Paulo Silveira e Sousa (2015), «Produzir na Periferia: a Vinha e o Vinho na ilha Graciosa, 1800-1950», in AAVV, VI Colóquio O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos XV a XX, Horta, Núcleo Cultural da Horta, pp. 149-174.

May 30, 2017 | Autor: P. Sousa | Categoria: Island Studies, Rural History, Vine and Wines History
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Produzir na periferia: a vinha e o vinho na ilha Graciosa, 1800-1950 por Paulo Silveira e Sousa *

«O vinho deve ser a veneração de todos e de tudo. É a muleta dos velhos, a bengala dos moços, o apisto dos enfermos, as  cócegas dos tristes, a gaita dos alegres, a esmola dos pobres. É o melaço dos marotos, o cachimbo dos pretos e o chocolate dos lacaios. É o mimo das damas, o beiço das freiras, a mecha das moças, o borralho dos velhos». Padre Fr. Francisco Rey de Abreu Mata Zeferino (Frei Lucas de Santa Catarina), Anatómico Jocoso que em diversas operações manifesta a ruindade do corpo humano, para emenda do Vicioso, Lisboa, 1753, Tomo III, p. 148.

Ao longo dos muitos séculos da História europeia o vinho manteve-se uma das mercadorias mais transacionadas, dando origem a um vasto património material e a extensas redes de comércio. Sendo parte importante da dieta alimentar mediterrânica, a vinha e o vinho foram transplantados para várias regiões do globo. As ilhas atlânticas, primeira escala da expansão europeia, tornaram-se também elas ilhas do vinho. Contudo, de entre os três arquipélagos da macaronésia, este conjunto de actividades tomou maior desenvolvimento na Madeira, deixando as Canárias num honroso segundo lugar e os Açores, num discreto terceiro. O facto de ser o arquipélago mais húmido e temperado nunca inviabilizou nem esta cultura, nem o seu consumo. O estudo da pequena vitivinicultura açoriana permite perceber questões mais gerais de organização da produção e de funcionamento das redes económicas, bem como de construção das práticas e das lógicas dos agentes no seu confronto com os constrangimentos naturais e com o carácter periférico do arquipélago. No final do Antigo Regime a produção e exportação de vinho nos Açores tomou uma particular importância na ilha do Pico e, de forma mais secundária, na Graciosa e em São Jorge1. Contudo e se pensarmos numa distribuição mais geral, *

Investigador assistente do CHAM-FCSH. Ver um resumo da produção e exportação vinícola açoriana durante o século xviii em Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores nas encruzilhadas de Setecentos 174-1770, Ponta Delgada, Universidade dos

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ao nível das diferentes ilhas do arquipélago, São Miguel produzia quantidades relativamente elevadas, apesar de quase sempre insuficientes para o consumo local, e São Jorge, expedia quantidades bem menores, mas que se revelavam de grande valor no conjunto das suas exportações2. Os vinhos do Pico alcançaram cedo maior notoriedade do que os congéneres das outras ilhas, em especial os de São Jorge e da Graciosa que eram, muitas vezes, utilizados para lotar a produção picarota, ou para serem transformados e exportados como aguardente, na verdade um produto de maior durabilidade e fácil colocação em mercados externos quer no Brasil, quer em Lisboa, quer nas Antilhas e na América Inglesa. Contudo, a exportação de vinhos finos do Pico para mercados externos e exigentes não foi capaz de definir de forma duradoura tipos próprios, claramente reconhecidos, ou de criar e manter as redes de comércio e de distribuição internacionais que fizeram a fama de um Madeira, de um Jerez ou, mais tarde, de um Marsala, ou mesmo de um Málaga. Mais do que pela fama, a notoriedade dos vinhos açorianos construiu-se através da sua autenticidade e pela sua ligação a um vasto conjunto de actividades, culturalmente muito diversificado e com um forte impacto nas paisagens insulares. Esta falta geral de notoriedade internacional, de mercados externos preferenciais e de uma ampla produção não quer dizer que a vinha e o vinho nos Açores tenham sido colocados num plano secundário. Na verdade, nunca deixaram de ser equacionados como uma boa oportunidade para investir e ganhar dinheiro e, em certos momentos, para abastecer e diversificar a produção e a exportação de algumas das principais ilhas do arquipélago. O estudo da pequena vitivinicultura açoriana permite-nos ver como esta formava um conjunto de actividades com um interesse económico expressivo em todo o Portugal e como, mesmo em espaços periféricos e em condições ecológicas nem sempre favoráveis, esta cultura nunca foi esquecida, tendo sido levados a cabo esforços semelhantes aos realizados no continente. Da mesma forma, os agricultores açorianos não estavam alheios ao investimento, à modernização e à procura do lucro, nem mesmo no caso da pequena exploração que leva, tradicionalmente, o fatal labéu de arcaizante e pouco inovadora. Contudo, no arquipélago, o campo de possibilidades era bem diferente do que se podia encontrar nas regiões do continente ou na Madeira, onde as redes do comércio e da distribuição, a qualidade do produto e as condições naturais acabaram por permitir um muito maior sucesso na reconversão dos seus sectores vitivinícolas. A reestruturação e reconversão levadas a cabo, paulatinamente, durante a segunda metade do século xix deram origem a um novo posicionamento da viti-

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Açores, vol. II, 1993, pp. 80-102. Ver também o importante estudo de Ricardo Manuel Madruga da Costa, «Uma perspectiva da vitivinicultura na ilha do Pico nas duas primeiras décadas do século xix», AA.VV., O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos xv a xx, Horta, Núcleo Cultural da Horta, pp. 109-133. 2 Já na década de 1720 Francisco Afonso de Chaves e Melo referia que a ilha de São Miguel produzia uma média de 5000 pipas anuais, ver Francisco Afonso de Chaves e Melo, A Margarita Animada. Margarida de Chaves, Lisboa, Na Oficina de António Pedroso Galrão, 1723, pp. 269-270.

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vinicultura na economia agrícola do arquipélago. Os sucessivos ataques do oídio (a partir de 1852) e, depois, da filoxera (na década de 1880), da antracnose e do míldio (no final da década de 1890) conduziram ao quase desaparecimento das castas europeias tradicionais e alteraram os vinhos e os gostos do consumidor. Simultaneamente, as rotas e os mercados de destino mudaram. A vitivinicultura açoriana sofreu uma profunda transformação que a colocou como uma actividade orientada, sobretudo, para o mercado interno, mau grado algumas tentativas de reconversão e de reinserção nos mercados exteriores. Durante os cerca de 150 anos que iremos analisar a vitivinicultura nunca se limitou ao Pico e, mais secundariamente, à Graciosa. A vinha ocupou diferentes pesos nas várias ilhas e estes tiveram trajectórias particulares e nem sempre lineares, associadas à reconversão de parcelas importantes da economia insular. Por um lado, o vinho alimentava quer uma exportação para mercados longínquos, quer um comércio regional pouco referido e ainda menos estudado; por outro lado, os processos de reconversão a que esteve sujeita, a partir da década de 1850, fizeram da vitivinicultura uma actividade, igualmente, importante na economia agrícola de outros territórios dos Açores, onde à partida o seu peso era bem menor, como a Terceira e São Miguel. Nas páginas seguintes discutiremos este conjunto de transformações, estudando em pormenor uma ilha que tem sido até aqui, relativamente, esquecida. Procuraremos colocar a produção vitivinícola da Graciosa no contexto do arquipélago e tentaremos perceber como esta, sendo barata, abundante, mas periférica, pôde, num primeiro momento, ser importante para ajudar a manter um sistema de trocas que ligava ambos os lados do Atlântico e, num segundo momento, para auxiliar o abastecimento do mercado regional, mantendo sempre condições de relativa prosperidade. Quando comparada com outras ilhas a Graciosa tinha, efectivamente, várias vantagens comparativas nesta produção. Era mais seca, próxima do modelo mediterrânico e tinha uma agricultura diversificada e rica. Contudo, contra as expectativas iniciais, a sua produção foi sempre considerada de qualidade inferior à de outras ilhas do grupo central, como o Pico e São Jorge. Tentaremos explicar este aparente paradoxo analisando as práticas dos produtores e as lógicas que as norteavam. Os condicionalismos à produção: mercados, portos, territórios e matérias-primas Do século xvi ao século xviii a cultura da vinha desenvolveu-se gradualmente nos vários espaços insulares. As diferenças de qualidade e as necessidades de consumo ditaram uma rede de rotas comerciais que fazia circular o vinho entre as várias ilhas dos Açores, e entre estas e o exterior. Nestas redes o porto da Horta era o prin-

