PEÇAS GRÁFICAS PUBLICITÁRIAS NÃO-CONVENCIONAIS: CONQUISTAS ESTÉTICAS DA CONTEMPORANEIDADE

May 25, 2017 | Autor: Hugo Fortes | Categoria: Design, Material Culture Studies, Comunicação visual, Artes Visuais
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ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – ECA-USP

PEÇAS GRÁFICAS PUBLICITÁRIAS NÃO-CONVENCIONAIS: CONQUISTAS ESTÉTICAS DA CONTEMPORANEIDADE Dissertação de Mestrado

Autor: Hugo Fortes

Pesquisa desenvolvida com o apoio da FAPESP

Junho 2000

Área de Concentração: Relações Públicas e Propaganda Linha de Pesquisa: Arte Publicitária e Produção Simbólica Orientador: Prof. Dr. Ivan Santo Barbosa

SUMÁRIO

Sumário.............................................................................................................1 Resumo..............................................................................................................2 Abstract.............................................................................................................3 Apresentação....................................................................................................4 1 – As Peças Publicitárias Gráficas Não-Convencionais.................................10 2 – O Objeto Industrial e o Objeto na Arte....................................................34 3 – Do Plano Bidimensional ao Objeto Multidimensional Interativo............60 4 – O Material como Elemento Semântico.....................................................82 5 – Análise de Peças Publicitárias Não-Convencionais.................................107 Conclusão.....................................................................................................148 Bibliografia......................................................................................................153 Índice das Ilustrações.......................................................................................160

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RESUMO

A presente dissertação apresenta os resultados obtidos em nossa pesquisa de mestrado a respeito das peças publicitárias gráficas não-convencionais. Tais peças, utilizam elementos lúdicos,

interativos e sinestésicos que estimulam os diferentes sentidos da percepção humana de maneira

fenomenológica. A análise destas peças foi baseada em um estudo comparativo entre elas e certas obras artísticas contemporâneas, procurando extrair daí pontos de convergência e divergência entre a produção publicitária e a produção artística. O estudo se complementa com a análise semiótica de algumas peças abordadas relacionando sua configuração formal com as necessidades de comunicação persuasiva demandadas pelo discurso publicitário.

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ABSTRACT

This dissertation presents the results of our mastership research about the non-traditional graphic advertising pieces. These pieces make use of ludic, sinestesic and interative elements that stimulate the diferent senses of human perception in a phenomenologic way. The analisis of these pieces was based in a comparative study between them and certain contemporary artistic works , aiming to detect points of convergence and divergence between the artistic and the advertisign production. The study is completed with the semiotic analisis of some referred pieces, relating their formal configuration to the needs of the persuasive comunication required by the advertising discourse.

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APRESENTAÇÃO Em nossa atividade profissional na área de design gráfico, temos notado o aparecimento de um novo tipo de peça publicitária gráfica que apresenta características mais lúdicas, interativas e sinestésicas do que as peças publicitárias gráficas convencionais. Utilizando diferentes materiais, métodos de impressão, formatos e dobras incomuns, estas peças propõem ao receptor uma atividade mais participativa no momento de sua decodificação. Desde 1989, ano em que concluímos a graduação em Publicidade e Propaganda, temos nos interessado por este assunto e realizado a criação de diversas peças deste tipo, além de procurarmos nos aprofundar nos estudos e na conceituação teórica sobre elas. Nosso trabalho de conclusão de curso consistiu de uma espécie de guia prático para a criação destas peças gráficas não-convencionais, no qual podia ser encontrada uma relação das possibilidades viáveis para a sua realização técnica, incluindo-se aí uma descrição dos tipos de materiais existentes na época, os métodos de impressão disponíveis e os variados tipos de acabamento, cortes e dobras que podiam ser utilizados nestas peças. A partir deste trabalho pudemos desenvolver uma série de exemplos práticos destas peças, muitas vezes solicitadas por clientes de nosso escritório de design gráfico. Com o passar do tempo, notamos que o estudo não poderia se restringir às questões técnicas, mas deveria se aprofundar na análise destas peças gráficas não-convencionais, localizando-as em seu tempo histórico, descrevendo seus processos de criação e elaboração formal e relacionando-as com outras áreas de produção cultural.

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Paralelamente ao nosso trabalho na área de design gráfico, pudemos iniciar nossa carreira na área de artes plásticas, criando e produzindo esculturas, objetos e instalações. Esta experiência nos trouxe novos conhecimentos, que confrontados com nossa atividade como designer gráfico, geraram a necessidade de se estabelecer uma linha de raciocínio que relacionasse a produção artística à produção publicitária, identificando semelhanças e diferenças entre estas duas linguagens. Pudemos perceber que as interfaces entre a publicidade e a arte são bastante antigas. Embora possamos encontrar obras de arte que muito se assemelham à atividade publicitária pela função de divulgação que tiveram, como as gravuras renascentistas, por exemplo, é principalmente a partir da sociedade industrial que a publicidade começa a se estruturar e ganhar importância nas relações de consumo. Assim, é no início do século XX que vamos encontrar uma sociedade já baseada na indústria e comércio e já com uma atividade publicitária iniciada e em vias de desenvolvimento. Desta época, podemos citar os famosos cartazes publicitários criados por Toulouse-Lautrec para a divulgação de cabarets. Neste período, as atividades de publicitário e artista ainda foram muitas vezes desempenhadas pelos mesmos profissionais. Outro exemplo bastante relevante nas relações entre arte e publicidade é a Pop Art, característica dos anos 60. Aqui, ciente já da existência de uma comunicação massiva, o artista apodera-se da lógica mecanizada da produção publicitária para justamente questioná-la. Atualmente, alguns artistas contemporâneos como Barbara Kruger ou Jenny Holzer1 utilizam-se dos meios tradicionalmente publicitários como outdoors, neons, painéis eletrônicos e criações baseadas em textos verbais, para comunicar mensagens poéticas e, muitas vezes ambíguas, a um grande número de espectadores.

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Ver ilustrações do trabalho das artistas na próxima página .

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A publicidade, por sua vez, sempre se utilizou de processos e conceitos artísticos, procurando se aproximar da arte de forma a garantir um status de cultura superior, que fornecesse sofisticação aos produtos que anuncia. Se, por um lado, as artes se apropriam dos discursos publicitários, tanto no nível temático, quanto em seus métodos operativos, de outro lado, também a publicidade gráfica atual é influenciada (ou reflete) os conceitos e elementos discutidos pelas artes plásticas presentes no inconsciente coletivo.

Dentro deste contexto de interdisciplinaridade, nos colocamos na postura de “contrabandista dos saberes” conforme nos diz Edgar Morin em sua entrevista a Guitta Pessis-Pasternak2.

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“O que me interessa não é uma síntese, mas um pensamento transdiisciplinar, um pensamento que se interrompa nas fronteiras entre as disciplinas. O que me interessa, é o fenômeno multidimensional, e não a disciplina que seleciona uma dimensão desse fenômeno. Tudo o que é humano é ao mesmo tempo psíquico, sociológico, econômico, histórico, demográfico. É importante que esses aspectos não sejam separados, mas concorram para uma visão “poliocular”. O que me move é o desejo de ocultar o menos possível a complexidade do real” . In: PESSIS-PASTERNAK, Guitta. Op. Cit.

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Obra da artusta Bárbara Kruger que utiliza a Linguagem publicitária para causar um ruído na apreensão da mensagem pelo espectador. Obra da artista Jenny Holzer que utiliza luminosos e painéis eletrônicos que expressam conteúdos verbais de maneira a provocar um estranhamento no receptor.

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Assim, prosseguimos nossa busca no interrelacionamento destas duas áreas do conhecimento, sem atribuir uma valoração maior a uma ou outra área, mas, procurando verificar de que maneira uma área poderia se beneficiar com os conhecimentos adquiridos em outra e como poderíamos estudar os procedimentos e operações estéticos e semânticos que ocorriam tanto na criação publicitária como na criação artística. Ao escolhermos como tema para nossa dissertação de mestrado as peças publicitárias não-convencionais, pudemos conduzir o aprofundamento teórico de nosso trabalho a partir do estudo de certas correntes artísticas que apresentavam determinadas características semelhantes àquelas presentes nestas peças publicitárias gráficas não-convencionais . Com o desenvolvimento de nossa pesquisa fomos sentindo diversas necessidades de abordagem em nosso estudo. A primeira delas era a necessidade de definição do nosso objeto de estudo, identificando quais os elementos técnicos que classificariam as peças publicitárias não-convencionais, já que estas não constituiam uma categoria já delimitada e estudada. A delimitação destes parâmetros pôde ser feita no primeiro capítulo que integra este texto. Acreditamos que neste capítulo, podemos estabelecer um certo rigor necessário para a definição de quais peças poderiam ser incluídas dentro da amostra que analisamos. Após definirmos e conceituarmos as peças publicitárias gráficas não-convencionais, passamos ao estudo comparativo entre a publicidade e as artes plásticas, procurando identificar quais as questões mais relevantes para a análise das peças publicitárias gráficas nãoconvencionais. Pudemos isolar três questões básicas, que vieram a constituir o tema de cada um dos capítulos centrais de nossa dissertação:  a questão da semantização do objeto industrial capturado a partir de formulações conceituais, seguindo a maneira de Duchamp na criação de seus ready-mades;

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 a questão do desdobramento do plano bidimensional no espaço real, incluindo a introdução de elementos sensoriais e interativos que puderam ser localizados nos trabalhos dos artistas neoconcretistas brasileiros;  a questão da utilização do material como elemento símbólico e semântico na constituição de obras plásticas, que pode ser destacada no estudo de algumas obras do artista plástico alemão Joseph Beuys e outros integrantes da chamada Arte Povera, bem como, a utilização do material na obra de artistas brasileiros contemporâneos, como Hélio Oiticica, Carlos Fajardo e Nuno Ramos, entre outros. Após o estudo comparativo com as artes plásticas, pareceu-nos interessante realizar uma análise de algumas peças publicitárias gráficas nãoconvencionais, como forma de relacionar os conhecimentos anteriormente obtidos no confronto com as artes plásticas, com as características de formulação do discurso publicitário persuasivo utilizado nas peças publicitárias gráficas não-convencionais. Selecionando algumas peças para análise, decidimos escolher as que haviam sido criadas por nós, em nosso escritório de design gráfico. Além de facilitar o acesso à informação por conhecermos o cliente e as necessidades de comunicação das empresas que solicitaram a criação destas peças, pareceu-nos interessante, efetuar uma análise mais aprofundada destas peças, procurando verificar em que medida os conceitos teóricos por nós desenvolvidos, nesta dissertação, são realmente empregados no trabalho prático. Embora esta análise tenha sido efetuada basicamente a partir de nossa produção como designer, acreditamos que os conceitos teóricos aqui expostos possam ser estendidos a outras produções de outros escritórios de design, já que existem semelhanças entre os trabalhos e pensamentos de alguns designers gráficos. Com relação às conclusões gerais obtidas em nosso estudo, estas apontam para a possibilidade de uma leitura das peças publicitárias não-convencionais dentro de um contexto teórico relativo à idéia de pósmodernidade.

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1 - AS PEÇAS PUBLICITÁRIAS GRÁFICAS NÃO - CONVENCIONAIS Antecedentes para o Surgimento das Peças Publicitárias Gráficas Não-Convencionais Nas últimas décadas a publicidade de massa já tem sido tão incorporada ao nosso dia-a-dia, que vem sofrendo uma espécie de desgaste perante a um consumidor cada vez mais exigente e consciente da atividade publicitária. Consumidores já acostumados com o avalanche de mensagens publicitárias que os atingem têm se tornado mais críticos e conscientes da produção publicitária, muitas vezes até reclamando do aspecto massivo e pouco imaginativo dos anúncios. A quantidade excessiva de informações a que se tem acesso, através dos mais variados meios de comunicação de massa, vem gerando uma certa dispersão da mensagem publicitária que se encontra banalizada, fragmentada e misturada entre os mais diversos tipos de informações veiculadas. Além disso, os altos custos de veiculação nas mídias de massa (especialmente na mídia eletrônica) e o elevado nível de especialização de mercados têm levado empresários a investir em uma comunicação mais direcionada, que atinja seu público-alvo de uma maneira menos indistinta. Embora a comunicação de massa ainda tenha um importante papel na propaganda atual, constata-se um crescimento nos investimentos nos meios de comunicação dirigida. Estes meios, diferentemente da televisão, rádio, jornais ou revistas (considerados meios de comunicação de massa), possuem geralmente um tipo de consumidor-alvo específico, segmentado a partir de características comuns. Assim, os meios de comunicação dirigida (cartas,

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circulares, folhetos, folders, etc.) atingem um número menor de consumidores, porém que possuem geralmente um maior grau de interesse nos produtos a eles direcionados.

Esta nova postura é reflexo das alterações ocorridas na produção e no consumo de mercadorias nas últimas décadas, que têm sido orientados no sentido de uma maior segmentação de mercados, baseada não apenas em um consumo massivo e indiferenciado, e sim cada vez mais especializado e voltado para públicos mais específicos. A massa amorfa e indistinta de consumidores-alvo vem sendo substituída por "tribos urbanas" com características e hábitos de consumo próprios, gerando até empresas especializadas em produzir para nichos de mercado que não são atingidos pela produção massificada. Estas “tribos urbanas” vêem na diferenciação uma possibilidade de expressão social, e através de seu linguajar, modos de vida e formas de se vestir podem garantir ao indivíduo uma possibilidade de socialização não baseada na massificação total, mas sim em uma sociedade fragmentária, celular e “politicamente correta”, que procura oferecer lugar aos mais variados tipos de comportamento. De olho nesta fragmentação diversas empresas, além de procurar produzir produtos com o intuito de atender necessidades de grupos de consumidores específicos, também têm buscado comunicar-se através de uma publicidade mais diferenciada. É neste contexto que os meios de comunicação dirigida têm merecido grande destaque no planejamento de mídia das campanhas publicitárias atuais.

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Entre esses meios podemos citar a “mala-direta”, os folhetos e folders e todo tipo de material gráfico que estabelece uma relação mais direta com o receptor, que muitas vezes é selecionado dentro de um “mailing”3 específico. Ocorre que este tipo de material não é totalmente novo para o consumidor e também busca uma diferenciação cada vez maior. Mesmo buscando esta diferenciação através de uma argumentação persuasiva que reúna texto e imagens articuladas de maneira criativa, muitas destas peças gráficas não têm conseguido chamar a atenção do receptor pelo fato de que, por mais criativas que sejam, suas mensagens ainda são apresentadas segundo padrões gráficos convencionais. Os próprios meios da “mala direta” e do material de folheteria encontram-se desgastados perante o consumidor, já que além de terem sido mal utilizados durante vários anos, não contam, a princípio, com os mesmos elementos sedutores dos meios eletrônicos ( a luz, o movimento, o som, etc.).

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O mailing é um cadastro de endereços de clientes ou clientes em potencial aos quais uma empresa dirige suas malas diretas. Os mailings podem ser obtidos através do cadastramento dos clientes e contatos de uma empresa ou pode ser comprado em empresas específicas que comercializam este tipo de informação.

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Uma Nova Poética nas Peças Publicitárias Gráficas Frente a esta situação, alguns publicitários e designers gráficos têm procurado encontrar soluções que revitalizem a utilização dos meios gráficos, concentrando-se, não apenas na construção de uma narrativa persuasiva, mas focando sua atenção para a materialidade destes objetos publicitários e nas relações perceptivas ocorridas entre o receptor e o objeto. Desta forma, pouco a pouco tem surgido uma nova categoria de materiais gráficos publicitários que utilizam outros tipos de apelos como: elementos tridimensionais, formatos não usuais, texturas e outros apelos táteis, e até apelos sonoros e olfativos. Estas peças geralmente apresentam aspectos mais lúdicos do que as tradicionais estabelecendo uma espécie de cumplicidade interativa com o receptor. A estes materiais chamaremos de peças gráficas publicitárias não-convencionais. Suas poéticas diferem das dos materiais convencionais por introduzirem novos elementos na sua relação com o consumidor, que não apenas a imagem plana, bidimensional e impressa conjugada a um texto persuasivo, mas um envolvimento muitas vezes até sinestésico, atuando sobre a sensibilidade corpórea do indivíduo que os recebe. Ao recebê-los o consumidor deve não apenas olhá-los ou lê-los, mas manipulá-los, desdobrá-los ou sentí-los através do tato, olfato e até audição. Assim, a análise de sua linguagem visual deve considerar como signos portadores de significados não só a imagem e o texto neles contidos, mas todos os elementos acima citados que interferem na sua percepção e interpretação. Embora a categoria de peças publicitárias gráficas possa incluir outdoors e anúncios para revista ou jornal e também estes possam apresentar características não-convencionais, restringimos nossa pesquisa às peças gráficas que constituem mídias diretas, mais voltadas para a comunicação dirigida baseada em mailings. Esta escolha, além de buscar uma análise mais aprofundada por não ampliar excessivamente o campo de estudo, deve-

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se também ao fato de que as peças de mídias direta apresentam, na maior parte das vezes, mais liberdade na criação e utilização de materiais e processos alternativos, já que não estão condicionadas a um formato ou processo determinado por não se vincularem a um meio de comunicação já pré-estabelecido. Não se pode precisar qual a data histórica de seu primeiro aparecimento. Poderemos talvez encontrar algumas peças publicitárias que se enquadrassem dentro das características das peças não-convencionais até mesmo no início do século XX ou até antes, porém este aparecimento tratava-se de uma efeméride ocasional. A história da publicidade ainda é pouco desenvolvida e são raros os documentos que se tornam oficiais, pelo próprio fato da comunicação publicitária ser geralmente descartável.Assim, a produção de peças publicitárias gráficas não-convencionais, que pretendemos analisar, se refere àquela produzida a partir de 1980, uma vez que é nesta década e nas subsequentes que elas têm aparecido com maior frequência. Este fato deve-se tanto ao desenvolvimento de novas técnicas de produção e impressão, bem como às necessidades de diferenciação na comunicação dirigida, já explicitadas anteriormente.

