, circunstância que a historiografia tem desvalorizado, preferindo fixar-se apenas em alguns protagonistas, como Almada, Viana ou Pacheco. Por isso, a participação de António Soares foi sistematicamente diminuída, como sucedeu relativamente ao processo de redecoração do café Brasileira do Chiado. Foi nos palcos que se travou uma das mais violentas batalhas pela afirmação dos valores modernistas, a primeira a ser vencida pelos “novos”. Nesse pleito, em parte comandado por António Ferro a partir da sua tribuna de crítica teatral, a intervenção dos artistas modernistas foi considerada exemplar e marcante. António Soares foi um dos mais importantes obreiros dessa afirmação, colaborando em momentos chave desse processo. A persistência do trabalho de António Soares para os palcos, numa fase 43

em que muitos dos seus companheiros se tinham exilado no estrangeiro, reforçou o papel que assumiu no movimento. Por isso, a transformação promovida por figuras como António Ferro e José Leitão de Barros e concretizada pelo próprio Leitão de Barros com António Soares e outros companheiros modernistas no desenho para palco, da qual apenas trazemos aqui um pequeno capítulo, merece um aprofundamento e uma reflexão a fim de corrigir e informar a história do movimento modernista em Portugal e a profunda influência que teve no gosto nacional durante o Estado Novo 156.

Final de 1917 e início de 1918. José de Almada Negreiros (1893 – 1970) artista multidisciplinar português que se dedicou fundamentalmente às artes plásticas e à escrita, figura marcante das vanguardas artísticas portuguesas dos anos 1920 e 1930. 3 A partir da proposta teórica de José-Augusto França dividindo o modernismo em primeiro e segundo vd. José-Augusto França, História da Arte em Portugal no Século XX. 4 António Ferro, “Alguns percursores” in Notícias Ilustrado, 2ª série, Nº 37, 24/2/1929, pp. 11 e 14. 5 Mário de Sá Carneiro (1890 – 1916) escritor português e uma das figuras maiores do modernismo em Portugal e da Geração d’Orpheu. Por influência de Pessoa, aderiu a correntes literárias de vanguarda, como o interseccionismo, o paulismo e o futurismo. 6 José Pacheco (Pacheko) - (1885–1934) – arquitecto e pintor, desenvolveu sobretudo uma intensa actividade como animador cultural e artista gráfico. Foi um dos mobilizadores da “geração modernista”, director da revista Contemporânea. Esteve ligado à criação do Teatro Novo. 7 José Leitão de Barros (1896-1967) - professor, cineasta, jornalista, dramaturgo, crítico teatral e de cinema, cenógrafo e pintor português. Fundou e dirigiu O Domingo Ilustrado, Notícias Ilustrado e o Século Ilustrado. 8 José-Augusto França (n. 1922) - historiador, sociólogo e crítico de arte português. Professor Catedrático Jubilado da Universidade Nova de Lisboa, é considerado um nome maior da historiografia da Arte em Portugal. 9 Rui Mário Gonçalves (1934) - professor, crítico e historiador de arte português, interessou-se desde muito cedo pelas artes plásticas, tendo promovido, no âmbito das associações académicas, diversas exposições didáticas e exposições coletivas de artistas portugueses 10 Amadeo de Sousa Cardoso– (1887-1918) - pintor vanguardista português, a sua obra estabeleceu articulações estéticas com o cubismo, o futurismo, ou o expressionismo. Grande parte da sua curta carreira artística teve lugar em Paris. 11 Eduardo Viana – (1880-1967) - pintor modernista português, o mais próximo de Sónia Delaunay e por isso muito influenciado pelo orfismo. Colaborou na organização do I Salão de Outono, na SNBA (1925). Parte então para Paris e Bruxelas de onde só regressará no final da década de 1930. 12 Modedernismo à moda do Minho: Sónia e Robert Delaunay-Eduardo Viana-Amadeo de Souza-CardosoJosé Pacheco-Almada Negreiros, F.C.G., documento gráfico, arquivo António Soares. 