Pavilhões do Parque D. Carlos I nas Caldas da Rainha, Vandalismo ou Obsolescência

May 28, 2017 | Autor: José Silva | Categoria: Património Arquitectónico, Patrimonio
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Pavilhões do Parque D. Carlos I nas Caldas da Rainha, Vandalismo ou Obsolescência?

José M. R. Freire da Silva

Fevereiro de 2011 Revisto em Outubro de 2011

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Índice 1.

Uma discussão prévia de termos ............................................................................. 5

2.

Os Pavilhões do Parque para o cidadão vulgar ....................................................... 6

3.

A atitude das principais forças políticas e de opinião que intervêm hoje nos destinos da cidade ................................................................................................... 8

4.

Aprofundamento das questões: uma investigação................................................... 9

5.

Fundação do Hospital Termal ............................................................................... 11

6.

Obras no reinado de D. João V.............................................................................. 12

7.

O termalismo do Séc. XIX e as grandes transformações ...................................... 13

8.

Os Pavilhões do Parque como concretização do projecto termal.......................... 14

9.

Descrição breve dos Pavilhões e potencial de reutilização ................................... 15

10.

Os usos efectivos que vieram a ser dados aos Pavilhões ...................................... 17

11.

Situação e projectos actuais................................................................................... 17

12.

Conclusão .............................................................................................................. 18

Bibliografia ..................................................................................................................... 19 Consulta de páginas da Internet ...................................................................................... 20 Documentos cedidos ....................................................................................................... 20

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Pavilhões do Parque D. Carlos I nas Caldas da Rainha, Vandalismo ou Obsolescência? José M. R. Freire da Silva Vandalismo – Destruição indiferenciada, inclusive daquilo que pertence aos domínios artistico, científico ou sagrado, provocada por instintos violentos ou simples ignorância. Obsolescência - Passar de moda, facto ou processo de cair em desuso, de se tornar arcaico ou antiquado Equívoco – Engano que consiste em se tomar uma coisa por outra ou erro que é motivado por uma situação pouco clara.

1. Uma discussão prévia de termos O termo Vandalismo, na área de estudos do Património, aplica-se comumente às situações abreviadas na entrada acima do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, significando basicamente «destruição», aplicável a diversas situações e atribuível a motivos associados a violência ou ignorância. O conceito é aprofundado por autores como Françoise Choay, em Alegoria do Património ou por Louis Réau, na introdução da sua Histoire du Vandalisme. Gostariamos de nos deter brevemente sobre o conceito de Vandalismo que começou a ser analisado sobretudo a partir dos estragos ocorridos com a revolução Francesa. Françoise Choay (2010, pag. 111) detém-se particularmente sobre os motivos ideológicos e as medidas que desde o início da Revolução foram tomadas para salvaguarda do património nacionalizado e aprofunda as formas de vandalismo que se distinguem do vandalismo ideológico. Entre elas, refere por exemplo, o que chama «uma outra forma de degradação privada do património, tanto mais perversa quanto realizada em plena legalidade» em que os compradores de bens nacionais puderam, através de toda a França, nas cidades e nos campos, «impunemente, arrasar, para lhes lotear o terreno, ou para converter em pedreiras de materiais de construção, alguns dos monumentos mais prestigiados» como foi o caso da abadia de Cluny. Vemos como o conceito de vandalismo é aqui extendido a situações e causas complexas mas cujo efeito é sempre a destruição do património.

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Gostariamos de citar apenas uma outra passagem desta autora, se bem que desgarrada do seu contexto, ainda assim portadora de significados interessantes para a reflexão que agora produzimos: «Romper com o passado não significa nem abolir a sua memória nem destruir os seus monumentos, mas conservar uns e outros num movimento dialéctico que, simultaneamente, assume e ultrapassa o seu significado histórico original, ao integra-lo num novo estrato semântico». O outro autor citado, Louis Réau, faz uma tipificação do que considera as várias formas de vandalismo associando-as a uma diversidade de motivações e antecede as suas descrições com uma espécie de declaração de princípios onde atribui ao abade Gregório1 a autoria da expressão Vandalismo com o significado que lhe atribuimos hoje e que resume da seguinte forma: “En somme, tout attentant, quel qu’il soit, contre une oeuvre de beauté qui est, selon le poète romantique anglais John Keats: a joy for ever – une source de joie eternelle – mérite l’excommunication prononcée par l’abbé Grégoire contre ce qu’il a flétri le premier du nom de vandalisme.» Serve esta breve introdução ao tema do Vandalismo para enquadrar o que julgo ser uma forma insidiosa de vandalismo também, não violenta, não intencional, mas a que chamamos de auto-vandalismo, em que um povo, uma cidade, um grupo social, assiste ao desabamento lento e inexorável de um dos símbolos identitários da sua cidade, sob o signo da sua obsolescência ou até sob o peso da herança de equívocos que possa estar associada à sua génese, aparentemente sem que faça algo para o prevenir, para o evitar, sem que lhe procure a solução para a sua conservação como património histórico e cultural que é o seu.