Por se tratar de uma nova categoria de objetos publicitários, ainda não totalmente institucionalizada seu estudo científico deve-se iniciar definindo-se os limites da categoria, estabelecendo que tipos de materiais podem se enquadrar dentro da nomenclatura "não-convencionais" e quais aqueles que ainda se reportam aos padrões convencionais. O termo não-convencional foi escolhido por nós por não termos encontrado um sinônimo mais adequado. O termo “inovador”, embora apresente significados semelhantes, parece-nos mais vago e mais subjetivo. Já o termo “não-convencional”

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pressupõe que haja uma convenção (quer seja ela por razões práticas ou de costume) e situa as peças publicitárias gráficas não-convencionais como exceção a esta convenção.

Assim, se por um lado o padrão convencional de produção de impressos publicitários é mais fácil de definir em função do que é mais usual para a maioria das agências e gráficas, por outro lado o termo "não-convencional" é menos restritivo uma vez que engloba peças bastante díspares, mas que com certeza possuem características bem distintas dos impressos tradicionais. O padrão convencional de produção de impressos foi sendo definido, ao longo dos anos, devido às necessidades de racionalização, baixos custos e agilidade na produção de impressos. Assim, os impressos mais convencionais são geralmente impressos em papéis brancos não texturados (Couché, Alta Alvura, Offset, Opaline, Supremo), com formatos retangulares, impressos em offset, e que utilizam dobras paralelas ou perpendiculares sem maiores exigências no acabamento. Os impressos convencionais são geralmente produzidos pela maioria das gráficas e fazem parte de seu dia-a-dia de produção.

Já a categoria "não-convencional" é mais difícil de definir, pois, nela podemos incluir tudo que escapa ao padrão convencional sem perder as características de meio de comunicação dirigida, não eletrônico que porém ainda se utiliza de um sistema de produção gráfica. Não existe, portanto, nesta categoria, a limitação quanto a um determinado tipo de material ou procedimento, uma vez que tudo depende da imaginação do criador que a produz. Algumas gráficas e agências costumam chamar este tipo de impresso não-convencionais de “Projetos Especiais”.

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Os processos de produção e criação das peças publicitárias não-convencionais também fogem aos padrões. Pelas suas próprias características de produção, nem sempre este tipo de material é criado pelas grandes agências de propaganda, cujo fluxo de trabalho impossibilita a pesquisa e tempo dedicado a sua criação e produção. Este trabalho geralmente tem ficado reservado a escritórios de design ou artistas plásticos que têm uma flexibilidade maior. O processo de localização e seleção dos fornecedores envolvidos na produção destas peças é bastante complexo já que geralmente estes fornecedores não se encontram entre as gráficas tradicionais. Por serem meios que divergem dos padrões convencionais de produção, podem ser produzidas em quantidades menores ou até mesmo uma única peça destinada a cumprir um objetivo de comunicação específico. Com o apoio da informática, isto se torna ainda mais fácil, já que as possibilidades de impressão de peças em pequenas quantidades ou com diferenciação individual têm sido cada vez mais ampliadas.

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Parâmetros Técnicos das Peças Publicitárias Gráficas Não-Convencionais Enquanto as peças publicitárias convencionais são realizadas geralmente em papel branco não-texturado, em formato retangular e impressas em offset, um peça publicitária pode ser considerada não convencional se propõe outras alternativas em um ou mais quesitos abaixo:  material -Ex: peças publicitárias impressas em papéis diferenciados (reciclados, artesanais, texturados, coloridos, papéis não gráficos etc.) ou utilizando outros materiais como tecido, plástico, borracha, couro, metal etc.  sistemas de impressão - Ex: peças impressas em silk screen, relevo seco, relevo americano ou alto relevo, hotstampping4, processos xerográficos e heliográficos, impressões via impressoras de computador ou plotters, processos fotográficos, processos da gravura ou outros métodos artesanais (pintura, desenho) entre outros.  formatos e dobras - Ex: formatos que necessitem de facas especiais (polígonos côncavos ou com formas orgânicas) ou que sejam conseguidos em guilhotina tradicional, porém fora dos eixos vertical/horizontal; dobras realizadas fora do eixo vertical/horizontal, dobras e vincos conjugados a cortes especiais que possibilitem efeitos tridimensionais (pop-up, cut-away, twist-out5), dobraduras tipo origami ou semelhantes.

4Hotstampping-

5Tipos

sistema de impressão a quente com peliculas adesivas.

de cortes conjugados a dobras que produzem cartões com relevos. In: JACKSON, Paul, op. Cit.

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 acabamento: acabamentos especiais como furações, colocação de ilhóses, colagens, encadernações, embalamentos, colocação de cantoneiras, plastificações, vernizes, introdução de elementos mecânicos, elétricos ou eletrônicos, aplicação de objetos tridimensionais etc.

A categoria de peças publicitárias gráficas não-convencionais pode ser ainda subdividida em duas sub-categorias. A primeira subcategoria englobaria as peças cuja característica bidimensional é enfatizada. Na segunda, poderíamos incluir os objetos publicitários cuja tridimensionalidade é o traço principal. Vejamos com mais detalhes cada uma dessas classificações:

Peças com predominância bidimensional: Estes materiais podem apresentar diferenciações em qualquer um dos quesitos acima. Incluem peças de folheteria como folders, folhetos, malas diretas, convites. É importante notar que embora tenham como característica principal a bidimensionalidade, não deixam de ser tridimensionais, pois mesmo que sejam papéis planos possuem uma materialidade concreta e muitas vezes é dessa própria materialidade que extraem sua diferenciação. A utilização de texturas não usuais, combinação de diferentes tipos de materiais conferem a estas peças características próprias, fazendo com que seja estabelecida uma nova relação fenomenológica entre a peça e o receptor, como veremos mais adiante. As peças gráficas publicitárias não-convencionais com predominância bidimensional são mais comuns do que as tridimensionais, uma vez que apresentam custos geralmente mais baixos que estas últimas, maior facilidade de postagem e envio e maior facilidade de criação e produção.

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Podemos citar alguns exemplos que melhor esclarecem quais as peças enquadradas dentro desta categoria. (ver fotos na próxima página)

- Cartão de natal para Buffet Viko (ver foto página 116) : executado em papel reciclado importado, com invólucro em papelão ondulado e aplicação de folhas de eucalipto, impresso em impressora de computador. O jogo das texturas "naturais" dos materiais empregados, as sensações olfativas das folhas de eucalipto e o texto verbal presentes constroem uma narrativa envolvente e persuasiva, passando um clima de frescor e renovação. (Sobre esta peça será realizado um estudo de caso com uma abordagem semiótica no decorrer deste trabalho). - Mala Direta para lançamento de coleção da griffe Georges Henri (ver foto próxima página): executada em plástico polionda semitransparente em envelope impresso. Aqui, o que se destaca é o inusitado do material, que oferece uma nova possibilidade de percepção tátil e visual por parte do receptor. - Mala Direta para doceira "Amor Aos Pedaços": confeccionada em papel couché, impressa em offset, com aplicação de essência de cheiro de bolo. A sedução publicitária é conseguida através do sentido do olfato e da visão, ambos estimulando o paladar.

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Mala-direta para Georges Henri em plástico polionda. Material translúcido que apresenta novas sensações táteis e visuais para o observador.

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Folder de apresentaçao (Perfil) da consultoria „Elvitec Galileo” Peça publicitária não-convencional predominantemente bidimensional. As sensações táteis e visuais são privilegiadas e as janelas recortadas conferem um caráter lúdico à peça, estimulando a manipulação interativa

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Folder de apresentação(Perfil) da consultoria "Elvitec Galileo" (foto página 21), contendo 4 lâminas utilizando diferentes tipos de papéis (texturados importados coloridos, vegetal) impressos em silk-screen com relevo, com janelas recortadas que permitem a visualização da página seguinte, criando um jogo visual. O material é todo envolvido em uma pasta com formato especial que também apresenta janelas recortadas. Neste caso são as sensações táteis e visuais as prioritárias. Através das texturas utilizadas nos papéis e do relevo e brilho das tintas transmite-se uma impressão de sofisticação e seriedade solicitada pelo briefing da empresa. As janelas recortadas conferem um caráter lúdico à peça.

Observa-se que a categoria de peças publicitárias gráficas não-convencionais de predominância bidimensional é bastante ampla, porém por mais diferentes que sejam suas variações quanto aos materias, sistemas de impressão, formatos, dobras e acabamento, estas peças ainda se caracterizam como impressos e apresentam, no geral, uma aparência planar.

Para se ter uma melhor idéia de quais peças podem ser classificadas como predominantemente bidimensionais, podemos visualizar outros exemplos:

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Mala Direta criada para o lançamento de coleção de moda da loja Tendência. Esta peça foi realizada em plástico PVC Irisado, que apresenta variações de cor conforme a luz e impressa em Silk Screen com relevo.

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Estojo com cartões de natal pintados à mão, realizados em papel reciclado para a Consultoria Elvitec Galileo. O fato do papel reciclado gastar menos energia para ser produzido é associado ao fato de a consultoria prestar serviços para a diminuição de gastos com energia.

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Cartão de Natal realizado em papel artesanal confeccionado com fibras de cana-de-açucar e casca de alho. A peça recebeu pintura manual e colagem de uma casca de árvore em sua superfície. Trabalho não empresarial, solicitado por pessoa física.

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Cartão de Natal criado para o Morumbi Shopping. Para ler a mensagem o receptor deve girar o disco, fazendo deslocar o pequeno cometa por onde aparece o texto. O „Giro” é ampliado semanticamente, relacionando-se com a virada do ano e com a frase “Gire pelo Morumbi Shopping”.

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Peças com predominância tridimensional: A segunda categoria engloba peças em que o apelo tridimensional é mais forte; nestas, o material e o acabamento utilizados podem ser ainda mais variados. Constituem-se geralmente de objetos que nem sempre se caracterizam como impressos. A este tipo de peça demos o nome de mala direta objeto e ainda são um pouco raras de se encontrar. Algumas das peças criadas em nosso trabalho como designer são malas diretas objeto, isto é, objetos tridimensionais de ordem simbólica, criados com o intuito de transmitir uma mensagem. Estes objetos podem ter finalidades bastante diferentes como convites para eventos, divulgação de uma idéia ou produto, peças de campanhas de incentivo ou promoções, etc. Diferente do brinde, a mala direta objeto não é um presente que o cliente deve guardar lembrando-se sempre da empresa que o presenteou, mas seu intuito maior é causar um grande impacto no momento do recebimento e atrair o interesse do receptor. Assim, ao invés de receber um simples folheto, o cliente estará recebendo um objeto tridimensional com o qual, muitas vezes, terá que interagir, demorando mais tempo em sua abertura e fruição. Para uma melhor compreensão, citaremos alguns exemplos de propostas já desenvolvidas. Para uma instituição financeira, foi criada uma miniatura de um baú do tesouro contendo uma mensagem que estimule aos correntistas a aplicarem no banco (ver foto página 29). A marca de maiôs Cia Marítima, por exemplo, criou um catálogo todo confeccionado em papel texturado importado que é enviado dentro de uma garrafa de vidro, como se fosse uma garrafa de um náufrago. Esses objetos, além de servirem como suportes de conceitos publicitários, buscam o deslocamento do receptor, atualizando sua atitude lúdica e sinestésica - fim em si mesma.

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A categoria de peças publicitárias não-convencionais com predominância tridimensional é praticamente ilimitada, uma vez que qualquer tipo de material e processo de produção pode ser utilizado na confecção de uma peça deste tipo. Os objetos podem ser objetos reais já existentes no mundo que são ressemantizados na atividade publicitária (semelhantemente aos ready-mades6) ou objetos tridimensionais criados especificamente para a peça publicitária, podendo simular objetos existentes ou não. A mala direta objeto ainda é algo bastante novo porém já vem sendo utilizada por algumas empresas para causar impacto e diferenciação. O termo "mala direta objeto" é por nós proposto, já que não encontramos algum termo que designe este tipo de peça publicitária. Mesmo o conceito de mala direta deve aqui ser um pouco ampliado, já que um dos parâmetros que define a mala direta é que ela seja enviada pelo correio, enquanto que a mala direta objeto nem sempre atende a esta condição, podendo ser entregue pessoalmente ou até por atores performáticos. Do ponto de vista da comunicação, a mala direta objeto, assim como as outras peças gráficas não-convencionais, situa-se entre os meios de comunicação dirigida, já que geralmente destina-se a públicos específicos. Vejamos alguns exemplos:

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O conceito de ready-made será melhor esclarecido no estudo comparativo com as artes plásticas.

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Mala-direta objeto para instituição financeira: Mini-baú do tesouro

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Cartão de Natal Objeto criado para a Consultoria em Energia Elétrica ELVITEC GALILEO, Incluindo cristal como brinde e informações sobre sua utilização para a atrair boas energias. O texto to cartão também se refere à „Boas Energias“, relacionando-as às “Boas Festas”.

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Protótipo para Mala Direta Objeto criada para a empresa Marché Assessoria, que incorpora a idéia do ready-made ao utilizar a inclusão de latas de fermento capturadas do mundo real. As latas recebem um investimento simbólico e passam a representar o crescimento que a empresa que contratar a Marché pode ter.

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Mala Direta Objeto criada para o aniversário de 7 anos do Shopping Tamboré. Os gizes de cera ganham novo significado associados ao texto verbal.

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Uma vez definidos os parâmetros técnicos para definição das peças publicitárias gráficas não-convencionais, podemos passar à análise de suas poéticas e discursos. Na construção de suas mensagens, tais peças geralmente apresentam três questões básicas que constituem as principais características que as distinguem das peças tradicionais:  tendência a tridimensionalidade, aproximando-se do objeto  utilização de elementos lúdicos, interativos e sensoriais e grande utilização de planos desdobrados.  utilização da materialidade como elemento semântico de construção da sua linguagem. Assim passaremos a investigar algumas produções artísticas que possuem características semelhantes, realizando um estudo comparativo entre estas produções e nosso objeto de estudo.

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2 - O OBJETO INDUSTRIAL E O OBJETO NA ARTE O objeto na arte anterior ao modernismo Na pintura, até o início do século XX, a maioria das obras consideradas como grandes representantes do gênio artístico são as que retratam a figura humana, destacando seus feitos heróicos, históricos e sentimentais. A arte é, em grande parte, vista através de uma relação de causa e efeito, em que o artista assume o papel de sujeito enunciador de suas próprias paixões, ou que atua de certa forma como um catalizador das emoções e sentimentos da sociedade em que vive. Assim, a verdadeira obra de arte deveria ser um reflexo de seu tempo histórico e do pensamento da sociedade a que pertence. Desde o início do renascimento até o final do século passado, embora com variações estilísticas e filosóficas, a idéia da arte como expressão individual é mantida e reforçada e a figura humana é geralmente muito valorizada. O gênero “Natureza Morta” pode ser considerado uma exceção a esta regra. Tendo sido bastante valorizado e difundido entre os holandeses no século XVII, a natureza morta representava a vacuidade da vida material (Vanitas) funcionando de certa forma como uma metáfora para a morte e a vida espiritual. Ao adotar o calvinismo como credo, os holandeses substituíram a representação das imagens de Cristo e os Santos, pelas imagens da morte e do vazio das coisas materiais. A incidência da luz sobre os objetos e a dramaticidade com que são pintados conferem às naturezas mortas uma função simbólica da vida espiritual.

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Com o passar do tempo a ‘Natureza Morta” vai ocupando um papel de retrato da vida material burguesa. A valorização do retrato e da pintura histórica vai deslocando os objetos para o papel de elementos acessórios qualificadores daqueles que os detêm, funcionando quase como adjetivos em uma narrativa em que a figura humana atinge o papel de sujeito principal. Nas academias, as naturezas mortas foram geralmente utilizadas para o desenvolvimento de estudos em que os artistas aprendem o tratamento de volumes, formas e luzes para posteriormente aplicá-los nas pinturas que retratarão a figura humana. No final do século XIX e início do século XX, Cézanne retoma de maneira magistral a pintura de naturezas mortas, porém seu interesse desloca-se mais para aspectos formais do que para aspectos espirituais ou simbólicos. As naturezas mortas de Cézanne explicitam o seu fazer artístico, mostrando-se como composições feitas de manchas de cores, formas geometrizadas e uma perspectiva não ortodoxa, mas não por isso de maneira menos poética. Até este momento, no entanto, a escolha de objetos ainda está bastante baseadas na tradição temática da natureza morta. Os objetos retratados são geralmente louças, frutas e flores, pequenos objetos da cozinha, livros, etc. É raro, porém, encontrar-se máquinas e outros objetos produzidos em séries industriais. É só a partir do século XX que estes objetos começam a aparecer com mais frequência, como veremos adiante.