13 Esses injustos esquecimento e desvalorização tiveram lugar não só durante a parte final da vida de António Soares, mas logo após a sua morte e condicionaram a leitura crítica da sua obra. A título de exemplo cita-se o obituário que lhe dedicou José-Augusto França numa crítica injusta e desapropriada que procurou diminuir o papel de António Soares e da sua obra chamando-lhe “um artista menor […] achando-se embora maior e viu mando altivamente os outros […]. Soares tem um registo mais duvidoso, num mal-estar que a história da arte nacional da primeira metade de Novecentos não pode revelar vd. José-Augusto França, “Folhetim artístico: Na morte de António Soares” in Dário de Lisboa, Ano 58, Nº 19709, 19/7/1978, pp. 3-4. 14 V. Correia da Costa, “Temas votivos: António Soares, Viana e outros pintores” in Diário de Lisboa, A17, N5207, 20/5/1937, P.9. 15 “Um inquérito da República: III António Soares” in República, Ano IV, Nº 1209, 25/5/1914, p. 1. 1 2

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António Soares, Ayres Pinto da Cunha, José de Almada Negreiros, João do Amaral, Jorge Daniel Rodrigues, José Pacheco e Rui Coelho s. press release, espólio de António Soares, s.d.. 17 Rui Coelho (1889-1986) - compositor português, considerado o principal dinamizador da ópera portuguesa do séc. XX. 18 Que disso se queixa amargamente num depoimento: “A chamada “Galeria das Artes” nasceu de uma iniciativa da minha autoria proposta a dois amigos, J. Pacheco e Ruy Coelho, certa noite no Café Tavares. Pouco depois partia para o Porto onde me demorei alguns meses. Deixei, porém, o assunto alinhavado, casa alugada – Salão Bobone – entrevistas nos jornais, trabalhos entregues, sócios inscritos, etc. Somente quando regressei, soube na sua extensão a quanto […] valia o montante dos meus prejuízos.”, espólio de António Soares, s.d.. 19 O espólio de António Soares integra o desenho de um logotipo com a denominação Círculo de Belas Artes de Lisboa que, muito provavelmente, poderá ter sido um dos estudos do pintor para a imagem gráfica da iniciativa que, afinal, se viria a chamar Galeria das Artes. 20 Bourbon e Meneses, “Coisas de arte: o que vai ser a Galeria das Artes” in O Mundo, 29/7/1916, P. 1. 21 : “Galeria das Artes: A exposição ontem inaugurada é muito valiosa” in O Século, Ano 6, Nº 12496, 9/9/1916, p.2, “Galeria das Artes: inicia-se hoje no salão Bobone” in Diário de Notícias, Ano 52, Nº 18263, 9/9/1916, p.2. 22 Capas, Ilustração Portuguesa, II série, Nº 778, 15/1/1921, Ilustração Portuguesa, II série, Nº 785, 5/3/1921, Ilustração Portuguesa, II série, Nº 820, 5/11/1921, Ilustração Portuguesa, II série, Nº 823, 26/11/1921, Ilustração Portuguesa, II série, Nº 826, 17/12/1921, Ilustração Portuguesa, II série, Nº 829, 7/1/1922, Ilustração Portuguesa, II série, Nº 841, 1/4/1922, Ilustração Portuguesa, II série, Nº 845, 29/4/1922. 23 Julião Quintinha, “Figuras e Factos” in O Alentejo, 9/4/1922, p. 2. 24 Casa Araújo e Bastos, Rua da Palma, 132, Lisboa. A exposição inaugurou a 28 de Dezembro de 1922. 25 Alfredo Cortez (1880-1946) - magistrado e dramaturgo português, O seu teatro é marcado por preocupações sociais e descrições de costumes. Destacou-se no período que decorreu entre as duas grandes guerras mundiais. 26 Augusto Ferreira Gomes, “Arte moderna: o Salão de Outono e a reabilitação da pintura portuguesa” in Diário de Lisboa, A4, N1173, 3/2/1925, P.2. 27 Artur Portela - (1901-1959) – jornalista e escritor português, critico de teatro, literatura e arte do Diário de Lisboa. 28 Artur Portela, “A Arte: abriu ontem a 20ª exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes” in Diário de Lisboa, A 4, N 1225, 6/4/1925, P. 4. 29 António Soares foi dos primeiros do grupo dos modernistas a dominar a técnica da pintura a óleo, outros não o conseguiram e sabemos que, por exemplo, José Pacheco teve o apoio de Eduardo Malta. 30 Com Jorge Barradas e Eduardo Viana vd. “A nossa iniciativa: a nova decoração da Brasileira e os artistas” in Diário de Lisboa, A 4, N 952, 16/5/1924, P. 5. Soares pintou as obras Botequim e Café da Noite (também conhecido como À Mesa da Brasileira). 31 Num movimento de crítica que também teve outros intervenientes como sejam os casos de José Leitão de Barros e Armando Ferreira, nas páginas do jornal A Capital, entre 1920 e 1923. 