\"Paz entre nós, guerra aos senhores\": o internacionalismo anarquistas e as articulações políticas e sindicais nos grupos e periódicos Guerra Sociale e A Plebe na segunda década do século XX em São Paulo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

KAUAN WILLIAN DOS SANTOS

“PAZ ENTRE NÓS, GUERRA AOS SENHORES”: O INTERNACIONALISMO ANARQUISTA E AS ARTICULAÇÕES POLÍTICAS E SINDICAIS NOS GRUPOS E PERIÓDICOS ANARQUISTAS GUERRA SOCIALE E A PLEBE NA SEGUNDA DÉCADA DO SÉCULO XX EM SÃO PAULO

GUARULHOS - SÃO PAULO 2016

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KAUAN WILLIAN DOS SANTOS

“Paz entre nós, guerra aos senhores: o internacionalismo anarquista e as articulações políticas e sindicais nos grupos e periódicos anarquistas Guerra Sociale e A Plebe na segunda década do século XX em São Paulo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História. Área de concentração: Instituições, Vida Material e Conflito Orientação: Profa. Dra. Edilene Teresinha Toledo. Versão corrigida.

GUARULHOS– SÃO PAULO 2016

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Kauan Willian Dos Santos. “Paz entre nós, guerra aos senhores: o internacionalismo anarquista e as articulações políticas e sindicais nos grupos e periódicos anarquistas Guerra Sociale e A Plebe na segunda década do século XX em São Paulo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em História.

Profa. Dra. Edilene Teresinha Toledo

Universidade Federal de São Paulo Prof. Dr. Carlo Maurizio Romani

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Prof. Dr. Luigi Biondi

Universidade Federal de São Paulo Prof. Dr. Denilson Botelho de Deus (Suplente Interno) Universidade Federal de São Paulo Prof. Dr. Robert Sean Purdy (Suplente Externo) Universidade de São Paulo

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SANTOS, Kauan Willian dos. “Paz entre nós, guerra aos senhores: o internacionalismo anarquista e as articulações políticas e sindicais nos grupos e periódicos anarquistas Guerra Sociale e A Plebe na segunda década do século XX em São Paulo./ Kauan Willian dos Santos. – 2016. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Programa de Pós Graduação em História, 2016. 178 f.

Orientação: Profa. Dra. Edilene Teresinha Toledo. “Peace among us, war on tyrants”: the anarchist internationalism and the political and syndicalism joints in the groups and periodics Guerra Sociale and A Plebe in the second decade of the twentieth century in São Paulo - Brazil.

1.Anarquismo 2. Internacionalismo. 3. Anti-imperialismo. 4. Sindicalismo Revolucionário. 5.Imprensa Operária – Primeira República. I. TOLEDO, Edilene (Edilene Toledo). II.Universidade Federal de São Paulo – Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

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Em memória de Iracema e Ademir. Para Marcela, Kaique, Cristiane, Beatriz, Cleibe, Marcelo e Tatiana. Capas e escudos em tempos chuvosos e atribulados. Para todos aqueles que lutaram e aos que lutam por um mundo mais justo e melhor.

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AGRADECIMENTOS Agradecer a todos que passaram neste momento de aprendizado é muito difícil em um espaço tão pequeno. Além dos espaços formais e acadêmicos, minha formação e meu trabalho atual também levam em consideração minha vivência em múltiplos espaços; com minha família, com meus amigos, nas ruas, na minha militância e em tudo que acredito. Portanto, aqui, agradeço a todos que estiveram na linha de frente dessa minha fase, mas sem nunca negligenciar todas as outras experiências: À Capes, por meio da bolsa provinda do Programa de Demanda Social, me mantendo sem ser necessário dividir as atividades acadêmicas e minha pesquisa com outros trabalhos, garantindo a qualidade da minha formação. Agradeço enormemente a minha orientadora, professora Edilene Toledo, sempre me ajudando de forma humilde e paciente. É interessante salientar que embora tenhamos algumas divergências sobre o objeto tratado na dissertação, a humildade e a forma libertária em me tratar sempre estiveram na prioridade da professora, deixando à livre escolha o meu tema, objeto e referências teóricas, apenas aconselhando e debatendo de forma horizontal as possíveis divergências e encaminhamentos. É muito proveitoso trabalhar com alguém que acredita em uma educação libertadora. Ao professor Luigi Biondi, que acompanha minha pesquisa e minha trajetória desde a graduação, ajudando, também de forma humilde e divertida, na minha formação e aos caminhos que a atual pesquisa ganhou. Agradeço principalmente suas considerações na banca de qualificação, na qual foram muito proveitosas as impressões apresentadas e os debates levantados. Ao professor Sean Purdy, do departamento de História da Universidade de São Paulo, que contribuiu de forma imprescindível, tanto através de sua disciplina “Trabalho, Classe e Política na História das Américas”, da qual tive o prazer de participar, quanto das suas contribuições também na banca qualificação dessa pesquisa. Uma grande sorte e prazer em contar com um professor que não está apenas militando dentro da Academia mas nas ruas, com os trabalhadores e estudantes. Ao professor Carlo Romani que gentilmente aceitou ler e contribuir à minha dissertação e pesquisa, através da banca de defesa. Os mesmos generosos agradecimentos ao professor Denilson Botelho, membro suplente da banca. Agradeço também a todos os professores que participaram dessa minha formação; Jaime Rodrigues, Wilma Peres Costa, Maria Rita Toledo e Fábio Franzini.

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Aos funcionários do Arquivo Cedem-Unesp e do AEL-Unicamp, muito prestativos e atenciosos em seus trabalhos. Aos colegas que me acompanharam no decorrer do mestrado, importantes na minha formação por meio das discussões nas salas de aula, mas também por meio de conversas edificantes. Eu agradeço principalmente aos colegas e amigos com quem tive o prazer de fundar e trabalhar na “Hydra: revista discente eletrônica da pós-graduação em História da Universidade Federal de São Paulo”. Apesar das dificuldades, mantivemos a alegria e a esperança de juntar nossas expectativas e visões de mundo a uma revista de qualidade científica, esses foram: Gabriela, Arthur, André, Anita, Caio, Carlos, Danillo, Diego, Elson, Larissa, Lucas, Maria Clara, Paula, Rafael e Victor. Aos integrantes do “ITHA – Instituto de Teoria e História Anarquista”, da “Coleção Estudos do Anarquismo” da Editora Prismas e do curso “Teoria e História do Anarquismo” que ocorreu na EACH-USP, principalmente Felipe Corrêa e Rafael Viana, com quem tive o prazer e felicidade de trabalhar. Além das contribuições para a pesquisa, também enriqueceram meu arcabouço militante e crescimento como indivíduo. Agradeço aos amigos que ficaram ao meu lado mesmo em tempos atribulados: Lucas, Guilherme, Gleison, Stefan, Luis Fernando, Thiago e Roberto, À minha família que respeitou minhas opções e caminhos, me tratando com respeito, amor e me ajudando sempre quando necessário. Agradeço ao Kaique, Marcela, Cleibe, Marcelo, Cristiane, Beatriz e principalmente à Tatiana. À Iracema e Ademir, que apesar de não estarem mais por meio da presença física, estão na minha memória, moldando meus horizontes. Agradeço minha experiência nos movimentos sociais junto aos trabalhadores, estudantes e marginalizados, que construíram e constroem minhas visões de mundo, expectativas e anseios na prática. Termino esse espaço ressaltando que muito provavelmente, há não muito tempo, uma pessoa de origem popular, como eu, não teria acesso à pós-graduação, ainda mais estudando o tema da minha escolha com meus referenciais teóricos e com bolsa. Vivemos em tempos em que essa possibilidade, que muito mais do que o avanço de um partido, foi resultado da luta de personagens explorados, está sendo ameaçada. Urge a necessidade de nos organizarmos contra os ameaçadores desses avanços, sempre tendo em perspectiva que as vitórias devem vir de baixo. Esperança!

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“Bem unidos façamos nesta luta final Uma terra sem amos, A Internacional Nós fomos de fumo embriagados Paz entre nós, guerra aos senhores Façamos greve de soldados Somos irmãos, trabalhadores Se a raça vil, cheia de galas Nos quer à força canibais Logo verás que as nossas balas São para os nossos generais.” – A Internacional (letra de Eugene Pottier (1871), versão portuguesa do hino por Neno Vasco. Revista Utopia. Rio de Janeiro, 1990.)

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RESUMO: Os periódicos confeccionados e lidos pelos trabalhadores, grupos subalternos e militantes no contexto da Primeira República em São Paulo foram um dos principais vetores de divulgação e mobilização política. Nesse sentido, é evidenciado o papel que tiveram os grupos anarquistas, igualmente importantes na configuração dos movimentos reivindicatórios nesse período. Visando aprofundar o tema em questão, o objetivo central nessa pesquisa é adentrar o estudo dos periódicos A Plebe e Guerra Sociale e os seus grupos militantes em conjunto, buscando compreender, de maneira mais ampla, a construção e a condução de estratégias e táticas políticas e sindicais frente às mobilizações que ascenderam no contexto proposto, ressaltando também suas conexões transnacionais e seus projetos internacionalistas. Diante disso, será possível evidenciar o fortalecimento de diversas propostas que tais grupos estavam desempenhando, tal como as que levavam em consideração os contextos internacionais, que estavam influenciando o movimento operário e revolucionário na cidade - entre as quais a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa - as articulações e militância de orientação sindical que visavam à união de diversas tendências políticas, regionais e de ofício e a união dos grupos especificamente anarquistas, a chamada Alliança Anarquista. Para tal, busco primeiramente compreender as condições que possibilitaram o surgimento das estratégias e políticas anarquistas que serão reavaliados pelos grupos estudados e, depois, percorro a construção e atuação dos periódicos mencionados a partir de seus discursos e propostas bem como de práticas e as formações de seus militantes dentro de condições materiais precisas e de eventos históricos condicionantes, entre elas a conjuntura das greves e manifestações de 1917-1920, que tinham no sindicalismo revolucionário seu principal vetor social, análise que se dá também comparando tais práticas com suas influências teóricas e os debates e articulações internacionais anarquistas. Palavras-chave: Anarquismo. Internacionalismo. Anti-imperialismo. Sindicalismo Revolucionário. Imprensa Operária – Primeira República.

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ABSTRACT: The produced and read newspapers by the lower classes, workers and militants in the context of the First Republic in São Paulo-Brazil was one of the main vectors of dissemination and political mobilization. Therefore, it is evident the role that had anarchist groups, equally important in shaping the claim movements in this process. Aiming to examine the subject in question, the main objective in this research is the study of the periodics A Plebe and Guerra Sociale and its militant groups, trying to understand, more broadly, the construction and driving political syndicalists strategies and tatics in the face of demonstrations that amounted in the proposed context, also highlighting their transnational connections and their internationalist projects. Therefore, we can show the strengthening of a number of policy proposals that such groups were performing, such as that considered international contexts, which were influencing the labor movement in the city, such as First World War and the Russian Revolution, the very joints and militant syndicalism orientation aimed of various political tendencies, and regional office and the union of the specifically anarchist groups, the Allianca Anarquista. To do this, first seek the conditions that allowed the emergence of anarchist strategies and policies that will be reassessed by the groups, and then I walk the construction and operation of the journals mentioned from his speeches and proposals and practices and the training of their militants within specific material conditions and historical conditions events, including the situation of strikes and demonstrations of 1917-1920 who had revolutionary syndicalism its main social vector, analysis that gives also compared these practices with their theoretical influences and debates and international links anarchists. Keywords: Anarchism. Internationalism. Anti-imperialism. Syndicalism. Working Press – First Republic.

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LISTA DE SIGLAS ADS

Aliança da Democracia Socialista

AIT

Associação Internacional dos Trabalhadores

CGT

Confederação Générale du Travail ( Confederação General do Trabalho)

CDP

Comitê de Defesa Proletária

CNT

Confederación Nacional del Trabajo (Confederação Nacional do Trabalho)

COB

Confederação Operária Brasileira

EUA

Estados Unidos da América

FORA

Federación Obrera Regional Argentina (Federação Operária Regional

Argentina) FORJ FORP

Federação Operária do Rio de Janeiro Federación Obrera Regional del Perú (Federação Operária Regional do

Peruana) FOSP

Federação Operário de São Paulo

IWW

Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo)

PSI

Partido Socialista Italiano

UGT

União Geral dos Trabalhadores

URSS

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

USI

Unione Sindicale Italiana (União Sindical Italiana)

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13 CAPÍTULO 1. “BEM UNIDOS FAÇAMOS, NESTA LUTA FINAL”: A CONSTRUÇÃO GLOBAL DO ANARQUISMO E A RECEPÇÃO DE IDEIAS E EXPERIÊNCIAS EM SÃO PAULO NAS DUAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX….33 A construção do anarquismo entre estratégias e táticas .................................................. 33 Anarquismo, anti-imperialismo e libertação nacional .................................................... 46 Imprensa, movimento operário e a circulação de ideias no movimento anarquista em São Paulo. ...................................................................................................................... 54 Sindicalismo e o internacionalismo anarquista entre a Primeira Guerra Mundial e o movimento operário local .............................................................................................. 69 CAPÍTULO 2. “PAZ ENTRE NÓS”: IDEOLOGIA, ESTRATÉGIA E PRÁTICA NA CONSTRUÇÃO DOS JORNAIS E GRUPOS GUERRA SOCIALE E A PLEBE 82 Guerra Sociale: o internacionalismo e a coesão militante em evidência ....................... 82 A Plebe: entre o internacional e o local nas lutas efetivas do operariado e o sindicalismo revolucionário em disputa ....................................................................... 102 Capítulo 3. “GUERRA AOS SENHORES”: NOS BASTIDORES DA MILITÂNCIA ANARQUISTA FRENTE AOS MOVIMENTOS GREVISTAS E REVOLUCIONÁRIOS EM SÃO PAULO (1917-1922)… ........................................ 123 “Rajas do grande ciclone”: as articulações políticas e sindicais na greve geral de 1917… 123 A alma vermelha: bolchevismo em xeque, repressão e as novas definições do movimento anarquista no fim da década ...................................................................... 143 CONCLUSÃO .............................................................................................................. 159 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 162 FONTES ....................................................................................................................... 170 ANEXO (IMAGENS). ................................................................................................. 171

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INTRODUÇÃO O anarquismo, ideologia que emerge das lutas dos trabalhadores e dos grupos subalternos1 desde as décadas finais do XIX, tanto a partir de sua teoria política quanto na própria prática, buscou construir e propor uma sociedade igualitária, uma nova organização política e econômica, em contraposição ao avanço do sistema capitalista de produção, das fronteiras nacionais, do centralismo estatista e do que entendiam como uma alienação religiosa e cultural, consideradas como as condições causadoras da desigualdade para os libertários. Entre suas propostas, como resposta, estavam a descentralização do poder num nível federativo, a autogestão dos trabalhadores e o fim da desigualdade social e econômica.2 O internacionalismo prático desses pensamentos e práticas afetou grandes áreas, alastrando-se também na América do Sul.3 No caso brasileiro, nos nascentes polos econômicos que se expandiam rapidamente como em São Paulo e no Rio de Janeiro, muitos eram explorados pelas elites oligárquicas e pelos industriais que detinham a força de trabalho. Péssimas condições de vida e de trabalho acompanhavam esses personagens, cada vez em maiores números, como atesta o historiador Uassyr de Siqueira:

O fluxo de ex-escravos e de imigrantes, atraídos pelos empregos oferecidos 1

Para Marcel Van der Linden, os trabalhadores assalariados que sofriam as pressões nas fábricas não eram os únicos a sofrerem o males da expansão capitalista. Na própria formação desse sistema econômico, e o enriquecimento de uma pequena classe proprietária, houve a necessidade da expropriação e colonialismo de diversas regiões, produzindo escravos, gerando também miséria nesses locais. Do mesmo modo, a grande demanda excedente de pessoas para as nascentes fábricas, aumentando a necessidade de trabalhadores não qualificados, prostitutas, meeiros, pequenos artesãos, moradores de rua e outros que, na verdade, formavam um grande grupo marginalizado e podem combinar vários tipos de funções para sua sobrevivência, figurando o que se pode chamar de trabalhadores subalternos, chamados muitas vezes de precarizados ou lumpemproletariado. Embora Linden use o termo trabalhadores subalternos para designar todos esses, usamos trabalhadores e grupos subalternos para apontar os ocupantes de cargos assalariados mais ou menos fixos ou especializados e grupos marginalizados como prostitutas, moradores de rua, respectivamente. Ver LINDEN, Marcel Van der. “Proletariado: conceitos e polêmicas.” Revista Outubro, vol. 21, nº 1, p.1-25, Fev. 2013. 2 O conceito de anarquismo a que me refiro é o denominado “socialismo libertário”, doutrina e prática formulada e inserida a partir da segunda metade do século XIX. Magnani afirma que o anarquismo é uma: “(doutrina) que se insere no conjunto de ideias socialistas que se originaram das contradições inerentes à sociedade capitalista, onde a “organização política repousa sobre os princípios eternos da liberdade, da igualdade e da fraternidade, enquanto a vida social é dominada pela escravidão econômica, pela desigualdade social e pela luta de classes”. MAGNANI, Silvia Lang. O Movimento anarquista em São Paulo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. p.56. 3 Sobre o internacionalismo do anarquismo ver VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism. Oakland: Ak Press, 2009 e HIRSCH, Steven; VAN DER WALT, Lucien (orgs). Anarchism and Syndicalism in the Colonial and Postcolonial World, 1870-1940: The praxis of national liberation, internationalism and social revolution. Leiden, Brill, 2010.

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pelas indústrias em expansão e também pelas possibilidades de trabalho informal – como vendedores ambulantes, cujo trabalho era essencial para o abastecimento urbano dava à cidade de São Paulo um novo perfil demográfico e social. Dessa maneira, a expansão econômica da cidade veio acompanhada de um aumento populacional. Se em 1872 possuía 31.385 habitantes, passaria a contar com 239.820 em 1900 e com 579.033 em 1920. 4

Através de sua trajetória, o anarquismo representou a reclamação da participação social e política de grande parte da população que era excluída das decisões da política institucional. A historiadora Edilene Toledo completa que

no contexto do Brasil da Primeira República, as reivindicações operárias, influenciadas, em parte, pelo anarquismo, eram também um esforço de criação de uma cultura de democracia, porque muitas vezes as lutas não visavam somente melhorar salários e reduzir jornadas de trabalho, mas assegurar o direito à própria existência, ou seja, garantir condições de democracia e de civilidade onde o movimento e a organização dos trabalhadores pudessem ser reconhecidos como um elemento legítimo na sociedade. 5

Embora muito discutida e igualmente criticada por alguns personagens e periódicos, especialmente, no caso brasileiro, pelo grupo redator do jornal La Battaglia, a participação sindical com vias pela ação direta estiveram entre os principais meios de manifestação do anarquismo. Sendo assim, alguns libertários criticavam a ação sindical por supostamente reivindicar apenas melhorias de vida dentro do sistema capitalista e ofuscar a revolução almejada. Outros anarquistas, no entanto, enxergavam o sindicalismo como arma eficiente e adentravam nestes como uma estratégia para disseminar tal projeto ideológico usando-o como seu principal vetor social.6 Podemos observar, nas duas primeiras décadas do século XX, o fortalecimento e a disseminação do anarquismo como um movimento gradativamente mais solidificado que buscava alavancar o movimento operário reunindo também outros grupos militantes. Uma evidência disso pode ser encontrada na coluna assinada pelo militante Gigi Damiani em 1919 no periódico A Plebe:

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SIQUEIRA, Uassyr de. Entre sindicatos, clubes e botequins: identidades, associações e lazer dos trabalhadores paulistanos (1890-1920). Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2008. p.11. 5 TOLEDO, Edilene. “Trazemos o novo mundo em nossos corações: os anarquistas e o esforço de construção de uma cultura alternativa em São Paulo na Primeira República.” In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011. p.1. 6 Para Alexandre Samis o sindicalismo revolucionário seria o principal veículo ou intermediário entre as posições libertárias e as necessidades da classe operária chamando essa intermediação de vetor social. Ver SAMIS, Alexandre “Minha pátria é o mundo inteiro”: Neno Vasco, anarquismo e as estratégias sindicais nas primeiras décadas do século XX . Tese (doutorado em História). Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2009. Desenvolveremos a posição e o papel do sindicalismo para as vertentes estratégias do anarquismo no decorrer da dissertação.

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Será possível a concentração de todas as forças proletárias para um fim único de imediato alcance? Anarquistas, socialistas, sindicalistas poderão constituir um único organismo revolucionário sem que haja na luta dispersão de energias ou esforço contraditório? […] Sim, é possível, desde que não haja equívocos. Ontem era lícito discutir sobre parlamentarismo, salários mínimos, propaganda pelo fato, ação direta e insurrecionalismo. E era lícito, também traçar contornos indefinidos de uma sociedade longínqua. Hoje o problema é bem diverso. Passou-se a época dos discursos e chegou a hora dos fatos. Quem possuí raciocínio e não vive na lua, deve confessar a si mesmo que os fatos, na sua maturação, exigem uma concepção positiva do que se deve fazer[...]. Anarquistas, socialistas, sindicalistas somos todos pela socialização imediata da propriedade. E se o somos todos hoje, não vamos agora discutir porque ontem não o éramos todos. Seria ocioso. Hoje há um ponto, e essencial, no qual anarquistas e socialistas (refiro-me aos socialistas que creem no socialismo e não nos cataplasmas em pernas de pau) encontramo-nos sob o mesmo ponto de vista. 7

Entre os representantes dessa expressão organizadora estavam os periódicos Guerra Sociale e A Plebe que tiveram papel relevante nas manifestações de 1917-1920 e nas campanhas antimilitaristas do movimento operário desde 1915 na cidade de São Paulo, como veremos nesta dissertação. De acordo com o trecho de Damiani, militante anarquista atuante em ambos os periódicos, o estudo destes e dos grupos a eles associados podem evidenciar o fortalecimento do anarquismo que foi construído não só por teorias, mas pela própria prática do movimento operário em nível local e transnacional8. Resgatar a trajetória desses jornais e grupos pode evidenciar a circulação de ideias e experiências, a construção e impulsão de uma cultura política e revelar ainda como o anarquismo atuava em meio ao movimento operário mesclando seus projetos ideológicos com os interesses de classe e sua inserção e atuação no sindicalismo revolucionário.9 Evidentemente, o anarquismo bem como seus instrumentos comunicacionais, enquanto tema e objeto de pesquisa, foi comumente abordado pela historiografia brasileira, principalmente envolvendo os temas do movimento operário, cultura proletária, imigração e mais recentemente sobre as amplas iniciativas educativas que os militantes libertários disseminaram durante suas trajetórias no país.10Os primeiros autores que se voltaram aos estudos da atuação libertária e sua ação entre os trabalhadores foram os Leuenroth. “Rumo a revolução social”. A Plebe. N.1. P.1. 9 de junho de 1917. Ver LINDEN, Marcel van der. “História do Trabalho: O Velho, o Novo e o Global. In: Revista Mundos do Trabalho, v.1, n.1. 2009. 9 Estudos recentes apontam que tal estratégia não pode ser confundida com o anarcossindicalismo, espaço que teria uma unidade programática anarquista prévia. VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op.cit. 10 Ver o balanço historiográfico do anarquismo no país em OLIVEIRA, Tiago. Anarquismo, sindicatos e revolução no Brasil (1906-1936). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, 2009. 7 8

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próprios militantes em períodos mais avançados de suas vidas. No início da década de 1960, Edgard Leuenroth, buscando legitimar a importância do movimento anarquista na configuração e na construção do movimento operário nas primeiras décadas do século XX, buscou a origem do anseio libertador desde tempos remotos que supostamente estaria na essência dos homens e das sociedades.

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Para o autor, o anarquismo seria uma

“dinâmica social” presente nas lutas contra “todas as manifestações de tirania”.12 Essa visão marcou por muito tempo muitas narrativas que provinham de simpatizantes do anarquismo, como Max Nettlau, autor austríaco, que relacionou o desenvolvimento do ideal anarquista com as reivindicações humanas que aspiravam pela liberdade durante a história. 13 Astrojildo Pereira, outro personagem ativo durante os anos que interessam a esta pesquisa, que passou de militante e redator anarquista para as fileiras de orientação comunista, apresentou outro discurso em sua análise e dividiu o movimento operário em duas fases. A primeira, supostamente inconsciente e falha, marcada pela atuação dos anarquistas, e outra, que, na visão deste, foi consequência do amadurecimento político dentro da esquerda, que resultou no nascimento do Partido Comunista no Brasil.14 Nesse sentido, enquanto o partido trouxe um marco para a atuação dos militantes progressistas dentro da política nacional, contendo um projeto de sociedade seguro, o anarquismo seria um movimento prematuro, com a ausência de alianças concretas e com um projeto falho para o futuro dos trabalhadores. Como é possível observar, Pereira também reproduz um discurso político pautado na visão de militantes e líderes comunistas como Lenin, que atribuía ao anarquismo um caráter de “ideologia pequeno-burguesa” e “individualista”. 15 Podemos constatar que embora tais pesquisas sejam consideradas pioneiras, elas sofrem forte influência da memória de seus autores16, bem como a falta de distanciamento destes com seu objeto de análise, resultando em considerações e conclusões muito próximas às suas visões de mundo e aos seus interesses políticos. Claudio Batalha, ao estudar a historiografia da classe operária, aponta nessa fase, que marcou as análises até a metade do século XX, poderia ser classificada como de LEUENROTH, Edgar. Anarquismo – roteiro da libertação social: antologia da doutrina, crítica, história, informações. Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1963. 12 Idem. p.82. 13 NETTLAU, Max. Historia da Anarquia: das origens ao anarco-comunismo. São Paulo: Hedra, 2008. 14 PEREIRA, Astrojildo. Construindo o PCB (1922-1924). São Paulo: ed. Ciências Humanas, 1980. 15 LENIN, Vladmir. O Estado e a Revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2007. 16 HALL, Michael. “História Oral: os riscos da inocência”. In.: O direito a memória: Patrimônio Histórico e cidadania. São Paulo: DPH, 1992. p. 157-160. 11

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caráter essencialmente militante e teria a função de legitimação de uma corrente política ou mesmo de um partido. Nesse período também, tanto no país quanto em âmbito internacional, a história das classes operárias foi confundida com a história do movimento operário ou de alguma organização política, tendência que marcará profundamente essa historiografia.17 O autor Georges Haupt aprofunda essas considerações e reforça o argumento que as narrativas sobre a história do operariado foram alvos de reflexões ligadas à determinada orientação política-ideológica, fato que resultou na instrumentalização das análises para interesses de determinados grupos. Assim,

[...] é a percepção que os partidos operários têm de si mesmos e a representação que querem dar que orientam seus discursos históricos. Controle das fontes, atitude voluntarista frente à história facilitam a tarefa e condicionam o esclarecimento: os fatos que correspondem às versões oficiais são destacados e considerados essenciais, aqueles que as contradizem ou não servem, na presente conjuntura, são considerados marginais e inoportunos. 18

Após a segunda metade do século XX, a historiografia brasileira visando os trabalhadores sofreu grandes transformações. Na década de 1960, por exemplo, as interpretações sociológicas penetraram esse campo de estudo. Embora esses trabalhos sejam importantes para compreendermos o avanço das análises é perceptível a carência na utilização ou citação dos documentos e fontes que esses autores apresentaram. Alguns desses pesquisadores, como Juarez Lopes ao estudar a Sociedade Industrial no Brasil, ocultaram inúmeros movimentos políticos ou contestatórios como o próprio anarquismo ou os movimentos socialistas e sindicais.19 Uma vez que não se encontravam incluídos em uma documentação considerada oficial, muitas informações relevantes e personagens foram negligenciados. Além disso, o autor deu primazia para uma organização sindical posterior ao período 1930, marco que não se sustentou com as pesquisas que buscaram as origens do movimento sindical nos polos industriais brasileiros. Na década de 1970, no contexto da Ditadura Militar no Brasil e consequentemente da repressão nos ambientes acadêmicos20, o tema da classe operária e especialmente 17 BATALHA, Claudio. “A historiografia da classe operária no Brasil: trajetória e tendências”. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. Bragança Paulista: Universidade São Francisco; São Paulo: Contexto, 1998. 18 HAUPT, Georges. “Por que a História do Movimento Operário?”. In: Revista História e Perspectivas. v.23 n. 43, 2010. p. 51. 19 LOPES, Juarez Rubens. Sociedade Industrial no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2008. 20 SORJ, Bernardo. A construção intelectual do Brasil: da resistência à ditadura ao governo FHC. Rio

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suas possíveis expressões políticas foram fortemente ocultados das pesquisas. Nesse contexto, brasilianistas tomaram frente em pesquisar tal tema no Brasil. Um desses, Eric Gordon, se atentou especialmente para a prática do movimento anarquista entre os trabalhadores.21 O autor construiu uma nova abordagem, influenciada pelos estudos culturais e antropológicos, destacando o próprio cotidiano operário e as formas variadas de participação dos militantes libertários. Gordon também apontou a presença de personagens em comícios, periódicos, na Escola Moderna e em centros de cultura, evidenciando a possibilidade de estudos amplos sobre o tema. No final da década de 1970, o interesse de pesquisadores acadêmicos sobre a classe trabalhadora no país tomou novo fôlego, principalmente pelo ressurgimento de uma nova força sindical (o chamado “Novo Sindicalismo”) no cenário da reabertura política que resultou também em novos estudos do movimento operário.22 Um salto na historiografia que visou os libertários foi a obra de Silvia Magnani, publicada em 1978.23Recusando algumas interpretações anteriores que explicavam a razão do surgimento do anarquismo em terras brasileiras devido à intensa onda imigratória24, a autora trabalhou com tal ideologia como uma das expressões do movimento de classe intimamente ligado às condições socioeconômicas e políticas.25 Para Magnani, o movimento de orientação anarquista entre os trabalhadores em São Paulo não apresentou um caráter exótico ou estanque do operariado mas foi resultado de uma conjuntura que excluía os trabalhadores dos debates e da representação política. Porém, o viés do seu trabalho também foi muito criticado posteriormente, uma vez que destacou e deu importância em primazia à militância dos anarquistas junto à organização dos trabalhadores, excluindo outras expressões de resistência neste seio. Sua contribuição, na verdade, foi identificar e separar notavelmente os trabalhadores em geral, e uma parcela organizada destes, movidos por uma orientação política. Em contrapartida, historiadores ou cientistas políticos, voltando-se ao movimento operário no Brasil no período proposto, também realizaram críticas à presença dos de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 21 GORDON, Eric Arthur. Anarchism in Brazil: theory and practice, 1890-1920. Louisiana, 1978. 22 SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena: experiências e lutas dos trabalhadores da grande São Paulo 1970-1980. São Paulo: Paz e Terra, 2001. 23 MAGNANI, Silvia. Op.cit. 24 Para um debate bibliográfico específico das relações entre imigração e movimento operário ver BIONDI, Luigi. “Imigração Italiana e Movimento Operário em São Paulo: Um Balanço Historiográfico”. In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; Croci, Federico; Emilio Franzina (Orgs.). História do Trabalho e Histórias da Imigração: Trabalhadores Italianos e Sindicatos no Brasil (séculos XIX e XX). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 2010. 25 Ver MARAM, Sheldon. Anarquismo, imigrantes e o movimento operário brasileiro: 1890-1920. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

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militantes libertários. Um exemplo dessa perspectiva encontra-se na obra de Boris Fausto preocupado em esclarecer os possíveis motivos para a debilidade do movimento operário na Primeira República e seu fracasso político que não alcançou vitórias significativas.26 Para o autor, existiram fatores essenciais para essa suposta derrota, começando pela própria posição secundária da indústria para o Estado brasileiro, mas também da exclusão dos trabalhadores da organização política partidária. Fausto também argumenta que esse último fator provinha, além da formação desigual da sociedade brasileira, da influência do anarquismo entre o movimento operário que se baseava em críticas morais e não propunha táticas e estratégias avançadas, não compreendia o papel do Estado e se distanciava da política representativa e eleitoral, fatores que contribuíram para o isolamento do proletariado estrangeiro, aumentando o poder das classes dominantes no período. É interessante notar que Trabalho Urbano e Conflito Social foi uma das primeiras obras nacionais a contar com uma ampla gama de documentação, tanto oficial como da imprensa operária ou das organizações reivindicatórias.27 No entanto, o autor pareceu ainda tomar como referência certa concepção ideológica e política supostamente mais correta para os trabalhadores se organizarem (a formação de um partido político) e, ao invés de se atentar para os motivos históricos e sociais que levaram essa classe a exprimir determinado comportamento organizativo, inferiorizou determinada ação por não se encaixar no modelo previsto. Apesar dos avanços historiográficos e do rigor metodológico e teórico, uma visão partidária ou militante que imprimia juízo de valor à determinada estratégia política parecia marcar ainda as interpretações. Mais tarde, pesquisadores como Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro, contestaram interpretações como a de Fausto, afirmando que tais pesquisas pressupõem um modo ideal de como a classe operária deveria se comportar e consequentemente distorcem a possível experiência real e prática que os trabalhadores possuíam durante o contexto analisado28. Em resposta, os autores propõem

o esboço de uma interpretação, que ao invés de culpar as vítimas ou privá-las da capacidade de ação autônoma, procure dar conta da história da classe operária e do movimento operário como resultado de lutas concretas. Enquanto 26 FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e Conflito social: 1890- 1920. São Paulo: Difel, 1977. 27 Ver PETERSEN, Sílvia Regina Ferraz. “Trabalho Urbano e conflito social (1890-1920): Economia e Estado nas origens do movimento operário brasileiro.” In: GOMES, Ângela de Castro (org.). Leituras críticas sobre Boris Fausto. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Perseu Abramo, 2008. p. 53. 28 HALL, Michael; PINHEIRO, Paulo. “Alargando a História da Classe Operária: Organização, Lutas e Controle.” Coleção Remate de Males . n 5, 1985. p. 96-120. p. 96-120.

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a história da burguesia brasileira foi objeto de considerável pesquisa nos anos recentes, o foco da bibliografia continua ser sua relação com o Estado: as lutas com os operários são geralmente tratadas fugazmente, se muito.29

Assim, quando estes autores adentraram as próprias fontes deixadas pelos trabalhadores como periódicos operários, resoluções de congressos, comícios e muitos outros documentos, observaram a grande complexidade do tema que ainda estava para ser analisada e revista historicamente, que foi muitas vezes subvertida por posições políticas. Ao findar a década de 1980, podemos observar a consolidação do estudo das classes trabalhadoras. O historiador inglês Edward Thompson, na sua célebre obra A Formação da Classe Operária Inglesa publicada primeiramente em 1963 na Inglaterra, o autor contextualiza a noção de classe, que nessa interpretação, não é o resultado natural do desenvolvimento de forças produtivas ou de uma economia mecanicista. Para Thompson, a formação da classe operária inglesa deve ser vista como resultado de sua própria experiência particular e de seus embates, que ressignificavam e adaptavam culturas anteriores em relação às forças produtivas e à economia. O autor ressalta ainda os próprios agentes históricos e elementos como a cultura popular na construção da classe e nas próprias lutas e resistências que esta pudesse possuir.

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Sidnei Munhoz

argumenta que ao “refazer” a história do primeiro proletariado inglês, Thompson desenvolveu um percurso próprio, objetivando penetrar nos meandros do que ele denominou o “fazer-se” da classe operária inglesa. Tanto seu objetivo quanto suas fontes foram abordados de forma pouco convencionais. O estudo não se restringia a sindicatos e organizações socialistas, mas abrangia um vasto campo que compreendia a política popular, tradições religiosas, rituais, conspirações, baladas, pregações milenaristas, ameaças anônimas, cartas, hinos metodistas, festivais, danças, listas de subscrições, bandeiras, etc. 31

Nas décadas de 1980 e 1990, a historiografia do tema parecia perceber que o estudo da classe trabalhadora ainda estava ressaltando apenas uma movimentação política dos trabalhadores e negligenciando outras culturas de classe como lazer, cotidiano, alimentação, elementos propostos por autores como Thompson. Desse modo, se intensificaram de maneira considerável pesquisas que tiveram como foco expor a 29 Idem. p. 111. 30 THOMPSON, Edward. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 3 Ed. 31 MUNHOZ, Sidnei. “Fragmentos de um possível Diálogo com Edward Palmer Thompson e com alguns de seus críticos”. Revista de História Regional. Vol.2, n.2, 1997 . p. 157.

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formação da classe operária para além dos espaços considerados políticos. Aqueles que assinalaram a organização partidária do comunismo ou de associações como o anarquismo e o socialismo apenas representavam uma pequena parcela desse mundo operário. O autor Claudio Batalha nos informa que desde então, houve significativos avanços visto que

Os temas tratados pela história do trabalho já não privilegiam esse ou aquele aspecto, tendem a ter mais atenção com a diferença e com a complexidade da realidade. A história do trabalho tradicional preocupava-se essencialmente com os aspectos que unificavam os trabalhadores; sem abandonar essa dimensão essencial para a compreensão da ação classista, está cada vez mais atenta àquilo que os divide (origens étnicas, diferenças de ganhos e de status social, crenças, etc.). Certas dicotomias que prevaleceram durante algum tempo nesse campo, opondo, por exemplo: trabalho e lazer, organização e cotidiano, militância e trabalhadores não-organizados; agora têm pouco espaço. 32

Mas se de um lado, uma vertente da história da classe operária brasileira e internacional tem demonstrando sua heterogeneidade cultural e étnica33, suas formas de associação recreativa, de outro, autores preocupados com a invasão do pósestruturalismo na historiografia e a fragmentação política, têm defendido a relevância de se centrar nas formas de organização e expressão ideológica do operariado, legitimandoas com os novos debates teóricos e metodológicos. Esses autores afirmam que apesar dos avanços em se compreender as expressões classistas, sob o viés que inclui etnicidade, cultura e representação, as interpretações que visaram os trabalhadores foram tomadas também por proposições sem objetivos e metodologia claros. Isso já se tornava evidente quando alguns pesquisadores se apropriaram, de forma controversa, de autores da “Nova História do Trabalho” como o próprio Thompson. No caso brasileiro, Marcelo Badaró Mattos nos informa que o fato de ressaltarem apenas o suposto culturalismo de Thompson, mas negligenciarem suas preocupações nos embates e construções classistas e na ampliação do marxismo são fatores marcantes e preocupantes quando pensamos na recepção do autor na historiografia brasileira. 34 O autor Marcel Van der Linden também forneceu informações significativas para a construção de uma história dotada dessa perspectiva. O autor mostra que a “Nova 32 BATALHA, Claudio. “Os desafios atuais da História do Trabalho”. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p.87-104, jan./dez. 2006. 33 Ver KIRK, Neville. “Cultura: Costume, Comercialização e Classe.” IN: BATALHA, Claudio; SILVA, Fernando Teixeira da; FORTES, Alexandre(orgs). Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: Editora da Unicamp, 2004. 34 Ver MATTOS, Marcelo Badaró. “E.P. Thompson no Brasil.” Outubro. n.14, p. 83-110. 2006.

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História do Trabalho” trouxe importantes contribuições para o estudo dos trabalhadores, não apenas evidenciando a história da perspectiva dos comuns, mas também por incluir gênero, etnia e raça em suas interpretações, porém, não rompeu de forma plena com alguns pressupostos de uma antiga linha que visava os trabalhadores. Essa vertente, muitas vezes, continuou dando prioridade ao estudo nos países de capitalismo avançado, principalmente no desenvolvimento Europeu e quando muito, sobre esse viés, projetavam a história do capitalismo, em outras regiões fora desse eixo, como resposta natural e evolutiva do processo visto no Atlântico Norte. Para o autor, essas visões evidenciavam a combinação do “nacionalismo metodológico” e do “eurocentrismo”. 35 De acordo com Linden, a historiografia, apesar de seus avanços significativos, abordou a formação da classe operária inglesa ou francesa, por exemplo, a partir de processos fechados em si mesmos, usando pouco as conexões e as influências fora do continente europeu e, quando usaram, a Europa parecia o centro das relações. É evidente que muitos historiadores já haviam se voltado para além das fronteiras nacionais europeias, mas a abordagem Permaneceu monadológica: o mundo europeu “civilizado” foi visto como um conjunto de povos que se desenvolveram mais ou menos na mesma direção, ainda que cada qual em um ritmo diferente. Uma nova nação foi vista como mais avançada que a outra, e é por isso que as nações mais atrasadas poderiam ver o futuro, em maior ou menor medida, refletido nas nações avançadas. 36

Para o autor, essa concepção começou a ser enfraquecida quando autores de outros países fora do Atlântico Norte como no Brasil e na África do Sul, incorporando os debates da “Nova História do Trabalho”, mas deixando suas impressões e considerações sobre os casos particulares do movimento operário ou da escravidão, impulsionaram o desgaste do eurocentrismo analítico. O enfoque do surgimento do 35 Sobre esse processo que uniu esses conceitos da História do Trabalho, Van der Linden nos mostra: “O campo de estudos emergente de história do trabalho na Europa do século XIX e, pouco depois, na América do Norte, foi caracterizado, de início, por uma combinação de“nacionalismo metodológico” – a invenção deste conceito é, até onde sei, devida a Anthony D. Smith – e eurocentrismo; uma combinação que apenas recentemente tornou-se um tema para debate. O nacionalismo metodológico funde sociedade e Estado e, conseqüentemente, considera os diferentes estados nacionais como espécies de “mônadas leibnizianas” para a pesquisa histórica. O eurocentrismo é a ordenação mental do mundo do ponto de vista da região do Atlântico norte: sob este ponto de vista, o período “moderno” tem início na Europa e na América do Norte e se estende, aos poucos, para o restante do mundo; a temporalidade desta “região central” determina a periodização dos desenvolvimentos do restante do mundo. Historiadores reconstruíram a história das classes trabalhadoras e dos movimentos operários na França, Grã-Bretanha, Estados Unidos etc. como desenvolvimentos separados. À medida que passaram a prestar atenção às classes e movimentos sociais na América Latina, África ou Ásia, estes foram interpretados de acordo com as perspectivas do Atlântico Norte.” LINDEN, Marcel Van der. Op.cit. p.15. 36 Idem. p.15.

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capitalismo e de suas oposições, enfocados apenas no caso europeu ou norte-americano, pareciam não se sustentar com o entrecruzamento dessas pesquisas. Essas perspectivas formam a proposta de Marcel van der Linden que apresenta a “História Global do Trabalho” como uma “área de interesse” crescente, que visa interpretar a história do capitalismo e dos trabalhadores a partir de conexões e o alargamento de limites cronológicos, conceituais e de espaço.37 Pegando o mote sobre essas considerações, para entendermos a construção do anarquismo bem como dos periódicos e grupos que atuaram em São Paulo na Primeira República, é preciso primeiramente analisar os fatores históricos que resultaram na própria disseminação desses ideários bem como o lugar destas nos embates entre classes. Esse fenômeno não pode ser visto como prematuro ou como gênese de outra ideologia já que os personagens inseridos nesse período não tinham consciência de seu futuro. É necessário, portanto, realizar uma história de discursos e desejos que podem ter sido vencidos, mas é necessário serem desvendados em sua dimensão histórica, uma vez que temos como objetivo elucidar aspectos dessa realidade. Sobre esse aspecto, autores vêm destacando as formas e nuances das estratégias políticas encontradas no seio dos trabalhadores e na própria formação da classe operária. Esse é o intuito dos autores sul-africanos Lucien van der Walt e Michael Schmidt que afirmam apresentar um estudo empírico do movimento anarquista e suas articulações em âmbito internacional na obra Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism. Os pesquisadores coletaram documentos e informações de diversas organizações e práticas, concentrados em reavaliar o papel desse movimento nos espaços sindicais e políticos. Dessa forma, foi possível observar práticas mais usuais e hegemônicas entre os grupos, a partir de uma comparação internacional, mas também especificidades, quando contrastados com propostas minoritárias. Van der Walt e Schmidt, inspirados por um prisma sociológico e histórico, tentaram buscar as origens do movimento e defendem que:

o termo anarquismo deve ser reservado a um tipo particular, racionalista e revolucionário, de socialismo libertário que surgiu na segunda metade do século XIX. O anarquismo era contra a hierarquia econômica e social, assim como a desigualdade – e especificamente, do capitalismo, do poder dos proprietários de terra, e do Estado – e defendia uma luta de classes internacional e uma revolução vista de baixo por uma classe trabalhadora e um campesinato auto-organizados, com o objetivo de criar uma ordem social 37 Ver LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do Mundo: Ensaios para uma história global do trabalho. Campinas – São Paulo, Editora da Unicamp, 2013.

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autogerida, socialista e sem Estado. Nesta nova ordem, a liberdade individual estaria em harmonia com as obrigações comuns por meio da cooperação, da tomada de decisões democrática e da igualdade econômica, social e a coordenação econômica aconteceria por meio de formas federais. Os anarquistas enfatizaram a necessidade de meios revolucionários (organizações, ações e ideias) para prefigurar os fins (uma sociedade anarquista). 38

Concordando com os autores, sendo um movimento que se construiu através de redes transnacionais e pelo constante fluxo migratório, o anarquismo deve ser analisado levando em conta sua envergadura global e quando sua prática foi fundida a uma teoria de forma dialética. Nesse caso, os autores estavam se referindo ao início da sistematização e atuação do movimento anarquista que pode ser encontrado na atuação da Aliança da Democracia Socialista (ADS), que teve representantes como Mikhail Bakunin, Charles Perron e James Guillaume, dentro de discussões e organismos de caráter internacional como a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). A partir de 1868, tais agentes, no interior dessa associação, retomaram o federalismo dos mutualistas proudhonianos, mas a partir de experiências anteriores, nas manifestações populares, extremaram seu caráter revolucionário de forma nunca avaliada anteriormente, figurando a entrada dos chamados coletivistas socialistas na associação, que mais tarde se reconheceriam como anarquistas.39 Antes de sua participação na Internacional, Bakunin, bem como outros militantes de sua orientação condensavam uma vasta experiência transnacional prática. O militante citado, por exemplo, havia participado dos movimentos populares na Rússia, Áustria, Alemanha, Itália, participando de insurreições e barricadas, sendo constantemente detido, inclusive passando por experiências prisionais e de exílio.40 Essa vivência possibilitou o repensar de um socialismo descentralista levando em considerações realidades ainda distantes dos casos dos polos industriais europeus, como na Rússia, com a presença ainda marcante de monarquias czaristas ou das regiões italianas com sua tardia unificação e grandes áreas ainda camponesas e rurais.41 Essa tradição internacionalista continuava com o passar o passar dos anos, A ADS possuía representantes na Inglaterra, Rússia, Itália, França, Espanha, Suécia, Noruega, Dinamarca, Bélgica e outras regiões.42 Para além disso, em consonância com o trabalho 38 VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op.cit., 2009. p.71.Tradução nossa. 39 ENCKELL, Marianne. “A AIT: a aprendizagem do sindicalismo e da política.” In: COLOMBO, Eduardo (Org.). História do Movimento Operário Revolucionário. São Paulo: Imaginário, 2004. 40 SAMIS, Alexandre. Negras Tormentas: o federalismo e o internacionalismo na Comuna de Paris. São Paulo: Hedra, 2011. p.35-44. 41 Ver HOBSBAWM, Eric. Era das revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. 42 SAMIS, Alexandre. Op.cit.,, 2011. p.33-60.

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mais sistemático e programático dos aliancistas, jornais contendo as ideias anarquistas, mesmo de forma controversa, se expandiram em proporções avassaladoras. Em 1885, a Argentina presenciava o periódico militante Questione Sociale, que contava com articulações internacionais,43 na década de 1890, os primeiros jornais contendo ideias anarquistas no Brasil, Gli Schiavi Bianchi, La Bestia Umana e L’Asino Umano, marcavam sua presença.44Na Itália, na década de 1880, ativistas importantes como Errico Malatesta e Pietro Gori impulsionavam fortes movimentos contestatórios, disseminando o anarquismo entre os artesãos e os pequenos comerciantes subalternos e também sob a forma de associações com respaldo social.45Além disso, a presença das ideias anarquistas chegava nas regiões da África meridional e do sul desde o final do século XIX,46 a partir de insurreições marcantes, nos EUA47. Em questão de décadas, organizações operárias de orientação libertária se formaram também no Pacífico e no continente asiático.48O desenvolvimento do anarquismo, teórico e prático, levou em conta necessidades e experiências internacionais, e “de baixo para cima”49 como salientado por seus representantes, fatores imprescindíveis para a construção de sua cultura política e seu sucesso, em um primeiro momento. Paradoxalmente, de outro lado, essa poderosa disseminação transformaria sua recepção e suas metamorfoses, de caráter transnacional, incontroláveis.50 Não obstante, sem hesitar, os militantes e ativistas 43 COLOMBO, Eduardo. “A FORA. O finalismo revolucionário”. In: COLOMBO, Eduardo (org). Op.cit. p.79. 44 LEAL, Claudia. Pensiero e Dinamite: Anarquismo e repressão em São Paulo nos anos de 1890. Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2006. p.149-204. 45 ROMANI, Carlo. Oreste Ristori: Uma aventura anarquista. São Paulo: AnnaBlume/Fapesp,2002. p. 29-30. 46 Ver VAN DER WALT, Lucien. “Negro e Vermelho: anarquismo, sindicalismo revolucionário e pessoas de cor na África Meridional nas décadas de 1880-1920.” Revista Mundos do Trabalho, vol. 2, n. 4, p. 174-218, 2010. 47 PORTIS, Larry. “Os IWW e o internacionalismo”. In: COLOMBO, Eduardo. (org.). Op.cit. p.55-60 48 Ver HWANG, Dongyoun. “Korean Anarchism before 1945: a regional and transnational approach.” In: HIRSCH, Steven; VAN DER WALT, Lucien (org.). Op.cit. p.95-130. 49 Bakunin debatendo com os socialistas centralistas afirmava que “a organização política e econômica da vida social deve partir, por consequência, não mais como hoje, de cima para baixo e do centro à circunferência, por princípio de unidade e de centralização forçada, mas de baixo para cima e da circunferência ao centro, por princípio de associação e de federação livres.” BAKUNIN, Mikhail. Catecismo Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São Paulo: Imaginário/ Faísca, 2009. p.20. 50 É preciso marcar as diferenças entre “internacionalismo” e “transnacionalismo” usados em muitas pesquisas de forma indiscriminada. O Internacionalismo se refere aos movimentos, aqui dentro dos debates socialistas, que consideraram a importância de participação de diferentes grupos em conjunto, nacionais e étnicos, para a construção da sociedade igualitária. Mas, como Benedict Anderson alerta, esse intuito não descartou a influência do ideário étnico ou nacional na circulação de ideias e experiências revolucionárias. Em alguns casos, no processo transnacional, o nacionalismo, por vezes, impregnava os discursos internacionalistas, adaptando os movimentos como o socialismo, anarquismo e a estratégia do sindicalismo revolucionário. Para o estudo de casos particulares ver. ANDERSON, Benedict. Under three Flags: anarchism and the anti-colonial imagination. London: Verso, 2005 e LINDEN, Marcel van der.. Op.cit., 2013.