2. Os Pavilhões do Parque para o cidadão vulgar Quem visita a cidade não ignora por certo o seu Parque centenário situado em pleno centro histórico e aí, não lhe passará despercebida a silhueta em fundo dos pavilhões do Parque, a verticalidade das suas fachadas em pedra rematadas nas coberturas em ângulo fechado, o ar vagamente romântico do conjunto. E foi de facto a inspiração romântica dos parques termais europeus que orientou o projectista nos

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Henri Jean-Baptiste Grégoire, também conhecido como o Abade Gregório, foi um padre católico, político francês e uma das figuras emblemáticas da Revolução Francesa tendo fundado o Conservatório Nacional das Artes e Ofícios.

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anos oitenta do século XIX na concepção do Parque, conferindo-lhe a imagem que veio a tornar-se emblemática da cidade do séc. XX e da viragem para o XXI. Mas só à aproximação dos edifícios se começa a revelar que algo está mal, na procura dos enquadramentos para a fotografia. Só então nos apercebemos do estado de grande degradação dos seus interiores, entrevistos pelas portadas algo desconjuntadas, já que a pedra das fachadas não o revela de imediato. As teias de aranha, as caixilharias deterioradas, os desabamentos interiores entrevistos e mal disfarçados, os cabos electricos que pendem, a erva que rompe no embasamento, contrastam com o arranjo cuidado do Parque e dum pequeno pavilhão de exposições, com a antiga designação de “céu de vidro”, bem recuperado e que enquadra uma das entradas. As primeiras conversas com os habitantes da cidade e alguns escritos na imprensa local permitem acentuar esta sensação de algo que está mal, não só no estado dos edifícios, mas em algo mais. Parece estar em jogo um destino, uma vocação. Revelam-se neste mal-estar, nesta decadência do símbolo, do emblema, cem ou cento e vinte anos de equívocos, virei a concluir mais tarde - equívocos que se transformaram em símbolo da cidade ? ousarei perguntar mais tarde. Porque, se a cidade parece concordar com a imagem consagrada e identitária dos Pavilhões do Parque, a atitude de assistir sem se mexer à sua degradação e desabamento eminente não configurará ela própria uma atitude de autovandalismo suicida, de fim de uma época, de extinção de uma cultura? 7

3. A atitude das principais forças políticas e de opinião que intervêm hoje nos destinos da cidade Em Março de 2009 o actual presidente da Câmara da cidade, Fernando Costa, referia em sessão pública da Assembleia Municipal 2: “Surgiu-me uma ideia doida e mandei-a a estudar, porque se vamos gastar três milhões de euros no alargamento do Museu da Cerâmica, sendo a obra do Ministério da Cultura, da Câmara e dos Fundos Comunitários, em vez de alargarmos, deviam de recuperar os Pavilhões do Parque. Dificilmente são hotel, clínica termal e têm de ser conservados senão caem e têm de ser ocupados porque senão apodrecem”. E dizia ainda: “Em vez de alargarmos o Museu de Cerâmica, deveríamos conservar os Pavilhões do Parque e transformá-los num grande museu para tudo”. Outras notícias ainda na imprensa local, (Oeste online, Novembro de 2005), davam conta de outra possível utilização: “Desde que Joe Berardo demonstrou interesse nos pavilhões do Parque, durante uma visita às Caldas, que o presidente da autarquia tem vindo a defender a sua utilização para albergar o espólio artístico” 3, sendo no entanto prontamente desmentidas pela administração do Hospital: “O presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar, reagiu dizendo que estes (os Pavilhões do Parque) são propriedade desta instituição e que nunca foram contactados pelo coleccionador de arte”. Também o Comendador respondeu que «quando forem dele então falamos. Na sua opinião, não vale a pena falar numa coisa que não existe. Eu estou numa idade em que já estou farto de projectos e quero realidade, concluiu». A forma como a idéia de aproveitamento dos Pavilhões tem sido abordada pelos responsáveis locais, sugere bem o grau de indefinição ou a ausência de uma idéia, de uma vontade guiada para o efectivo restabelecimento de tão importante peça simbólica da cidade. Por sua vez um cidadão, Vasco Trancoso, que se expressa através de um “blogue” denominado Heavenly4 dá voz a uma outra preocupação: “A instituição que vier a ser criada para gerir a Estância Termal das Caldas da Rainha irá precisar dos 2