32 Colaboração plástica de Raúl Lino no Bailado do encantamento e de Almada Negreiros e de José Pacheco na Princesa dos Sapatos de Ferro, artística de Almada Negreiros, Cottinelli Telmo e musical de Rui Coelho, espectáculos realizados em 1918. 33 São também de mencionar os esforços envidados na modernização do desenho da cena e na sua decoração por alguns empresários e actores, de que o caso mais destacado é o de Amélia Rey Colaço que se encarregou de muitos aspectos da cenografia das peças da companhia Rey Colaço-Robles Monteiro particularmente no período em causa, nos espectáculos apresentados no Teatro Politeama. 34 Peça de sua própria autoria, cujo título corresponde ao seu próprio pseudónimo como jornalista e que também cenografou vd. “Teatro e cinema, medalhões: Leitão de Barros” In A Capital, A. 14, Nº 4277, 13/1/1931, P. 3. 35 V. “Ecos: Amélia Rey Colaço” in O Domingo Ilustrado, 2º ano, Nº 66, 18/4/1926, pg. 2. 36 O significado da peça Knock ou a vitória da medicina e da sua cenografia merece uma referência particular na medida em que a iniciativa do Teatro Novo procurava seguir a encenação de Louis Jouvet para o teatro Studio des Champs Elisées estreada em 1923 e que atingiu as 1500 récitas tornando altamente provável que tenha sido assistida por Ferro numa das suas frequentes deslocações a Paris. A cenografia de Leitão de Barros incluía a presença de um automóvel no palco, à imagem da cenografia de Jouvet, o que levantou complexos problemas logísticos e acesa polémica. 16

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Raul Lino (1879 – 1974) – arquitecto e teórico da arquitectura portuguesa. Próximo da geração dos modernistas. Fundador da Academia Nacional de Belas artes. Trabalhou para teatro. 38 Mário Eloy (1900-1951) - pintor modernista português. Em 1927 partiu para Berlim. 39 AA.VV., O escaparate de todas as artes ou Gil Vicente visto por Almada Negreiros, Lisboa: Museu Nacional do Teatro, 1993. 40 Margarida Acciauoli e Paulo Ferreira de Castro (cord.), A dança e a música nas artes plásticas do século XX, Lisboa: Colibri/FCSH-UNL, 2012. 41 Curiosamente, já em 1939 um dos mais próximos de António Soares, o cineasta António Lopes Ribeiro, numa carta que lhe endereçou a respeito do prémio alcançado por Soares na Exposição de Nova Iorque, faz menção à sua má crítica na imprensa. Essa circunstância tinha tido expressão nas palavras irónicas de Lopes Ribeiro, que sugeria que a atribuição do prémio a Soares teria sido ocultada para “não ferir a sua modéstia” embora já tivessem aplaudido o galardão atribuído a Carlos Botelho vd. carta de António Lopes Ribeiro para A. S., espólio de António Soares, 5/10/1939. Lopes Ribeiro volta a sublinhar esse preconceito contra António Soares na homenagem que lhe presta após a sua morte v. “Na morte de António Soares” in A Rua, Nº 108, 6/7/1978, P. 17. 42 Num artigo extremamente interessante sobre arte e estética intitulado “A Vénus Negra”, António Soares analisa a importância que a arte africana assumiu para os artistas modernistas com uma profunda lucidez e modernidade, referindo-se nomeadamente à sua importância para a arte moderna nomeadamente em Picasso e Matisse, na renovação das suas formas, “como resolve o problema da ligação contínua dos volumes no espaço, concentrando a forma e o seu movimento” vd. “A Vénus Negra” in Diário da Manhã, A. 4, Nº 1237, 23/9/1934, P. 5 43 Na sua obra Rites of Spring o historiador canadiano Modris Eksteins aborda a questão do nascimento da modernidade reflectindo desde logo sobre as profundas transformações políticas, sociais e culturais que tiveram lugar com a Grande Guerra. Eksteins aponta como marco iniciador da modernidade a apresentação dos Ballets Russes vd. Modris Eksteins, Rites of Spring: The Great War and the Birth of the Modern Age, Nova Iorque: Anchor Books, 1990, p.10 44 Jacques-E. Blanche, “Un bilan artistique de 1913” in Revue de Paris, A. 20, T. 6, Nov-Dez 1913, pp. 517534. 