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anarquistas tentavam produzir uma linguagem e um corpo téorico-ideológico para salvaguardar e conservar aspectos políticos próprios, construindo igualmente o compartilhamento de símbolos, referências e princípios norteadores para os membros de suas redes militantes. O autor Clayton Godoy afirma que

A circulação de ideias, de artefatos culturais, de notícias, de formas de ação e de modelos organizacionais, bem como a mobilidade constante de ativistas, indicam o compartilhamento da noção de pertencimento a um mesmo projeto transnacional, produzindo laços entre organizações e ativistas de vários países, alimentando redes que sustentavam o movimento e criando ligações simbólicas entre episódios políticos ocorridos em diferentes localidades do globo.51

Tomando alguns desses debates, em outra oportunidade de pesquisa, reduzimos a escala de observação no periódico anarquista A Plebe, tido como o principal periódico noticiador e organizador da greve geral de 1917, propondo percorrer sua trajetória no interior do movimento operário bem como suas próprias falas e correntes estratégicas durante os anos de efervescência grevista (1917- 1920).52 No estudo sistemático de suas colunas e da trajetória de seus redatores é possível constatar o fortalecimento do anarquismo organizacionista53. Foi percebido que embora o jornal em questão representasse tal estratégia em seu ápice, era fruto também de uma experiência e um debate maior entre os círculos anarquistas e sindicalistas do período, inclusive em plano internacional, alavancado com o início dos conflitos mundiais. Ou seja, o objetivo inicial pautado em entender melhor a trajetória e ação de um periódico e sua relação com os trabalhadores, acabou inevitavelmente desembocando em questões que visam compreender a experiência anarquista em redes mais amplas. Antes da criação do jornal A Plebe pelo militante Edgard Leuenroth, que havia tido uma rica experiência em outros periódicos de vertente sindicalista, foi observado que tais discussões referentes à aproximação e ação dos anarquistas entre os espaços sindicais, no período de greves, eram comuns e assíduas em torno do grupo responsável 51 GODOY, Clayton. Ação Direta: transnacionalismo, visibilidade e latência na formação do movimento anarquista em São Paulo (1892-1908). Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, 2013. p. 28. 52 SANTOS, Kauan Willian..O jornal A Plebe: militância e estratégias de propaganda anarquista no movimento operário em São Paulo (1917 a 1920). Monografia (Graduação em História), Universidade Federal de São Paulo, 2013 e “A liberdade impressa: os periódicos anarquistas A Lanterna e A Plebe e sua ação entre os trabalhadores em São Paulo (1911-1919).” Iniciação científica Pibic, 2012-2013, ambos orientados pela Profa Dra Edilene Toledo. 53 Foi possível perceber tanto a posição dualismo organizacional, posição mais evidente no periódico, mas também da estratégia que visava anarcossindicalismo e o sindicalismo revolucionário. Adentraremos as diferenças desses mais adiante. É necessário ainda adiantar que mesmo que alguns anarquistas se proclamassem sindicalistas, antiorganizacionistas ou outros termos, usamos, na maioria das vezes, tais nomenclaturas, como categorias analíticas para separar vertentes estratégicas.

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pela edição do periódico Guerra Sociale.54 De fato, tal posição não era exclusiva, mas no objetivo de analisar o anarquismo organizacionista, talvez tal jornal possa ser ignorado na medida em que era descendente de um grupo de redatores (La Battaglia – La Barricata – La Propaganda Libertaria) que considerava predominantemente o levante espontâneo das massas e sempre criticou a associação entre anarquistas e os sindicatos, representando o chamado antiorganizacionismo.

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Mas o fato que desperta

atenção é notar que ambos os grupos apostavam na união das tendências anarquistas, a fim de adentrarem no meio operário, vislumbrando um levante contra o sistema de dominação.56 O jornal Guerra Sociale foi bastante influente entre os trabalhadores italianos ou filhos destes, uma vez que era escrito em sua língua de origem, mesclado diversas vezes com a língua portuguesa.57 Os redatores envolvidos com o periódico, em 1915, antes da efervescência das reivindicações, mas influenciados pelos novos debates anarquistas diante das guerras nacionais, tomaram a iniciativa de juntar as tendências anarquistas em São Paulo e propuseram uma aliança a fim de:

...reunir numerosos camaradas que se encontravam dispersos por todo o país, vivendo na mais completa apatia por falta de coesão, de relações de solidariedade que deveriam existir perenemente, de maneira ativa e eficaz entre homens que sentem as mesmas aspirações, professam os mesmos princípios e lutam pelo mesmo ideal.58

É interessante notar a rara existência de trabalhos que analisaram o periódico Guerra Sociale minuciosamente59. Algumas pesquisas que o abordaram e encararam sua vertente como antiorganizacionista, ignoraram sua participação na tentativa de organização dos grupos libertários (como sua associação no período com o grupo redator de A Plebe) ou mesmo dos trabalhadores em geral.60Ainda, estudos que 54 Ver BIONDI, Luigi. La stampa anarchica in Brasile: 1904-1915. Tese de Laurea (Historia), Universitá di Studi di Roma, 1994. 55 Idem. p.306-360. 56 Ver BIONDI, Luigi. “Na construção de uma biografia anarquista: os últimos anos de Gigi Damiami no Brasil”. In: DEMINICIS, Rafael; FILHO, Daniel Aarão Reis (orgs.). História do Anarquismo no Brasil (volume um). Rio de Janeiro: MAUAD, 2006. p. 169. 57 Ver LOPREATO, Christina. O Espírito da Revolta: a greve geral anarquista de 1917. São Paulo: Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1996. p. 60-73. 58 “Alliança Anarquista”. Guerra Sociale. P1. 30 de setembro de 1916. Citado em LOPREATO, Christina Roquette. Op.cit. p. 61. 59 Exceto nas seguintes interpretações: Luigi Biondi afirma que embora o periódico em questão fosse descendente de um grupo militante que desconfiava da aproximação entre anarquistas e sindicatos e das greves parciais, no período (1915-1920) era clara sua atuação nos meios operários. BIONDI, Luigi Op. Cit. 1994 e Cristina Lopreato onde analisa a greve geral de 1917 pela ação de militantes anarquistas no movimento operário, no caso sobre os grupos envolvidos com os periódicos A Plebe e Guerra Sociale. LOPREATO, Christina. Op. Cit. 60 Alguns trabalhos ainda tentaram separar anarcossindicalismo versus anarcomunismo, sendo o Guerra

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buscaram as origens da propaganda do anarquismo organizado61 e do dualismo organizacional no Brasil mencionam sempre a Aliança Anarquista do Rio de Janeiro em 191862 descartando a Alliança Anarquista proposta pelo Guerra Sociale em São Paulo, iniciada em 1915. Podemos entender previamente a chamada Alliança Anarquista como uma campanha proposta pelo grupo redator do periódico Guerra Sociale que buscava a união de todos os grupos anarquistas em São Paulo a fim de realizarem uma ação política dentro dos órgãos de resistência, imprensa e sindicato para disseminarem um ideal de revolução organizado. Tal proposta foi certamente muito influenciada pelos escritos de anarquistas como Mikhail Bakunin e Errico Malatesta que buscavam um programa para a ação de orientação anarquista nos sindicatos e no movimento operário, mas também foi a expressão prática dos anarquistas frente ao momento de organização intensa pelo qual o movimento operário passava no contexto particular das mobilizações grevistas e do contexto agravante da Primeira Guerra Mundial, nos quais necessitavam de uma coesão militante. Outro objetivo desta dissertação se refere à atuação dos anarquistas na greve geral de 1917 e suas formas de disputa e instrumentalização do sindicalismo revolucionário. Dianto disso, Christina Lopreato afirma que os anarquistas estiveram na dianteira em impulsionar o evento, o qual não aconteceria com tanta amplitude se não fosse por suas articulações, anos antes.63 Problematizando tal análise, o historiador Luigi Biondi assinala que embora a presença dos anarquistas tenha sido relevante é necessário observar também o tipo de contexto favorável em que estavam inseridos bem como a movimentação do próprio movimento operário que não dependia de um grupo limitado de indivíduos. O pesquisador também afirma que os socialistas tiveram presença notável na organização do evento em questão e que foram imprescindíveis para a organização e o seu encaminhamento. De fato, como observado por Biondi, o ano de 1917 foi marcado por muitos movimentos reivindicatórios no mundo, como a greve de Turim na Itália e a Revolução Soviética na Rússia.64 No entanto, como ressalta o pesquisador, um Sociale uma vertente deste último. Ver SFERRA, Giusepina. Anarquismo e Anarcossindicalismo. São Paulo: Ática, 1982. 61 O anarquismo organizado se refere aos programas anarquistas que buscam coesão militante frente ao sindicalismo. Um exemplo desses é a FAU (Federación Anarquista Uruguaya) analisada pelo historiador Ricardo Rugai. Ver RUGAI, Ricardo. Um partido anarquista: o anarquismo uruguaio e a trajetória da FAU. São Paulo, Ascaso, 2012. 62 Ver SAMIS, Alexandre. “Pavilhão negro sobre Pátria Oliva: Sindicalismo e Anarquismo no Brasil.” In: COLOMBO, Eduardo (Org.). Op.cit., p.125-190. 63 Ver Lopreato, Christina. Op.cit. 64 BIONDI, Luigi. Classe e Nação: trabalhadores e socialistas italianos em São Paulo, 1890-1920.

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fator ainda pouco explorado pela historiografia que visa o movimento operário nesse período se refere ao caráter internacionalista presente na atuação dos próprios militantes do período. Os conflitos internacionais e as pressões econômicas avaliadas por muitos pesquisadores também não passaram totalmente despercebidas pelos agentes inseridos neste contexto e foram mobilizados como propaganda política entre os trabalhadores para sua atuação e articulação nas manifestações e paralisações locais. Muitos personagens envolvidos nas greves, e, no caso, buscamos comprovar a hipótese segunda a qual os anarquistas estavam nessa dianteira, tinham conhecimento dos acontecimentos internacionais e locais no desenrolar do evento e buscavam a harmonia entre essas duas esferas (local e internacional) em sua atuação política, almejando mobilizar seus ouvintes e leitores. Assim, acreditamos que tais debates podem ser enriquecidos e elucidados com uma análise sistemática e minuciosa da construção política e das estratégias e táticas no interior do Guerra Sociale, descendente de um grupo redator e militante que usava a estratégia antiorganizacionista, mas que estavam relacionados empiricamente com o desenrolar do movimento operário em São Paulo, e A Plebe, derivada de outro grupo que defendia a estratégia organizacionista e o impulso de organizações sindicais entre os trabalhadores. No contexto de efervescência das reivindicações operárias do fim da segunda década do século XX, os dois grupos se articularam e buscaram programas políticos comuns como a Alliança Anarquista, as propagandas antimilitaristas, a disputa do sindicalismo revolucionário, e outros que veremos a seguir. Visto isso, tivemos como objetivo inicial nesta dissertação nos concentrar nos debates ideológicos que construíram as táticas e estratégias anarquistas e depois nas condições materiais que deram consistência para a recepção e a construção do movimento na cidade, avaliando como tais propostas estavam sendo apropriadas a partir das necessidades reais dos trabalhadores no contexto proposto, a quem os militantes e redatores pretendiam obter conquistas e como suas táticas e estratégias influenciaram a construção da cultura política nos jornais analisados. Em seguida, percorremos a publicação dos jornais e a trajetória militante65 no interior destes através dos debates e articulações para sua confecção durante os anos de publicação de 1915 a 1920, período que corresponde respectivamente ao início das publicações do Guerra Sociale, seguido Campinas- São Paulo: Editora da Unicamp, 2011. p.219-220. 65 Para isso contamos com um conjunto de obras que já resgataram boa parte das informações de alguns militantes redatores desses jornais. Ver BIONDI, Luigi. Op. Cit. 1994, . Op. Cit. 2011; LOPREATO. Op.cit.

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do nascimento do periódico A Plebe em sua primeira fase, que tinha como corrente majoritária, os defensores da mobilização grevista na conjuntura das greves de 19171920. Por último, veremos como essa construção e essa prática teve resultado nas transformações da cultura política e militante do anarquismo desde a conjuntura da greve até as novas remodelações políticas do ramo, como o nascimento do Partido Comunista do Brasil em 1922 e o fortalecimento do sindicalismo reformista. Para a efetivação do trabalho, pretendi compreender e analisar a cultura política dos periódicos e grupos propostos na perspectiva lembrada por Heloísa Cruz e Maria Peixoto quando afirmam que não adianta simplesmente apontar que a imprensa as mídias “tem uma opinião”, mas que em sua atuação delimitam espaços, demarcam temas, mobilizam opiniões, constituem adesões e consensos. Mas ainda, trata-se também de entender que em diferentes conjunturas a imprensa não só assimila interesses e projetos de diferentes forças sociais, mas muito frequentemente é, ela mesma espaço privilegiado da articulação desses projetos. 66

Como entendemos tais instrumentos comunicacionais como espaços privilegiados de articulação de projetos políticos, foram necessárias primeiramente a leitura e análise das obras que deram consistência para a ideologia e o movimento referido, como também do contexto social, político e econômico nos quais foram gerados. Depois, cruzamos com a análise de outros periódicos que mantinham contato com esses grupos, correspondências de militantes, boletins operários, evidenciando suas propostas políticas, relacionando-os com os dados existentes para problematizar as biografias sobre os militantes, de um modo que permitiu a compreensão do anarquismo e dos periódicos analisados como o conjunto da ação dos personagens que o compuseram.67 Os debates de pesquisas como estas, que abordaram grupos até então ignorados ou negligenciados, evidenciam a questão apresentada pelo historiador Giovanni Levi. O autor considera que a proposta da redução na escala de observação não deve negligenciar aspectos econômicos, sociais e culturais e necessitam estar preocupados em preencher lacunas deixadas pelas análises estruturais e conjunturais. Por sua vez, essa narrativa deve ter cautela em não se apropriar dos exemplos minoritários e transformá-los em generalizações, nem deve ocultar outras possíveis experiências.68 66 CRUZ; Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário. “Na oficina do historiador: conversas sobre História e imprensa.” Projeto História, São Paulo, n.35, p. 253-270, dez. 2007. p.258-259. 67 Entre os exemplos que podemos citar previamente estão Gigi Damiani, Angelo Bandoni, Oreste Ristori, Edgard Leuenroth, Neno Vasco, Isa Rutti, Benjamin Mota e Astrojildo Pereira Ver TOLEDO, Edilene. Op.cit. 1993. 68 LEVI, Giovanni. “Sobre a micro-história”. In: BURKE, Peter. A escrita da história: novas

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Passando por outra perspectiva, embora tenhamos a necessidade de propor um recorte espacial definido, aqui compartilhamos as proposições de Marcel Van der Linden quando evidencia a importância do estudo das experiências classistas bem como suas manifestações ideológicas e políticas, em uma perspectiva que ultrapasse fronteiras locais e nacionais.69 Assim, entendemos a construção dos grupos que visamos estudar intimamente relacionada com a circulação de ideias e experiências entre cidades e entre países no período, impulsionados principalmente pelas migrações e pela circulação de ideias e experiências. Por fim, embora o anarquismo não esteja dentro do parlamentarismo político ou das forças de poder no interior das decisões do Estado, podemos compreendê-lo, em um plano maior, como um tipo de cultura política70 visto que carrega um sistema de valores, crenças e sistemas próprios diante de uma realidade social e propõe uma intervenção política nesta. O autor Serge Berstein nos mostra que uma cultura política não tem sua formação pré-concebida ou natural, mas também é um processo histórico e suas razões de surgimento não são acidentais ou deslocadas da conjuntura social. O autor continua:

Como e por que nasce a cultura política? A complexidade do fenômeno implica que o seu nascimento não poderia ser fortuito ou acidental, mas que corresponde às respostas dadas a uma sociedade face aos grandes problemas e às grandes crises da sua história, respostas com fundamento bastante para que se inscrevam na duração e atravessem as gerações. 71

No primeiro capítulo abordamos a construção do movimento anarquista nas duas primeiras décadas do século XX, evidenciando algumas das condições ideológicas e sociais que possibilitaram sua disseminação, bem como a penetração dessa ideologia no movimento operário na cidade estudada, fatores que deram caráter para a construção das estratégias politicas nos referidos periódicos e grupos que foram analisados posteriormente. No primeiro tópico, examinamos a construção das estratégias e táticas políticas dos anarquistas em plano internacional comparando com alguns casos brasileiros, identificados durante a análise dos documentos ou da bibliografia consultada. No tópico seguinte, avaliamos os significados e a dimensão das lutas de libertação nacional e anti-imperialistas, ideários que foram redimensionados pelos grupos analisados posteriormente. No terceiro tópico, demos atenção para a relação perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992. p. 133-161. 69 Ver LINDEN, Marcel Van der. Op.cit., 2009. 70 Ver RÉMOND, René (org). Por uma História Política. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1996. 71 BERSTEIN, Serge. “A Cultura Política”. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean François. Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, 1998. p.355.

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dessa circulação das ideias no caso da cidade de São Paulo, avaliando a inserção do anarquismo no movimento operário e dos jornais políticos em seu interior que apareciam nesse período, revelando com isso, o próprio desenvolvimento da ideologia libertária. Na quarta parte afunilamos nossa observação para as mudanças dos debates anarquistas, a partir dos seus principais grupos, e do movimento operário que se deram no refluxo econômico nos primeiros anos da segunda década e também com o início da Primeira Guerra Mundial. Algumas táticas e reformulações de estratégias, nesse contexto, adiantam as razões da construção do tipo de política abordada pelos periódicos analisados. Analisamos e mapeamos essa cultura política dos jornais e grupos no segundo capítulo, onde os abordamos tanto a partir de suas práticas quanto a partir de sua ideologia. Na primeira parte, a atenção é dada para as articulações propostas e difundidas pelo periódico e grupo Guerra Sociale, principal articulador, nessa hipótese, para a discussão antimilitarista do movimento operário no período. O periódico também avança nas discussões sobre raça e nacionalismo e sobre as políticas de organização anarquista. Na segunda parte adentramos o jornal e grupo em torno de A Plebe, evidenciando suas formas políticas e sindicais bem como sua importância. Tal periódico apresenta inúmeras táticas para construir sua estratégia sindicalista impulsionando o organizacionismo anarquista, como a continuação dos projetos políticos anarquistas, as campanhas antimilitaristas, as discussões de gênero e as formas de apoio e instrumentalização da Revolução Russa. No terceiro capítulo, abordamos como seus discursos e suas propostas políticas eram elaborados a partir de necessidades reais e sobre as nuances dos contextos. Na primeira parte, observamos a infiltração das propostas anarquistas e de suas articulações perante a greve geral de 1917 bem como seus desdobramentos nos dois anos seguintes, nos quais tentaram lidar com as questões do movimento operário e da repressão posta sobre eles. No segundo tópico, analisamos os bastidores desses mesmos grupos em meio aos motivos para o início da queda da influência do anarquismo nos espaços operários bem como a mudança e adaptações de suas táticas, mais uma vez, sobre essas novas articulações políticas como o incremento da repressão e a criação do Partido Comunista do Brasil. Por fim, apresentamos uma conclusão que versa sobre os resultados obtidos na nossa investigação.

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CAPÍTULO 1 “BEM UNIDOS FAÇAMOS, NESTA LUTA FINAL”: A CONSTRUÇÃO GLOBAL DO ANARQUISMO E A RECEPÇÃO DE IDEIAS E EXPERIÊNCIAS EM SÃO PAULO NAS DUAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XX A construção do anarquismo entre estratégias e táticas Nos últimos dias, tem-se manifestado no ambiente libertário um certo despertar. Esperemos que não seja um entusiasmo passageiro, e as intenções louváveis para se dar tudo para uma propaganda ativa são duráveis indo além da Maggiolata72. Sem dúvida sobre questões de método, nós anarquistas, nunca seremos todos da mesma opinião, mas permanece o fato de que entre as discussões e críticas todos podem tirar proveito.73

No dia primeiro de maio de 1916, o grupo do jornal Guerra Sociale lançou um número especial destinado às comemorações do dia do trabalhador. Nessa ocasião, além de reafirmarem sua íntima posição e lugar nos ambientes operários, os redatores aproveitavam para impulsionar campanhas que visavam uma ação militante conjunta, acompanhado de discussões no âmbito político, desde que fora da esfera parlamentar.74 Como evidenciado, se havia pontos de convergência e símbolos comuns que faziam os anarquistas se reconhecerem enquanto família política em detrimento de outras, com certeza - como em qualquer outro movimento - havia também nuances em suas atuações. Tais divergências fizeram os redatores também apelarem para a reunião não só de outras ideologias que existiam entre a classe trabalhadora e os grupos subalternos, mas no interior do próprio anarquismo. Portanto, para uma análise profunda sobre os veículos comunicacionais e políticos dos militantes anarquistas e seus grupos, teremos que aprofundar sua própria construção ideológica, antes mesmo de sua recepção e revisões na cidade estudada. No Brasil, como em outros países, essas diferenças chamaram a atenção de diversos autores que analisaram o movimento libertário. A suposta heterogeneidade do movimento e seu discurso descentralista, assim, resultou em certa confusão em boa parte dos estudos que analisaram o movimento anarquista e até operário, principalmente os que versaram sobre o recorte da Primeira República.75 Para Giuseppina Sferra, existia 72 Termo que estava se referindo às ondas de agitações e de sensibilidade entre os militantes nos eventos comemorativos de primeiro de Maio. 73 “Risveglio”. Guerra Sociale, primeiro de maio de 1916. p.2. Tradução nossa. 74 Para acompanhar as formas de propaganda anarquista e sua relação com os eventos comemorativos dos trabalhadores ver LEAL, Claudia. Anarquismo em verso e prosa: literatura e propaganda na imprensa libertária em São Paulo (1900-1916). Dissertação (Mestrado em Teoria Literária). Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1999. p.59-62. 75 Para acompanhar a crítica dessa historiografia ver CORRÊA, Felipe. Rediscutindo o anarquismo: uma

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a diferença de duas posições anarquistas nesse período, o anarcocomunismo, defendido pelo jornal La Battaglia, e o anarcossindicalismo presente no jornal A Terra Livre. Essa interpretação,

como

muitas

outras,

afirmou

que

a

primeira

vertente,

o

anarcocomunismo, estaria em oposição às associações sindicais, com receio da aproximação de organismos políticos fixos e acreditaria em uma insurreição efetiva guiada por uma mobilização através da imprensa e de outros vetores comunicacionais. O anarcossindicalismo, por sua vez, estaria próximo dos organismos de resistência dos trabalhadores, acreditando em uma sociedade pós-capitalista de matriz sindical descentralista e foi efetivo, no contexto da Primeira República, em construir um sindicalismo de orientação anarquista com objetivos claros e definidos.76 Muitos autores, assim, trataram as correntes estratégicas dos anarquistas como ideologias diferentes e até mesmo concorrentes em muitos casos. Importante salientar que no estudo citado, já influenciado pelos debates de uma história voltada aos personagens sem voz na narrativa oficial, não se incorre no equívoco de avaliar o anarquismo como ideologia prematura ou individualista, mas em outra influência derivada dessa que desconhece as propostas anarquistas a partir de suas próprias teorias e práticas. Todavia, como demonstraremos, confrontando algumas estratégias e táticas analisadas na pesquisa com o anarquismo em nível mundial e as trajetórias de seus ativistas e militantes, observamos que esses rótulos e contrapontos não explicam de nenhuma maneira as nuances no interior do anarquismo, encontradas nos documentos. Para Felipe Corrêa, conforme dissemos anteriormente, esses equívocos provêm do erro na utilização de conceitos para entender ideologias políticas bem como os movimentos sociais ligados a essas. Para o autor, existe uma diferença substancial entre “ideologia – conjunto de ideias e valores expressos em princípios políticos ideológicos – e a estratégia – a escolha dos meios adequados para se atingir determinados fins.”77 A estratégia, assim, uma visão mais ampla e sistemática para alcançar os objetivos reclamados, foi construída pelo conjunto de práticas mais usuais, a partir da própria experiência e de táticas também diversas. Dessa forma, os anarquistas tiveram sempre aspectos ideológicos comuns, a defesa de uma sociedade igualitária, autogestionária, anti-hierárquica, eram contrários ao avanço do capitalismo industrial e à formação do Estado Nacional, bem como da política fundada neste processo. Para tal, como em abordagem teórica. Dissertação (Mestrado em Mudança Social e Participação Política). Universidade de São Paulo: EACH, São Paulo, 2012. p.26-55. 76 SFERRA, Giuseppina. Anarquismo e Anarcossindicalismo. São Paulo: Ática, 1982. 77 CORRÊA, Felipe. Ideologia e Estratégia: Anarquismo, movimentos sociais e poder popular. São Paulo: Editora Faísca, 2011. p.30.

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qualquer grupo político, debatiam propostas, meios e táticas para conseguir alcançar seus objetivos, transformando algumas práticas mais comuns em estratégias e tradições de luta. Em âmbito global, como sustenta ainda Corrêa, os principais debates estratégicos anarquistas podem ser divididos em quatro pontos:

O primeiro trata das distintas posições em torno da organização; apresenta as concepções anarquistas contrárias à organização, que são contrapostas pelas concepções organizacionistas. Dentre os organizacionistas, apresentam-se as distintas posições de organização no nível de massas, incluindo organização comunitária e sindical, e as posições que defendem a organização específica anarquista. O segundo apresenta as diferentes concepções em relação aos ganhos de curto prazo, as reformas, e as distintas compreensões em relação ao seu papel para se atingir a revolução. O terceiro trata das distintas posições em relação ao momento e ao contexto de utilização da violência; se ela deve responder a movimentos já estabelecidos ou se ela pode funcionar como um “gatilho”, para gerar esses movimentos. O quarto, de certa maneira transversal aos outros, apresenta as diferentes concepções sobre a organização específica anarquista.78

No caso paulista, de fato, observamos que existiram diferenças bem nítidas, mas estas estavam muito mais no nível estratégico, principalmente referente à organização. Uma primeira estratégia que pode ser observada entre alguns desses militantes era muitas vezes chamada de antiorganizacionista79. Os aderentes desse meio partilhavam a ideia do caráter reformista ou supostamente ilusório dos sindicatos que, ao se cristalizarem ou ao proporem ganhos materiais, emperrariam a insurreição efetiva e a quebra com o sistema econômico capitalista. Em resposta, criavam grupos de ativismo e militância não orgânicos e esparsos, incentivavam paralisações nas fábricas e manifestações coletivas, mas se esforçando em ligá-las sistematicamente com a quebra do sistema econômico e político. Essa estratégia estava em relação simbiótica com o grande número de imigrantes italianos e suas redes de sociabilidade étnicas que começavam a compor grande parte do trabalho agrícola e industrial. Portanto, não rompendo completamente com esses ideários, mas apresentando considerável inserção nos movimentos operários e subalternos, essa forma de luta circulava entre os redatores do difuso periódico La Battaglia que contou com personagens que formaram posteriormente os periódicos La Barricata, Germinal, La propaganda Libertária e o Guerra Sociale.80Esse primeiro órgão começava a ser redigido em 1904, escrito em língua italiana, que chegou a oferecer uma tiragem de cinco mil exemplares, número 78 CORRÊA, Felipe. Op.cit., 2012. p.168. 79 Organizacionismo e antiorganizacionismo são discutidos pelos autores CORRÊA, Felipe. Op.cit., 2011. p.50-51 e SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. 80 BIONDI, Luigi. Op.cit.,1994. p.70-77.

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surpreendente para qualquer jornal do período. O grupo em torno do jornal era composto por anarquistas de atuação incisiva entre a classe trabalhadora da cidade, entre eles Oreste Ristori, Alessandro Cerchiai, Gigi Damiani e Angelo Bandoni. Sua empreitada também tentava articular e mobilizar a população rural para que reagisse contra os graves problemas das condições em que se encontravam.81 Assim, dentro de uma tradição que, de forma prática e teórica, também incluía e se desenvolvia entre os camponeses, esses anarquistas tensionavam a suposta imobilidade destes, atribuída por outros grupos políticos.82 A estratégia e as táticas buscadas pelo grupo podem ter provido pela primeira flexibilização da tradição anarquista, após o colapso da Primeira Internacional, encontrada nas mesmas últimas décadas do século XIX, principalmente nas regiões onde os anarquistas encontraram pouco espaço de atuação nos ambientes classistas, seja por suas convicções e tradições locais ou pela falta de estrutura sindical.83 Além de serem contrários à organização sistemática, esses agentes constituíram o anarquismo em meio aos movimentos insurrecionais que usavam como meio principal a “propaganda pelo fato”84, através da própria ação dos movimentos, acreditando que práticas de boicote ou o uso da violência ocasionariam uma possível ação revolucionária.85 Para Schmidt e Van der Walt chamam essa tradição de anarquismo insurrecionalista, afirmando que esses defendiam a adoção generalizada de táticas de corrosão e ataque contínuo através da ação direta da classe trabalhadora. Embora essas táticas pudessem resultar em algumas reformas, este era meramente incidental: o verdadeiro objetivo era promover uma crescente revolta proletária contra as instituições existentes, resultando na expropriação violenta da classe dominante na revolução social violenta.86 81 LEAL, Claudia. Op.cit., 1999. p.47. 82 Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro mencionam uma grande greve no campo citada pelo jornal La Battaglia. Ver HALL, Michael; PINHEIRO, Paulo. Op.cit. p. 98-99. 83 É interessante notar que as estratégias e as formas de atuação dos anarquistas não podem ser resumidas aos fatores estruturais econômicos existentes em suas realidades locais. Como observado em diversos estudos, por vezes, a atuação dos anarquistas dependerá também da inserção em sua articulação política local e internacional, na recepção de leituras e no caminhar de sua própria atuação política. No entanto, nesse caso, do antiorganizacionismo, não podemos excluir por completo a realidade socioeconômica dos ambientes onde essa estratégia floresceu. Carlo Romani nos mostra que “em uma região onde a indústria ainda é muito incipiente (o desenvolvimento industrial na região de Empoli deslanchará somente após 1890), o proletariado urbano é pouco desenvolvido e as ideias anárquicas penetravam basicamente em dois grupos sociais distintos: o dos trabalhadores diários e dos artesãos e entre pequenos comerciantes empobrecidos. É do encontro de interesses entre esses dois grupos que nasce uma proposta de ação revolucionária, antiorganizadora e socialista libertária”. ROMANI, Carlo. Op.cit. p.29. 84 Citação de Malatesta e Kropotkin utilizando tal estratégia em CORRÊA, Felipe. Op.cit, 2012 p.177. 85 Para adentrar as especificidades dos anarquistas insurrecionalistas ver VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op.cit. 128-129. 86 Idem. 129. Tradução nossa.

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Esse foi o caso de Malatesta e Kropotkin, em um primeiro momento, posição defendida no Congresso Anarquista de Londres em 1881.87 Os adeptos dessa orientação também desconfiaram dos ambientes sindicais, perigosos por possivelmente tenderem ao reformismo, ou à cristalização de entidades que impediam a ação direta e, por isso, também eram contrários aos ganhos materiais dos trabalhadores.88 Um expoente importante na justificação teórica dessa orientação - inclusive de seu ideário antissindicalista - foi Luigi Galleani, personagem que transitou na Itália e EUA no fim do século XIX e começo do XX que afirmava:

Esse é o seu negócio: as reformas permanecem - e devem permanecer - uma preocupação e uma função da classe dominante, não dos anarquistas, nem dos socialistas ou, se estão sinceramente convencidos de que a expropriação da classe dominante é uma inevitável condição de sua emancipação econômica. Consequentemente, os anarquistas acreditam que ao invés de curto alcance e conquistas ineficazes, as táticas de corrosão e ataque contínuo devem ser prioritários, que a demanda de greves de caráter abertamente revolucionário mais do que a redução de horário ou de aumentos de salários irrisórios; que procura, ao contrário, a experiência de uma solidariedade mais ampla e uma consciência cada vez mais profunda, como uma condição indispensável para a realização da greve econômico geral de um comércio geral, de todos os comércios, a fim de obter, por meio do uso inevitável da força e da violência, a rendição incondicional das classes dominantes.89

Semelhantes discursos podem ser encontrados no jornal El Perseguido na Argentina em 189090 e no Brasil - no La Battaglia - a partir de 1904.91 O difuso jornal La 87 Uma ampla disseminação da propaganda pelo fato e das ações violentas podem ser entendidas ao observar o andamento do congresso em questão, que tinha representantes de várias partes do globo, além de apresentar diversos tipos de ações propagandistas ou violentas. Alexandre Samis nos informa que o “Congresso Anarquista de Londres (de 14 a 20 de julho de 1881), no ano seguinte à fórmula defendida por Kropotkin, com representações da América, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Egito, Espanha, França, Holanda, Itália, Rússia, Sérvia, Suíça e Turquia, aprovaria, na sua segunda sessão, como tática para se alcançar a Revolução Social, a “propaganda pelo fato” e a ação ilegal, em oposição às disputas parlamentares e a apatia diante dos avanços da burguesia. Os meios de ação, entretanto, ficaram cindidos em duas vertentes: uma que via na ilegalidade, pura e simples, uma forma de fazer ruir o edifício capitalista e outra que, com o apoio da técnica e da ciência, em particular da química, era possível mobilizar espíritos e produzir “artefatos” em favor da causa revolucionária. Esta última, em particular, seria responsável pela imagem, muitas vezes estereotipada, do anarquista como sendo sempre uma figura exótica, um tanto misantropo, sempre com o rosto parcialmente coberto, trazendo no bolso ou nas mãos uma bomba. Deste Congresso, que consagraria o individualismo tático, a propaganda escrita e pelo “fato”, ficaria tributário o anarquismo até o fim do século. Neste colóquio libertário, a era dos atentados encontrava o seu marco cronológico mais definido ou mesmo formal” SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. p.67. 88 VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op.it, p.123. 89 GALLEANI, Luigi. The end of anarchism? Cienfuegos Press, Sanday, Orkney, U.K, 1982. p.24. Tradução nossa. 90 COLOMBO, Eduardo. “A FORA e o “finalismo” revolucionário”. In: (org.). Op.cit. p. 81 91 BIONDI, Luigi. “Anarquistas italianos em São Paulo. O grupo do jornal anarquista 'La Battaglia' e a sua visão da sociedade brasileira: o embate entre imaginários libertários e etnocêntricos.” Cadernos Arquivo Edgard Leuenroth, Campinas – São Paulo, v. 5, n.8/9, p. 117-147, 1998.

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Barricata de 1912, continuação do último jornal referido, reafirmou sua posição:

O sindicalismo nada tem de comum com o anarquismo, ou melhor, tem demais: o caráter efetivo de ação do sindicalismo é a negação do anarquismo. [...] O partidão sindicalista é uma vasta armadilha em que foram colocados os princípios fundamentais do socialismo e da anarquia para enjaular o elemento proletário e lança-lo em seguida à gloriosa conquista do sagrado aumento de dois vinténs para o dia de trabalho.92

É necessário salientar que o grupo em torno do jornal La Battaglia-La Barricata era avesso às ações violentas e por esse mesmo motivo é necessário marcar uma diferença entre algumas posições da estratégia antiorganizacionista, nomeclatura da estratégia próxima aos anarquistas brasileiros, e dos demais grupos provindos do anarquismo insurrecionalista, embora, em outras partes do mundo, os militantes que aderiam a ambas estavam bem próximos. Enquanto a ampla tradição insurrecionalista não acreditava em organizações estáveis - principalmente sindicais - não apostava nas reformas e ganhos dos trabalhadores e mobilizavam suas propagandas nos próprios ataques e boicotes - incluindo ações violentas - os antiorganizacionistas, no Brasil, aderiam completamente apenas a primeira posição, a da organização, que também eram contrários. Sobre a violência, esses militantes nunca apresentaram táticas desse tipo e sobre as reformas, embora fossem também contrários, muitas vezes, na prática, incentivavam algumas greves fora do espectro sindical, como veremos na presente dissertação. Sobre a organização específica anarquista, também apresentaram nuances, debates e adesões, como também veremos adiante.93 A escolha da associação fora do espectro sindical, as campanhas incisivas contra as autoridades, contestando formas arbitrárias de governabilidade e o emprego de boicotes, tentando mobilizar a população contra os abusos no ambiente de trabalho também refletiam a posição do toscano Oreste Ristori, um dos seus principais redatores. O militante havia chegado ao Brasil em 1904, depois de sua passagem na Argentina e 92 “Sindicalismo e Anarchismo”. La Barricata, 16/03/1913. Citado em: TOLEDO, Edilene. Travessias Revolucionárias: ideias e militantes sindicalistas em São Paulo e na Itália (1890 – 1945). Campinas: Unicamp, 2004. p.32. 93 É interessante salientar também que muitos anarquistas adeptos da estratégia antiorganicionista podem não ter relação direta com o anarquismo insurrecionalista mas sim o anarquismo de massas antissindicalista. Para Lucien Van der Walt e Michael Schmidt, os antiorganizacionistas (no caso dos anarquistas de massas antissindicalistas) e os anarquistas adeptos das estratégias insurrecionalistas tiveram alguma relação e podem ser confundidos, a primeira “aceitou lutas no local de trabalho, mas rejeitou os sindicatos como tal; alguns, como Hatta, trabalhou com os sindicatos, apesar de não ver estes como potencialmente revolucionários [...]”. Já, os “insurrecionalistas salientaram a ação armada e a propaganda pela ação como meio de evocar um levante revolucionário espontâneo, em conjunto com propaganda comum da palavra, que enfatizou a necessidade de revolução.” VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op.cit, p.134.

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Uruguai.94 Na sua trajetória, que teve início nas regiões toscanas da Itália na década de 1880, aderiu a diversas práticas insurrecionais e ligou-se a personagens de também orientação individualista, aderindo, em suas estratégias, a atentados e roubos, motivo pelo qual foi detido e encarcerado diversas vezes, inclusive em regiões destinadas aos exílios. Também ficou conhecido pelas autoridades e pelas redes ativistas como agitador de diversas manifestações, participando de círculos com diversidades ideológicas, entre eles republicanos, anarquistas, socialistas e radicais em geral.95 Pela sua intensa circulação, teve contato com anarquistas de relevo como Luigi Fabbri, defensor da organização anarquista e de sua ação nos sindicatos, estabelecendo contato também, já na metade da década de 1890, com o jornal L’agitazione de Ancona, que defendia posições próximas às de Errico Malatesta, em sua fase organizacionista. Sem desconhecer, portanto, os debates anarquistas dentro dos sindicatos, no entanto, Ristori preferia optar pela estratégia antiorganizacionista, acreditando alcançar, de sua maneira, uma sociedade autogerida, mesma posição encontrada em outros grupos que também tiveram contato posteriormente como o jornal L’Avvenire de Buenos Aires.96 Essa estratégia foi debatida e tensionada pela posição majoritária, em âmbito global, entre os anarquistas, que justamente visavam à introdução de sua ideologia no interior dos ambientes de associação dos trabalhadores de intenção sindical, aceitavam os ganhos materiais e usavam a violência como resposta a um movimento já organizado e estruturado. A estratégia de massas - ou no Brasil tendo relação com a organizacionista - levada adiante no início do desenvolvimento da cultura política foi também fortemente impulsionada majoritariamente no século XX, acompanhando e alimentando o avanço das entidades sindicais no mundo.97 Além de fazerem parte da organização de trabalhadores e de grupos subalternos, esses agentes acreditavam que a nova sociedade se construiria através das lutas e conquistas dos movimentos com suporte popular e social.98 Devemos notar que esses anarquistas sempre consideraram as ações e movimentos insurrecionais e revolucionários como instrumentos necessários para a transformação social, assim como a propaganda. Schmidt e Van der Walt, porém, assinalam que a diferença entre as duas concepções 94 Para adentrar as posições e trajetória de Oreste Ristori ver ROMANI, Carlo. Op.cit. 95 Idem. p.49-53. 96 É necessário adiantar que Oreste Ristori, após a segunda década de XX, período que escapa nosso recorte, mudou consideravelmente suas estratégias e até mesmo sua posição ideológica. Morrendo comunista no fim da vida, executado na Itália. Ibidem. p.17-23. 97 VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op.cit, p.149-170. 98 CORRÊA, Felipe. Op. cit. 2011 p.52-53.

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não é necessariamente a violência em si, mas o lugar em sua estratégia: para o anarquismo insurrecionalista, a propaganda pelo fato, levada por anarquistas conscientes, é vista como meio de gerar um movimento de massas; para maior parte do anarquismo de massas, a violência opera como um meio de autodefesa de um movimento de massas existente.99

Em São Paulo, o organizacionismo, que aderia essas posições, cresceu em torno do grupo O Amigo do Povo que tinha como redatores Edgard Leuenroth, Neno Vasco e Benjamin Mota, também participantes de importantes grupos e periódicos A Terra Livre, A Lanterna e A Plebe.100 Um de seus principais influenciadores era o militante Errico Malatesta que, no início do século XX, também pontuava sua posição:

Quaisquer que sejam os resultados práticos da luta pelas melhorias imediatas, sua principal atitude reside na própria luta. É por ela que os trabalhadores aprendem a defender seus interesses de classe, compreendem que os patrões e os governantes têm interesses opostos aos seus, e que não podem melhorar suas condições, e ainda menos se emancipar, senão unindo-se entre si e tornando-se mais fortes do que os patrões. Ganharão mais, trabalharão menos, terão mais tempo e força para refletir sobre as coisas que os interessam; [...] Se não obtiverem êxito, serão levados a estudar as causas de seu fracasso [...] e compreenderão, enfim, que para vencer, segura e definitivamente, é preciso destruir o capitalismo. [...] Da luta econômica deve-se passar à luta política, contra o governo.101

Os militantes organizadores, tanto no mundo como nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, apresentaram também inúmeras formas, visões e táticas, transformandoas também em estratégias sobre a atuação dentro dos sindicatos ou associações operárias, inquirindo também sobre os limites dessa.102 Um primeiro grupo entendia que a fusão do anarquismo e sindicalismo deveria ser explícita e programática, esses almejavam criar sindicatos com princípios prévios libertários (anarcossindicalismo) que minariam, nessa visão, com melhor eficácia, a tentativa de reformismo dentro desses ambientes. Esse é o caso da Confederación Nacional del Trabajo (CNT) na Espanha, fundada em 1910, ou da experiência da Federación Obrera Regional Argentina (FORA) a partir de 1905, que usavam as posições declaradamente e programaticamente anarquistas como meio sindical primordial.103 No Brasil, João Crispim, na segunda década do século XX, defendia tal visão por meio de assíduos 99 VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op. cit. p.20. Tradução nossa. 100 SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. p.89-92. 101 MALATESTA, Errico. Escritos revolucionários. São Paulo: Imaginário, 2008. p.71-72. 102 Ver Corrêa, Felipe. Op.cit., 2011. 103 MADRID, Francisco. “Anarquismo e organização na Espanha. 'Solidariedad Obrera' e as origens da CNT”; COLOMBO, Eduardo. “A FORA e o 'finalismo” revolucionário”. In: COLOMBO, Eduardo (org.). Op.cit. p. 45-54; p.75-124.

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debates. Para ele:

O sindicalismo anarquista, precisamente por ser anarquista, trata de banir de seu seio todos os dogmas, todas as regulamentações, todos os egoísmos, e hierarquias entre as classes operárias, para que os sindicatos ou a ação operária, sejam, a par da resistência, a escola da aprendizagem, da liberdade e da solidariedade..104

Outro caso foi a constituição do dualismo organizacional105, que já se imbricava com a questão sobre a organização específica anarquista e que reconstituiu, em parte, a tradição de atuação encabeçada pela ADS na Primeira Internacional, apresentada anteriormente. Esses militantes acreditavam que os trabalhadores deveriam se organizar através do sindicalismo revolucionário, reunindo organismos de caráter especialmente econômico106, no qual paulatinamente garantiriam direitos básicos para a vivência dos trabalhadores, estimulando a resistência classista e possivelmente também alguma consciência política de forma progressiva. A desvinculação explícita com o rótulo anarquista mostrava ser um meio de reunir todos os trabalhadores em causas comuns, almejando - em uma ótica encabeçada por militantes como Mikhail Bakunin - ser essencial para a transformação da sociedade. Acreditando ser o sindicalismo apenas uma parte de seu trabalho, os defensores desse tipo de prática construíram grupos de militância estruturados, muitas vezes até nomeados como partidos ou alianças, por isso específica, que se voltariam para o norteio interno das propostas e táticas a serem mobilizadas pelos seus membros no interior dessas associações, mas também de movimentos sociais e grupos de propaganda, figurando também, além dessa organização de classe para a resistência econômica, uma organização política e ideológica.107 Tal visão tomava formas e posições mais firmes nos debates entre Errico Malatesta e Pierre Monatte no Congresso de Amsterdã em 1907.108 Malatesta defendia que

Os anarquistas devem reconhecer a utilidade e a importância do movimento sindical, devem favorecer seu desenvolvimento e fazer dele uma das alavancas 104 CRISPIM, João. “Modalidades do sindicalismo”. A Rebelião. 1 de maio de 1914, n.1. In: Anarquistas no Sindicato: um debate entre Neno Vasco e João Crispim. São Paulo: Biblioteca Terra Livre; Núcleo de estudos libertários Carlo Aldegheri, 2013. p.91. 105 Ver CORRÊA, Felipe.“Questões organizativas do anarquismo”. Espaço Livre, vol. 8, num. 15, p.3348, 2013. 2013. p.35. 106 Necessidades econômicas ou materiais que, em um longo prazo, exercitará a ação direta e as transformações e petições políticas. Posições encontradas no desenvolvimento da cultura política anarquista em Proudhon, Bakunin e Malatesta, como mostrado anteriormente. 107 Sobre a proposta de Bakunin e da ADS seguida pelos anarquistas organizacionistas ver Côrrea, Felipe. Op.cit, 2012. p.170-172. 108 OLIVEIRA, Tiago. Op.cit., p.67-68.

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de sua ação, esforçando-se em fazer prosseguir a cooperação do sindicalismo e das outras forças do progresso numa revolução do sindicalismo e das outras forças do progresso numa revolução social que comporte a supressão das classes, a liberdade total, a igualdade, a paz e a solidariedade entre todos os seres humanos. Mas seria uma ilusão funesta acreditar, como muitos o fazem, que o movimento operário resultará por si mesmo, em virtude de sua própria natureza, em tal revolução. Bem ao contrário: em todos os movimentos fundados sobre interesses materiais e imediatos (e não pode estabelecer-se sobre outros fundamentos um vasto movimento operário), é preciso o fermento, o empurrão, a obra combinada dos homens de ideias que combatem e se sacrificam com vistas a um futuro ideal. Sem esta alavanca, todo movimento tende fatalmente a se adaptar às circunstâncias, engendra o espírito conservador, o temor pelas mudanças naqueles que conseguem obter melhores condições. Frequentemente, novas classes privilegiadas são criadas, esforçando-se por fazer tolerado, por consolidar o estado de coisas que desejaria abater. Daí a urgente necessidade de organização propriamente anarquista que, tanto dentro como fora dos sindicatos, lutam pela realização integral do anarquismo e procuram esterilizar todos os germes da corrupção e da reação.109

Como evidenciando, para muitos anarquistas como Malatesta, o sindicato poderia ter um destino reformista, e por mais que fosse necessário para garantir condições mínimas aos trabalhadores, necessitava de complementos para alimentar seu caráter insurreto. Não obstante, a posição majoritária provinda da tradição do anarquismo de massas - incluindo o organizacionismo no Brasil - apostou sempre na desvinculação explícita entre anarquismo e sindicalismo, o sindicalismo revolucionário sem o norteio interno político do anarquismo. Muitas vezes, essa prática era resultado da própria dificuldade na construção da militância dualista. Neno Vasco, militante no Brasil e Portugal, parcialmente nesse prisma, mas ainda quando não constituído de organismos sólidos politicamente anarquistas, adentraram, muitas vezes, pessoalmente nos sindicatos e associações operárias, norteados pelas discussões anarquistas globais e através de redes militantes locais, acreditando ser importante alavancar as lutas de massas mesmo antes de uma construção política, uma vez que o movimento operário, nesse período, crescia potencialmente.110 Essa foi uma poderosa tendência seguida pelos militantes nas primeiras décadas do século XX, os quais, em uma observação empírica, estavam envolvidos com a construção do sindicalismo revolucionário em muitos casos no mundo, até o fim da Primeira Guerra Mundial.111Paralelamente, algumas interpretações e coligações militantes, como de Pierre Monatte afirmavam que “o sindicalismo se basta a si próprio”112 e, por isso, não só tinham dificuldades em aderir 109 MALATESTA, Errico. Op.cit., 163-164. 110 CORRÊA, Felipe. Op.cit. 2012. p.179 111 SAMIS, Alexandre. Op.cit. 2009. p.260-261 112 MONATTE, Pierre. Em Defesa do Sindicalismo. Citado em SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. p.136.

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uma luta política específica anarquista mas começaram a apostar propositalmente em uma luta essencialmente econômica. Alguns desses personagens acreditavam que o sindicalismo revolucionário e sua ação prática, através das greves, ou pela própria estrutura sindical, encabeçaria uma revolução e organizariam uma sociedade futura. Para esses, o sindicalismo revolucionário além de ser uma organização de classe para a reclamação econômica encabeçada como estratégia do anarquismo se transformava, na prática, em uma organização também política e ideológica. Dianto disso, o discurso extremo de suposta desvinculação com o anarquismo começou a atrair militantes de orientações ideológicas diversas que iniciaram um movimento de disputa ou apropriação da estratégia mencionada, como, no caso de Alceste de Ambris, militante socialista que atuou na Itália e na cidade de São Paulo. Esse também parece ser o caso de alguns discursos encontrados nas resoluções da Confederação Générale du Travail (CGT) em 1875 e no sindicalismo extraído do interior da Unione Sindicale Italiana (USI), surgida em 1912, cuja construção sindical tentava se diferenciar das propostas libertárias. Esse fato fez com que a autora Edilene Toledo afirmasse que o sindicalismo revolucionário brasileiro, principalmente a partir das resoluções encontradas no Primeiro Congresso Operário em 1906, estaria vinculado a uma experiência transnacional que o desenvolveria como discurso e prática independente das ideologias libertárias, embora anarquistas participassem de sua construção.113 De fato, é facilmente perceptível a disseminação de projetos e discursos paralelos que tentavam se diferenciar dos libertários. O jornal O Carpinteiro, em 1905, refletindo sobre a construção de ligas de resistência e sindicatos que lutavam pelas oito horas de trabalho, no caso brasileiro, publicou:

As organizações operárias, pelos métodos em que são baseadas, pelos fins que se estabelecem, devem necessariamente, indiscutivelmente, ficar autônomas. A Liga de Resistência é o resultado direto da luta de classe e seu valor está em relação com a sua força numérica. [...] De fato, elas não seriam abertas senão pelos socialistas, pois a adesão à Liga teria por consequência a adesão, mesmo indireta ao partido... 114

Para Carl Levy, no entanto, a história do sindicalismo e das associações operárias 113 Ver TOLEDO, Edilene. “Teoria, Prática e História do Sindicalismo Revolucionário”; “Alceste de Ambris”. In: TOLEDO, Edilene.Travessias Revolucionárias: ideias e militantes sindicalistas em São Paulo e na Itália (1890 – 1945). Campinas: Unicamp, 2004. p. 73-162; 163-267. 114 “A Coluna das perguntas – O amigo do Carpinteiro”. O Carpinteiro. 1 de junho de 1905. Citado em Toledo, Edilene. Op.cit, 2004. p.284.