Na escultura, é mais raro encontrarmos obras que se restrinjam à representação de objetos. Na escultura tradicional, duas questões se destacam com freqüência: a sensualidade das formas expressa na voluptuosidade dos corpos retratados e a concepção de escultura enquanto monumento de celebração pública. Confrontando tais questões, reafirmamos a visão da arte como celebração das paixões e aspirações humanas através da representação do próprio homem.

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É só com o aparecimento das vanguardas do modernismo euroupeu, que a presença dos objetos vai se firmar no terreno tridimensional. Sua utilização na criação de obras de arte assume características diversas: desde a espécie de “colagem”, que desenvolve Picasso por exemplo ao criar uma cabeça de touro com um celim e guidão de bicicleta ou ao inserir pedaços de jornais em seus quadros, passando pelos “objet trouvé” dos surrealistas que muitas vezes evocam conotações psicológicas, paradoxais e sexualizantes, como por exemplo o ferro de passar com pregos, de Man Ray chegando até os ready-mades desenvolvidos por Duchamp, que trataremos com maior detalhe posteriormente.

Além da pintura e da escultura, poderíamos avaliar como os objetos seriam pensados dentro das chamadas “artes decorativas” ou “artes aplicadas”, as quais, posteriormente, deram origem ao design. Embora até o final da idade média pouca distinção se fizesse entre o artista e o artesão, após o Renascimento e ainda mais nos movimentos que o seguem, estas duas categorias parecem afastar-se, tornando-se o primeiro um sujeito privilegiado e autônomo pronto a expressar sua criação individual, enquanto que o segundo, embora possa ser criativo deve direcionar suas preocupações para a funcionalidade, utilidade e preciosismo técnico na realização. Mesmo nos estilos mais rebuscados, como o barroco e o rococó, parece que são as artes decorativas que “emprestam” da “grande arte” (pintura/escultura) os atributos estéticos que caracterizam seus objetos como artísticos, e não a “grande arte” que busca inspiração nos objetos utilitários.

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A produção de objetos utilitários Na produção de objetos utilitários, pode-se ainda fazer uma distinção entre dois tipos de objetos: os objetos executados por artesãos gabaritados que foram produzidos para nobres e garantiram seu lugar histórico enquanto objetos das artes decorativas e os objetos executados por artesãos populares comuns em que os atributos estéticos adquirem menor importância e cuja função utilitária é privilegiada. Em ambos os casos, porém, ainda há uma certa artesanalidade, que após a revolução industrial, vai sendo gradativamente diminuída. Conforme nos conta Nikolaus Pevsner7 em “As origens da Arquitetura Moderna e do Design” o aparecimento da indústria teve repercussões fundamentais na fabricação de objetos e na arquitetura. Se num primeiro momento os arquitetos e designers reagiram contra a mecanização imposta pela máquina, dirigindo a criação de suas peças para a artesania e a elaboração formal orgânica e fantasiosa, que pode ser verificada na Art Nouveau ou nas contruções de Gaudí, por exemplo, num segundo momento buscou-se uma simplificação das formas e utilização de linhas mais retas inspiradas no design inglês, no qual se destaca a figura de William Morris. Para Pevsner, as inovações trazidas pelo modernismo são principalmente: “el rechazo del historicismo del siglo XIX, la osadía en ahondar en la propia capacidad inventiva y su mayor interés por los objetos que por la pintura y la escultura”.8 Assim, a entrada no século XX vai trazer aos objetos um novo papel na sociedade e isto trará mudanças nas relações entre o objeto e seus consumidores.

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Nikolaus Pevsner foi importante artista ligado ao construtivismo russo, que escreveu diversos estudos sobre arquitetura e design. In Pevsner, Nikolaus. Los origenes de la arquitectura moderna y del diseño. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1969.

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Os objetos de uma casa anterior à era industrial ainda obedecem à necessidade funcional da família patriarcal. Enquanto elementos significantes, tais objetos mantém, de certa maneira, a mesma relação de causa e efeito existente entre o artista e sua obra, na medida em que “expressam” as necessidades da família que os encomenda. Para Jean Baudrillard, esta relação entre os membros da família e os objetos que ela detêm chega a ser quase orgânica. É este autor que nos escreve: “Neste espaço privado, cada móvel, cada cômodo por sua vez interioriza sua função e reveste-lhe a dignidade simbólica: completando a casa inteira a integração das relações pessoais no grupo semi-fechado da família. Tudo isto compõe um organismo cuja estrutura é a relação patriarcal de tradição e de autoridade e cujo coração é a complexa relação afetiva que liga todos os seus membros. (...)os objetos existem aí primeiro para povoar o espaço que dividem entre si e possuir uma alma”.9 Ao analisar o ambiente patriarcal da família tradicional, Jean Baudrillard chega mesmo a utilizar a expressão “móveis-monumento” para destacar a imobilidade que possuem alguns dos objetos pertencentes a este ambiente. A expressão “móveis-monumento” faz-nos lembrar da característica monumental da escultura tradicional, que já foi comentada anteriormente. Parece-nos que também os objetos cotidianos emprestam das artes a sua função de celebração, que neste caso refere-se a celebração da imobilidade da ordem social patriarcal. Com o desenvolvimento da sociedade industrial e o surgimento de uma sociedade caracterizada por uma produção e consumo mais massivos, esta configuração no sistema dos objetos tende a se alterar. A funcionalidade que os objetos modernos devem ter não é subordinada apenas às necessidades da família que o encomenda, mas também, às necessidades racionalizantes da produção industrial e da comercialização massiva.

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BAUDRILLARD, Jean. Op. Cit.

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O poder do sujeito em “expressar-se” através de seus objetos pessoais, estaria assim, reduzido, uma vez que a configuração dos objetos que ele agora possui é mediada por uma lógica racional industrial. Para que o sujeito possa se relacionar afetivamente e simbolicamente com seus objetos é criada uma estratégia do “arranjo”, em que o sujeito pode escolher entre alguns modelos e padrões de objetos pré-determinados pela indústria e compor assim uma narrativa ilusória, que o expresse enquanto sujeito. Segundo Carlos Sena Passos10, com esta nova ordem do consumo, “o estatuto histórico que codificava as relações do homem com o objeto, e que instituía o poderio milenar do primeiro sobre o segundo, é drasticamente abolido, fundando-se outro, baseado na alienação do sujeito. (...) O homem, na condição de consumidor, rende-se à vitória do progresso funcional do objeto.” Diante desta nova realidade, são produzidos objetos em série, com pouca diferenciação entre si. Ao invés de guardar uma herança cultural e os traços artesanais com que eram produzidos antes da industrialização, estes novos objetos trazem uma nova ordem baseada na funcionalidade racionalista, que se encontra na base do sistema capitalista. Por outro lado, a industrialização traz consigo um aumento na variedade de produtos disponíveis e um incremento nas ações de comercialização e propaganda. Concomitantemente com esta industrialização, ocorrem mudanças radicais na cena artística mundial. A invenção da fotografia e outros aperfeiçoamentos tecnológicos tiram do artista a exclusividade na criação de imagens e seu papel como indivíduo criador de uma obra única e irreproduzível. Assim, também a arte pôde começar a ser vista como um produto em série. Dentro deste novo contexto surgem duas grandes correntes que trazem para a arte elementos constitutivos deste novo processo de produção industrial de objetos.

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In: PASSOS, Carlos Sena. Op. Cit.

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A primeira delas é a corrente que aproveita-se dos benefícios da indústria para pensar na possibilidade de produção de uma arte em série, que atingiria assim um maior número de pessoas. Baseada em conceitos racionalistas, tal corrente vai tentar introduzir um certo grau de artisticidade em objetos banais, aliando sua necessidade funcional a seu valor formal e estético. Esta corrente aproximará o design das artes plásticas e terá seu grande momento na escola Bauhaus, que trataremos com mais detalhe no capítulo seguinte. A segunda corrente que nos interessa discutir neste capítulo é aquela que procura questionar esta nova ordem social baseada na funcionalidade capitalista. Ao invés de integrar-se ao sistema industrial, esta nova corrente, mais negativa, de certa forma opõe-se a ele, retirando seus objetos de seu estado comum, para transpô-los para o ambiente artístico.

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Marcel Duchamp e a significação a partir da função do objeto Um dos principais artistas a realizar esta operação é Marcel Duchamp. Descontente com o excesso de racionalismo existente na arte do começo do século, Duchamp começa a desenvolver um trabalho que desloca o sentido do objeto e investiga a fundo o que pode lhe conferir um caráter artístico. Ao eleger um urinol ou um porta-garrafas como objeto artístico Duchamp elimina a idéia de arte como uma relação causal entre um indivíduo e sua expressão através de uma formulação estética. Se, anteriormente, o observador poderia intuir o significado que a obra deixava transparecer pois era a intenção do artista expressar-se, nos ready-mades de Duchamp a apreensão do significado mostra-se opaca e refratária, pois acostumado a decodificar a obra a partir de suas características formais, o observador não encontra, à primeira vista, operações que diferenciam o ready-made de um objeto comum. A operação artística que Duchamp faz nos ready-mades é sutil e consiste em deslocar um objeto de consumo cotidiano de sua função e ressemantizálo, inserindo-o em um novo contexto, com uma função poética. A atitude de Duchamp é possível a partir da análise da estrita relação do objeto moderno com a funcionalidade e sua produção em série. Para melhor esclarecer as questões relacionadas aos objetos industriais reavivamos algumas noções apresentadas por Jean Baudrillard em “O Sistema dos Objetos”11. Para este autor, a funcionalidade ligada aos objetos industriais ocorre em dois níveis: o primeiro se refere a função objetiva que o objeto apresenta, a utilidade que ele tem; o segundo nível de funcionalidade refere-se ao local que ele ocupa na sociedade, como unidade significante subjetiva, carregado de valores ligados aos desejos da sociedade que os produz e consome. Jean Baudrillard apresenta-nos ainda um

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In: BAUDRILLARD, op. Cit.

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exemplo em que o objeto é abstraído de suas funções objetivas originais: é o caso das coleções. Uma xícara, em uma coleção, não tem mais a função de conter café, mas uma função decorativa, em que seus atributos estéticos e históricos são ressaltados e trazem-lhe um novo significado. A atitude de Duchamp, embora apresente semelhança com a do colecionador, traz um traço bastante particular que a diferencia: a ironia. Duchamp não retira o objeto de sua função por seus valores estéticos formais ou afetivos, mas, ao contrário, interessa-se por objetos absolutamentes banais e desinteressantes. O que ele chama de beleza da indiferença12. O urinol a que ele chama “Fonte” e envia a uma exposição como escultura não possui valor algum: não foi feito pelo artista, não é belo, não possui valor financeiro, não é único e nem tem mais serventia. No entanto, seu poder comunicador dentro do contexto em que Duchamp o insere é extremamente violento e radical. Para a crítica Rosalind Kraus13 “(...) uma das respostas sugeridas pelos ready-mades é a de que um trabalho de arte pode não ser um objeto físico, mas sim uma questão, e que seria possível reconsiderar a criação artística, portanto, como assumindo uma forma perfeitamente legítima no ato especulativo de formular questões”. Ao eliminar a necessidade de confeccionar manualmente a obra artística, Duchamp separa ainda mais o artista do artesão. É curioso notar que, se anteriormente, o artesão ocupava-se de confeccionar objetos utilitários, enquanto o artista dedicava-se a retratar o homem através da representação de suas paixões, com Duchamp o artista nem confecciona objetos, nem retrata o homem em suas paixões, mas pensa sobre a relação existente entre o homem e seus objetos.

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In: PAZ, Octavio, op. cit. In: KRAUS, Rosalind, op. Cit.

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Ready-made “Fonte“ de Marcel Duchamp

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Os ready-mades de Duchamp não são exatamente esculturas. Não procuram a forma, mas a deformação do sentido. Seu fazer não é manual nem estético, mas mental, intelectual. Octavio Paz destaca a origem verbal de sua criação. “Seu fascínio diante da linguagem é de ordem intelectual: é o instrumento mais perfeito para produzir significados e, também, para destruí-los. “ Os títulos de suas obras são partes significantes que indicam pistas (mesmo que ilógicas ou contraditórias) na decodificação da obra. Através dos ready-mades, questiona-se ainda a idéia de representação na obra de arte. Os ready-mades não são representações, mas objetos reais tirados do mundo. Ou se representam algo, não representam o que são, nem são o que representam.

O Objeto após os anos 60 A idéia da utilização de um objeto como elemento significante e constitutivo de um linguagem muito nos interessa. Se, com o arrefecimento do dadaísmo, ela permanece latente enquanto as correntes racionalistas e formais ganham maior terreno na cena internacional, é após a década de 60 que a idéia do ready-made reaparece com toda força e dando origem a um grande número de possibilidades artísticas, que utilizam o objeto como elemento fundamental. Embora muitas destas obras utilizem objetos, não são mais ready-mades puros pois muitas vezes admitem a intervenção do artista na confecção e materialidade do objeto. É o caso por exemplo de algumas obras de Robert Rauschenberg e Jasper Johns. Outros artistas, como o Novo Realista francês Arman, apoderam-se de objetos descartáveis como tampinhas de garrafa e acumulam-nas em assemblages que mostram o refugo da sociedade de consumo. Mesmo os artistas mais ligados a imagem bidimensional, como é o caso do pop Andy Warhol, utilizam-

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se dos princípios do conceito de ready-made, uma vez que se apoderam de imagens de objetos de consumo ou outras imagens já bastante desgastadas pela mídia, intervindo ou não em sua configuração plástica. Ao deslocar as imagens de seu contexto tradicional, Andy Warhol também está alterando seu significado e dando-lhe uma nova conotação poética. Se, com a criação de ready-mades, Duchamp, de certa forma, questionava a representação, já que os objetos não eram representações mas objetos em si, parece-nos que, para os novos artistas que utilizam-se de objetos, esta questão torna-se um pouco mais complexa. Ao apoderar-se da imagem de objetos de consumo, Warhol, por exemplo, está novamente representando os objetos, porém sua representação utiliza-se da lógica da cópia mecanizada do original, semelhantemente ao que ocorre na produção industrial de uma série de objetos baseados em um mesmo modelo. Para Warhol e outros artistas contemporâneos, a cópia e original são praticamente intercambiáveis, não importando muito se a obra é uma representação ou um objeto real. A questão da significação do objeto e sua representação é levada ainda mais adiante pelos artistas conceituais. Na obra “Uma e três cadeiras”, Joseph Kosuth coloca uma ao lado da outra: uma cadeira real, uma fotografia de uma cadeira e a definição de dicionário da palavra cadeira. Ao fazer isto, Kosuth discute a possibilidade de existência de um referente e as possíveis representações que se possa fazer dele. A arte fala de si mesma enquanto linguagem, e mescla diferentes linguagens em um mesmo trabalho. A relação que Kosuth estabelece aqui entre a linguagem escrita da definição de cadeira, a linguagem visual bidimensional da fotografia da cadeira e a linguagem tridimensional da própria cadeira é diferente daquela estabelecida por Duchamp entre seus ready-made e seus títulos verbais. Se em Duchamp os títulos eram uma espécie de complemento do significado da obra, muitas vezes provocando uma ruptura na isotopia da mensagem, já que causavam um ruído na apreensão da obra, em Kosuth tanto o título

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da obra como as diferentes representações que ele apresenta de um mesmo objeto são absolutamente tautológicos, já que referem-se à mesma coisa através de diferentes linguagens. O que fica claro em Kosuth é a constatação do objeto enquanto signo linguístico e portador de significado, quer esteja ele representado ou explicitado como objeto real. Para os artistas conceituais, a qualidade estética da obra é o que menos importa. No texto “Arte depois da Filosofia”, Joseph Kosuth chega a afirmar que “a arte formalista (pintura e escultura) é a vanguarda da decoração e, literalmente falando, pode-se razoavelmente afirmar que sua condição artística é tão mínima que para todos os efeitos funcionais, não é arte, mas meros exercícios de estética.”

Após a década de 60, além dos artistas já citados, inúmeros serão os artistas que desenvolverão trabalhos baseados num raciocínio sobre o objeto. Vale lembrar que a questão da utilização do objeto nas artes plásticas amplia-se muito e muitos artistas chegam até a realizar trabalhos que, de certa forma, se opõem ao ready-made de Duchamp. Se para Duchamp o objeto escolhido deveria ser o mais indiferente possível e não carregar consigo uma memória ou significado, uma vez que o artista pretendia investir mesmo contra seu significado original, muitos artistas que o sucedem vão aproveitar o significado anterior que o objeto carrega, podendo introduzir algumas modificações na sua decodificação ou até mesmo potencializando seu significado original. Para citarmos um exemplo bastante contemporâneo podemos nos remeter às obras da artista colombiana Doris Salcedo, presente na última Bienal (24a Bienal de São Paulo). A artista apropria-se de antigos armários e os preenche com cimento muitas vezes misturado a roupas. Aproveitando a mémoria existente nos armários, a artista cria obras com grande resultado visual, que assustam pelo peso e imobilidade e nos remetem a pensar em

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túmulos, ausências e heranças das pessoas que foram possuidoras desses armários. Desta forma, ao invés de subverter o significado original do objeto como fazia Duchamp, a artista potencializa e amplia sua significação originária.