Na edição on-line do Jornal das Caldas de 12/03/2009 acedido em 11-02-2011, http://www.jornaldascaldas.com/index.php/2009/03/12/camara-quer-instalar-nos-pavilhoes-do-parque/ 3 http://www.oesteonline.pt de 23-11-2005 acedido em 11-02.2011 em http://www.oesteonline.pt/noticias/noticia.asp?nid=10758 4 Heavenly, acedido em 11-02.2011, http://vascotrancoso.blogspot.com/2010/04/questao-dos-pavilhoesdo-parque-e-do.html

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Pavilhões para (eventualmente como unidade hoteleira estendendo-se até à zona da Parada no Parque) conseguir viabilidade e sustentabilidade económica para o relançamento do termalismo nas Caldas da Rainha. Retirar-lhe essa hipótese no futuro é “cortar-lhe” as pernas à partida. Só a existência de algo muito ponderoso e importante poderá fazer considerar o aparecimento de outras soluções menos adequadas”. É pela voz deste cidadão que a idéia do projecto termal parece ter continuidade, associada à idéia do projecto turístico e hoteleiro. Assim, entre estas manifestações de grandes linhas e de aspirações para os Pavilhões, os anos, as administrações e os governos vão passando e os Pavilhões vêm atingindo graus de degradação cada vez mais elevados, não obstante o seu carácter unânimemente emblemático. Diremos pois que o projecto para os Pavilhões do Parque é ele próprio emblemático do projecto de futuro da cidade e é a expressão do conflito entre as duas instâncias em que tem sido traçado o seu destino desde o século XVI, o Hospital Termal nas suas diversas administrações no tempo (a Rainha, a administração termal, o Ministério da Saúde) e a cidade ela própria nas suas administrações civis, municipais, locais. As primeiras, muito ligadas aos projectos gizados numa visão nacional, central, as segundas essencialmente ligadas às forças vivas locais, de contenção e cujas ambições não extravasam a esfera dos interesses locais.

4. Aprofundamento das questões: uma investigação Para aprofundar as questões que podem explicar o estado de degradação e abandono procuramos documentação sobre a origem dos pavilhões, abordamos a Câmara Municipal nos seus serviços técnicos que nos remeteu para a administração do Hospital Termal que viemos a abordar na pessoa de um actual responsável pelas instalações, o arquitecto Manuel A. Garcia dos Remédios. Os Pavilhões estão construídos dentro da área do Parque D. Carlos I, na parte central do núcleo urbano antigo e são património do Estado, afectos ao uso do Ministério da Saúde e Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, encontrando-se descritos na ficha dos Monumentos Nacionais sobre o Hospital Termal Rainha D.

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Leonor 5 o qual está classificado como Monumento (IPA) sob a referência n.º PT031006030039 . Todo o conjunto está incluído na Zona Especial de Protecção da Igreja Matriz das Caldas da Rainha/ Igreja de Nossa senhora do Pópulo, com a referência nº PT031006030001. Esta ficha começa logo por dar a informação (a pag. 12 ): “Os pavilhões nunca foram terminados e jamais foram utilizados com as funções que o seu autor lhes destinara”. E embora os serviços Técnicos da Câmara Municipal nos tivessem informado de que não existe na Câmara qualquer processo relativo aos Pavilhões do Parque, ficámos a saber no entanto, ao estudarmos a ficha dos Monumentosa Nacionais que em 2002 foi enviado ao IPPAR o processo de pedido de classificação do Hospital Rainha D. Leonor, pela própria Câmara Municipal.