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cipal centro de distribuição da produção do Pico e de São Jorge e o de Angra recebia o vinho da Graciosa e abastecia as rotas transoceânicas no refresco3. No século xvii a produção de vinho concentrava-se nas ilhas do grupo central, com destaque para o Pico. No século seguinte, em torno do triângulo Pico-Faial-São Jorge, o vinho sustentaria a inserção destas ilhas no comércio internacional com a América do Norte e o Brasil, servindo a Horta de principal porto de escoamento. Contudo, o vinho da Graciosa manteve um relativo afastamento quer dos mercados internacionais, quer do reconhecimento público, sendo descrito como de fraca qualidade e destinado a consumidores pouco exigentes. A classificação tradicional dos vinhos açorianos diz-nos que por ordem decrescente o melhor era produzido no Pico, seguindo-se o de São Jorge, em terceiro o da Graciosa, em quarto o do Faial, só depois entrando as ilhas maiores, como São Miguel e a Terceira, onde a sua produção só se desenvolveu, em maior escala e intensidade, a partir da década de 18804. A vitivinicultura adaptava-se de forma bastante eficiente a algumas áreas dos territórios insulares. Muita da agricultura das ilhas e da economia doméstica das explorações camponesas era construída acompanhando um modelo de apropriação vertical dos recursos que começava nas terras mais pobres do litoral e ia até ao baldio ou às pastagens mais frias da serra, onde apenas a urze e a queiró conseguiam vegetar. O labor humano de gerações e a construção de diversos e interdependentes andares ecológicos permitiu criar uma agricultura multifacetada, normalmente de pequena escala, dotada de um património botânico muito diversificado que associava plantas autóctones a plantas subtropicais, mediterrânicas ou a espécies oriundas das áreas temperadas. Nesta agricultura a vinha era uma produção de destaque. À custa de um enorme esforço em termos de construção da área de plantio e da sua manutenção ela permitia utilizar um andar ecológico aparentemente pouco propício a usos agrícolas, desenvolvendo uma produção com uma enorme capacidade de integração nas redes de troca. A vitivinicultura estava, portanto, dependente de uma vasta infraestrutura material e tecnológica que, nas zonas de biscoito e lagido, marcava de forma quase arquitectural o território e a paisagem com os seus muros, canadas, pequenas adegas e, no caso do Pico, maroiços. A agricultura açoriana confrontou-se sempre com o excesso de humidade e de chuva. O aparecimento de pragas nas culturas estava, por isso, especialmente favorecido. O oídio, a antracnose e o míldio na vinha, outros fungos nos cereais, insectos Veja-se Maria Olímpia da Rocha Gil, O Arquipélago dos Açores no século xvii, Aspectos Sócio-Económicos (1575-1675), Castelo Branco, Ed. do Autor, 1979; Susana Goulart Costa, O Pico: séculos xv-xviii, Ponta Delgada, Associação de Municípios do Pico, 1997, e S. G. Costa, «A economia picoense entre os séculos xv e xviii: o exemplo ambíguo de uma periferia», in AA.VV., O Faial e a Periferia Açoriana nos Séculos xv a xx, Horta, Núcleo Cultural da Horta, 1998, pp. 91-101. 4 Ernesto Rebelo, «Notas Açorianas», in Arquivo dos Açores, Ponta Delgada, 1885, vol. VII, pp. 66-67 e 69. 3

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e lagartas várias nas frutas tinham o seu crescimento potenciado pelo clima insular, que dificultava ainda a granação dos cereais e a maturação dos frutos, fazendo com que muitas culturas se recolhessem às terras mais secas da orla marítima, dotadas de uma boa exposição solar e temperaturas mais elevadas5. Nos Açores o relevo constitui um dos mais importantes factores de diferenciação climática, de diferenciação do coberto vegetal e do aproveitamento agrícola do espaço. A Graciosa apresenta, neste contexto, várias especificidades. Ela não só é uma das ilhas mais pequenas do arquipélago (a segunda mais pequena em tamanho logo após o Corvo), mas é também aquela que apresenta um relevo mais baixo, no qual as altitudes nunca sobem acima dos 400 metros. A Graciosa é, por isso, um dos territórios insulares mais secos, com paralelo apenas em Santa Maria. Ao contrário dos vários andares ecológicos que encontramos em São Jorge ou mesmo na Terceira, aqui o relevo e o clima propiciaram, desde cedo uma forte especialização na produção de cereais (sobretudo cevada) e, secundariamente, de vinho. Sem grandes declives e com áreas planas em abundância, as terras lavradias estendem-se por quase toda a ilha, de tal modo que, na segunda metade do século xix e à excepção de alguns cabeços e baldios, ou de terrenos mais expostos aos fortes ventos marítimos, ela estava quase toda agricultada6. Mesmo o povoamento formou-se com uma malha diferente, ocupando as planícies interiores, em vez de acompanhar a linha da costa como acontece um pouco por todos os outros territórios do arquipélago7. A orografia da Graciosa permitiu, assim, num contexto de clima temperado, se bem que mais seco que o das outras ilhas, uma agricultura sem rega de plantas tipicamente mediterrânicas, como o trigo, a cevada e o vinho8. Todas as ilhas contêm extensas áreas pedregosas resultantes de actividade vulcânica recente. Nos biscoitos mais secos e quentes da beira mar, impróprios para os cereais, apenas os pomares de laranja e alguns matos e lenhas tomaram, igualmente, algum peso, desde finais do século xviii até inícios da década de 1880, concorrendo por vezes com a vinha9. Na Graciosa, seguindo o modo regional, estas zonas foram também utilizadas na produção vitícola. Lugares como Vitória, Bom João Viegas Paula Nogueira, «L’Agriculture aux Açores et à Madère», in Bernardo Cincinato da Costa e D. Luís de Castro (orgs.), Le Portugal du Point de Vue Agricole, Lisboa, Imprensa Nacional, 1900, pp. 801-824, e «O arquipélago dos Açores», in António Teixeira Júdice (org.), Notas sobre Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional, 1908, p. 408. 6 António Borges do Canto Moniz, Ilha Graciosa (Açores): descrição histórica e topográfica, Angra, Imprensa da Junta Geral, 1883, pp. 201-202. 7 António de Brum Ferreira, A Ilha Graciosa, Lisboa, Livros Horizonte, 1967, p. 15. 8 António de Brum Ferreira, A Ilha Graciosa, p. 157. 9 Ver uma definição destes diferentes tipos de solo em Manuel Ribeiro da Silva, «A Ilha do Pico sob o ponto de vista vitivinícola», in Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, n.º 14, 1950, pp. 45-46. Ver também o clássico estudo de José Agostinho, «Nomenclatura geográfico das ilhas dos Açores (subsídio)», revista A Terra, Coimbra, 1938, republicado no Arquivo Açoriano, vol. XVI, 1971, pp. 5-18. 5

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Jesus e Beira Mar possuíam áreas com importantes afloramentos rochosos e foram, desde cedo, cultivadas com vinha. No entanto, estes biscoitos tinham entre eles terra com abundância e uma certa profundidade, ao contrário, por exemplo, de muitas zonas do Pico. No século xix concentrava-se aqui a maioria dos vinhedos da Graciosa. Numa malha mais diversificada que noutras ilhas estas terras serviam ainda para cultivar árvores de fruto, alguns pés de milho e batata, e para produzir matos e lenhas junto a extremas, formando pequenos núcleos dispersos de arbustos e árvores de porte reduzido. A produção e o comércio do vinho eram actividades antigas e mantiveram um papel muito importante em todo o ciclo produtivo agrícola. Em finais do século xviii registou-se um aumento da área cultivada que deixou de ocupar apenas os biscoitos, para passar a abranger terras lavradias de menor produtividade, dando origem a uma exportação relativamente importante, à escala local, de aguardente para o mercado brasileiro10. Para além do comércio internacional, a Graciosa também abastecia outros territórios do arquipélago. Por exemplo, entre 1821 e 1825 forneceu 52% do total das importações de aguardente entradas no porto de Ponta Delgada11. A Graciosa era, contudo, uma pequena ilha, não tendo centros urbanos de razoável dimensão, baías amplas e bem abrigadas, bons portos, população e mercados com algum tamanho, redes e comunidades mercantis densas e inovadoras. Perante estes constrangimentos era difícil produzir em grande escala, exportar em grandes quantidades, ganhar quotas em mercados internacionais e integrar-se duradouramente em redes comerciais mais vastas. A maior parte da sua exportação permaneceu articulada com a exportação de vinho do Pico a partir do porto da Horta, ou então ligada ao abastecimento dos vários segmentos territoriais que formavam um mercado regional fragmentado e disperso que, sendo importante, não tem merecido a devida atenção por parte dos historiadores. A ocupação parcial por vinhedos de terras lavradias, fazia com que a produtividade fosse apontada por vários comentadores como sendo mais elevada, embora de menor qualidade. Félix José da Costa, em 1845, corroborava esta afirmação e escrevia que «as vinhas, por cálculo médio», poderiam «produzir um tonel de vinho em quatro alqueires»12. Algumas vozes discordavam, no entanto, desta representação da Graciosa como um dos territórios do arquipélago mais propícios à vitivi Cf. Francisco Teixeira de Sampaio, «Memória sobre as plantações e criações oferecida ao governador interino (relatório agrícola), 1798», in Arquivo dos Açores, Ponta Delgada, vol. XIII, pp. 518-528; Avelino de Freitas de Meneses, Os Açores nas encruzilhadas de Setecentos 174-1770, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, vol. II, 1993, pp. 80-102. 11 Fátima Sequeira Dias, «O porto de Ponta Delgada e o comércio micaelense entre 1821 e 1825», Arquipélago – História, vol. VIII, 1986, pp. 29-30. Segundo este estudo as ilhas São Jorge e Terceira forneceram apenas 5,7% da aguardente importada em São Miguel. 12 Félix José da Costa, Memória Estatística e Histórica da Ilha Graciosa. Angra do Heroísmo, Imprensa de Joaquim José Soares, 1845, p. 109. 10