45 Idem. 46 AA.VV., Russian Avant-Garde, Theatre, War, Revolution & Design, 1913-1933, Londres: Nick Hern Books, 2014. 47 Vd. Dominic Johnson, Theater & the visual, London: Palgrave/Macmillan, 2012, p. 3-4. 48 Idem, p. 10. 49 “Os bailados russos: impressões do pintor António Soares” in O Século, 18/12/1917. 50 Que expressam uma leitura estética e uma intencionalidade artística que, por exemplo, não se encontra presente no Manifesto dos Bailados Russos em Lisboa, de Almada Negreiros, texto sobretudo polémico e panfletário ou “signos, mensagens e metáforas” como é sugerido por Filomena Serra, “Almada Negreiros, a dança e os Ballets Russes” in Literatura e Sociedade, Nº 17, 2013. O Manifesto dos Bailados Russos em Lisboa foi publicado em Olga Raimundo, Desenhos de dança: Almada Negreiros (1893-1970) [dissertação de mestrado], Lisboa: FBA-UL, 2004. 51 É, aliás, de referir que no verso de uma reprodução de uma das suas obras, pintura de uma bailarina, que não foi possível localizar, António Soares intitula “Suite bergamesque”-Ballets Russes, direction Dhiaghilev, Lisboa 1917. 52 Referência a texto dactilografado sobre o cenário para a Princesa dos Sapatos de Ferro, espólio de António Soares, s.d.. 53 Henri Martin (1860-1943) – pintor francês pós-impressionista; Maurice Denis (1870-1943) – pintor e intelectual simbolista e membro do movimento nabi. 54 Referência ao romance homónimo de Arthur Conan Doyle. 55 V. Foteini Vlachou, Augusto Ferreira Gomes and Orpheu 3: ‘The death of a faun’ and Literary Ekphrasis in Portugal at the beginning of the twentieth century” in Pessoa Plural: 8 (O./Fall 2015), pp.511-513. 56 Fillipo Tomaso Marinetti, “The Meaning of the Music-Hall by the only intelligible futurista” in The Daily Mail, 21 de Novembro 1913. Fillipo Tomaso Marinetti (1876-1944) foi o fundador e o mais destacado teórico do movimento futurista. 57 “Uma conferência futurista: o elogio da loucura” in A Capital, 7º ano, Nº2394, 15/4/1917, p. 2. 58 Tendo assumido a direcção do Teatro Novo embora de forma breve visto o referido teatro só ter funcionado durante dois meses, em 1925. 59 V. texto de introdução de José Carlos Alvarez. 37

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Alice Rey Colaço - (1893-1978) - pintora, aguarelista, ilustradora e cenógrafa, irmã de Amélia_; Milly Possoz - (1888-1968) - artista plástica de origem belga, importante ilustradora, viajou para Paris em 1922 e só regressou em 1937; esteve noiva do pintor Eduardo Viana. Jorge Barradas (1894-1971) - pintor, ceramista, ilustrador e caricaturista português; trabalhou bastante em teatro; colaborou com António Soares. 61 Raul Lino tem um interessante depoimento sobre os cenários do São Carlos em que reconhece a profunda evolução das artes plásticas e o que isso implicou para a cenografia vd. “Os cenários de São Carlos: a arte da encenação e o que pensa o arquitecto Raul Lino” in Diário de Lisboa, A2, N581, 28/2/1923, P.5. 62 “A arte moderna no teatro” in Notícias Ilustrado, Série II, Nº 37, 24/2/1929, p. 4. 63 Que conhecemos do seu próprio curriculum. 64 Sabemos apenas que para Coração de Todos os trabalhos de António não terão sido realizados para cenografia visto que o cenógrafo oficial da peça foi Augusto Pina. 65 Genoveva de Lima Mayer Ulrich. 66 “Representações: República” in O Século, Ano 38, Nº 13046, 7/4/1918, p.3; “No Teatro República” in Ilustração portuguesa 2ª série, Nº 634, 15/4/1918, P.295. 67 Estreada a 20 de Maio de 1914. V. menção ao cartaz em “António Soares” in O Paiz, 29/12/1914. 68 Embora não tenha sido possível datá-lo, o cartaz deverá ser de 1913 ou 1914, como sucede com o do Teatro Avenida porque peça Flor da Rua foi estreada em Outubro de 1913. 