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italianas devem ser vistas através das culturas políticas no interior dos movimentos sociais e populares anteriores à construção destes. Nessa perspectiva, mesmo a edificação do sindicalismo revolucionário como dissidência do Partido Socialista Italiano (PSI), não anulou as influências do anarquismo na Itália, que desde a segunda metade do século XIX, esteve fortemente presente, oferecendo importantes símbolos, tradições e linguagens para a constituição dos organismos classistas. Esse sindicalismo absorveu propostas de ação direta ligadas inevitavelmente ao anarquismo que via a resistência econômica sobre associações como impulsionadora de movimentos sociais e insurreições.115 Seguido por Tiago Oliveira, a experiência sindical no Brasil, em 1906, no Primeiro Congresso Operário, assim como a CGT na França, representaram o sucesso da influência das estratégias políticas libertárias, visto que conseguiram disseminar um sindicalismo apartado do reformismo e do clericalismo, a partir de evidentes influências da autogestão com base ideológica nas posições anarquistas.116 Revendo o andamento das propostas e articulações dos anarquistas no interior da construção dos organismos de coordenação sindical no Brasil, o autor mostra que

pelo menos do ponto de vista dos anarquistas que o propagavam, o sindicalismo revolucionário foi muito mais um método de ação do que propriamente uma corrente política autônoma. Os anarquistas o viram como meio para manterem-se atuantes no meio para conseguir adeptos e combater seus adversários. Um método que, se não exclusivo, foi instrumentalizado a tal ponto de ser apresentado como o método em contraposição aos métodos “maliciosos” de seus adversários.[...] A intensidade da defesa dos princípios do sindicalismo revolucionário pelos anarquistas, pelo menos no que tange à neutralidade política, deveu-se, assim, a uma estratégia de sobrevivência do anarquismo na organização sindical dos principais centros em industrialização do país (e aqui talvez caiba uma analogia às avessas da “planta exótica), que permitiu sua ampliação e também sua identificação com o sindicalismo revolucionário.117

Para além disso, mesmo prioritários na construção do sindicalismo revolucionário mas contando com visíveis disputas, alguns anarquistas no Brasil também mostravam os limites dessa atuação, revelando a importância de ativismo e propaganda em âmbitos e locais diversos, considerando o sindicalismo, mesmo sendo empiricamente seu principal meio, apenas como uma ferramenta e tensionando, em resposta, o dualismo organizacional.118Dessa posição, um dos militantes de destaque foi Gregório 115 Levy, Carl. “Italian Anarchism, 1870-1926.” In: GOODWAY, David (org). For Anarchism: History, Theory, and Practice. London: Routledge, 1989. p.26-49. 116 OLIVEIRA, Tiago. Op.cit. p.79-90. 117 Idem. p.31-32. 118 SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009 p.95.

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Nazianzeno de Vasconcelos, nome verdadeiro de Neno Vasco, citado anteriormente. Nascido em Portugal no ano de 1878, veio com oito anos de idade para São Paulo com sua família. Voltou para seu país de origem para concluir seus estudos como bacharel em direito. Após isso, em 1900, começou a se envolver com atividades militantes denunciando as arbitrariedades da polícia e a escrever em diversos periódicos, entre eles os republicanos. Com seu retorno a São Paulo em 1901, firma seu contato com militantes anarquistas e estabelece íntimas relações com o movimento operário da cidade. Após intensos debates com grupos políticos variados - e também no interior do anarquismo sobre o alcance dos ganhos efetivos - Vasco passou a apoiar o sindicalismo como meio importante para a construção de uma nova sociedade.119 Para Vasco, o sindicato, era um terreno admiravelmente predisposto para a sementeira das nossas ideias – ideias da emancipação dos oprimidos e abolição das classes, expressão das necessidades populares e consequência lógica do movimento operário; mas achamos imprescindível essa semeadura, a ação de uma minoria revolucionária consciente e ativa dentro da organização sindical.120

Como inclinação indispensável, o anarquismo deveria, para o militante, estabelecer formas de organização interna entre os grupos, mas, ao mesmo tempo, se associar com as entidades operárias e populares a fim de congregá-los contra as contradições do sistema social, referências consonantes também com as propostas anarquistas com recostos no sindicalismo em várias partes do globo.121 Contando com métodos diversos, principalmente sobre a questão do sindicalismo e as formas de atuação neste, os anarquistas, no geral, mantiveram estreita relação e tentavam manter aspectos ideológicos comuns por meio de debates, campanhas e até mesmo a escrita de um jornal para o outro, fazendo circular intensamente as próprias táticas e estratégias entre os grupos. O próprio Ristori definiu seu jornal aberto às tendências, sendo um polo catalisador de várias iniciativas derivadas do movimento libertário na cidade de São Paulo, por exemplo.122 Do mesmo modo, O Amigo do Povo, embora com posições majoritárias, recebia os debates e orientações de militantes ligados a táticas e estratégias divergentes, como Angelo Bandoni, Giulio Sorelli e o 119 Para entender a trajetória e posições de Neno Vasco ver SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. 120 VASCO, Neno. “Os anarquistas no movimento operário”, A Voz do Trabalhador, 1915, n.66. In: Anarquistas no Sindicato: um debate entre Neno Vasco e João Crispim. São Paulo: Biblioteca Terra Livre; Núcleo de estudos libertários Carlo Aldegheri, 2013. p.111. 121 Ver SAMIS. Alexandre. Op.cit., 2009. 122 ROMANI, Carlo. Op.cit., p.102-108.

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próprio Oreste Ristori.123 Na pesquisa de Antoniette Oliveira é possível perceber a flexibilidade dos militantes que atuavam em jornais e grupos diversos. Para a autora, houve a existência de personagens que mantiveram relações estáveis com seus principais grupos de afinidades ou posições mais ou menos fixas, mas também existia uma poderosa mobilidade nas construções e desconstruções dos grupos libertários e na utilização de seus métodos sociais e políticos. Assim,

os mesmos princípios de um [grupo] circulavam entre os diversos outros grupos e organizações. Tal constância dos fundamentos básicos dos grupos libertários se dava, muitas vezes, devido a esta mobilidade dos seus participantes. Isto esclarecido, percebe-se, de antemão, que havia um fio de continuidade e, sem dúvida, de força.124

Apesar de diferenças e tensões, os militantes libertários assíduos se reconheciam dentro de uma mesma família política, esta que, por sua vez, se constitui através símbolos, espaços e ideários. Devemos ressaltar também que, muitas vezes, suas práticas que formulavam estratégias e táticas estavam instaladas de forma inconsciente e não programáticas e, por isso, eram tão fluídas, acompanhando o comportamento de outros grupos. Não obstante, foram estas e seus respaldos na realidade, principalmente em cada região onde essa ideologia se instalou, que davam potência para a disseminação da cultura política anarquista.125

Anarquismo, anti-imperialismo e libertação nacional

A inserção anarquista, em cada cidade ou país, mesclando considerações obtidas pelo seu movimento globalmente, mas também de suas próprias considerações particulares, geravam a construção de ideários que serão rebuscados e revistos pelos aderentes do anarquismo de forma transnacional. Em 1917, o jornal A Plebe, denunciava os efeitos da Primeira Guerra Mundial:

Cidades destruídas. Campos devastados. Museus e escolas incendiados. Populações inteiras desaparecidas. Tudo isto praticado em nome do estúpido e odioso preconceito patriótico. Eis ao que a canalha burguesa e governante reduziu 123 SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. p.96. 124OLIVEIRA, Antoniette. (Des) fazer-se, (Re) viver... a (des)continuidade das organizações anarquistas na Primeira República. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, 2001. p.51. 125 Interpretação também de GODOY, Clayton. Op.cit.

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quase toda a Europa. Crime sobre crimes. Em toda a parte tem sido esse o papel das classes dominantes. [...] Façamos também a nossa guerra, a única humana e justa. Queimemos os nossos cartuchos, não contra os proletários de outros países, mas contra os velhacos exploradores que nos infelicitam, roubam e oprimem. Derrubemos as atuais instituições, causa dos males que acabrunham a humanidade sofredora.126

Mesmo não fazendo parte de um país que foi afetado pelas grandes destruições desse evento é interessante notar como os anarquistas partilhavam uma noção de internacionalismo, buscando ligações para fortalecer sua militância local bem como suas redes em outros países. Nessa articulação política, o ideário anti-imperialista, próprio dos libertários, teve seu desenvolvimento. É importante adiantar que nenhum dos nossos personagens ou grupos analisados participaram de qualquer processo de libertação colonial ou algo parecido. Mas, como veremos, a forte busca de um internacionalismo prático para conter o avanço dos conflitos nacionais, contidos nos jornais Guerra Sociale e A Plebe, na segunda década do século XX, tinha muita influência, além das suas próprias demandas específicas e conjunturas, que iremos adentrar adiante, de algumas concepções geradas décadas antes pelo anarquismo, na construção de ideários e práticas dentro de suas estratégias e cultura política. Esse tipo de atuação, ao abordar o anarquismo, que sempre reivindicou o internacionalismo político, não é tão óbvia como parece. Para o cientista político Benedict Anderson, que considera o anarquismo, seja na militância ou mesmo na influência indireta, uma das maiores forças contra o avanço da dominação nacional, principalmente das nações europeias desde o século XIX, a história dessa participação foi amplamente ofuscada ou negligenciada por muitas pesquisas até recentemente.127 De fato, se pensarmos na literatura sobre o socialismo, muitos estudos se centraram principalmente no papel que a Revolução Russa teve no combate às forças imperialistas em seu território, no período da Primeira Guerra Mundial e depois, através da influência, a partir do contato com outros partidos comunistas no mundo, alavancando igualmente as lutas contra os movimentos fascistas.128 Não queremos ignorar ou negligenciar esses trabalhos e muito menos minimizar a força e a importância do papel da emergência do bolchevismo e depois na implementação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) diante dessa questão. Não obstante, como ainda aponta Anderson, antes mesmo do início do primeiro conflito mundial e da própria revolução soviética, uma força anti-

126 ABRANCHES, Antônio. “A Grande Guerra.” A Plebe, 4 de agosto de 1917. p.2. 127 ANDERSON, Benedict. Op.cit., 2005. p.1-8. 128 Para adentar esse debate ver VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op.cit. 23-26.

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imperialista internacionalista já moldava muito das perspectivas de anarquistas e sindicalistas no mundo.129 Como Lucien Van der Walt e Michael Schmidt notam existe uma ampla tradição anarquista preocupada com a libertação de grupos étnicos ou nacionais dos poderes de grandes potências ou de economias e políticas opressoras. O ativista Mikhail Bakunin, por exemplo, tinha uma “forte simpatia por qualquer levante nacional contra todas as formas de opressão, afirmando o direito de todo povo autodeterminar-se [...e que] ninguém tem o direito de impor seus costumes, seus hábitos, suas línguas e suas leis.”130 Como adiantamos, Bakunin e seu órgão político, a ADS, imaginaram o anarquismo sendo alastrado das regiões periféricas para as centrais dando voz para os grupos minoritários. Tais militantes não imaginavam as lutas de libertação como construção consequente de outro nacionalismo, mas de um embate que unia as especificidades e necessidades locais com um ideário internacionalista que visava alastrar potencialmente a revolução após a destruição da opressão regional ou nacional. Mesmo com essa atuação, que influenciava os rumos políticos do anarquismo, é necessário salientar que não foram todos os anarquistas que receberam ou construíram o ideário anti-imperialista e muito menos participaram de qualquer processo de libertação nacional. Alguns ativistas, militantes e intelectuais, por exemplo, ao perceberem que as lutas de libertação dos estados dominados por outras potências, levaria, na visão desses, a um tipo de nacionalismo, preferiram atuar em suas redes transnacionais não orgânicas, ou através de uma luta extremante regionalista e federativa, através dos grupos de propaganda ou criando movimentos insurrecionais, tentando desconstruir, através da divulgação de suas ideias ou por essas lutas, qualquer imagem nacionalista de ambos, ocupados e dominadores.131 Outros, em um extremo oposto, enxergaram os conflitos nacionais declarados como agregadores de forças contra outras potências econômicas e políticas e, ignorando a teoria anarquista que visa proteger os grupos minoritários dentro das unidades nacionais, apoiaram algum lado do conflito. Esse foi o caso, para o historiador Woodcock, 129 Ver ANDERSON, Benedict. “Preface.” In: HIRSCH, Steven; VAN DER WALT, Lucien (org.). Op.cit., 2010. p.xiii-xxxi. 130 Bakunin citado por SCHIMIDT, Michael; VAN DER WALT, Lucien; Op.cit., p. 309. 131 Faltam estudos que sistematizam os grupos que tiveram essa posição. Mas pelo que tudo indica, como apontamos, os antiorganizacionistas ou os anarquistas aderentes da estratégia insurrecionalista tinham extrema desconfiança dos organismos mais formais ou a aderirem a construção do sindicalismo e dos organismos operários mais sólidos. No caso, embora muitos participassem de campanhas antinacionalistas ou contrárias aos sistemas oligárquicos (como o caso dos jornais La Battaglia e El perseguido), tinham dificuldade na associação e na construção de alianças que pudessem fortalecer, na visão destes, um tipo de autoritarismo ou solidificação de poder. Ver VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op.cit, 123-143, Levy, Carl. Op.cit., TOLEDO, Edilene. Op.cit., 2004. p.27-73 e ANDERSON, Benedict. Op.cit., 2005. p.69-91.

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dos personagens Jean Grave, Piotr Kropotkin, Charles Malato e Paul Reclus declarando apoio aos Aliados, especialmente na França, depois de vislumbrarem o aumento das mortes de seus conterrâneos durante o conflito e a suposta ineficácia de suas propagandas antimilitaristas.132 Do mesmo modo, a USI e a CGT, também contando com a forte presença de sindicalistas pragmáticos e socialistas, tiveram alas e conselhos que apoiaram seus respectivos países, numa forma de rebater, para eles, “o militarismo austríaco e alemão, para uma futura revolução contra a reação.”133 Todavia, em uma comparação global, os anarquistas, principalmente fora da Europa ocidental e nas regiões afetadas, seja as colônias apoderadas desde o final do século XIX, quanto durante os efeitos das grandes guerras, participaram amplamente de uma posição anti-imperialista construindo táticas e práticas enraizadas nas estratégias anarquistas. Os autores Lucien van der Walt e Michael Schmidt notam ainda que existiram dois tipos de abordagens em relação a essa atuação:

Um tipo de abordagem anarquista e sindicalista foi a de apoiar correntes nacionalistas acriticamente, considerando suas lutas como um passo na direção correta. Para alguns, isso significava apoiar a formação de pequenos Estados, que lhes eram preferíveis aos grandes, perspectiva rejeitada pela maioria dos anarquistas. [...] A mais sofisticada abordagem foi a de participar das lutas de libertação nacional buscando moldá-las, vencer a batalha de ideias e afastar o nacionalismo, promovendo uma política de libertação nacional por meio da luta de classes, e dando às lutas de libertação nacional um sentido revolucionário. Nesse tipo, considera-se que o nacionalismo é apenas uma corrente nas lutas de libertação nacional ou anti-imperialistas, e não necessariamente a corrente dominante, e que as lutas de libertação nacional podem ter vários resultados. Para alguns daqueles que compartilham esta posição, a classe dominante nacional emergente é incapaz de romper, de fato, com o poder dos imperialistas; para outros, há possibilidades de ela realizar esta ruptura, mas os resultados frustrariam uma genuína libertação popular, que abarcasse a massa do povo. 134

De acordo com os autores, de fato, alguns anarquistas participaram das lutas de libertação nacional apenas no intuito de destruírem os poderes dominantes no momento, não criticando, no interior das lutas e de seus ativismos, qualquer crescimento ou formação de nacionalismos ou de políticas excludentes. Assim, muitos consideravam uma etapa necessária um tipo de libertação colonial e a formação de seus contornos culturais e políticos para depois a necessidade de sua desconstrução. Esse parece ser o caso das Filipinas e Cuba, estudadas por Benedict Anderson, nos quais o nacionalismo absorveu as demandas e influências socialistas e anarquistas, mas se sobressaindo com 132 Woodcock. Op.cit. Volume2: o movimento. p.99. 133 ANTONIOLI, Maurizio. “A USI: O Sindicalismo Revolucionário Italiano.” In: COLOMBO, Eduado (org.). Op.cit., p.191-205. p.200. 134 VAN DER WALT, Lucien; SCHMIDT, Michael. Op.cit. p.310-311. Tradução nossa.

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potencial emergência com pouca tensão dos membros desses últimos, não só pelas suas convicções uma vez que existiam frentes antinacionalistas nesses países, mas também pelo tipo de aliança construída ou pelas dificuldades apresentadas diante o processo.135 Outra posição, no qual podemos citar Bakunin e depois Nestor Makhno, Errico Malatesta, Emma Goldman e Luigi Fabbri e nos nossos casos, Gigi Damiani, Edgard Leuenroth e Florentino de Carvalho, mesmo em níveis diferentes, defendia que os envolvidos nessas lutas devem tentar barrar “todas as vaidades, pretensões, invejas e hostilidades nacionais, devem fundir-se [...] no único interesse comum e universal da revolução, que assegurará a liberdade e a independência de cada nação, pela solidariedade de todas136.” Tais militantes aderiram às lutas nacionais, ou, pelo menos, imaginaram os ganhos da classe trabalhadora dentro dessa demarcação política e econômica, mas sempre se opondo às atitudes contrárias ao desenvolvimento do socialismo libertário, do apoio mútuo e da solidariedade horizontal. Com esse intuito, embora, em diversos desses casos, aliados com republicanos e socialistas das demais vertentes, buscavam barrar, no interior do movimento, a construção de um Estado centralista que resultaria em outro nacionalismo potencialmente excludente. A estratégia era alavancar a revolução desses grupos em consonância com os sindicatos e federações desembocando no internacionalismo revolucionário. Um ótimo exemplo desse caso foi a construção do Movimento Makhnovista na história da Revolução Ucraniana entre 1918 e 1921. Uma longa tradição por lutas de independência na Ucrânia já fazia parte do ideário político da população contra os poderes aristocráticos e monárquicos, a qual, em 1918, foi cedida também ao poderio e à ocupação militar, política e econômica do governo austro-alemão, aumentando, dessa forma, a exploração imperialista. Já, no início desse processo, era criado o Movimento Revolucionário de Camponeses na Ucrânia, contando fortemente com trabalhadores camponeses em oposição aos poderes instalados. Mais tarde, no sul do país, quem garantiu a unificação dessa luta foi o Movimento Makhnovista que tinha o ativista Nestor Makhno um dos seus principais articuladores.137 Tal movimento, apesar de ser bastante estratificado e contar com uma forte frente de batalha, tinha amplo respaldo da população e apostava, em seus manifestos e práticas, na transformação do território em

135 ANDERSON, Benedict. Op.cit., 123-189. 136 BAKUNIN, Mikhail. Op.cit., 2009. p.65. 137 Ver SHUBIN, Aleksandr. “The Makhnovist Movement and the National Question in the Ukraine, 1917-1921.” In: HIRSCH, Steven; VAN DER WALT, Lucien (org). Op.cit. p.147-193.

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unidades autônomas, sobre a base do agrupamento revolucionário e autogestinário sócio-econômico dos trabalhadores, na via da construção de uma nova sociedade. Assim [para os maknovistas] compreendendo esta palavra de ordem, os camponeses a fizeram sua [revolução], aplicaram-na, desenvolveram-na e defenderam-na contra os ataques dos socialistas revolucionários da direita, dos cadetes e da contra-revolução monarquista.138

Ou seja, ao contrário dos caminhos tomados pelos sovietes e bolcheviques em outras regiões que formariam a URSS, os anarquistas na Ucrânia se juntaram às demandas da população, já dentro de tradição anti-imperialista, contrários tanto ao poder dos antigos donos de terras ou monarquistas mas também das novas instituições que estavam sendo instaladas, propondo, em resposta, a auto-organização dos trabalhadores e impedindo a formação de outro Estado centralizador. Mesmo diversas vezes aliados aos exércitos socialistas russos contra os imperialistas e agrários, criticavam - julgando-os de “revolucionários de direita” - também o tipo de encaminhamento das lutas na Revolução Russa que, na visão deles, desembocaria na construção de poderes que não seriam essencialmente populares. E, por esses mesmos motivos, foram massacrados com o endurecimento do regime que levava os soviéticos a caçarem ideologias divergentes nos territórios que almejam anexar ao seu Estado. Desse modo, para o autor Felipe Corrêa, é possível considerar tal política proposta num

tipo de movimento socialista e revolucionário, que reivindicada a socialização não somente da propriedade privada, mas também do poder político. Em seu projeto político mais amplo, a propriedade privada e o Estado deveriam ser substituídos por conselhos autogestionários de trabalhadores. Os meios para tanto deveriam se apoiar na participação e na luta generalizada e voluntária de camponeses e operários, na independência em relação aos partidos políticos e na construção, pela base, das próprias mobilizações desses trabalhadores. Esses princípios deveriam pautar a conformação, durante esse processo, dos germes da nova sociedade que se desejava construir.139

Além do combate às opressões que afligiam minorias étnicas e nacionais, como no caso, um claro antimilitarismo já estava nas decisões dos congressos internacionais dos anarquistas. No Congresso de Amsterdã, em 1907, além dos debates e decisões sobre a atuação dos anarquistas nos sindicatos, como evidenciamos anteriormente, foi declarada também uma forte posição contrária a qualquer conflito militar e igualmente à formação de exércitos nacionais.140 138 MAKHNO, Nestor. “O grande outubro na Ucrânia.” In: MAKHNO, Nestor; SKIRDA, Alexandre; BERKMAN, Alexandre. Op.cit., p.22. 139 CORRÊA, Felipe. “A Prática Revolucionária da Makhnovitchina.” Instituto de Teoria e História Anarquista, p.1-21, 2015. p.4 Disponível em: https://ithanarquista.files.wordpress.com/2015/01/felipecorrea-a-prc3a1tica-revolucionc3a1ria-da-makhnovitchina-1918-1921.pdf. 140 WOODCOCK, George. WOODCOCK, George. Historia das ideias e movimentos anarquistas. Porto

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Embora alguns sindicalistas e anarquistas, minoria como destacamos, tenham declarado apoio aos seus países depois da eclosão da Primeira Guerra Mundial, a maioria que participou e que aderiu as decisões do referido congresso combatia o militarismo e o imperialismo através de seus grupos e jornais. Na Itália, militantes como Errico Malatesta, Luigi Fabbri, Libero Merlino e Luigi Bertoni continuavam suas propagandas e atuações incisivas nos ambientes operários, influência refletida também na greve geral na cidade de Ancona, em 1914, acompanhando intensas manifestações exprimindo caráter antimilitarista e que foram amplamente reprimidas, conhecidas como a “Semana Vermelha.” Conseguindo fugir, Malatesta, um dos agentes presentes no evento e que neste contava com a estratégia do dualismo organizacional (Partido Anarquista de Ancona), continuou sua militância em diversos países, contrário à postura intervencionista ou militarista que apoiava qualquer lado, lançando campanhas como o Manifesto Anarchico Internazionale sulla guerra, publicado em 1915 na cidade de Londres.141 Essa posição refletia e ao mesmo tempo influenciava as posições dos militantes anarquistas nas regiões do Atlântico Sul, que além das demarcações nacionais, tiveram que combater o racismo presente na construção do processo colonialista e imperialista. Esses personagens, junto à população, sofriam as consequências da expansão dos Estados dominadores, seja de maneira mais direta, como o caso de diversos países do continente africano e da América Latina através da dominação política e econômica, quanto das repercussões dos conflitos nacionais europeus, pressionando a economia de tais regiões.142 Essa mesma tendência, no intuito de construir um ideário multiétnico também teve seu papel influente no Peru, principalmente em Lima e Callao. Mesmo com um fraco desenvolvimento industrial e pouco fluxo de imigrantes estrangeiros comparados aos casos do Brasil e da Argentina, Steven Hirsch mostra que as ideias anarquistas penetraram no país, já a partir de 1890, quando capitalistas nativos e estrangeiros criaram

novas

instituições

financeiras

baseadas

na

exportação,

aumentando

consideravelmente a população de trabalhadores urbanos (manuais e fabris). É de se Alegre: L&PM, 2007. 97-99. 141 Ver GIULIETTI, Fabrizio. Gli Anarchici Italiani dalla Grande Guerra al Fascismo. Milano: Franco Angeli Edizioni, 2015. p.15-51. 142 Ver HIRSCH, Steven; VAN DER WALT, Lucien (org). Op.cit. p.xxxi-xxix.

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notar que o anarquismo foi inicialmente introduzido por uma minoria de intelectuais do país, principalmente das elites locais dissidentes contrários à exploração colonial, como Manuel González Prada, um membro da classe alta que se converteu ao anarquismo ao ser exilado na França e na Espanha. O mesmo personagem fundou, em 1904, o jornal Los Parias, a primeira publicação anarquista na região com considerável regularidade e amplitude. Não obstante, a recepção da ideologia logo se alastrou, criando e divulgando campanhas para unir uma população extremamente heterogênea. Os movimentos de orientação libertária foram muito eficazes e, até a década de 1930, acompanharam intensas manifestações, greves e conquistas. Nos próprios anos seguintes da publicação de Los Parias, surgiram inúmeros periódicos como La Roja Simiente, El Hambriento, Humanidad e El Oprimido, influentes até 1910. Na segunda década do século XX, uma clara tendência sindicalista e organizacionista - no caso, o anarcossindicalismo penetrou e impulsionou as organizações das demais vertentes de ofício e origem étnica, incluindo boa parte da população descentes de indígenas, a partir da Federación Obrera Regional del Perú (FORP) com fortes paralelos e solidariedade com a Federación Obrera Regional Argentina (FORA).143 No Brasil, especialmente em São Paulo, com o grande fluxo de imigrantes nas regiões agrícolas e industriais, o anarquismo esteve presente fornecendo um tipo de ferramenta para a reclamação social e política onde esses eram extremamente excluídos da política oficial do Estado.144 Esse caráter, e a atenção aos seus contatos e círculos de afinidade étnica transnacional, possibilitaram o forte intercâmbio de grupos entre a Itália, Espanha e Portugal, e igualmente nos próprios vínculos do movimento na América do Sul, como as constantes formas de solidariedade e diálogos entre militantes no Uruguai e Argentina. Evidentemente, esse foi apenas um fator para a penetração do anarquismo na cidade e no país, que ainda era aderido fortemente por sua população local, que misturava a nova ideologia com as tradições das antigas lutas, como o abolicionismo.145 Essa constante mediação, entre o contato internacional, inclusive com fortes redes com os próprios países vizinhos, e a realidade local possibilitaram a construção de articulações políticas e sindicais, incluindo um ideário anti-imperialista 143 Ver HIRSCH, Steven. “Peruvian Anarcho-Syndicalism: adapting transnational influences and forging counterhegemonic practies, 1905-1930.” In: HIRSCH, Steven; VAN DER WALT, Lucien (org). Op.cit. p.227-272. 144 Ver TOLEDO, Edilene; BIONDI, Luigi. “Constructing Syndicalism and Anarchism Globabally: the transnational making of the syndicalism movement in São Paulo, Brazil, 1895-1935.” In: : HIRSCH, Steven; VAN DER WALT, Lucien (org). Op.cit. p.363-394. 145 Ver OLIVEIRA, Tiago. Op.cit.

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particular que era instrumentalizado, inclusive, para impulsionar as lutas e demandas de classe. São esses condicionamentos, além propriamente da construção global do anarquismo, que construíram os jornais Guerra Sociale e A Plebe e, por isso, adentraremos com mais detalhes nos próximos tópicos.

Imprensa, movimento operário e a circulação de ideias no movimento anarquista em São Paulo Logo, quem trabalha não ganha dinheiro porque o lucro é todo do patrão e o pobre não é um vadio, é apenas a vítima lastimável de uma péssima e detestável organização social. Em São Paulo, são conhecidas as origens das grandes fortunas. As que não provém de heranças foram obtidas à custa do suor do escravo, do colono ou do operário, ou, o que é ainda mais provável, à custa do envenenamento do povo...146

Além dos debates ideológicos e estratégicos que construíram os grupos e periódicos anarquistas na cidade, foi, como os redatores do jornal A Plebe citavam, a própria “organização social” que definiu como o movimento libertário se traduziu às condições concretas da realidade, condicionando muitos dos seus rumos e, por isso, também digno de análise detida. No caso, mesmo no final da segunda década de XX, as condições ainda não eram boas para um morador dos bairros operários. É possível perceber no desenvolvimento da imprensa operária como diversos empecilhos eram colocados aos menos favorecidos por parte dos detentores do capital, do trabalho e da política institucional:

Amarga os ânimos menos dados ao pessimismo o espetáculo que oferece o povo brasileiro, vegetando na ignorância, pugnando trabalhosamente por emancipar-se do peso de um Estado que asfixia todas as energias individuais entregues ao saque da burguesia que fia da eventualidade, da usura, das sinecuras, o problema da vida [...].147

Assim, para muitos personagens inseridos em diversas regiões brasileiras no início do século XX, principalmente as que estavam atraindo potencialmente a mão de obra para o trabalho, eram desanimadoras as condições impostas para grande parte da população. Os redatores do jornal O Amigo do Povo, criado em 1904, o primeiro periódico anarquista da cidade de São Paulo em língua portuguesa148, citando “o 146 MOTA, Benjamin. “O pobre é um vadio?.” A Plebe, 9 de junho de 1917. p.1. 147 Salvador Sapateiro. “Pobre povo Brasileiro”. O Amigo do Povo, 27 de dezembro de 1903. 148 Para acompanhar a trajetória do jornal O Amigo do povo ver TOLEDO, Edilene. Amigo do Povo: grupos de afinidade e a propaganda anarquista em São Paulo nos primeiros anos deste século. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 1994.

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problema da vida”, afirmavam que a classe trabalhadora e os grupos subalternos subalternos sofriam com as condições precárias de moradia e trabalho, acompanhados por mecanismos repressivos por parte das autoridades e pela exclusão das decisões do desenvolvimento político da República, que para estes estariam na mão de pequenos grupos ligados à produção industrial e agrícola, fatores que barravam as tentativas de transformação dessas contradições.149 No estado paulista, é possível notar que as áreas rurais ainda representavam a grande maioria da concentração dos trabalhadores.150 Não obstante, o avanço industrial, atrelado à grande recepção de pessoas nesses ambientes, resultava o rápido crescimento dos centros urbanos. Tal processo, que ocasionava a rápida construção de bairros operários e das habitações populares, próximos às áreas férreas como Água Branca, Barra Funda, Brás, Bom Retiro e Luz ou próximos aos rios, como Pari, Belenzinho, Penha e Mooca, foi marcado por uma clara distinção social em relação a outras regiões de moradia, como Higienópolis, no qual se concentravam a população com maiores rendimentos, que apresentava melhores instalações, inclusive de saneamento básico.151 O interior dos espaços com tais habitações precárias, era composta por muitos trabalhadores, muitos deles ex-escravizados ou descendentes de famílias com um passado de iguais péssimas condições que atravessaram outros períodos do país, como a anterior Monarquia. Esta tinha recentemente sido abolida mas permeava medidas autoritárias e excludentes, fato que pode ser exemplificado com a tomada de poder dos militares à presidência e passada depois aos representantes do jogo oligárquico do país.152 A população local era somada ao grande fluxo de imigrantes que chegavam ao país. Muitos destes últimos foram atraídos por discursos que reverberavam na forma de 149 Godoy revela que a “instalação do regime de trabalho livre de forma generalizada de relação de produção, sob uma massa de trabalhadores imigrantes e ex-escravos, foi objeto de regulamentação republicana, indicando que ao controle político se conjuminaram formas de controle social. O Código Penal de 1890 praticamente celebrou a obrigatoriedade do trabalho, ao estabelecer prisão celular contra os “vadios” (artigo 399). O mesmo código também criminalizou a greve (artigos 204 ao 206), determinou os usos ilegais “das artes tipográficas” (artigos 382,383 e 387) e a ocorrência de crimes políticos “contra a segurança interna da República”, como os de conspiração (artigo 115), de ajuntamento ilícito (artigo 119) e de formação de “sociedades secretas” (artigo 382). À exceção dos usos ilegais das “artes tipográficas”, para os quais estava prevista a aplicação de multas varáveis, a totalidade dos demais crimes seria punida por “prisão celular” ou por esta acrescida de uma multa. Estes dispositivos foram contextualmente manobrados pelas autoridades públicas para perseguir e coibir manifestações reivindicativas de variados matizes, principalmente das classes populares nos meios urbanos.” GODOY, Clayton. Op.cit., p.70-71. 150 WELCH, Clifford Andrew. A semente foi plantada: as raízes paulistas do movimento sindical camponês no Brasil, 1924-1964. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p.47-91. 151 GODOY, Clayton. Op.cit. p.73. 152 SIQUEIRA, Uassyr de. Op.cit., p.11-20 e FAUSTO, Boris. Op.cit.

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propagandas em cidades europeias, tentando convencê-los a viajarem sem conhecerem as verdadeiras condições impostas, com esperanças para construir uma vida melhor.153 Esses planos, frustrados na chegada desses personagens, logo revelavam algumas causas reais do evento: a falta de condições básicas de uma grande população em potencial avanço na Europa, a necessidade de um novo tipo de mão de obra para garantir o sucesso dos detentores da produção e as intenções políticas de um povoamento a partir de uma população europeia.154 Nessa empreitada, o historiador Uassyr de Siqueira mostra que “pouco após a Abolição, em 1892, foram 92 mil os imigrantes que chegaram no estado, número que, inserido entre os anos de 1880 e 1920, resultou em 1,5 milhões.” 155

A recepção de imigrantes europeus que tinha relação com a crescente economia baseada na exportação de café vinha substituir, em parte, os antigos escravizados, a partir do abastecimento de uma dinâmica que se moldava a partir do trabalho dito livre e remunerado. Além dos contratos e subsídios feitos direto com os donos de terra, a imigração também fez parte de diversas iniciativas governamentais colocadas em voga desde as décadas finais do século XIX, seja para garantir a viagem desses imigrantes visando, além do trabalho, o povoamento de terras marginais ainda não usadas ou ocupadas, como Lei Glicério de 1890.156 Também podemos citar que, influenciados por uma retórica cientificista que pregava a superioridade racial, a vinda de tal população caucasiana, traria suposto progresso ao povo brasileiro, marcado pela mestiçagem negra e indígena, consideradas inferiores por alguns discursos médicos e políticos.157 Essas intensas transformações, que assinalaram tanto a esfera institucional quanto a própria construção das cidades em seus âmbitos sociais, ocasionaram profundas reformulações nos próprios tipos e linguagens de resistência dos personagens menos favorecidos ao lidarem com essa realidade. Novas ideias que circulavam com esse grande fluxo se juntavam a antigas e novas tradições de luta que eram potencialmente disseminadas graças aos avanços dos meios de comunicação, principalmente a ascensão da tipografia e da imprensa, que eram usados por variados grupos sociais ou políticos para seus interesses particulares. Um deles, o gênero da imprensa operária, nascido 153 Ver TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: Um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo, Nobel, 1988. p.19-27. 154 No caso italiano, majoritário no período, para adentrar o conjunto de “fatores de atração” e os “fatores de repulsão” ver Idem. p.18-44. 155SIQUEIRA, Uassyr de. Op.cit,. p. 12. 156Sobre a Lei Glicério e outras iniciativas governamentais ver TRENTO, Angelo. Op.cit., p.18-30. 157 Ver SOBRINHO, Afonso Soares. “São Paulo e a Ideologia Higienista entre os séculos XIX e XX: a utopia da civilidade.” Sociologias, Porto Alegre, n.52, 2015, p.210-235.

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nesse ínterim, especialmente as que difundiam ideários revolucionários, diferia muito de outros ramos como a imprensa lucrativa, também comuns naquele período. Apesar de ambas vertentes estarem ligadas aos avanços das tecnologias industriais, o discurso da imprensa operária “constituía verdadeiro contraponto à visão educadora do progresso (do projeto progressista desde o final do século XIX) oferecida pelas revistas de variedade”158, nascendo, portanto, no “bojo do desenvolvimento industrial, fruto da necessidade de defesa dos interesses dos trabalhadores frente aos padrões de exploração imperantes.”159 De acordo com Heloisa Cruz, a cultura letrada e a imprensa, acompanhando a grande difusão de ideias e transformações sociais, “começaria decididamente a avançar para além das elites tradicionais.”160 Para a autora, no contexto da formação da nação brasileira, a imprensa assumiu um papel fundamental, inclusive de articulação e legitimação de projetos políticos e de processos e práticas culturais. A imprensa de bairro ou operária continuou com esses aspectos, mas desta vez, aproximando o “jornalismo do cotidiano da vida urbana.”161 Tal circulação passava de discursos e acompanhava ou mesmo refletia o avanço das sociedades de socorro mútuo e dos sindicatos, esses últimos que cresciam potencialmente. Para o historiador Claudio Batalha, proibidos pela Constituição de 1824 de construir qualquer associação sindical, os trabalhadores no século XIX se organizavam a partir das sociedades de socorro mútuo, aquelas que uniam os contribuintes através da reunião étnica, de região ou de ofício, ajudando os associados, caso fossem prejudicados pela falta de leis e condições, como desemprego e doenças. Essas entidades, muitas vezes, também foram responsáveis por greves, assumindo a função combativa. No século XX, com as mudanças da Proclamação da República, os sindicatos puderam avançar em consonância com as entidades anteriores, mas, dessa vez, aumentando o caráter econômico de resistência. Através disso, existiram três tipos de sindicato,

[....] as associações pluriprofissionais, reunindo operários de diferentes ofícios e diferentes ramos industriai; as sociedades por ofício, reunindo unicamente operários de determinado ofício e, quando muito, de alguns ofícios similares; e, 158 COHEN, Ilka. “Diversificação e segmentação dos impressos.” MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tânia Regina. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.p.120 159Idem. 160 CRUZ; Heloisa de Faria. São Paulo em papel e tinha: periodismo e vida urbana -1890-1915. São Paulo: EDUC, FAPESP, 2000. p.25. 161Idem. p.71.

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por último, os sindicatos de indústria ou ramo de atividade. Havia, ainda, casos de sindicatos de empresas , reunindo exclusivamente trabalhadores de uma empresa específica, mesmo que pertencentes a diferentes ofícios.[...] Os sindicatos por ofício constituem a base da organização na Primeira República, sendo o tipo de organização predominante e tendendo a ser a forma priorizada pelo movimento operário, pelo menos até a segunda metade dos anos 1910. 162

Aproveitando o crescimento da imprensa e dos espaços operários, já usados por outros setores políticos e sociais, também servia muito bem para os anarquistas. Propositalmente ou não, migrando por necessidade ou pela vontade de disseminar suas ideias, essas ferramentas serviam para disseminação de ideários e símbolos de sua família política, também como órgão aglutinador de grupos e redes militantes e, igualmente, tentavam convencer os trabalhadores e grupos subalternos para a adesão de seus princípios e estratégias revolucionárias ou simplesmente organizavam os movimentos e associações com o caráter de resistência.163 Os anarquistas, por sua vez, já tentavam sua inserção na cidade há algum tempo, desde 1892 pelo menos. Galileo Botti tinha lançado o periódico Gli Schiavi Biachi neste período, Felice Vezzani havia fundado o periódico L'asino Humano e o Centro Socialista Internazionale de São Paulo iniciado no ano 1893, em um salão na Rua Líbero Badaró n.º 110, no bairro da Sé, que reuniu, em seus primeiros encontros, socialistas e anarquistas na tentativa de unir esforços para discutirem melhores meios para o florescimento de suas ideologias e para mobilizarem a população.164 A intensa disseminação de ideários políticos se chocava com o próprio anseio internacionalista do movimento que acabou afetando grandes áreas se alastrando também na América do Sul.165 Longe de ser harmônico, o choque com outros projetos políticos e com as próprias culturas expressas nas diferentes origens nacionais que se misturavam, trouxeram alguns impasses, mesmo em um primeiro momento, para a efetivação do anarquismo no país. Alguns personagens em torno do periódico anarquista La Battaglia, composto por personagens provindos de diversas regiões italianas, por exemplo, eram atuantes em diversos tipos de mobilizações e não foram raras as vezes que puderam organizar ou impulsionar boicotes na cidade, defendendo a destruição das condições que consideravam desiguais. Contudo, seus recostos nas uniões de tendência étnicas, 162 BATALHA, Claudio. O Movimento Operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Jahar, 2000. p.16-17. 163 Para um estudo de caso ver KHOURY, Yara Aun. “Edgard Leuenroth, anarquismo e as esquerdas no Brasil.” In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. Op.cit. 164 Ver GODOY, Clayton. Op. cit.,85-102. 165 Ver HIRSCH, Steven; VAN DER WALT, Lucien (orgs). Op.cit.

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derivadas de sua própria inserção em ambientes compostos por imigrantes deixavam suas claras marcas. Ao tentar comparar, por vezes, os processos reivindicatórios dos lugares de origem para sua situação local, anexavam discursos de segregação, julgando a população nativa como passiva, assim como a rede política institucional do Brasil atrofiada ou retrógrada166: Deixemos de lado o proletariado nacional, este é ainda em formação e com ele ninguém nunca pode contar. É um rebanho de eleitores a bom preço. Falta a preparação histórica, talvez também o próprio ambiente econômico com o qual possa se formar um proletariado indígena. Temos bons companheiros brasileiros, operários ou profissionais, mas, por favor, não vamos procurar o socialismo, o sindicalismo e o anarquismo nas sociedades operárias indígenas, organizadas com fins políticos, de vulgar política.167

O grupo em torno do periódico em questão, adeptos da estratégia antiorganizacionista, já desconfiavam, por esse motivo, dos ambientes mais sólidos de resistência, mas esse também pode ter sido um caso de como o tipo de associação étnica, a partir da imigração, apontado anteriormente, apesar de contribuir com a rápida disseminação de projetos políticos dentro de grandes grupos imigrantes, em contrapartida, algumas vezes, dificultava a implementação efetiva destes entre trabalhadores nativos criando empecilhos para uma ação conjunta. É necessário ainda salientar que mesmo marcadas por essa tendência, as associações étnicas não eram uma particularidade do movimento anarquista. Para o historiador Luigi Biondi, as sociedades de socorro mútuo, ligas sindicais e grupos políticos comumente se associavam com membros que se reconheciam através de locais de origem ou língua comum. Alguns bairros tinham uma presença marcante e até esmagadoramente majoritária de imigrantes. Estes, por sua vez, se viam isolados, juntamente com boa parte da população, da política institucional brasileira, resultando no florescimento de uma ligação imaginária étnica e, assim, tal tendência facilitava os processos de organização política e sindical, em um primeiro momento. De fato, em outros casos, esse ideário pode ter emperrado movimentos de resistência mais amplos, levando em conta a heterogeneidade do composto dos trabalhadores em outras regiões. No entanto, tal caráter, como mostra o pesquisador, na prática não necessariamente excluía outros tipos associações, como de ofício, contando com uma forte resistência classista, tendência que foi reforçada nas décadas seguintes, na cidade, acompanhando 166 Idem. p.76-100. 167 "Parliamoci chiaro". La Battaglia, 21 de julho de 1912. Citado em BIONDI, Luigi. Op.cit., 1998. p.143.

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as estratégias anarquistas.168 Os próprios personagens ligados ao La Battaglia apresentavam diversas vezes também uma clara posição de classe, refletindo o próprio ambiente no qual se desenvolviam:

Essa classe média nunca experimentou a pobreza, a conhece apenas por um quadro deixado para trás como eles escreveram, para apenas falarem sobre isso, se sentem atacados por emoções de horror. Fieis ao seu gordo salário, se apresentam a partir de lições presas aos jornais conservadores contratados, discutem política, mas apenas alegações de defeitos de ministros e alguns diplomatas, mas sempre dizendo bem do trabalho do governo. Ai se você falar com eles de ideias progressistas, do socialismo, da anarquia!169

Apresentando um ideário étnico particular, um outro filtro de agregação passava pela posição das classes sociais e, portanto, dos seus próprios embates. Ao recusar a junção dos seus interesses com as classes mais abastadas, os agentes em torno do grupo revelavam o seu próprio lugar e também seus objetivos.170 Desse modo, se as ligações étnicas e a disseminação de movimentos exteriores eram, de fato, inegáveis tendências, esse caráter não cancelou por completo a recepção desses ideários por movimentos anteriormente existentes ou por embates entre posições sociais constituídos anos anteriores que também os usariam quando assim fosse preciso. O autor Marcelo Badaró Mattos, afirma, no caso específico do Rio de Janeiro, que não foram raros os casos de indivíduos, ligados anteriormente aos movimentos abolicionistas ou republicanos que se juntaram na construção dos organismos populares de relevo, inclusive de intenção socialista ou revolucionária. Para Mattos,

os trabalhadores assalariados, que compartilhavam espaços de trabalho e de vida urbana com os escravizados, atuaram coletiva e organizadamente pela sua libertação, demonstrando que este tipo de solidariedade na luta pela liberdade era parte do arsenal de valores da nova classe em formação. Tipógrafos abolicionistas, tipógrafos republicanos, tipógrafos socialistas. [...]Tais trajetórias e seus cruzamentos foram possíveis porque trabalhadores escravizados e livres partilharam formas de organização e de luta, gerando valores e expectativas comuns, que acabariam tendo uma importância central para momentos posteriores do processo de formação da classe. 171

É evidente que no Rio de Janeiro a demanda de ex-escravizados foi 168Ver BIONDI, Luigi. Op.cit., 2011. p.386. 169 Roberto Tubertini. “Perché vi sono dei ricchi e dei poveri?”. La Battaglia, 22 de abril de 1908. Tradução nossa. Citado em Leal, Claudia. Op.cit., 1999. p. 43. 170 Para Claudia Leal era evidente o destino de suas propagandas para o segmento social de classe baixa. Ver Leal, Claudia. Op.cit., 1999. p.44. 171 MATTOS, Marcelo Badaró. “Trajetórias entre fronteiras: o fim da escravidão e o fazer-se da classe trabalhadora no Rio de Janeiro.”. Revista Mundos do Trabalho, Santa Catarina, vol.1, n. 1, 2009. p. 6164.

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particularmente maior. Não obstante, tais sugestões podem evidenciar que o movimento sindical e suas respectivas orientações políticas não eram exógenos ou estanques da realidade dos movimentos sociais no Brasil. Esse caso, com certeza, estava relacionado com a construção de jornais como O Amigo do Povo, que aglutinava imigrantes e brasileiros em sua composição e realizava esforços de adentrar os movimentos de respaldo popular na cidade de São Paulo. Para os redatores,

Devemos favorecer todas as lutas por liberdades parciais: na luta aprende-se a lutar e quem começa a saborear um pouco de liberdade acaba por querê-la toda. Estejamos sempre com o povo, procuremos ao menos que pretenda alguma coisa e que esse pouco ou muito que queira, o queira conquistar por si mesmo. (...) Contra o governo, que tem exércitos e polícias, não se faz guerra de argumentos, que o não convencem: a luta é toda física, material. (...) 172

Esse grupo, a partir de sua própria concepção política - a estratégia organizacionista - e de sua própria experiência concreta, buscava desde o início de suas publicações se fundir com movimentos sociais e reivindicatórias existentes, tentando potencializar suas demandas e anexando as suas tentativas particulares de transformação social e política.173Assim, os ideários étnicos começavam a ser diluídos pelos grupos através do próprio contato entre imigrantes e brasileiros e de suas experiências, a partir de necessidades comuns. Para essa implementação, não podemos ignorar a presença de atores dotados de intensa mobilidade entre esses espaços que podem ter sido responsáveis pela confecção de uma cultura política e militante que, embora com influências anteriores, possuía relação particular com os problemas reais da cidade. Eram os “mediadores espaciais”, ou seja, personagens que, inseridos na mesma estrutura econômica, portanto convivendo com ideários de insegurança típicos da formação do capitalismo, mas que foram privilegiados em transitar em diversos países e cidades agregando e mediando traços culturais, ideológicos - portanto tendo contado com diversas e típicas estratégias de contraponto - podem “vir ter a um papel chave na geração de formas de mobilização política.”174 A historiografia biográfica ou especializada sobre impressos anarquistas evidenciam que foram importantes, de fato, para esse advento, os ativistas que detinham 172 “O que queremos IV.” O Amigo do Povo, 7 de junho de 1902; Citado em OLIVEIRA, Antoniette. Op.cit., 33. 173 Para adentrar nas posições do anarquismo organizacionista presente entre o grupo ver SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. 94-97. 174 SAVAGE, Mike. “Classe e História do Trabalho.” In: BATALHA, Claudio; SILVA, Fernando Teixeira; Fortes, Alexandre (org). Op. cit. p.42.

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grande capacidade de mobilidade.175 Entre eles estavam o português Neno Vasco, os italianos Oreste Ristori, Angelo Bandoni, Gigi Damiani, Isabel Cerruti e Luigi Magrassi, os espanhóis Everardo Dias, Florentino de Carvalho e também outros nascidos no país como Benjamin Mota, Edgard Leuenroth, João Penteado e João Crispim. Tais militantes, mesmo alguns marcados pela sua origem étnica, participaram das atividades de reivindicação na cidade, denunciando a exploração da mão de obra nas fábricas e fazendas e incentivando a organização sobre o espectro da ação direta, estabelecendo conexões entre diversas associações como as de São Paulo e do Rio de Janeiro e outras partes do mundo, como Argentina, Itália, Espanha e Portugal.176 Atrelado a essa tendência, a partir de 1900 uma nova onda de grupos anarquistas, de várias tendências e estratégias como grupos de teatro, de propaganda, ou de orientação sindical, agiam construindo redes de afinidades para formar uma atuação política de orientação libertária na cidade mais expansiva que a anterior. Entre estes estavam o grupo Filhos da Era Anarquista, o Centro Feminino Jovens Idealistas, o Grupo Filodramático Libertário, o Pensiere e Azione e um número crescente de periódicos em torno desses como o Grito do Povo, Palestra Social, A Lanterna, Germinal, La Nuova Gente, O Livre Pensador, Azione Anarchica, O Amigo do Povo, La Battaglia, A Terra Livre, Guerra Sociale, La Propaganda Libertaria, A Plebe, Alba Rossa e outros que expandiam suas atividades consideravelmente.177 As práticas que acompanhavam tais grupos começavam a influenciar e acompanhar o próprio desenvolvimento do movimento operário na cidade. Muitos desses personagens, mesmo divergindo em seus discursos e algumas práticas sobre a posição do sindicalismo e seus usos, atuavam, com suas respectivas posturas, em importantes organismos operários. Esse caráter foi demonstrado na construção da Confederação Operária Brasileira (COB), iniciativa altercada no Primeiro Congresso Operário Nacional, principalmente pela experiência das associações sindicais do Rio de Janeiro, entre eles a Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ), herdeira da Federação Operária Regional.178 A COB, com limitações para se constituir nacionalmente, se esforçava para coordenar e ligar as associações de várias regiões do 175 Como os casos de SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009, ROMANI, Carlo. Op.cit., 1998 e TOLEDO, Edilene. Op. cit., 1994. 176 Ver TOLEDO, Edilene; BIONDI, Luigi. “Constructing Syndicalism and Anarchism Globally: the transnational making of the syndicalist movement in São Paulo, Brazil 1895-1935.” In: HIRSCH, Steven; Walt, Lucien van de. (Org.). Op.cit., 389-416. 177 Para uma constatação da criação, desenvolvimento e metas dos grupos e jornais ver OLIVEIRA, Antoniette. Op.cit., p.30-34. 178SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. p.113-119.