4.1. Estudo da documentação reunida. Três períodos da História da Cidade Do estudo da documentação que conseguimos reunir, foi-nos possível determinar três períodos essenciais da história da cidade, no enquadramento que fizemos da problemática dos Pavilhões e que se confundem com a história do próprio complexo termal. O primeiro destes períodos vai desde a fundação do Hospital Termal pela Rainha D. Leonor, no séc. XVI, abrange o seu crescimento e o desenvolvimento da povoação em seu redor, e vai até às grandes obras realizadas no reinado de D. João V, no séc. XVIII e com a secularização do Hospital ditada pela administração real. O segundo destes períodos estende-se até ao séc. XIX altura em que se faz uma profunda renovação dos espaços físicos do conjunto termal em que o Hospital se veio a transformar, procurando abri-lo a uma procura termal crescente. O terceiro período que definimos, vem do fim do séc. XIX até aos nossos dias, até à integração do hospital numa realidade abrangente de serviços de saúde no espaço nacional na qual o hospital termal parece ser uma mera peça, pouco significativa no contexto do vasto património do Ministério, mais preocupado pela rentabilização

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A ficha é consultável em www.monumentos.pt

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económica e assistencial que lhe falta do que pelo projecto de desenvolvimento termal que a administração de saúde parece não querer, no entanto, assumir.

5. Fundação do Hospital Termal A partir das suas possessões de Óbidos, a Rainha D. Leonor avança com o processo de criação do Hospital termal escolhendo um local que, segundo Nicolau Borges, ”aproveitando a excelência das qualidades terapêuticas das águas termais” é junto ao limite sul dos Coutos de Alcobaça e que visa “assim, politicamente, travar a expansão territorial dos monges de Alcobaça, afirmando, dessa forma, na região, a tendência verificável a nível central de efectiva centralização do poder real” 6. Um estudo da evolução dos limites administrativos concelhios mostra que a povoação das Caldas da Rainha, quando da constituição do Hospital, tinha uma expressão territorial reduzida. Segundo Saúl Gomes citado por João B. Serra7 tratase da “instituição dum concelho de per se, enquistado em território obidense, com micro-estruturas administrativas locais próprias, a que se associava um paralelo estatuto de couto de homiziados”. Segundo João B. Serra (SERRA, 1995,pag. 25), “o Hospital não foi instituído para uma população delimitada, mas obviamente com a intenção de servir todo o Reino. As medidas de atracção e fixação populacionais, tomadas a partir de 1488, manifestam o propósito de consolidar a implantação de um organismo que, dada a sua dimensão e finalidade, exige uma logistica social e económica local”. Ainda segundo Nicolau Borges (BORGES, 2008, pag. 8 do cap. 1.1.1) que refere 1508 como o ano de conclusão da construção do Hospital, este é “o primeiro grande hospital termal a dispor de consulta médica obrigatória, médico, farmacêutico e enfermeiros privativos, registo de doentes e estatística desde os começos do séc. XVI”, “tratava-se de um hospital que visava ter impacto nacional, meta que exigia a definição de um enquadramento político-económico bem estruturado”. Segundo este mesmo autor, a páginas 11 do cap. 1.1.1, “o Hospital Termal das Caldas adquire rapidamente um protagonismo assistencial a nível nacional, o qual se deve ao facto de ser um Hospital Real, sendo frequentemente procurado pelos monarcas e respectivas cortes, o que lhe vai permitir destacar-se em termos assistenciais.” 6

Borges, Nicolau – Hospital Termal das Caldas da Rainha, Arte e Património, 2008, Caldas da Rainha, CDroom de Aplicação Interactiva editada pelo Museu do Hospital e das Caldas 7 Serra, João B. - Introdução à História das Caldas da Rainha,1995, Caldas da Rainha, Património Histórico – Grupo de Estudos, 2ª edição revista e aumentada

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É pois absolutamente claro, límpido, aceitarmos que o Hospital Termal das Caldas da Rainha nasceu de um projecto de cariz nacional, e que foi impulsionado pelos meios relacionados com o poder central, sendo a povoação que acompanhou o seu desenvolvimento nos séculos XVI a XVIII, um corolário das suas necessidades logísticas e económicas, com uma expressão territorial subsidiária do concelho de Óbidos o qual por sua vez fazia parte dos domínios do poder real, em particular dos domínios próprios da Rainha.