69 António Soares é descrito como franzino, falsamente fleumático, a dentadura mal coberta pelos lábios finos, o indicador sempre curvado em sacudidelas sobre a cinza do cigarro. Para além de António Soares a reunião contava com Mário de Sá Carneiro, José Ferreira Gomes, Jorge Barradas, Eduardo Viana, Stuart Carvalhais, Rui Coelho, José Pacheco, Correia da Costa e Santa Rita Pintor v. Repórter X, “Recordações da geração Futurista,,…: As Histórias do Santa Rita Pintor” in Ilustração, ano 4, Nº 87, 1/8/1929, pp. 35-39. José-Augusto França data a reunião em 14/6/1915 a partir de uma carta de Mário de Sá-Carneiro para Fernando Pessoa, José-Augusto França, A Arte em Portugal no Século XX, Lisboa: Bertrand, 1985, p. 545nota 132. É de mencionar que foi António Soares que desenhou a capa da edição em inglês do poema de Fernando Pessoa Antinous, de 1918. 70 Sessão “Lisboa em Flagrante” no Salão Ideal de Santarém, 28 de Março de 2015, cartaz, espólio de António Soares. 71 Carta de admissão de António Soares na SNBA, assinada pelo primeiro Secretário, Arnaldo Ressano Garcia, em 4/12/1914, espólio de António Soares. 72 É de assinalar que António Soares participou no jantar de despedida a António Ferro quando deixa a direção da Ilustração Portuguesa vd. “Crónica da semana”, in Ilustração Portuguesa, 2ª série, Nº 845, 29/4/1922 p. 394. 73 São de referir também as variadas ilustrações que realizou, para capas e artigos em diversas publicações como Contemporânea, Ilustração, Revista Portuguesa, Ideia Nacional. 74 Vd. Ilustração Portuguesa, 2ª Série, Nº832, 22/1/1922, p. 81. 75 António Ferro, Colette/Willy Colette, Rio de Janeiro: H. Antunes, 1921; António Ferro, Leviana, Rio de Janeiro: H. Antunes, 1921; António Ferro, Batalha de Flores, Rio de Janeiro: H. Antunes, 1923; 76 Reinaldo Ferreira, “El teatro futurista en Portugal” in La Esfera (Madrid), 10º ano, Nº 512, 27/10/1923, p. 23. 77 Florêncio, nome artístico de Francisco Florêncio Graça, mais tarde alterado para Francis. 78 Embora o pano para a apresentação de Florêncio tenha sido pintado por Mário Eloy cf. Mário Eloy, “Um bailarino: o criador plástico do espaço” in Diário de Lisboa, Ano 5, Nº 1252, 12/5/1925, p. 2. 79 Verificámos que a biblioteca de António Soares possuía várias obras de teatro e um clássico sobre decoração teatral, a obra de Léon Moussinac, La Décoration Théatrale (Paris: Rieder, 1922). Moussinac destaca a importância da cenografia vanguardista como os trabalhos de Paul Poiret, dos artistas que desenharam para os Ballets Russes e de outros artistas que desenharam para palco como Maurice Denis, André Derain e Henri Matisse. Além da obra de Moussinac encontrámos no arquivo de António Soares um documento com menção a várias obras de desenho teatral, além de Moussinac são referidas as do arquitecto e cenógrafo francês André Boll, Le Décor du théatre. Ses tendances modernes (Paris 1926), um estudo sobre as tendências modernas do desenho teatral e de Camille Poupeye, La mise en scène thèatrale d’ aujourd hui (Bruxelas, 1927), uma obra sobre as experiências de desenho de cena das vanguardas alemã e russa. 80 Maria Adelaide de Lima Cruz (1908-1985) - pintora, ilustradora, cenógrafa e figurinista portuguesa. 81 Paulo Ferreira (1911-1999) - pintor, decorador e ilustrador português. 60

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Giovanni Lista, La Scène Futuriste, Paris : Centre National de le Recherche Scientifique, 1989, p. 123. Idem, 120 84 Quer António Ferro quer José Leitão de Barros se iniciam na crítica teatral neste períodoe com preocupações e perspectivas semelhantes contudo, o estilo da prosa aponta para a autoria de Ferro, embora os dois críticos colaborem na Ilustração Portuguesa neste período. 85 Paul Poiret (1879-1944), figurinista e costureiro francês. 86 António Ferro (sob pseudónimo Tira-Linhas), “Bichinha Gata” in Ilustração Portuguesa, II série, Nº 823, 26/11/1921, p. 405. 87 António Ferro, “Primeiras representações: Trindade- «As Tangerinas Mágicas» in Diário de Notícias, 61º ano, Nº 21274, 8/4/1925, p. 4. 88 António Soares era o esteio da família, sustentava a mãe e os seus dois irmãos e, a breve trecho, passaria a sustentar também sua mulher. 89 António Ferro, “S. Luís-Apresentação da bailarina e «coupletista» «La Argentinita» in Diário de Notícias, 61º ano, Nº 21216, 12/2/1925, p. 4 e “Despedida de «La Argentinita»” in Diário de Notícias, 61º ano, Nº 21223, 19/2/1925, p. 4. 