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Brasil, como São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Ceará e Pernambuco e de diferentes orientações e funções, como as de ofício ou pluriprofissionais. Para a autora Edilene Toledo, a confederação “era formada por federações nacionais de indústria ou de ofício, uniões locais e estaduais de sindicatos, sindicatos isolados em locais onde não existiam federações ou de indústrias e ofícios não federados.”179 Estiveram presentes no congresso quarenta e três delegados e vinte e oito associações que apresentavam, no seu interior político, agentes de orientações diversas, entre esses reformistas, socialistas e também muitos sindicalistas que não assumiam uma posição política.180 Igualmente, não é difícil perceber a forte movimentação de personagens com clara posição libertária. Representando São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, estavam presentes Edgard Leuenroth, Astrojildo Pereira, João Crispim, Luigi Magrassi, Giulio Sorelli, Motta Assunção e outros exercendo posições relevantes como organizadores.181 A confederação também, dessa maneira, estreitava as ligações de militantes no interior de famílias políticas, como os anarquistas de diversas regiões. Essa mesma sombra da atividade anarquista pairava sobre as publicações do jornal A Voz do Trabalhador, escolhido como porta-voz desse organismo.182 Os antiorganizacionistas anarquistas, ainda céticos em relação às entidades sindicais, acompanharam as decisões e caminhos tomados, do contrário não seria possível a formulação de duras críticas encontradas nas palavras de Oreste Ristori em La Battaglia sobre o referido congresso.183 Consequentemente, os aderentes dessa estratégia deixavam seus rastros, mesmo minoritários, e igualmente absorviam práticas e intenções para sua bagagem militante. Como o historiador Carlo Romani nos mostra, Ristori também participava da própria construção do movimento operário ao não se opor

sistematicamente às greves parciais enquanto forma de luta de uma ou mais categorias. Em muitos casos, além de abrir espaço a cada edição, para o acompanhamento dos movimentos grevistas em andamento, envolvia-se diretamente em sua articulação e difusão. O próprio Oreste viajou várias vezes ao interior, particularmente a Santos, entre maio e junho de 1907, participando ativamente da organização da greve geral pela jornada de oito horas.” 184 179 TOLEDO, Edilene. “Para a união do proletariado: a Confederação Operária Brasileira, o sindicalismo e a defesa da autonomia dos trabalhadores no Brasil na Primeira República.” Perseu: história, memória e política. n.10, Ano 7, p.11-32, Dezembro 2013. p.14. 180Idem. p.17. 181SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. p.114. 182Idem. p.116. 183Posição do grupo La Battaglia pode ser encontrada em ROMANI, Carlo. Op.cit., p.166-177. 184Idem. p.175.

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Em muitos projetos e iniciativas algumas diferenças entre várias vertentes estratégicas, mas também entre famílias políticas diferentes, eram deixadas de lado para compor consensos comuns na esperança de criar um movimento que aglutinasse e garantisse alguns direitos para os trabalhadores. Nas resoluções da COB, o projeto articulado e discutido por variadas redes militantes tinha entre os objetivos principais:

[...] promover a união dos trabalhadores para a defesa de seus interesses morais, materiais, econômicos e profissionais; estreitar laços de solidariedade entre o proletariado organizado, dando maior força e coesão a seus esforços; estudar e propagar os meios de emancipação do proletariado e defender publicamente as reivindicações econômicas dos trabalhadores, através de todos os meios e especialmente através do jornal A Voz do Trabalhador; reunir e publicar dados estatísticos e informações exatas sobre o movimento operário e as condições de trabalho em todo o país. 185

Dessa forma, personagens ligados ao sindicalismo revolucionário, até mesmo os socialistas que o apoiavam, garantiam também seus interesses em um planeamento que aparentava possibilitar ganhos e vantagens para todos os lados que aderiam às posições revolucionárias em detrimento das intenções reformistas.186 Para os anarquistas essa resolução parecia encaixar perfeitamente em uma tendência levada adiante e tencionada por diversos de seus pensadores e militantes no período. Não defendendo um vínculo explícito com a ideologia anarquista, a maioria dos personagens presentes apostava na ideia de um sindicato livre de conceitos partidários, com clara adesão à ação direta, autogestão e federalismo.187 Tal posição, análoga a de Malatesta - como apontado encontrada posteriormente no Congresso Anarquista de Amsterdã em 1907 - tinha como intenção agregar trabalhadores de ofícios, regiões e ideologias diversas, transformando os organismos de coordenação sindical especialmente para a luta econômica, e por consequência, em um excelente espaço de propaganda ou mesmo possibilitando a infiltração, por meio de redes e articulações, dos anarquistas.188 Da mesma forma, não negavam sua tendência ao reformismo, mas acreditavam, por essa mesma razão, sob o prisma da estratégia organizacionista, que era imprescindível o trabalho anarquista nos sindicatos, onde defendiam seu caráter pela 185 Resoluções do Primeiro Congresso Operário Brasileiro. Citado em TOLEDO, Edilene. Op.cit., 2013. p.14. 186 TOLEDO, Edilene. Op.cit., 2013. 187 Para Samis “via-se aí, não apenas o fracasso das pretensões reformistas, como também a permanência das teses defendidas por Bakunin na Internacional. O assistencialismo, marca do reformismo, caía derrotado; as presidências eram substituídas por comissões administrativas, também na discussão sobre a “organização”; no quesito “ação operária” a luta pelas oito horas se sobrepunha à do aumento salarial.” SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. p.115. 188 Ver MALATESTA, Errico.Op.cit.

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luta material imediata, mas ao mesmo tempo tencionavam outras ideologias que também se infiltravam. Ou seja, esse tipo de sindicato pelos anarquistas era uma formidável estratégia para garantir alguns de seus interesses e sua penetração no movimento operário que estava sendo construído.189 Os mesmos encaminhamentos, que englobavam diversos projetos, mas que revelavam a consequente presença dos anarquistas, deram-se na constituição da primeira tentativa de construção da Federação Operária de São Paulo (FOSP) em 1905. Essas práticas possibilitaram uma junção com os eventos reivindicatórios, como as greves incitadas nas comemorações do primeiro de maio em 1907.190 Nesta data, a partir do dia 4 de maio, os metalúrgicos da Companhia Lidgerwood ao protestarem por melhores condições e a jornada de oito horas, foram conectados por outras categorias como pedreiros, sapateiros, tecelões, gráficos, possibilitando considerável amplitude reivindicativa. Os anarquistas, sobre uma meta internacional, encaminhavam sistematicamente as lutas pelo direito às oito horas de trabalhado. Esses, além de sua posição no interior da FOSP, ofereceram discussões e disseminaram notícias através de diversos jornais, entre eles o Germinal, La Battaglia e O Amigo do Povo.191Algumas categorias saíram vitoriosas, pelo menos durante algum tempo, em que vigoraram os diretos requeridos. Não obstante, a repressão policial, como era comum sobre os grupos ativistas, caiu sobre a FOSP, dissolvendo o organismo e prendendo seus líderes e militantes. 192 A forte disseminação dos grupos anarquistas, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, teve evidentes paralelos com a construção do movimento operário nestas cidades, que obviamente apresentavam dificuldades e bloqueios, seja pela própria heterogeneidade de ideologias nesses espaços, pelas diferentes estratégias dentro de sua família política e igualmente pela intensa repressão, resultando o repensar constante de suas estratégias. Todavia, a necessidade constante para reconstruir ou impulsionar os órgãos de prioritária reclamação econômica, como os sindicatos, fizeram muitos dos anarquistas gastarem muitos dos seus esforços na dianteira desses ambientes, restando pouco espaço para o norteio interno de sua ideologia. Se levarmos em conta, como a historiadora Edilene Toledo defende, que “o anarquismo era somente uma das correntes de uma 189Ver Oliveira, Tiago. Op.cit., p.79-90. 190 ROMANI, Carlo. Op.cit., p.175-176. 191 LOPREATO, Christina. Op.cit., p.12. 192 Idem.

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panorama político bastante variado”193, no qual precisava flexibilizar práticas de ação para intercalar tanto suas demandas entre o gradiente ideológico dos trabalhadores quanto dar força às lutas de caráter econômica, essa era uma atitude necessária mas ao mesmo tempo bem arriscada. A autora salienta que desde o começo do século, os anarquistas, ao escolherem a opção do sindicalismo revolucionário contava com a disputa de outros grupos nos arredores dessa estratégia. Personagens de fileiras diversas como Alceste de Ambris - socialista intimamente relacionado no desenvolvimento do sindicalismo em São Paulo-, Giulio Sorelli - anarquista que passava para o pragmatismo da luta material autossuficiente nas páginas do periódico Il Libertario- e Edmondo Rossoni -sindicalista que aderiria, mais tarde, também as ideias fascistas - evidenciavam como esse terreno se tornava, com o passar do tempo, bastante complexo e heterogêneo na cidade.194 Nesse caso, também, enquanto boa parte dos anarquistas - como era o caso de Errico Malatesta - pregarem que a luta econômica apenas faria parte de uma das esferas de preocupação para os militantes que deveriam estar envolvidos com uma transformação social, moral e consequentemente política, muitos dos outros aderentes do sindicalismo revolucionário supervalorizavam a primeira, vinculando a “autonomia operária à ação [estritamente] sindical.”195Esse caráter, para Alexandre Samis, garantiu um lugar privilegiado ao anarquismo na construção do movimento operário em várias regiões do Brasil. Embora concordando também que o anarquismo foi apenas uma das orientações políticas entre os trabalhadores nesse período, o autor sustenta que seus representantes

no

geral,

quando

não

ancorados

nas

redes

móveis

e

antiorganizacionistas, apostaram na militância de caráter sindicalista, construindo ou potencializando de maneira considerável tais órgãos de resistência, fato que pode ser evidenciado no andamento dos três primeiros congressos operários no país, nos quais os libertários tiveram extrema ligação.196 No entanto, essa íntima relação poderia mostrar claros desgastes, uma vez que não eram os únicos nessa empreitada. Diferente dos socialistas, por exemplo, que usavam suas referências do PSI para nortear algumas de suas propostas, alguns “anarquistas haviam entendido a ação diurna nos sindicatos como 193 TOLEDO, Edilene. “A trajetória anarquista no Brasil na Primeira República”. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. A formação das tradições (1889- 1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.62. 194 Ver Edilene, Toledo. Op.cit., 2004. p.163-383. 195 Idem. p.31. 196 SAMIS, Alexandre. “Pavilhão negro sobre pátria Oliva: Sindicalismo e Anarquismo no Brasil.” In: COLOMBO, Eduardo (org.). Op.cit.,. p.125-181.

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a única e principal tarefa do militante.”197 Evidentemente, os próprios militantes anarquistas percebiam com astúcia essa problemática e apresentavam propostas. Entre os anos de 1913 e 1915, Neno Vasco e João Crispim realizavam um caloroso debate nas colunas do periódico A Voz do Trabalhador. O primeiro, como sabemos, acreditava que, embora sendo uma tarefa primordial dos libertários, não era possível um vínculo explícito entre sindicalismo e anarquismo. Vasco, temeroso que os rótulos ideológicos pudessem dividir interesses, defendia que os libertários deveriam favorecer as lutas imediatas dos trabalhadores levando “o proletariado a uma concepção revolucionária da luta de classes, à compreensão da solidariedade proletária frente da classe patronal”198. João Crispim, por sua vez, defendia que exatamente essa desvinculação era perigosa porque não combateria com eficácia as ideologias contrárias às demandas classistas que adentravam no movimento operário. Para ele, o anarcossindicalismo não forçaria alguém a se tornar previamente um aspirante dos ideais libertários, mas mostraria uma inclinação favorável às liberdades coletivas e individuais, pois “quando se ocultam as tendências, obedecendo a uma tática, a do silêncio, e ainda mais a da negação [...] cai-se num confucionismo lamentável, confucionismo e negação que favorecem as correntes contrária à emancipação dos trabalhadores.”199 Mas, de acordo com Neno Vasco, não existiria nenhum tipo de negação, desde que os anarquistas dentro do sindicalismo revolucionário agissem como uma “minoria atuante e propulsora”200 organizados internamente tanto para favorecer os ganhos imediatos quanto para radicalizar esses atos, transformando em possíveis ocasiões revolucionárias. Conquanto, se esse caráter emperrava um desenvolvimento ideológico local sendo sacrificado para o funcionamento do movimento operário em si, ambas as discussões e experiências pelo menos eram reverberadas em suas redes transnacionais possibilitavam fios de continuidade ou de aprendizado com outros pontos da América do Sul ou do continente europeu. A COB, por exemplo, utilizava a influência de projetos exteriores, como a CGT na França e a Confederação Geral do Trabalho na Itália,201 Não obstante, 197 SAMIS, Alexandre. “Anarquismo, “Bolchevismo” e a crise do sindicalismo revolucionário.” In: ADDOR, Carlos; DEMINICIS, Rafael. História do anarquismo no Brasil (volume dois). Rio de Janeiro: Achiamé, 2009. p.47. 198 Trechos de Neno Vasco (A Terra Livre) em Anarquistas no sindicato: um debate entre Neno Vasco e João Crispim. São Paulo: Biblioteca Terra Live/ Núcleo de estudos libertários Carlo Aldegheri, 2013. p.42. 199 João Crispim (A Terra Livre) em Idem. p.48. 200 Ibidem. p.42. 201 Ver TOLEDO, Edilene. Op.cit., 2013. p.13.

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com a língua de seu contexto e demandas particulares, criava outras performances e propostas específicas que abriam discussões sobre o andamento do movimento operário em âmbito global, inclusive com conexões, por exemplo, na Argentina e Portugal, lugares onde as estratégias do sindicalismo revolucionário também se faziam presentes.202 Sobre esse último caso, Neno Vasco, ao retornar para as regiões lusitanas a partir de 1911, encaminhava as perdas e ganhos do movimento em que participou no Brasil afirmando que

Agora, os fatos devem forçar a CGT a fazer-se , sem se tornar confessional ou sectária, seja animada pelo espírito de liberdade e autonomia e se inspire nos verdadeiros interesses gerais do proletariado. Se tal fizer, como é bem provável, terá em torno as organizações sindicalistas da Inglaterra, da Itália, da Espanha, de Portugal, da América do Norte e de toda a América do Sul, belo reservatório de energias futuras.203

Dessa vez o militante não estava se referindo à tentativa de inserção de partidos dentro dos sindicatos, mas também estava preocupado com os danos que Primeira Guerra Mundial trouxe às entidades como a CGT na França, dividindo e contrapondo os militantes através de suas respectivas nações de nascimento tornando-se, assim, “sectária”. Dessa forma, através de sua trajetória, Vasco incluía, como muito importante, a participação e a experiência dos organismos sindicais também das regiões do Atlântico Sul, em um espectro anti-imperialista e contrário aos conflitos nacionais, atitude que também refletia as fortes ligações de continuidade organizativa, de forma prática tanto para sua família política quanto para o desenvolvimento dos movimentos de origem popular e operários em âmbito global.204 Com certeza, com o início dos conflitos mundiais, essa atitude não foi isolada. Tentaremos mostrar adiante que foi a partir da segunda metade do século XX, mesmo com a queda do fluxo migratório na cidade, que algumas experiências se fortificaram na tentativa de mediação entre o internacionalismo político e as redes militantes locais. As estratégias unificadoras ou aglutinadoras, de caráter social ou iniciativas de núcleos políticos fixos, foram fortemente solidificadas, deixando fortes traços na cultura militante e política anarquista na cidade para a construção dos jornais Guerra Sociale e 202 De acordo com Romani, estreita relação a FORA e o grupo de La Protesta tinham com os militantes anarquistas do Brasil. ROMANI, Carlo. Op.cit., 170. No caso de Portugal, Alexandre Samis análise as conexões na militância envolvida sindical envolvida com Neno Vasco, ativista luso-brasileiro. Ver SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. 203 VASCO, Neno. “De porta da Europa: Uma nova Internacional”. A Lanterna, 3 de outubro de 1914. p.1. 204 SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009 p.173-183.

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A Plebe. Sindicalismo e o internacionalismo anarquista entre a Primeira Guerra Mundial e o movimento operário local

No início da segunda década do século XX é possível perceber ainda uma forte tendência política e sindical na cidade de São Paulo, incluindo a participação por parte dos anarquistas nestes espaços. Impulsionados por uma tradição existente desde o início do século, com ascensões e quedas em suas redes ativistas e militants, mas agregando experiências do sindicalismo e das greves, os militantes libertários intensificaram sua propaganda nos centros associativos dos trabalhadores, tentando tornar evidentes as contradições do capitalismo industrial e as formas de atuação da política institucional brasileira, sob suas avaliações particulares.205 Entre os anos de 1911 até 1913 algumas greves no setor de construções eclodiram, acompanhadas de iniciativas reivindicativas também em outras regiões, como em Ribeirão Pires em abril e maio de 1913. Em 1912, em São Paulo, uma paralisação parcial no setor de calçados conseguiu ser ampliada para uma grande mobilização de dez mil trabalhadores onde os militantes tentavam adentrar sob a forma de notícias ou continuando seus esforços de coordenação.206 Para alguns autores, esse comportamento mudou bastante nos quatro anos posteriores, antes das intensas agitações de 1917. Sheldon Maram defende que o movimento operário sofreu um declínio evidente, resultado da repressão contínua da polícia às manifestações e organizações somado ao constante desemprego que varria os centros industriais, causando instabilidade na vida da população e, por consequência, a dificuldade de sindicalização pelas constantes demissões e mobilidade dos trabalhadores.207 A mencionada repressão, por sua vez, teve alguns amparos legais em 1907 criadas pelos governantes ao visualizarem o potencial perigo das agitações para o projeto republicano, sancionadas pelo então presidente Rodrigues Alvez: o primeiro obrigava os sindicatos a depositarem seus estatutos em cartórios, acompanhados da lista de nomes dos membros da diretoria. Por ele, ficava proibida a participação sindical de estrangeiros que não tivessem, pelo menos, cinco anos de residência no país. O segundo, também conhecido como Lei Adolfo Gordo, regularizava a expulsão dos estrangeiros residentes no Brasil que, por qualquer motivo, comprometessem a segurança nacional ou a 205 OLIVEIRA, Tiago. Op.cit., p.55-90. 206 BIONDI, Luigi. Op.cit., 2011, p. 284-285. 207 MARAM, Sheldon. Op.cit.

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tranquilidade pública.208

A partir de 1912, depois da eleição do militar Hermes da Fonseca dois anos antes e de outras articulações políticas dos grupos conservadores, as leis para a permanência de estrangeiros no país também ficaram mais rígidas, assim como o aumento de tentativas de expulsão.209 É difícil saber com precisão os efeitos dessas medidas e leis, já que a primeira, por exemplo, teve poucos efeitos sob a militância mais assídua, uma vez que a maioria destes principais personagens já estavam no país desde o começo do século. Não obstante, é necessário salientar que em vários momentos atitudes arbitrárias das autoridades policiais eram colocadas em prática empastelando jornais ou entidades sindicais, principalmente quando paralisações e manifestações eram planejadas ou realizadas.210 Tais medidas se somaram posteriormente a uma grande crise econômica, decorrente dos efeitos das guerras balcânicas seguidas da Primeira Guerra Mundial, no período de 1913-1916, inflacionando os preços de produtos de necessidade básica que afetou diversas partes do mundo causando severos danos também no mercado de trabalho paulista.211 Mesmo com esses fatores que possivelmente causaram a redução das atividades grevistas e do avanço dos sindicatos de orientação revolucionária, outros indícios evidenciam que essa desaceleração não significou a inércia do movimento militante na cidade, inclusive se levarmos em consideração que as agitações posteriores não podem ser creditadas simplesmente à continuidade das pressões econômicas.212 Para Marcel Van der Linden, as greves e reivindicações evidentemente dependem das condições materiais para serem realizadas, mas também da motivação subjetiva dos personagens que as compõem que vão “recorrer a uma vasta gama de estratégias”213 e nem sempre dentro dos sindicatos. De fato, como apontado por Maram, houve uma queda da organização sindical exatamente pela forma móvel dos trabalhadores constantemente mudando de locais de emprego e de ofício, reduzindo também seu poder de barganha pelo excedente de força produtiva. Não obstante, uma insegurança estrutural sempre existiu na realidade desses personagens e, portanto, ligar a redução da atividade sindical 208 LEAL, Claudia. Op.cit., 1999. p.52-53. 209 OLIVEIRA, Tiago. Op.cit., 224. 210 Idem. p.55-58. 211 MARAM, Sheldon. Op.cit., 212 Adentraremos essa questão no terceiro capítulo. Para mais ver BIONDI, Luigi. Op.cit., 2011. p. 315376. 213 LINDEN, Marcel van der. Op.cit., 2013. p. 195.

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à suposta apatia do movimento operário no quesito militante não é um exercício totalmente certeiro, já que esses não cessaram suas atividades mas sim, como veremos, reinterpretaram suas táticas e estratégias a partir das dificuldades encontradas. De todo modo é fato que as reivindicações tinham diminuído em comparação com os anos anteriores. Se nas primeiras décadas do século XX o objetivo de muitos dos anarquistas, bem como de outros grupos, era criar uma mínima organização inicial especialmente econômica (sindical) para a reclamação de direitos sociais, o começo da década posterior, com as novas dificuldades e transformações decorrentes dessa, foi um momento de pensar novas articulações e maneiras de mobilização, e talvez por isso, de fato, um período refratário, mas não ineficaz. Por trás da suposta inércia dos movimentos reivindicatórios e da construção de sindicatos, alguns militantes estavam envolvidos nos bastidores dos ambientes operários e com boa parte da população subalterna, repensando táticas e, a longo prazo, estratégias. Diante do caminho apontado, experiência interessante circulou no periódico A Lanterna, órgão “anticlerical e de combate”214 que teve como redatores o advogado e livre pensador Benjamin Mota.

215

Na primeira publicação do periódico, no dia 7 de

março de 1901, A Lanterna apresentou a surpreendente tiragem de dez mil exemplares, com a qual prosseguiu aos sábados com quatro páginas e seis colunas. É possível notar que sua primeira fase - de 1901 a 1904 - a partir das críticas ao abuso moral e financeiro das autoridades religiosas faziam com que muitos anticlericais em geral, como maçons, espíritas, socialistas e simpatizantes lessem e participassem do periódico. Observe o tom de sua crítica a seguir:

É na exploração dos crentes, é na opressão das classes, é na especulação, é no ataque às liberdades públicas e é no obscurantismo que ela encontra os mais sólidos alicerces de seu poder: os seus representantes fazem da Igreja um negócio e do altar um balcão.216

Durante esse período, o periódico em questão foi atraindo progressivamente adeptos variados, aumentando as cópias vendidas e ampliando sua propaganda contra os abusos cometidos pelos clérigos. Intrigante, em um primeiro olhar, notar que tal jornal também que contou com 214Subtítulo apresentado nas publicações de A Lanterna. 215 Ver FIGUEIRA, Cristina Aparecida. O cinema do povo: um projeto de educação anarquista (19011921). Dissertação (Mestrado em História). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003. 216“A Lanterna em Jacarehy”. A Lanterna. São Paulo, 6 de agosto de 1910.

p.03.

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personagens anarquistas de relevo para o movimento de orientação organizativa como Edgard Leuenroth e Neno Vasco, que se uniram com essa gama variada de leitores e redatores. Essa participação foi apontada posteriormente como essencial entre os próprios ativistas tanto é que, mais tarde, na criação do periódico A Plebe, no calor das manifestações de 1917, os redatores notavam:

A Plebe como facilmente se verifica é uma continuação da A Lanterna, ou melhor dizendo, é a própria A Lanterna que atendendo a excepcionais exigências do momento gravíssimo, como nova feição hoje ressurge para desenvolver a sua luta emancipadora em um esfera de ação mais vasta, de mais amplos horizontes, com um integral programa de desassombrado combate a todos os elementos de opressão que sujeitam o povo deste pais, como o de toda a terra, a odiosa sociedade vigente, alicerçada por toda a sorte de misérias e de violências.217

Apesar das diferenças, entre uma empreitada “mais vasta”, que se referia à ação sindical e uma campanha especificamente anticlerical, essa ligação que os militantes declaravam entre os dois jornais pode evidenciar uma longa trajetória de associação entre os anarquistas e demais grupos nos espaços operários na cidade e na reformulação de muitas de suas táticas. É fato que os personagens anarquistas ligados ao jornal A Lanterna aproveitavam o espaço para contra-atacar os principais fundamentos dogmáticos e práticos da Igreja, que consideravam responsável, juntamente com o capitalismo e o Estado, pela desigualdade social, fator que possibilitava ideologicamente esse tipo de associação. Além disso, a propaganda conjunta de tais grupos e o interesse dos libertários pode ter sido uma resposta à repressão ideológica que alguns grupos tentavam exercer sobre os mais desprovidos na própria cidade, como os clericais.218 Todavia, acompanhando essa resposta ao clericalismo, o verdadeiro intuito dos anarquistas organizacionistas em torno de A Lanterna, estava condensado na trajetória de Edgard Leuenroth. Em 1909, tal militante, já membro da FOSP, retoma as publicações do periódico passando a ser o diretor central de A Lanterna. Continuando as críticas anteriores, ampliou as notícias de pautas operárias transformando a ação direta e a orientação grevista como principal orientação dessa nova fase. De um lado, continuando algumas posturas, não distanciava os anticlericais em geral da leitura, de outro, aproveitando que A Lanterna tinha bom alcance, ampliava sua propaganda 217 Leuenroth. “Rumo a revolução social”. A Plebe. n.1. p.1. 9 de junho de 1917. 218 SILVA, Rodrigo Rosa da. “As ideias como delito: a imprensa anarquista nos registros do Deops-SP (1930-1945)”. In: DEMINICIS, Rafael; FILHO, Daniel Aarão Reis (orgs.). História do Anarquismo no Brasil (volume um). Rio de Janeiro: MAUAD, 2006. p.119.

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política pela causa operária, esperando mobilizar seus leitores, a partir de seus princípios.219 Leuenroth se dividia entre a tipografia e o movimento operário. Nasceu em 1881 na cidade de Mogi Mirim, interior de São Paulo, filho de um farmacêutico e imigrante austríaco. Aos cinco anos de idade, após o falecimento de seu pai, mudou-se com sua mãe e irmãos para a capital. Passando por dificuldades financeiras, abandonou os estudos para trabalhar na cidade, onde obteve contato com as atividades ligadas à tipografia. Com quinze anos, iniciou sua trajetória como jornalista para o periódico O Comércio de São Paulo onde noticiava e observava os problemas sociais das regiões paulistanas. Um ano depois, fundou seu primeiro jornal chamado O Boi, anticlerical e que apoiava o livre pensamento. Mais tarde, em substituição deste, fundou A Folha do Brás, ampliando suas críticas aos problemas envolvendo os trabalhadores no bairro onde residia. Foi também fundador de diversas entidades vinculadas à imprensa como o Centro Typographico de São Paulo, a União dos Trabalhadores Gráficos, a Associação Paulista de Imprensa e a Federação Nacional da Imprensa. Através dessa inserção nos ambientes operários e também sua experiência como jornalista, assim, o personagem obteve contato com as ideologias de contestação, no qual estreitou relações com os militantes anarquistas com quem publicava vários periódicos como O Alfa, A Terra Livre, A Lucta Proletária, A Guerra Social, O Povo, A Capital, e outros.220 A trajetória de Leuenroth sob a própria prática do movimento operário resultou no contato com personagens assíduos como Neno Vasco, adepto da estratégia de organização anarquista numa experiência transnacional. Com efeito, portanto, Leuenroth tinha certo conhecimento empírico dos problemas dos trabalhadores em suas pautas de reivindicações, dos problemas sociais da cidade, e das propostas dos anarquistas naquele momento.221 Para tal, no jornal A Lanterna, Leuenroth e Benjamin Mota - que passava também para as fileiras anarquistas - criaram a coluna “Vida Operária” em 1911, transformada mais tarde em “Mundo Operário”, mesmo título apresentado no jornal A Plebe posteriormente. Esta era destinada a discutir e noticiar os problemas envolvendo 219 SANTOS, Kauan Willian dos. “Anticlericalismo e militância sindical: o periódico anarquista A Lanterna e sua ação entre os trabalhadores em São Paulo (1901- 1914)”. Revista Eletrônica Discente História.com, Cruz das Almas-Bahia, v. 2, p. 116-130, 2013. 220 Para adentrar a biografia de Edgard Leuenroth ver NOBRE, Freitas. “Leuenroth - personagem que escreve.” In: . A organização dos jornalistas brasileiros - 1908-1951. São Paulo: Com Arte, 1987. P.110-120. E KHOURY, Yara Aun. “Edgard Leuenroth, anarquismo e as esquerdas no Brasil”. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. Op.cit., 221 SANTOS, Kauan. Op.cit., p. 125-127.

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trabalhadores bem como suas pautas em greves e reivindicações. Tal fato fez com que o periódico ganhasse mais importância em meio ao operariado. Observe o tom de urgência que Leuenroth expõe na nova fase do periódico:

Urge, portanto, que os interessados, os trabalhadores e o povo em geral se agitem em defesa dos seus interesses, única maneira de serem respeitados os seus direitos à vida. […] É necessário agir prontamente, vir à praça pública protestar contra este insustentável estado de coisas.222

De 1911 até 1913, mesmo com altos índices da expansão da economia brasileira, jornais de várias tendências e posições sociais denunciavam os graves problemas de moradia e trabalho,223 no qual A Lanterna tinha considerações contundentes. Outra importante ação destinada à causa operária, nessa fase, garantindo também redes com movimentos de outros países, era a coluna “De porta da Europa” assinada por Neno Vasco por correspondência de Portugal. As notícias do movimento operário na Europa chegavam, por meio deste, através de uma perspectiva revolucionária:

Os grevistas falam francamente em guerra de trabalho; e com igual franqueza os diretores da indústria declaram não ceder por uma questão de princípio. Estamos chegados – proclama um deles – a um momento, na história da humanidade como na das nações, em que não é possível continuar no sistema das concessões, mas sim entregarmo-nos à sorte das grandes batalhas.224

É interessante observar em sua nova fase a gradativa inserção da luta sindicalista do periódico:

E afirmando os seus direitos, como membros uteis e produtivos da sociedade, a uma existência mais equitativa, dirigem um caloroso apelo a toda a classe operaria para que se organize com o fim de defender os seus direitos e conquistar a sociedade onde todos trabalhem para que seja garantida a todos e a cada um dos membros da coletividade humana o necessário à sua existência.225

Tal coluna foi assinada por sindicatos operários de ofício, pela União de Chapeleiros, pelo Centro Socialista Internacional, pelo jornal Avanti!, pelo Centro libertário de São Paulo, Grupo Libertário da Lapa e o periódico anarquista La propaganda Libertária. Tal fato é uma clara evidência de que o jornal A Lanterna, a partir dessa nova fase, não se resumia à crítica religiosa específica, mas apresentava 222 A liga popular contra a carestia de vida. “Contra a carestia da vida”. A Lanterna. 19 de abril de 1913.p.3. 223 FAUSTO, Boris. FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e Conflito social: 1890- 1920. São Paulo: Difel, 1977. p.150. 224 VASCO, Neno. “Da porta de Europa”. A Lanterna. 16 de setembro de 1911. p.1. 225 LEUENROTH, Edgard. A Lanterna, 22/ 8/1914.

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uma militância operária paulatinamente evidente e com associações de orientações políticas diversas e experientes entre os trabalhadores. Sua atuação passava das propagandas propriamente ditas para níveis de ativismo prático e incisivos, como podemos observar no Congresso Internacional da Paz em 1915. Esse evento era resultado das ações entre as entidades sindicais e os militantes em torno da COB que, a partir das observações dos acontecimentos internacionais, como a conflagração da Primeira Guerra Mundial, propuseram também o Congresso Anarquista Sul-Americano. Os dois congressos que se realizaram no Rio de Janeiro faziam clara frente ao avanço dos conflitos mundiais propondo garantir a força sindical para além das fronteiras nacionais. Não obstante, apresentavam diferenças nas suas intenções. Enquanto o segundo congresso citado foi proposto especificamente pelos militantes anarquistas no interior da confederação, tentando atingir outros núcleos ou grupos de propaganda libertária do continente sul-americano visando um tipo de programa para a atuação de sua família política no interior dos espaços operários, o outro tentava garantir a junção com grupos ideológicos (socialistas, anarquistas) e sindicais (de ofício ou regionais) de várias partes do globo, visando a união das forças de origem proletária para tencionar especialmente as decisões dos Estados nacionais no desenrolar da Primeira Guerra Mundial.226 Nos dois casos, os anarquistas que estiveram presentes tentaram estreitar relações com outros órgãos e militantes, alguns evidentemente conhecidos pela própria experiência transnacional, onde transitaram em países como Argentina, Uruguai, Itália e Portugal. Do mesmo modo, também tentavam barrar a possível fragmentação do movimento operário almejando uma força específica contra o avanço do militarismo, que, para os libertários, era resultado do próprio funcionamento do capitalismo industrial: Aos socialistas, sindicalistas, anarquistas e organizações operárias de todo o mundo. A pressão exercida pelos governos das nações beligerantes sobre o governo espanhol, obrigando a este a proibir a reunião, em Ferrol, do Congresso Internacional da Paz, marcado para 30 de abril próximo passado, é uma prova de que os governos da burguesia temem que os proletários do mundo inteiro cheguemos a combinar esforços e, unidos todos, façamos cessar a horrorosa matança [...]. Beligerantes e neutrais, sofremos as mesmas consequências do atual estado de coisas, - uns dando a sua vida nos campos de batalha, em holocausto ao deus do capital, os outros, por efeito da crise industrial e comercial, morrendo de fome e de miséria, sem que uns e outros tenhamos um gesto de rebeldia para sublevar-nos contra os causantes de tão 226 Para adentrar os referidos congressos e a trajetória dos anarquistas entre a Primeira Guerra Mundial ver OLIVEIRA, Tiago. Op.cit., p.210-232.

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monstruoso crime de lesa-humanidade.227

Na chamada feita pela COB em 1915, para o Congresso Internacional da Paz, percebemos que o evento era percebido como resultado da proibição de outro congresso que aconteceria na Espanha, fato que atesta o laço de continuidade transnacional contido entre os militantes anarquistas presentes, mas também do internacionalismo operário que era fortalecido por meio desses. Do mesmo modo, é possível notar a preocupação em construir ações para impedir o enfraquecimento do movimento operário diante dos acontecimentos. O grupo em torno do jornal A Lanterna, que tinha representantes na própria COB, como é o caso de Edgard Leuenroth, não tardou em assinar sua adesão e ação prática em tais eventos. As redes dos anarquistas garantiram notícias e adesões de outros grupos libertários como o Centro de Estudos Sociais do Rio de Janeiro, Centro Feminino Jovens Idealistas de São Paulo, Grupo Anarquista Renovação de Santos, La Protesta e La Rebelion da Argentina, União Anarquista Comunista de Portugal, Grupo Educacion Anarquista da Espanha e outros nos quais estreitavam relações.228 Mesmo nível de inserção garantiam também as adesões de entidades sindicais do país, entre elas as federações operárias do Rio Grande do Sul e de Alagoas, bem como de trabalhadores fora do espaço especificamente fabril como a Associação de Resistência dos Cocheiros, Carroceiros e Classes Anexas e a União dos Empregadores Barbeiros e Cabeleireiros, que também garantiam seus próprios interesses pela luta material progressiva. As adesões conseguiram ser estendidas de forma internacional entre diversas organizações de caráter econômico ou político como a União de Classe Operários Tecelões e a União das Juventudes Sindicalistas de Portugal, o Ateneo Sindicalista Ronda e o Grupo de Educacion Anarquista da Espanha, a Confederação de Sindicato Obrero de la Republica Mexicana, a Unione Sindicalista Italiana e o Partido Socialista da Argentina.229 Os dois congressos tentavam criar um órgão para garantir essa união de forma estável a partir de uma Confederação Operária Sul-Americana, que não se concretizou nos anos seguintes. Com certeza havia inúmeras dificuldades para esses projetos que visavam um organismo transnacional de ação comum, entre estas os próprios empecilhos empíricos em unir personagens ou associações com nuances em suas performances, tanto ideológicas ou mesmo por disparidade regional, a falta de adesão de 227 Ver Comissão Organizadora. Congresso Internacional da Paz. Arquivo Astrojildo Pereira: CEDEM. 228 Ver “Adesões” e “Correspondências”. Congresso Internacional da Paz. Arquivo Astrojildo Pereira: CEDEM. 229 Idem.

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demais grupos não fixos e a intensa reação desencadeada pelos aparatos repressivos nos referidos países. Não obstante, para Oliveira, “se a tão esperada Confederação Operária Sul-Americana não se efetuou, por outro lado concretizaram-se uma série de atividades de solidariedade, pelo menos por parte do Brasil e Argentina.”230 Dessa forma, os laços de continuidade, o intercâmbio e as propostas de solidariedade que acompanhavam notícias sobre a atuação dos grupos eram trazidos para a própria militância local na cidade. Depois dessas tentativas, o grupo de A Lanterna, que acompanhava o desenrolar dos movimentos operários em diversas partes do mundo e observa os seus próprios dilemas, nos anos posteriores, propuseram o “Comitê de Agitação contra a Carestia de Vida” tentando agrupar os organismos sindicais e outros grupos militantes inflamando possíveis movimentos reivindicatórios e denunciando as condições de vida da população.231 Anos depois, o periódico ainda desejava rebuscar os efeitos da COB:

Há, pois, que reanimar, que revivificar a nossa obra. É agora, mais que nunca, se torna necessário intensificar e estender a ação da COB, a COB, sois vós são os vossos sindicatos, as vossas associações. Em vós, todos, portanto, está a potencia capaz de lhe dar o vigor indispensável. E assim que vos dirigimos esta circular, apelando para vossa boa vontade, para o vosso dever sindical, no sentido duma colaboração metódica e energética na vida da COB. Trabalhai dentro da vossa associação, agitai a vossa classe, animai o movimento nessa localidade, e deste modo é que contribuirei eficazmente para o bom andamento dos trabalhos da COB.232

O autor estava se referindo à suposta apatia que os movimentos sindicais, bem como os grupos militantes estariam sofrendo na metade da segunda década do século XX, pelas pressões econômicas derivadas dos conflitos mundiais, como citamos anteriormente, mas também da repressão em nível nacional, estadual e municipal.233 Diante disso, tentando novamente aglutinar o conjunto dos trabalhadores para lutas primeiramente de caráter econômico, podemos concluir que o tipo de associação sindical que A Lanterna se propunha não era o anarcossindicalismo ou uma associação explícita como anarquista. A proposta majoritária se referia ainda a um tipo de sindicato que priorizava e julgava mais eficaz a união de diferentes orientações para a construção de uma força operária, como a apresentada na COB, mesmo correndo o risco de ser 230 OLIVEIRA, Tiago. Op.cit.,2009. p.223. 231Ver A Lanterna. 09 de junho de 1912. 232“Mundo operário”. A Lanterna. 27 de fevereiro de 1915. p.3 233 Veremos alguns desses fatores no próximo capítulo. Para mais ver MARAM, Sheldon. Op.cit., p. 127-158.

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tragada ou até mesmo constituída de outros projetos políticos. A visão particular dos anarquistas, ao se associarem com o periódico, não estava apenas em garantir sua crítica aos fundamentos religiosos, uma vez que tinham seus próprios jornais para isso. Observando a própria prática dos espaços urbanos e operários, os anarquistas no início da segunda década do século XX estavam repensando estratégias e ocupando lugares em potencial para garantir sua ação entre diversos grupos. Nada melhor do que um jornal que seria lido por uma ampla rede, estes que estavam familiarizados com tons de crítica e denúncia. Esse tipo de atuação se mostraria uma faca de dois gumes para os militantes anarquistas. A própria urgência em repensar táticas, bem como reerguer os organismos econômicos, fariam com que os anarquistas gastassem novamente todos os seus esforços nessa empreitada, restando pouco espaço para a construção de grupos com princípios internos anteriormente figurados, bem com pregavam Edgard Leuenroth e Neno Vasco que acreditavam no dualismo organizacional, como mostrado em suas trajetórias. A prática de propaganda dentro e fora dos sindicatos e a proposta dual como tentada na existência de dois congressos existia, mas sofria um desequilíbrio. As circunstâncias, iniciadas desde o começo do século XX, como evidenciamos, fizeram com que os esforços fossem para a construção e propaganda desses organismos sindicais, sobrando pouco espaço e tempo para o norteio de suas estratégias internas como anarquistas, que eram deixadas apenas em colunas em seus jornais.234 Apesar disso, a própria circularidade das estratégias entre os grupos e as redes anarquistas possibilitou a existência de outras propostas que eram influenciadas pelo mesmo contexto. Em 1913 vinha a iniciativa do grupo de Alessandro Cerchiai, Angelo Bandoni, Gigi Damiani, para a publicação do jornal La propaganda Libertaria, iniciado em 12 de julho, contendo quatro páginas em suas edições. O jornal teve uma breve experiência de dois anos e sofreu diversas interrupções e dificuldades de se manter financeiramente, mostrando uma queda evidente de leitores em comparação com outros jornais nos quais o grupo estava envolvido, como o La Battaglia. Como apontado, os personagens ligados ao periódico estavam sendo influenciados pelo contexto de grande repressão econômica e também pelo refluxo do movimento operário no período. De fato, posições da estratégia antiorganizionista e das táticas antissindicalistas estavam ainda presentes no grupo, pois para estes 234 Essa tendência acompanhou muitos grupos anarquistas no Brasil. Ver SAMIS, Alexandre. “Anarquismo, bolchevismo e a crise do sindicalismo revolucionário.” In: ADDOR, Carlos; DEMINICIS, Rafael. Op.cit.,p.37-50.

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a questão não é saber se o sindicalismo pode ou deve proclamar-se anarquista. [...] A verdadeira questão é saber se eles devem ou não, os anarquistas, castrarse castrar para os belos olhos de sindicalismo. [...] ninguém nega a razão e a legitimidade da força do movimento operário. O que eu nego e que muitos dos nossos camaradas rejeitam, é que o anarquista deve calar a boca porque um próspero movimento, que não é o seu próprio, declara que se abstenha a priori de considerar a doutrina anarquista, no cumprimento das suas agitações. Eu acho isso: os anarquistas, onde quer que eles vão, devem fazer valer as suas opiniões, exercer a sua proclamação crítica como sua peça ideal, não importando se a palavra é perturbar-lhes o bom desempenho das greves de categoria [...].235

Céticos em relação ao sindicalismo, mas abertos às possíveis críticas e discussões, o referido grupo, pela própria condição emergente, tentava atuar em diversos organismos e círculos militantes, mesmo que assinalando suas considerações contundentes. Em várias empreitadas, como na tentativa da reanimação da COB, era destacada sua atuação e associação com outros grupos como o Centro Socialista Internacional, que tentava reunir os diversos grupos anarquistas, e com os redatores de A Lanterna, incentivando movimentos classistas e internacionalistas.236 Buscando entender os motivos da apatia do movimento operário, reafirmaram sua busca pelos eventos e debates socialistas, sindicalistas e anarquistas - internacionais e locais - no qual começavam a tentar mediar estas duas instâncias:

Eis a grandiosidade do programa dos revolucionários mexicanos, que, ao fundo, é bem o programa dos anarquistas de todo o mundo! [...] Enquanto dezenas e dezenas de milhares de homens e mulheres põem em prática as ideias que animam a revolução, outras dezenas e dezenas de milhares de pessoas continuam a percorrer todos os cantos do México para propagar e proclamar bem alto os princípios de Terra e Liberdade para Todos!237

Além de tentar trazer eventos internacionais para a possível mobilização e ação dos militantes e dos trabalhadores na cidade, a propaganda também começou a ser dirigida contra os conflitos nacionais em outros países que, além de ocasionarem grandes danos às classes baixas, para os redatores, “o início das guerras dos estados balcânicos contra a Turquia”238 marcaria o poder dos Estados Nacionais ligados aos detentores dos meios de produção já que esses últimos seriam “acionistas das grandes 235 Gigi Damiani. “Contro L’equivocazione sindacaiula”. La Propaganda Libertaria, 5 de outubro de 1913. p.3. Tradução nossa. 236 Composição e ligações do periódico La Propaganda Libertaria em OLIVEIRA, Antoniette. Op.cit., 96-97. 237 Luca Másculo. “A Revolução Mexicana”. La Propaganda Libertaria, 15 de novembro de 1913. p.4. Tradução nossa. 238 “L’independenza delle nazioni”. La Propaganda Libertaria. 12 de julho de 1913. p.2. Tradução nossa.

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fábricas de armas e munições, bem como fornecedores dos exércitos e dinheiro.”239 Os redatores mostravam os problemas nas regiões balcânicas, evidenciando os abusos dos danos estruturais ou supostamente morais, que os conflitos causavam nas populações.240 Ao fazerem referência a outros grupos anarquistas e à teoria, assinalavam sua posição contrária à guerra e antimilitarista:

Mau grado os hinos patrióticos, os arroubos da eloquência nacionalista, e os entusiasmos cívicos, percebe-se entre a bruma dessa propaganda, aparentemente desinteressada, o fato real e sensível que nos demonstra ser o exército uma instituição ao serviço dos grandes capitalistas, servindo de garantia à exploração e à expoliação por eles exercida de uma forma desenfreada, repelindo, à baioneta e à bala, as reclamações dos explorados. [...] Lutemos titanicamente em prol da vitória da nossa causa, que é a causa da liberdade, da justiça e da civilização.241

Com o avanço dos conflitos mundiais, incluindo a eclosão da Primeira Guerra Mundial, essa postura foi progressivamente levada a cabo, ocasionando a busca de um internacionalismo de intenção federalista contrários, portanto, aos projetos da expansão do capitalismo industrial e do Estado Nacional. Em 1915, novamente reformulando suas táticas, o grupo lançou um novo jornal intitulado Guerra Sociale, ainda contendo quatro páginas e conseguindo, dessa vez, ter regularidade semanal ou quinzenal. Com a direção de Angelo Bandoni, o nome apostava incisivamente na propaganda contra os conflitos nacionais que estavam chamando a atenção dos mais variados grupos sociais. Ao mesmo tempo, assumiam posições que haviam levado desde o início de suas trajetórias, como a preparação para a revolução anticapitalista, contrários igualmente à exploração nas fábricas e aos poderes estatais. No novo jornal, além da percepção que essa mediação constante era necessária, os militantes interpretaram que uma postura política minimamente definida e explícita com esse caráter entre os grupos ativos anarquistas era também imprescindível:

Somos chamados, pela confiança dos companheiros, para a direção deste jornal, forte pela colaboração infalível de escritores conhecidos por nós, confiando na ajuda de todo o material dos anarquistas conhecidos de São Paulo além dos vários destinos do interior, seguimos determinados a bandeira de 'a Guerra Social’.242 239Idem. 240 O conflito mencionado se referia à formação da Liga Balcânica pela Grécia, Sérvia, Bulgária e Montenegro, que discursava reivindicando melhor tratamento aos cristãos na Macedônia turca, porém com objetivo claro de conquista territorial, contra a Turquia, alvo também, nesse processo, da Itália. Para adentrar o evento ver HOBSBAWM, Eric. Era dos Impérios: 1875-1914. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 417-452. 241 SOARES, Primitivo. “O sorteio militar obrigatório”. Guerra Sociale. 20 de setembro de 1916. p.3. 242 La Redazione. “Agli Anarchici”. Guerra Sociale, 11 de setembro de 1915. p.1.

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Ainda sobre os evidentes efeitos do refluxo do movimento operário, mas tentando mediar sua propaganda com outros militantes, o grupo, composto inicialmente também por Gigi Damiani e Florentino de Carvalho, entende, que para além das propagandas e da união operária internacional, era necessário unir também sua própria família política, já que se reportavam especificamente aos anarquistas, buscando um tipo de atuação que garantisse seu caráter especificamente libertário e minimamente condensado nos ambientes operários e igualmente nas campanhas antimilitaristas visto que

os anarquistas residentes de São Paulo e localidades dos Estados vizinhos, considerando o excepcional momento histórico causado pela conflagração Europeia, cujas consequências hão de provocar acontecimentos sociais de ordem econômica e política em todos os países, acontecimentos que devemos e queremos determinar num sentido libertário e revolucionário [...]. 243

Influenciados também pela trajetória do Centro Socialista - que anteriormente tentava esse tipo de união - é esse grupo que lança, em 1916, a chamada para a Alliança Anarquista, chamada também de Alliança Anarchista ou na língua de muitos dos seus ativistas Alleanza Anarchica, que tinha como objetivo principal:

[...] a união dos libertários em grupos ou centros de ação e propaganda, e a organização dessas entidades numa vasta federação, com o fim de estreitar relações e tornar possível a nossa ação simultânea, são bastante poderosos para despertar o interesse, provocar a adesão e a atividade de todos os que sintam realmente o ideal libertário e saibam agir de acordo com seus sentimentos e ideias.244

O grupo, então, passava de suas considerações antiorganizadoras para a adesão de posturas fortemente enraizadas na estratégia organizacionista do anarquismo no Brasil245 e que garantiu uma militância expressiva e incisiva nas manifestações posteriores a 1917, que teve, justamente entre seus adeptos, os jornais Guerra Sociale e A Plebe. Desvendar a cultura política e a construção desses jornais, através de suas propostas e práticas e acompanhando a trajetória de seus principais redatores, pode revelar as maneiras de atuação sindical e política desses grupos que, além de influenciarem as mobilizações nos anos seguintes, reformularam a cultura militante anarquista. 243“Alliança Anarquista”. Guerra Sociale, 30 de setembro de 1915. p.1. 244 Idem. 245 Porém, como vimos, o debate sobre organização específica anarquista era transversal a diversas estratégias. Iremos adentrar o tipo de dualismo organizacional proposto pelo grupo no capítulo seguinte. Para adentrar os tipos de organização propostos pelos anarquistas ver CORRÊA, Felipe. Op.cit., 2013. p.33-48.