6. Obras no reinado de D. João V O hospital foi objecto de diversas obras ao longo da sua história mas vale a pena destacar as que foram conduzidas por Manuel da Maia no reinado de D. João V que deram uma nova expressão ao edifício do hospital acabando com os anexos e acrescentos que sofrera até então, reforçando a sua estrutura e resolvendo problemas de salubridade. Com estas obras, o Barroco encontrou aqui lugar para se exprimir na arquitectura do edifício renovado e na decoração azulejar dos seus interiores. Foi também nesta época que o hospital adquiriu um novo regimento, secularizando-se e tornando-se mais funcional. É um fenómeno do século XVIII o interesse pelas termas por parte das classes abastadas e cultas (SERRA, 1995 p. 39) e da aristocracia, o mesmo se passando noutros países da Europa por esta altura. As águas são detalhadamente analizadas e estabelecem-se comparações favoráveis com as águas de outras termas europeias. Justificava-se pois a profunda reforma do estabelecimento hospitalar cujas instalações estavam bastante degradadas e eram insuficientes para a procura em crescimento. A povoação sofreu também modificações, ganhando os paços do concelho um novo edifício numa nova localização, deslocando assim o centro do núcleo urbano original ao mesmo tempo que o hospital ganhou espaço para a sua expansão. Foram feitas ainda grandes obras de abastecimeno de água potável à vila ao mesmo tempo que novos estatutos para o funcionamento hospitalar foram decretados pelo Marquês de Pombal. O planeamento das obras esteve a cargo de Manuel da Maia e a direcção foi confiada a Eugénio dos Santos, figuras conhecidas da casa real e responsáveis por muitas obras do Reino. Como vemos, as Caldas continuavam nesta altura a ser objecto e projecto de interesse nacional, impulsionados de Lisboa e a reformulação e higienização da 12

estrutura urbana e hospitalar, era conduzida por homens nomeados pelo poder central e respondia à necessidade da procura sazonal por parte de uma população abastada e aristocrática, com vindas sucessivas do rei e da corte às termas, procurando encontrar aqui o equivalente às termas europeias conhecidas. Do mesmo modo vemos o poder central a intervir no plano organizacional, reformulando e controlando o sistema de administração e funcionamento do hospital cujos administradores passam a ser de nomeação decidida em Lisboa.

7. O termalismo do Séc. XIX e as grandes transformações Foi na segunda metade do século XIX, com as Caldas assumidas como as termas da moda , assiduamente procuradas pela família real, que se fez sentir a necessidade de uma grande transformação cujos planos, traçados pela administração do Hospital Termal, uma figura notável, Rodrigo Berquó, veio a concretizar, apoiado pelos necessários recursos materiais mobilizados centralmente. A sua nomeação para director do Hospital foi feita pelo governo central da monarquia constitucional, em que tinha preponderância o partido progressista, numa época marcada pelo fontismo, de realização de grandes obras públicas pelo País, sob o impulso de Fontes Pereira de Melo. Foi quando se deu a chegada do caminho-de-ferro às Caldas da Rainha, na que é hoje a Linha do Oeste e foi também a época em que Rafael Bordalo Pinheiro iniciou as suas cerâmicas na Fábrica de Faianças que veio a celebrizar. Rodrigo Berquó “procede de forma implacável à renovação e protecção dos espaços envolventes ao Hospital, à criação de novos espaços lúdicos e culturais adequando-os ao gosto burguês dos finais de oitocentos” (BORGES, 2008, pag. 13, 1.1.1). Foi, com efeito, sob a sua orientação e desenho que foi ampliado o Hospital Termal e construído um novo hospital civil fora da cidade, o Hospital de Santo Isidro, de grande sucesso nos meios científicos e hospitalares, libertando o primeiro para as funções termais. Foi construído também sob a sua direcção e desenho, numa estratégia de recomposição do núcleo termal, o grande Parque D. Carlos I com cerca de 10 ha, desenvolvido a partir do passeio e jardim existentes, de inspiração barroca, e por anexação e expropriação dos terrenos necessários. Rodrigo Berquó candidatou-se à Câmara e na sua passagem fulgurante pela Presidência conseguiu modernizar os procedimentos administrativos das obras e dotar as termas de “infraestruturas mais amplas e apropriadas a um termalismo 13

moderno e competitivo com o que procurava atrair novos públicos” (MANGORRINHA, 1999). Nesta dinâmica de desenvolvimento de estância termal, surgiram também importantes unidades hoteleiras tanto na cidade como na periferia do Parque, como o antigo Hotel Lisbonense cujas obras de renovação recente não conseguiram impedir a queda da sua fachada a preservar, a qual foi no entanto reconstituída pelos desenhos iniciais dando forma ao novo Hotel SANA Silver Coast, recentemente inaugurado.