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nicultura. Em 1883, António Borges do Canto Moniz referia que só se usavam no cultivo da vinha os terrenos mais fracos, havendo assim maior despesa e trabalho que noutras ilhas, sendo obrigatória a cava e o uso de estrumes vegetais. Da mesma forma, e segundo o autor, na Graciosa, quer as fortes estiagem quer o salitre e os ventos marítimos tornavam a vitivinicultura mais difícil que nas restantes ilhas13. Parece-nos contudo que o autor está a atribuir a apenas uma das ilhas características que são comuns a todas elas. É certo que a cava pode ser menos intensiva em terrenos de biscoito, mas estes formam uma estrutura de muros e covas que também necessita de cuidados constantes e de uma utilização intensiva de mão de obra. Se bem que a Graciosa tenha estios mais prolongados e secos, outras ilhas também sofrem o mesmo problema, sendo igualmente comum a todas elas a ocorrência de fortes ventos marítimos. Durante a primeira metade do século xix as vinhas desta ilha eram ainda «geralmente de verdelho, qualidade mais saborosa e de melhor proveito. Aparecem alguns pés de alicante, de mourisca, saborim, moscatel, ferral e dedo de dama, mas em pequena quantidade. Nas vinhas do lado de Santa Cruz, há em abundância a uva boal, e de magnífica qualidade. A vinha da jurisdição de Santa Cruz é toda criada no chão, e quando os frutos principiam a amadurecer, é que são sustentados em estacas de cana. A da jurisdição da Praia é criada nos arvoredos, sobre os quais é prendida, e isto sucede tanto no interior como na beira-mar». A produção média de vinho, em anos de colheita normal, montava, segundo Félix José da Costa, a um intervalo de 2.000 a 3.000 pipas anuais. No entanto, segundo o mesmo autor «tem havido anos em que as vinhas chegaram a produzir cinco a seis mil pipas de vinhos como sucedeu no Verão de 1836»14. Félix José da Costa afirmava que as melhores vinhas se localizavam nos lugares do Bom Jesus, Calhau Miúdo, Barro Vermelho e Pico Negro, áreas que também produziam os melhores vinhos. Tal facto era explicado por estes terrenos não serem de «terra lavradia», onde normalmente as vinhas atingiam boa produtividade, mas davam origem a vinhos de qualidade inferior15. As estimativas da produção para a primeira metade do século xix são escassas e apresentavam alguma variação. Em 1835, sempre demasiado generoso nas contas e crítico das capacidades dos portugueses, o capitão John Boid atribuía à Graciosa uma exportação de 1.500 pipas de vinho e aguardente16. Anos antes, o deputado vintista Francisco Afonso da Costa Chaves e Melo referia, com algum exagero que António Borges do Canto Moniz, Ilha Graciosa (Açores)..., pp. 100-101. «A sua cultura é uma das maiores da ilha e o ramo mais interessante da sua agricultura que tem merecido sempre os mais sérios cuidados dos lavradores. (…) a produção é muito variável e precária, no entanto as vinhas da Graciosa produzem mais que as das outras ilhas porque foram quase todas plantadas em terras que noutro tempo eram lavradias», Félix José da Costa, Memória Estatística e Histórica da Ilha Graciosa, pp. 40 e 109-110. 15 Félix José da Costa, Memória Estatística e Histórica da Ilha Graciosa, p. 112. 16 John Boid, A Description of the Azores or Western Islands, London, Bull & Churton, 1835, p. 253. 13 14

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a «Graciosa produz acima de 4000 pipas de vinho de que a maior parte é reduzido a aguardente»17. Apesar deste cenário relativamente auspicioso, os vinhos da Graciosa não eram muito considerados nesta época. em 1801 o viajante sueco Gustave Hebbe referia que na Graciosa se produzia um vinho de qualidade medíocre, sendo necessário 5 a 6 pipas para produzir uma pipa de aguardente. Esta opinião seria reiterada anos mais tarde, em 1821, pelo geólogo norte-americano John White Webster que indicou que o vinho da Graciosa era inferior ao do Pico e em boa parte transformado em aguardente, obtendo-se de 5 ou 6 pipas de vinho, uma de aguardente18. Os vinhos da ilha apenas achavam mercado no arquipélago, sobretudo nas ilhas Terceira e São Miguel, e por preços baixos. Por esse motivo boa parte deles era assim convertida em aguardente e angelica, produtos de maior valor comercial e mais fáceis de conservar. No caso da aguardente esta servia para lotar os vinhos do Pico e mais secundariamente os vinhos dos Casteletes e da Urzelina, em São Jorge. Como causas para esta má qualidade do vinho eram apontados os poucos cuidados e método na colheita e conservação, sendo as uvas muitas vezes colhidas antes de totalmente amadurecidas, críticas que encontraremos até bem mais tarde19. O vinho da Graciosa também não se decompunha em tipos relativamente claros como o vinho do Pico, que no século xviii se dividia já em vinho comum e vinho passado, um produto licoroso, forte, sujeito a um período de envelhecimento, com adição de aguardente, que alguns autores como o padre António Cordeiro associavam ao malvasia da Madeira20. A partir do século xviii, numa cronologia ainda por investigar, o vinho do Pico foi igualmente sujeito ao envelhecimento em «estufas», através de aquecimento artificial, e à adição de aguardente, com vista a reforçá-lo. Estes métodos eram já utilizados na produção de vários tipos de vinho Madeira. As «estufas» consistiam em edifícios baixos de pedra, divididos em compartimentos aquecidos, normalmente por um sistema de canos onde circulava ar a uma temperatura em torno, ou superior, a 30º centígrados proveniente de uma, ou várias, fornalhas. No caso do vinho Madeira, a temperatura não era uniforme, dependendo do tipo e da qualidade pretendida21. Francisco Afonso da Costa Chaves e Melo, Memória Histórica sobre as Ilhas dos Açores como Parte Componente da Monarquia Portuguesa, com Ideias Politicas Relativas à Reforma do Governo Português e sua nova Constituição, Lisboa, Of. António Rodrigues Galhardo, 1821, p. 33. 18 Ver G. Hebbe (1802), Description des Îles Açores, p. 316; John White Webster, «A ilha de São Miguel em 1821», in Arquivo dos Açores, Ponta Delgada, vol. XIV, p. 546. Outros autores também corroboram esta falta de qualidade do vinho da Graciosa, ver Francisco Ferreira Drumond, Apontamentos topográficos, políticos, civis e eclesiásticos para a história das nove ilhas dos Açores servindo de suplemento aos Anais da Ilha Terceira. Estudo introdutório, leitura, fixação do texto e índices de José Guilherme Reis Leite, Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1990, p. 319. 19 Félix José da Costa, Memória Estatística e histórica da Ilha Graciosa, pp. 111-112. 20 Padre António Cordeiro, História Insulana das Ilhas a Portugal sujeitas no Oceano Ocidental, Angra, Secretaria Regional de Educação e Cultura, 1981, p. 474. 21 Maria de Lurdes de Freitas Ferraz, Dinamismo Sócio-Económico do Funchal na Segunda Metade do Século xviii, Lisboa, IICT, 1994, pp. 25-26. 17

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Segundo Arthur Morelet que visitou os Açores em 1857, antes do oídio, a produção distribuía-se da seguinte forma: São Miguel, 20.000 pipas; Pico, 25.000 pipas, sendo apenas 1.000 para exportação para o estrangeiro; São Jorge e Graciosa, 4.000 pipas exportadas para o resto do arquipélago; Terceira, 600 pipas; Santa Maria, 400 pipas22. Morelet acrescentava que a exportação média antes do oídio era de cerca de 1.000 pipas, a um preço médio de 50 francos por pipa, dando assim um total de 50.000 francos. Segundo o autor este ramo dos negócios insulares tinha sido muita exagerado por outros viajantes estrangeiros23. Uma outra hipótese é esta exportação estar já em decadência desde, pelo menos, a década de 1830. Olhando para o contexto nacional podemos constatar que no final da década de 1840 o grosso das exportações portuguesas estava em franca quebra face à crescente concorrência e aumento da produção dos vinhos espanhóis, franceses e sicilianos, tendência que era seguida nas ilhas atlânticas, com quebras nas exportações do Madeira24. Segundo as contas de Joseph James Forrester a quantidade de vinho Madeira consumido na Grã-Bretanha correspondia, em 1823, a 6,68% do total. Em 1851 havia caído para apenas 1,14%. Durante o mesmo período o vinho das Canárias havia passado de uma quota de 2,54% para apenas 0,25%25. Infelizmente, não existem séries estatísticas e mesmo as informações anuais sobre as exportações de vinho a partir do Porto da Horta são quase desconhecidas no período entre 1820 e 185026. Perante a escassez de dados do lado português talvez fosse importante começar a perceber quantas pipas de vinho açoriano entravam em mercados como os EUA e a Grã-Bretanha durante as referidas décadas, procurando a informação junto do movimento das alfândegas britânicas e norte-americanas. Mesmo que os Arthur Morelet, Notice sur L’Histoire Naturelle des Açores, Paris, J. B. Baillière et Fils, 1860, p. 113. Pierre Marie Arthur Morelet (1809-1892), naturalista francês escreveu vários trabalhos científicos sobre a flora e a fauna dos Açores. Visitou as ilhas de Abril a Setembro de 1858. 23 O botânico Henri Drouet também confirma que nos anos anteriores à chegada do oídio apenas era exportada para fora das ilhas uma pequena parte do vinho produzido. Ver Henri Drouet, Éléments de la Faune Açoréenne, Paris, J. B. Bailière & Fils, 1861, pp. 61-62. 24 Entre outros veja-se Benedita Câmara, A Economia da Madeira no Século xix, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2002, pp. 89-145 e Conceição Andrade Martins, Memória do Vinho do Porto, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 1990. Em 1848-1850 seria mesmo desencadeada por Rodrigo da Fonseca Magalhães e pelo duque de Palmela uma ofensiva diplomática, com vista a aumentar as exportações nos mercados tradicionais e conquistar outros novos. Estas iniciativas visavam sobretudo o vinho do Porto, mas acabavam por ter efeitos globalmente positivos em todo o sector, cf. Conceição Andrade Martins, op. cit., pp. 335-336. 25 Joseph James Forrester, The Oliveira Prize – Essay on Portugal, Londres, John Weale Huges, Printer, 1853, pp. 58-61. 26 Sabemos apenas que Manuel José de Arriaga Brum da Silveira refere na sua memória uma exportação pelo porto da Horta de 3.562 pipas em 1818, 2.494 em 1819, e 4.774 pipas em 1820, ver M. J. A. Brum da Silveira, Memória Geográfica, Estatística, Política e Histórica sobre as Ilhas do Faial e do Pico oferecida na sessão de 2 de Novembro com os documentos a que ela se refere ao Augusto e Soberano Congresso das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Alcobia, 1821. 22