O objeto na produção artística brasileira Devido ao fato de a industrialização ocorrer de forma mais sistemática no Brasil principalmente a partir dos anos 50, só no final da década de 60 e início da década de 70, que surgiram produções artísticas que tratam da questão do objeto de maneira mais significativa. As primeiras aparições de obras que se constituem como objetos na arte brasileira surgem nos trabalhos dos neoconcretistas, especialmente nas trajetórias de Hélio Oiticica e Lygia Clark. Estas obras, no entanto, não possuem uma relação direta com os objetos funcionais do consumo ou com a idéia de ready-made, pois são obras tridimensionais construídas pelos artistas a partir da evolução de princípios estéticos do neoconcretismo e aprofundamento das questões sensoriais. Embora sejam de grande interesse para nossa pesquisa, abordaremo-nas em outro capítulo, para podermos expô-las com mais detalhe e examinar as relações entre elas e algumas características das peças publicitárias não-convencionais. A utilização de objetos capturados do mundo aparece também de maneira bastante interessante nos “popcretos” de Waldemar Cordeiro. Nestes trabalhos, o artista criava assemblages incorporando objetos ou partes deles muitas vezes associados a conteúdos verbais. Para a Profa. Daisy Peccinini, estes trabalhos aproximam-se da poesia concreta e apresentam-se como ‘coisificações da realidade’14 Os “popcretos “ são formulados a partir

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In: “Figuraçoes”, Op. Cit.

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de um raciocínio próximo ao do ready-made de Duchamp, porém recuperando noções compositivas da arte concreta e acrescentando acrescentando conteúdos semânticos, muitas vezes através da incorporação de palavras. A geração de artistas que se sucede, já nos anos 70, possui exemplos que também se aproximam bastante da espécie de objetos estudados neste capítulo. Entre eles, pretendemos destacar o trabalho de Cildo Meirelles, que nos parece apresentar questões fundamentais. Uma das séries de trabalhos mais interessantes deste artista é denominada “Inserções em circuitos ideológicos”. Um destes trabalhos consistia do seguinte: Cildo Meirelles gravava mensagens escritas em garrafas de Coca-Cola e as devolvia a circulação, fazendo com que muitas pessoas tivessem acesso a sua arte através de um suporte não tradicional. Para criticar a massificação e a produção em série, o artista apodera-se de um objeto industrializado, mas não o isola em museu como Duchamp, mas sim o devolve ao seu meio de circulação natural, transformando o objeto num transgressor de sua própria condição. Da mesma forma, Cildo Meirelles se apodera também de notas de dinheiro que voltam a circular, para gravar nelas mensagens políticas . Em ambos os trabalhos o artista participa mais como um propositor de idéias do que como um realizador de uma obra estética. A relação entre a linguagem verbal e a linguagem visual e funcional dos objetos escolhidos é fundamental para a constituição da obra. No caso de Cildo Meirelles, a palavra não é apenas um título que sugere outros significados para o objeto, nem tampouco explicita-se como um signo tautológico, mas, ao contrário, subverte o significado original do objeto, intervindo diretamente sobre ele como mensagem crítica. Ao escrever “Yankees go home” sobre um dos símbolos do capitalismo americano, como a garrafa de Coca-Cola, Cildo Meirelles cria uma tensão semântica no objeto que vincula a arte a uma proposta de intervenção política diretamente sobre o mundo real.

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Os circuitos ideológicos em que Cildo Meirelles insere seus objetos, tornam-se meios de comunicação que através de seus objetos-mensagens divulgam informações que contradizem o próprio sistema massivo que constituem. Na produção artística brasileira mais recente, muitos outros artistas utilizam-se de objetos. Reaparecem nestas produções os raciocínios oriundos do ready-made e da arte conceitual, muitas vezes mesclados a outras questões. Barrão, por exemplo, trata do objeto de maneira irônica e bem humorada, fazendo muitas vezes intervenções na construção de objetos híbridos. Guto Lacaz, também de maneira irônica e bem humorada, reveste muitas vezes seus objetos de novos significados, quer seja através da relação entre o título e a obra, quer seja através da utilização dos objetos dentro de contexto mais performático. Jac Leirner vincula-se fortemente à tradição conceitual, com pouca intervenção formal sobre os objetos, mas alinhando-os em séries que denunciam o consumo deste objetos no cotidiano de sua vida pessoal.

Outros artistas, como Ana Tavares e Iran do Espírito Santo partem de uma vertente mais minimalista, criando esculturas que muito se assemelham a alguns objetos cotidianos, porém explicitam a frieza e incomunicabilidade do mundo contemporâneo. É também bastante importante no Brasil a corrente dos artistas que extraem do artesanato popular os elementos formais para constituição de seus objetos, mesclando-os a concepções mais eruditas. Entre estes, podemos destacar o trabalho de Leda Catunda.

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Para se ter uma idéia da importância que o objeto tem atingido na produção artística brasileira contemporânea pode-se citar três importantes exposições realizadas em 1999 articulados ao redor do tema “cotidiano/arte: o objeto”. As exposições ocorreram no Instituto Cultural Itaú, no Paço das Artes, em São Paulo e no MAM do Rio de Janeiro.

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A recuperação da lógica do objeto capturado na propaganda gráfica A publicidade, em geral, como integrante de um sistema social, estabelece um discurso sobre os objetos e sobre os sujeitos deste sistema, produzindo mensagens cifradas através de signos que refletem, constroem e reconstroem a imagem do mundo real. Esta teia plurisígnica utiliza os mais diversos tipos de linguagem e formas de expressão, podendo contar com recursos visuais, verbais, sonoros e até táteis, dependendo do meio de comunicação utilizado. Como atividade extremamente ligada ao consumo, a publicidade além de tecer seu discurso sobre os objetos, é também em si um “discursoobjeto”’, como coloca Jean Baudrillard em “O Sistema dos Objetos”. Para este autor, a publicidade consiste de um discurso sobre os objetos (de consumo) e é ela mesma um objeto cultural consumível, inserido em um sistema de objetos. Este discurso-objeto é materializado em peças publicitárias produtoras de significados que acrescentam aspectos inessenciais ao produto que anunciam, semantizando assim os bens e as relações de consumo. Ademais, as próprias peças publicitárias carregam em si significados próprios enquanto objeto. Se na sociedade pré-industrial ela era ainda incipiente, ou seja, mais um boca-a-boca entre consumidores, é na sociedade industrial que a publicidade se estrutura dentro de um sistema de mercado profissional. O discurso publicitário também acompanha as mudanças históricas ocorridas no sistema dos objetos. Se em seu início, a publicidade ainda anuncia objetos produzidos artesanalmente, também ela é produzida artesanalmente. Neste período muitas vezes o artista plástico desenvolve também as funções de um criador e ilustrador de propaganda. Podemos lembrar como exemplo os posters produzidos por Toulouse Lautrec para divulgação dos shows de CanCan. Após a Bauhaus a busca da eficácia da mensagem publicitária é

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construída através de um discurso argumentativo lógico e persuasivo, que ressalta os valores funcionais do objeto e a função do comunicador visual/designer começa a ser mais definida. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, o crescimento do número de ofertas de produtos semelhantes e a assimilação da linguagem publicitária pelo consumidor, os aspectos inessenciais do produto passam a ser cada vez mais ressaltados na propaganda, criando-se toda uma aura significante, que acrescenta valores intangíveis ao produto. Se a publicidade inicial ainda é informativa, persuasiva e lógica, a publicidade atual é mais sedutora e atua mais no nível do inconsciente e da percepção do que dá razão. É lógico que a publicidade não perde sua característica de linguagem persuasiva, mas opera com muito mais precisão os apelos inconscientes através de uma gama cada vez mais variada de signos. Se em um anúncio de jornal antigo o que prevalecia era o elemento verbal, em uma mala-direta objeto a variedade de linguagens utilizadas é muito maior, já que lidamos com imagens, com a tridimensionalidade, com a sensorialidade etc. Relacionando a criação publicitária gráfica com os procedimentos da criação artística podemos extrair várias questões. Retomando a história da publicidade, encontraremos nas primeiras peças uma argumentação lógica baseada, principalmente, em um texto verbal. Com o desenvolvimento das artes gráficas, a inserção da imagem vai se tornando mais freqüente, e cada vez mais importante. Tanto nos anúncios baseados no texto verbal como nos impressos em que a imagem se faz presente, o que fica mais evidente, à primeira vista, é a idéia da publicidade como discurso sobre o objeto, em detrimento da idéia de publicidade enquanto discurso-objeto. Na maior parte da publicidade impressa bidimensional o que prevalece é a idéia do impresso enquanto espaço de representação, em que se fala de objetos que estão fora dele, no “mundo real”.

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Os impressos bidimensionais mais tradicionais parecem utilizar-se da mesma lógica da pintura ilusória e representativa, oriunda das noções da perspectiva renascentista. Se na pintura tradicional, o quadro era uma janela que nos levava a outros mundos, na publicidade gráfica tradicional isto também se repete. Os aspectos estéticos e formais para esta publicidade são bastante importantes e ela atua sobre o receptor de maneira “retiniana”, como diria Duchamp. Neste tipo de impresso, o papel atua apenas como suporte para a representação da imagem, tal como era a tela para a pintura tradicional ou o mármore ou o bronze para a escultura tradicional. Duchamp, entre outros modernistas, toma consciência de que a arte não era apenas discurso sobre o mundo, mas também um sistema de produção de objetos. Com seus ready-mades, Duchamp diminui a possibilidade de comunicação a partir de códigos formais, deslocando seu discurso para a questão do conceito, expresso muitas vezes na conjunção da linguagem verbal de seus títulos com o significado original dos objetos que captura. Se na arte o conceito verbal torna-se mais atuante na sua relação com a imagem a partir de Duchamp, na publicidade a relação texto-imagem é inerente à sua própria condição, porém isto não basta para que comparemos a propaganda com os ready-mades. Como já dissemos, os ready-mades não são representações de si mesmos, mas objetos reais que nos levam a pensar sobre conceitos. A propaganda tradicional bidimensional, no entanto, é pura representação e a conjunção entre texto e imagem deve ser coerente procurando a isotopia da mensagem, enquanto que em Duchamp esta mensagem não é isotópica. Sua intenção é realmente causar um ruído na comunicação. O objetivo deste estudo, no entanto, não é traçar um paralelo geral entre a propaganda e a arte, mas sim estudar um tipo de peça publicitária específica – as peças publicitárias gráficas não-convencionais. Anteriormente, vimos que entre estas peças, algumas apresentam predominância bidimensional, enquanto que em outras os aspectos tridimensionais são ressaltados. Nas peças predominantemente bidimensionais, o aspecto

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representativo ainda é bastante presente, e embora sua aparência enquanto discursos-objeto seja ressaltada pelo formato, material ou dobras que utilizam, aproximando-as da tridimensionalidade, a lógica de sua criação apresenta pouca ligação com a lógica de criação dos objetos artísticos tratados neste capítulo, uma vez que não partem de um raciocínio desenvolvido a partir do objeto, mas, muitas vezes, de questões mais formais, relacionadas com a idéia de desdobramento do plano e utilização de novos materiais, que trataremos com mais profundidade nos capítulos que se seguem.

Por outro lado, nas peças predominantemente tridimensionais - as malas-diretas objeto - o que as caracteriza e as define é justamente a introdução de objetos capturados do mundo real. A comparação com os ready-mades é aqui inevitável. Para melhor esclarecer tomemos como exemplo uma maladireta objeto criada para o Shopping Tamboré, por ocasião de seu aniversário (ver foto página 55). Trata-se de um castiçal contendo uma vela acompanhada da seguinte mensagem impressa em um pequeno cartão amarrado ao castiçal: 6 anos, Shopping Tamboré, Apague com a gente esta velinha!. Junto com o castiçal foi adicionada uma caixa de fósforo contendo a mesma mensagem. No cartão também foi impressa uma ilustração de uma vela acesa.

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Peça publicitária predominantemente tridimensional (Mala Direta Objeto) criada para o aniversário de 6 anos do Shopping Tamboré.

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Neste exemplo, os objetos (vela/castiçal) são reais e não representações, mas sim suporte para expressão do conceito que se articula com o texto verbal. Sob este aspecto assemelham-se ao ready-made de Duchamp. Por outro lado, o texto verbal serve como complementação isotópica da mensagem enquanto que em Duchamp o texto verbal é quase contraditório à significação originária do objeto. Se nos ready-mades, Duchamp parte da significação funcional do objeto para subvertê-la, nestas malas-diretas o significado do objeto também origina-se em sua significação funcional, porém seu sentido não é subvertido mas sim ampliado ou deslocado para em conjunção com o texto adquirir uma significação metafórica específica. A vela, que simboliza o aniversário, não tem seu sentido totalmente alterado, mas o que ocorre aqui é a valorização de uma de suas funções, a função de celebração. Talvez, mais próximo deste procedimento estejam as produções artísticas mais recentes, posteriores a Duchamp, como o exemplo dos trabalhos da artista Dóris Salcedo citada anteriormente, em que os armários antigos tinham sua significação intensificada ao atuarem como “armazenadores de memórias cimentadas”. Ao remeter ao conceito de aniversário, a vela de nossa mala-direta objeta não está representando a si mesma, mas está servindo de suporte para a expressão do conceito aniversário. Neste exemplo, no entanto, além de existir enquanto objeto, outra vela é também representada no cartão impresso que acompanha a vela real. Como se vê, ao introduzir um objeto real em um impresso, a intenção do publicitário não é questionar a representação, como Duchamp faria na arte, mas apenas tornar sua comunicação mais lúdica e impactante. Nesta mala-direta objeto podem coexistir o referente e sua representação, não importando muito qual é a cópia e qual e o original. Esta constatação leva-nos a pensar em dois artistas discutidos neste capítulo: Andy Warhol e Joseph Kosuth.

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Em Warhol, a questão da cópia e do original é bastante discutida. Para ele o que importa é a imagem repetida na mídia, funcionando quase como um signo autônomo em que o significante torna-se significado. A mala direta objeto analisada é ela mesma um objeto de mídia e um objeto produzido em série, portanto faz-se pouco relevante o fato de ela ser cópia ou original. No entanto, ao introduzir-se um objeto tridimensional em uma peça publicitária, esta peça parece contaminar-se do mundo real e misturá-lo à fantasia que a propaganda promove. É neste meio termo entre fantasia e realidade, referente e representação que as malas-diretas objeto se sustentam. No exemplo que analisamos, a vela objeto tridimensional e a vela representada na ilustração impressa coexistem na mesma peça. Esta coexistência também nos faz lembrar na arte conceitual tautológica de Joseph Kosuth. Em Joseph Kosuth, o alinhamento da cadeira real, a definição verbal da cadeira e a imagem fotografada da cadeira são tão absurdamente tautológicas, que denunciam quase a impossibilidade de existência de um real/referente. Como em Warhol, o signo parece ser mais importante do que o referente. Nas malas-diretas objetos, embora possam coexistir diferentes linguagens tratando de um mesmo assunto, elas operam de maneira complementar e não de maneira equivalente, como ocorre em Kosuth. Para a propaganda não interessa investigar a linguagem tão a fundo ao ponto de explicitá-la como signo representativo, pois assim estaria denunciando a si mesma enquanto discurso persuasivo construído através da fantasia, e perdendo sua eficácia. Assim, a presença de várias linguagens em uma mala direta objeto tem por objetivo aumentar o espetáculo semiótico de forma isotópica, garantindo assim uma decodificação mais lúdica e mais eficaz. Outra importante constatação que fizemos na análise dos objetos artísticos e podemos transpor a análise das malas-diretas objeto é a noção de “circuito ideológico”. Esta idéia, expressa no trabalho de Cildo Meirelles, porém também presente no trabalho de Duchamp e outros artistas da

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vertente conceitual, é de fundamental importância para compreendermos as operações semânticas realizadas pelos artistas. No trabalho “Inserções em circuitos ideológicos”, Cildo Meirelles considera o próprio meio circulante (a indústria e o mercado consumidor de Coca-Cola) em que ele insere seu objetos, como parte integrante do significado da obra. Suas obras só adquirem sentido e impacto por estarem justamente inseridas dentro de um sistema de significações que as envolve. O que as potencializa como obras significantes, no entanto, é o fato de elas contradizerem o próprio significado do sistema que as envolve e funcionarem fora do sistema habitual da arte. As peças publicitárias, e, em especial, a mala-direta já se encontram por natureza inseridas dentro do circuito ideológico da propaganda. A maladireta objeto, no entanto, por tratar-se de uma peça extremamente nova e razoavelmente incomum, causam um certo impacto no sistema habitual da propaganda, pois não se enquadram dentro da maioria bidimensional das peças gráficas tradicionais. Embora não cheguem a contradizer o próprio sistema, como faz a arte, as malas-diretas objeto, no mínimo, alargam as fronteiras da propaganda e produzem um certo ruído criativo dentro de um circuito ideológico por vezes previsível e enfadonho. A noção de “inserção em circuito ideológico” é também válida para pensarmos outras possibilidades de utilização para as malas-diretas objeto. Já dissemos anteriormente que uma das características da mala direta tradicional é ser enviada pelo correio. No caso da mala-direta objeto, porém, nem sempre isso é possível ou desejado. Neste caso, as peças podem ser enviadas através dos mais variados meios, utilizando-se de outros “circuitos ideológicos” fora do contexto original da propaganda. Uma das possibilidades é a entrega personalizada através de atores performáticos, o que aumenta ainda mais o impacto. Deve-se considerar que a significação de uma peça publicitária, quer seja convencional ou não, nunca se dá através apenas do discurso manifestado nela, mas também o contexto em que ela é apresentada faz parte de sua narrativa.