8. Os Pavilhões do Parque como concretização do projecto termal Berquó trouxe consigo o sonho de uma estância termal de importância Europeia.Visitou termas no estrangeiro e foi finalmente sob o seu desenho e direcção que avançou em 1893 a construção dos Pavilhões do Parque os quais destinaria às enfermarias e demais dependências hospitalares com o que iria completar o programa do novo Hospital Termal. Com esta nova unidade iria assim concretizar o programa iniciado com a transformação do primeiro hospital, localizado sobre as fontes termais, com a separação do hospital civil e, na sua concepção, respondendo à estratégia de equipar a estância termal com grandes hoteis localizados, muitos deles, nas zonas arborizadas. Existiu reacção aos seus projectos, manifestada na imprensa local, quanto à localização e ao estilo dito soturno. A mordacidade de Bordalo Pinheiro passou a estar voltada contra si. O estilo nórdico que imprimiu aos pavilhões parecia deslocado, mas Berquó trazia consigo o prestígio de arquitecto das casas de veraneio de Cascais, onde viveu, e do lançamento das termas de Felgueiras cujas obras de instalação dirigiu antes de chegar às Caldas da Rainha. Entretanto, o colapso financeiro do País do fim da última década de oitocentos veio dificultar o financiamento dos trabalhos que iniciou, mas apesar de tudo Berquó conseguiu mão-de-obra disponibilizada pelo Estado e avançou com as obras. Doente, veio entretanto a morrer em Lisboa antes da conclusão das obras que iniciara com perseverança. O Administrador do Hospital Termal que lhe sucedeu interinamente, José Fillipe de Andrade Rebello, vem a propor a interrupção dos trabalhos vindo os mesmos a a ser bruscamente mandados parar, tendo o projecto deixado de ser concretizado na sua globalidade. Da análise que este responsável fez 14

sobressaía a ideia de que a construção dos Pavilhões era considerada um erro conforme escreveu num ofício ao Ministro do Reino, em forma de relatório: «a grandiosa edificação ainda hoje incompleta do novo Hospital de D. Carlos I, foi uma inutilidade para o bom funcionamento do Hospital Real das Caldas da Rainha» (MANGORRINHA, 1999, pag. 20). O projecto da estância termal, confrontado com a falta de financiamento e subalternizado pela orientação do novo director interino, conformou-se com o existente até então, sem se recorrer sequer ao uso dos novos Pavilhões, deixando-os inacabados e sem uso imediato. Ganhou forma aqui o equívoco que se anunciava.

9. Descrição breve dos Pavilhões e potencial de reutilização O arranjo funcional dos Pavilhões denota as preocupações higienistas da época e reflecte o modelo pavilhonar então em voga na construção de hospitais. Incluia sistemas de renovação directa do ar das enfermarias, sem comunicação de umas para as outras, as quais têm 9m de largura e 6m de pé-direito, com separação de 9,50m entre pavilhões para ampla ventilação, para o que existem 20 janelas em cada enfermaria. O cálculo das dimensões dos vãos é feito a partir de 1/3 da superfície compacta das paredes. Existiriam ainda ventiladores com capacidade para a total renovação do ar em 15 minutos sem abrir janelas. Este tipo de edifícios será susceptível de reutilização consideradas as várias hipóteses normalmente aceites na preservação, restauro e uso adaptativo de edifícios com valor histórico e cultural. A discussão da solução a adoptar terá de considerar a validade e sustentabilidade das possíveis intervenções tendo em conta que será necessário proceder ao reforço e correcções estruturais e ao apetrechamento e instalação dos diversos sistemas de acesso, segurança e conforto adequados aos fins a que se destinar e cumprida que seja a regulamentação aplicável. De qualquer modo, pesarão sobretudo nas decisões a tomar, o valor imagético e identitário, a integração paisagística única, bem como o seu valor construtivo, atendendo que constitui construção realizada, com materiais dificilmente utilizáveis na construção actual e com um valor imobilizado à partida que é sempre uma maisvalia a entrar em contas nos estudos de viabilidade económica para a sua reutilização. 15