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valores possam estar subavaliados ficaríamos a perceber um pouco as flutuações que tomou esta exportação. Segundo o citado Arthur Morelet, por volta de 1857, no Pico, a vindima era feita até ao fim de Agosto e, em São Miguel, até à primeira quinzena de Setembro. Contudo, na segunda destas ilhas, mesmo em pleno mês de Setembro o amadurecimento das uvas podia não estar completo, sendo a vindima efectuada perante a iminência das primeiras chuvas27. No caso do vinho do Pico para exportação, 15 dias depois da vindima, este era embarcado para ser armazenado e transformado no Faial. Como não existiam cais os barris eram lançados ao mar e flutuavam até aos barcos de transporte. No início do ano seguinte o vinho era mudado para outras pipas, sendo estas enxofradas. Durante a operação os vinhos eram aguardentados e recebiam ainda uma adição de sangue de boi. Morelet acrescenta que sem esta adição e mistura seria muito difícil a sua boa conservação. As pipas eram depois colocadas numa «estufa», um armazém cuidadosamente fechado, onde permaneciam a um temperatura de 21º a 26º graus centígrados durante seis semanas ou dois meses, de acordo com o tipo que se pretendesse imprimir ao vinho. Este devia depois repousar algum tempo, sendo-lhe adicionada nova dose de álcool e, algumas vezes, de açúcar queimado para dar cor. Após esta última preparação o vinho ficava pronto para exportação, embora a qualidade nem sempre fosse regular28. As doenças e as pragas: uma nova posição para os vinhos da Graciosa Sensivelmente a partir de 1852-1853 o oídio levou a cabo uma verdadeira destruição nas vinhas do arquipélago, atacando preferencialmente as latadas e as vinhas altas29. Nas três décadas seguintes a sucessão de doenças e pragas e as alterações nas áreas produtoras levou a que a produção da Graciosa deixasse de servir para lotar os vinhos do Pico, ou para ser transformada em aguardente. Sendo uma ilha mais baixa e seca quer o oídio, quer o filoxera, não se tornaram tão virulentos. O vinho da Graciosa passou então a abastecer o mercado regional, ao mesmo tempo que várias ilhas, como São Miguel e a Terceira, atravessavam um processo de replantação com castas americanas. O oidium tuckeri manifestou-se pela primeira vez, no arquipélago dos Açores, na ilha de São Miguel. Pouco depois o fungo chegaria às restantes ilhas, sendo a Arthur Morelet, Notice sur L’Histoire Naturelle des Açores, p. 111. Arthur Morelet, Notice sur L’Histoire Naturelle des Açores, p. 112. 29 João Nogueira de Freitas, Relatório da Décima Segunda Região Agronómica, Onde Foi Exercido o Tirocínio de João Nogueira de Freitas. Dissertação apresentada ao Conselho Escolar do Instituto Geral de Agronomia, Lisboa (manuscrito), 1890, pp. 74-75.

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28

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Produzir na periferia: a vinha e o vinho na ilha Graciosa, 1800-1950

sua expansão ajudada pela temperatura suave e humidade constante que se observam em todo o arquipélago. As colheitas em 1851 e 1852 foram ainda abundantes. Contudo, a progressão do parasita foi tão rápida que posteriormente a 1852 quase deixou de haver uvas nesta ilha. Em 1854 e 1855 as quebras na produção eram já enormes em muitas freguesias de São Miguel. A chegada de tão terrível doença não havia apenas reduzido os lucros de lavradores e proprietários. Com a perda quase total do vinho as câmaras municipais micaelenses tinham visto baixar consideravelmente os seus rendimentos, pois era sobre este produto que incidiam as contribuições locais mais importantes30. No Pico a destruição causada a partir de 1852 foi tal, segundo Ferdinand Fouqué que visitou a ilha em 1867, que a maior parte das vinhas foram arrancadas. Em 1867 quase não havia uvas, a doçura e a humidade do clima tinham tornado ineficazes os vários remédios experimentados, tornando a praga irremediável, embora começassem a surgir tentativas de replantação com cepas de outras origens31. Porém, os Açores não foram apenas atacados pelo oídio. Na década de 1880, seria a vez da entrada do filoxera e, na viragem do século, temos notícias da luta contra o míldio e a antracnose, doenças e pragas que já afectavam outras áreas de Portugal. Embora as fontes consultadas pouco nos tenham ajudado a conhecer melhor a introdução, a expansão e o elevado peso das destruições causadas pelo míldio nos Açores, sabemos que esta criptogâmica teve efeitos muito negativos no arquipélago, sendo mais um elemento na cadeia de pragas que atingiram a vitivinicultura insular32. Estas sucessivas doenças e pragas conduziram a uma vasta recomposição das castas cultivadas no arquipélago, realizada através de um enorme esforço de replantação, levando ao quase desaparecimento das plantas europeias menos resistentes que foram sendo substituídas por castas americanas de inferior qualidade33. A enorme quebra na produção, a diminuição da qualidade e as alterações de gosto nos mercados internacionais tiveram um enorme impacto na vitivini Félix Borges de Medeiros, Relatório da Administração do Distrito de Ponta Delgada em 1859, feito e dirigido ao Governo de Sua Majestade pelo Governador Civil, Ponta Delgada, Tip. A. das Letras Açorianas, 1859, pp. 7 e 14. 31 Ferdinand Fouqué, «Voyages geologiques aux Açores. II – Graciosa, Pico et Fayal», in Revue des Deux Mondes, vol. 204, 1873, p. 629. 32 Pedro de Castro Pinto Bravo, depois da sua visita ao Pico e ao Faial em 1926, referia o grande impacto desta doença criptogâmica. Bastava «uma noite de nevoeiro, uma ligeira chuva que durante horas humedeça as partes verdes da videira para que os seus esporos germinem, penetrem nessas partes, se insinuem pelo interior da planta e poucos dias depois se manifeste pela destruição total ou parcial dos órgãos atacados», facto que, segundo ele, era muitas vezes erradamente atribuído à queima pelos ventos marítimos, cf. Pedro Pinto Bravo, Viticultura: Fabrico de Vinhos nos Açores. Indicações aos Viticultores das Ilhas, especialmente aos do Faial e Pico, Angra, Tip. Angrense, 1934, p. 16. 33 Segundo António Borges do Canto Moniz, a introdução da vinha Isabela nas ilhas Terceira e Graciosa deveu muito ao espírito empreendedor do horticultor belga, residente em Angra, Francisco José Gabriel. Ver A. B. do Canto Moniz, Ilha Graciosa (Açores), p. 92. 30

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Paulo Silveira e Sousa

cultura insular e fizeram, pois, a sua produção orientar-se para o abastecimento do mercado interno. Em 1869, José Acúrcio Garcia Ramos, escrevia que a produção vinícola da Graciosa tinha permanecido importante apesar do oídio que, desde 1853 e principalmente 1854, atacou os vinhedos do arquipélago tornando-os improdutivos. Esta ilha manteve um termo médio entre as 1.000 a 1.200 pipas, nunca descendo, contudo, abaixo das 50034. Contudo, o oídio não deixou de ter efeitos negativos, embora estes não tivessem sido tão devastadores como em São Jorge. Na Graciosa, de acordo com António Borges do Canto Moniz, o fungo tinha contribuído para redesenhar o mapa administrativo da ilha: ao acometer as vinhas do lado do concelho da Praia, acentuou a crise desta povoação, cujo município, tendo já fracos rendimentos, foi formalmente extinto em 1855, embora esta decisão só tenha sido executada em 186735. Apesar da diminuição das colheitas provocadas pelo oídio desde 1853, a sua produção foi-se mantendo mais estável que nas outras ilhas. E se certas áreas de biscoito foram abandonadas, outras zonas de antigas terras lavradias foram ocupadas com vinha americana, tendo também passado a enxertar-se o verdelho em cavalos destas últimas castas. No relato da sua visita de estudo de 1857, o citado naturalista francês, Arthur Morelet, referia que as vinhas eram cultivadas quer com o recurso ao uso de estacas como forma de as levantar do solo, quer através da utilização de arbustos sobre os quais as cepas se ia desenvolvendo e subindo em altura. Segundo este cientista, este tipo de cultivo era mais propício à abundância de uvas que à sua qualidade, sendo muitas vezes utilizados bardos de faya mirica como protecção contra os ventos marítimos36. Por um lado, na Graciosa, o verdelho resistiu melhor ao ataque do fungo, por outro, como sucedeu noutras ilhas do arquipélago o processo de replantação e de enxertias em cavalos de vinha americana foi lento. É provável que, à semelhança de áreas do continente, as pragas na vitivinicultura possam ter tido um papel positivo na modernização e na expansão desta cultura, passados os primeiros anos de forte quebra. Ao contrário de outras ilhas mais húmidas, como é o caso da vizinha São Jorge, na Graciosa o vinho continuou a ser uma das principais fontes de riqueza. José Acúrcio Garcia Ramos, Notícia do Arquipélago dos Açores e do que de mais Importante Existe na sua História Natural, pp. 57 e 101-102. 35 António Borges do Canto Moniz, Ilha Graciosa (Açores), pp. 199 e 202-204. A reforma territorial de 1855 também extinguiu o concelho do Topo, na vizinha ilha de São Jorge. A extinção efectiva só foi executada mais tarde, neste caso em 1870. Ver Paulo Silveira e Sousa, «A reforma da divisão territorial e o processo de extinção do concelho do Topo (1842-1870)», in AA.VV., V Colóquio O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos xv a xx, Horta, Núcleo Cultural da Horta, 2010, pp. 369-392. 36 Arthur Morelet, Notice sur L’Histoire Naturelle des Açores, Paris, J. B. Baillière et Fils, 1860, pp. 110-111. Pierre Marie Arthur Morelet (1809-1892), naturalista francês escreveu vários trabalhos científicos sobre a flora e a fauna dos Açores. Visitou as ilhas de Abril a Setembro de 1858. 34