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CAPÍTULO 2 “PAZ ENTRE NÓS”: IDEOLOGIA, ESTRATÉGIA E PRÁTICA NA CONSTRUÇÃO DOS JORNAIS GUERRA SOCIALE E A PLEBE Guerra Sociale: o internacionalismo e a coesão militante em evidência

Em setembro de 1916, um ano após o início das publicações do periódico Guerra Sociale, os redatores apresentaram uma chamada intitulada “Per la nostra guerra e per la nostra pace246” através de uma página anexa.247 A função da nota era sistematizar e reafirmar posições apresentadas durante a trajetória do jornal até aquele momento. Os militantes anarquistas com o mote “Guerra Alla Guerra248” mostravam que eram necessárias atitudes incisivas por parte dos trabalhadores e dos grupos subalternos contra os responsáveis pelos conflitos nacionais e suas consequências em âmbito global. Ao fazerem isso explicavam que tais conflitos não eram uma “maldição de um deus maligno, agora cínico e feroz, mas de uma ordem social.”249 Para os personagens envolvidos com o periódico, portanto, as evocações nacionalistas e militaristas provinham dos “interesses do capital: a rivalidade, o apetite dos diferentes grupos financeiros, o expansionismo colonial, o estatismo, o nacionalismo, todas as suas instituições e toda a sua moral, com base na violência [...].”250 Interpretando que os embates de caráter nacionalista provinham dos projetos ligados aos grupos detentores dos meios de produção industrial que influenciavam os rumos políticos, os envolvidos com a fundação do jornal, majoritariamente provindos das regiões italianas, começaram a tensionar a posição etnocêntrica que alguns militantes, anos antes, haviam apresentado. Sobre outra campanha visando “Ai Lavoratori di tutti paesi, Austriaci o turchi, francesi o russi, sassoni o iberici, neri o bianchi – lavoratori, fratelli nostri: ascoltate!”, 251 o jornal mostrava:

[...] nós vivemos sob uma parte da terra a que chamamos de Brasil, que possui um presidente, ministros, deputados, empregados e soldados. Pois bem, é 246 “Pela nossa guerra e pela nossa paz” 247 “Pela nossa guerra e pela nossa paz.” Ver Guerra Sociale. 20 de setembro de 1916. Tradução nossa. 248 “Guerra à Guerra” 249 “Per la nostra guerra e per la nostra pace.” Guerra Sociale, 20 de setembro de 1916. p.1. Tradução nossa. 250 Idem. tradução nossa. 251 “Para os trabalhadores de todos os países, austríacos ou turcos, franceses ou russos, saxões ou ibéricos, negros ou brancos - os trabalhadores, os nossos irmãos: ouçam!” Ver Guerra Sociale. 1 de maio de 1916. Tradução nossa.

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vizinho dele um outro país chamado Argentina, que por sua vez também possui um presidente, ministros, deputados, empregados e soldados, é vizinho deste um outro chamado Chile, vizinho deste outro chamado Perú, etc., etc., que são partes componentes da América e do mundo – em todos estes países vivem homens formados igualmente a nós, com um nariz, uma boca, olhos e orelhas, homens que não nos conhecem e não nos querem fazer mal, e aos quais, por nossa vez, não desejamos mal.252

Muito mais do que propagar apenas um suposto valor de igualdade, a forte retomada do internacionalismo, a partir de uma visão libertária e classista, resultou também na busca de elementos históricos que poderiam comprovar os motivos dessas desigualdades entre grupos diferentes, desde que dentro de uma “ordem social”: As aspirações que animaram os combatentes pela extinção da escravatura dos homens de cor foram grandes e generosas, mas, em realidade a maldita escravidão das massas proletárias ainda não foi abolida. Com efeito, os homens de cor continuam a ser considerados como escravos, como bestas. Hoje diz-se entre a gente burguesa ‘quem escapou de branco é preto e preto não é gente’. O ódio da raça perdura em toda a sua intensidade, voltando-se aos homens de cor o mais profundo desprezo. E não somente os ex-negreiros, os padres e os funcionários públicos declaram que os homens de cor não têm espírito ou inteligência, mas até os pseudocientistas sustentam que a raça negra e a mestiça constituem espécies ou variedades incapazes de evoluir. Neste rol são também compreendidos os indígenas, habitantes dos sertões, os quais são vítimas da ferocidade dos negreiros nacionais ou estrangeiros, tipos sem entranhas, que com o auxílio dos capangas e das forças legais massacram essa pobre gente [...].253

É interessante perceber que esses personagens entendiam que pensamentos e práticas racistas eras compartilhados por boa parte da população, destacando as classes médias e altas, mas que provinha de diversas esferas de dominação (econômico, social e ideológico), a partir de resquícios históricos e de discursos contemporâneos. Não obstante, para uma atuação efetiva, mostravam que, no momento, era necessária a destruição completa dos grupos detentores dos meios de produção em consonância com os poderes estatais, pois além de reinterpretarem tais ideários para seus interesses, como era o caso dos conflitos nacionais, sublinhado pelo jornal, eles

vivem da mentira, do crime da exploração e da violência, escravizando barbaramente as classes laboriosas, roubando iniquamente o produto do nosso trabalho, detentando a terra e os outros instrumentos de produção, os quais constituem o patrimônio da humanidade. [...] Escravos modernos trabalhadores, somos os mais uteis, constituímos pelo número e pelo valor a verdadeira humanidade. É chegada a hora de iniciar uma nova cruzada redentora. Surjam pois os novos campeões, os novos propagandistas da abolição – do regime capitalista, do Estado e de todas as iniquidades sociais [...].254 252 “A’s mãis”. Guerra Sociale. 1 de maio de 1916. p.2. 253 “13 de Maio: aos escravos modernos.” Guerra Sociale, 20 de maio de 1916. p.3 254 Idem.

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De acordo com os redatores, portanto, a exploração entre diferentes classes ainda seguia e, portanto, era necessária a unificação das lutas sociais para um único fim e objetivo. A partir dessa experiência e de suas propostas, reconhecendo que havia diferenças históricas e sociais que deveriam ser superadas levando em conta necessidades especiais de cada grupo étnico, era ainda preciso unificar a classe produtora ou oprimida entre suas diferentes demandas, já que tais pensamentos de segregação seriam instrumentalizados pela classe dominante com o intuito de segregar os explorados e emperrar a própria luta pela igualdade. Assim, apesar de assumirem que seus leitores eram majoritariamente estrangeiros ou filhos destes, essa era uma boa oportunidade para incluir colunas em outras línguas: A necessidade de uma edição portuguesa da “Guerra Sociale” cada dia se faz mais sentida. Renunciar, porém, à edição italiana é impossível e por razões econômicas, visto serem italianos a maior parte dos nossos assinantes e também porque é indispensável, num estado onde a imigração italiana constituí mais da metade da classe proletária ter um órgão que neutraliza a propaganda nacionalista e de outras tendências, feitas em italiano, a um público italiano. Por outra parte, está desaparecendo a indiferença do elemento indígena sobre os assuntos sociais e já “Guerra Sociale” conta com avultado número de assinantes brasileiros, os quais reclamam uma colaboração em português mais desenvolvida. [...] Convidamos portanto os companheiros que sabem escrever o português [...], a colaborar com perseverança para a nossa atual sessão portuguesa, que se hoje não sai mais ampla é porque faltam colaboradores. [...] Nacionalizar a propaganda anarquista, não é fazer nacionalismo; mas é dar-lhe uma base positiva, ajudando o desenvolvimento de elementos locais que não podem estar sujeitos, como nós estamos, às eventualidades de uma qualquer lei de expulsão.255

Não sabemos se essa atitude, visando não só estender o jornal para diversos círculos étnicos e nacionais da cidade, mas também solidificar uma militância anarquista em âmbito nacional, aumentou o número de cópias do periódico, mas é possível notar que tal iniciativa agregou mais colaboradores e militantes de origens diversas como portugueses, espanhóis e brasileiros, entre eles João Crispim, Rafael Esteve, Neno Vasco e Florentino de Carvalho. Esse fato acabou aumentando o número de colunas do jornal, anteriormente contendo quatro páginas, mas que dobrou seu tamanho e também estabeleceu regularidade semanal. Portanto, não deixa de ser uma atitude imprescindível para os rumos que os redatores, no período, almejavam dar para o jornal. Como percebido pelo trecho, de fato, a situação dos trabalhadores e grupos subalternos não era a mesma de anos atrás. Embora, como notado, boa parte da 255 Guerra Sociale. 27 de janeiro de 1917. p.1. recorte nosso.

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população nos centros industriais da cidade possuía suas raízes de nascimento no continente europeu, a vivência destes com os brasileiros ou com outros imigrantes se tornava mais comum com o passar dos anos. O contexto da Primeira Guerra Mundial que dificultava o fluxo da vinda de imigrantes para o país, assim como barrava a tentativa destes de retornar para sua terra natal, foi somado à grande migração das áreas rurais para o centro industrial, condições que resultaram o surgimento de um ideário de fixação que levava em consideração “construir uma vida em São Paulo sem pensar mais em voltar.”256 Fato que, para alguns autores, como Sheldon Maram, significou, mesmo com a continuação da instabilidade na vida dos residentes dos bairros operários, se ater mais incisivamente à luta classista em sua região.257 Outra preocupação dos redatores se referia às atitudes repressivas, comuns por parte do aparelho estatal republicano, na tentativa de conter reivindicações de suposta influência exterior, como já sublinhado anteriormente.258 Na contramão, tentando fincar o movimento anarquista na cidade, os militantes em torno do Guerra Sociale mostravam sua intenção em aderir comportamentos que os legitimassem e fossem eficazes para a população brasileira, alertando que esta atitude estava longe de “fazer nacionalismo”. Dessa forma, destacando a heterogeneidade étnica entre seus leitores e militantes e apelando para importância de sua união, os redatores afirmavam não aceitar “a guerra de raças, pois que essas não existem, os interesses é que estão divididos, os interesses é que são opostos entre os homens; portanto, queremos a guerra de classes.”259 Essas iniciativas colocadas pelo jornal também eram resultados da ascensão militante do anarquista Gigi Damiani, um dos principais colaboradores do periódico. Sua trajetória política começou na década de 1890 na cidade de Roma, onde obteve contato inicial tanto com a ideologia anarquista, principalmente através dos rastros de Errico Malatesta, mas também com os principais debates estratégicos sindicais na região. Após uma fuga por razões políticas de perseguição, Damiani migrou para São Paulo, onde permaneceu no período entre 1897 e 1902 e entre 1909 e 1919. O militante também atuou de maneira considerável no movimento operário em Curitiba entre esses anos.260 256 BIONDI, Luigi. Op.cit., 2011. p.326. 257 MARAM, Sheldon. Op.cit., p.56-57. 258 Para adentrar o início e o caráter da repressão aos anarquistas estrangeiros ver LEAL, Claudia Baeta. Op.cit., 2006. 94-106. 259 “O que os anarquistas querem”. Guerra Sociale, 30 de dezembro de 1916. p.1. 260 BIONDI, Luigi. Op.cit., 2006. p.160-161.

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De fato, em São Paulo, esteve ligado fortemente aos personagens de seu círculo étnico como Oreste Ristori, Alessandro Cerchiai e Angelo Bandoni, aderentes da estratégia antiorganizacionista. Mesmo assim, Damiani constantemente incentivava debates com militantes de inspirações ideológicas ou estratégicas diversas, entre socialistas, anarquistas e sindicalistas, e até mesmo debates e cooperações de âmbito transnacional. Dessa forma, atuou em difusos periódicos como o La Battaglia e O Amigo do Povo, colaborando com grupos do Rio de Janeiro e do interior de São Paulo, e se ocupando também de atividades essencialmente operários como na União dos Artífices em Calçados e outras de caráter cultural ou artística, como o grupo Filodramático Libertário, por exemplo.261 Sua atuação foi estendida na cidade, especialmente a partir de 1911, ano que Damiani se une aos redatores Edgard Leuenroth e Benjamin Mota na publicação de A Lanterna, no qual também continuava suas relações entre militantes internacionalistas e organizacionistas como Neno Vasco.262 Na segunda década do século XX, o militante também estava envolvido com os periódicos A Plebe e Alba Rossa, com intensos debates com jornais sindicalistas e socialistas como o Avanti! e, igualmente, com diversas manifestações e greves. Para Luigi Biondi, sua íntima relação com o ambiente industrial paulistano o leva a definir a greve como arma necessária. Brás, Mooca, Barra Funda já não são mais bairros de pequenas oficinas, como ele os conheceu ao chegar ao Brasil. Fábricas de médias e grandes dimensões surgiram, e as casas modestas da década de 1890, menos densamente povoadas, foram substituídas por conjuntos de prédios e cortiçoes lotados, semelhantes às edificações de San Lorenzo, onde ele começou sua militância.263

Gigi Damiani representava, de maneira exemplar, um personagem que transitava entre os militantes das mais variadas estratégias e táticas, dos ambientes sindicais e com respaldo social de diversos níveis, absorvendo experiências e práticas transnacionais e acumulando uma trajetória que o deixava, no momento, em posição especial de articulação e mediação. O Guerra Sociale, assim, estava atento às muitas nuances do movimento operário, seja em âmbito geográfico ou ideológico, o que possibilitava construir-se através de experiências de movimentos e órgãos de outras regiões, de forma verossímil às condições locais: 261Ver OLIVEIRA, Antoniette. Op.cit., p. 114-130. 262 BIONDI, Luigi. Op.cit., 2006. p.164. 263 Idem. p. 163.

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O Conselho Geral da USI discutindo as ideias que informam a atitude específica em futuros trabalhadores internacionais, decide estabelecer-se com o fim de evitar as tentações do utopismo democrático, constituído uma consagração acadêmica de princípios que valorizam conquistas se não forem pela superação do estado e do sistema capitalista: assim, a paz entre os povos, da liberdade nacional, a Federação dos Estados.[...] A classe operária - dotados de poderes delegados, de forma respeitosa, relativos a cada um, se tornaria a realidade de grupos étnicos, grandes e pequenos, fracos e fortes, cuja solução está contida na total libertação do proletariado da sociedade capitalista - para reafirmar que seu Internacionalismo nega o Estado, considerando o instrumento específico do hoje, o antagonismo gerado pelo desequilíbrio do regime capitalista...264

Ou seja, usando as posições da USI265 e suas especificidades sindicais, sublinhando problemas comuns ao operariado paulista como “a realidade de grupos étnicos, grandes e pequenos”, os anarquistas no periódico aproveitavam para reafirmarem suas posições contrárias à ascensão do nacionalismo num prisma anticapitalista bem como sua recusa à participação parlamentar, enfatizando, em resposta, a importância da mobilização da classe operária. Sob a coluna “Movimento revolucionário internacional” eram comuns trocas de informações, correspondências ou notícias provindas da Argentina, Itália, França, Espanha, Holanda, Rússia, Estados Unidos. Os redatores buscavam, para incentivarem o movimento operário, práticas de diversas regiões:

Cerca de quinhentas mulheres, reunidas no City Hall Park, irromperam em manifestações hostis, protestando contra o serviço militar. [...] Três mulheres foram presas. Logo depois, reunira-se de novo nas ruas próximas ao City Hall Park, já então em número muito mais elevado [...].266

Além da articulação exterior, trazendo frequentemente diversas iniciativas e novas táticas de luta, no presente caso, da importância feminina nas reivindicações, a busca de aliados, visando à resistência econômica e à reclamação de direitos políticos na cidade, estava presente, almejando uma conexão prática para uma articulação comum entre os grupos militantes:

264 “Per la nuova Internazionale! I Postulati dell’Unione Sindicale Italiana”. Guerra Sociale. 20 de setembro de 1916. p.2. tradução nossa. 265 A USI, fundada em 1912, não era autodeclarada anarquista e continha em seu interior militantes socialistas ou que usavam o sindicalismo revolucionário como instrumento principal. No entanto, a escolha por essa estratégia revelava influências de anarquistas de diversas partes do globo, como notado também no caso paulistano. Para adentrar o debate ver Levy, Carl. “Italian Anarchism, 1870-1926.” In: . GOODWAY, David (orgs). For Anarchism: History, Theory, and Practice. London: Routledge, 1989. p.26-49 e TOLEDO, Edilene. Op.cit., 2004. p.27-162. 266 “Movimento Revolucionário Internacional.” Guerra Sociale, 23 de junho de 1917. recorte nosso.

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Mesmo marcando suas posições políticas e ideológicas, preocupação em diversos momentos do jornal, no qual fazia intensos debates sobre o suposto falso alcance do socialismo parlamentar, que na visão desses agentes estaria servindo como “obstáculo a luta de classes e à luta social, evitando o atrito entre elementos antagônicos”268, é perceptível a chamada de comícios, principalmente visando outras orientações políticas, inclusive com os socialistas e sindicalistas de diversas posições:

Trabalhadores! Não se deixem enganar, não se deixem agitados pelos jornais de lucro! - Esta guerra não cessará, salvo depois de ela ter desorganizado completamente o trabalho, devastando a riqueza social. [...] Preparem-se para uma ação conjunta e pela reivindicação de defesa. O momento histórico que estamos atravessando apresenta características, sem dúvidas, de agitação social muito profundas… As condições econômicas da sociedade capitalista não respondem mais às necessidades humanas.269

267 “Conferência pública em debate. Quarta-feira, 21 de junho às 19:30 da tarde. No salão “Italia Fausta.” Rua Florêncio de Abreu, 45. O nosso companheiro A. Bandoni explicará o tema “Postulados e propósitos revolucionários das várias escolas humanitárias: cooperativistas, sindicalistas, socialistas e anarquistas. Aceitar-se-á o debate. A entrada é livre.” La Guerra Sociale, 17 de junho de 1916. Tradução nossa. 268 CARVALHO, Florentino de. “Mentiras do Socialismo”. Guerra Sociale. 20 de setembro de 1916. p.3. 269 Damiani, Gigi. “Maggio di trepidante aspettativa”. Guerra Sociale. 22 de abril de 1916. p.1. Tradução nossa.

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Voltando a colocar um peso considerável nos conflitos internacionais, os redatores mostravam a importância da organização reivindicativa. A menção aos conflitos internacionais, de fato, foi a maior preocupação dos militantes envolvidos com esse periódico, deixando claro, paulatinamente suas orientações ideológicas: Esta paz deve ser imposta pela revolução. Até agora, houve ausência de força ou a habilidade para tal. E então só há um remédio: para fazer melhor no futuro [...] pregar a expropriação da propriedade privada e a destruição dos estados como o único meio de garantir a fraternidade entre os povos e justiça e liberdade para todos...270

Argumentando que a revolução pelas vias libertárias deveria ser a solução para acabarem os conflitos e a discrepância entre as classes, os anarquistas, se reportando também à teoria e à prática de militantes reconhecidos como Errico Malatesta, bem como aos debates de outras regiões, reforçavam suas posições. Tentavam explicar, assim, que os danos militares foram consequência da expansão nacionalista, conectadas principalmente com o avanço capitalista que, para os redatores, deveriam ser superados em consonância. Com essas medidas, reviam suas posições sobre os ganhos materiais progressivos, se aproximando, dessa maneira, da estratégia organizacionista: A greve geral no comercio de Santos é um fato; no Rio de Janeiro já deve a estas horas ter estalado um movimento de revolta e em outras localidades cogita-se de realizar movimentos de protesto e de resistência contra os novos impostos. Nesta emergência os trabalhadores e especialmente os anarquistas não podem permanecer na indiferença; o protesto contra os impostos, contra a lei e o Estado deve surgir do peito de todos os subversivos. O momento é assás excelente para iniciar uma campanha de crítica contra as instituições econômicas e políticas do regime capitalista.271

Como visto, para os militantes do jornal era necessário se organizar e reivindicar melhores condições de vida, citando os impostos e a inflação dos gêneros de necessidade básica, visando, no decorrer deste, uma ótima oportunidade para a crítica que passava do funcionamento econômico para o político. Além de acompanhar as entidades sindicais na cidade, e em outros pontos como no Rio de Janeiro e em Santos, as resoluções dos congressos internacionais eram utilizadas para os leitores como bagagem militante e igualmente para a apropriação da população paulista:

Após o Congresso de Zimmerwald, que tinha o objetivo de dar nova vida à 'International’, os jornais anarquistas que ainda estão sendo publicados em 270 MALATESTA, Errico. “Anarchi favorevoli al governo”. Guerra Sociale. 22 de maio de 1916. p.1. Tradução nossa. 271 CRISPIM, João. “A propósito da agitação contra os novos impostos.” Guerra Sociale. 13 de janeiro de 1917. p.1.

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nosso querido país, O Libertário de Spezia e o L'avennire Anarchico de Pisa, apareceram escritos polêmicos e artigos críticos, dessa conferência e sobre os relatórios de exemplo que poderia correr entre anarquistas e socialistas. 272

Sobre os comentários do Congresso Socialista de Zimmerwald, no qual pareciam ter contato com militantes que participaram dos debates desse evento, o jornal citava também as considerações de militantes influentes como Luigi Fabbri, que propunha associações sindicais na tentativa de criar um projeto parecido com a Primeira Internacional dos Trabalhadores. Dessa forma, os redatores sublinhavam que não houve motivos, no atual momento, de cisões dentro do movimento operário como se deu na saída oficial dos anarquistas no desenvolvimento das chamadas “Internacionais”. No ano de 1915, o manifesto de Zimmerwald, na Suíça, proposto por lideranças socialistas de relevo como Leon Trotsky, apelava para uma ação conjunta entre os grupos de esquerda contra as ações da guerra.273 Essas decisões também eram pontuadas pelos redatores do jornal, que defendiam:

[...] existe um terreno comum de ação em que o acordo é possível. Alguns anarquistas têm visto. Bem sabemos que não se pode pedir para seguir-los no terreno eleitoral ou no parlamentarismo [...] Nós e eles, no entanto, podemos ter compartilhado a ação negativa apenas contra a situação atual das coisas, e a propaganda contra as razões que tornaram possível a criação desse estado de espírito que vale apena pará-lo. [...]274

Reafirmando suas posições como a recusa da luta parlamentar, mas aceitando coligações políticas, os anarquistas de Guerra Sociale acompanhavam o andamento do movimento operário em diversos pontos do globo. A partir disso, são notáveis as conexões principalmente com grupos residentes nas regiões da Itália, exatamente pela facilidade e contato de antigos militantes dessas regiões que ainda possuíam laços com tais.275 272 “I Cugini... D’Italia”. Guerra Sociale. 1 de maio de 1916. p.3. Nossa tradução. 273 Ver ROSMER, Alfred. Il movimento operaio durante la prima guerra mondiale: da Zimmerwald alla rivoluzione russa. Milano: Jaca book, 1983. 274 “I Cugini... D’Italia”. Guerra Sociale. 1 de maio de 1916. p.3 Nossa tradução. 275 Tudo indica que personagens dotados por partilharem símbolos que uniam afinidades ideológicas e étnicas e nacionais como os militantes italianos, tinham mais pré-disposição, ao passar dos anos de sua vivência, a buscar órgãos e experiências internacionais. Para adentar como funcionavam as redes militantes transnacionais, principalmente italianas ver BERTONHA, João Fábio. “Trabalhadores Imigrantes entre Fascismo, Antifascismo, Nacionalismo e Lutas de Classes. Os Operários Italianos em São Paulo entre as Duas Guerras Mundiais”; FRANZINA, Emílio. “Festas proletárias, Imigração Italiana e Movimento Operário na Argentina e Brasil entre os séculos XIX e XX. In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci; Croci, Federico; Emilio Franzina (orgs.). História do Trabalho e Histórias da Imigração: Trabalhadores Italianos e Sindicatos no Brasil (séculos XIX e XX). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 2010. p.65-84; p.205-222.

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Se essas afinidades foram imprescindíveis para a construção do próprio jornal, com o seu desenvolvimento e a atuação do grupo, essas ligações começavam a ser alargadas para além desses círculos mais usuais. A busca por órgãos internacionalistas e os congressos e eventos referentes à aproximação de grupos latinos ou sul-americanos para a luta antimilitarista resultou também na procura de movimentos dentro do próprio país. Seus novos colaboradores como Florentino de Carvalho também realizavam excursões para o interior de São Paulo, e a partir disso relatavam suas experiências: Em Araraquara, com o auxílio dos companheiros, realizei uma conferência no local da S. de Mutuo Soccorso, gentilmente cedido para esse fim. [...] Alguns simpatizantes manifestaram o desejo de que eu realizasse outra conferência, mas, como a minha demora poderia prejudicar a vida do jornal, continuei minha viagem, chegando em poucas horas a Itápolis, onde, depois de ter visitado os camaradas, segui para Candido Rodrigues. Nesta localidade respirase um ambiente de camaradagem e de idealismo que deixa em nossos corações uma impressão emocionante e duradoura.276

Florentino de Carvalho, pseudônimo de Primitivo Raymundo Soares, nasceu em 1883 na Espanha. Com dez anos de idade se instalou, junto com sua família, em São Paulo, onde mais tarde iniciou sua trajetória na Força Pública do Estado. Provavelmente, seu contato com a cultura letrada dentro dessa instituição, o fez ter contato com obras políticas, entre elas as anarquistas, que a partir de então, juntamente com sua interpretação da realidade, moldaram suas atividades posteriores. Deixando a carreira militar, sua militância teve início nas docas de Santos, locais onde também trabalhou com os estivadores, experiência que possibilitou a mediação entre a prática e sua teoria. No início da segunda década do século XX, o militante já era um tipógrafo assíduo, fundando o jornal santista A Revolta, escrevendo para o Germinal! e, mais tarde, colaborando com os difusos Guerra Sociale e A Plebe, nos quais estabeleceu contato com personagens de destaque no movimento operário como Edgard Leuenroth e Gigi Damiani.277 Seu biógrafo, o autor Rogério Nascimento, informa que Florentino de Carvalho usava meios diversos no intuito de alcançar a revolução, como na organização de greves, no impulso de ações educativas além da participação em congressos e palestras. Na verdade, suas práticas também refletiam suas passagens pela Argentina, onde fugiu 276 CARVALHO, Florentino de. “Excursão de propaganda: odisseia dos colonos – a loucura religiosa – a sementeira libertaria”. Guerra Sociale, 30 de setembro de 1916. p.2. 277 Ver NASCIMENTO, Rogério. Florentino de Carvalho: pensamento social de um anarquista. Rio de Janeiro: Achiamé, 2000. p.21-32.

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por motivos de perseguição policial, obtendo conhecimento das práticas sindicais desse país.278 Seu retorno, o faz pensar também em alargar as próprias redes libertárias, buscando não só táticas, mas também outras regiões e ambientes, no intuito de fortalecer o anarquismo perante a repressão. No trecho destacado, que revela sua importante colaboração com o grupo do jornal Guerra Sociale, percebemos que, de fato, o personagem estava interessado em propagar os ideais libertários, atitude comum entre os militantes, adentrando em diversos espaços operários, no caso, em uma sociedade de socorro mútuo. Todavia, é possível perceber também que a mesma atitude estreitava as ligações com os grupos especificamente anarquistas, que são tratados com especial afeto pelo redator. É interessante notar que as viagens e a correspondência com as cidades do interior sempre foram presentes entre os militantes envolvidos com o periódico. Oreste Ristori, desde o início do século, “movia-se basicamente ao longo das linhas ferroviárias da Mogyana, da Paulista e da Sorocabana, indo também com bastante frequência ao porto de Santos”279, atitude que foi reverberada nos próximos anos, quando em “1909 alcançaria o sul de Minas Gerais e o estado do Rio de Janeiro.”280 O historiador Carlo Romani ainda afirma que tal método foi, para o próprio desenvolvimento do periódico La Battaglia, a “principal forma de se conseguir novos adeptos, novas assinaturas e manter a publicação”281. E para além da própria atuação do jornal, Angelo Bandoni esteve envolvido na criação de escolas racionalistas nas cidades do interior, como na fazenda Crespi em Taquaritinga, antes de iniciar suas publicações no periódico Guerra Sociale.282 Através do jornal, nos espaços sindicais ou especificamente educativos, tanto para aproximar sua família política quanto para mobilizar seus leitores, eram usados trechos de obras teóricas que eram editadas na forma de colunas. No intuito de resgatar aspectos mais objetivos de luta, inclusive, eram trazidas algumas obras não anarquistas, como foi o caso da referência de Louis Blanc. Mesmo sabendo da discordância de muitos objetivos e métodos propostos pelos blanquistas, desde a Primeira Internacional, os redatores mostravam que a necessidade de associação e solidariedade, inclinação de ambos os grupos, tinha como intuito propor uma sociedade em que o trabalho seja prazeroso, “de forma proporcional à satisfação das necessidades do homem na 278 Idem. 279 ROMANI, Carlo. Op.cit., p.141. 280Idem. 281Ibidem. 282Ver BIONDI, Luigi. Op.cit., 1994. p.148.

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sociedade.”283 Caso semelhante foi o uso dos exemplos da trajetória de Vladimir Lênin (ou Lénine), um revolucionário socialista em ascensão naquele período na Rússia, que era usado como exemplo de luta para a população, especialmente para os militantes:

Lénine tem atrás de si mais de 25 anos de trabalho, de abnegação de luta contra a opressão, e não é esse extremo extremista que há de transigir com um imperialismo qualquer [....]. Lénine não quer que a revolução russa estacione, pretende empurrá-la para a frente e acha que foi um erro terem os operários deixado que a burguesia liberal se apoderasse do poder: o operariado devia ter ido desde logo até o fim, ter ficado inteiramente senhor da situação, sem esperar pela Assembléia Constituinte.284

Como é possível observar, a atenção era dada não pelas suas propostas políticas finalistas em si, mas pelas suas atitudes e inclinações frente ao avanço das forças que os anarquistas também queriam minar, como o imperialismo e os grupos nomeados como a burguesia liberal. Interessante notar, igualmente, como mobilizavam textos bem estanques de sua rede ideológica, incluindo autores da literatura. Certa vez, tentando mostrar que até mesmo o autor Olavo Bilac, cronista nacionalista e defensor do alistamento militar obrigatório, apontava desigualdades na forma de aplicação das leis para essas atividades, os redatores usavam suas próprias falas a partir da crônica “O Pau Furado”:

Sem cuidar dos muitos defeitos do projeto, basta, para julgá-lo e condená-lo, que pensamos nisso: ele isenta do serviço obrigatório os padres e frades, os homens diplomados, e os funcionários públicos. [....] De modo que a classe única, que vão empurrar o pau furado e fazer a faxina, e apanhar soalheiras e chuvaradas, e “aprender a morrer”, é a classe dos humildes, dos pobres, dos trabalhadores que penam muito e ganham pouco, - a classe das eternas bestas de carga.285

É importante destacar que algumas aproximações de Bilac com ideias socialistas, mesmo de maneira bem vaga, já se davam pela influência e contato com os círculos letrados e militantes, como era o caso de sua relação com o militante Alceste de Ambris,286 fato que atesta a intensa circularidade de ideias, mesmo no desenvolvimento de culturas políticas divergentes, cada qual com suas atribuições particulares às informações e falas. Assim, como estamos salientando, as atribuições e usos dos militantes às 283 BLANC, Louis. “Il Lavoro Piacevole.” Guerra Sociale, 3 de junho de 1916. p.2. 284 “Lénine.” Guerra Sociale, 26 de julho de 1917. p.3. 285BILAC, Olavo. “O Páo Furado”. Guerra Sociale, 14 de dezembro de 1916. p.3. 286Ver TOLEDO, Edilene. Op.cit., 2004. p.163-266.

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referências e textos um pouco mais longínquos de sua rede política, não eram tão cegas assim. Antes, eram usados e instrumentalizados pontos que objetivavam sanar ou explicitar determinado ponto. Esses usos eram limitados já que, em outros casos, muitas críticas eram feitas a outras ações e propostas nos ambientes operários, principalmente com os socialistas em torno do periódico Avanti!, que começavam a debater a necessidade de representatividade eleitoral, para além da presença nos sindicatos:

Estamos profundamente convencidos de que essa tática é prejudicial, contraditória e que influência diretamente na sua forma nova e sui generis concepção do socialismo; porque vemos através da conquista do Estado, por consequência lógica, o socialismo de Estado, que já não é o socialismo, e como vemos os socialistas, sacrificando o final com o método... nós lutamos e vamos combatê-los, hoje e sempre, não o seu socialismo, mas o seu ... eleicionismo. 287

As críticas aos debates de inserção nas eleições, que passavam também para o pessimismo em relação aos objetivos que visavam a tomada das forças do Estado, eram feitas visando não somente contrapor os métodos de seus companheiros socialistas, mas para reafirmarem sua própria concepção política. Para isso, ainda, rebuscavam as referências, às vezes diretas, mas muitas vezes encarnadas nas falas de seus redatores incluindo a realidade local, dos anarquistas promissores nos debates classistas do período. As maiores influências aos novos debates organizacionistas e ao combate contra o imperialismo, que os redatores estavam usando, se referiam majoritariamente ao militante Errico Malatesta, passando também por algumas propostas de Luigi Fabbri. Quando confrontados com o refluxo do movimento operário no contexto da Primeira Guerra Mundial, fato que resultou na busca de debates anarquistas internacionais nos espaços sindicais bem como na maior influência de personagens aderentes das táticas de organização, uma articulação mais objetiva com sua rede de sociabilidade, se tornou imprescindível para os militantes do periódico, pois era necessário

...reunir numerosos camaradas que se encontravam dispersos por todo o país, vivendo na mais completa apatia por falta de coesão, de relações de solidariedade que deveriam existir perenemente, de maneira ativa e eficaz entre homens que sentem as mesmas aspirações, professam os mesmos princípios e lutam pelo mesmo ideal.288

Essa justificava, que se referia à fundação da Alliança Anarquista não tinha como 287 “Replicando All’ Avanti!.” Guerra Sociale, 3 de junho de 1916. p.2. 288 “Alliança Anarquista”. Guerra Sociale, 30 de setembro de 1916. p.1. Citado em LOPREATO, Christina Roquette. Op.cit. p. 61.

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intuito simplesmente conhecer os grupos anarquistas em lugares mais distantes, pois isso já havia sido feito em boa parte da trajetória dos anarquistas, pelo menos nas regiões paulistas. A proposta provinda exatamente da união dos grupos anarquistas, na capital e no interior, que tentavam se alargar de forma nacional, começava gradativamente a apostar na unificação de determinados princípios e estratégias, sob a bandeira do “mesmo ideal” que poderiam ser efetivas no momento:

Os anarquistas residentes no estado de S.Paulo e localidades dos estados vizinhos, considerando o excepcional momento histórico causado pela conflagração europeia, cujas consequências hão de provocar acontecimentos sociais de ordem econômica e política, em todos os países, acontecimentos que devemos e queremos determinar num sentido libertário e revolucionário. 289

Se opondo às inclinações individualistas, e buscando meios práticos entre os grupos, ou na palavra dos próprios redatores, “um sentido”, a base de acordo, ainda, determinava suas funções:

A Aliança fomentará, por todos os meios ao seu alcance, a propaganda contra as causas fundamentais da conflagração atual e de todos os males sociais que tem como origem o Estado e a propriedade individual, de instituições particulares e públicas.[....] A Aliança combaterá a propaganda eleitoral e qualquer partido político estatal, mesmo o que se propunha reformar e, por tanto, consolidar a atual organização política e econômica, ou qualquer outra que se assenta sobre as aberrações nacionalistas e patrióticas. [...] Com relação ao movimento de classe, a Aliança favorecerá o desenvolvimento das organizações econômicas de resistência dos operários das cidades e dos trabalhadores rurais ou colonos, provocando-as, mesmo, onde não existam, elaborando, para este fim um programa especial, subordinado, porém, a sua intervenção e ação à propaganda integral do anarquismo. 290

A Alliança Anarquista, portanto, apostava em uma forma dupla de organização. De um lado, visava à luta gradual pela melhoria material dos grupos operários ou subalternos, adentrando e impulsionando os movimentos destes, desde que dentro do espectro internacionalista e classista e fora da esfera parlamentar ou estatal. E, ao mesmo tempo, defendida a própria organização dos anarquistas a partir de bases internas,

definindo

métodos

para suas

atuações

nos

respectivos

ambientes

essencialmente econômicos, transformando esses, ocasionalmente, em instrumentos também de reclamação política. Como apresentado, longe de ser uma nova corrente, esse tipo de proposta havia sido defendido por alguns militantes libertários em âmbito global, e possivelmente 289 Idem. 290 “A Alliança Anarquista”. Guerra Sociale, 14 de outubro de 1916. p.3.

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circulava entre os membros da família política anarquista. O autor Felipe Corrêa defende que muitos princípios do dualismo organizacional, ou seja, a intenção que “tem por base comum um regulamento interno e um programa estratégico, os quais estabelecem, respectivamente, seu funcionamento orgânico, suas bases políticoideológicas e programático-estratégicas, forjando um eixo comum para a atuação anarquista”291, estavam presentes desde a atuação da ADS que tinha como participantes Mikail Bakunin, desde fins do século XIX, como analisamos anteriormente. Alguns debates anarquistas dentro da esfera sindical, reformularam ou adaptaram essa estratégia, tal como foi no Congresso Anarquista de Amsterdã de 1907, no qual Errico Malatesta, afirmando que a luta sindicalista por melhorias materiais, embora fosse imprescindível, se isolada, estava fadada ao reformismo e portanto era necessária também a organização “propriamente anarquista que, tanto dentro como fora dos sindicatos, lutam pela realização integral do anarquismo e procuram esterilizar todos os germes da corrupção e da reação.” 292 Luigi Fabbri, que foi citado em algumas colunas do periódico, também defendia propostas de organização anarquista. O militante nasceu no ano de 1877 em Ancona, na Itália, mas teve sua ação envolvida no movimento operário em diversas regiões, como na França e Suíça e depois da década de 1920 no continente sul-americano. Fabbri participou de eventos e reuniões, muitas vezes de envergadura internacional como o Congresso Anarquista de Amsterdã de 1907.293 O agente defendia que o vínculo explícito e programático entre o anarquismo e o sindicalismo (anarcossindicalismo) não seria eficaz pois levaria à divisão dos interesses da própria classe, pois se essa última

não quiser ser sectária, dogmática e autoritária, deve evitar toda afirmação ideológica que possa dividir a massa proletária em função de preocupações de partido, conservar o conteúdo solidário de todos os trabalhadores contra o capitalismo. Se levamos [aos sindicatos] a preocupação partidária, inclusive a anarquista, isso significa romper a solidariedade operária e fazer uma atividade antilibertária.294

A ideia de Luigi Fabbri não era abandonar os sindicatos e muito menos isolar-se, mas justamente tornar eficaz a participação dos libertários aos órgãos de resistência populares. Para tal, longe de realizar essa obra pessoalmente, os anarquistas deveriam 291 CORRÊA, Felipe. Op.cit., 2013. p.37. 292 Malatesta, Errico. Op.cit., 163-164. 293 RAGO, Luiza Margareth. “Luigi e Luce Fabbri: uma ética de liberdade.” Política & Trabalho: Revista de Ciências Sociais, Paraíba, n. 36, 2012. p.155-168. 294 Luigi Fabbri citado por CORRÊA, Felipe. Op.cit., 2012. p.171.

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criar grupos que norteariam suas funções dentro e fora desses ambientes a fim de criar elementos possivelmente sólidos na intenção de inflamar essas atuações ou mesmo se defenderem quando necessário:

Por organização, entendemos a união dos anarquistas em grupos e a união federal dos grupos entre si, sobre a base de ideias comuns e de um trabalho prático comum a realizar. Tal organização deixará naturalmente a autonomia dos indivíduos nos grupos e dos grupos na federação, com plena liberdade dos grupos e federações para se formar em segundo as oportunidades e circunstâncias, por ofício, por bairro, por província ou por região, por nacionalidade ou por língua, etc.(...) A organização é um meio de se diferenciar, de se precisar um programa de ideias e de métodos estabelecidos, um tipo de bandeira de reunião para se partir ao combate sabendo-se com quem se pode contar e tendo-se consciência da força que se pode dispor.(...) Dizemos, por exemplo, partido anarquista, entendendo simplesmente por isso o conjunto de todos aqueles que combatem pela anarquia. Quando dizemos federação socialista-anarquista, pensamos na união preestabelecida dos indivíduos e grupos aderentes que, em determinada localidade, puserem-se de acordo em torno de um programa de ideias e métodos.(...) 295

Não sabemos, fora as próprias posições do jornal Guerra Sociale, se a Alliança Anarquista de São Paulo definia seus métodos em conjunto ou como prefigurava maneiras de organizar as estratégias anarquistas após a adesão dos demais membros. Não obstante, é possível notar também que iniciativas para tais uniões não faltavam, pois os militantes defenderam frequentemente programas de atuação e reunião para debates. Projetos esses que eram transformados em grandes chamadas no qual tentavam sistematizar algumas posturas básicas, tanto para sua família política quanto para população em geral:

A Alliança Anarquista, à qual aderiram mais de trinta organizações libertárias e de classe, além de um grande número de companheiros não organizados e que conta com a solidariedade de outros grupos anarquistas existentes nos Estados da Federação Brasileira, faltaria à sua missão se nesta hora angustiosa para todos, em que trágicos acontecimentos se anunciam, esquecesse que é nos momentos históricos que os partidos e os homens de ideias devem, a todo o transe, assumir a responsabilidade dos próprios atos e proclamar sem vacilações, nem tibiezas, o que pensam e os ideais que professam, que defendem e pelos quais se batem. [...] Não sabemos se este manifesto será bem aceito pela maioria do povo brasileiro numa hora de entusiasmo e exasperação, como ignoramos se o nosso gesto irá provocar perseguições e repressões para nós e para os nossos amigos. Mas temos um dever a cumprir e o cumpriremos sejam quais for as consequências que este ato de hombridade e de sinceridade nos possa acarretar.296

Diante do fragmento, que revela uma incisiva aposta por partes dos anarquistas 295 FABBRI, Luigi. A Organização Anarquista. Excertos. São Paulo: Editora Faísca, 2013. 296 “A Alliança Anarquista ao Povo.” Guerra Sociale, 1 de maio de 1917. p.4.

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em torno do jornal Guerra Sociale de disseminarem seu projeto organizador, evidenciase igualmente a recepção dos demais grupos libertários, de diversas partes do Brasil, para tal proposta. Os anarquistas confederados à tal Aliança teriam a função de encarnar responsabilidades políticas bem como disseminar suas visões de transformação, em defesa das classes exploradas, principalmente com o alongamento dos conflitos nacionais. Outra questão interessante é que, mais uma vez, o “povo brasileiro” aparecia no periódico, ou seja, uma preocupação em estender uma militância nacional coesa com as particularidades do país estava sendo levada a cabo. Através ainda das evidências referentes à Alliança Anarquista é possível encarar duas linhas de investigação historiográficas que atravessam esse período. A primeira diz respeito ao recorte geográfico que a maioria dos autores atribuiu à formação do movimento operário no Brasil. A autora Silvia Petersen destaca que existiu uma valorização das regiões do sudeste, como o Rio de Janeiro e São Paulo. Essa ligação entre desenvolvimento industrial mais avançado e atividade militante ou mesmo da construção do movimento operário ocasionou frequentes generalizações desses casos para o restante do país, além de minarem o desenvolvimento de outras interpretações que visaram outros estados para a compreensão da formação da classe operária e do próprio processo de industrialização.297 De fato, percebemos, pelo menos do ponto de vista da organização libertária, que o movimento sempre estava tentando alargar suas fronteiras e estabelecer contato com militantes de diversas regiões, o que revela não só a presença ativa de grupos dispersos em todo o país, mas também a importância desses para a própria reformulação de suas concepções. Em todo o caso, é importante salientar que muitos estudos estiveram limitados às suas fontes ou mesmo pela bibliografia de referência, onde algumas regiões deixaram mais vestígios do que outros, como é o presente caso. E mesmo relativizando, com toda a certeza, a exclusividade do movimento operário nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, é impossível negar seu caráter, naquele período, no qual, de fato, atraia uma grande força de trabalho e consequentemente de pessoas e de ideias. Condições obviamente que não eram únicas, mas que deixavam tais cidades como ambientes de articulação, mesmo ocasionais ou restritas, de alguns programas ou de grandes órgãos sindicais, portanto não passiveis de desconsiderações ainda nos estudos futuros. 297 PETERSEN, Silvia Regina. “Cruzando Fronteiras: as pesquisas regionais e a história operária brasileira.” Anos 90, Porto Alegre, n.3. p.129-153, 1995.

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Outra hipótese que deve ser tensionada, essa mais especificamente em relação às pesquisas que se voltaram ao anarquismo, afirma que a própria falência do movimento, no período republicano, foi resultante prioritariamente de suas próprias estratégias. Alex Bonomo, por exemplo, ao tentar analisar as razões que levaram o declínio do movimento libertário nas décadas seguintes, afirma, entre outras considerações, que tal debilidade pode ter provindo de suas supostas concepções e práticas comparadas a outros grupos anarquistas em outros países. Para o autor, os anarquistas no Brasil eram contrários às sistematizações de programas mais amplos que abrangeriam toda a sociedade e “não tinham uma organização política própria, que desse resguardo para atividades militantes”.298 Para o autor, esse fato também se deveu às suas próprias influências, falhando em desenvolver um anarquismo minimamente organizado fora simplesmente de redes móveis e informais. Tais afirmações quando confrontadas por diversos casos, como na construção da Alliança Anarquista, podem ser refutadas. Não só programas específicos e outros amplos foram propostos pelos anarquistas, em determinados contextos, como suas atuações estavam ancoradas no próprio desenvolvimento do movimento operário em que viviam. Suas influências e estratégias anarquistas também eram bastante diferentes, mas usavam estas, inclusive as de caráter de profunda organização, quando assim o contexto e suas interpretações sobre este exigiam, figurando um tipo de cultura política.299 Não objetivamos adentrar outras considerações do autor, pois o mesmo elenca inúmeros fatores que foram determinantes para a queda da influência do movimento anarquista após o período da Primeira República, como a intensa repressão, e, de fato, as dificuldades de criar órgãos de resistência propriamente políticos, para além dos sindicatos, que também serviriam em momentos de refluxo, uma demanda existente no seio organizacional do anarquismo. De certo, como já foi demonstrado, realmente houve empecilhos para a implementação de órgãos políticos especificamente anarquistas, mas como vimos, os motivos estavam muito mais ligados às condições da construção do movimento operário, com muitas outras demandas ideológicas e práticas, do que pelas propostas e debates dos militantes libertários. 298 BONOMO, Alex Buzeli. O Anarquismo em São Paulo: as razões do declínio (1920-1935). Dissertação (mestrado em História). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2007. p.414 299 Para Antoniette Oliveira, “o fato de os anarquistas não terem se constituído em um partido político, enquanto local privilegiado de luta, não deve significar que os mesmos não possuíssem uma cultura política” já que os mesmos encaminhavam outras propostas de transformação social. OLIVEIRA, Antoniette. Op.cit., p.28.

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O autor Rafael Viana da Silva, que estuda o movimento anarquista após a segunda metade do século XX, argumenta que alguns contextos políticos e econômicos como as transformações do movimento operário dificultaram e enfraqueceram tal ideologia entre a classe operária, mas não foram raras as ocasiões em que os militantes libertários tentaram novos tipos de organização oferecendo e adentrando em eventos de caráter reivindicativo, fatos que podem ter sido obscurecidos por uma análise parcial dessa militância após a década de 1930. Longe de ter desaparecido, como um fenômeno prépolítico, o movimento anarquista não só sobreviveu para além do período republicano, como seus debates dentro dos espaços operários continuaram sendo prioritários em seus objetivos. Com este horizonte, ainda de mobilizar a classe operária e propor formas de transformações sociais, os anarquistas difundiram estratégias cobradas por autores como Bonomo, entre elas as de funções organizativas. E longe de serem propostas novas, sem ligação com a trajetória anarquista anterior, para Silva,

esses anseios estão inscritos numa trajetória militante que, como vimos, pode ser alargada até as primeiras décadas da militância anarquista no Brasil. Esses dilemas não correspondem apenas aos labirintos políticos e sindicais inaugurados pelas modificações na conjuntura nacional e da realidade internacional, mas possuem estreita conexão com uma temporalidade própria da militância anarquista que atravessa as décadas.300

Concordando com o autor, não é possível ignorar totalmente as estratégias e formas de atuação antigas, para entender as atitudes que compuseram as reformulações da cultura política anarquista, dentro de uma maior duração. Tais projetos e iniciativas talvez tenham continuado a ser minoritários ou foram vencidos por seus adversários ou pelas condições opostas, mas que talvez deixaram rastros e elementos, tanto para o movimento anarquista posterior, quanto para a utilização desses instrumentos pelas classes exploradas, quando estas assim interpretaram necessário. Voltando para o caso abordado, um dos argumentos elucidados por Bonomo, como adiantado, parece fazer sentido. Pela sua própria influência anterior, de fato, diversos anos ancorados nas redes móveis de caráter antiorganizador, na prática, a Alliança Anarchista realmente tenha ficado somente como um fio condutor para impulsionar certas medidas, incluindo a arrecadação de fundos para o incentivo de reunião e criação de outros grupos, se distanciando, portanto, de outros debates 300 SILVA, Rafael Viana da. Elementos Inflamáveis: organizações e militância anarquista no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1964). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.p.22.

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organizadores no período, que defendiam, além dessa medida de aproximação, orientações fixas, ideológicas e programáticas, entre os demais membros. Os agentes em questão, mesmo propondo anteriormente programas, ainda temerosos de qualquer discurso que pudesse soar autoritário, alegavam que esta seria uma organização

em grupos autônomos, ligados por uma simples comissão de correspondência, com o fim essencial de anuar esforços para um trabalho extenso e prático de propaganda e de ação tendente à emancipação econômica, social e moral de cada indivíduo e da humanidade em geral. [...] Os grupos aderentes à Aliança gozarão da mais ampla autonomia, e, se houver uma caixa única, esta será exclusivamente para auxiliar os perseguidos por questões sociais. 301

Assim, os próprios discursos em torno da Alliança Anarquista se desencontravam, ora defendendo a junção de uma federação anarquista para fins estabelecidos, mas encarando-a, por vezes, apenas como uma simples comissão. Além disso, nas suas resoluções aparecem apenas as bases de acordo iniciais bem como notícias dos grupos que foram aderidos ao projeto. De toda maneira, sabemos que a proposta, pelo menos personificava a junção do grupo com o movimento operário e anarquista no país, de forma verossímil às suas respectivas diversas nuances, fato que pode ser comprovado com a própria organização dos seus principais membros: A Comissão de correspondência é resultado da composição dos seguintes companheiros [...]: Rafaele Esteve, Joaquim Santos e Silva, Roberto Feijó, Lucas Masculo, Galileo Sanchez, Gigi Damiani. O secretário da comissão [...] assim estabelece: para a correspondência em língua portuguesa: Roberto Feijó; para a correspondência em língua espanhola: Galileo Sanchez; para a correspondência em língua italiana: Gigi Damiani.302

Nos meses finais de 1916, tanto a Alliança Anarquista, quanto o periódico Guerra Sociale, estavam alicerçados sobre práticas e objetivos coerentes à organização sindical e militante, preocupação que passava desde os idiomas falados nos espaços operários, mas também revelava a união estável com militantes assíduos do movimento anarquista, propondo meios de organização nos dois níveis citados (sindical e especificamente político). Fatores que resultaram em diversas adesões, que vinham desde o interior de São Paulo pelas cidades de Sorocaba, Bauru, Ribeirão Preto, dos coletivos e apoiadores do estado de Minas Gerais pelas cidades de Guaxupé e Poços de Caldas, do Rio de Janeiro, e das regiões do nordeste como no Belém do Pará.303 Essa ampliação de suas articulações, se não desencadeava ainda para o grupo em 301 “Alliança Anarquista”. Guerra Sociale, 30 de setembro de 1916. p.1. 302 “Alleanza Anarchica”. Guerra Sociale, 14 de outubro de 1916. p.1. 303 Ver “Il Bolletino dell’Alleanza Anarchica.” Guerra Sociale, 18 e 30 de novembro de 1916. p.4.