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Assim, embora a peça publicitária não-convencional possua um conteúdo ideológico específico e direcionado, a sua inserção em um circuito nãoconvencional pode aliviar o preconceito do consumidor perante mensagens que ele já identifica como publicitárias, e torná-lo mais flexível aos apelos da propaganda. Em suma, embora com intenções e objetivos diferentes, existem vários pontos em comum entre o objeto artístico contemporâneo e as peças publicitárias não-convencionais. Enquanto a arte procura investigar mais a fundo a sua própria existência enquanto linguagem, a propaganda procura ampliar seu campo de possibilidades de forma a tornar-se mais criativa, lúdica e conseqüentemente mais eficaz. Se o raciocínio sobre o objeto desenvolvido pelos artistas plásticos tinha por vezes a intenção de questionar o mercado (de arte ou de produtos), este próprio raciocínio torna-se arte aceita e valorizada. Ao incorporar este mesmo raciocínio sobre o objeto, mesmo que de forma menos crítica e esperançosa e com objetivos comerciais definidos, a propaganda, por outro lado, acaba produzindo peças publicitárias não-convencionais que , se não alteram totalmente a atitude do receptor, ao menos exigem-lhe mais sensibilidade e participação lúdica na decodificação da mensagem. Se por um lado o grau de interação e ludicidade que apresentam possa aumentar o seu poder de sedução e persuasão, por outro lado oferece-se ao receptor a possibilidade de operar mais ativamente dentro do jogo semântico publicitário.

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3 - DO PLANO BIDIMENSIONAL AO OBJETO MULTIDIMENSIONAL INTERATIVO No capítulo anterior estudamos diversos artistas de vertentes conceituais, que desenvolveram um raciocínio de crítica ao objeto industrial, baseado na captura e ressemantização de objetos existentes. Neste capítulo, procuraremos abordar outra linhagem de artistas, que embora também tenham se envolvido com as questões trazidas pela industrialização, equacionaram seu trabalho de maneira mais racionalista e positiva, procurando extrair desta nova contingência social, uma possibilidade de “democratização” da arte através da sua integração ao sistema de produção industrial. Ao invés de tecer um comentário distanciado e irônico sobre os objetos industriais como Duchamp e seus seguidores, estes artistas preferiram se aprofundar nas questões formais e produzir uma arte que se tornasse mais popular e misturada ao cotidiano dos indivíduos. Evidentemente, ao nos referirmos a uma linhagem de artistas que atuaram em diferentes espaços de tempo no decorrer deste século, poderemos verificar que as afirmações efetuadas nesta apresentação inicial mostrar-se-ão mais válidas em alguns artistas do que em outros, dada a singularidade e momento histórico de cada um deles. Podemos localizar no Cubismo, os antecedentes da linhagem de artistas que iremos analisar. Ao eliminar a perspectiva ilusionista, os artistas cubistas trazem para a superfície da tela vários planos superpostos que explicitam um modo de apreensão racionalista do mundo, baseado numa análise sistematizada, sustentada por uma geometrização e simplificação das formas.

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Este tratamento planificado dado a tela pelos artistas cubistas, eliminando a idéia de profundidade na pintura, traz para o espectador a constatação de que a tela, e por conseqüência a arte, não é “uma janela” de transporte para um outro mundo mas um objeto real do mundo. Embora ainda baseada na figuração, a pintura cubista colabora para a eliminação da figura, já que a apreensão que faz do mundo não é uma cópia ilusionista mas a criação de um espaço construído na superfície da tela. A geometrização e simplificação das formas do mundo, que aparece na pintura cubista, vai dar origem a uma nova ordem plástica que servirá também de subsídio para o design de objetos industrializados, uma vez que as formas simples e geométricas atendiam as necessidades de racionalização da produção. Os novos materiais trazidos pela indústria são, por sua vez, resgatados pelos artistas que buscam novas formas de expressão, combinando-os com o novo espaço não representacional e planificado trazido pelos cubistas. É no construtivismo russo que este pensamento vai se fortalecer e se aprofundar. Influenciados pelo cubismo, os vanguardistas russos vão procurar eliminar totalmente a figura – que ainda estava presente no cubismo – para investir numa arte abstrata em que as cores e as formas geométricas vão adquirir autonomia. Entre eles, um artista merece destaque para nosso estudo: Tatlin. Suas construções com planos de metais presos aos cantos das paredes abrem um novo caminho para arte, criando objetos que ficam na fronteira entre a pintura e a escultura, entre o bidimensional e o tridimensional.

Vejamos como Ferreira Gullar15 se refere a ele:

15

In Gullar, Ferreira – Op. Cit.

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“A importância dos movimentos russos de vanguarda está nessa busca radical de um novo objeto para a expressão plástica. Não são menos curiosas as experiências de Tatlin e Rodchenko, sobretudo do primeiro, quando rompe com o espaço virtual da tela para criar um objeto virtual: o contra-relevo. Liberto da massa e da base – preso por fios de arame no encontro de duas paredes - , o contra –relevo é um objeto novo na arte. Não é relevo, pois não possui uma superfície determinada sobre a qual as formas se desenhassem em relevo: não é escultura pois não partiu da massa dada a ser esculpida e não possui base; não é pintura, pois foge da superfície bidimensional e da representação dentro dessa superfície. Tatlin mesmo o definiu como “uma continuação da pintura.”” A arte então deixa ser representação do mundo para ser a construção de um novo mundo. A idéia de construção, advinda do construtivismo russo, será também a base da estética da Bauhaus, escola alemã das decadas de 30 e 40 que reunia as atividades de artes plásticas, design e arquitetura. Muitos de seus mestres, vieram mesmo do construtivismo e lá puderam aprofundar suas pesquisas. Os artistas da Bauhaus tinham um projeto utópico de transformação da sociedade a partir da arte, apoiando-se nas novas possibilidades trazidas pela indústria. O artista deveria trazer seus conhecimentos estéticos para os objetos do dia-a-dia, projetando-os de maneira a se tornarem mais agradáveis e funcionais. O binômio forma-função torna-se uma das marcas do pensamento da Bauhaus. Surge um novo ideal de beleza, baseado na assepsia das formas e eliminação de excessos decorativos. O “Modern Style” é praticamente um parâmetro internacional e busca suas referências teóricas nos pensamentos da Gestalt. Ao invés de criticar a industrialização como atividade massificadora, os artistas da Bauhaus tinham o interesse de interferir na produção industrial, de modo a melhorar a qualidade de vida do ser humano.

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A Bauhaus, como primeira escola de design do mundo, muito influenciou o design gráfico e a publicidade contemporânea. A diagramação no eixo vertical/horizontal a partir de grids (diagramas) rígidos, limpeza, clareza e busca da legibilidade ainda bastante presentes nos projetos gráficos atuais, têm suas raízes nesta corrente artística histórica. As preocupações com a industrialização, funcionalidade e racionalidade são, na verdade, a base para a formação de um padrão convencional na produção gráfica das peças publicitárias. O papel branco não texturado e retangular é sem dúvida o mais utilizado, graças a sua facilidade de se adaptar às necessidades funcionais da produção. A nova concepção plástica trazida pela Bauhaus, vai ganhar novas leituras na arte concreta de Theo Van Doesburg e Max Bill. Para Theo Van Doesburg “ nada mais concreto, mais real que uma linha, uma cor, uma superfície”16. Mais uma vez a arte se torna um objeto real no mundo e não um objeto que representa o mundo.” Nas artes plásticas brasileiras este pensamento encontra bastante ressonância, principalmente após os anos 40, o que se pode verificar em trabalhos que buscam efeitos ópticos através da utilização de formas geométricas. Entre os artistas concretistas brasileiros podemos diferenciá-los em concretistas paulistas e os do Rio de Janeiro. Enquanto os paulistas (Lothar Charroux, Waldemar Cordeiro, Waldemar de Barros, Fejer, Haar, Luiz Sacilloto, Wladislaw) são mais ortodoxos e fiéis aos postulados da arte concreta,o grupo de artistas cariocas (Ivan Serpa, Aluísio Carvão, Hélio Oiticica, Abraham Palatnik, Lygia Pape, Décio Vieira, Franz Weissmann e Lygia Clark) apresenta-se mais flexível, com interesse nas relações entre a arte e o corpo. Especialmente Lygia Clark, Hélio Oiticica e Lygia Pape vão

16

In: GULLAR, Ferreira. Op. Cit.

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desenvolver pesquisas em que a arte vai deixando o suporte pictórico tradicional, para avançar para o espaço tridimensional, envolvendo o espectador em uma experiência sensorial. Fundam assim o neoconcretismo, uma espécie de reação tropical a rigidez da arte concreta, cujo racionalismo extremo era criticado por deixar de lado os aspectos inconscientes, emocionais e sensoriais da prática artística. Embora muitos artistas tenham se iniciado na pintura, aos poucos seu trabalho vai ganhando o espaço real e transformando-se em obras que ficam entre a pintura e a escultura. Procuraremos nos deter em duas questões básicas trazidas pelos neoconcretistas que serão fundamentais para nossa análise posterior das peças publicitárias não-convencionais: a primeira é a questão do desdobramento do plano no espaço tridimensional e a segunda é a introdução da participação do espectador através da atividade lúdica, sensorial e interativa. A questão do desdobramento do plano no espaço tridimensional aparece no trabalho de vários artistas desta época, com diferentes nuances particulares. No trabalho de Hélio Oiticica, por exemplo, planos de cor em madeira pintada ganham o espaço ficando suspensos por fios de nylon em espaços em que o espectador pode penetrar. Seus “Relevos Espaciais”, semelhantes a origamis, mantém características da pintura pela impregnação da cor que possuem e pela proximidade com o espaço bidimensional da tela, porém, já avançam para a tridimensionalidade já que enfatizam a superposição de planos e sua espessura, podendo ser observados de todos os lados. Outro artista interessante, que se ligou temporariamente ao neoconcretismo, é o mineiro Amílcar de Castro. Amílcar cria esculturas que também partem do plano, porém de maneira diferente. Os planos de Amílcar são geralmente chapas de ferro e ao invés de sobrepor e soldar diferentes

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planos em uma mesma peça, este artista parte geralmente de uma única chapa para, através da introdução de cortes e dobras, expandí-la para o espaco tridimensional. Os cortes criam aberturas e espaços vazados na peça e provocam no espectador a vontade de refazer o caminho trilhado pelo artista, recompondo a inteireza planificada da chapa inicial. Outra questão interessante trazida pelo trabalho de Amílcar é a tensão existente entre a matéria empregada – o ferro bruto enferrujado – e as operações plásticas que introduzem uma leveza e uma certa movimentação numa matéria anteriormente pesada e imóvel. Retomaremos esta questão no capítulo em que iremos tratar da importância da materialidade enquanto elemento estruturador e semântico na criação plástica. Outra importante artista neo-concreta que também trata da questão do desdobramento do plano e se aprofunda na introdução de elementos sensoriais e interativos é Lygia Clark.

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A obra de Lygia Clark Lygia Clark inicia sua pesquisa plástica através de pinturas bidimensionais pintadas em formas geométricas recortadas em chapas de madeira. Praticamente sem nenhuma pictoriedade, estes trabalhos já revelam uma certa cisão com o plano bidimensional. Nestas obras, o suporte não é um plano depositário de imagens representacionais ou mesmo expressivas, mas um objeto concreto integrante do espaço do mundo real. Destas primeiras obras, intituladas “Superfícies Moduladas”, Lygia passa para os “Casulos” em que o plano da superfície é destacado da parede, criando um vão entre a parede e a obra. Dos “Casulos” para os “Bichos”, o trabalho atinge finalmente a sua dimensão espacial, interativa e fenomenológica. Construídos a partir de placas de metal articuladas através de dobradiças, os “Bichos” são esculturas-objetos que podem ser manipulados pelo espectador que interfere em sua configuração formal estabelecendo uma relação interativa e criadora com a obra. Nos “Bichos” a atividade lúdica é ressaltada e além do percepção do objeto realizar-se no plano visual, realiza-se também no plano tátil, já que o espectador também toca a obra. A obra proporciona ao espectador todo um gestual corporal para movimentá-la sendo que a sua fruição se dá mais no ato de interagir com ela, do que apenas através de suas configurações visuais formais. Com o aprofundamento de sua pesquisa enquanto artista, Lygia Clark interessa-se cada vez mais pelo envolvimento dos sentidos e do corpo do espectador na fruição artística. Seu trabalho vai se tornando mais orgânico através da utilização de materiais mais moles como a borracha e começa a se desmaterializar, para que a artista, ao invés de produzir obras perenes comece a desenvolver proposições que destacam a experiência sensorial e a busca do desenvolvimento do horizonte perceptivo em relação ao mundo, a si mesmo e ao outro. São desta época as “Máscaras Sensoriais” que devem ser vestidas pelos espectadores que podem ter com elas sensações olfativas, sonora, táteis e visuais. A artista também cria roupas coletivas

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como “O Eu e o Tu” e diversas outras proposições que incorporam elementos do happening e da performance, sempre colocando o espectador em uma posição ativa perante e a obra. A materialização da obra é cada vez mais desprezada, procurando utilizar materiais sempre acessíveis e banais. É a valorização do conceito em detrimento à materialidade da obra. Como desenvolvimento mais radical de sua criação sensorial, Lygia Clark, já no final de sua vida já se intitula não artista, quase que uma espécie de terapeuta, já que produz os “Objetos Relacionais”, que eram objetos aplicados sobre o corpo das pessoas, com o objetivo de estimular sensações táteis, olfativas, visuais ou auditivas, que podiam atuar em áreas do inconsciente de serem alcançadas pela verbalização. A utilização terapêutica destes objetos chega a ser testada em doentes psiquiátricos com interessantes resultados. A obra de Lygia Clark abre-nos um enorme leque de desenvolvimento das questões sensoriais e das poéticas ligadas ao corpo, antecipando-se no tempo. Lygia Clark não é a única pensar em arte interativa pois estes conceitos já existem na arte cinética de Calder ou de Jesus Soto. Porém, o tratamento poético que dá às questões sensoriais e interativas, tem relevância fundamental. A trajetória de Lygia Clark mostra-nos um deslocamento dos interesses iniciais do concretismo na criação de uma composição plástica para a criação de uma nova percepção sensorial. Esta nova tomada de posição vai encontrar referenciais teóricos nas teorias fenomenológicas da percepção.

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A fenomenologia da percepção Se a pintura construtivista e concreta podia se apoiar nas considerações sobre a percepção bidimensional expressas na Teoria da Gestalt, os objetos neo-concretos vão basear-se na fenomenologia, para estruturarem-se teoricamente. Enquanto a Teoria da Gestalt restringe-se a percepção objetiva da imagem bidimensional, as teorias fenomenológicas consideram que os fenômenos perceptivos ocorrem em um espaço multidimensional, não estático, a partir da experiência do Ser no mundo. As teorias fenomenológicas descrevem o mundo em relação ao Ser, considerando as questões poéticas, psicológicas e de significação bastante importantes. Desenvolvida inicialmente por Husserl, no final do século XIX e princípios do século XX, e retomada no decorrer do século XX por Heidegger, Bachelard e Merleau Ponty, entre outros, a fenomenologia é “o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências.(...) ; é uma filosofia transcendental para a qual o mundo já está sempre “ali”, antes da reflexão, como uma presença inalienável, e cujo esforço consiste em reencontrar este contato ingênuo com o mundo, para dar-lhe enfim um estatuto filosófico ( ...), é também um relato do espaço, do tempo, do mundo “vividos”.(...) “ é a tentativa de descrição de nossa experiência tal como ela é, e sem nenhuma deferência à sua gênese psicológica e às explicações causais. (...)Trata-se de descrever, não de explicar nem de analisar.”17 Este longo trecho do prefácio da Fenomenologia da Percepção de Merleau Ponty procura-nos explicitar o que é, de fato, a fenomenologia. Seu interesse na percepção e na maneira como se dá a relação entre o ser e o mundo dos objetos que o cercam, favorece a idéia da experiência sensível do indivíduo no mundo e é esta experiência que os artistas neoconcretos pretendem oferecer a seus espectadores.

17

In: Merleau-Ponty, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Op.cit.