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Produzir na periferia: a vinha e o vinho na ilha Graciosa, 1800-1950

No terceiro quartel do século xix a zona vitícola da Graciosa concentrava‑se nas imediações de Santa Cruz, nos sítios do Barro Vermelho e do Pico Negro. No lugar da Vitória a área cultivada com vinhedos ocupava também uma superfície ampla, podendo ser considerada a cultura mais importante desta zona da ilha, e a principal fonte da prosperidade dos seus habitantes. De facto, segundo a já citada monografia de António Borges do Canto Moniz, publicada em 1883, esta tinha sido, até há cerca de 60 anos atrás, uma das povoações mais pobres da ilha, sendo agora considerada como uma das prósperas. Esta mudança era toda ela atribuída ao cuidado que os seus habitantes tinham posto no desenvolvimento da produção vinícola, muito auxiliado pelo uso de sargaços na adubação dos solos37. Um relatório de 1879 considerava a Graciosa como a ilha mais próspera em termos agrícolas, entre as três que formavam o distrito de Angra do Heroísmo. Não o era tanto pelo aperfeiçoamento da alfaia agrícola utilizada ou dos métodos culturais seguidos, mas antes pelo facto de a sua superfície agrícola útil corresponder quase por inteiro à sua área total. Os terrenos da Graciosa estavam quase todos entregues às culturas da cevada, do trigo, das leguminosas, das batatas e de algum milho, restando ainda uma enorme área aplicada à produção de vinho. No entanto, a colheita de 1878 fora bastante fraca não apenas em consequência de um feroz ataque das moléstias, como ainda pelos intensos ventos que destruíram grande parte dos cachos quando estes se começavam a desenvolver. Segundo o relatório, a Graciosa necessitava de

Quadro 1 – Produção de Vinho no Arquipélago dos Açores em 1873 (hectolitros) Ilhas

Produção (hectolitros)

Terceira

182

Graciosa

9.600

São Jorge

944

Faial

160

Pico

1.315

Flores



Corvo



São Miguel

667

Santa Maria

65

Total arquipélago

12.933

Fonte: Gerardo Pery (1875), Geografia e Estatística de Portugal e Colónias, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 301-303.

161 Idem, pp. 174-175.

37

Paulo Silveira e Sousa

um maior investimento na área vitivinícola. Para tal seria era apontada a receita usual: reforçar o tratamento das vinhas, introduzir castas menos sujeitas aos ataques do oídio em substituição das existentes ou por enxertia a cavalo, e aperfeiçoar os processos de vinificação38. A maior parte deste programa foi, na verdade, aplicada ao longo de décadas, ficando apenas de fora o aperfeiçoamento dos processos de vinificação. Mais à frente perceberemos como estes podiam colidir com hábitos e práticas que estavam longe de ser irracionais, ou de ser fruto de um simples gosto excessivo pela rotina. Em 1875, Gerardo Pery apresentava uma estatística da produção do continente e ilhas para 187339. Nesse ano, a Graciosa, Pico e São Jorge continuavam a ser as maiores produtoras de vinho no conjunto das nove ilhas do arquipélago, ultrapassando claramente a Terceira e São Miguel: uma situação que se iria alterar nas décadas seguintes com o contínuo processo de replantação com castas americanas. Permanece, pois, uma questão: se a terra e o clima permitiam boas colheitas e  a venda de vinhos era origem de capitais abundantes porque é que os proprietários da Graciosa não tentaram melhorar a qualidade e os métodos de produção, aproximando o seu vinho do mais afamado vinho licoroso do Pico? Novamente, parte da resposta está quer nas condições ecológicas em que se processava a produção, quer nas relações que se estabeleciam com os mercados e com os seus ciclos de procura. No relato da sua viagem de estudo, realizada em 1867, o geólogo francês Ferdinand Fouqué refere que nenhuma das ilhas dos Açores foi tão sistematicamente desflorestada como a Graciosa. Cada pomar, cada bocado de terra estava rodeado de muros de rocha no meio dos quais despontava o verde de alguns trechos de vegetação primitiva, assemelhando-se a pequenos fragmentos de um jardim inglês40. Segundo António Borges do Canto Moniz, por volta de 1810, começou a povoar-se alguns picos com faia das ilhas. Contudo, tratavam-se de pequenas áreas, relativamente dispersas, que não forneciam sequer lenha suficiente para o aprovisionamento da ilha41. Para mais na Graciosa já existiam algumas indústrias artesanais, razoavelmente dinâmicas, como os fornos de cal e de telha, que consumiam grandes quantidades de lenhas e que abasteciam as ilhas vizinhas. A arborização florestal da Relatório Apresentado pela Comissão Executiva da Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 19 de Julho de 1879, pp. 48 e 51. 39 Gerardo Pery, Geografia e Estatística de Portugal e Colónias, Lisboa, Imp. Nacional, 1875, pp. 301-303. No quadro original existe uma gralha, aqui corrigida, que faz multiplicar por 10 a produção da ilha de São Jorge. 40 Ferdinand Fouqué, «Voyages geologiques aux Açores. II – Graciosa, Pico et Fayal», Revue des Deux Mondes, vol. 204, 1873, p. 618. Ferreira Drumond também refere que «sempre nela desde o seu princípio se experimentou falta de lenhas para o consumo dos povos, e madeiras para a construção dos edifícios», ver Francisco Ferreira Drumond, Apontamentos topográficos..., p. 317. 41 António Borges do Canto Moniz, Ilha Graciosa (Açores)..., pp. 81 e 102.

38

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Produzir na periferia: a vinha e o vinho na ilha Graciosa, 1800-1950

Graciosa foi lenta. Em 1950 era ainda bastante rudimentar, mantendo-se igualmente elevadas as necessidades das indústrias artesanais42. Como nos recordou Nelson Veríssimo no decorrer deste colóquio, mesmo com capitais abundantes a escassez de lenhas tornava muito difícil e onerosa a construção e manutenção de «estufas» para produzir um vinho licoroso e fino semelhante ao Pico e ao Madeira. Sem um bom porto marítimo que garantisse escoamento fácil e sem uma matéria-prima básica, como a madeira e as lenhas, era muito difícil, na segunda metade do século xviii e inícios do século xix, construir as «estufas» que na Horta foram produzindo o chamado vinho do Pico, articulando a sua exportação com as redes do comércio internacional do vinho Madeira, em especial com as colónias britânicas das Antilhas e da América do Norte43. Para além deste primeiro óbice, o vinho é um produto muito sujeito a flutuações no gosto dos consumidores. Os vinhos licorosos destinavam-se a mercados internacionais exigentes, mas que começaram a privilegiar outros tipos de produto; ou seja, o gosto do consumidor estava a mudar, pelo menos, desde as décadas de 1820/1830 e as exportações de Madeira (e provavelmente de vinho do Pico) estavam a decrescer44. Desde finais do século xviii e até ao primeiro quartel do século xix a preferência dos consumidores britânicos ia para os vinhos espessos, doces e mais alcoolizados que se bebiam normalmente durante e após as refeições. Vinhos como o Porto, o Madeira, o Málaga e o Jerez eram os mais apreciados. Contudo, o gosto iria orientar-se progressivamente para vinhos menos alcoólicos, mais leves e secos, utilizados como aperitivo ou como acompanhamento da refeição, como vários vinhos franceses45. Fabricar um vinho comum, barato e de qualidade duvidosa, destinado às tabernas da Terceira e da cidade de Angra, traduzia uma adaptação a constrangimentos muito fortes que dificilmente poderiam ser superados com os recursos económicos e com as redes políticas e de enquadramento administrativo e técnico disponíveis localmente. O que poderia parecer, à primeira vista, um comportamento rotineiro Em 1950 a faia era ainda a essência mais frequente, mas começava a ceder a primazia ao incenseiro que proporcionava agora a maioria do combustível doméstico. A superfície arborizada estendia-se de Nevoeiro até à Feteira e Serra Dormida, numa área relativamente bem demarcada, ver Manuel Leonardo Bettencourt, «Ilha Graciosa: subsídios para o estudo da sua economia agrária (II)», in Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, n.º 29-30, 1959, p. 57. 43 Ver David Hancock, Oceans of Wine: Madeira and the Emergence of American Trade and Taste, New Haven, Yale University Press 2009. 44 Para as quebras associadas às mudanças nos gostos dos consumidores britânicos, relativas ao vinho do Porto durante as primeiras décadas do século xix, cf. Conceição Andrade Martins, Memória do Vinho do Porto, p. 91. Sobre o processo de construção e afirmação dos vários tipos de vinho do Porto, entre o século xviii e o início do século xx, veja-se Gaspar Martins Pereira, O Douro e o Vinho do Porto: de Pombal a João Franco, Porto, Afrontamento, 1991, pp. 94-117. 45 James Simpson, «La produccion de vinos en Jerez de la Frontera 1850-1900», in P. Martín Aceña, Leandro Prados de la Escosura, La Nueva Historia Económica de España, Madrid, Tecnos, 1985, p. 170. 42