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torno do jornal Guerra Sociale um agrupamento especificamente político, ganhava imenso respaldo entre os grupos anarquistas ligados mais pragmaticamente com as associações sindicais bem como o anarquismo de caráter organizador, e que gastavam a maioria dos seus esforços nisso. Um órgão de militância que estava se tornando eficaz em coordenar esforços libertários para uma atuação nacional sobre o espírito internacionalista logo foi aderido pelos militantes de tradição organizacionista como Edgard Leuenth e Neno Vasco que o impulsionavam sob o periódico A Plebe. Esse último, pelo seu caráter, pode ter expressado as articulações necessárias para a infiltração da Alliança Anarquista nos espaços sindicais em São Paulo no período grevista, embora, como veremos, estava diante de outras disputas políticas.

2.2. A Plebe: entre o internacional e o local nas lutas efetivas do operariado e o sindicalismo revolucionário em disputa

O jornal A Plebe teve sua primeira edição em nove de junho de 1917 e foi encerrado oficialmente em 1949. Era publicado aos sábados e continha quatro páginas na maioria de seus números, se estendendo em ocasiões especiais. Apesar de contar com uma grande distribuição, chegando a uma tiragem de dez mil exemplares no período grevista, viveu uma história atribulada, apresentou dificuldades financeiras por ser produto da ação de voluntários e, além disso, era alvo constante de perseguições policiais. Para Rodrigo Rosa da Silva, o periódico A Plebe era intensamente perseguido justamente pela sua grande influência entre os trabalhadores e os movimentos que se ampliavam no período em que foi fundado. Os personagens em torno de sua organização conseguiram transformá-lo no “porta-voz dos operários e arautos em suas reivindicações.”304 O autor ainda mostra que sua influência foi repercutida anos depois, quando o Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS), na década de 1940, considerava crime possuir ou apenas ler o referido jornal. Essa influência foi o resultado do esforço prático de seus editores e colaboradores, inclusive recebendo o apoio financeiro de diversas regiões do interior, sendo distribuído em toda a cidade. Mas, como estamos acompanhando, também refletia ou desembocava novas atuações no movimento operário, e em consonância com esse, das estratégias e táticas anarquistas que estavam sendo reformuladas desde o início dos conflitos 304 SILVA, Rodrigo Rosa da. “As ideias como delito: a imprensa anarquista nos registros do DEOPS-SP (1930-1945). In: DEMINICIS, Rafael; FILHO, Daniel Aarão Reis (orgs.). Op.cit., p.119.

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mundiais. Os próprios redatores mostravam a urgência das medidas que estavam levando a cabo desde “a conflagração horrorosa a que a burguesia vai arrastando, uma a uma, todas as nações, convulsionando o mundo.”305 Os militantes em torno da redação do jornal eram bastante assíduos nos espaços operários, além de especialmente defenderem, dentro do anarquismo, a estratégia organizacionista. Seu principal editor era Edgard Leuenroth, que contava com colaboradores bastante frequentes em outros periódicos como Benjamin Motta, Isabel Cerutti, Astrojildo Pereira, Florentino de Carvalho, João Penteado, Andrade Cadete, Maria Valeska, Gigi Daminani e Neno Vasco. No primeiro número, as colunas apresentadas chamavam atenção pelos seus apelos às mobilizações bem como sua grande recepção entre os movimentos grevistas e sindicais do período. Em uma dessas, sob a chamada “Ação obreira: O operariado de São Paulo parece despertar para a luta”, tais agentes defendiam as estratégias que pretendiam seguir: Alguns movimentos grevistas já se manifestaram, ao mesmo tempo que se vai tratando de constituir associações de resistência e de acentuada luta social. [...] Os trabalhadores nesse sentido prosseguem e é de esperar que, no mais breve tempo possível, o proletariado de S. Paulo possa dispor de uma potente organização de luta para fazer frente com vantagem aos miseráveis [...]. 306

É interessante notar que, desde o início da trajetória de participantes frequentes desse período, entre eles Neno Vasco, já era defendido o impulso das ações de caráter sindical, para o próprio interesse da classe trabalhadora e sua “potente organização”, bem como do desenvolvimento do movimento anarquista. Ainda assim, o mesmo militante se queixava frequentemente da falta de organização política anarquista no interior desses espaços, que se organizavam prioritariamente nos jornais e entravam pessoalmente no sindicato. Em A Plebe, o projeto que era pretendido inicialmente tentava incluir uma reformulação dessa atuação:

A Alliança Anarchista, constituída, não há muito tempo em S. Paulo com o fim de servir de traço de união entre as nossas diversas agrupações e os camaradas dispersos por ali além. São bons sintomas de um necessário e urgente despertar. Entretanto, muito mais se poderá conseguir, se todos os libertários que são bastante numerosos, se dispuserem a fazer algo, desenvolver um pouco mais de atividade.307

A Alliança Anarquista, que tentava, em alguns casos, construir uma rede política 305 “Rumo à Revolução Social. A Plebe, 9 de Junho de 1917. p.1. 306 “Ação obreira: O operariado de São Paulo parece despertar para a luta”. A Plebe, 9 de junho de 1917. p.4. 307 “Vida libertária.” A Plebe, 9 de junho de 1917. p.2.

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sólida, tinha seus militantes inseridos em diversos grupos de caráter prioritariamente econômico (na visão dos anarquistas dualistas) como o Comitê Popular de Agitação, o Comitê de Defesa Proletária e a FOSP (Federação Operária de São Paulo), reerguida neste período. Assim, o principal tema fundamentador e que dava a consistência ao jornal era o incentivo e a cobertura às greves e comícios. O apelo às greves era o tema central e comum a todos os números de A Plebe durante o ano de 1917 e até mesmo depois. Um dos seus redatores Primitivo Raymundo Soares, sob o conhecido pseudônimo de Florentino de Carvalho explicava a situação naquele momento: O operariado realiza, portanto, uma obra justiceira conquistando pela greve ou outros meios de ação direta tudo quanto lhe é extorquido, roubado legal ou ilegalmente. E não devem perder esta ocasião favorável em que os colocou o incremento do trabalho, que evita em parte a concorrencial de braços. O movimento deve generalizar-se a todas as classes, alastrar-se por todo o país, afim de que as conquistas sejam mais rápidas e radicais.308

Os redatores do periódico enxergavam as reivindicações de classes como justas e, no momento, como “ocasião favorável”309, apelavam para que todos os trabalhadores participassem desta, inclusive em âmbito nacional. Mas, conforme foi defendido em outras oportunidades que se seguiram no desenvolvimento do jornal, tentando levar a cabo a própria Aliança, era preciso fortalecer também uma clara consistência anarquista de revolução para tentar transformar tais greves em um instrumento para a queda do sistema vigente. Ideologia que era defendida a partir dos próprios atos repressivos que eram cometidos contra os ativistas anarquistas: Nascidos aqui ou além, estrangeiros em todas as pátrias, somos inimigos de todos os governos, de todas as classes privilegiadas e amigos de todos os povos, defensores de todas as vitimas. Devido, portanto, a essa mentalidade nova, inteiramente liberta de preconceitos, graças ao caráter essencialmente universal da doutrina professada, os anarquistas, submetendo os próprios sentimentos ao império da razão, refletida e serena, falam da guerra e das causas que a provocaram como das responsabilidades diretas que na mesma tem os governos, sem se deixar arrastar por simpatias ou antipatias, que, dados os preconceitos ambientes e um exame superficial dos acontecimentos, podem parecer legitimas e de cuja sinceridade nem sempre é licito duvidar. [...] Aconteça o que acontecer, não devemos esmorecer, nem deixar-nos arrastar no vendaval que parece ameaçar a integridade e solidez da nossa construção doutrinária. Se há quem proclame a falência de nosso ideal e de todas as aspirações que o personifiquem, a verdade é que esta guerra traduz a derrocada de todas as doutrinas burguesas, morais, religiosas, sociais.310

308 CARVALHO, Florentino. “O porquê das greves”. A Plebe, 9 de Julho de 1917. p.1. 309 Idem. 310 Leuenroth, Edgard. “A Alliança Anarquista ao povo”. A Plebe, 23 de junho de 1917. p.4.

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Ao tentar explicar os motivos da perseguição ao movimento anarquista, o redator rebuscava alguns princípios políticos que constituíram esse. Ao ler o periódico é perceptível explicações sobre o alcance e importância do desenvolvimento interno do anarquismo, em tópicos como “A Alliança Anarquista ao Povo” ou simplesmente chamado de “Anarquismo”. O periódico contava com essa estratégia fundamental, os redatores usavam como tática de propaganda, colunas com notícias do movimento operário sob forma politicamente neutra (a luta essencialmente econômica e material), mas sem deixar de apresentar no mesmo número, a teoria anarquista para organizar os eventos e guiar a revolução almejada. Não obstante, mais uma vez, como em seu antecessor A Lanterna, na prática houve um desequilíbrio dessa mediação. O periódico destinava, em quase todos os números, uma página intitulada “Mundo Operário” no qual eram reunidas notícias, denúncias e conselhos dentro das ações que envolviam os trabalhadores no estado de São Paulo:

Convidamos, portanto a todos os operários e operárias adultos e menores e ao povo em geral a comparecer ao grande comício a realizar-se domingo, 24 do corrente, às 6 horas da tarde no largo São José (Belenzinho) para demonstrar que os operários grevistas não estão sós, que podem contar com o concurso de todas as classes trabalhadoras, de todas a população proletária. Companheiros: Este comício, com a presença de todos, deve ser um verdadeiro expoente da solidariedade operaria, de todos os que tem sentimentos de justiça e aspirações de liberdade. Viva a solidariedade operaria! Vivam as reivindicações populares! A Comissão Organizadora.311

A coluna apresentada provavelmente foi a mais influente na trajetória do periódico em questão, articulando o desenrolar das ações grevistas, informando os locais de manifestação e unindo órgãos de resistência. O tom percebido nessa seção, que aumentava progressivamente até o fim da conjuntura grevista, como é possível observar, apelava prioritariamente para a “solidariedade operária”, ou melhor, para a organização do operariado e das “reivindicações populares.” É certo que para outros autores, como Steven Hirsch e Lucien van der Walt, dentro de uma análise sistemática durante o final do século XIX e as primeiras décadas do próximo, empiricamente, o sindicalismo de intenção revolucionária e suas derivações foi muito mais uma estratégia de luta anarquista do que uma ideologia, embora concordem que fosse instrumentalizado entre personagens de orientação políticas 311 Leurenroth, Edgard. “Mundo operário”. A Plebe, 23 de junho de 1917. p.3.

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diversas.312 Levando em conta essa disputa, em maior ou menor grau, dessa maneira, os anarquistas em torno do jornal A Plebe estavam diante de uma tarefa bem árdua, impulsionar, através do seu jornal muitas das ações essencialmente de classe, como assim faziam, utilizando, frequentemente, uma linguagem aparentemente neutra de aproximação com diversos grupos que se sentiam próximos das causas operárias. Porém, corriam o risco de uma diluição de sua ideologia nessas causas bem como a instrumentalização das suas estratégias na militância de outros grupos. Assim, os debates dos militantes que já haviam sido travados por outros personagens no desenvolvimento da cultura política anarquista podem ter vindo à tona por um problema que começava a ser cada vez mais recorrente no período. Por detrás de um suposto confronto de métodos especificamente anarquistas, podemos perceber que os militantes denunciavam a mesma tendência, o enfraquecimento do movimento sindical pelas pressões econômicas e políticas do período, passando pela instrumentalização de outros grupos em torno dessa estratégia, bem como o perigo de seu desmembramento pelas escolhas e métodos utilizados até então e, por isso, tentavam achar o melhor método para a inserção do anarquismo no movimento operário. Como será evidenciado na próxima parte do trabalho, a Alliança Anarquista, um projeto essencialmente político anarquista, como sugeriu Neno Vasco, foi importante para favorecer e impulsionar as lutas materiais bem como coordenar os grupos libertários e seus aliados. Todavia, se estavam construindo esse órgão tardiamente, precisavam de outro, pela própria urgência, para representar essencialmente uma luta para o melhoramento de vida da população e, mesmo alertados sobre isso, se abrindo majoritariamente, portanto, aos interesses gerais de classe, disputando o sindicalismo revolucionário mais uma vez. Para essa disputa e o encabeçamento de greves efetivas, além da organização interna que ainda necessitavam de força, os anarquistas precisavam de uma última saída, tanto para conservar mínimos aspectos ideológicos próprios quanto para reerguer e impulsionar as lutas provindas do movimento operário. A estratégia internacionalista, reforçada entre os militantes no período dos conflitos mundiais, assim, podem ter sido outro importante fator para entendermos tanto a reorganização do anarquismo no período, bem como suas estratégias de sobrevivência e de adaptação à realidade, fatores condensados no desenvolvimento do periódico A Plebe. 312 Ver HIRSCH, Steven; WALT, Lucien Van der. “Rethinking Anarchism and Syndicalism: the colonial and postcolonial experience.” In: (orgs). Op.cit., p.xxi-lxxiii.

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As campanhas anti-imperialistas e antimilitaristas mostravam ainda serem poderosas ferramentas de mobilização. Para os redatores, essa luta ainda deveria ser demanda legítima mesmo com a “perseguição aos anti-militaristas” 313 no qual “a polícia é grandemente auxiliada pela imprensa burguesa.”314 Ainda, longe de ser um combate longínquo sem reflexões no país, os militantes libertários reafirmavam que tal conflito evidenciava o caráter predatório do próprio desenvolvimento capitalista, pois

na agitação anti-guerreira tomam parte estudantes das escolas superiores, as classes proletárias, os socialistas e os anarquistas. Estes últimos fazem hoje a propaganda antimilitarista da mesma forma por que o faziam há um, dois, cinco, dez anos. Sempre foram contrários à guerra e, para serem coerentes com os seus princípios, devem combate-la com muito maior razão nesse momento que estão ameaçados daquilo que, com a propaganda de muitos anos, procuram evitar: a guerra contra todos os seus horrores.315

Elencando que tal ideário fazia parte de alguns grupos progressistas, assim como era típico do anarquismo havia alguns anos, e tentando mostrar que tal evento era resultado ainda da ordem social e política estabelecida, os redatores do jornal tentavam desconstruir as pretensões militares e nacionalistas que poderiam estar presentes entre os trabalhadores e grupos subalternos:

O soldado é do povo e com o povo sofre as consequências da má organização social. Vemo-lo no comprimento de suas tristes atribuições, obediente e submisso, sofrer os rigores das intemperes enquanto no seu lar a miséria domina, mantendo seus filhos mal educados e faltos na necessária educação. [...] Urge intensificar a propaganda libertadora entre os que vestem farda, sendo de grande proveito à organização de grupos, com o fim de, por meio de modicas contribuições mensais, fazer no seu meio larga e constante distribuição das nossas publicações. Se assim se proceder, conseguiremos formar uma consciência livre no soldado, apressando a vitória de nossas aspirações. Só então nos veremos livre, desta atmosfera de vilanias, de opressão e de crime em que nos mantém o capitalismo, estabelecendo um regime de felicidade para todos.316

Uma das campanhas dos militantes, portanto, era tentar desconstruir o ideário militarista entre os próprios oficiais, mostrando que a defesa da guerra e a do nacionalismo faziam parte de planos de outros grupos, em torno das classes abastadas e do estado. Para os anarquistas que aderiram essa tática, ao contrário de ser um oponente, o trabalhador fardado também estava sendo explorado por interesses contrários à sua condição e suas necessidades. 313 “Notas Internacionais.” A Plebe, 28 de julho de 1917, p.4. 314 Idem. 315 Ibidem. 316 Isabel Cerruti. “A propósito da atitude do grande órgão”. A Plebe, 4 de agosto de 1917, p.2.

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Entre as principais personagens envolvidas com essa preocupação estava Isabel Cerruti. Existem poucas referências ao seu local de nascimento ou quando veio ao Brasil, mas tudo indica que acompanhou o processo migratório junto com sua família, certamente italiana, a julgar pelo seu nome, se instalando na cidade de São Paulo pelas razões de trabalho. No início da década de 1910, é possível observar sua associação com jornais assíduos da estratégia organizacionista do anarquismo, como sua passagem no órgão A Terra Livre e posteriormente sua importante participação em A Plebe. Além das campanhas antimilitaristas que aderiu ao participar do movimento libertário, Isabel compunha um orgão relevante para seu gênero junto à luta classista, o Centro Feminino Jovens Idealistas que se justificava:

Considerando que a emancipação da mulher constitui uma necessidade para a liberdade dos povos e que essa emancipação só se conseguirá mediante a instrução racional e científica e pela luta consciente em prol dos seus direitos e reivindicações, este Centro propõe:1º - Reunir em seu seio o maior número possível de pessoas do sexo feminino; 2º - Manter nas mais estreitas e amistosas relações com todas as pessoas que tenham aspirações de liberdade e com as instituições cujos fins tendam à emancipação da Humanidade; 3º Trabalhar no sentido de instituir e educar as mulheres para assim elevar-lhes o caráter e torná-las apta a conquistar a sua emancipação; Para este fim empregará os seguintes meios: a)- Criar escolas gratuitas para as jovens e meninas que desejem instruir-se; b)- Fundar bibliotecas, editar publicações de propaganda de educação e regeneração social; c)- Organizar conferências, festivais instrutivos e recreativos, etc.; 4º - Combater todos os males sociais assim como as causas que as originam, e aderir a todas as iniciativas que tiverem esse fim.317

É claro que desde o início da disseminação do anarquismo no país, os militantes tentavam agregar as mulheres às lutas contra a formação do Estado Nacional e o sistema econômico vigente, mas pouco faziam ainda para criticar a própria posição da mulher na família ou de sua posição em relação ao homem, provavelmente pela própria predominância de homens no movimento, envolvidos ainda com seus privilégios de gênero. Vindo preencher essa lacuna, foram as próprias mulheres ao aderirem o anarquismo que foram responsáveis pela reformulação desses preceitos no movimento libertário na cidade.318 O órgão proposto reunia mulheres assíduas no movimento operário, como a Maria Valeska e Emma Mennochi319, para debaterem suas demandas especificas, assim como incentivar a instrução e atuação da população feminina operária 317 “Bases de Acordo do Centro Feminino Jovens Idealistas”. In: OLIVEIRA, Antoniette. Op.cit., p.152153. 318 Ver MENDES, Samanta Colhado. As mulheres anarquistas na cidade de São Paulo (1889-1930). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual Paulista, Franca – São Paulo, 2010. 319 Esta última conhecida por atuar também ao lado de seu companheiro Gigi Damiani. Ver BIONDI, Luigi. Op.cit., 2006.

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e subalterna. E mais do que isso, o Centro Feminino Jovens Idealistas tentava se anexar aos eventos e órgãos operários inflamando progressivamente um caráter revolucionário, como em sua participação no Congresso Internacional da Paz em 1915 e sua associação com os sindicatos presentes no evento, sob o caráter transnacional. Os militantes anarquistas em torno de A Plebe também acharam essencial a participação desse grupo na formação de seu jornal e, no encaminhamento de suas discussões, pela libertação conjunta de homens e mulheres. A própria Isabel Cerruti tentava mostrar que além da importância em reunir mulheres para debaterem problemas específicos, depois disso, para a luta material e o embate contra o sistema político vigente, era necessária a união de ambos os gêneros:

A emancipação da mulher não está na igualdade desta perante o homem, nas prerrogativas políticas, de mando e de trabalho, mas sim na emancipação da humanidade da tutela política e na igualdade econômica e social de todo gênero humano. [...] Igualá-la aos homens é ficar onde estamos. Nós devemos é lutar ao seu lado e junto aos homens para que a emancipação da mulher seja um fato, não para a mulher, ou para o homem, mas para todas as pessoas (inclusive crianças e adolescentes) para a humanidade, porque os dois sexos se integram e se completam.320

Mais do que garantir a igualdade da mulher e homem perante as leis, a luta das mulheres, para a agente, deveria se ocupar também das atividades que envolviam a transformação da realidade, trazendo homens como aliados, quando necessário, para a destruição de qualquer ideário, além da esfera política e econômica, que pudesse reproduzir alguma forma de desigualdade entre o gênero humano como um todo. Para a militante, ao fazer menção contra o militarismo, como apontando uma de suas principais preocupações em A Plebe, se referia não somente às campanhas contra os conflitos mundiais, mas passaria primeiramente pela luta no interior do movimento operário e depois, de forma complementar, a um tipo particular de educação ou conscientização que combateria as desigualdades de forma horizontal. Uma grande parte dos anarquistas neste jornal também seguia esse tipo de atuação, enxergando a luta sindicalista como apenas uma das tarefas, e imbricando também a educação integral e racionalista entre a população.321 O anarquismo na cidade, 320 Isabel Cerruti. Discurso de inauguração (Centro Feminino de Educação). In: MENDES, Samanta Colhado. Op.cit., p.209. 321 Esse ímpeto viria também pela própria interpretação anarquista do que seriam as classes exploradas. Muito mais do que simplesmente os trabalhadores que exerciam funções nas fábricas, os libertários reconheciam, como evidenciado anteriormente, a necessidade de libertação dos grupos subalternos, aqueles que viviam sobre condições de pobreza ou de exploração semelhante, como os assalariados em geral, camponeses, moradores de rua e autônomos que compartilhavam essas condições. Ver WALT,

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desde seus primórdios, tentava criar ações educativas nos bairros operários através de conferências, palestras, bibliotecas, peças de teatro, escolas racionalistas, bem como o letramento da população mais desprovida. Logicamente, muitos ativistas estavam sendo influenciados pelos ideários iluministas, também presentes nas ideias positivistas e republicanas, que julgavam a falta de letramento um dos motivos do atraso moral e político das sociedades.322 Todavia, para os anarquistas, pelo menos no presente caso, essa estratégia tinha particularidades muito próprias. Defendendo uma escola racionalista, libertária e operária, os anarquistas justificavam:

Que a escola racionalista é a escola do futuro não resta dúvida. Basta ver o furor com que os governantes clericais e jesuíticos desta terra investiram contra as Escolas Modernas aqui existentes, mandando-as fechar como prejudiciais das altas camarilhas de comerciantes, industriais e governantes jesuíticos, reacionários, ultraconservadores e apoucados de juízo e de previsão social! E, fato curioso, havendo uma Liga Nacionalista com o escopo de matar o analfabetismo nesta terra de bandeirantes, ninguém deu fé que dita instituição protestasse contra o ato abusivo e prepotente dos governantes mandando encerrar escolas numa terra de analfabetos, onde a maioria da população não sabe ler, o que é considerado o maior flagelo que aflige o Brasil. E que todos, gregos e troianos, como bons burgueses que se prezam de ser, entendem que a escola é muito boa só quando tem o fim de fortalecer o pedestal da exploração burguesa. A não ter a escola esta missão, acaba-se com a escola. [....] Eis aí a questão que o ponto está. Os trabalhadores tudo têm de fazer por seu impulso próprio. Nada têm de esperar dos governos, os quais nada farão que concorra para sua queda e para a libertação do operariado.323

Assim, os redatores em A Plebe reconheciam que havia projetos paralelos ligados à educação em curso, mas que fundados a partir de interesses opostos aos trabalhadores nunca poderiam alcançar seus objetivos, pois apenas reproduziriam uma educação para garantir a posição das classes. As escolas clericais, responsáveis por criarem uma espécie de dominação a partir de mitos e crenças particulares estando nas mãos de indivíduos detentores desse poder, tampouco as escolas republicanas ou nacionais envolvidas, para eles, com a ascensão dos grandes proprietários da produção e dos políticos parlamentares, poderiam resolver o problema do analfabetismo no país. Portanto, somente a escola fruto da própria iniciativa do proletariado e de sua organização constituiria uma considerável mudança. Para os redatores e militantes de A Plebe, era necessária a criação de entidades educativas ligadas às lutas contra a ordem social estabelecida, uma clara referência e influência de ativistas e teóricos como Piotr Lucien Van der; SCHMIDT, Michael. Op.cit., p. 5-26 e LEAL, Claudia. Op.cit., 1999. p.45-53. 322 Sobre os projetos educativos dos anarquistas ver PERES, Fernando Antônio. Revisitando a trajetória de João Penteado: o discreto transgressor de limites. São Paulo: 1890-1940. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. 323 “A Escola Moderna ou racional.” A Plebe, 28 de fevereiro de 1920. p.4.

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Kropotkin que, sobre o assunto, havia pensado:

Em nossa escola atual, formada para criar a aristocracia do saber, e dirigida até o presente por essa aristocracia dirigida clérigos, o desperdício do tempo é colossal, é absurdo. [...] Em toda a parte a história na escola é tempo absolutamente perdido para aprender nomes, leis incompreensíveis para as crianças, guerras, mentiras... convencionais... e em cada área o desperdício de tempo alcança proporções vergonhosas. E último termo haverá de se recorrer ao ensino integral; ao ensino que por por exercício da mão sobre a madeira, a pedra e os metais fala ao cérebro e o ajuda a desenvolver-se. Chegará a ensinarse a todos o fundamento de todos os ofícios, o mesmo que todas as máquinas, trabalhando (segundo certos sistemas já elaborados) sobre o banco e o torno, modelando a matéria bruta, fazendo por si mesmo as partes fundamentais de todas as coisas e máquinas, o mesmo que as máquinas simples e as transmissões de força a que se reduzem todas as máquinas. Dever-se-á chegar à integração do trabalho manual com o trabalho cerebral [...], e então se verá a imensa economia de tempo e de pensamento que se realizará com os jovens. [...] O campo de cultivo no ensino é tão extenso que se necessita o concurso de todas as energias livres das brumas do passado e inclinadas ao porvir; todos encontrarão nele uma imensa tarefa a realizar.324

Os dizeres de Kropotkin refletem o que pensavam muitos dos anarquistas sobre o ensino. Este deveria estar preocupado com o desenvolvimento das capacidades humanas ligadas à prática, vinculando o trabalho manual e intelectual de forma complementares. Essa mesma educação desenvolveria um tipo de consciência social, que estaria preocupada com o melhoramento da vida coletiva, fatores que desencadeariam condições tanto para que os trabalhadores pudessem realizar a vislumbrada revolução quanto para manter o novo sistema proposto. Além das influências ideológicas, como demonstrado, os redatores tentavam evidenciar o exemplo das escolas inspiradas no pedagogo racionalista Francisco Ferrer como a Escuela Moderna de Barcelona que funcionou entre 1901 e 1906325 ligada à CGT na Espanha que tinha entre seus projetos instituir não só um espaço com moldes racionalistas para o ensino infantil mas também garantir o próprio desenvolvimento dos trabalhadores mais velhos, criando um comitê composto de constantes reuniões para o aprendizado geral e igualitário. Dessa forma, destacavam que o projeto educacional 324 KROPOTKIN, Piotr. “Uma carta de Kropotkin”. In: KROPOTKIN, Piotr; RÉCLUS, Élisée. Escritos sobre educação e geografia. São Paulo: Biblioteca Terra Livre, 2014. p.77-78. 325 Francesc Ferrer i Guàrdia, nascido em 1859 em Allela na Espanha, foi uma das principais referências para os projetos educativos dos anarquistas. Embora não seja declaradamente anarquista e com influências racionalistas diversas, suas propostas incluíam o antipatriotismo, antimilitarismo e o antiestatismo, fatores que agregavam os libertários para a defesa de suas concepções. Depois da acusação de envolvimento com os eventos reivindicativos de 1909 em Barcelona, Ferrer foi executado, causando uma intensa onda de mobilizações nas redes anarquistas no mundo, incentivando suas propostas. Ver SILVA, Rodrigo Rosa da. Anarquismo, Ciência e Educação: Francisco Ferrer y Guardia e a rede de militantes e cientistas em torno do ensino racionalista (1890-1920). Tese (doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, 2013. p.105-145.

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deveria ser estendido mundialmente e estava intimamente ligado à melhoria de vida dos grupos desfavorecidos. Os detalhes sobre a escola também eram fornecidos pelo periódico:

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O estabelecimento das escolas modernas estava sendo consolidado no início da segunda década do século XX. Em 1912 contava com um espaço físico em um bairro operário na capital de São Paulo. A escola, como é possível observar, tinha como diretor um dos próprios redatores dos jornais A Plebe e Guerra Sociale, Florentino de Carvalho, também envolvido com o ativismo sindical, mais um indício do caráter da 326 A Plebe, 9 de julho de 1917. p.4.

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instrução integral, a aliança entre educação e o ativismo material e político. Outro importante educador e militante anarquista envolvido com o jornal era João Penteado, nascido em Jaú, interior de São Paulo em 1877. As atividades do personagem, que desde a infância ajudava seu pai nos trabalhos como carteiro, possibilitaram seu contato e envolvimento com a disseminação do fenômeno do letramento no país e com a circulação de ideias. Mais tarde, Penteado trabalhou como educador em escolas de sua região e no estado de Minas Gerais e como tipógrafo, primeiramente ligado aos grupos das religiões espíritas. O radicalismo racionalista de alguns desses, como os escritos de Allan Kardec, garantiram aproximações entre os núcleos anticlericais, nos quais, possivelmente, obtinha contato com jornais envolvendo os anarquistas, caso de A Lanterna. João Penteado, assim, através do contato com as ideias de transformação libertarias, incluindo sua aproximação com temas que já lhe eram comuns, passou para as fileiras anarquistas trabalhando com ativistas de relevo como Gigi Damiani, Edgard Leuenroth e Florentino de Carvalho. Em 1912, o militante estava envolvido com as ações educativas na cidade de São Paulo, onde se mudava e estreitava sua relação com os bairros operários.327 À medida que aumentava suas ações a favor das lutas imediatas e revolucionárias acompanhadas das transformações sociais e políticas, João Penteado deixava sua marca a partir de suas influências educativas no movimento no qual aderia, incluindo a formulação do jornal A Plebe. Para além do essencial apoio aos centros educativos e à Escola Moderna, as iniciativas educativas do jornal estavam atreladas à sua própria construção. Constantemente, poemas com os temas da vida cotidiana dos trabalhadores ou mesmo pregando o ideal anarquista era um recurso comum, proveniente, é evidente, da tradição de outros jornais libertários da década anterior, mas que levavam a cabo neste momento. Outro recurso se refere às imagens e desenhos usados pelo grupo de militantes. Estas eram trazidas para representar os temas tratados, facilitando a elucidação ou fixação das propostas:

327 Para adentrar a biografia de João Penteado e suas influências racionalistas ver PERES, Fernando. Op.cit.

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De modo frequente, as imagens eram repetidas acompanhando a necessidade de abordar questões recorrentes aos leitores. No caso, o retrato fazia alusão ao militarismo e o alargamento dos conflitos mundiais, processo que, para os redatores, causava danos materiais e morais às famílias da classe trabalhadora no país. Os redatores também propunham diversas leituras que evidenciavam suas referências políticas mais comuns como Élisée Reclus, Errico Malatesta, Pierre JosephProudhon e Piotr Kropotkin mas também de obras socialistas em geral, entre eles Francis Delaisi e Von J. Novicow. Ocasionalmente, uma tabela, nomeada “Obras que os operários devem lêr” ou “Nossa Biblioteca”, sistematizava a lista de obras que os militantes julgavam importantes:

328 A Plebe, 19 de julho de 1919. p.4.

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Os temas e títulos mais assíduos gravitavam em torno da legitimação histórica e ideológica do anarquismo, através dos textos de Piotr Kropotkin, Élisée Reclus, Proudhon e Errico Malatesta bem como do surgimento e da prática dos movimentos socialistas, incluindo as propostas da social-democracia, através dos textos de Jean Jaurès e Gustavo Landener. O anticlericalismo, acompanhando os textos racionalistas, também tinham bastante espaço na rede de leituras propostas, como podemos observar através dos títulos Ensaio de crítica Racionalista, Almanaque de O Livre Pensador, A Educação religiosa e A Inquisição. Uma grande preocupação, assim, era a proposta de escritos que tinham proximidade com as ideias cientificistas ou educativas, importantes para os libertários, no combate contra a dominação religiosa ou mística, como nas referências de Charles Darwin em A Origem das Espécies. Como é possível notar, a literatura também era incentivada, ressaltando autores, em forma de poema ou prosa, que versavam sobre o cotidiano das classes mais baixas ou que incentivavam as reivindicações, como Leon Tolstoi. Interessante é perceber 329 “Obras que os operários devem lêr”. A Plebe, 21 de outubro de 1917. p.4.

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algumas indicações de escritores conhecidos pelas lutas de libertação nacional, como no caso de José Rizal330, autor influente nas lutas de independência nas Filipinas contra o domínio espanhol. Evidentemente, muitas dessas obras, eram também instrumentalizadas por outras classes, inclusive para legitimar posições de segregação social, no caso dos textos de Charles Darwin, por exemplo, foram frequentemente usados para a disseminação do racismo em diversos âmbitos sociais, inclusive em alguns círculos científicos e políticos.331 Do mesmo modo, os textos anti-coloniais foram utilizados posteriormente para a legitimação de ideários nacionalistas, como no próprio caso das Filipinas após seu processo de independência.332 Porém, devemos nos ater ao fato que, naquele momento, tais referências pareciam importantes para os projetos educativos que, longe de serem isolados, para os militantes, apenas fariam parte de uma esfera de aprendizado, que seria complementado com a própria prática no trabalho e no movimento de contestação à ordem estabelecida. Assim, devemos reconhecer que as escolhas e a ordem da leitura, mesmo para nós sendo algumas exógenas dos preceitos libertários que os personagens analisados pregavam, não eram nadas ingênuas ou equivocadas, mas abarcavam textos que, ao serem instrumentalizados e complementados por outras ações e leituras, incentivavam a mobilização dos seus leitores, tanto para desconstruir preceitos que os militantes anarquistas julgavam equivocados ou para a própria prática de ação direta. Os textos racionalistas, por exemplo, não estavam propostos no mesmo intuito que outras classes mais abastadas davam, mas na desconstrução da influência religiosa ou mística nas decisões políticas e sindicais. Do mesmo modo, os textos nacionalistas serviam, possivelmente, para atrair e divulgar suas campanhas anti-imperialistas, muito importantes para a reformulação das táticas e estratégias anarquistas, como estamos acompanhando. Tudo isso estava em conformidade com as práticas e teorias socialistas e operárias que incluía o anarquismo um dos seus proponentes. As ações educativas e didáticas foram reiteradas no período de 1919, após a 330 Para adentrar as concepções de José Rizal e sua influência ver ANDERSON, Benedict. Op.cit., p.5665;p.147-149. 331 O historiador Sidney Chaloub atesta que desde o século XIX no Brasil, várias iniciativas políticas com aparatos médicos acreditavam que a vinda de Europeus e hábitos considerados mais civilizados num prisma eurocêntrico traria certa civilidade à nação. Esses também precisaram sofrer um tipo de higienização através do fechamento de cortiços, na abertura de vias públicas e na separação, nos bairros das cidades, de determinados grupos sociais. Tais discursos e práticas também estavam engendrados em interesses econômicos dos novos detentores dos meios de produção que visavam uma modernização mas sem mudanças na estrutura econômica e social. Ver CHALHOUB, Sidney. Op.cit. 332 Ver ANDERSON, Benedict. Op.cit.

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constante repressão que fechou o jornal no ano anterior, pela sua participação incisiva nas manifestações de 1917.333 Além das campanhas contra a perseguição e prisão dos ativistas envolvidos, como foi o caso de Edgard Leuenroth, outras medidas tentavam mostrar que os militantes conheciam a vida cotidiana dos bairros operários e, para além das greves propriamente ditas, propunham ações diversas no intuito tanto de melhorar a vida dos personagens que compunham essas regiões quanto para garantir suas tiragens e inserção nos ambientes populares, incluindo as palestras já mencionadas, mas também apresentações teatrais e festas:

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Essa mesma solidariedade também tinha seu caráter internacionalista já que os anarquistas neste jornal traziam notícias de manifestações ou eventos de origem operária para seus leitores. Uma das principais campanhas foi o apoio à Revolução Russa: Na Rússia triunfou o princípio, a ideia, demonstrando ao mundo o que se pode fazer quando há uma vontade ao serviço da justiça. Não se apagou na Rússia o fogo sagrado, símbolo de reivindicações. Estrela fulgurante, raio vivíssimo de luz, porque os lutadores o alimentaram com a sua liberdade e com a sua vida, oferecendo o belo exemplo de serem mártires espontâneos. Um povo em revolta é um povo forte que nada e ninguém pode abater, sim as suas aspirações se baseiam nos princípios da equidade social.335 333 Sobre os atos de repressão ao grupo em torno de A Plebe ver LOPREATO, Christina. Op.cit., 164218. 334 A Plebe, 20 de março de 1919. p.4. 335 Leurnroth. “A alvorada da esperança”. A Plebe, 28 de julho de 1917. p.1.

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Conforme notado, o exemplo da Rússia, que depois se alastraria por várias regiões do leste europeu, parecia exemplar para mostrar que as ações dos trabalhadores podiam ter resultados efetivos. É interessante notar que tais anarquistas apoiavam um evento que se desenvolveu com claras referências ideológicas marxistas, refletindo as propostas centralistas que também estavam nas discussões socialistas desde o final do século XIX. Esses projetos, como o uso do Estado, que seria tomado e usado pela classe trabalhadora para estabelecer a suposta igualdade social, sempre foram criticadas desde as formulações iniciais do anarquismo enquanto movimento e o mesmo aconteceu com o marxismo, criticando os libertários na contramão e barrando suas participações nas conhecidas Internacionais. Na prática, em diversas partes do mundo, anarquistas, socialistas e sindicalistas estabeleceram contatos necessários para a construção do movimento operário ou mesmo para criarem movimentos reivindicativos mais instantâneos. Em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, várias iniciativas, como a construção da Confederação Operária ou mesmo na prática do sindicalismo, aglutinavam essas vertentes.336 Do mesmo modo, mesmo pautando sempre suas críticas às estratégias do grupo Avanti!, órgão paulista homônimo do PSI, diversos grupos anarquistas sempre mostravam a necessidade de possíveis alianças práticas a fim de obterem conquistas imediatas.337 Para Lucien van der Walt e Michael Schmidt, no estabelecimento dos sovietes (os conselhos operários), desde o início do século XX na Rússia, criados com o intuito de combaterem as desigualdades dos trabalhadores por região, assim como organizarem greves e negociações, foram também compostos por anarquistas que viam o potencial de auto-organização nestes órgãos. De acordo com os autores, houve libertários que desconfiaram quando perceberam a ascensão das alas marxistas, no processo de revolução, mas outros viram a oportunidade de radicalizarem as associações operárias e, exercitando sua experiência nos conselhos, tinham a esperança de desencadear uma insurreição de caráter libertário. Os anarquistas viram o processo bem parecido com a “esquerda da antiga Internacional dos Trabalhadores”338, enxergando a aliança como necessária, fato que pode ser atestado também em outras regiões do globo, nos quais os anarquistas usavam nomenclaturas com referências ao “comunismo”, mas tinham o intuito bem diferente dos socialistas que almejavam criar a ditadura supostamente 336 TOLEDO, Edilene. Op.cit., 2013. 337 BIONDI, Luigi. Op. cit., 2004. 338 WALT, Lucien Van der; SCHMIDT, Michael. Op.cit., 101. Tradução nossa.

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transitória do proletariado.339 No caso do periódico A Plebe, percebemos que o grupo em torno de sua construção e divulgação viu o processo revolucionário como uma possível saída, no momento, contra a hegemonia capitalista industrial e a formação do Estado nacional, diga- se de passagem, os principais oponentes dos militantes anarquistas, antes de qualquer grupo provindo das alas de esquerda. Esse apoio, que foi bastante pregado pelo menos até 1920, não era um desvio ideológico. Entre as colunas, algumas calorosas, que tentavam convencer os trabalhadores a repetirem o exemplo da revolução em questão, também eram realizadas críticas aos métodos realizados pelas fileiras marxistas:

É evidente que o período revolucionário reconstrutivo será longo e espinhoso, cheio de perigos. Daí a necessidade da ditadura proletária: do terror vermelho, segundo os burgueses. Mas se o terror vermelho será uma triste necessidade salutar, a ditadura proletária pode vir a ser uma triste necessidade prejudicial, tanto mais que ela poderá ser exercida por um restrito povo de indivíduos, pelo governo do povo. Portanto, será bom que a concentração, possível e útil, não chegue a eliminação dos partidos. O anarquismo, no movimento socialista e mesmo no seio da sociedade atual, representou uma força propulsora, mesmo na sua parte negativa. O anarquismo é dinamismo social. Foi-o ontem e sê-lo á amanhã, mesmo vigorando a república dos sovietes. Isto não nos impede que hoje nos irmanemos, anarquistas e sindicalistas, para fazer a revolução e socializar a propriedade.340

Nas palavras do redator, o apoio dado ao processo revolucionário soviético era essencial, no momento, para uma conquista da classe trabalhadora efetiva, “a socialização da propriedade”, também meta dos anarquistas. Contudo, mesmo visto com entusiasmo, o novo sistema estabelecido seria infeliz ao instalar a chamada ditadura do proletariado e consequentemente acabar com os demais partidos, ou melhor, outras correntes políticas e estratégias presentes entre os trabalhadores e o movimento operário. A mesma estagnação poderia cessar o dinamismo social, referência indireta à ação direta e o federalismo, essenciais, na visão do personagem, para a manutenção progressiva da igualdade. A união proposta pelo militante, assim, não era se transformar ou abraçar completamente a corrente política que se sobressaiu na Revolução Soviética, - o bolchevismo-, mas incentivava o ataque contra o sistema vigente e, desde que participantes do processo revolucionário, impediriam também uma possível ditadura ou a estratificação de poderes a partir do processo de burocratização. É certo que esse apoio seria revisto quando vazaram as notícias das atitudes repressivas, que assolavam também ativistas anarquistas, antes mesmo do 339 Ver Idem. p.100-105. 340 DAMIANI, Gigi. “Pela concentração dos partidos operários.” A Plebe, 29 de março de 1919. p.4.

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estabelecimento da União Soviética. Na sua visita à Rússia, entre 1919 e 1921, Emma Goldman, uma das principais anarquistas no período, realizou críticas contundentes aos caminhos tomados pelos revolucionários, que transformaria seus projetos em uma prática que “acorrentou a Revolução, bloqueando a participação do povo, centralizando o poder na máquina do partido, instaurando a repressão.”341 No Brasil, A Plebe assumia sua posição definitiva em 1922, veiculando um manifesto que reiterava sua simpatia ao movimento de caráter operário mas, dessa vez, expondo com clareza sua cisão entre as alianças de anarquistas e maximalistas342, pois estes últimos tinha adotado uma “engrenagem administrativa e política centralista, impondo autoritariamente as suas ordens à coletividade pela força o desenvolvimento das tendências federalistas libertárias.”343 A partir desse e de outros problemas à vista, a visão dos anarquistas sobre o comunismo se ramificaram consideravelmente. Outros, de fato, também mudaram suas perspectivas revolucionárias aderindo completamente marxismo, como evidenciaremos adiante.344 Por enquanto, é necessário salientar que o apoio contido no periódico analisado, especificamente no ano de 1917, ao processo instaurado na Rússia e posteriormente em outras regiões do continente Europeu, para boa parte dos redatores, representava uma estratégia essencial para a luta e os ganhos locais. Os libertários estavam atentos aos debates mundiais socialistas e usavam as práticas de caráter operário para mobilizarem seus leitores:

A greve está arrefecida mas não extinta. A alma coletiva está de atalaia. Dentre em breve o seu grito soará bem alto. Os direitos do povo hão de prevalecer. A greve é tão necessária no mundo social como os vulcões no mundo físico. [...] Reintegrar o homem nos seus direitos afrontados pela tirania, proclamar a igualdade moral, política e econômica de todas as criaturas racionais, expungir da face da terra todos os privilégios odiosos, é o que cumpre fazer. 345

Ao usar o nome da coluna como “A Revolução Avança”, é possível perceber que os redatores tinham o intuito de instrumentalizar os ideários revolucionários que 341 GOLDMANN, Emma. “Dos anos em Rússia – Diez artículos publicados en The Workd”. In: LOBO, Elizabeth. “Emma Goldman – Revolução e Desencanto: do Público ao Privado.” Revista Brasileira de História, São Paulo, v.9, n.18, p.29-41, 1989. p.34. 342 Nomenclatura associada aos aderentes das estratégias bolcheviques. 343 “Os anarquistas no momento presente.” A Plebe, 18 de março de 1922. 344 Adentramos as estratégias anarquistas a partir de 1919 e sua relação com a emergência do comunismo no terceiro capítulo da dissertação. Para estudar o rompimento das ligações entre anarquistas e comunistas ver SAMIS, Alexandre. “Presenças indômitas: José Oiticica e Domingo Passos.” In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (orgs). Op.cit., p.89-112. 345 “A Revolução Avança.” A Plebe, 1 de setembro de 1917, p.2.

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estavam em voga em várias partes do globo, no período, como no exemplo da Rússia, que tentava “reintegrar o homem nos seus direitos afrontados” para apoiar as medidas locais, no caso as greves impulsionadas pelo periódico. Os militantes em A Plebe criaram ou reforçavam um internacionalismo operário, mesmo imaginário, para alavancar os movimentos surgidos neste contexto. Tais personagens também utilizavam a experiência essencial do movimento operário de outros estados brasileiros, num movimento duplo, de um lado, incentivando-os, a partir dos exemplos das manifestações desencadeadas na capital paulista, e por outro, destacando seus respectivos ganhos para incentivar igualmente a população local:

O memorável movimento geral do operariado de S. Paulo, que produziu um benefício despertar da massa obreira desse Estado, serviu também de estímulo para os trabalhadores de outras partes do Brasil. No sul, as sociedades operárias começam a agitar-se. A Federação Operária de Porto Alegre promoveu uma assembleia geral de todas as agremiações daquela capital, tendo ficado constituída a Liga de Defesa Popular, que está promovendo comícios. O Syndicato dos Pedreiros, Carpinteiros e Classes Annexas poz-se logo em atividade, parando diversas obras, por terem os pedreiros abandonado o serviço.346

Na mesma coluna, intitulada “Movimento Obreiro”, o jornal destacava a criação de movimentos em regiões nordestinas, nos estados da Paraíba e Pernambuco, e também no interior paulista, como Sabaúna e Piracicaba. As notícias eram estendidas na tentativa de evidenciar as especificidades de alguns movimentos sindicais como as ações da União dos Pedreiros e Serventes em Actividade, a constituição da União Geral dos Ferroviários e as paralisações dos canteiros. Todas essas notícias e incentivos também eram colocadas como exemplo para futuros movimentos, que deveriam ser transformados e usados para fins revolucionários:

Camaradas! Estreitemos nossos lações de solidariedade, corramos aos syndicatos, cultivemos a nossa mente, a fim de que, com a breviedade possível, tenhamos a potência suficiente para arrancar os nossos exploradores e verdugos os nossos direitos, tudo quando nos pertence.347

Os esforços constantes de mediações e ligações, desde teorias, ideários e projetos revolucionários internacionalistas, mas também de entidades e movimentos de níveis translocais, que estavam intimamente relacionadas com as ações de propulsão do movimento operário paulista (organizados pelo Comitê de Defesa Proletário e a 346 “Movimento Obreiro: Imponente despertar do operariado da Paz.” A Plebe, 4 de agosto de 1917. p.3. 347Idem.

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Federação Operária de São Paulo), possivelmente foram umas das principais razões de A Plebe se transformar em um periódico essencial e central no movimento operário nesse período. Para este feito, os envolvidos com a sua construção tentavam anexá-lo a necessidade dos trabalhadores em geral, portanto, se abrindo aos interesses desses, mas tentavam intercalar com suas propostas específicas de transformação social, derivadas do anarquismo, embora outras referências fossem também usadas para argumentar em favor das concepções políticas libertárias. Pela necessidade dos ganhos efetivos e pela centralidade que tomaram em alguns debates, os redatores e militantes deixariam de lado seu segundo intuito de levar a cabo órgãos de orientação especificamente anarquista. Mas, no intuito de conservar alguns aspectos ideológicos, o internacionalismo e suas redes de sociabilidade foram essenciais para um tipo sobrevivência mínima interna até o próximo debate organizacional que viria à frente, já em 1919, quando alguns anarquistas lançavam o Partido ComunistaAnarquista.348 O mesmo internacionalismo também favorecia sua prática atuante e incisiva na cidade como suas principais armas para imbricar o movimento anarquista aos movimentos operários ou de respaldo popular na região. Para isso, além das estratégias e táticas que eram formuladas ou praticadas entre os interesses que os jornais foram desenvolvendo, essas eram reverberadas em práticas que permeavam os ativistas para o desenvolvimento dos eventos grevistas frente à realidade. Através de rastros e indícios deixados nestes e confrontados com outros documentos ou com outros estudos, adentremos adiante, com mais cuidado, como os militantes nos periódicos Guerra Sociale e A Plebe e de seus grupos associados anexavam suas diversas estratégias à prática e como mediavam e se relacionavam, além da própria organização dos seus órgãos comunicacionais, com o impulso dos eventos reivindicativos de 1917 em diante.

348 Grupo político que ainda tinha efeitos do apoio à Revolução Russa mas que também pode ser visto como um novo tipo de proposta organizacional da trajetória libertária na cidade como a Alliança Anarquista. Para Cleber Rudy é necessário “lembrar que dentro das perspectivas anarquistas, comunismo (ou socialismo) e anarquismo eram denominações agrupáveis, desde que aparadas na defesa da liberdade e eximidas de atributos autoritários.” Ver RUDY, Cleber. “Utopias anarquistas no frenesi da Revolução Russa: experiências e anseios do movimento libertário brasileiro.” O Olho da História, Salvador, n.11, 2008. p.9.