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Assim, a relação da obra com o espectador, não deve se basear em conteúdos simbólicos ou conhecimentos pré-concebidos, mas sim através da relação direta da sensibilidade do espectador e da sua percepção e interação com as obras. No neoconcretismo existe um deslocamento de interesse da imagem plana, bidimensional (concretismo) para o objeto que está no mundo, em um espaço que envolve as pessoas que, ao redor dele, se movimentam e participam de uma experiência sensorial. Nos parangolés de Hélio Oiticica vê-se isto claramente, já que o que importa não é tanto a imagem plástica estática, mas o movimento do espectador que veste o parangolé e executa sua dança estabelecendo uma relação corporal com a obra no espaço. É importante notar que embora estejamos utilizando a palavra objeto para nos referirmos às obras neoconcretas, Ferreira Gullar, que foi um dos principais teóricos do movimento neoconcreto, tratará desta questão com mais rigor, afirmando que estas obras não são objetos, mas sim “nãoobjetos”. Para este autor “o não-objeto não se esgota nas referências de uso e sentido porque não se insere na condição do útil e da designação verbal”; “o nãoobjeto não representa nada, mas apenas se apresenta”. Esta concepção também se fundamenta na fenomenologia, pois concebe o não-objeto como um corpo em si, destinado exclusivamente a percepção sensorial.

Na “Fenomenologia da Percepção”, Merleau-Ponty faz uma crítica a ciência e a filosofia racionalista, procurando repor a questão da sensibilidade corpórea do indivíduo e sua apreensão do mundo que o cerca. Merleau-Ponty, relaciona todos os sentidos da percepção, afirmando que a visão está ligada ao movimento do corpo, e todos os demais sentidos e que a percepção do mundo se dá de forma total e não apenas através de cada sentido isoladamente. É este tipo de percepção que as obras dos artistas neoconcretos nos propõem.

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Outro téorico importante ligado a fenomenologia é Gaston Bachelard. Em “A Poética do Espaço”, por exemplo, Bachelard parte de textos poéticos para fazer longas reflexões sobre os conceitos espaço interior/espaço exterior, o abrir e o fechar e outras questões relacionadas aos espaços de intimidade. Muitas de suas considerações encontram bastante semelhança com as questões observadas em alguns trabalhos de Lygia Clark, em especial na obra “A Casa é o Corpo”. 18 A arte contemporânea atual parece ter aproveitado e reelaborado várias das questões propostas pelos neoconcretistas. A utilização de elementos que estimulem outros sentidos além da visão, já foi incorporada ao vocabulário dos artistas contemporâneos, embora não seja uma das características mais marcantes da produção atual. Se, no trabalho de Lygia Clark, e mesmo em algumas obras de Hélio Oiticica, a fruição da obra só poderia ocorrer através da experiência sensorial, uma vez que seus apelos plásticos encontravam-se reduzidos, graças a pobreza dos materiais utilizados e a pouca elaboração formal da obra, hoje verifica-se uma retomada de certos valores plásticos, embora não de maneira canônica. Mesmo a figuração, que havia sido praticamente banida no concretismo e no neoconcretismo, reaparece reelaborada podendo se misturar às experiências sensoriais. Um exemplo é o trabalho da artista Valeska Soares, mostrado recentemente na 24a Bienal de São Paulo. Valeska Soares, apresentava uma peça em parafina e perfume em que 2 bocas em relevo eram ligadas por uma pequena poça de perfume. Além de estimular a visão e o olfato, a peça fala do universo feminino sugerido pela fragrância e pela sensualidade das bocas representadas. A questão narrativa é de certa forma retomada, porém não mais de maneira ilusionista. Nesta obra, a participação do espectador é menos interativa do que nas obras de Lygia Clark ou Hélio Oiticica.

18

“A Casa é o Corpo” consiste de uma instalação na qual o espectador é convidado a entrar e vivenciar uma série de sensações corporais como por exemplo, atravessar uma rede de elásticos, pisar num chão cheio de bolinhas, entrar dentro de uma bolha transparente inflável sentindo um vento que a infla, etc. A obra foi concebida por Lygia como uma alusão as sensações vividas pelo ser humano ao nascer. Recentemente uma remontagem desta instalação pode ser vista na 24a Bienal de São Paulo.

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A questão do desdobramento do plano, que já no desenvolver dos trabalhos de Lygia Clark e Hélio Oiticica tinha seguido outro caminho, parece ter ficado como uma marca do início do período neoconcreto, uma vez que aos poucos foram sendo abandonadas a geometria e os esquemas visuais oriundos do concretismo. A conquista do espaço tridimensional ou até mesmo multidimensional ( com a incorporação das experiências sensoriais e das linguagens temporais, como o vídeo e outras formas de arte e tecnologia) parece ter finalmente se firmado como uma marca de nosso tempo. A grande maioria dos trabalhos artísticos atualmente reside na tridimensionalidade e cada vez mais são eliminadas as diferenças entre pintura, escultura e objetos.

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O objeto multidimensional interativo e as peças publicitárias não-convencionais Mesmo antes de nos referirmos a questão da interação do sujeito com o objeto, podemos notar algumas semelhanças formais entre algumas obras neoconcretas e determinadas peças publicitárias gráficas não-convencionais . A primeira constatação que podemos fazer é com relação ao desdobramento do plano no espaço real. As peças publicitárias gráficas nãoconvencionais, pelo fato de utilizarem muitas vezes o papel como um dos principais suportes materiais para sua realização, muitas vezes o fazem introduzindo uma grande variedade de cortes e dobras que as diferenciam das peças publicitárias convencionais, e as lançam de maneira mais incisiva para o espaço tridimensional. Na verdade, também as malas diretas mais convencionais, que constituem-se de uma folha ofício ou A4 com duas dobras paralelas, são projetadas no espaço no momento de sua abertura, porém devido a sua extrema simplicidade, a impressão que se tem é que elas são geralmente apreendidas como objetos simplesmente planos, já que existe pouca manipulação do observador na sua abertura e o tempo destinado nesta manipulação é apenas o tempo necessário para retirá-la da sua condição inicial de plano dobrado fechado, para plano desdobrado aberto. A atenção do observador concentra-se mais na imagem ou texto representados nestes planos do que no ato de desdobrá-los. Desta maneira a mala-direta convencional, aproxima-se mais do espaço bidimensional representativo da tela tradicional do que dos objetos neoconcretos.

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Já no caso das peças publicitárias não-convencionais, o plano do papel ganha, muitas vezes, aspectos mais tridimensionais à medida em que são introduzidos cortes diferenciados conjugados às dobras. São bastante utilizadas as técnicas “Pop Up” e “Cut Away”. Estas técnicas permitem que o papel utilizado ganhe relevos e movimentos inusitados, despertando a atenção do espectador. Conforme a complexidade de elaboração da criação referente aos cortes e dobras utilizados, a peça publicitária pode ganhar aspectos mais ou menos tridimensionais. As peças mais simples geralmente são aquelas em que não há a necessidade de colagem de elementos externos, partindo-se apenas de uma única folha de papel que é desdobrada no espaço através de seus cortes e dobras. Neste sentido, a configuração formal destas peças pode apresentar bastante semelhança com as esculturas de Amílcar de Castro, citadas anteriormente neste capítulo. Como vimos, Amílcar também partia de uma única chapa de metal, sem a necessidade de solda ou enxertos de partes externas. Já as configurações formais dos “Bichos” de Lygia Clark e dos “Relevos Espaciais” de Hélio Oitica, por serem mais complexas e demandarem mais mão-de-obra para sua realização, são mais raras de serem encontradas entre as peças publicitárias gráficas não-convencionais. Se a reprodução em grande escala era uma qualidade desejada por alguns artistas neoconcretos de maneira a democratizar o acesso a arte, gerando a vontade de produção de múltiplos – como é o caso dos “Bichos” de Lygia Clark – nas peças publicitárias não-convencionais esta reprodução em larga escala é condição inerente a sua produção, e, muitas vezes, assume papel determinante em sua configuração formal. Assim, muitas vezes é necessário que o designer ou o publicitário analise com cuidado a viabilidade real de sua produção em série, os

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O Plano Desdobrado

Cartão de Natal para Buffet Viko em forma de estrela que se desdobra

„Bicho“, obra de Lygia Clark com chapas de alumínio e dobradiças

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procedimentos técnicos para realizá-la e o investimento financeiro que tais operações demandam. Se por um lado este fato pode limitar determinadas criações, por outro lado, tais restrições lançam desafios que podem gerar interessantes soluções criativas. No trabalho publicitário, mesmo em peças não-convencionais, a forma deve, em geral, estar a serviço da função, atendendo as necessidades de produção industrial. Verifica-se aqui, portanto, a velha máxima derivada do pensamento racionalista da Bauhaus. Vimos que a maior parte dos objetos neoconcretos que partiam do plano era criada com base em soluções geometrizadas, que tinham papel relevante no vocabulário da arte concreta e também neoconcreta . Esta geometrização, por facilitar a produção industrial, é também bastante comum no caso das peças publicitárias não-convencionais. Porém, neste caso, a geometria é menos uma questão de estilo ou coerência a um padrão estético, do que uma necessidade prática. Além disso, é possível realizar peças publicitárias não-convencionais que possuam cortes ou dobras não geométricos, sem grandes dificuldades técnicas, sendo necessário, para isso, apenas o planejamento de utilização de uma faca especial para corte e vinco do material. Isto gera um número de configurações formais mais diversas do que aquelas existentes entre as obras neoconcretas, uma vez que não há a necessidade de vinculação a um estilo ou pensamento estético pré-determinado. Vimos também que a geometria foi um dos recursos encontrados pelas correntes construtivas da arte para a eliminação da necessidade de representação e, na arte concreta, esta ausência de representação se afirma com o status de uma verdade conquistada. A publicidade, no entanto, menos afeita ao aprofundamento na sua discussão formal enquanto linguagem e objetivando aumentar a sua eficácia mercadológica, não abre mão da questão da representação, já que, normalmente, utiliza-se das narrativas figuradas para persuasão de seus consumidores. Enquanto a arte

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moderna, desde os cubistas, procura eliminar a representação ilusionista e perspectivada, a publicidade baseia seu discurso na criação de um mundo fantasioso em que a ilusão apresenta-se como um dos grandes argumentos para sedução do espectador. Assim, embora tenhamos encontrado diversas semelhanças entre as peças publicitárias gráficas não-convencionais e algumas esculturas e objetos neoconcretos, devido a proximidade existente entre as operações de corte e dobra dos planos que as constituem, não podemos nos esquecer que o plano do papel das peças publicitárias é, na grande maioria das vezes, um plano depositário de imagens representativas aliadas a textos escritos, enquanto que, nas obras artísticas citadas, os planos geralmente não apresentam nenhuma pictoriedade ou figuração, sendo, no máximo, cobertos por uma cor uniforme em sua superfície. Isto faz com que as peças publicitárias não-convencionais possam ser encaradas tanto como objetos “em si”, na medida em que são percebidas de maneira fenomenológica através da verificação de sua materialidade real e de sua manipulação interativa e sensorial, como também possam ser vistas como espaços de representação, já que muitas vezes referem-se a um mundo que não está nelas, mas que é representado através do texto e imagens que elas apresentam. Ao destacarmos o trabalho de Lygia Clark entre os artistas que analisamos, pudemos notar que uma das questões mais relevantes em seu trabalho a partir dos “Bichos” é a introdução do movimento gerado pela manipulação da obra. Enquanto os “Relevos Espaciais” de Oiticica ou as esculturas de Amílcar de Castro apresentam-se de forma mais estática, os “Bichos” de Lygia Clark trazem no movimento a ampliação da sua dimensão interativa e lúdica, possibilitando ao espectador uma certa dose de recriação da obra no momento de manipulá-la. No caso das peças publicitárias não-convencionais o movimento gerado pela sua manipulação quase sempre ocorre, mesmo porque o papel é mais maleável e sucetível a ser dobrado e desdobrado do que os materiais utilizados nas esculturas e objetos neoconcretos (

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alumínio, em Lygia Clark, madeira em Hélio Oiticica, e ferro em Amílcar de Castro). Quanto maior o grau de complexidade de movimentação da peça e maiores as possibilidades de interação e o tempo gasto em sua manipulação, maiores as possibilidades de envolvimento e sedução do receptor que a manipula. A visualização de uma peça publicitária não-convencional, bem como de um dos “Bichos” de Lygia Clark, se dá concomitantemente com o momento de sua manipulação pelas mãos. Sobre as relações entre visão e movimento, Merleau- Ponty tece longas considerações: “ Basta que eu veja alguma coisa para saber ir até lá e atingí-la, mesmo se não sei como isso se faz na máquina nervosa. (...) a visão pende do movimento. Só se vê aquilo que se olha. Que seria a visão sem nenhum movimento dos olhos, e como o movimento destes não haveria de baralhar as coisas se, por sua vez, fosse reflexo ou cego, se não tivesse suas antenas, sua clarividência, se a visão não se precedesse nele? “ A percepção, portanto, se dá de maneira sinestésica e integrada e as peças publicitárias não-convencionais que incorporam este pensamento e propõem mais possibilidades de apreensão utilizando diferentes linguagens e apelos sensoriais conjugados, podem gerar maior interesse e atenção por parte do receptor. Um dos tipos de movimentação mais freqüente, que ocorre nas peças publicitárias não-convencionais é aquele que acontece no momento de sua abertura pelo receptor. O momento da abertura de uma peça publicitária é um momento de descoberta, em que a interação com o receptor deve ser prazeirosa e sedutora. Mais uma vez podemos recorrer ao pensamento de um fenomenólogo para descrever os “objetos que se abrem”. Em “A Poética do Espaço” , Gaston Bachelard analisa um destes objetos, o cofre. “Quando o cofre se fecha, é restituído à comunidade dos objetos; toma seu lugar no espaço exterior.(...) Mas no momento em que ele se abre, (...) o exterior é riscado com um traço; tudo é novidade, tudo é surpresa, tudo é desconhecido. O exterior

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já nada significa. E até, supremo paradoxo, as dimensões de volume não tem mais sentido porque uma nova dimensão acaba de se abrir: a dimensão da intimidade” 19

.

Em todas as peças publicitárias gráficas não-convencionais esta dimensão da intimidade é sempre objetivada, buscando valorizar o momento de sua abertura, porém, em nosso levantamento, encontramos um exemplo que é quase a tradução literal desta constatação de Bachelard. Trata-se de um Manual de Integração do Funcionário criado para o atacadista Makro (ver foto página seguinte). Este manual, solicitado pelo departamento de treinamento da empresa, tem como objetivo explicar as normas e regulamentos do Makro aos novos funcionários. O conceito utilizado em toda a redação e imagens deste manual partiu da idéia “Portas Abertas”. Assim, ao receber o manual fechado, o funcionário se depara, em sua capa, com uma pequena fechadura recortada que deixa entrever através do buraco uma segunda capa em cor contrastante, estimulando-o a abrir o manual. Ao abrí-lo, o funcionário encontra, nesta segunda capa, a frase “Portas Abertas” impressa em letras bastante grandes. Prosseguindo a manipulação da peça o funcionário encontra uma série de folhas impressas com as normas e informações sobre a empresa, com ilustrações em que o tema recorrente é a abertura e a descoberta, utilizando, para isso, figuras que representam chaves, lupas de detetive, etc. Na última folha do Manual é apresentada a diretoria da empresa, e a ilustração que é mostrada, é justamente a de um cofre, dando a entender que, após ter conhecido todos os segredos da empresa e adquirido com ela uma relação de intimidade, o funcionário tem acesso a seu ponto mais importante, o cofre, que representa a diretoria.

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BACHELARD, Gaston . Op. Cit.

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Manual de Integração do Funcionário, criado para o Makro.

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É importante notar, que a criação desta peça publicitária gráfica levou em conta qual a seqüência lógica de sua manipulação e que a construção de sua narrativa se completa ao longo do período de desenvolvimento deste ato. Assim, a idéia de abertura não está apenas representada nas figuras impressas na peça, mas também na própria percepção fenomenológica que se faz dela. Além da conjugação de elementos visuais ao movimento e à manipulação tátil, algumas peças publicitárias gráficas não-convencionais também podem utilizar de outros apelos sensoriais, como a estimulação do olfato, audição ou até mesmo paladar. Isto ocorre através da introdução de elementos externos, como materiais não usuais ou até mesmo componentes eletrônicos. Embora a experiência sensorial e lúdica seja desejada por estas peças, em geral, esta experiência não se constitui como um fim único em si, como nos “Objetos Relacionais” de Lygia Clark, em que a materialização e a formulação estética perdem sua importância para privilegiar a experiência interativa, mas, ao contrário, a experiência sensorial provocada pelas peças publicitárias gráficas não-convencionais é, de fato, um meio para atingir o receptor de forma mais sedutora. Nas peças publicitárias gráficas não-convencionais, a necessidade de comunicação e compreensão da mensagem supera a simples vontade de sensibilização e recriação do sujeito. Enquanto que a atitude corporal que o indivíduo tem que ter para a fruição artística da obra clarkiana envolve-o numa relação espacial e fenomenológica, as peças publicitárias gráficas não-convencionais, que utilizam apelos tridimensionais e sensoriais, também estabelecem esta relação com o indivíduo consumidor, porém, na linguagem publicitária, ao invés do indivíduo recriar-se através do fazer interativo ele aceita participar do "jogo" publicitário, sendo seduzido pelas características inovadoras destas peças. A argumentação publicitária nestas peças é construída não apenas através de uma lógica persuasiva, mas também utilizando a sensibilidade corpórea do indivíduo provocada através de apelos sedutores.