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por parte dos agentes económicos era afinal fruto de condicionalismos que os ultrapassavam. Em 1883, António Borges do Canto Moniz confirmava que o vinho era ainda o principal comércio da ilha e a sua principal exportação. Mesmo assim a produção havia diminuído desde os primeiros ataques do oídio em 1853. Os mercados de destino, também, não registaram grande alteração. Continuava-se a exportar o vinho quase exclusivamente para o mercado de Angra, onde ele enfrentava agora dificuldades acrescidas, dado quer os elevados impostos com que era sobrecarregado pelo município da cidade, quer as falsificações dos comerciantes e retalhistas46. Para este autor, outro perigo começava a surgir com o desenvolvimento em maior escala, na Terceira, da produção de «vinho de cheiro», concorrência para a qual os viticultores da Graciosa se deviam preparar, melhorando a produção local47. Dada a qualidade e prevalência da produção de verdelho, António Borges do Canto Moniz, propunha que se criasse uma sociedade com o objectivo de estabelecer uma «estufa» «em que se prepare devidamente parte dos vinhos desta terra, para depois serem remetidos a mercados estrangeiros, onde certamente serão bem reputados». Segundo este autor, estes vinhos da Graciosa poderiam rivalizar com alguns vinhos generosos, nomeadamente o Madeira seco48. No entanto, estas propostas chegavam muito atrasadas, perante mercados externos mais exigentes e que se tinham distanciado do consumo quotidiano e em grande quantidade de vinhos finos licorosos. Em 1907 e 1908 o jornal O Graciosense dá-nos algumas notícias sobre as vindimas. No primeiro dos citados anos as vindimas de verdelho tinham-se realizado mais cedo, tendo começado a 4 e terminado a 14 de Agosto, prevendo-se uma colheita de 350 pipas. Por sua vez as vindimas de isabela tinham-se iniciado no princípio da segunda quinzena do mesmo mês. Em 1908, as vindimas de verdelho estavam já concluídas na última semana de Agosto, tendo a produção sido superior à esperada, havendo quem calculasse uma colheita de 800 pipas. No entanto, o jornal adiantava que, tal como em anos anteriores, se tinham cortado uvas verdes que iriam desvalorizar o vinho e diminuir a sua qualidade. Esperava-se que as vindimas da «uva de cheiro» se realizassem em Setembro, prevendo-se, contudo, uma colheita escassa49. Estas notícias confirmam quer a razoável sobrevivência das António Borges do Canto Moniz, Ilha Graciosa (Açores), pp. 199. Para uma primeira impressão sobre os impostos municipais e o controle camarário sobre esta produção no último quartel do século xix ver os regulamentos em Cobrança e Fiscalização do Imposto Municipal sobre Álcool, Aguardente, Bebidas Alcoólicas, Vinho e Vinagre produzidos na Ilha Terceira e Consumidos no Concelho de Angra do Heroísmo. Regulamento de 3-11-1880 e de 2-01-1896 superiormente aprovados, Angra, Imp. Municipal, 1906. Para um período mais tardio ver Jorge A. Paulus Bruno, «Uma querela entre a Terceira e a Graciosa motivada pelo imposto do vinho», in Verdelho. Boletim da Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos, n.º 7, 2002, pp. 16-18. 47 António Borges do Canto Moniz, Ilha Graciosa (Açores), pp. 199 e 202-204. 48 António Borges do Canto Moniz, Ilha Graciosa (Açores), p. 203-204. 49 Ver O Graciosense, n.º 212 de 21.08.1907 e n.º 237 de 29.08.1908. 46

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Produzir na periferia: a vinha e o vinho na ilha Graciosa, 1800-1950

castas europeias para além das grandes infestações do oídio, do filoxera e do míldio, quer a permanência de métodos de colheita e de produção tradicionais, já referidos e criticados por Félix José da Costa, em 184550. Novamente, para compreendermos esta continuidade temos que perceber a lógica dos produtores directos e não associar imediatamente estas práticas a um qualquer atraso abstracto da vitivinicultura insular, ou à ignorância e carácter rotineiro dos seus cultivadores. Num estudo publicado em 1959-1960, mas baseado em trabalho realizado no final da década de 1940, o agrónomo Manuel Leonardo Bettencourt registava que na Graciosa a vindima começava a ser feita em finais de Agosto, muitas vezes antes de ser atingido o estado de maturação desejável das uvas, não havendo preocupação em conciliar as quantidades de açúcar e de ácidos, na verdade os factores que deviam determinar a época da vindima. Este hábito devia-se ao facto de o vinhateiro não querer uvas muito maduras, dado que estas se transformavam em mostos com elevado teor sacarino, cujo açúcar não era completamente desdobrado, ficando assim os vinhos doces, turvos e com fraco poder de conservação. Se bem que o problema do desdobramento do açúcar pudesse ser resolvido por uma fermentação em boas condições o facto é que, nesta década do século xx, ainda não se procedia a processos de vinificação que evitassem este inconveniente51. Uma produção dirigida ao mercado interno Os problemas da vitivinicultura açoriana na segunda metade do século xix não se restringiram aos violentos ataques de fungos e insectos. Apesar de discussões técnicas, de processos de reconversão das castas e de criação de tipos específicos de vinho, os processos de vinificação mantiveram-se tradicionais e artesanais, não estando a acompanhar a verdadeira revolução que ocorreu ao longo do século xix nesta produção. Na década de 1880 o vinho da Graciosa era quase todo ele exportado para a Terceira, onde grande parte era consumido ainda em mosto, bastante turvo. Até estes anos nunca se procurou desenvolver processos de vinificação adequados, a fim de melhorar a sua qualidade potencial. O vinho do Pico era, deste lote, o mais considerado, quer pela maior força alcoólica, quer pelo fabrico mais aperfeiçoado e pela lotação mais cuidada das castas52. À maior qualidade juntava‑se o preço comercial mais baixo por hectolitro quer nos vinhos brancos, quer nos tintos. Por volta de 1900, no distrito da Horta estes eram de 5$700 réis para o tinto A referência ao tempo da vindima permite-nos também algumas informações curiosas sobre as oscilações climáticas anuais, dado que vindimas precoces estão geralmente ligadas a anos quentes e vindimas tardias a anos frios. 51 Manuel Leonardo Bettencourt, «Ilha Graciosa: subsídios para o estudo da sua economia agrária (III)», in Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais do Arquipélago dos Açores, n.º 31-32, 1960, p. 21. 52 João Nogueira de Freitas, Relatório…, pp. 62-64. 50

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e 8$600 para o branco, no distrito de Angra subiam para 7$835 e 10$545, para atingir o preço de 10$000 réis e 12$000 em Ponta Delgada. Em qualquer dos casos os vinhos insulares eram muito mais caros que os seus congéneres continentais53. Em São Miguel, por volta de 1886, face à conjuntura exportadora muito favorável aos vinhos de pasto nacionais, iniciar-se-ia uma tentativa oficial e institucionalizada de desenvolvimento desta cultura que acompanhava a tendência de boa parte da grande agricultura do continente. Nos meses seguintes a Agosto de 1886 a comissão vinícola do distrito de Ponta Delgada, subsidiada pela Junta Geral, promoveria a estadia de um técnico francês na Ilha, contratado a seu pedido pelo cônsul português em Bordéus. O seu trabalho consistiria em estudar o aperfeiçoamento da cultura da vinha americana e estabelecer um tipo próprio para o vinho da casta isabela, tendo em vista a sua exportação para o mercado francês e para o Brasil. Apesar das tentativas este vinho não se conseguiu impor nos mercados externos, nem sequer concorrer com a pequena produção regional. O ataque das pragas, as condições ecológicas particulares dos Açores e o fim dos velhos circuitos da navegação atlântica podem ajudar-nos a compreender este percurso de progressivo acantonamento no mercado regional e a entendê-lo como um opção racional por parte dos agentes económicos. A Graciosa continuou, durante todo o século xix, ligada às suas produções tradicionais mediterrânicas: o vinho, a cevada e o trigo. Produzidas em pequenas quantidades e favorecidas por condições ecológicas particulares, estas conseguiram sempre alimentar um mercado regional carecido. Porém, Júlio Máximo Pereira, em 1893, faria um retrato menos ameno da sua economia: a indústria da ilha era nula e a produção ficava-se pelos cereais e pelo vinho, cultura que mesmo assim estava então em franca decadência devido aos efeitos desastrosos do oídio, uma afirmação que acompanha as quebras e flutuações registadas no gráfico 1, a partir da década de 1870. Segundo este autor, todo o vinho era exportado para a Terceira e algum cereal também, principalmente cevada, que era enviado para Lisboa54. Os dados do quadro 2 ajudam a entender o processo de crescimento da vitivinicultura na Terceira e a sua persistente quebra em São Jorge. Quadro 2 – Produção de vinho no Distrito de Angra em hectolitros, 1862-1911 Anos

166

Terceira

São Jorge

Graciosa

Distrito

1862

51

1512

2.528

4090

1863

68

1040

3.313

4421

1864

85

569

4.099

4752

Anuário Estatístico de 1900, Lisboa, Imprensa Nacional, p. 333. Júlio Máximo Pereira, «Recordações dos Açores», in Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Lisboa, 12.ª série, vol. 7-8, 1893, pp. 331-372.