90 António Ferro, “Trindade - Le Coq D’Or»” in Diário de Notícias, 62º ano, Nº 21604, 15/3/1926, p. 5. 91 Artur Portela, “No Eden Teatro […] uma troupe russa de bailados»” in Diário de Lisboa, 5º ano, Nº 1231, 13/04/1925, p. 4. 92 António Ferro, “Trindade - Las Maravillosas»” in Diário de Notícias, 60º ano, Nº 20968, 1/6/1924, p. 2. 93 “Teatros-Primeiras representações: Maria Vitória-A Rambóia” in Diário de Notícias, A. 64, Nº 22469, 15/8/1928, p. 3. 94 “Os artistas: Portugal encontra-se representado na Exposição de artes decorativas da capital franceza” in Diário de Lisboa, A. 5, Nº1366, 21/9/1925, p. 5. 95 Em 1926 e 1928, 96 Há uma breve alusão à cenografia do espectáculo de Berta Singerman numa notícia que menciona as pregas do cenário azul pálido que julgamos poderão corresponder à maquete de António Soares v. “Primeiras e reposições: Trindade-Recital de poesias pela artista de declamação Berta Singermann” in A Capital, Aº 16, Nº 5191, 22/3/1926, P.3. 97 Vd. “Léa Niako e os seus novos bailados” in Voga, 1/11/1928; “Uma bailarina: Lea Niako conta-nos a sua aventura da estrada da Boca do Inferno” in Diário de Lisboa, A7, N2054, 20/12/1927, p.5, “A bailarina nua: a polícia anda à procura do “alemão” que raptou Lea Niako” in Diário de Lisboa, A7, N 2054, 20/12/1927, p.5; “Um caso misterioso: o Don Juan que raptou Lea Niako continua à solta…” in Diário de Lisboa, A7, N 2055, 21/12/1927, p.12.; Fotografias de Lea Niako in Notícias Ilustrado, 08/07/1928. 98 Vd., André Brissaud, Histoire du service secret nazi. Paris: Plon, 1972. 99 Os seus espectáculos foram anunciados nos jornais de Lisboa em Junho, Novembro e Dezembro de 1927, Janeiro, Agosto, Novembro e Dezembro de 1928. 100 Capas de ABC, Aº 8, Nº 390, 5/1/1928 e Aº 9, Nº 435, 15/11/1928. 101 Capa de A Ilustração, 4º ano, Nº 77, 1/3/1929 e expostos na 25ª exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes, 1928. 102 A par de um outro de Afonso de Bragança, pertencente ao CAMJAP da FCG. 103 “Os admiráveis retratos do pintor António Soares” in Notícias Ilustrado, A 1, Nº 5, 22/4/1928, p. 5. 104 Luís Reis Santos (1898-1967), nascido em Turcifal, foi director do Museu Nacional Machado de Castro e professor universitário de História da Arte. 105 Não foi possível esclarecer o nome completa de Natacha visto que, em certas publicações surge mencionada com o apelido (ou nome artístico) Baltrina, noutras apenas Natacha. Aparentemente não terá tomado o nome do marido, o diplomata cubano Eduíno Mora. 106 Relativamente a Natacha Baltrina deve assinalar-se que há numerosa correspondência tanto de Natacha como do seu noivo e depois marido, o diplomata cubano e figura próxima dos modernistas e colaborador da Contemporânea Eduíno de Mora, essas missivas eram dirigidas a António Soares e a sua mulher, Maria Germana. 107 Vd. Catálogo online do CAMJAP em http://cam.gulbenkian.pt/CAM/pt/Colecao/Autores (acedido em 26/2/2016). 108 É de referir que a nota de arte de Diogo de Macedo é dedicada especificamente ao quadro Camões de António Soares, obra em que o pintor, de facto, se inspirou na pintura de Columbano v. Diogo de Macedo, “Notas de Arte” in Ocidente, Vol. XVII, Junho de 1942, p. 273-274. 109 «O que foi o Baile das Artes» in Notícias Ilustrado, 2ª série, Nº 45, 21/4/1929, pp. 4-5. 82 83

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Uma anotação nos estudos refere os nomes de Amarelhe, Francisco Valença, Jorge Barradas, Meneses Pereira, Bernardo Marques, Cunha Barros, Leal da Câmara, Emérico Nunes e Carlos Botelho v. espólio António Soares. 111 António Ferro, “Teatros, impressões: Variedades-Chá de Parreira” in Diário de Notícias A65, N22813, 2/8/1929, P5. 112 Vd. Correspondência da Companhia Hortense Luz para António Soares, espólio António Soares. 113 António Ferro, “Espectáculos: Teatro da Trindade - A Cigarra e a Formiga” in Diário de Notícias, A66, N23132, 24/6/1930, P6. 