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Ademais, as peças publicitárias não-convencionais são geralmente bastante estetizadas, utilizando recursos decorativos e buscando a constituição de uma concepção do “Belo” aceita pelo senso comum, enquanto que nas artes plásticas contemporâneas privilegia-se a possibilidade de ocorrência de uma experiência de fruição não necessariamente ligada a uma idéia de um “Belo” canônico e decorativo, mas sim, conceitual, intelectual e poético.

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4 – O MATERIAL COMO ELEMENTO SEMÂNTICO Nos capítulos anteriores, pudemos analisar dois aspectos da arte contemporânea presentes nas peças publicitárias não-convencionais: a introdução de objetos de consumo ressemantizados e o desdobramento do plano em trabalhos multidimensionais com características polisensoriais. Passaremos agora a analisar a significação do material empregado nas obras de arte, bem como sua introdução como elemento semântico nas peças publicitárias gráficas não-convencionais.

A forma contida Até praticamente o início do romantismo, o material empregado para a execução das obras de arte aparece mais como um meio de realização técnica do que como um elemento portador de significados muito importantes para a compreensão da obra. A maior parte da história da arte anterior à esta época privilegia a forma em relação ao material. Desde os gregos, a arte está baseada na idéia de apreensão da realidade através de uma atitude mimética, representativa, de cópia da natureza. Assim, o que se valoriza é a habilidade técnica com que os artistas empregam o material de maneira a representar outro material, isto é, a maneira com que o artista se apodera da matéria para formalizá-la em uma solução ilusionista, que remeta à idéia de outros elementos (pessoas, objetos, paisagens) que não estão ali presentes. Busca-se o trompe l’oeil, isto é, uma solução plástica que engane o olho do espectador, levando-o a imaginar outras coisas. Os gregos são tomados como modelo para um padrão ideal de beleza, por terem conseguido

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extrair do mármore esculturas com aparência humana muito realista. Ao se olhar para uma escultura grega, quase se esquece que ela seja feita de pedra, mas o que salta à vista é a aparência de forma e carne humana que os artistas conseguiram nela imprimir. Assim, o material aparece camuflado pela forma, e quanto mais ele se distancia de suas características naturais, parecendo outra coisa, mais aclamado é o artista capaz desta façanha. Na pintura também ocorre a mesma coisa, pois não é a tinta ou a superfície sobre a qual ela está aplicada que sobressai, mas sim a imagem com ela formalizada, que fascina por representar mundos quase reais. Mesmo durante a idade média, quando as pinturas religiosas se distanciam um pouco desta atitude mimética, procurando uma certa estilização espiritualizada, o material empregado apresenta-se mais como um suporte para realização da obra do que um assunto importante. A invenção da perspectiva renascentista só reforça esta idéia de mimetismo e os estudos de anatomia então desenvolvidos têm a pretensão de aproximar com mais precisão a obra de seu correspondente referente no mundo natural. Embora muitas obras de arte carreguem elementos simbólicos e alegóricos na imagem que apresentam, estes aparecem manifestados através da configuração formal que o artista realiza com os materiais e não através dos materiais propriamente ditos. Com o surgimento do barroco, pela necessidade de aumento da dramaticidade e expressão de emoções mais violentas, a forma começa a se tornar um pouco mais maleável, mais cheia de movimentação e as diferenças cromáticas são acentuadas. São conhecidas as distorções de forma e de cor que El Greco realiza nos corpos humanos de forma a torná-los mais expressivos. No entanto, ainda assim o material e processo de aplicação deste material sobre a obra ainda não são evidenciados. Na escultura, o mármore e o bronze ainda são os materiais preferidos.

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Ecos do Romantismo É no romantismo que a forma começa a aparecer de maneira menos definida. A ânsia de expressar emoções supera a necessidade de contenção da forma baseada nos contornos do mundo real. O romantismo significa expansão e sentimentalismo e os limites da forma parecem se tornar “camisas de força” para artistas que queriam, sobretudo, expressar-se individualmente. Embora ainda seja mantida a figuração, a pincelada na tela não é mais tão disfarçada com tanto preciosismo, mas pode aparecer como elemento expressivo. As cores também não precisam mais ser tão naturais, mas sim, retratar as emoções pretendidas pelo artista. É esta nova ordem que vai abrir caminho para artistas como Turner realizarem trabalhos que vão se aproximar da abstração. As extensas áreas em que Turner aplica pinceladas violentas, apresentam-se já como superfície pintada, onde é possível se identificar a fluidez da tinta. Embora ainda revestidas de um poder ilusionista e simbólico, estas telas nos fascinam pela liberdade com que ele trata do material da pintura e não tanto pela sua conformação a uma figuração representativa necessariamente próxima ao real. Observando-as, pode-se tentar imaginar o processo e a gestualidade empregada no manejo da tinta, o que em outras épocas era mais difícil de ser evidenciado. Na escultura, da mesma maneira, poderemos encontrar na obra de Rodin este momento em que a forma começa a se libertar de suas amarras. A aparência inacabada que Rodin emprega em muitas de suas obras, evidencia o processo de confecção da obra e o material nela utilizado. Através de suas peças de bronze pode se ver a maleabilidade da argila com que foram moldados seus originais. Embora o material empregado originalmente (a argila) não esteja visível na obra fundida final, suas qualidades intrínsecas podem ser intuídas através da superfície da escultura, que não é mais

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alisada totalmente para simular a pele humana, mas apresenta rugosidades e dobras oriundas de seu processo de moldagem que funcionam como elementos que aumentam o grau de expressividade da obra. Com o desenvolvimento do impressionismo e do expressionismo, a matéria, pictórica ou escultórica, tende a se evidenciar, em especial no expressionismo, que vai muitas vezes utilizá-la de uma maneira mais radical. Um exemplo bastante importante na escultura é o trabalho de Giacometti, no qual as superfícies são extremamente trabalhadas através do processo de acrescentar e retirar argila. O resultado é uma aparência altamente expressiva e quase caótica, em que as figuras humanas parecem quase se desfazer, através de sua forma frágil e corroída. Ao observá-las, o espectador pode refazer, mentalmente, o processo exaustivo desempenhado pelo artista em sua relação com a matéria. Embora as obras de Rodin e Giacometti já explicitem a utilização da argila como matéria original de seus trabalhos, esta matéria apresenta-se transmudada em outra: o bronze fundido com o qual são confeccionadas as obras finais. Devido às necessidades de perpetuação do trabalho, tornando as esculturas em obras resistentes ao tempo e às intempéries, a tradição escultórica elegeu os materiais mais duros, como a pedra e o bronze como os mais adequados. Na pintura, embora já se possa notar a presença do material no impressionismo, é especialmente no expressionismo abstrato que ele vai aparecer com mais vigor. A action painting de Jackson Pollock é um dos momentos em que o material pictórico (a tinta) e o processo de aplicação deste material apresentam-se extremamente evidenciados. Com relação a participação do suporte (tela), podemos dizer que grande parte do trabalho da pintura moderna está concentrada em salientá-lo, uma vez que ao investir contra perspectiva ilusionista, a pintura moderna destaca o aspecto planar

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da tela . Esta tela, no entanto, por um longo período ainda é um material de suporte neutro, mais uma tradição incorporada do que um elemento semântico de grande intervenção no significado do quadro.

Novos Materiais Vimos nos capítulos anteriores, que a introdução de novos materiais trazidos pela indústria acarretara uma série de modificações no fazer artístico. Já discutimos os progressos trazidos por Tatlin e outros artistas advindos do construtivismo. Ao invés de configurar as chapas de metal com que trabalhava à uma forma rígida orientada para a figuração mimética, Tatlin busca ainda a configuração de uma forma, porém, nascida da própria especificidade do material. Portanto, não é mais o material que tem que se dobrar aos desejos do artista, mas este que deve encontrar a maneira de aproveitar o material existente e determinar a forma desejada considerando as características originais do material industrial. Os ready-mades de Duchamp também trazem novos materiais para a história da arte, porém, neste caso, não é tanto o material que é salientado, mas sim a função do objeto capturado. Duchamp não faz qualquer intervenção no material original do objeto. Não manipula diretamente os materiais, mas os conceitos pertinentes aos objetos que captura. De qualquer forma, ele abre caminho para que materiais das mais diferentes procedências possam ser incorporados à obra artística.

É principalmente a partir da década de 60, porém, que a questão do material empregado na obra de arte vai sofrer modificações drásticas.

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Surge a Arte Povera na Itália, em que artistas como Mario Merz, Giovanni Anselmo, Alberto Burri e outros começam a utilizar os mais diferentes materiais extraídos da natureza para realizar obras de arte. O nome Arte Povera, vem de “arte pobre”, pois os materiais utilizados não eram mais materiais nobres e sim materiais “pobres”, comuns . Germano Celant, um dos principais teóricos da Arte Povera nos diz: “Animais, vegetais e minerais fazem parte do mundo da arte. O artista sente-se atraído por suas possibilidades físicas, químicas e biológicas, e começa novamente a sentir a necessidade de fazer coisas do mundo, não apenas como seres animados, mas como um produtor de obras mágicas e maravilhosas. O artista-alquimista organiza a matéria vegetal e viva em coisas mágicas, trabalhando para descobrir a raiz das coisas, com a finalidade de re-descobrí-las e exaltá-las.Seu trabalho, no entanto, inclui em seu escopo o uso dos mais simples materiais e elementos naturais (cobre, zinco, terra, água, rios, paisagens, fogo, grama, ar, pedra, eletricidade, uranio, céu, peso, gravidade, altura, crescimento etc.) para uma descrição ou representação da natureza.20 Estes artistas não se preocupam com a permanência física da obra, mas, ao contrário, incorporam a passagem do tempo em seus trabalhos. Muitos dos trabalhos produzidos foram trabalhos efêmeros e interessava ao artista que a matéria se modificasse no decorrer do tempo. Ao invés de utilizar um material para execução de um molde, como faziam os artistas da escultura de bronze, os artistas da arte povera utilizavam os mais diversos materiais diretamente da natureza, respeitando suas características originárias. O processo físico-químico pelo qual passavam os materiais, bem como o processo de criação do artista fazem parte da obra e são explicitados em sua realização.

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Traduzido do inglês pelo autor in: CELANT, Germano.from Art Povera. In: HARRISON, Charles et. WOOD, Paul. Art in Theory 1900-1990. An Anthology of Changing Ideas. Reino Unido, Blackwell Publishers, 1992

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Além dos artistas italianos da Arte Povera, podemos citar um outro artista alemão que embora não fosse ligado diretamente ao grupo de artistas da Arte Povera, desenvolveu um trabalho em que a questão dos materiais é fundamental. Este artista é Joseph Beuys. Joseph Beuys é oriundo do grupo “Fluxus”, um grupo de artistas de especialidades e nacionalidades variadas que se reunia para propor obras multidisciplinares incluindo a performance, o happening, as artes plásticas, a música, a poesia, o vídeo, etc. Para este grupo, tudo era material para a arte e a relação entre arte e vida deveria ser a mais próxima possível. O grupo Fluxus formou-se nos Estados Unidos e atuou principalmente nas décadas de 60 e 70. Para Demosthenes Davvetas,21 “Na tentativa de ir além dos limites estritos da pintura ou da escultura e das fronteiras nacionais e geográficas da arte, Fluxus dá valor a mobilidade de materiais e é semelhante ao velho sonho da Arte Total. Qualquer material, não importando de que tipo ou mesmo o mais humilde pode contribuir para a idéia combinada, inteira – o conceito global (global concept).” Beuys realizou diversas performances junto ao grupo Fluxus, porém depois desligou-se do grupo e continuou a se aprofundar em seu trabalho individual. Uma das principais marcas de seu trabalho foi a utilização de materiais quentes e moles, como a gordura, por exemplo. São muito conhecidos os cantos de gordura que ele fazia nos cantos das galerias e também a cadeira com gordura, que consiste de uma cadeira comum recoberta com uma espessa massa de gordura no local do assento. Beuys procurava com isso estabelecer uma relação entre a organicidade da gordura e o corpo humano. A gordura é, de alguma forma, algo vivo, que sofre transformações de acordo com a temperatura e a luz e nosso corpo também passa por diversas transformações físico-químicas, de acordo com o ambiente e a situação em que se encontra. A gordura

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Traduzido do inglês pelo autor in: DAVVETAS, Demosthenes. Joseph Beuys – Man is sculpture. In: PAPADAKIS, Andreas et. al. New Art.. New York, USA, Rizzoli International Publications, Inc., 1991.

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Cadeira com gordura de Joseph Beuys

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também apresenta uma forma mutável, não rígida e que pode sofrer alterações. Assim, a escultura está praticamente impossibilitada de permanecer enquanto forma perene, mas o que permanece é o conceito da obra, não necessariamente a obra materialmente. Mais do que suporte para a realização formal da obra, a gordura apresenta-se como elemento simbólico para a construção do significado da obra. Além da gordura, Beuys notabilizou-se por utilizar outros materiais bastante particulares, aos quais ele atribuía valores simbólicos. Mel, feltro, cobre e elementos eletro-magnéticos são alguns dos materiais preferidos por Beuys. Para Beuys, cada material tem uma simbologia própria. O mel é símbolo do alimento puro e energético e também produto da organização social das abelhas. O feltro, além de sua função de aquecer, serve também como isolamento elétrico. Além disso, para Beuys, o feltro é um material interessante por não possuir uma estrutura interna como a dos tecidos, mas , ao contrário, suas fibras são aglomeradas de forma orgânica e desordenada. O cobre e elementos eletro-magnéticos estão ligados a idéia de energia, que perpassa toda a obra de Beuys. Para Beuys, o artista trabalha principalmente com energias e deve manejá-las de maneira xamânica para promover a libertação do indivíduo. Beuys desenvolve toda uma teoria da escultura baseada nas características originais dos materiais e nas ações que o homem imprime sobre eles. Beuys toma como metáfora o processo de moldagem da escultura e promove a teoria da Escultura Social, isto é, todo indivíduo deve moldar sua vida e suas ações de maneira a promover a sua libertação individual, baseada na espiritualização e na construção de uma sociedade mais harmônica. Para Beuys, “todo homem é um artista”, e cada um deve transformar sua vida em arte através de cada ato cotidiano. Beuys criou o conceito de “erweiterten Kunstbegriff” (conceito ampliado de arte), através do qual todos os atos humanos podem se transformar em atos artísticos, e tudo é material para a escultura. Não é a finalização da obra que importa, pois ela pode ser pensada apenas com idéias e ações. O que importa é a energia

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empregada em sua realização. Suas doutrinas teóricas e posturas políticas, muitas vezes, foram além da realização de obras artísticas e é muito difícil separar a obra de Beuys de seu discurso e sua figura pessoal. Poderíamos nos deter por diversas páginas procurando nos aproximar do significado intrínseco das obras e do pensamento de Beuys. Esta tarefa, no entanto, parece-nos extremamente extensa para os objetivos deste trabalho. Portanto tentaremos nos deter às inovações que Beuys traz na utilização dos materiais. Devemos ressaltar, em primeiro lugar, o aspecto simbólico que os materiais adquirem na obra de Beuys, e, em segundo lugar, a aparência orgânica e pouco formalizada que estes apresentam. Para Beuys, a intervenção do artista não deve ser tão grande ao ponto de ocultar o material através de uma forma acabada, mas, ao contrário, o material deve revelar-se em suas especificidades físico-químicas e em sua conotação simbólica. A forma que o material apresenta é praticamente uma forma informe, orgânica e caótica. A intervenção do homem é apenas uma certa organização desta forma, sem, no entanto, retirar totalmente o material de seu estado original. A influência de Beuys para a arte contemporânea é indiscutível. O rompimento dos limites do que é arte e a utilização dos mais diversos materiais tornaram-se marcas de nosso tempo. Mesmo em alguns artistas que se definem por um gênero artístico mais tradicional como a pintura, por exemplo, existe uma contaminação destas idéias e é comum aparecerem pinturas que integram outros materiais em sua constituição. Ligado ao neo-expressionismo alemão, o artista Anselm Kiefer, por exemplo, utiliza em suas pinturas os mais diversos materiais como feno, cana, areia, chumbo etc.

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Embora Anselm Kiefer retome a figuração, esta não é puramente representativa, pois rivaliza com materiais reais aplicados sobre a tela. Baseado em citações do Romantismo Alemão, Anselm Kiefer compõe enormes telas nas quais a matéria pictórica se conjuga a imagens grandiosas, que evocam as grandes tragédias sociais alemãs e da humanidade. A natureza é também tratada com eloquência por Kiefer e aparece ao mesmo tempo, encenada através da figuração, e presa a tela de maneira real, explicitando sua organicidade. As obras de Kiefer possuem com certeza um apelo sinestésico, já que, através de sua grandiosidade e eloquência, o espectador é envolvido numa relação sensorial e corpórea. Exemplo diferente, são as obras do artista contemporâneo Julian Schnabel, em que cacos de louça colados à tela são pintados com uma figuração geralmente baseada em retratos que ficam totalmente fragmentados pelos relevos da louça. A utilização de materiais inusitados para a criação de obras de arte já se tornou habitual entre os artistas contemporâneos. Misturando diferentes influências, unindo ready-mades a processos de transformação, acrescentando significados conceituais, fenomenológicos, simbólicos ou alegóricos, os artistas contemporâneos não se pautam mais por regras e manifestos, mas através de suas poéticas individuais promovem um alargamento das possibilidades de produção da arte.