53 54

Produzir na periferia: a vinha e o vinho na ilha Graciosa, 1800-1950 Anos

Graciosa

Distrito

1865

Terceira 102

São Jorge 97

4.885

5084

1866

135

138

4.184

4458

1867

169

180

3.484

3832

1868

202

221

2.783

3206

1869

33

251

3.061

3345

1870

145

357

4.031

4532

1871

257

462

5.000

5719

1872

186

366

4.800

5352

1873

182

944

9.600

10.726

1874

149

850

5.000

5.999

1875

285

700

8.500

9.485

1876

488

792

7.568

8.828

1877

691

884

6.636

8.171

1878

894

976

5.704

7.514

1879

1.097

1.068

4.772

6.857

1880

1.300

1.160

3.840

6.200

1881

760

609

2.600

3.969

1882

347

299

1.800

2.446

1883

480

322

2.500

3.302

1884

1.042

394

1.800

3.236

1885

1.252

775

27

2.054

1886

4.900

430

1.800

7.570

1887

1.796

300

1.350

3.546

1889

3.659

650

1.350

5.659

1890

4.310

650

1.500

6.460

1891

6.379

1.120

1.300

8.799

1892

2.460

1.125

1.680

5.265

1893

476

265

1.640

2.381

1894

5.768

450

220

7.113

1895

5.341

1.235

30

4.626

1896

6.560

4.260

400

11.220

1897

4.029

2.605

216

6.850

1898

1.497

950

32

2.479

1899

1.829

750

2.000

4.579

1900

3.746

620

14.400

18.766

1901

4.877

440

11.000

16.317

1902

3.685

210

1.040

4.899

1903

5.867

315

3.000

9.182

167

Paulo Silveira e Sousa Anos

Terceira

São Jorge

Graciosa

Distrito

1904

9.505

130

2.400

12.035

1905

11.020

910

2.000

13.930

1906

1.580

380

960

2.920

1907

2.600

1.488

4.320

8.408

1908

6.500

517

3.810

10.827

1909

10.500

126

2.016

12.642

1910

4.880

480

1.800

7.160

1911

1.575

418

1.800

3.793

Fontes: Dados 1862, 1865, 1869-1871 e 1873, AHMOP, DGCI, RA, 1S (os dados em pipas foram convertidos pelas medidas dos concelhos, agregando-se os munícipios extintos aos sobreviventes). Dados 1874, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1875, p. 141. Dados para 1875, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1877. Dados 1880-1886, João Nogueira de Freitas (1890), Relatório da 12.ª Região Agronómica..., p. 70, e Anuário Estatístico de Portugal, ano de 1892, Lisboa, Imprensa Nacional, pp. 280-281. Dados 1887-1911, Livros de Registo da Correspodência da Comissão Distrital de Estatística do Distrito Administrativo de Angra do Heroísmo (1888-1914), Arquivo e Biblioteca Pública de Angra, Fundo do Governo Civil. *  Os dados a traço carregado foram obtidos por recurso à interpolação linear.

Por sua vez, a análise do gráfico 1 permite-nos perceber o impacto do processo de replantação nos territórios do arquipélago com maior dimensão, como a Terceira. A produção total desta ilha aumentou de forma consistente a partir de 1885. Gráfico 1 – Produção de vinho no Distrito de Angra em hectolitros, 1862-1911 Terceira

São Jorge

Graciosa

Distrito

20000 18000 16000 14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 18 62 18 64 18 66 18 68 18 70 18 72 18 74 18 76 18 78 18 80 18 82 18 84 18 86 18 89 18 91 18 93 18 95 18 97 18 99 19 01 19 03 19 05 19 07 19 09 19 11

168

Produzir na periferia: a vinha e o vinho na ilha Graciosa, 1800-1950

Em anos como 1885-1892, 1894-1899, 1902-1906 e 1908-1910 ultrapassou a da Graciosa. Contudo, a produção terceirense continuou a não ser suficiente para abastecer o seu mercado interno. Em São Jorge, apesar de alguns anos de relativa colheita, os vinhedos nunca se conseguiram recompor do ataque das pragas, num processo de decadência que se iniciou com o oídio em 1853 e que não teve retorno. Apesar do crescimento da área cultivada e da produção de vinho nas principais ilhas do arquipélago, a Graciosa manteve uma boa posição no contexto regional. No final da década de 1940 o modo de exploração predominante neste sector era a parceria, sendo as cotas em uso mais favoráveis ao parceiro-proprietário que ao parceiro-vinhateiro. O parceiro-vinhateiro recebia 1/3 da produção, podendo no entanto cultivar, como se a terra fosse sua, milho e batata por entre a vinha. As mulheres colaboravam com os homens em várias tarefas da vindima, o que não era normal nos restantes trabalhos agrícolas55. Durante a vindima os cachos eram cortados e colocados em cestos que depois de cheios eram lançados em cestos de grandes dimensões, sendo estes finalmente levados aos carros de bois onde se encontravam as dornas. Segundo Manuel Leonardo Bettencourt, havia o hábito de ir calcando as uvas que enchiam as dornas para assim poupar espaço. Este hábito provocava, contudo, fermentações prematuras que prejudicavam o produto final. O vinho branco verdelho era feito de bica aberta, indo o mosto fermentar para os cascos. O «vinho de cheiro» podia ser feito de bica aberta ou de curtimenta. O primeiro método era utilizado para o vinho destinado ao consumo doméstico. O segundo era aplicado para dar uma cor mais escura ao vinho, correspondendo assim ao aspecto que o mercado e o comércio privilegiavam56. A vinha estendia-se, no final da década de 1940, desde o Carapacho até à Lameira, havendo uma interrupção nas zonas mais altas da Fajã e Serra Branca para recomeçar na Vitória, continuando até ao Bom Jesus e Dores. Na primeira zona predominava o «vinho de cheiro», dado as castas europeias terem desaparecido devido ao filoxera. Na segunda zona prevalecia o verdelho. A casta isabela estava contudo a ser plantada em áreas cada vez maiores, ocupando já parte da segunda zona57. O clima húmido e temperado era propício ao desenvolvimento de fungos que atacavam o verdelho, apesar do uso de sulfato de cobre e de enxofre no combate preventivo e curativo do oídio e do míldio. Existiam ainda outras castas, mas em pequeniníssima proporção, como jacquet, seibel e «preto antigo». Os prédios de vinha dividiam-se em currais, sendo o tipo de vinha rasteira, ou em chaintre. A casta isabela tinha uma produção elevada (cerca de 25 pipas por hectare em terreno rico) e possuía uma grande resistência ao oídio e ao míldio. Contudo, segundo o já citado agrónomo, Manuel Leonardo Bettencourt, dada a sua fraquíssima qualidade não Manuel Leonardo Bettencourt, «Ilha Graciosa... (III)», 1960, pp. 20-21. Manuel Leonardo Bettencourt, «Ilha Graciosa... (II)», 1959, pp. 68-69. 57 Manuel Leonardo Bettencourt, «Ilha Graciosa... (II)», 1959, p. 53. 55 56

169

Paulo Silveira e Sousa

devia ser permitida a plantação desta casta americana em novos tratos de terreno, repetindo uma opinião que era recorrente desde as décadas finais do século xix58. No entanto, era difícil convencer os vitivinicultores locais a deixar de produzir um vinho que tinha um mercado amplo e fácil e que era bem mais simples e barato de obter que o alcançado pelas mais frágeis castas europeias. No final desta década de 1940 considerava-se ano de boa produção aquele em que o número de pipas (480 litros) oscilava entre as 3.000 e as 4.000. Raramente a produção era inferior a 1.000 pipas. Em 1946 a colheita de vinho envolvera 1.047 cultivadores, ocupando 371 hectares, obtendo-se uma produção de 1.292.580 litros. Em 1948 a área era um pouco maior totalizando 382,42 hectares, repartidos entre 250,26 ocupados com castas americanas e 133,16 cultivados com vinha europeia. Ao mesmo tempo, começava a surgir alguma pressão para que fosse criada uma adega regional na ilha com vista a receber a uva e proceder à vinificação, aperfeiçoando a técnica enológica, obtendo assim melhores produtos e mais diversificados, capazes de competir em mercados exigentes e de concorrer com o vinho do continente. No entanto, segundo Manuel Leonardo Bettencourt, a maior parte dos produtores estava ainda acostumada a fabricar o seu vinho, sendo por isso difícil mudar hábitos muito enraizados59. Nestes mesmos anos tinham sido levantados quase todos os impostos que tributavam as mercadorias em circulação no interior do distrito de Angra. Se bem que se tivesse mantido a tributação sobre o vinho, ela foi eliminada no caso dos seus derivados, como a aguardente e o vinagre, melhorando a situação geral da vitivinicultura graciosense. Contudo, nesta década de 1940 havia já uma luta pela conquista dos mercados regionais, registando-se a chegada em quantidade dos vinhos continentais. Apesar disso, todas as ilhas, à excepção do Pico, importavam vinho da Graciosa. Se o principal mercado eram as ilhas do grupo central, São Miguel era, em certos anos, um mercado muito importante. No entanto, os vinhos da Graciosa continuavam a pagar impostos locais elevadíssimos. Só a Câmara Municipal de Angra cobrava $30 centavos por litro60. Em 1962, o edifício da adega-cooperativa da Graciosa estava já concluído, tendo capacidade para laborar 1.500 pipas, destinando-se à produção de vinho branco. Nesse primeiro ano de laboração estavam inscritos 99 associados, tendo entregue uva apenas 58. A produção seria correspondente a 257 pipas de 500 litros de capacidade (ou seja 1.285 hectolitros). Nos anos seguintes, a produção teve ligeiros aumentos, assim como o número de associados. Contudo, o vinho branco e o verdelho engarrafados não tinham grande aceitação num mercado saturado, onde eram pouco conhecidos e onde a concorrência com produtos mais baratos e de boa