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CAPÍTULO 3 “GUERRA AOS SENHORES”: NOS BASTIDORES DA MILITÂNCIA ANARQUISTA FRENTE AOS MOVIMENTOS GREVISTAS E REVOLUCIONÁRIOS EM SÃO PAULO (1917-1922) “Rajas do grande ciclone”: as articulações políticas e sindicais na greve geral de 1917 É possível que os exploradores consigam por algum tempo mais desviar o bom povo da acertada rota, distraí-los das suas fecundas e nobres aspirações. Isto, porém, se se der, será por breves momentos. As primeiras rajas do grande ciclone, que há de deitar por terra as velhas e carcomidas instituições, apresentam-se com caracteres inconfundíveis. Hoje aqui, amanhã acolá, depois mais além, por todos com manifestações intermitentes, mas sucessivas [...].349

Esse tom de esperança, e ao mesmo tempo de certeza marcava, ocasionalmente, as publicações de A Plebe, acompanhando as manifestações de 1917 na cidade de São Paulo. Talvez essa tenha sido uma das maneiras para animar ou tentar convencer os leitores, a maioria deles trabalhadores e também os marginalizados dos bairros operários da cidade, a considerar as lutas pela melhoria parcial de vida, atividade que, para tais personagens em torno do jornal, representaria também uma possível oportunidade para a criação de um novo sistema, numa clara referência ideológica que os precedia, mas que levavam a cabo naquele momento. A coluna também tentava dar destaque à inserção do anarquismo no país, talvez tentando passar despercebido, na realidade, que tal movimento nunca foi majoritário, pelo menos em expressão numérica. Mas, embora fossem exceções, suas táticas e estratégias apresentaram contrapontos ameaçadores às iniciativas e influências citadas. Assim, mesmo que marcados por discursos de inevitabilidade revolucionária, em um olhar mais atento, os militantes libertários em suas trajetórias, até aquele momento, nunca deixaram de se envolver nas situações cotidianas dos pares que os circulavam bem como na construção organismos, reclamando melhores condições de suas realidades.350 Ao se debruçar sobre a greve geral de 1917, a autora Christina Lopreato revela que um possível indício de sua relevância pode provir exatamente da memória construída anos depois de sua realização. O evento aparece marcado nas falas de militantes, em poemas e cantigas de origem operária, décadas depois.351 Para a autora, a greve ainda 349 SANCHEZ, Galileu. “Prenúncios de liberdade.” A Plebe, 9 de junho de 1917. p.3. 350 CAMPOS, Cristina Hebring. O Sonhar Libertário: movimento operário nos anos de 1917 a 1921. Campinas-Sâo Paulo: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1988. 351 Para Lopreato “A greve geral de julho de 1917 já foi cantada em prosa e verso. No poema os grevis tas Os Grevistas, Sylvio Figueiredo ressaltou a luta operária pelo direito à vida. Em tom ficcional, as ma -

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reverberou anos depois nos discursos de jornais operários e também das classes médias, seja para evocar a vitória de determinadas conquistas ou para noticiar ou alertar sobre alguns eventos catastróficos que ocorreram no desenvolvimento do evento. De fato, o ano de 1917 foi marcado por um intenso fôlego grevista que tomou conta da cidade de São Paulo. As paralisações de duas fábricas têxteis do Cotonifício Rodolfo Crespi, buscando melhores condições de trabalho e salário, somado ao caráter repressivo das autoridades aos movimentos reivindicatórios urbanos que dariam fim à vida do militante anarquista e sapateiro José Martinez, representavam o início de uma onda reivindicativa de grande proporção. Na semana de nove a dezesseis de julho, tais paralisações acompanhadas de intensas manifestações revelavam uma intensidade inédita, se alastrando posteriormente para cidades do interior paulista e outras regiões como o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul.352 O episódio demonstrou a força prática dos sindicatos que se multiplicavam de maneira considerável nas últimas duas décadas anteriores - com certos momentos de refluxo e outros de ápice - que apresentaram uma forte presença militante, resultando em formas de atuação que propiciavam o crescimento combativo entre os trabalhadores na cidade. Tais organizações tentavam ser articuladas sobre a COB, que também na segunda década do século XX reforçou o anseio para a coordenação do movimento operário em nível nacional sob a forma de correspondência política com as federações locais.353 Esse caráter de combate marcava as falas dos personagens assíduos no interior desse movimento, experiência que foi condensada na criação do jornal A Plebe, escrito durante as reivindicações de julho de 1917:

O clarim da liberdade ressoa por toda a parte chamando a postos os defensores da causa libertaria, da causa do povo. Do norte ao sul do Brasil, o movimento operário está em plena atividade, cresce o número de sindicatos e associações de classe, bem como o número de aderentes. São frutos das últimas agitações. [...] Proletários! Uni-vos, agrupai-vos todos sob a mesma bandeira, certos de que a união vos dará a força e a vitória com a qual podereis quebrar para sempre a grilheta da miséria que nos escraviza354

O periódico afirmou que a referida greve seria o resultado de eventos locais e conjunturais, como o crescimento das organizações sindicais a partir do início século XX - ações que tentavam se articular nacionalmente - e o aumento dos grupos nifestações grevistas ficaram registradas nos romances A Greve de Eduardo Maffei e Sonata da Última Cidade, de Renato Modernell. LOPREATO, Christina. Op.cit.,. p.16. 352 Idem. p.20-38. 353 TOLEDO, Edilene. Op.cit., 2007. p.63-64. 354 SOUZA, Vieira de. “O proletariado”. A Plebe, 11 de agosto de 1917. p.2.

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militantes, bem como a adesão de boa leva dos trabalhadores aos movimentos e associações que foram criadas. Interessante perceber também que o apelo visava à união “sob a mesma bandeira” ressaltando, mais uma vez, medidas emergenciais e a união de militantes de diversas orientações para a construção de um movimento operário consistente. De acordo com os próprios libertários, os objetivos que visavam anexar o movimento operário a partir de várias regiões e pontos brasileiros estavam na perspectiva de militantes sindicalistas mais pragmáticos, socialistas e anarquistas desde o início do século XX, aumentando potencialmente na conflagração dos conflitos nacionais. Não obstante, como demonstraremos, foram esses últimos, pela sua forma de inserção no movimento operário, através da reformulação de estratégias e de suas mediações, que possibilitaram levar a referida greve a uma efetividade sem precedentes.355 É evidente que sem as respectivas alianças militantes bem como o contexto favorável não seria possível a radicalização das manifestações e paralisações em uma greve geral. O debate, portanto, não cabe indagar qual era a posição maioral entre os trabalhadores no período apontado, mas como estas, que nunca foram majoritárias comparadas aos discursos e influências de tradições e ideários dominantes, conseguiram se articular e, por vezes, garantirem direitos. No caso dos anarquistas, a tentativa de intercâmbio, fora das existentes redes militantes de outros países (sul-americanos e europeus), mas refletindo também, dessa vez, numa tentativa de união nacional, era resposta de suas adaptações e revisões de estratégias desde a segunda década do século XX, conforme analisado no capítulo anterior. Mas é necessário sublinhar que tal decisão era uma resposta aos conflitos nacionais e ao medo que os militantes tinham da entrada no país na guerra, ao mesmo tempo em que tentavam se blindar contra a repressão que aumentava com o passar dos anos. A historiada Christina Lopreato, também ensaiando sobre essa hipótese, afirma que

Na avaliação dos anarquistas, a indecisão política quanto à participação do Brasil no conflito europeu requeria dos trabalhadores uma ação urgente e efetiva entre em defesa dos seus interesses. Com a entrada dos norteamericanos na guerra, no mês de abril de 1917, e o consequentemente alargamento da conflagração europeia, os libertários prenunciaram que os brasileiros não tardariam a “engolfar-se no conflito”.356 355 Ver SANTOS, Kauan Willian. “Derrubando fronteiras: a construção do jornal A Plebe e o internacionalismo operário em São Paulo (1917-1920).” História e Cultura, v. 4, p. 122-139, 2015. 356 LOPREATO, Christina. Op.cit., p.91.

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O medo e a insegurança que os militantes anarquistas sentiam provinham das medidas e discursos dos grupos mais abastados no país. Em 1916, por exemplo, foi constituído, no Rio de Janeiro, a Liga da Defesa Nacional liderada e composta por intelectuais e políticos como Olavo Bilac e Venceslau Braz, exaltando o nacionalismo brasileiro e a participação de voluntários para o Exército e a Marinha. Essas posturas, para o historiador John Dulles, faziam parte também das medidas institucionais provenientes do aparelho estatal e governamental (o nacionalismo oficial357 ):

O Presidente Venceslau Brás e o ministro da guerra, Caetano de Faria, presidiram uma série de cerimônias de incorporação e juramento à bandeira, de centenas de jovens reservistas do Exército, inclusive vindos de navio do estado do Espírito Santo. Umas dessas cerimônias de juramento, em que se fez presente grande número de dignitários, entre os quais o Embaixador dos Estados Unidos, foi descrita como “tendo despertado o entusiasmo patriótico de uma grande parte de nossa população.”358

Era nesse contexto que os grupos militantes dos jornais Guerra Sociale e A Plebe faziam frente contrária às campanhas militaristas, propondo, em resposta, a organização dos trabalhadores que pressionaria o sistema econômico e político vigente, esse último sendo o motivador, para os militantes, das atuais causas. Percebendo o começo das agitações no ano de 1917, tais agentes indagavam e advertiam: Como é interessante tudo isso. Os governos contraem as dívidas? O povo que as pague! Os governantes declaram guerras? O povo que morra! E quando for preciso, que se forneçam também ao governo soldados e policiais para que espingardeiem o povo no dia em que achar que tudo isso vai mal. [...] E entre os conselhos que damos ao povo, o primeiro é este: não se deixe arrastar por politiqueiros, que o mandarão à chacina, para que eles possam substituir no poder os atuais dominadores. [....] Reflita porém que num ou noutro caso, antes ou depois, ele deverá, por si ou por outros, vir à rua, revoltar-se e bater-se pela defesa dos seus interesses ou daqueles que lhe farão crer que são os seus. Como hoje, no dia em que tiverem lugar acontecimentos graves, nós voltamos a dizer que, em vista de a luta ser fatal, inevitavelmente, saiba o povo enfrentá-la por conta própria, a fim de conquistar para si a pátria brasileira, este rico pedaço do mundo que pode dar pão e felicidade a quantos não odeiam o trabalho. E nesse dia estaremos a seu lado. Ao lado dos politiqueiros e dos comerciantes é que nós, os anarquistas, nunca marcharemos.359

357 O autor Benedict Anderson mostra que o nacionalismo oficial embora também tenha influência de uma demanda cultural possibilitada desde as revoluções da comunicação e transporte e das migrações em massa desde fins do século XVII, esse primeiro instrumentaliza as ideias nacionalistas de forma muito agressiva e reacionária. Ver ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p.127-162. 358 DULLES, John. W. F. Anarquistas e Comunistas no Brasil (1900-1935). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. p.40. 359 “Os anarquistas ao povo.” Guerra Sociale, 27 de janeiro de 1917.

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É

revelador

perceber

como

os

próprios

anarquistas

mobilizavam

e

instrumentalizavam os imaginários nacionalistas para fazerem frente aos conflitos nacionais. Ao sublinharem “pátria brasileira”, os ativistas reconheciam que, no momento, a evocação de uma ideia de pertencimento estava crescendo, já que estava no discurso de intelectuais e até mesmo das campanhas oficiais. Ao destacarem também que os reais ganhos dependiam das lutas “por conta própria”, evocavam e incentivavam a luta unida da nação, mas fora do ambiente parlamentar e do lado dos interesses das classes consideradas exploradas. O intuito, portanto, era usar uma ideia de nação para encorpar e garantir um embate efetivo, disputando tal nomenclatura e ideário. O sucesso da nação e a felicidade dos seus habitantes, nessa visão, não deveriam ser dadas a partir de rivalidades nacionais, mas de fazer confronto, de forma unida, contra os supostos causadores dessas calamidades, os governantes, que também estavam ligados, nesse pensamento, a interesses econômicos e políticos. Na construção dos jornais analisados um tipo de anti-imperialismo gerido dentro da cultura política anarquista era rebuscado e instrumentalizado pelos militantes. Em diversas regiões, desde o século XIX, ocupadas pelos governos europeus em forma de colônias ou na própria destruição e desolação causadas pelas guerras nacionais nas décadas seguintes, os anarquistas se uniam e impulsionavam grupos a partir de junções nacionais, étnicas ou territoriais resistindo aos ocupadores e dominadores. A intenção, como apontado, era a independência da região bem como a destruição do sistema econômico implantado, visando à autogestão. Muitos libertários criticavam, no próprio interior da luta, mesmo sendo necessária na ocasião, a construção de outro nacionalismo, que poderia acarretar em novos tipos de dominação após a libertação que estava sendo requerida. Outros achavam que tal desconstrução deveria acontecer após o processo, sendo sua luta mais pragmática e menos crítica. De todo modo, como estamos analisando também no caso brasileiro, ainda não especificamente dentro de algum poder imperial ou ocupado pelas guerras nacionais, os militantes libertários utilizavam um ideário anti-imperialista, contando com todos os recursos possíveis para uma luta dos órgãos de resistência, acompanhando o movimento anarquista como uma “força gravitacional entre os nacionalismos militantes em todo o planeta.”360 No caso especial dos jornais Guerra Sociale e A Plebe, também, sua associação ao nacionalismo era bem crítica manifestando também limites da esfera parlamentar, incluindo a social-democracia ou o socialismo estatista, como na dura crítica intitulada 360 ANDERSON, Benedict. Op.cit., p.2. Tradução nossa.

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“Mentiras do Socialismo”:

Já vimos também, que as finalidades do chamado socialismo democrático estão impregnadas de todos os vícios do regime burguês, e prometem ainda agravar os males sociais. Instaurada uma única propriedade, a propriedade do Estado, os funcionários públicos os proprietários REAIS da riqueza social. Uma revolução pacífica ou violenta, inspirada por essas finalidades não seria uma revolução econômica ou social, seria apenas uma revolução política, que determinaria simplesmente uma mudança de governantes, de amos e a passagem de umas para outras mãos.361

Para alguns anarquistas, como Florentino de Carvalho, autor do artigo em questão, existiriam limites nas coligações militantes, se essas estivessem esperando a instrumentalização do Estado, mesmo em âmbito socialista. É interessante perceber que algumas medidas locais também influenciavam a construção dos próprios jornais e de seus grupos. Além dos congressos internacionais, tentando buscar caminhos sólidos dentro do movimento operário na América Latina, o Segundo Congresso Operário, realizado pela COB no Rio de Janeiro entre oito e onze de setembro de 1913, refletia e influenciava muito as decisões que estavam em andamento e que seriam tomadas ou levadas nos anos seguintes em algumas regiões brasileiras, em especial a partir de programas que vinculavam a ação direta como perspectiva para as associações sindicais. Dessa vez, o congresso contava com a representação da Federação Operária Regional Argentina, da Federação Operária Regional Uruguaia e também decidiu levar representantes para as sessões sindicais francesas no intuito de divulgar as decisões tomadas bem como denunciar a repressão do Estado para as entidades do movimento operário em outras partes do mundo. Participaram cinquenta e nove associações - políticas e econômicas - sendo divulgado e debatido principalmente pelos jornais A Lanterna, O Trabalho e o reativado A Voz do Trabalhador.362 Entre os anarquistas assíduos nos nossos jornais analisados e influentes estavam Edgard Leuenroth e Astrojildo Pereira. As decisões tomadas ainda estavam dentro do sindicalismo revolucionário. De acordo com Alexandre Samis, os debates derivados deste foram: o “antimilitarismo”, “a atitude do proletariado diante da guerra”, “a lei de deportação”, “meios de empregar a propaganda”, “meios de ação”, “educação da classe”, “anticlericalismo”, “mão-de-obra imigrante”, temas claramente engajados nas premissas libertárias; até outros como: “federação de 361 CARVALHO, Florentino de. “Mentiras do Socialismo”. Guerra Sociale. 20 de setembro de 1916. p.3. destaque do periódico. 362 SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. p. 201-203.

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associações beneficentes”, “salário mínimo”, “bolsas de trabalho”, “pagamento em dia”, “higiene e segurança nas fábricas”, “cooperativismo” e a “propaganda contra o alcoolismo”, sem uma direta vinculação à esfera revolucionária. Entrementes, o primeiro tema, que consistia nos caminhos da nova sociedade, polarizava a discussão da seguinte forma: “os da propriedade privada e os da autoridade ou os do socialismo anarquista?”363

Para o autor, dessa maneira, apesar das resoluções não apontarem para a revolução propriamente dita e muito mais para caminhos imediatos do movimento operário pelos ganhos concretos e de alianças efetivas entre outros grupos militantes, é evidente, por outro lado, como a escolha do sindicalismo revolucionário também fazia parte da influência de anarquistas tentando barrar um tipo de sindicalismo reformista, garantindo também suas propagandas antimilitaristas e internacionalistas. Outro indício da presença anarquista e de suas tentativas de articulações relevantes foi a participação da Federação Operária Local de Santos que, assim como a FORA, encaminhava, pela primeira vez com mais incisão, um projeto de vínculo explícito entre a COB e o anarquismo, o anarcossindicalismo. Mesmo não aprovada, incluindo por muitos anarquistas como Neno Vasco que debatia suas posições do sindicalismo revolucionário contra as propostas do anarcossindicalismo de João Crispim, “ela se torna sintomática ao nos revelar como o anarquismo era amplamente debatido nos meios sindicais.”364 Além das decisões e debates, os anarquistas, presentes nos ambientes operários e subalternos, perceberam com astúcia a nova movimentação econômica do país. Com o prolongamento dos conflitos nacionais, a busca de matérias-primas e dos gêneros alimentícios em diversas partes do mundo ocasionaram uma enorme inflação nos preços desses produtos. O historiador John Dulles assinalou que “em 1916, subiram os preços por atacado de diversos produtos, como o feijão e a farinha de mandioca. O trigo tornou-se escasso e caro. Embora fossem exceção os casos do arroz, do açúcar e do milho, seus preços já haviam subido verticalmente em 1915.”365 Diante disso, a prática e inserção dos militantes também ocasionaram especificidades em suas formas de atuação e táticas de luta transcendendo alguns debates e decisões dos congressos anteriores, embora as questões estratégicas, como a ação direta, permanecessem. Na capital de São Paulo, antes da grande greve, percebendo um refluxo dos ambientes sindicais após as manifestações de 1913-14, os militantes anarquistas e socialistas instituíram as associações por ligas de bairro, criando 363 Idem. p.203. 364 Núcleo de Estudos Libertários Carlo Aldegheri; Biblioteca Terra Livre. “Apresentação.” In: Anarquistas no Sindicato. Op.cit., p.12. 365 DULLES, John. Op.cit., p.39.

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a União Geral dos Trabalhadores. Dessa maneira, as associações já existentes por ofício e por federações das cidades ligadas à COB seriam substituídas ou integradas às particularidades das uniões por região de seu bairro. Esses organismos descentralizados, desde que atuantes, ajudariam a ligar as greves e manifestações de grupos e gêneros sindicais por região, coordenados pela FOSP, alastrando-os por toda a cidade, ocasionando a possibilidade de uma greve mais ampla e significativa.366 Para os militantes de orientações políticas diversas, as reivindicações não ficariam tão dependentes das decisões dos grupos sindicais, prontos para serem desmembrados em momentos de refluxo econômico ou da repressão estatal. A decisão era pontuada e estimulada pelo jornal Guerra Sociale:

Damos a seguir as bases de acordo da União Geral dos Trabalhadores que estão sendo adotadas pelas ligas Operárias de Bairro. [...] Fins imediatos: a) Combater todos aqueles que, por meio do açambarcamento, de trusts, ou de outros criminosos manejos comerciais, conseguem elevar os preços dos gêneros alimentícios assim como mover a guerra contra os seus falsificadores. b) Sustentar um constante e vivo movimento de protesto contra os impostos e as tarifas alfandegárias, assim como contra as tributações ferroviárias, que concorrem para tornar mais penosas as condições do povo; c) Lutar pelo barateamento dos alugueis das habitações, exigindo que estas ofereçam todas as condições de higiene; d) Fazer com que os operários não sejam forçados a executar serviços excessivos e brutais e que os lugares de trabalho ofereçam todas as necessárias condições de segurança, de higiene e de conforto para evitar os acidentes e as moléstias hoje tão habituais e que determinam o agravamento da penúria operária. e) Exigir da parte dos patrões, empreiteiros, encarregados, gerentes, mestres e contra-mestres a mais completa urbanidade a respeito para com os operários. f) Lutar pela igualdade dos salários das mulheres aos dos homens, e que lhes sejam garantidos os mesmos, quando, no último período da gravidez ou após o parto, forem obrigados a deixar de trabalhar g) Impedir que sejam ocupadas no trabalho as crianças menores de 14 anos ou de físico deficiente, permitindo que somente os homens sejam confiados os serviços que, pela sua índole, exijam maior robustez e resistência. [....] i) Firmar a jornada de 8 horas, com a completa abolição do trabalho extraordinário; [...] m) Tratar por todos os meios de suprimir o trabalho noturno, salvo nos vapores hospitais ou outros estabelecimentos em que este seja de absoluto necessidade pública.367

O historiador Luigi Biondi assinala que a criação da UGT era o resultado das coordenações da Liga de Bairro do Belenzinho, já incisivas desde o início de 1917 com essa forma de atuação, principalmente nas fábricas têxteis da região ligadas aos militantes sindicalistas, anarquistas e socialistas. Em maio do mesmo ano foi criada a Liga Operária da Mooca, sendo decisiva para uma mobilização ampla dos trabalhadores nestes grandes bairros operários. Para o autor, mais do que uma medida especificamente 366 Sobre a implantação das ligas de bairro ver LOPREATO, Christina. Op.cit., 95-99. 367 “Estão ressurgindo as sociedades operárias.” Guerra Sociale, 26 de maio de 1917. p.1.

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anarquista contra um pragmatismo excessivo do sindicalismo, ela foi o resultado de uma medida prática que respondia “à exigência do momento de organizar de forma mais dinâmica grupos diferentes de trabalhadores.”368 De fato, concordamos que tais decisões faziam parte de uma exigência prática e concreta, inclusive pelos militantes estarem inseridos e atentos às nuances do movimento operário e por serem aceitas e impulsionadas por grupos não anarquistas. Não obstante, como observamos na resolução e no andamento dos grupos em torno dos jornais Guerra Sociale e A Plebe, a mudança de tática favorecia igualmente os aspectos ideológicos e estratégicos do anarquismo e sua inserção no movimento operário e sindical da cidade, inclusive aquelas ainda reiteradas pelos congressos, como a adoção da ação direta. Além das medidas e resultados nomeados como “fins imediatos”, como a luta pela jornada de oito horas, as melhorias das condições de trabalhado e de moradia, a igualdade de salários entre homens e mulheres, o fim do trabalho infantil e das longas jornadas

noturnas,

os

agrupamentos

regionais

também

deveriam

aderir ao

antimilitarismo, ao anticapitalismo, à ação direta e aos horizontes da luta de classes, objetivando o fim do sistema político e econômico vigente. Para os aderentes da UGT, as ligas deveriam: […] servir-se-á unicamente, para o trabalho de propaganda e educação dos trabalhadores e sua luta contra o capitalismo, dos meios próprios de ação direta, tais como a greve parcial e geral, a boicotagem, a sabotagem, o label, a manifestação pública, etc., variáveis, segundo as circunstâncias de lugar e do momento. [...] A Liga Operária do..., sem abandonar a defesa, pela ação direta, dos rudimentares direitos políticos de que necessitam as organizações econômicas, não pertence a nenhuma doutrina estatal ou religiosa, não podendo tomar parte coletivamente em eleições, manifestações religiosas, nem podendo qualquer sócio servir-se dessa qualidade para se manifestar. [....] Sendo a luta ao capitalismo a sua ação essencial, a Liga Operária do... não permitirá em seu seio qualquer obra de beneficência, mutualismo ou cooperativismo, cujos encargos pesam sempre sobre os poucos recursos dos trabalhadores, desviandoos do seu único objetivo, que é trabalhar pela emancipação.369

Como é possível notar, as medidas mesclavam os interesses econômicos de classe em geral, mas dentro dos objetivos políticos libertários de ação direta, da emancipação humana e do emprego de boicotes e sabotagens contra os detentores dos meios de produção. Assim, ao mesmo tempo, barravam ideários reformistas, religiosos, cooperativistas ou mesmo um possível pragmatismo econômico do sindicalismo 368 BIONDI, Luigi. “A greve geral em São Paulo e a imigração italiana: novas perspectivas.” Cadernos AEL: imigração, v.15, n.27, p.259-310, 2009. p.288. 369 “Estão ressurgindo as sociedades operárias.” Guerra Sociale, 26 de maio de 1917. p.1.

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revolucionário. A medida, assim, fazia parte de um conjunto de táticas a fim de disputar os ambientes operários, que via tanto uma solução para os possíveis refluxos posteriores, mas também para a cristalização do sindicalismo, tentando infiltrar nestes os “direitos políticos de que necessitam as organizações econômicas.”370 Evidentemente, bem como nas agrupações por ofício ou regionais, os militantes necessitavam de coligações políticas diversas e de momentos favoráveis para construir eventos reivindicativos bem como negociar os interesses de classe quando necessário. A disputa ideológica continuava mesmo que, no momento, os interesses estavam designados para construir uma força operária conjunta visando interesses econômicos. Percebendo a questão, os anarquistas continuavam a propelir seu órgão político, a Alliança Anarquista, proposta anos antes para reunir grupos anarquistas na cidade e no país, visando uma ação coesa entre os libertários. A Aliança também era uma forma de tentar resguardar aspectos ideológicos frente a um possível desmembramento de projetos essencialmente políticos em relação à militância sindical ou mesmo regional. Em meio às agitações operárias, o periódico A Plebe, em 1917, reiterava o projeto proposto pelo grupo em torno do jornal Guerra Sociale:

[...] Há fatos que nos autorizam a acreditar que uma modificação no bom sentido se vai operando. Fundaram-se alguns grupos em várias cidades, havendo outros em formação. Já não é raro aparecer, em ocasiões oportunas, boletins e manifestos bem orientados. Começa-se, enfim, a agir um pouco por toda a parte sem aguardar o sinal de pontífices. E o que mais constitui motivo de animação é o apoio que vai recebendo, embora lentamente, como é natural, devido às causas acimas expostas, a Alliança Anarchista, constituída, não há muito tempo, em São Paulo, com o fim de servir de traço de união entre as diversas agrupações e os camaradas diversos por aí além. 371

A coluna continuava fazendo propaganda da Aliança, ao mesmo tempo em que tentava convencer os leitores a continuarem fundando e seguindo as organizações operárias, sendo uma campanha favorável tanto aos anarquistas quanto à classe operária e subalterna. Na tentativa de inserção dualista, a Alliança Anarquista tentava reunir grupos políticos anarquistas e, ao mesmo tempo, anexá-los aos de classe e sindicais e, neste procedimento, tinha bastante respaldo entre diversos grupos do interior de São Paulo, do nordeste e sul do país Após os desdobramentos das manifestações de 1917, não é possível visualizar os encaminhamentos e o desenvolvimento da Alliança Anarquista, fato que leva a pensar 370 “Estão ressurgindo as sociedades operárias.” Guerra Sociale, 26 de maio de 1917. p.1. 371 “Vida Libertária.” A Plebe, 9 de junho de 1917. p.2.

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na diluição do projeto pelos próprios libertários em razão de suas participações nos eventos e a necessidade de impulsionarem entidades e agrupamentos classistas e econômicos, de tal forma que não sobrou energia para um resguardo político. Ainda assim, esse encaminhamento, intercalando propostas políticas com as essencialmente econômicas, que se davam meses antes das grandes manifestações, garantiram posições de destaque ao anarquismo no movimento operário na cidade, fato que pode ser exemplificado na criação do Comitê de Defesa Proletária, um importante órgão para o impulso e as negociações das reivindicações em 1917, no qual os anarquistas participaram juntos aos socialistas. Tal organismo é visto como resultado das reuniões entre militantes anarquistas, socialistas e sindicalistas para organizar e negociar os eventos grevistas que funcionariam também a partir das decisões das comissões grevistas de sindicatos e dos subcomitês das Ligas Operárias de Bairro. No dia onze de julho, após o enterro de José Martinez, militante morto pela repressão da polícia, o organismo se constituiu lançando seu manifesto destinado aos representantes do Estado e também aos grandes industriais, que foi desde a petição imediata para o fim dos processos políticos contra manifestantes e militantes bem como a libertação deles, se estendendo para reclamar a abolição do trabalho aos menores de quatorze anos e do trabalho noturno para mulheres menores de dezoito, o aumento de salário de 25% a 35% dependendo do caso, sendo 50% para trabalhos extras, e a jornada garantida de oito horas diárias de trabalho.372 Para além disso, o Comitê de Defesa Proletária seguia o rastro e as tradições de outras organizações reivindicativas de classe que estavam acompanhando o movimento operário e que foram debatidas anteriormente pelos projetos políticos anarquistas. Entre os principais militantes nos bastidores desse órgão estavam Gigi Damiani e Edgard Leuenroth, atestando mais uma vez a participação e a presença anarquista na greve, e que estavam envolvidos com outros projetos e associações. O grupo em torno do jornal Guerra Sociale e a Alliança Anarquista, desde março, impulsionava o Comitê Popular de Agitação contra a exploração de crianças, lançando um manifesto incisivo sobre as condições de trabalho nas fábricas e requerendo a proibição dessa prática pelos empregadores. O projeto veio do êxito extraído de um debate político dos militantes para ser usado e construído também pela própria classe operária e subalterna:

O êxito da agitação que contra a exploração de menores vem desenvolvendo-se 372 Manifesto do Comitê de Defesa Proletária, 12 de julho de 1917. In: Lopreato. Op.cit., p.41-43.

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está superando a expectativa dos seus iniciadores. O entusiasmo que este protesto desperta entre o povo, aumenta dia a dia, e, a cada momento, chegam novas adesões de entidades populares ou de pessoas que se apresentam dispostas a prestarem seu concurso material e moral. Por sua vez, o Comitê Popular de Agitação, coerente com o caráter da sua constituição e dos fins que se tem em vista, procurou que este movimento, genuinamente popular, não fosse desvirtuado pelos interesses de qualquer partido, ou por especulações mais ou menos políticas e legalitárias, tendentes a prestigiar os profissionais da exploração eleitoral. Neste sentido, o Comitê elaborou um programa de ação exclusivamente popular e direta, o qual em numerosa assembleia de delegados das entidades aderentes foi aprovado com entusiasmo. Delegados de várias associações, apesar da diversidade de princípios que as separam, manifestaramse justificando a sua aprovação do programa apresentado pelo Comitê.373

De acordo com os redatores, mostrando o resultado das primeiras impressões de tal comitê, o órgão mais uma vez seguia os princípios da estratégia do sindicalismo revolucionário, não aceitando o vínculo explícito com qualquer partido político e adotando a ação direta. Além disso, se desenvolvia através de várias associações, de grupos populares, mostrando sua relevância no movimento operário na cidade sendo importante até julho de 1917, quando conseguiu inserir suas demandas no interior do CDP, sendo, portanto, um rastro de continuidade organizativa entre os vários organismos. É evidente, conforme o próprio jornal evidenciava quando citava a “diversidade de princípios”, o organismo tinha a presença incisiva de socialistas, sindicalistas e republicanos italianos, mas foi criado e proposto inicialmente pelos anarquistas, especialmente desse grupo374, o que atesta, se não sua força em estar na dianteira em algumas ações de classe, uma profunda forma de percepção das nuances dos ambientes classistas na cidade pelos militantes libertários. Outra importante associação de emergência no período, e que atesta a relevância anarquista para a impulsão das ações econômicas de classe, era o Centro Feminino Jovens Idealistas. O organismo começava a tomar forma desde o início da segunda década do século e reunia mulheres de tradições militantes, especialmente sindicais, chamando outras, da população em geral, para debaterem suas demandas e problemas de gênero e como poderiam anexar tais fatores à luta classista, o que resultava em práticas

concretas

como

sua

participação

nos

congressos

internacionais

e

nacionais.375Conforme observado nas suas chamadas, contidas no jornal A Plebe, o Centro Feminino almejava buscar a adesão de mulheres independente de orientação 373 CARVALHO, Florentino de. “Continua com êxito a campanha contra a revoltante exploração de menores.” Guerra Sociale, 31 de março de 1917. p.1. 374 Ver BIONDI, Luigi. Op.cit., 2009. p.284-285. 375 Como evidenciado no segundo capítulo, o Centro Feminino Jovens Idealistas estava presente no Congresso Internacional da Paz e também aliado aos grupos sindicais associados ao jornal A Lanterna.

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ideológica e que exerciam todas as funções; trabalhadoras das fábricas, ruas ou domésticas, o que revela seu intuito para alavancar as lutas pela melhoria de suas condições de vida. Um atento olhar para suas lideranças revela como as militantes anarquistas estavam em posição de destaque na organização de tal organismo bem como foram responsáveis em deixar evidente essa militância na greve geral. Esse centro foi criado e organizado principalmente pelas militantes Emma Mennocchi - conhecida por ser tão assídua quanto seu companheiro Gigi Damiani, atuando no movimento operário de Curitiba e São Paulo - e Isabel Cerruti, uma das principais militantes libertárias organizacionistas do momento que já havia colaborado com os jornais A Terra Livre e O Amigo do Povo. As personagens haviam constituído e participado de outras associações classistas e de gênero em suas militâncias, juntando seus aparatos ideológicos com as demandas econômicas. No início da década, por exemplo, Emma Mennochi havia fundado o grupo Associazione Femminile, que reunia as mulheres de origem ou descendência étnica italiana, tentando incentivá-las à ação direta. As mesmas agentes possivelmente ainda transitavam entre a Liga de Resistência das Costureiras, a União das Costureiras de São Paulo e outras muitas associações com o mesmo caráter, que foram criadas nesse período.376 Para a historiadora Samanta Mendes, ainda que fossem ambientes claramente de luta econômica, inspirados por um sindicalismo apartidário, em tais ambientes eram discutidos “assuntos da atualidade e acerca do anarquismo”377, evidenciando a penetração dessa ideologia, uma vez que pregavam a auto-organização das trabalhadoras, sua independência moral e sexual bem como a desconstrução de ideários opressores, de classe ou nacionalistas, todos com íntimo contato com os pensamentos libertários. Para a autora ainda, essa tradição garantiu amplo respaldo na greve geral de 1917, sendo responsável pela amplitude do evento. Completando o argumento pela narrativa e análise de Luigi Biondi,

Na noite de 2 de Junho de 1917, a União dos Operários em Fábricas de Tecidos convocou os trabalhadores do setor para uma assembleia na sede da entidade, na rua da Mooca, 292. Nos dias subsequentes, as reivindicações de aumento preencheram a pauta de várias reuniões. Assim começou a greve geral de 1917, envolvendo homens, obviamente, porém, em muito maior quantidade, mulheres e crianças. A polícia os meteu na cadeia, indistintamente, após uma 376 Para analisar a criação dos grupos e associações com presença das mulheres anarquistas ver MENDES, Samanta. Op.cit. 377 Idem, p.198.

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passeata organizada por anarquistas e socialistas defronte à Crespi. [...] Emma Mennocchi, integrante do Centro Feminino Jovens Idealistas, tem participação ativa: grita contra os tiras que espancam as mulheres e as detêm. Os militantes anarquistas se organizam para levar comida às que erguem barricadas e resistem no interior da fábrica de tecidos.378

Conforme citado, o intenso destaque dos militantes libertários - homens e mulheres - era respondido com uma intensa onda de repressão durante a semana trágica em São Paulo e inclusive após as negociações. Atitudes repressivas já antecediam o evento, sendo motivo para os militantes usarem tais atos como motivos para a população incentivar as manifestações. No dia treze de junho, a Quinta Delegacia Auxiliar, localizada no Brás, resolveu interferir mais incisivamente para desmantelar a organização da greve de forma mais sistemática, possivelmente temerosos que as negociações entre operários e patrões reconfigurassem o sistema de trabalho da cidade.379 Para a historiadora Christina Lopreato, assim, a polícia “assumiu o papel de guardiã dos interesses dos industriais.”380 Nas semanas seguintes, o delegado Everardo Toledo de Mello ordenou a prisão dos ocupadores das fábricas e os agitadores das ruas, criando medidas para encontrar os principais organizadores da greve geral. Em sua investigação, muitos anarquistas apareceram em destaque, numa visão que já era usada pela polícia no país associando o anarquismo à baderna ou desordem.381 Após as negociações diretas entre patrões e militantes e o fim da greve, a repressão continuava nos meses seguintes, e, em setembro, o Centro Feminino Jovens Idealistas e outras organizações por meio de A Plebe denunciava as atitudes consideradas arbitrárias:

Fazemos então constar o nosso veemente protesto contra as arbitrariedades da polícia que, em sua sanha bestial, desconhece até o respeito devido ao pudor natural de mulheres honradas a quem a polícia insultou, penetrando altas horas da noite em seus aposentos e arrancando-lhes a roupa com que se cobriam. A ação da polícia, praticando essas monstruosidades, foi tão covarde, tão infame, tão suja que não achamos palavras capazes de exprimir nossa indignação. [...] O Centro Feminino Jovens Idealistas do qual fazem parte algumas parentas dos operários presos e escolhidos pela polícia, para servirem de vítimas, nos quais possa saciar o ódio que contra o povo nutre, só pede aos trabalhadores de S. Paulo, por enquanto, uma coisa: que permaneçam unidos e firmes no seu propósito de fazer imperar a Liberdade e a Justiça, e de estarem atentos à

378 BIONDI, Luigi. Op.cit., 2006. p.172. Citado por MENDES, Samanta. Op.cit., 192. 379 LOPREATO, Christina. Op.cit., 111-126. 380 Idem. p.111. 381 Para adentrar o estudo sobre o ideário construído pela polícia e por organismos governamentais em relação ao anarquismo ver LEAL, Claudia Baeta. Op.cit., 2006.

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primeira voz de alarme.382

As invasões às casas, nas quais a polícia procurava os militantes e participantes das greves, eram denunciadas, revelando não só o fato em si, mas o desrespeito e o tratamento a que as moradoras, no caso citado as mulheres, eram submetidas nessa abordagem. O trecho também revela que algumas mulheres dessa associação se queixavam de ter seus conhecidos e companheiros presos de forma “escolhida”, ou seja, sem uma acusação com provas concretas. Essa arbitrariedade policial aumentou depois do pronunciamento do próprio Delegado Geral da cidade que criava medidas no intuito de abortar o “processo revolucionário em curso”383 usando a força do aparelho policial de todas as formas para conter outras possíveis manifestações, fato que atesta que a força da militância sindical apresentava uma grande ameaça para vários setores da sociedade vigente no momento. Casas foram invadidas, jornais como A Plebe tiveram tentativas sistemáticas de desmantelamento e a sede da FOSP foi, mais uma vez, destruída. Os próprios redatores narravam, a partir de suas visões, tais acontecimentos, tentando fazer propaganda aos seus leitores para não acreditarem nos discursos das autoridades:

Na Lapa, no Ipiranga e na Mooca, a série de arbitrariedades foi infinita. Prenderam-se a êsmo operários por distribuírem boletins referentes à greve; espaldeiraram-se mulheres e crianças por fazerem causa comum com seus maridos, pais e irmãos vítimas da sanha dos bull-dogs policiais; invadiram-se associações onde os trabalhadores se reuniam com o fim de tratarem de assuntos que somente a eles interessavam; finalmente, o direito à greve, a liberdade de associação e de pensamento foram torpemente, ferozmente espezinhados à ordem daqueles mesmos senhores que ainda há bem pouco declararam ser isso de lei e de justiça384

Muitos militantes foram presos de acordo com o relato e, ainda, numa tentativa desesperada, o aparelho policial também buscava, dentro da lei de expulsão de Adolpho Gordo, e de incrementos a esse do aparelho estatal tanto provindas do recém prefeito da cidade Washington Luís e do presidente Venceslau Brás, medidas para conter os militantes tentando forçá-los a sair do país. Evidentemente, agentes de orientações ideológicas sofreram a repressão citada, mas o forte ataque ao anarquismo, tido pelas autoridades como uma das principais ideias responsáveis pela greve foi, muitas vezes, mais direto e mordaz. Tal fato refletiu no julgamento de Edgard Leuenroth, um dos 382 “Manifesto do Centro Feminino Jovens Idealistas ao povo trabalhador de S. Paulo.” A Plebe, 22 de setembro de 1917. p.2. 383 Declaração e citação do Delegado Geral citado por LOPREATO, Christina. Op.cit., p.169. 384 A guerra às organizações operárias: tem a palavra o povo!.” A Plebe, 30 de setembro de 1917.

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presos políticos no contexto. Acusado de incitar o roubo de mantimentos em um estabelecimento enquanto uma manifestação acontecia, o militante foi preso em setembro de 1917 e depois colocado em processo até março do ano seguinte. Para a historiadora Christina Lopreato, a própria polícia considerava o tipógrafo e militante, além dessa acusação, como um dos principais articuladores da greve e responsável pelo evento, liderando um dos principais jornais noticiadores da greve por participar do Comitê de Defesa Proletária. Apesar das duras tentativas da promotoria em ligar sua ação militante com a acusação de roubo e desordem, o réu absolveu o jurado por unanimidade, fato que foi noticiado por vários jornais, inclusive da grande imprensa, como o Fanfulla e A Gazeta.385 As propagandas do jornal A Plebe, que continuava ativo até o fim de 1917, mesmo com a invasão de seu espaço físico na rua Conselheiro Chrispiniano, se focaram em campanhas para convencer os leitores a apoiarem a causa de Edgard Leuenroth, bem como dos presos políticos e dos deportados. Grande parte dessas chamadas aproveitavam para incentivar o apoio ao próprio periódico, por meio de ajuda e doações de todos os tipos. Os militantes tentavam convencer seus leitores que o periódico era um grande intercâmbio entre os trabalhadores e o movimento operário e, portanto, imprescindível:

Também pelas 10 horas de quinta, quando se apeava dum bonde, foi preso, no Brás, o nosso camarada Edgard Leuenroth, diretor deste hebdomadário. Compreende-se o objetivo dos seus captores: imaginaram eles, os podengos, que com a prisão do nosso amigo A Plebe morreria. Que ilusão! Aconteça o que acontecer, nunca A Plebe deixará de circular. Ela é precisa, é indispensável, porque os destinos da classe trabalhadora andam ligados aos seus.386

O tema da repressão e as tentativas de salvar o periódico - buscando evidenciar sua íntima relação com o movimento operário - continuou muito forte no jornal, quando, ao contrário da previsão do relato, é interrompido no ano de 1918 e fica sem publicações até o início do ano seguinte. O mesmo acontece com o periódico Guerra Sociale, que cessa em definitivo suas publicações no fim do ano, após a grande greve. Não só o empastelamento dos locais físicos usados para as confecções dos periódicos eram empecilhos para as publicações, mas, dessa vez, a intensidade em que essa foi aplicada, tentando prender os principais organizadores do jornal e percorrendo as redes ativistas, invadindo casas e sedes operárias, foram os motivadores para que um 385 Ver LOPREATO, Christina. Op.cit., 209-218. 386 “As violências.” A Plebe, 15 de setembro de 1917. p.1.

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jornal de grande força e com número considerável de leitores cessasse as publicações. O próprio periódico A Plebe, quando retorna em 1919, ainda mantém uma forte postura para denunciar tais atitudes, tanto em torno do seu grupo, mas também dos ambientes operários e subalternos:

Urge, pois, desenvolver uma intensa agitação em prol da libertação dos companheiros presos. E caso não sejamos atendidos, se não conseguirmos deter a sanha reacionária dos nossos inimigos, devemos levar a luta até as últimas consequências, não nos restando outro recurso senão pregar a greve geral.387

Se o jornal ainda menciona a repressão de forma sistemática é bem possível que estas ainda estavam muito presentes no cotidiano da população. Outra característica que pode ser encontrada nas linhas que tratam do assunto é a ocupação e a energia que tais agentes gastaram para lidar com esse contexto. Muitos militantes libertários, ao estarem em posição de relevo nos sindicatos e, de fato, na organização da greve, usaram muitos dos seus esforços e recursos nessa empreitada e gastaram muito mais ao lidar com a repressão no intuito não apenas de sobreviver ou escapar, mas de reerguer, mais uma vez, a tentativa de “greve geral”, ou seja, de fomentar o próprio movimento operário. A Plebe também retornava incentivando e noticiando os novos movimentos grevistas do período, na cidade em outros pontos, através ainda da coluna “Mundo Operário” ou “Movimento Operário”: Para muitos trabalhadores do período, a greve geral foi vencedora já que saía com promessas de industriais e governantes - como o prefeito Washington Luís - que garantiam a melhoria das relações de trabalho como a promessa de fazer cumprir as leis para regulamentação das atividades de mulheres e crianças em todos os estabelecimentos. Muitos industriais também concederam aumento de salário e alguns passaram a estabelecer, por algum tempo, as oito horas de trabalho como plano da jornada de atividades. Tudo isso foi mediado e redigido pela Comissão de Imprensa, no qual participava vários jornais da grande mídia, cobrindo tais promessas e exigências, o que deixava muitos da população com uma sensação ainda mais de vitória.388 No entanto, para os militantes libertários, os ganhos foram muito mais morais e só valeriam se a luta se estendesse para uma ruptura com o sistema vigente. Os anarquistas mostravam que embora as promessas do Estado e dos representantes das fábricas fossem cumpridas, não demoraria muito tempo para que alguns locais voltassem a 387 “Defendendo nossos camaradas presos.” A Plebe, 5 de abril de 1919. p.1. 388 Ver LOPREATO, Christina. Op.cit., p.127-228.

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exercer o trabalho exploratório de mulheres e crianças e aumentarem novamente a jornada de trabalho, condições que só acabariam definitivamente, para os militantes, com uma revolução proletária a partir da reunião novamente das forças operárias. Voltando a fazer uma campanha contra o trabalho de crianças nas fábricas no ano de 1919, os militantes mostravam que

a exploração de menores nas fábricas é tanto mais ignominiosa e revoltante quanto é certo refletir ela uma das maiores iniquidades praticadas pela cupidez capitalista. Não basta obrigar-se a trabalhar de sol a sol toda essa legião de filhos da miséria, cuja idade orça entre os 9 e os 14 anos; não basta dar-se-lhes uma remuneração irrisória e mesquinha, que nem chega para o pão com que se alimentam; não basta esgotarem seu vigor físico no lapso de tempo em que deviam frequentar a escola; não basta todo o desconforto e provação a que os sujeitam o rigor férreo e a disciplina violenta das bastilhas laboriosas. […] Portanto, ó pais, ó mães, ó todos vós que sofreis o peso do jugo capitalista, reivindicai a liberdade de vossos filhos, de vossos entes queridos, em idade imprópria para o trabalho e ide depois procurar também o vosso lugar à mesa do bródio social. O melhor caminho para alcançar esse objetivo é a associação. Associai-vos, uni-vos, congregai-vos como um só corpo, porque assim sereis fortes e invencíveis.389

Seguindo a proposta desse trecho, os anarquistas aderentes da estratégia organizacionista, tanto alguns provindos do periódico Guerra Sociale, quanto oriundos do jornal A Plebe, se condensam e acumulam seus esforços agora neste último e continuam a escrever a coluna “Mundo Operário” e a incentivar a organização constante dos organismos sindicais. Visando comemorar o primeiro de maio de 1919, é possível ver a força que os militantes ainda tinham para impulsionar os organismos de reivindicação:

Efetuou-se, domingo último, na sede da Liga dos Padeiros e Confeiteiros, a anunciada reunião dos delegados das associações, grupos de propaganda e jornais operários, a qual correspondeu plenamente à expectativa. Estiveram presentes as seguintes coletividades: União dos Artífices em Calçado, União dos Chapeleiros em Geral, Liga dos Padeiros e Confeiteiros, Liga dos Operários da Construção Civil, Liga Operária do Brás, União dos Empregados em Padarias, União dos Canteiros em Cotia, União dos Canteiros de Ribeirão Pires, Círculo Socialista Internacional, Grupo Libertário, Grupo “Os Semeadores”, Centro de propaganda “Os Rebeldes”, Grupo editor da “Alba Rossa”, Grupo editor d “A Vanguarda” e o Grupo editor da “A Plebe.” Depois de varia discussão à margem de diferentes alvitres formulados, assentou-se em realizar um grande comício no Teatro de S. José, que para esse fim solicitado à respectiva empresa. […] Também ficou resolvido lançar um apelo ao operariado paulistano para que no dia primeiro de Maio não compareça nas fábricas nem nas oficinas, de modo a dar à manifestação projetada um alto significado moral que faça ver a disposição em que o mesmo se acha de lutar no sentido de deixar de ser mais burro de carga. Por último, constitui-se um 389 “Mundo Operário: Uma grande causa proletária – pela infância proletária.” A Plebe, 5 de abril de 1919. p.3.

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comitê executivo para impulsionar e realizar os trabalhos que se tornam necessários.390

Tais indícios contestam interpretações que julgaram a greve geral de 1917 e as reverberações em seu entorno como resultado de pressões essencialmente econômicas. Boris Fausto, por exemplo, ao rever os condicionamentos envolvidos pelo evento, não negligenciou a militância em torno dessa, mas atribuiu seu maior peso aos condicionamentos econômico-sociais, impulsionados pela Primeira Guerra Mundial desde 1914, primordial, nessa interpretação, para a eclosão do episódio em São Paulo.391 A historiadora Christina Lopreato, por sua vez, relativizou o suposto caráter espontâneo do evento, atribuído por pesquisas como essa. Na contramão, a autora adentrou os discursos e articulações políticas presentes na greve, revelando a agência de personagens que impulsionaram o desenrolar do evento. Lopreato afirma que é impossível negar a atuação marcante de militantes no interior do movimento operário desde o início do século XX, principalmente do anarquismo, que apresentou substância e concretude de articulação muito maior, em relação às outras ideologias e movimento políticos no período, no intuito de organizar os trabalhadores contra os detentores dos meios de produção.392 Já o historiador Luigi Biondi afirma que o evento foi resultado de múltiplos fatores e não pode ser visto nem como resultado direto de uma pressão econômica nem pela ação isolada dos indivíduos que participaram desse processo, mas pela mediação das duas instâncias.393 A greve geral estaria intimamente ligada, de fato, com o contexto internacional econômico causando inflação nos gêneros de necessidade básica, influenciado pela Primeira Guerra Mundial. Não menos importante pela ação política de determinados grupos, que não podem ser compreendidas de maneira isolada, mas através das alianças entre anarquistas, sindicalistas e socialistas, com suas propagandas conjuntas e a construção de organismos mais sólidos, encaminhando o desenvolvimento das manifestações, essas últimas, em consonância com suas avaliações e interpretações particulares sobre os eventos mundiais que eram transformadas em propaganda política através de seus jornais. Conforme é possível notar com o desenvolvimento dos grupos nos bastidores da referida greve e depois de seus desdobramentos, mesmo com certo refluxo e o contexto 390 “A comemoração em S.Paulo do 1º de Maio: Uma importante reunião proletária.” A Plebe, 19 de abril de 1919. p.3. 391 Ver FAUSTO, Boris. Op.cit. 392 LOPREATO, Christina. Op.cit., p.1-20. 393 BIONDI, Luigi. Op.cit., p.315-326.