114 Paulo Brito Aranha, “Vida artística: Avenida A revista em dois actos A Bola” in Diário de Notícias A 66, N 23068, 20/4/1930, P7 115 “Pelos teatros: O canto da cigarra” in Diário de Lisboa, A 11, N 3134, 23/7/1931. P2. 116 “Receptions: Quand on est celibataire” in Comoedia, A 27, N 7595, 25/11/1933, P6 117 Postal de Corina Freire para António Soares, 29/12(1933, arquivo António Soares. Sobre estes espectáculos v. AAVV., Verde Gaio: Uma Companhia Portuguesa de Bailado (1940-1950), Lisboa: Museu Nacional do Teatro, 2000, pp. 27-28. 118 António Quadros, O Primeiro Modernismo Português: Vanguarda e Tradição, Lisboa: Publicações Europa América, 1988, pp. 41-53. 119 Provavelmente renomeado a partir do telão a que o artista tinha dado o nome de “O país da cor”. 120 Nota em desenho técnico de cenário, espólio de António Soares. 121 V. “Uma página de justiça” in Notícias Ilustrado, 2ª série, Nº 277, 1/10/1933, P. 19. 122 V. “Teatros e cinemas: representações” in O Século, A. 53, Nº 109, 4/7/1933, P. 4. 123 António Ferro, “O «meio» não dá” in Ilustração, Nº 136, 15/8/1931, p. 32 124 “Espírito Moderno” in Diário de Notícias, A. 66, Nº23113, 5/6/1930, pp. 1-2. 125 Hermano Possolo, “Prémieres” in ABC, 15/8/1929, p. 17 cit por Elvira Alvarez, A Dança Teatral Portuguesa da 1ª República ao Estado Novo: modas, rupturas e nacionalismos, Lisboa: FMH-UTL, 2009, pp. 182-183. 126 Deve assinalar-se que muitas das revistas à portuguesa estiveram em cena por largos períodos, chegando a atingir mais de quatrocentas récitas, o que representa um universo de espectadores extremamente numeroso. 127 Que não foi possível confirmar. 128 O drama Henrique IV foi escrito por Luigi Pirandello em 1921, menos de um ano após a conclusão da sua obra“Seis personagens à procura de um autor” mas só foi editada em 1922. 129 Contudo, deve-se assinalar-se que a encomenda foi intermediada pela firma Electro-reclamo, lda vd, factura correspondente da referida empresa, António Soares terá colaborado com o eng. José Carlos Santos em reclames e outros elementos luminosos, nomeadamente no contexto teatral vd. documentação do espólio António Soares. 130 Artur Portela, “Uma peça de Pirandello-Henrique IV” in Diário de Lisboa, A 10, Nº 2819, 19/6/1930, p. 3. 131 Que Giovanni Lista considera uma das peças mais vanguardistas de Pirandello vd. Giovanni Lista, Idem, P. 269. 132 Esse facto pode justificar-se de duas formas, ou António Soares abandonou o projecto antes de terminado, ou o projecto era demasiado ambicioso e a companhia optou por uma cenografia mais simples. 133 A maquete menciona expressamente no verso a peça Nós já não somos crianças, de Leopold Marchand, uma outra peça do repertório da Compª Rey Colaço-Robles Monteiro, representada no mesmo ano. Sabemos, no entanto, que essa peça teve um cenário de José Luís Brandão e arranjo cenográfico da própria Amélia Rey-Colaço, o que descarta a possibilidade da referida maquete ter sido realizado para a peça de Marchand. Aliás, é de referir que à data da estreia da peça de Marchand, António Soares estava totalmente ocupado com a Exposição da Luz na SNBA que inauguraria dias depois v. ”Espectáculos: Teatro Nacional- Nós já não somos crianças” in Diário de Notícias, Aº66, Nº 23278, 18/11/1930, P.5; ”Representações: Nacional- A boneca e os Fantoches” in O Século, Aº50, Nº 17441, 18/11/1930, P.9. 134 António Ferro, ”Primeiras representações: Teatro Nacional-A boneca e os Fantoches” in Diário de Notícias, Aº66, Nº 22972, 12/1/1930, P.6. 135 Artur Portela, “Primeiras: a crítica da comédia A boneca e os fantoches” in Diário de Lisboa, A9, N2687, 13/1/1930, p.12. 136 “A reintegração do Teatro Nacional” in Notícias Ilustrado, 2ª série, A3, N93, 23/3/1930, PP.10 -11. 137 “Teatro Musicado: A farsa “Boa noite, sr. Borges!” in Diário de Lisboa, A10, Nº2984, 2/1/1931, P 4. 110