Pavilhões do Parque, Planta do r/c. Desenhos obtidos junto do CHCR

Pavilhões do Parque, Planta do sótão, sendo visível a composição conseguida com a repetição das janelas de mansarda. Desenhos obtidos junto do CHCR 16

10. Os usos efectivos que vieram a ser dados aos Pavilhões Entre 1917 e 18, decorreram nos Pavilhões sessões de cinema até à inauguração do Salão Ibéria que terá acontecido em 1918. Em 1919 foram arrendados para aquartelamento do regimento de Infantaria n.º 5 que ali viria a manter-se por mais de 70 anos. Em 1920 foram o local para a I exposição Agrícola das Caldas, tiveram um posto de informação turística em 1924, foram a 1.ª sede do jornal A Gazeta das Caldas que ali imprimiu o seu primeiro número em 1 de Outubro de 1925. Foram também o local onde funcionaram as bibliotecas Municipal e Calouste Gulbenkian, albergando também estabelecimentos de ensino como o Liceu, a Escola do Magistério Primário e a Escola Empresarial do Oeste

11. Situação e projectos actuais Desde 1984 que vêm sendo feitos relatórios com diagnósticos da situação dos pavilhões, se propõem medidas de conservação integrada e se aponta para a necessidade de elaboração de projectos e obtenção de financiamentos (MANGORRINHA, 1999, pag. 33) sendo as patologias conhecidas e de novo diagnosticadas, em 1994, pelo LNEC. De acordo com o responsável técnico pelas instalações, Arqto Manuel A. Garcia dos Remédios, os edifícios dos Pavilhões do Parque encontram-se em estado de grande degradação, prevendo-se a necessidade de isolar um perímetro de protecção para prevenir acidentes com possíveis desabamentos situação esta que já se tornou efectiva desde o Verão de 2011. A situação tem sido permanentemente acompanhada pelo Gabinete de Planeamento do Hospital Termal e têm sido sistematicamente pedidos relatórios periciais, nomeadamente ao LNEC. Sabe-se, por exemplo, que os edifícios têm uma deficiência de natureza estrutural, pois a sua construção assenta básicamente em paredes autoportantes que constituem as fachadas, sem cintagem nos pisos e nos topos que lhes confira travamento adquado. Daí o risco de desabamentos sobretudo nas frontarias das mansardas que pontuam os topos das fachadas. A Administração do Hospital Termal, agora integrada no Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, uma realidade mais vasta e sensível para o bem-estar das populações, integrada no sistema de administração geral dos hospitais portugueses, 17

não inclui nos seus planos a manutenção dos Pavilhões, segundo fomos informados por aquele responsável. Têm no entanto sido feitas intervenções preventivas pontuais como a colocação de esticadores para prevenir desabamentos de peças das fachadas, além dos projectos de conservação e reparação gerais sucessivamente adiados e remetidos para soluções a encontrar no âmbito de outros empreendimentos planeados sobre a utilização dos Pavilhões. A estratégia seguida pela Administração hospitalar parece ser a da cessação a particulares orientada para o desenvolvimento termal para o que têm vindo a ser preparadas as bases para concursos internacionais. À semelhança do que aconteceu 120 anos atrás, continuam a existir linhas de pensamento político que não vêm com bons olhos a solução de hotelaria para os Pavilhões no contexto mais geral do aproveitamento dos recursos aquíferos do Hospital Termal. Outras soluções vão sendo faladas também como uma possível Fundação de âmbito e objectivos mais alargados visando chegar a uma solução ou ainda o interesse emergente de empresas privadas. Mais uma vez mais assistimos ao equacionar de projectos pelas instâncias de âmbito nacional, central, apostadas na linha do projecto termal essencial, enquanto que a este projecto parecem não aderir os órgãos eleitos da Câmara Municipal, expressão dos interesses locais dominantes.