170

Manuel Leonardo Bettencourt, «Ilha Graciosa... (III)», 1960, pp. 19, 20. Manuel Leonardo Bettencourt, «Ilha Graciosa... (III)», 1960, pp. 1, 6, 18-19. 60 Manuel Leonardo Bettencourt, «Ilha Graciosa (III)», 1960, pp. 6-7. 58 59

Produzir na periferia: a vinha e o vinho na ilha Graciosa, 1800-1950

qualidade se afigurava difícil61. A partir de 1971 a adega cooperativa da Graciosa passou a produzir igualmente vinho tinto. Em 1972 a produção de vinho branco e tinto atingiu as 852 pipas, subindo para 1.111 pipas de 500 litros em 1976 (5.555 hectolitros)62. Em 1977 estavam em curso ensaios de vinha europeia que continuavam a enfrentar os velhos problemas dos ataques das doenças criptogâmicas, da falta de mão-de-obra especializada e dos maiores custos em trabalho e factores de produção. Mesmo assim, seria por esses anos feita a instalação, por iniciativa de particulares, de uma vinha de castas europeias, brancas, tintas e de mesa, em cordão filateral, ou seja aramada. Era uma novidade. Nas décadas posteriores a vitivinicultura da Graciosa continuaria a desenvolver-se e a apostar nas castas europeias. Contudo, a sua produção só muito dificilmente conseguiria ultrapassar os limites do pequeno mercado regional, tal como de resto sucederia com a renovada vitivinicultura da ilha do Pico. Notas finais Na segunda metade do século xix a cultura da vinha era, provavelmente, aquela que garantia um maior rendimento líquido ao agricultor. No entanto, era também uma das mais exigentes e intensivas e assim permaneceu durante largos anos. De uma vitivinicultura tradicional, empírica e rotineira, muitas regiões da Europa orientaram-se para uma produção em grande escala baseada em princípios agronómicos e científicos, com uma rápida incorporação de tecnologia e de métodos modernos. Estes implicavam quer uma nova organização do plantio e das explorações, quer a utilização de adubos artificiais e de factores fito-sanitários que envolviam sempre custos acrescidos para o agricultor. Enquanto que no continente as vinhas plantadas sem ordem, em terrenos declivosos e difíceis foram sendo substituídas pela replantação em terrenos baixos, feita por alinhamentos, com uma disposição rugosa no terreno, nos Açores o processo correu de outra forma. Aqui, as áreas de biscoito não permitiam esta linearidade geométrica, nem a utilização de máquinas, nem de estrumes ou de adubos e químicos em quantidade que poderia aumentar o rendimento por hectare. A reconversão do sector vitivinícola exigia explorações de razoável dimensão, modernizadas e com capitais abundantes, capazes de fazer face aos elevados custos de replantação e aos novos cuidados e produtos que o combate às pragas passou a exigir. Se a plantação das vides pôde continuar no continente e até se desenvolver bastante no final do século xix, vindo a ocupar Nestes anos a maior parte do vinho Verdelho da Graciosa era vendido e exportado a granel para a Terceira e São Miguel, cf. Açores: breves informações sobre a vitivinicultura (Pico e Graciosa), a cultura do ananás, o tabaco e a sua industrialização, o chá, pp. 115-16. 62 Idem, pp. 10-13. 61

171

Paulo Silveira e Sousa

de forma crescente os terrenos mais baixos, na maior parte das ilhas dos Açores este tipo de reconversão revelou-se impraticável. As novas técnicas vitícolas não estavam ao alcance do pequeno proprietário que continuou a apostar nas técnicas tradicionais (mais económicas, mas menos remuneradoras) de cultivo e de preparação do vinho que passavam de geração em geração. No arquipélago, mesmo os casos de sucesso foram alcançados através de uma recorrente e teimosa replantação tradicional com castas americanas e não pelo aumento da produção em grande escala ou da utilização massiva das novas técnicas e produtos fito-sanitários. No entanto, ao dizermos que houve mudanças, investimento e algum crescimento, não estamos a tentar dizer que foram realizadas todas as acções necessárias para desenvolver as ilhas, ficando os fracos resultados alcançados quase que fruto de uma invencível fatalidade. O que queremos vincar é que a realidade era bem mais complexa e que os factores do atraso têm que ser procurados noutras áreas, associando igualmente novos problemas e novas interrogações. Ao mesmo tempo, este esforço é impossível sem se procurar avançar na quantificação das produções e das actividades vizinhas, sem tentar entender a racionalidade por detrás da actuação dos agentes económicos e sem se perceber o novo papel que as instituições estatais iam tomando no incremento das actividades produtivas e no sector do vinho, em particular. Depois de anos de uma interpretação que nos dava uma imagem de grandes permanências e arcaísmos, convém não cair num revisionismo contrário que apenas encontra mudanças e progressos, ou identifica contínuos obstáculos, aparentemente inultrapassáveis. Muito trabalho há ainda a fazer para o mais profundo conhecimento da história rural dos Açores.

172

Produzir na periferia: a vinha e o vinho na ilha Graciosa, 1800-1950

ANEXO  1 Em 1894 foi publicada no Boletim da Comissão Central Promotora de Vinhos e Azeites um conjunto de relações, por concelho, dos principais viticultores do país, embora apenas nos sejam dados os seus nomes e moradas, sem qualquer referência a superfícies cultivadas, quantidades produzidas, ou a qualquer relação de ordem de grandeza entre eles63. Assim, temos no lote não só os grandes viticultores, mas também outros cujas produções deverão ser manifestamente inferiores, não se podendo avaliar quais eram, de facto, os maiores produtores e proprietários envolvidos nesta actividade. No distrito de Angra, apenas as câmaras de Santa Cruz da Graciosa e de Angra responderam à Comissão, não tendo sido recebidas as respostas dos restantes concelhos (Praia da Vitória, Velas e Calheta). A falta desta fonte para o concelho da Praia da Vitória deixa-nos um retrato muito incompleto dos viticultores terceirenses. Seria neste último concelho que se faria um dos maiores esforços de replantação e de intensificação desta cultura64. A lista do concelho de Santa Cruz da Graciosa é composta por 32 proprietários. Destes, 22 moravam na vila de Santa Cruz, quatro em zonas limítrofes, ou freguesias rurais ligadas à produção de vinho, e seis residiam em Angra. Na lista encontramos também repetidos vários dos apelidos das principais casas de grandes proprietários da ilha: Mendonça Pacheco e Melo, Cunha Silveira de Bettencourt, Cunha Vasconcelos ou Simas e Cunha. A presença de vários proprietários residentes em Angra atesta quer os laços que a Graciosa e as suas elites sociais sempre mantiveram com esta cidade, quer a importância da cultura do vinho no sortido agregado que compunha os rendimentos e bens dos açorianos mais abastados. Boletim da Comissão Central Promotora de Vinhos e Azeites, Lisboa, MOPCI, DGA, ano I, 1894, n.º 1, pp. 208-209. 64 Durante os últimos anos do século xix e os inícios do século xx, em que o oídio e a filoxera atacavam ainda com vigor, Francisco Maria Brum, um importante lavrador e influente político, foi arroteando áreas importantes na freguesia dos Biscoitos. Se bem que não esquecesse as castas americanas, que nos Açores se tornaram quase hegemónicas, este lavrador expandiu sobretudo a área do tradicional verdelho, que se tornou uma especialidade nesta localidade, num exemplo que foi sendo seguido posteriormente por outros proprietários. 63

173

Paulo Silveira e Sousa Quadro 2 – Relação dos principais viticultores do Concelho de Santa Cruz da Graciosa (1893) Viticultores

Residência

Francisco da Cunha Silveira Bettencourt

Santa Cruz

Comendador Manuel de Simas

Santa Cruz

José Correia de Mendonça Pacheco e Melo

Santa Cruz

Francisco de Mendonça Pacheco e Melo

Santa Cruz

D. Catarina Amália da Cunha Silveira Bettencourt

Santa Cruz

Francisco de Paula Bettencourt e Melo

Santa Cruz

Manuel de Sousa Machado da Cunha

Santa Cruz

Raimundo Menezes e Cunha

Santa Cruz

Francisco Teles Pinto de Leão

Santa Cruz

Tomás Machado Bettencourt

Santa Cruz

António Correia Eiró

Santa Cruz

José Spínola Bettencourt

Santa Cruz

Padre Manuel de Sousa e Silva

Santa Cruz

José João Medina

Santa Cruz

Numa Pompílio Bettencourt

Santa Cruz

Melchíades Augusto Miranda

Santa Cruz

José de Castro do Canto e Melo

Santa Cruz

Manuel de Simas e Cunha

Santa Cruz

José Leite Bettencourt

Santa Cruz

Francisco Vicente Pamplona Ramos

Santa Cruz

D. Isabel Maria de Mendonça Pacheco e Melo

Santa Cruz

José João da Cunha Vasconcelos

Santa Cruz

Dr. João Álvaro de Brito Albuquerque

Fonte do Mato

João Inácio de Melo

174

Caminho da Vitória

João Spínola Bettencourt

Caminho da Ribeirinha

Sebastião Correia de Sousa e Silva

Caminho da Ribeirinha

Dr. Diogo de Barcelos Machado Bettencourt

Angra

José Borges Leal Corte Real

Angra

D. Maria Carmira Mesquita

Angra

António Martins Pamplona

Angra

D. Maria do Carmo de Ornelas Bruges

Angra

Teotónio Martins Pamplona

Angra Total

32

Fonte: Boletim da Comissão Central Promotora de Vinhos e Azeites, MOPCI, DGA, ano I, 1894, n.º 1, pp. 208-209.

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