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Carta dos Artistas Unidos para António Soares, espólio António Soares. “No teatro Avenida” in Notícias Ilustrado, 2ª série, A3, N135, 11/1/1931, P.10. 140 Acedida nos ANTT, com a cota PT/TTSNI-DGE/1/807. 141 “Teatro do Ginásio: A estreia de uma peça e a estreia de um actor” in Diário de Lisboa, A 11, N 3221, 24/10/1931. P4-8 142 “Uma dupla estreia: Porque não hão de os autores representar as suas peças” in Diário de Lisboa, A 11, N 3219, 22/10/1931. P4-8. Uma fotografia da peça As Duas Chamas, mostra que uma das paredes do cenário tinha um quadro de uma elegante figura feminina pendurado. O estilo da pintura muito se aproxima dos trabalhos desse pintor expostos, por exemplo, em 1930 e 1932 no salão Opel, existe, por isso, uma elevada probabilidade de se tratar de outra pintura de António Soares vd. “Teatro” in Notícias Ilustrado, 2ª série, A4, N 177, 1/11/1931, P 14. 143 Político conservador (Democracia Cristã Espanhola), opositor da Falange de Franco, exilou-se após o final da Guerra Civil. 144 V. “Gil Robles pide dinero en Lisboa” in La Voz (Madrid), Aº 18, Nº 5009, 14/1/1937, P.1. 145 V. cartas de Manuel Oliveira para António Soares, 6 e 9/6/1937, espólio António Soares. 146 Um dos desenhos tinha a seguinte leganda “Toledo, pano decorativo do II quadro, terminado em Março de 1937; a Toledo, à grandiosa, imortal nação espanhola, ao seu heroísmo e sua fé palpitantes. A Greco, Velasquez, a Goya homenagem do autor, pintor António Soares “ (transcrito de uma reprodução fotográfica). 147 Encerrado para remodelação desde 1934. 148 De 91 artistas premiados com o Grand-Prix, entre os quais se contavam os franceses Pierre Bonnard, Raul Dufy, Maurice de Vlaminck, Maurice Denis e Edouard Vuillard, o espanhol Pablo Picasso vd Journal Officiel de la Republique Française, 22/7/1938. 149 “Os Comediantes de Lisboa” in- Diário de Lisboa, A.25, Nº 8205, 27/09/1945, p.2, Electra - a Mensageira dos Deuses, no Trindade” in Diário de Lisboa, A.25, Nº 8206, 28/09/1945, p.3, “A Mensageira dos Deuses”, O Século, A65, Nº 22814, 27/9/1945, P.4. 150 Ana Sofia Soares Caldeira Patrão, Francisco Ribeiro: Determinação e circunstância-Cenas de um percurso de teatro (1936-1960), dissertação de mestrado, Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2012, p. 82. 151 Ibidem, p. 83. 152 O filme que António Ferro e António Lopes Ribeiro escreveram e este último realizou. A colaboração de António Soares nos cenários deste filme é uma prova da sua proximidade ao círculo dos mais próximos colaboradores de Ferro. 153 O arquitecto, pintor e designer Frederico George (1915-1994) foi um dos colaboradores e “discípulos” de António Soares. Para além de o ter assistido na cenografia, Frederico George terá desenvolvido junto de Soares o gosto pelo design que virá a desenvolver ao longo da sua carreira. 154 António Soares teve frequente colaboração de pintores de telões teatrais de grande dimensão como Silvino Vieira e Manuel Oliveira, este último cenógrafo do Teatro Nacional. 155 No design, António Soares não parou de se procurar modernizar, tendo sido um dos principais responsáveis pela organização da exposição da Luz e da Electricidade Aplicada ao Lar (1930) e pelo stand da firma Electro-Reclamo, com a qual colaborava frequentemente. “Na Sociedade de Belas Artes: A Exposição da Luz e da Electricidade Aplicada ao Lar” in Diário de Lisboa, A.10, Nº2952, 22/11/1930, p3. António Soares criou, pelo menos informalmente, uma designação comercial para a sua actividade enquanto designer, o ARC studio, visto que a sua produção neste domínio era significativa e autónoma da de pintor, provavelmente pretenderia trabalhar em parceria com o irmão, Américo Soares. 156 Nota bibliográfica: AAVV., A Revista Modernista, Lisboa, Museu Nacional do Teatro/IPM/MC, 2000 AA.VV. Verde Gaio, uma companhia portuguesa de bailado (1940-1950), Lisboa: Instituto Português de Museus, 1999 José-Augusto FRANÇA, A Arte em Portugal no século XX, Lisboa: Bertrand, 1984 Luiz Francisco REBELLO, História do Teatro de Revista, 2. Vols, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1984-1985 Vitor Pavão dos SANTOS, A Revista à Portuguesa, Lisboa: Editorial O Jornal, 1978 138 139

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