12. Conclusão Estamos perante um projecto inacabado - possívelmente irrealizavel nas condições do tempo em que foi lançado ou cuja energia criadora não teve seguidores, ou cuja dimensão não estava à altura dos diversos protagonistas locais e nacionais – mas que se transformou no símbolo de uma cidade, assumindo hoje um valor patrimonial e identitário inegável, mas a que está associado uma eterna ambiguidade que lhe advem da situação equívoca do seu nascimento, a ponto de os responsáveis assistirem ao seu eminente desmoronamento e nada de eficaz fazem para o evitar. Como pano de fundo e talvez servindo como explicação para a atitude local, há ainda uma pista que não exploramos neste pequeno trabalho mas que nos levaria por certo mais longe embora extravasando o seu âmbito e objectivos. Referimo-nos à realidade da queda acentuada do termalismo no pós-guerra, em favor do turismo massificado das estâncias balneares junto ao mar com o abandono e decadência das grandes estâncias de águas termais do fim do séc. XIX. 18

Esta pista ajudará possivelmente a entender a atitude das forças políticas locais de aparente indiferença pelo uso dos pavilhões dentro de uma solução termal, mas parece ser um facto indubitável que um dos símbolos da identidade da cidade, mal nascido, na sua concepção, se recusa a assumir por mais tempo outra vocação que não a do termalismo que a a originou, preferindo desmoronar-se, num processo de auto-vandalismo, a abrir-se a outras solução. Mas recordando novamente Françoise Choay, para terminar, lembremos que conservar também pode ser o integrar num novo estado semântico, mantendo a forma e as suas referências identitárias associadas a novos usos que nelas a sociedade actual quer assumir.

Bibliografia Borges, Nicolau – Hospital Termal das Caldas da Rainha, Arte e Património, Caldas da Rainha, CDroom de Aplicação Interactiva editado pelo Museu do Hospital e das Caldas, 2008 Choay, Françoise – Alegoria do Património, Lisboa, Edições 70, 2010, trad de L’Allegorie du Patrimoine, Paris, Ed. Seuil, 1982, 1996 e 1999 Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Lisboa, Verbo, 2001 Fitch, James Marston – Historic Preservation, 2d Printing, the University Press of Virginia, 1982 Hospital Termal Rainha D.Leonor, ficha disponível na página www.monumentos.pt Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, datada de 2002 e assinada por Cecília Matias e Filipa Avelar, acedida em 17 Janeiro 2011 Mangorrinha, Jorge - Pavilhões do Parque, Património e Termalismo nas Caldas da Rainha, Caldas da Rainha, Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, 1999 Mangorrinha, Jorge (Coordenação de) – Rodrigo Berquó Cantagalo, 1839-1896, Arquitecto das Termas, Caldas da Rainha, C H C R, 1996 Réau, Louis - Histoire du Vandalisme, Introduction, folhas policopiadas acedidas no âmbito do Curso de Estudos de Património, Unversidade Aberta, 2011. 19

Serra, João B. - Introdução à História das Caldas da Rainha, Caldas da Rainha, Património Histórico – Grupo de Estudos, 2ª edição revista e aumentada, 1995

Consulta de páginas da Internet Gazeta das Caldas - Câmara das Caldas da Rainha quer instalar nos pavilhões do Parque o grande Museu da Cerâmica Portuguesa, http://aeiou.expresso.pt/camaradas-caldas-da-rainha-quer-instalar-nos-pavilhoes-do-parque-o-grande-museu-daceramica-portuguesa=f502695 , acedida em 11-02-2011 Jornal das Caldas, Edição On-line, Março 12th, 2009 - Câmara quer instalar nos Pavilhões do Parque, http://www.jornaldascaldas.com/index.php/2009/03/12/camara-quer-instalar-nospavilhoes-do-parque/ , acedido em 11-02-2011 Heavenly, http://vascotrancoso.blogspot.com/2010/04/questao-dos-pavilhoes-doparque-e-do.html Inês de Portugal, blogue regional com transcrições da imprensa local, http://inesdeportugal.blogspot.com/

Documentos cedidos Colecção de cópias das plantas de arquitectura do Complexo Termal relativas aos Pavilhões do Parque, Esc. 1:200, CHCR, cedidas gentilmente pelo Sr. Manuel A. Garcia dos Remédios do Gabinete de Planeamento do Hospital termal, em Fevereiro de 2011

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