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não favorável após o ano de 1917, as greves e manifestações ainda eram realizadas nos anos seguintes, tanto com o apoio de trabalhadores que ainda não se sentiam contemplados pelas novas medidas, quanto pelo esforço de organização dos militantes, revelando que um tipo de organização transcendia os aspectos econômicos, mesmo que esses fossem importantes para favorecer alguns contextos. Para tal, muito importante para os personagens era instrumentalizar o ideário anti-imperialista e os eventos internacionais, como a Revolução Russa, tendo como base alavancar a almejada revolução: Enquanto nos estados capitalistas do resto do mundo, nas monarquias agonizantes, nas repúblicas desmoralizadas, na Espanha, na América do Norte, na Inglaterra, na França, na Itália, as greves tomaram proporções cada vez mais ameaçadoras, na razio direta provocada pelos açambarcadores e profitteura394 da guerra enquanto, em redor de nós, o regime burguês da exploração do homem pelo homem, vai-se desmoronando fragorosamente na Rússia, o comunismo se firma, apesar da campanha feroz que lhe movem os parasitas que não se resolvem a aceitar o artigo 18 da Constituição da República Federativa dos Soviétes Russos.395

Uma tática de propaganda que vinha desde os antecedentes da grande greve geral e continuava efetiva era tentar convencer os leitores que as manifestações e paralisações poderiam ter resultados concretos e longínquos e, no meio das notícias que poderiam causar pessimismo, como os efeitos da guerra ou a própria repressão em solo nacional, eram sempre postas ações internacionais de ganhos do movimento operário, no qual o caso soviético parecia exemplar. Além dos inúmeros comícios e manifestações existentes após o ano de 1917, os libertários ligados a outros grupos militantes e com as associações operárias transformavam tais notícias para favorecer e criar movimentos locais, como no caso do grande boicote à empresa de bebidas Antárctica, em 1919:

Em 1917, quando explodiu o grandioso e inesquecível movimento proletário contra a carestia de vida e as degradantes condições morais e econômicas de todos nós os que produzimos, já a Companhia Antárctica demostrou duma maneira palpável e frisante que não reconhecia aos operários de S.Paulo o direito de propugnarem pelos seus interesses, vindo à praça pública estadear a miséria e o sofrimento em que se debatiam. Tendo-se organizado a União dos Operários das Fábricas de Bebidas, com sede na Mooca, a Antárctica não pode levar a bem esse gesto emancipador dos seus escravos e tratou logo de se vingar. Essa vingança foi confiada a polícia. A U.T.F.B sofreu incontinente um afrontoso assalto dos beleguins, os quais não só se assenhorearam de todos os haveres sociais como ainda cerraram as suas portas, dissolvendo a associação e perseguiram numerosos trabalhadores. […] Iniciadas estas, tudo parecia correr às maravilhas quando a Antárctica esbarrou num obstáculo insuperável: era 394 Termo que parece vir de profiteur que, em francês, significa aproveitador. 395 “O segundo aniversário da Revolução Russa.” A Plebe, 22 de novembro de 1919. p.2.

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necessário para que cessasse a boicotagem readmitir na fábrica, nas sessões de pintura e marcenaria os companheiros que foram os melhores elementos da propaganda associativa dentro dela. A Antárctica, entretanto, não se quis conformar com isso. E, intrincheirando-se nesta opiniã, desistiu de ultimar as bases de acordo – o mesmo fazendo a Federação Operária que, por essa razão, ordenou o prosseguimento da boicotagem até os prejuízos da Antárctica sejam tais que ela ponha de lado, duma vez para sempre, a sua obstinada teimosia. 396

Conforme é possível observar, mesmo com a repressão e a diluição da União dos Operários das Fábricas de Bebidas pela associação entre os industriais e a polícia, a ação militante conseguia favorecer uma campanha para a população operária e subalterna boicotarem a empresa. Assim, ao acompanhar a trajetória dos grupos anarquistas em torno das manifestações, é possível perceber que a orientação sindical, dentro de um viés internacionalista e revolucionário, nunca saiu de seus horizontes, sendo eficazes ainda em muitas manifestações e paralisações. A teimosia dos militantes libertários, na realidade, revela que o movimento sindical de orientação revolucionária estava intimamente ligado aos desdobramentos do movimento anarquista e que sua incisão e profundidade para ligar os ganhos de curto prazo com a radicalidade revolucionária, mesmo acompanhando outros grupos ideológicos e com os contextos que incentivavam as manifestações, foram imprescindíveis para a construção desse contexto grevista e seus desdobramentos que foram até o fim da década. Obviamente, ao se inclinar quase totalmente aos ambientes operários e ao apoio a projetos disputados por outras correntes políticas -como no caso da Revolução Russa) possivelmente enxergando que uma insurreição se aproximava, os mesmos militantes deixavam, mesmo de forma inconsciente, adiar ou ignorar seus projetos e organizações essencialmente políticas que necessitavam de transformações em novos contextos, mas não eram debatidos. As novas definições de outros grupos políticos e a transformação do ambiente sindical após a grande greve ocasionaram as novas rearticulações políticas anarquistas que se iniciaram no fim da década, essas que analisaremos com mais cuidado na próxima parte.

A alma vermelha: bolchevismo em xeque, repressão e as novas definições do movimento anarquista no fim da década A maioria dos anarquistas italianos, porém, sem se recusar a prestar seu apoio a um movimento maximalista, faz suas reservas sobre a questão da constituinte, 396 “A boicotagem contra a Companhia Antárctica Paulista: Porque o proletariado declarou guerra sem tréguas contra a odiosa empresa.” A Plebe, 9 de setembro de 1919. p.1.

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e à ditadura proletária opõem a propaganda pela constituição das Comunas Libertárias. Essas reservas são lógicas e ponderadas. A ditadura, mesmo com fim revolucionário, é exclusivista e opressora e tende fatalmente a exercer funções de conservação.397

No dia vinte e seis de janeiro de 1919 é lançado, na capital paulista, o primeiro número do periódico Alba Rossa. Seus redatores, como Angelo Bandoni, provinham de uma tradição militante antiorganizacionista, mas que passavam por um momento profundo de necessidade de organização nos últimos anos e com inserção considerável nos ambientes sindicais. Após a intensa repressão desencadeada com a onda grevista de 1917 e a desintegração de uma aliança pela necessidade de impulsionar os órgãos sindicais, alguns anarquistas interpretavam ser necessário voltar para suas ações propagandísticas em grupos móveis no intuito de tentar se proteger dos ataques provindos das autoridades, conservando aspectos ideológicos caso o movimento sindical continuasse sendo danificado. O periódico, que continha quatro páginas, era escrito majoritariamente em idioma italiano com algumas colunas em português, sendo voltado aos grupos e bairros étnicos de predominância desse primeiro idioma na cidade. Apesar disso, longe ser um jornal isolado sem extensão, apresentou um debate impetuoso e emergente para os grupos anarquistas do período. Assim como o difuso A Plebe, ainda o principal periódico anarquista da cidade, Angelo Bandoni e seus companheiros continuavam noticiando informações das condições de vida dos menos favorecidos, do movimento operário em geral e a apoiar o processo revolucionário soviético. Diferente do grupo em torno do mencionado A Plebe, que se voltava progressivamente quase inteiramente à organização sindical local e sua articulação nacional, as campanhas de Alba Rossa apostavam novamente em suas redes internacionais, tentando reconstruir uma luta internacionalista e antimilitarista. Assim como nos jornais La propaganda Libertaria e Guerra Sociale, as notícias do movimento operário mundial e seu contato íntimo com as redes anarquistas de outros países, principalmente italianas, eram refletias sob a forma de colunas para os debates locais como “Movimento Operaio Internazionale”398, “Per la Pace Nel Mondo”399 e “Guerra e Revoluzione.”400 Essa índole e inclinação levou o grupo a realizar uma crítica que já chegava em outras partes do mundo, sendo debatida pelos grupos anarquistas: o possível caráter autoritário dos caminhos da Revolução Russa. 397 “Dittadura Proletaria o Comune Libertaria?” Alba Rossa, 8 de março de 1919. p.1. 398 “Movimento Operário Internacional.” 399 “Pela paz no mundo.” 400 “Guerra e Revolução.”

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Para esses anarquistas, como visto, tal processo revolucionário ainda era exemplar em todo o mundo, mas era necessário expor seus caminhos e debater se as táticas e estratégias desempenhadas por esses revolucionários seriam efetivas no movimento local e para os aspectos ideológicos do anarquismo. No caso, por exemplo, da tomada do Estado, os redatores mostravam que

podem objetar-nos que foi ela que salvou a revolução russa, mas nós pensamos que os comunistas russos, se quiserem chegar à prática integral do socialismo, devem derrubá-la, não consentindo que um período de transição passe a se estabelecer como solução definitiva. Caso contrário será a fossilização, o retrocesso.401

No caso de A Plebe, até o ano de 1922, no qual o grupo em questão assumiu abandonar sua inclinação ao bolchevismo, as táticas seguidas eram bem diferentes, embora o debate fosse considerado frutífero. Até esse período o periódico preferia instrumentalizar as ações dos soviéticos para favorecer os órgãos operários e as reivindicações na cidade, no qual apontava “com imenso jubilo, o alastrar-se do movimento maximalista”402. Para esses militantes era necessário se ater aos movimentos sociais e revolucionários em geral, assim como o bolchevismo, alavancando de muitas formas uma transformação tanto gradual quanto drástica, uma vez que no momento as medidas repressivas e as grandes greves pareciam bem próximas. Sendo anarquistas, defenderiam seus princípios básicos ,mas, naquele momento, o apelo era:

Lembrai-vos que separados somos fracos e que somos fortes bem unidos e que da nossa fraqueza e separação é que nossos inimigos se prevalecem para nos espoliar e subjugar. […] Reuni-vos em vossos sindicatos, prestigie e apoie todas as reivindicações justas, aprestai-vos para as conquistas generosas e para o triunfo dos elementos ideais. Não vem longe o dia da grande derrocada burguesa. E, se a quereis apressar, fortificai-vos em vossas organizações operárias e grupos sociais, estudai, lutai, melhorai-vos, dignificai-vos, tomai consciência de vossa força, da justiça que vos assiste e da necessidade da transformação social que se aproxima.403

Refletindo essa linha de ação e pensamento, em 1919 ainda, outra medida foi a criação do Partido Comunista do Brasil. A proposta foi orquestrada primeiramente no Rio de Janeiro através de conferências e reuniões e era propagada pelo grupo em torno do jornal Spartacus que reunia os militantes Astrojildo Pereira e José Oiticica e, em São Paulo, seu apoiador e principal membro era Edgard Leuenroth. É certo que tal órgão, 401 “Dittadura Proletaria o Comune Libertaria?” Alba Rossa, 8 de março de 1919. p.1. 402 “O Maximalismo alastra-se” A Plebe, 29 de março de 1919. p.3. 403 “Primeiro de Maio, pela paz e pela justiça: aos trabalhadores em geral.” A Plebe, 26 de abril de 1919.

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para autores como João Mateus404, foi o resultado dos debates de organização interna do anarquismo que já havia proposto alianças nas duas cidades e, portanto, não representava um desvio ideológico, uma vez que seu programa repudiava, por exemplo, o parlamentarismo e o autoritarismo do Estado, e ,como podemos observar em seu manifesto, difundia a autogestão:

Socialização de todas as indústrias, agricultura, meios de transporte, e de comunicação, que serão administrados pelas respectivas associações de classe e dirigidas por profissionais competentes em cada ramo de produção de atividade. Os indivíduos encarregados de dirigir a produção e a atividade social exercerão apenas funções de organização e administração, mas nunca de mando.405

Para os militantes em questão, o “Partido, sem fins eleitorais, vinha preencher uma lacuna organizativa que não cessava de crescer com a ampliação das atividades de militantes libertários no meio operário”406, na análise do historiador Alexandre Samis. Não obstante, mesmo favorecendo aspectos ideológicos libertários, o próprio uso do título “Comunista” em detrimento de “Anarquista” ou “Libertário”, usado antes, na nomenclatura do órgão, é um indício que tais militantes também consideravam expandir sua tentativa de aglutinação de forças militantes para além dos anarquistas. É evidente que o termo em questão, no período, era evocado por todos os ramos socialistas que consideravam ter uma “alma vermelha” mas, exatamente por isso, sem desconhecer tal questão, os militantes abriram seus critérios de ingresso que antes, na Alliança Anarquista, eram apenas de núcleos e grupos anarquistas já atuantes, passando para qualquer um que se reivindicasse comunista:

1- Podem fazer parte do Partido todos os homens e mulheres residentes do Brasil que estejam de acordo com o seu programa e meios de ação. 2 – O ingresso como sócio do Partido vale por um compromisso pessoal de defender e propagar o programa aceito. […] A ação do Partido consiste na propaganda sistemática, por todo o país, do socialismo integral ou comunismo e na arregimentação e educação do proletariado em geral para posse dos poderes públicos – único meio pelo qual poderá realizar o seu programa. 407

De acordo com os redatores de A Plebe, era necessário unir a maior força de militantes para alavancar os movimentos de massa, mesmo socialistas de orientações 404 MATEUS, João Gabriel da Fonseca. Escritos sobre a imprensa operária da Primeira República. Minas Gerais: VirtualBooks, 2013. p.134-152. 405 “Está constituído o Partido Comunista do Brasil.” A Plebe, 12 de Abril de 1919. p.3. 406 SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2004. p.138. 407 “Está constituído o Partido Comunista do Brasil.” A Plebe, 12 de Abril de 1919. p.3.

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ideológicas e estratégicas diversas. Esse dualismo possivelmente, portanto, na prática era um pouco diferente das alianças anteriores. De um lado, visava organizar militantes diversos através de um programa coeso, mas geral e aglutinador, construindo uma força significativa para lidar com o refluxo de organização política nas cidades, visando erguer novamente os movimentos sociais que estavam danificados, desde que ancorados em algumas propostas básicas libertárias, e de outro - pessoalmente e através desse órgão e outros - alavancar os movimentos populares instrumentalizando qualquer ideário desde que fossem minimamente progressistas ou revolucionários. Assim,

enquanto

alguns

interpretavam

que

um

retorno

à

estratégia

antiorganizacionista conservaria o anarquismo além de favorecer um debate mais cuidadoso das coligações militantes que estavam sendo feitas, outros anarquistas apostavam no incremento da organização favorecendo “tal qual na Rússia, a constituição de alianças com outras correntes políticas que se diziam propugnadoras de uma sociedade nova.”408 Nessa última tendência, aponta ainda o autor Frederico Bartz, tinha uma variação tática, enquanto alguns anarquistas pensavam essa união como pragmática e apenas tática, como Gigi Damiani em A Plebe, outros, principalmente no periódico Spartacus, pensavam o maximalismo como uma nova estratégia a ser usada como o sindicalismo.409 Esses diferentes caminhos e interpretações, como analisado, tinham seus motivos particulares e locais, mas também podem ser comparados com o andamento de outros grupos anarquistas no mundo, principalmente sobre a complexa questão da Revolução Soviética. Sobre esse último ponto, na pesquisa de Andreas Doeswijk sobre os anarquistas na região rioplatense, são apontadas três fases distintas dos militantes libertários diante do evento em questão. A primeira consistiu no apoio majoritário de todos os anarquistas frente à Revolução Russa e do bolchevismo, acreditando que o evento era exemplar contra o sistema capitalista, minando também as práticas imperialistas dos conflitos mundiais. Os libertários que circulavam em torno dos jornais La Protesta e Tribuna Proletária já conheciam a existência de debates sobre o centralismo estatista, mas acreditavam que o apoio anarquista poderia desviar esse intuito. Na segunda fase, a partir de maio de 1919 em diante, foi iniciado um questionamento em alguns grupos anarquistas sobre a ditadura proletária e o caráter do 408 OLIVEIRA, Tiago. Op.cit., p.129. 409 Ver BARTZ, Frederico. Movimento Operário e Revolução Social no Brasil: ideias revolucionárias e projetos políticos dos trabalhadores organizados no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Porto Alegre entre 1917 e 1922. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2014. p.36.

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Partido Comunista, fato que acompanhou o Tribuna Proletária, diversamente dos grupos Bandera Roja e La Protesta que até criticavam o primeiro jornal, chamando-o de purista. O autor aponta que não havia informações seguras sobre a configuração desse Estado, julgado maléfico por alguns anarquistas. Isso mudou a partir de 1921, na terceira fase, que após a volta de alguns anarquistas do Leste Europeu e a repressão na Ucrânia, foi realizado um intenso debate e até medidas contra os apoiadores do bolchevismo entre o anarquismo e no movimento operário, fato que pode ser exemplificado nas articulações militantes para a perpetuação do caráter anarquista dentro da FORA.410 Não temos documentos sobre uma possível ligação entre esse caso e o analisado, porém a intensa preocupação dos anarquistas em estar próximo às suas redes internacionais são indícios que tais atitudes semelhantes não foram mera coincidência. Como apontado, o periódico Alba Rossa, descendente, em parte, de alguns redatores de Guerra Sociale, em 1919, intimamente preocupado em reestabelecer um poderoso laço internacionalista com outros grupos anarquistas, foi o primeiro a se manter mais cauteloso ao apoio dado aos bolcheviques, embora não faltasse em suas colunas o apoio a esse processo revolucionário. Análogo ao Tribuna Proletária, o jornal ainda fez algumas ponderações sobre a construção do Partido Comunista que estava sendo altercado em São Paulo e no Rio de Janeiro:

Outro ponto que se presta a equívocos graves é aquele em que se proclama a “arregimentação e educação do proletariado, em geral, para a conquista do poder pelo público - único meio pelo qual poderá realizar o seu programa” conquista revolucionária, você vai dizer, e bem, nós concordamos. Mas, qual é o fim desta conquista? Para superar o poder? Para a divisão pública da Comuna e dos Sovietes? [...] Mas, se em vez disso, o que não acredito, como confiarão ter escrito a execução do seu programa, como a única maneira, para a conquista do poder, então não era realmente necessário estabelecer um novo partido: há socialistas suficientes que pregaram o mesmo diferindo unicamente no método, por ser parlamentar.411

Para alguns redatores de Alba Rossa, como o personagem João Calixto, o programa não tinha a menor proximidade com os ideais anarquistas já que os mesmos não deixavam claro, por exemplo, se a conquista do poder seria nos moldes soviéticos e do processo revolucionário socialista bolchevique ou através da divisão autogestionária, 410 Ver DOESWIJK, Andreas. Entre camaleões e cristalizados: os anarco-bolcheviques rioplatenses, 1917-1930. Tese (doutorado em História). Universidade Estadual de Campinhas, São Paulo – Campinas, 1998. p. 62-65. 411 CALIXTO, João.“A proposito del manifesto comunista: due parole ai nostri amici de P.C.B.” Alba Rossa, 12 de abril de 1919. p.1. Tradução nossa.

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pensada pelos anarquistas. Assim, alguns dos próprios militantes libertários do período questionavam se tal órgão e programa era um resultado dos debates de organização anarquista ou mesmo como qualquer partido socialista, resultado do vislumbre do processo revolucionário soviético. De todo modo, pensando num vínculo mais íntimo, mais flexível ou mais crítico com o bolchevismo, fato que também estava em discussão como já apontamos, percebemos que os anarquistas no geral nunca se distanciaram dos ambientes e órgãos sindicais ou associações operárias, mesmo que seu refluxo tenha produzido esses novos debates. Como antes, a preocupação grevista, que visava melhorias graduais exercitando uma prática revolucionária continuava nos horizontes dos militantes libertários atuantes na cidade. A Plebe noticiou, entre 1919 e 1922, dezenas de greves, manifestações e boicotes na capital e no interior, que aumentavam suas organizações operárias potencialmente, através da criação de órgãos sindicais apoiados e impulsionados pelos anarquistas. Em 1920, uma greve significativa na fábrica de tecidos Crespi, na Móoca, terminou com o acordo favorecendo a luta dos trabalhadores, por razão dos patrões não terem acatado as negociações anteriores. Longe de noticiar apenas os resultados dessa negociação, os militantes tentavam inflamar o caráter revolucionário da União dos Operários em Fábricas de Tecidos:

Vencendo todas as dificuldades que lhe são opostas pela resistência dos grandes capitalistas da indústria têxtil, bem como os manejos infames da canalha clerical que se esforça para arredar do seu seio os trabalhadores e principalmente os operários e os menores ainda inconscientes, a U.O.F.T prossegue vitoriosamente no trabalho de organização e educação associativa da numerosa classe que agremia, desenvolvendo nesse sentido uma atividade cujos resultados benéficos são evidentes.412

Como demonstrado, os redatores tentavam mostrar que os ganhos da entidade estavam barrando preceitos e medidas dos grupos conservadores e que deveriam, para esse fim, continuar seu caráter de organização. Essa perpetuação dos ativistas libertários, mesmo em período de intensa repressão, evidencia o resultado de sua inserção prática durante toda a década nos espaços operários e subalternos. Do mesmo modo, as palestras acompanhadas de festas para arrecadação de dinheiro para os grupos militantes e sindicais, para a população dos bairros operários, ainda continuavam ativas por parte dos anarquistas, mostrando sua força organizativa: 412 “Mundo Operário – União dos Operários em Fábricas de Tecidos.” A Plebe, 28 de fevereiro de 1920. p.3.

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Angelo Bandoni nasceu no dia 2 de julho de 1968 na cidade de Bastia, na ilha de Córcega, território da França. Seus pais eram italianos, província de Livorno, região da Toscana. Nos lugares por onde passou adentrou aos movimentos radicais e inúmeras vezes foi preso acusado de roubo e falsificação de dinheiro. Em 1900, após ser libertado em Lucca, viajou para o Brasil onde rapidamente fundiu sua experiência subalterna com o desenvolvimento do anarquismo nas colônias italianas. O personagem, bem assíduo no movimento operário de São Paulo, participou de difusos jornais como La Battaglia, La Protesta Humana e Germinal, criando grupos militantes e bibliotecas na capital e em suas viagens às regiões interioranas, portanto, apresentando uma militância com inúmeras referências para a causa revolucionária.414 De acordo com a chamada acima, a conferência que seria realizada pelo personagem, no dia dezoito de março, comemoraria a Comuna de Paris e versaria sobre a possibilidade de transformação da sociedade pelos trabalhadores contra o “desastre da sociedade capitalista.” Um indício que tais agentes também instrumentalizavam outros símbolos revolucionários, além dos novos e emergentes para sua propaganda e ação, já que estavam tão íntimos e familiarizados em 413 Alba Rossa, 8 de março de 1919. p.4. 414 Para adentrar a biografia de Angelo Bandoni ver BIONDI, Luigi. Op.cit., 1994. p.73-75.

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suas trajetórias, a inúmeros eventos, notícias e temas usados em prol de suas propagandas. As medidas como a criação do Partido Comunista e as notícias da Revolução Soviética, portanto, faziam parte de medidas e táticas, muitas vezes complementares, embora essenciais no período, ao caráter de organização. Estamos afirmando, portanto, que essa essência, íntima aos ambientes proletários e subalternos apoiando ou não o bolchevismo, possibilitou a perpetuação do anarquismo mesmo quando, em 1922, A Plebe, análogo à terceira fase dos anarquistas na região rioplatense, declaram seu repúdio ao processo revolucionário soviético e ao caráter autoritário que estava em desenvolvimento:

Aceitando o comunismo-anárquico, negação de todo o princípio de autoridade e expressão mais completa das aspirações de liberdade porque vem lutando a humanidade através os séculos, e sendo seu objetivo extinguir a divisão da coletividade humana em classes antagônicas, fonte de todas as lutas que ensanguentam a história, não podemos concordar que a ditadura do capitalismo, origem de toda a tirania, se oponha a ditadura de outra classe, embora essa classe seja o proletariado, porque isso seria fazer com que a revolução faltasse ao seu fim, deixando sobreviver o germe das disputas que perturbam a normalidade da vida social.[...] Não concordamos com o estabelecimento da ditadura do proletariado, repelimos, com muito mais razão, a ditadura de um partido, ainda que esse partido se apresente como a elite do elemento revolucionário e como a vanguarda da classe trabalhadora, pois julgamos que a missão dos organismos políticos -sociais deve ter por objetivo conseguir dar à organização obreira a indispensável eficiência de coesão, de capacidade administrativa, técnica e revolucionária.415

Como é possível perceber, os libertários ainda evocavam o “comunismo”, mas divulgavam que não era possível, para a realização da igualdade, uma ditadura instaurada por um grupo político, pois esses perpetuariam e reproduziriam tipos de tiranias que supostamente eram derivadas do sistema capitalista, pois se transformariam em novas elites, ao contrário de dar apenas impulso ao processo revolucionário, verdadeiro caráter dos partidos para os redatores. Como resposta, propunham, em parte, a organização sindical internacionalista com base na ação direta, a partir de um apoio ideológico e político, como já haviam praticado na cidade:

Para ser alcançado esse objetivo, julgamos que a Internacional sindical, independente da política, deve reunir todas as organizações sindicalistas de acordo com as bases federativas, constituindo, assim o expoente da força organizadora do proletariado mundial em sua luta contra o salariato e o patronato. Com o mesmo critério, encaramos a organização da Internacional política, em cujo seio julgamos que devem ser reunidos federativamente os partidos políticos-sociais revolucionários de todos os países, respeitando a 415 “Os anarquistas no momento presente” A Plebe, 18 de março de 1922. p.4,

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autonomia de cada um no desenvolvimento de seus programas específicos e estabelecendo-se um programa geral para a luta contra o domínio do capitalismo.416

É interessante perceber nestes trechos que os redatores reconheciam, como outros socialistas, a importância e a necessidade de uma organização política, e outra, social, através das organizações sindicais e subalternas de reclamação econômica atuando conjuntamente, porém, com “autonomia de ação, sem dependência uma da outra.”417 Essa citação faz referência direta à importância que tais ativistas estavam dando para a necessidade ainda de formar partidos ou alianças anarquistas para atuar nas duas esferas. Porém, revela também a existência de um novo dilema que os militantes libertários encontravam no movimento operário. A partir de então, os anarquistas tinham que disputar espaço com um concorrente que eles mesmos ajudaram a alimentar nestes anos, o próprio comunismo, através de um partido orgânico, atuando com inserção considerável que, para os redatores, pelo próprio traço do bolchevismo, poderia sobrepor o nível ideológico e partidário ao social. O Partido Comunista do Brasil, agora de clara orientação marxista, foi altercado após o Primeiro Congresso do PCB entre vinte e três e vinte e cinco de março de 1922 no Rio de Janeiro. Esse evento reuniu nove delegados, representando setenta e três militantes e seguia um programa muito parecido com o Partido Comunista da Argentina. É certo que essa criação era o resultado da própria convergência dos grupos comunistas no país, que ganhavam força com a influência do bolchevismo, como a União Maximalista de Porto Alegre, fundada em 1919, que tinha militantes como Abílio de Nequete, principal articular do Partido. Não obstante, também apresentava militantes de relevo com tradição de profunda organização militante, provinda do anarquismo, como Astrojildo Pereira.418 Assim, enquanto alguns libertários usavam sua inserção no movimento operário para garantir a mínima influência do anarquismo nos espaços operários e subalternos, mesmo longe do bolchevismo, alguns usavam essa mesma tradição para que, na sua travessia revolucionária – dessa vez mudando de ideologia e não de estratégia – garantisse expressão considerável nesses ambientes de sua nova roupagem e órgão político. Esse Partido, portanto, já tinha uma base considerável construída pelas próprias articulações de esquerda construída desde 1917, como estamos 416 Idem. 417 Idibem. 418 Para adentrar a história do PCB ver ROIO, Marcos Del. “A gênese do Partido Comunista (1919-29)”. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. Op.cit., p. 223-248.

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observando. Desse modo, embora os anarquistas estivessem nos ambientes operários visando sua autogestão com visão libertária desde sempre, seu apoio à Revolução Russa, muitas vezes ais visando seu efeito como propaganda do que analisando as condições e caráter do próprio evento, foi uma tática arriscada e agora mostrava seus frutos. No entanto, analisando suas articulações políticas e sindicais mesmo antes da criação de um órgão especificamente bolchevique e marxista, essa ligação era menos ingênua do que se pudesse pensar. Entre os dias vinte e três e trinta de abril de 1920, na sede da União dos Operários em Fábricas de Tecidos do Rio de Janeiro, aconteceu o Terceiro Congresso Operário Brasileiro, como estava previsto na resolução do último congresso, que contava com cento e trinta e dois delegados representando treze estados. O número de sindicatos e associações ligados à entidade também crescia verificando que “a repressão da polícia, as deportações e o trabalho sistemático dos grupos reformistas e cooperativistas

vinham

produzindo

resultados

desfavoráveis

às

organizações

revolucionárias.”419 Os delegados discutiram questões pertinentes que aconteceram desde a última reunião, como os efeitos da Primeira Guerra Mundial, o aumento da repressão e a constituição de órgãos políticos dentro do movimento operário. Um dos elementos em destaque é que, dessa vez, a sindicalização partiria por ramos de indústria e não por ofício, em uma tentativa de aglutinar mais membros para as associações. Outro ponto interessante, embora o evento tenha comemorado os avanços dos soviéticos e saudado a Internacional Comunista, os partidos formados deveriam ter apenas um caráter de apoio e não de sobreposição ao sindicalismo revolucionário, como destacou Neno Vasco para os trabalhadores que quisessem fundar um sindicato:

1- Os fins do sindicato, que ao nosso ver devem ser: a) imediatos, o melhoramento das condições presentes, a propaganda associativa, a educação, b) a emancipação integral do trabalhador. 2 – A não participação no sindicato na luta de um partido político.420

Para os militantes, um partido poderia ajudar a luta de um sindicato ou associação operária mas nunca o contrário, já que esses últimos eram ambientes de melhoria imediata para o trabalhador exercitando, com o apoio da militância política, ocasiões revolucionárias. Essas articulações poderiam minar o suposto e possível perigo dos nascentes órgãos políticos sobreporem à luta material, fato que parecia estar prevenido. 419 SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2004. p.139. 420 VASCO, Neno. “A Fundação do Sindicato.” Atas do Terceiro Congresso Operário Brasileiro, 1920.

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Porém, o atraso na construção ou no reerguimento de órgãos políticos especificamente anarquistas - já que os partidos comunistas eram agora dos marxistas - poderia causar danos ao movimento libertário caso houvesse novas medidas repressivas, como atestam os próprios militantes mais assíduos no país, como José Oiticica:

O congresso de Berlim tratando da organização anárquica para a luta contra a burguesia, prescreve o federalismo dos grupos autônomos, processo grato os libertários de todos os tempos, mas debalde procuro nas resoluções desse congresso um meio de tornar esse federalismo eficiente de arregimentar as federações de tal modo que possam levar a combate decisivo as massas trabalhadoras. Como dar unidade e união às federações? Como conseguir um corpo de militantes verdadeiramente de vanguarda, à prova de fogo e bons guias? Exemplo dessa falta encontramo-la nós aqui. O Segundo Congresso Operário proclamou o federalismo, mas não soubemos efetivar as federações anárquicas dentro dos sindicatos.421

O militante nasceu em 1882 na cidade de Minas Gerais, filho de Francisco de Paulo Leite e Oiticica, que foi senador e deputado da república posteriormente. Em uma família próxima às letras e à academia, cursou medicina e direito, não concluindo nenhum dos cursos, se aproximando da filologia e da educação, participando de iniciativas educacionais como a fundação do Colégio Latino-Americano no Rio de Janeiro. Ainda liberal e patriota, frusta-se com os acontecimentos políticos da década de 1910, principalmente a eleição de Hermes da Fonseca à presidência, que parecia não findar o militarismo e o autoritarismo em detrimento da democracia liberal, tal qual defendia. Seu distanciamento com o Estado e seu contato com outros escritores, professores e jornalistas o faz conhecer o anarquismo, ao qual adere o movimento de forma enérgica, participando de jornais fincados no movimento operário em São Paulo e no Rio de Janeiro, como A Lanterna, A Plebe, Spartacus e Ação Direta, participando dos debates nacionais e internacionais do anarquismo.422 Pela sua trajetória, é importante notar que Oiticica achava importante estar atento aos debates teóricos e ideológicos do anarquismo - por sua proximidade com a leitura - e, ao mesmo tempo, construir um anarquismo organizado que pudesse ser eficaz em todo o país de forma homogênea. O evento citado pelo personagem se referia à Conferência Internacional do Sindicalismo Revolucionário, realizada em Berlim no ano de 1922, no qual os militantes anarquistas e os aderentes da estratégia desse instrumento se reuniam tanto para definir seus rumos 421 OITICICA, José. A Pátria, 22 de junho de 1923. Citado em SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2009. p.37. 422 Para adentrar a trajetória de José Oiticica ver SAMIS, Alexandre. “Presenças indômitas: José Oiticica e Domingos Passos.” In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão. Op.cit., 2007. p.89-100.

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após os conflitos nacionais quanto para marcar sua ruptura definitiva com o bolchevismo. Para os anarquistas presentes, além da necessidade de manter o sindicalismo como a principal ferramenta contra o capitalismo era necessário se organizar politicamente. Para o historiador Alexandre Samis, algumas condições que, como apresentamos até aqui, estavam muito mais atreladas às condições históricas e articulações militantes do que simples influência ideológica-estratégica ou escolhas individuais, criaram uma “simbiose entre a militância libertária e o posicionamento radical do trabalhador sindicalizado em geral.”423 Para José Oiticica, faltava, como em outras regiões e em outros momentos no próprio país, uma organização federalista “para além dos sindicatos” e dos grupos de afinidade e propaganda, que pudesse se proteger em momentos de refluxo ou impulsionar movimentos, de forma coesa e conjunta, sob momentos de fluência do movimento operário. Ademais, se até esse período, a repressão e o avanço do reformismo nos ambientes operários foram pouco prejudicais à reconstrução do movimento operário após os eventos de 1917, uma vez que os militantes de várias tendências estavam unidos em um único objetivo, a disputa por hegemonia política - com o anarquismo desmembrado e voltado para manter a força dos sindicatos -, a forte emergência dos partidos comunistas e de outros movimentos, somado às novas ações repressivas seriam danosas ao funcionamento do sindicalismo revolucionário e do próprio anarquismo. Em 1921 foi instituído o decreto 4.247 que além de regular a entrada de estrangeiros no país também abria margem para confiscar a imprensa, se considerada subversiva. Um ano depois foi criada a Quarta Delegacia Auxiliar, durante o mandato do presidente Arthur Bernardes, instituição específica na busca e apreensão de militantes, dentre eles a maioria anarquistas, já que eram considerados pelas autoridades os maiores responsáveis pelas greves e manifestações até o momento.424 Desde então, tais militantes tiveram muita dificuldade em se manter de maneira fixa em algum órgão sindical ou político e aprofundar debates, sendo necessário apostar em redes móveis para a sobrevivência ideológica e prática. O sindicalismo teve a presença progressivamente mais forte do reformismo ou, como os militantes anarquistas se referiam, o “sindicalismo amarelo”, que, para os libertários, ao se inclinarem mais às lutas graduais e com as negociações antes dos boicotes e greves, sem uma perspectiva 423 Idem. p.38. 424 TOLEDO, Edilene. Op.cit., 2007. p.83 ; SAMIS, Alexandre. Op.cit., 2004. p.146.

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revolucionária, seriam ineficazes e conservadores do sistema capitalista.425 Tentando também barrá-los, os comunistas fizeram ações significativas pela hegemonia dos sindicatos, mas sua estratégia de minar as ideias reformistas e desse ambiente era criar um vínculo explícito ou próximo com a ideologia marxista e com o Partido, consequentemente excluindo outras variantes ideológicas desses ambientes como a anarquista, saindo das bases, portanto, do sindicalismo revolucionário. Os anarquistas, evidentemente, disputavam ainda boa parte dos organismos sindicais da cidade, porém, como atesta Tiago Oliveira, seriam muitos esforços gastos num período em que a “repressão contra o anarquismo acentuou-se, ao mesmo tempo em que se modificavam as bases das relações políticas, com a presença de novos movimentos.”426 Para o autor, esse período era o resultado de mudanças nas décadas anteriores que agora mostravam resultados: De um lado encontravam-se os movimentos de setores médios, que até então sempre de beneficiaram do jogo oligárquico e do apadrinhamento político. Mudanças iniciadas ainda nos anos 1910, tais quais o crescimento urbano, o surgimento de um movimento patriótico pelo qual discutia-se uma noção incipiente de sentimento nacional, a aproximação do Brasil com os Estados Unidos na I Guerra, além do histórico da influência positivista, impulsionavam um sentimento por alterações de caráter democrático nas instituições públicas, pelo menos na medida em que permitiam maior mobilidade de ascensão política desses setores minimamente ilustrados pelos padrões de civilidade da época. Isso implicava mudanças no regime de acesso à máquina administrativa e à representação política por meios que fugiam ao controle dos tradicionais meandros clientelísticos.427

Esses novos grupos e movimentos, que emergiam com o declínio do pacto oligárquico, reinterpretados a partir das tradições e condicionamentos existentes, não só disputavam a política partidária do país, mas passaram também a ocupar e instrumentalizar espaços que sempre foram derivadas das camadas mais baixas como o sindicalismo e as próprias manifestações e greves, fato que pode ser atestado nas reivindicações de tenentes e das classes médias, anos depois, de caráter bem radical. Por 425 Estamos defendendo aqui que o avanço do sindicalismo reformista, que tinha muitas variantes ideo lógicas desde o socialismo reformista ao trade-unionismo, que, na realidade, já era muito expressivo em cidades como no Rio de Janeiro, enfraqueceu o sindicalismo revolucionário e o anarquismo. Porém, é preciso salientar que a visão dessa vertente sindical como uma falsa consciência de classe ou como pele guismo provém da visão dos militantes anarquistas e comunistas, refletindo em muitos estudos do movimento operário posteriormente. Como salienta Cláudio Batalha, a classe trabalhadora também usou esse instrumento, como o sindicalismo intervencionista da década de 1930 para garantir seus interesses. Portanto, “o sindicalismo reformista no Brasil da Primeira República não é um fenômeno introduzido de fora da classe e estranho à consciência de classe.” BATALHA, Cláudio. “Uma outra consciência de classe? O sindicalismo reformista na Primeira República. Anais do 13 encontro Anual da ANPOCS. Minas Gerais, 1989. 426 OLIVEIRA, Tiago. Op.cit., p. 153. 427 Idem.

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outro lado, a cena militante anarquista sofreu com os novos ataques incisivos nessa terceira década, quando em 1924, ao reprimir uma revolta de grande proporção em São Paulo inciada pelos chamados tenentistas mas apoiada por várias camadas da população, o aparato estatal aproveitou para prender muitos libertários de relevo, mandando alguns para as colônias de exílio na região norte do Brasil.428 Necessário salientar que todos os movimentos e grupos políticos e sociais, dessa vez, fora o anarquismo, visavam à tomada ou a disputa do Estado e estavam desenvolvendo um tipo poderoso de ideário nacionalista. Mesmo quando esses estavam em outros espaços, como o sindical, levaria esse pensamento como forma de objetivo a ser perseguido.429 Porém, tanto a classe trabalhadora e subalterna, quanto suas ideologias internas que não acreditavam que a emergência dos novos discursos nacionais ou a tomada e disputa do Estado seriam efetivas, não desapareceram e foram usadas quando essas primeiras interpretaram ser necessário. O anarquismo que nunca perdeu seu intuito de adentrar e impulsionar a luta sindical, operária ou revolucionária, pelo seu próprio caráter e enraizamento, enfrentou novos dilemas e teria que se reformular em novos períodos, mas nunca saiu de cena ou se fincou apenas em iniciativas culturais. Para os militantes de A Plebe - jornal que foi empastelado em junho de 1924, mas retornava em 1927 - o caráter grevista e sindical, a partir de uma visão federalista, ainda era seu principal foco, tentando reconstruir uma Confederação Operária de caráter revolucionário e longe dos caminhos nacionalistas ou estatistas:

Impõe-se, portanto, um ativo, e ininterrupto trabalho de organização de toda a classe operária. Urge que os trabalhadores que já tem associações de suas profissões a eles se unam com entusiasmo, comparecendo às suas reuniões e assembleias, tomando parte ativa em todos os trabalhos associativos, e que eles, que ainda estão desorganizados tratem imediatamente de construir as suas sociedades de resistência. […] Que as organizações de uma mesma localidade se reúnam em federações locais, reunindo-se estas em federações estaduais e todas reunidas, com as federações das uniões de industriais, reconstituir-se a Confederação Operária do Brasil – que há de ser o baluarte poderoso de nossa causa – a causa da redenção dos trabalhadores do domínio odioso da burguesia.430

Interessante notar que apesar da constante perseguição, o grupo em torno desse 428 Ver ROMANI, Carlo. “A revolta de 1924 em São Paulo: uma história malcontada.” In: ADDOR, Carlos; DEMINICIS, Rafael. Op.cit., 2009. p.51-68. 429 Tiago Oliveira afirma que “com exceção do anarquismo, que permanece com sua ogeriza ao Estado, todas as outras correntes políticas elegem a conquista do Estado como condição essencial para efetuar as mudanças almejadas. O fortalecimento dessas correntes não ocorre apenas simultaneamente ao enfraquecimento do anarquismo […]. mas também em seu detrimento, uma vez que a efervescente cultura política desses anos fortalece a noção de necessidade do Estado.” OLIVEIRA, Tiago. Op.cit., p.155. 430 “Mundo operário – A classe trabalhadora do Brasil.” A Plebe, 12 de fevereiro de 1927. p.4.

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periódico foi muito atuante nos meios operários nas décadas posteriores. Os libertários, como na fala dos próprios redatores atestado por pesquisas empíricas recentes, estiveram, em maior ou menor medida, resistindo, junto à classe subalterna e trabalhadora, mesmo nos espaços onde os pensamentos e a ideologia dominante se tornaram majoritários e muito difíceis de se combater.431 O principal foco foi tentar construir uma mínima base que tornasse possível se contrapor tanto ao Estado nacional quanto seu vínculo com o sistema econômico capitalista, que se fortificaram. Organizarse politicamente para esse fim e manter ou retornar à inserção social a partir também de órgãos de reclamação econômica com um forte peso internacionalista local e nacional que os libertários tinham durante essa segunda década - será um dilema constante da bandeira negra no país.

431 Para examinar as pesquisas que mostrar os debates e a inserção do anarquismo nos espaços operários no Brasil após esse período ver SILVA, Rafael Viana da. Elementos Inflamáveis: organizações e militância anarquista no Rio de Janeiro e São Paulo (1945-1964). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014 e AZEVEDO, Raquel de. A Resistência Anarquista – uma questão de identidade (1927- 1937). Imprensa Oficial: São Paulo, 2002.

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CONCLUSÃO A partir de uma análise densa e sistemática dos periódicos Guerra Sociale e A Plebe e seus grupos, personagens bem como a trajetória e contexto social em que foram criados foi possível perceber e captar algumas características do próprio movimento anarquista e sua relação com o movimento operário e revolucionário na segunda década do século XX em São Paulo. Primeiramente foi possível perceber que os jornais e grupos analisados eram frutos de experiências iniciadas desde o começo do século, quando o anarquismo foi enraizado à classe operária e subalterna, articulando suas estratégias, como o sindicalismo revolucionário, na própria constituição dessas classes na cidade. Os militantes embora constantemente perseguidos e também sofrendo com os refluxos do movimento operário em períodos de crise, tentavam criar uma militância em que fosse possível agregar as experiências gerais dos grupos explorados ao radicalismo revolucionário. A criação do periódico A Lanterna, unindo diversos grupos contra o clericalismo, ao mesmo tempo em que tentava intercalar a orientação grevista e revolucionária foi um claro exemplo desse tipo de articulação. Com o irrompimento da Primeria Guerra Mundial, fechando as fronteiras nacionais e o crescimento da população somado à grande migração das áreas rurais para os centros industriais, resultou no incremento de uma luta classista unindo a prática e a teoria internacionalista anarquista – praticada em alguns congressos no país e em regiões vizinhas na América do Sul - à sua experiência classista na cidade, contexto no qual foi gerido o grupo e periódico Guerra Sociale. Embora alguns anarquistas, em outras partes do globo, tenham declarado apoio aos aliados, acreditando estar em um lado certo e mais humano do conflito, os anarquistas imigrantes – que antes tinham apresentado ideários etnocêntricos – rebuscaram em sua ideologia práticas e traços, como as lutas anti-imperialistas e os congressos internacionais, que pudessem beneficiar sua militância local - agora num país fora da Europa - onde estavam se desenvolvendo e atuando. Esses militantes foram contra os conflitos nacionais, acreditando que os possíveis causadores desses eventos, a classe burguesa e detentora dos meios de produção, deveria ser combatida pelos povos, internacionalmente e também nacionalmente. Os anarquistas perceberam que um sentimento de nação estava sendo potencializado no país e usavam esse ideário para tentar construir um movimento operário coeso às condições do país. Desse modo, tal grupo e periódico foi responsável

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por abrir um debate importante no movimento operário e no movimento anarquista, tanto para aumentar a difusão da sindicalização no país, através da resistência econômica e também adquirir uma força política anarquista militante, através de alianças e partidos. A Alliança Anarquista, desse modo, representava esse anseio, resultado tanto de seus debates na cidade e no país, que tentava dar organicidade ao anarquismo militante, quanto da prática internacional anarquista, que havia proposto esse tipo de órgão e forma ativista. A inserção nos movimentos revolucionários e no movimento operário em dois níveis, um político-ideológico: através da tentativa de reunião entre os anarquistas da cidade e do país e outra social: através da organização de massas preferencialmente para a resistência econômica, na nossa hipótese, é que levaram o anarquismo a estar na dianteira nos movimentos grevistas iniciados a partir de 1917. Como evidencia alguns indícios apresentados nessa pesquisa, esses primeiros possivelmente foram os responsáveis por elevar algumas manifestações ao um radicalismo nunca visto antes, interligando as associações existentes e noticiando as greves e manifestações da cidade. Esse contexto criava o grupo e jornal A Plebe, órgão tido pelas autoridades, militantes e por muitos trabalhadores, o mais importante no evento referido. O sucesso de sua empreitada estava exatamente em continuar e desenvolver os debates de organização política, como a Alliança Anarquista, em consonância com as organizações e atividades da própria classe operária e subalterna, como as sindicais, recreativas, culturais e educativas. Porém, pela própria repressão desencadeada e pelo seu papel nos movimentos sindicais e operários, esse nível de atuação não se concretizou, as iniciativas especificamente políticas tiveram que se diluir nas de massas e majoritariamente econômicas, que foram incrementadas, acreditando estarem próximos à revolução almejada, gastando muitos de seus esforços militantes nessa empreitada já que alicerçavam muito do próprio movimento operário. Assim, após a Primeira Guerra Mundial, embora a cultura política anarquista da cidade tendesse para o dualismo organizacional, na prática e pelo próprio encaminhamento do anarquismo na cidade, se efetivava a corrente do organizacionismo que visava somente a organização de massas com base na estratégia do sindicalismo revolucionário. Não obstante, para resguardar alguns aspectos ideológicos do anarquismo, os ideários revolucionários internacionalistas também eram usados dando densidade ao movimento operário local embora eventos e grupos não anarquistas eram também instrumentalizados. A Revolução Russa parecia ser um exemplo excelente provindo da

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própria classe trabalhadora a ser seguido e, por isso, era instrumentalizado como bagagem militante para inflamar as reivindicações e paralisações locais. A partir da tradução desse evento em um contexto de intensa repressão após a onde grevista de 1917, foi necessário, para os anarquistas, além de sustentarem boa parte do movimento sindical na cidade, criar uma coligação política de variadas redes e grupos revolucionários, de maioria anarquista, porém mais flexível aos socialistas e sindicalistas pragmáticos (através do Partido Comunista de 1919), no intuito de conservar a própria militância no movimento operário que estava sofrendo ataques brutais. Mais uma vez, a organização política especificamente anarquista teve que ser adiada. Essa atitude foi uma via de mão dupla para os anarquistas que após sua desvinculação do projeto bolchevique teve que lidar com uma organização comunista, de 1922, que unia essa nova orientação revolucionária, poderosa em influência internacional - pela própria expansão de sua ideologia – e local, uma vez que também foi construída também a partir da própria tradição organizadora do anarquismo, este último que se desgastou para tentar sustentar o movimento operário. No fim da segunda década, os libertários tiveram que disputar espaço novamente nos espaços sindicais e lidar com os novos movimentos sociais e políticos sem uma organização política concreta, ao contrário dos comunistas. Tentar construir uma força operária e uma política anarquista totalmente adaptada às novas transformações do país e manter seu internacionalismo seria uma meta bastante difícil para os anarquistas que, daquele momento em diante, teriam que enfrentar as bruscas transformações do Estado e do nacionalismo que marcariam profundamente a divisão da classe operária e a consequente desorientação da resistência contra a expansão do capitalismo, fenômeno igualmente global.432 Nesse caso, as conexões, embates e transformações do anarquismo e dos movimentos socialistas frente ao nacionalismo não foram completamente estudados e merecem um exame aprofundado numa próxima oportunidade.

432 Para examinar as relações entre movimento operário, socialismos e nacionalismo ver LINDEN, Marcel van der. Op.cit., 2013. p.289-318.

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FONTES Arquivo Edgard Leuenroth – Unicamp: - Guerra Sociale (1915-1917) - A Lanterna (1909-1914) - La Propaganda Libertária (1913-1914) - O Amigo do Povo (1902-1904) - Germinal (1902-1919) - La Battaglia – La Barricata (1909-1913) - Alba Rosa (1919-1920). - Aliança anarquista (Rio de Janeiro -1918) - A Razão (São Carlos- 1919). - A Liberdade (Rio de Janeiro-1919).

Centro de Documentação e Memória da UNESP (CEDEM): - A Plebe (1917-1919) - Atas e resoluções do Congresso Internacional da Paz – Rio de Janeiro – Confederação Operária Brasileira - Boletim da Escola Moderna: (13-10-1918, 05-01-1919, 18-03-1919) - Boletim do Terceiro Congresso Operário de São Paulo (08-1920) - Guerra Sociale (1915-1917) - Correspondências de Astrojildo Pereira para o periódico O Imparcial (1915-1917). - Exposição anarquista (fotos de militantes digitalizadas)

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ANEXO (IMAGENS)

Suplemento do periódico Guerra Sociale. “Os anarquistas, os operários e o estado de guerra”. 1/05/1916

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Chamada feito pela periídico Guerra Sociale. “Aos trabalhadores de todos os países.” 1/05/1916

Imagem de Oreste Ristori detido pela polícia. Arquivo Cedem - Unesp. Sem data

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Gigi Damiani. Cedem-Unesp. Sem data.

174

Circular do Primeiro Congresso Internacional da Paz feito pela Confederação Operária Brasileira. 1915

Suplemento de A Plebe denunciando a repressão. 15/09/1917

175

Edgard Leuenroth. Cedem-Unesp. Sem data.

Neno Vasco. Cedem-Unesp. Sem data

176

A Plebe. 30/06/1917

A Plebe. 09/06/1917

177

(A Plebe. 09/07/1917)

A Plebe noticiando o funeral de José Martinez. 28/07/1917

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Boletim da Escola Moderna. 13/10/1918

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