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Os materiais na arte contemporânea brasileira Seria impossível, neste trabalho, apresentar um panorama abrangente que incluísse todos os artistas que trabalham ou trabalharam com materiais diferenciados. Portanto selecionamos alguns, com os quais tínhamos mais afinidade e que pudessem servir para esclarecer alguns conceitos importantes para nossa pesquisa. A introdução de materiais não-convencionais na produção artística brasileira pode ser encontrada, em sua maioria, após a década de 60. Os trabalhos de Lygia Clark e Hélio Oiticica, já expostos nesta dissertação, podem ser tidos como exemplos desta produção. Lygia e Hélio, assim como a arte povera, também utilizaram materiais pobres, porém de forma diversa dos artistas italianos. Nos trabalhos destes neoconcretistas brasileiros, o que se evidencia é a relação perceptiva e fenomenológica que o material oferece ao espectador. No trabalho de Hélio Oiticica, no entanto, a questão simbólica fica um pouco mais presente. A utilização de terra e café, em seus bólides22 assim como a utilização de plantas tropicais na instalação Tropicália, ou mesmo os tecidos rústicos e baratos empregados nos Parangolés, todos estes materiais servem, de certa maneira, como simbologia para a situação social precária brasileira. A convivência com os materiais da favela e do carnaval, assim como a economia baseada na questão agrária, pode ser percebida, simbolicamente, através dos materiais empregados por Hélio Oiticica. A questão das características físico-químicas dos materiais não é tão evidente nos trabalhos de Lygia Clark e Hélio Oiticica, porém, fará parte do interesse das gerações seguintes, como nos trabalhos de José Resende e Carlos Fajardo. José Resende desenvolve pesquisas que se aprofundam na

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Caixas com pigmento e outros materiais que em geral podiam ser manipulados.

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questão da distribuição dos materiais no espaço vazio, e dá grande atenção as questões de peso, leveza, gravidade e resistência dos materiais. Carlos Fajardo apoia-se na fenomenologia para desenvolver peças que se apresentem ao mundo como objetos em si, sem qualquer deferência à figuração. Os processos físico-químicos são incorporados em diversos trabalhos, como por exemplo, a esfera de glicerina criada pelo artista, que, após cinco anos, evapora e desaparece totalmente. Movimento e calor também fazem parte de algumas obras do artista. Em algumas obras, Fajardo trabalha com oposições. Em uma grande escultura feita com uma placa de granito, por exemplo, o artista introduz uma larga fissura preenchida com massa de batom, opondo as qualidades de dureza e maleabilidade dos dois materiais. Com relação a produção de artistas mais recentes, após a década de 80, não podemos deixar de citar os trabalhos de Nuno Ramos. Oriundo do ateliê Casa 7, onde um grupo de artistas se tornou conhecido como pintores “matéricos”, pela grande quantidade e variedade de materiais que empregavam em suas pinturas, Nuno Ramos vai, aos poucos, se projetando no espaço tridimensional para desenvolver esculturas e instalações onde a presença de materiais muito variados torna-se uma marca pessoal. Mesmo em seus quadros, os materiais acumulados são de toda ordem: placas de metal, tecidos, plásticos, folhas de palmeira, vidros, espelhos, vaselina, parafina, breu , tinta, pigmentos, etc. A grande variedade de procedimentos e soluções que Nuno vem empregando ao longo de sua carreira dificulta a colocação de rótulos em seu trabalho. Se num primeiro momento Nuno Ramos aglomera materiais muito variados procurando de certa maneira indiferenciá-los e aglutiná-los através de um informe que tudo traga, com o passar do tempo, Nuno vai isolando algumas das partes e materiais da obra, porém sem desuní-los, mas, ao contrário, salientando as características e diferenças dos materiais, mas possibilitando que haja entre eles uma espécie de simbiose da qual se depreende a poética da obra.

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Para Lorenzo Mammi, “nele, a matéria não é massa passiva em que o gesto do artista se imprima, como na arte informal; não carrega de imediato um significado místico ou intelectual, como em Beuys ou na Arte Povera; não é mero resto, dejeto, aquilo que de maneira nenhuma pode ser formalizado, como nas mais recentes poéticas do informe. É matéria universal, o substrato amorfo do qual as formas surgem e desaparecem, aquilo que permanece intocado abaixo de nós – o limite do mundo, enfim, se o mundo é feito daquilo que pode ser nomeado.”23

Embora podendo em alguns trabalhos carregar uma conotação simbólica, os materiais utilizados por Nuno Ramos parecem não se restringir a esta conotação, mas sim, exprimir suas características próprias. Estas características, mesmo quando colocadas em oposição, parecem estranhamente indissolúveis. Há também uma troca de características entre os materiais. Assim, por exemplo, nas esculturas em que Nuno emprega mármore recoberto com vaselina derramada, o mármore parece amolecido e a vaselina endurecida. A passagem do tempo também está impregnada nas obras de Nuno e muitas delas também carregam a característica de obra efêmera. Apesar de algumas instalações poderem ser remontadas, nunca é possível manter a mesma forma, pois nunca é possível derramar a vaselina da mesma maneira, por exemplo.

Mas talvez não seja a forma, o contorno, o fator fundamental para estas obras, mas o embate entre materiais que Nuno orquestra magistralmente. Além de Nuno Ramos poderíamos citar muitos outros artistas como Tunga, Nelson Félix ou outros que empregam materiais muito variados e de maneira bastante diversa. Porém, o objetivo deste trabalho é comparar as obras de arte com as peças publicitárias e, embora não possamos nos

23

In: Mammi, Lorenzo. O Limite da Matéria. In: Revista Bravo, Março 2000, n 30, p. 109, São Paulo, D’Ávila Comunicações Ltda, 2000.

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aprofundar na poética de outros artistas com o risco de perder nosso objetivo inicial, acreditamos ter traçado um breve panorama da importância da utilização dos materiais na arte contemporânea. Passaremos agora a confrontá-los com a utilização do material nas peças publicitárias nãoconvencionais.

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O material nas peças publicitárias não-convencionais A publicidade aparece na história bem mais recentemente que as artes plásticas, que, praticamente, acompanham toda a evolução da humanidade. Além disso, suas mensagens e objetivos são muito mais superficiais e direcionados, do que aqueles relacionados à prática artística. Dificilmente, na publicidade, poderemos encontrar discussões com a mesma profundidade filosófica que aquelas pretendidas pelos artistas. Porém, como já dissemos, com relação aos aspectos formais, poderemos encontrar diversos pontos de convergência entre estas duas áreas, uma vez que ambas utilizam signos visuais. Ao analisarmos algumas peças publicitárias não-convencionais que utilizem materiais diferenciados, dificilmente poderemos transpor integralmente os conceitos estudados na arte, porém poderemos encontrar soluções formais, que, mesmo que mais superficiais, se assemelham a algumas soluções encontradas nas artes visuais. O material tradicionalmente usado pelas peças publicitárias gráficas é o papel. Isto se deve mais às suas características estruturais, como facilidade de corte, dobra, impressão e armazenamento, baixo custo e amplas possibilidades de utilização, do que às suas características simbólicas. Se formos nos reportar à história do papel, poderemos dizer que o papel foi o material escolhido para adquirir simbolicamente um status de documento, já que se firmou como o principal suporte para a escrita. Na publicidade impressa, no entanto, este status de documento se enfraquece, pois embora o consumidor possa acreditar um pouco mais no que está escrito do que no que lhe é apenas dito, o consumidor também sabe que, o que ali está escrito, é propaganda, e que em propaganda não se confia totalmente.

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Já dissemos, anteriormente, que o papel escolhido para se tornar o material mais utilizado nas peças gráficas convencionais é o papel branco, nãotexturado e em formato retangular. Isto lhe fornece as características de meio neutro, sobre o qual pode ser impressa a propaganda. Poderíamos dizer, portanto, que este tipo de papel tem para a publicidade o mesmo valor que o mármore, o gesso ou o bronze tinham para a escultura tradicional , ou a tela em branco para a pintura: o valor de um suporte isento de características muito ressaltadas, pronto para receber a configuração de uma imagem ilusionista e representativa. O processo de produção do papel branco tradicional também oculta-se ao espectador final, na medida em que a superfície plana e neutra não denuncia qualquer tipo de ação realizada para sua fabricação. A matéria papel, aos olhos do espectador, parece ter sempre existido para servir de suporte para imagens e não ter sido uma matéria proveniente da celulose natural, que, após passar por um processo de fabricação, pôde chegar a este fim. A perspectiva ilusionista que é aplicada sobre sua superfície, através de fotos, textos e ilustrações constantes da mensagem publicitária, parece querer eliminar a presença do papel enquanto matéria, para projetar a consciência do receptor para sonhos e desejos mais distantes, que o envolvam na atmosfera do produto anunciado. A fabricação de diferentes tipos de papel e sua gradativa inclusão nas artes gráficas, tem, no entanto, trazido algumas alterações neste panorama. A introdução de texturas já tradicionais como no papel vergê, até outras com mais relevo, como nos papelões micro-ondulados ou mesmo as aparências diferenciadas dos papéis reciclados e artesanais tem aumentado muito a possibilidade de produção de peças publicitárias gráficas que fogem ao convencional, justamente por apresentarem materiais que influem mais no processo de decodificação da mensagem publicitária neles estampada. Muitos destes papéis, originalmente eram usados com outros fins, como para a fabricação de embalagens ou outros usos não-gráficos,

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porém, ao serem incluídos na criação de peças publicitárias não-convencionais, carregam consigo significados relacionados ao seu uso anterior. Ao se utilizar um papel como o Kraft, por exemplo, incorpora-se ao impresso possibilidades de leitura que poderão passar idéias de rusticidade, resistência, resgate de valores e modos de vida mais antigos e tradicionais, apelo ao natural. Estes significados são originados tanto pela estrutura formal que o material carrega (cor parda, textura rústica), como pela memória de seus usos tradicionais e pelo processo de sua fabricação. Com a freqüência de utilização que o papel kraft vem aparecendo em impressos diferenciados, já é associada a ele uma espécie de sofisticação rústica e arrojada. Outro material bastante usado recentemente nas peças publicitárias não-convencionais é o papel artesanal e/ou reciclado. Este papel resgata os processos tradicionais de fabricação de papel e revela em sua superfície a matéria fibrosa original com que foi confeccionado. Assim, pode-se encontrar papéis artesanais que incluem em sua fabricação cascas de cebola, fibras de abacaxi, cana de açúcar, taboa, milho, casca de arroz, folhas de bananeira, pétalas de flores e folhas incorporadas a sua superfície e até mesmo fios naturais ou sintéticos. Tais características são, muitas vezes, utilizadas nas peças publicitárias não-convencionais como elementos de diferenciação, que buscam cativar a atenção do consumidor. Seus atributos simbólicos são explicitados ao consumidor em diferentes níveis, dependendo do impresso confeccionado. Em alguns impressos o papel artesanal serve apenas como textura diferenciada, para ajudar a criar o clima necessário à sedução do consumidor. Em outros, o material com que foi fabricado é explicitado ao consumidor de maneira a incorporar um sentido simbólico mais veemente à mensagem que se transmite. Em nosso escritório de design, por exemplo, já criamos um cartão de natal para uma pessoa que queria enviar cartões bem brasileiros a amigos no

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exterior, utilizando um papel confeccionado com fibras de cana-de-açúcar, incluindo, assim, no impresso, uma das mais conhecidas plantas de nossa agricultura. Vimos que, na história da arte, o processo de confecção da obra foi, aos poucos, sendo incorporado à sua aparência final, procurando não mais se ocultar, mas ao contrário, permanecer como uma força expressiva. Rodin e Giacometti puderam servir como exemplos claros desta nova ordem. Da mesma forma, a utilização de papel artesanal nos impressos não-convencionais denuncia um pouco do processo de confecção do papel e muitas vezes é incorporada, positivamente, à significação da peça.

Para muitas empresas, é importante dizer que aquele material foi fabricado

artesanalmente, já que, muitas vezes, a produção de papel artesanal é feita utilizando-se mão-de-obra de menores carentes ou excluídos sociais, o que garante para a empresa que utiliza o papel uma aparência de estar contribuindo para a melhoria da sociedade. Assim, o processo de produção do papel que a empresa utiliza em seus impressos é ressaltado para o consumidor como um atributo institucional da empresa que cumpre suas responsabilidades sociais. Usando o papel reciclado, esta imagem de benfeitora social é ainda mais ressaltada, pois, de certa maneira, a empresa que utiliza peças publicitárias não-convencionais confeccionadas com papel reciclado está contribuindo para a diminuição do corte de árvores e preservando o meio-ambiente. Este valor ecológico, que é acrescentado à imagem institucional da empresa através da utilização do material reciclado, muitas vezes nem se liga diretamente ao produto anunciado, no entanto é percebido como valor social, que aumenta a credibilidade da empresa anunciante. A referência à ecologia e aos materiais naturais também pode ser encontrada nas obras de arte povera e nos trabalho de Joseph Beuys. Joseph Beuys chegou até a pertencer ao partido verde. Diante disso, podemos constatar que as relações entre a publicidade e a arte não se encontram apenas nos

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aspectos formais e visuais que apresentam, mas por pertencerem ambas aos mesmos macrossistemas conceptuais das sociedades em que se incluem, manipulam sistemas de valores semelhantes, ainda que com intenções diversas. A volta à natureza e a proteção ecológica fazem parte do imaginário do indivíduo atual, e esses anseios aparecem tanto na arte como na publicidade. Outro aspecto que notamos ao analisar a produção artística de Joseph Beuys e mesmo na produção artística brasileira contemporânea é a organicidade dos materiais. Vimos o interesse de Beuys pelo feltro, por exemplo, devido a sua estrutura interna caótica, não-tecida. O processo de produção do papel é de certa forma similar ao processo de produção do feltro, pois no papel também as fibras são sedimentadas de maneira aleatória. Nos papéis mais alisados e tradicionais procura-se ocultar a presença destas fibras e de certa maneira ordená-las um pouco mais. Já nos papéis artesanais, no entanto, as fibras aparecem de maneira mais desordenada, fazendo com que muitas vezes uma mesma folha de papel apresente diferentes variações de espessura e textura, o que lhe garante uma organicidade maior, talvez mais próxima da organicidade presente nas obras analisadas. Até o momento, concentramo-nos principalmente na discussão da utilização do papel nas peças publicitárias não-convencionais. Isto decorre do fato de que mesmo em suas formas mais diferenciadas, o papel ainda é o material mais utilizados nestas peças, em especial naquelas com predominância bidimensional. No entanto muitas vezes este material é conjugado a outros materiais que acrescentam significados a obra, ou é até mesmo substituído por plásticos, tecidos ou outros materiais. Os materiais que entram na composição de peças publicitárias gráficas não-convencionais podem ser os mais variados. Já realizamos peças com a inclusão de folhas, pedaços de madeira e cascas de árvore, terra, velas e fósforos, latas de fermento, peças de bijouteria, pequenas frutas, etc. A maior

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parte da inclusão de materiais não-convencionais é feita através da utilização de seu valor simbólico, que, ou está diretamente ligado ao produto ou à idéia anunciada, ou, na maior parte das vezes, adquire uma conotação metafórica, conceitual, relacionada ao conteúdo do enunciado publicitário. Muitas vezes sua inclusão é complementada e justificada pela mensagem verbal que a propaganda apresenta. Por exemplo: ao participar da criação de uma campanha interna para a entrega das obras das novas lojas aos lojistas do Shopping Tamboré, pudemos desenvolver um conceito baseado na idéia figurada de plantio e colheita. Assim, ao receber a chave da loja que deveria decorar e preparar para a inauguração, cada lojista recebeu em sua loja uma arvorezinha carregada de frutos juntamente com um regador, acompanhados de um cartão com o título: “Agora é só regar e colher os frutos”. O texto que se seguia traçava um paralelo entre a loja que o lojista recebia e uma planta que cresce, sugerindo que o lojista deveria cuidar de sua loja para que ela desse frutos. Um mês antes da inauguração, cada lojista recebeu uma pequena cesta de frutos com um cartão com o título “Tempo da Colheita” e um texto que explicava as providências a serem tomadas para a inauguração. Veremos com mais detalhe a análise desta campanha posteriormente. Extraiu-se deste exemplo, que é a dimensão simbólica do material e sua configuração enquanto objeto, o que é ressaltado na construção da imagem publicitária deste tipo de peça não-convencional. Tal dimensão simbólica, no entanto, é reforçada pelo texto verbal. Na arte, nem sempre o texto verbal está presente. Muitas vezes espera-se que o observador possa depreender a mensagem através da apreensão das características dos materiais. Além disso, a mensagem artística é sempre muito mais ambígua e subjetiva do que a mensagem publicitária, e ao contrário da publicidade, na arte, muitas vezes, o que se pretende não é a clareza e a compreensão objetiva, mas o estranhamento e a reflexão.

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Em alguns casos, embora o material não carregue uma dimensão simbólica tão identificável, o que sobressai são suas características estruturais que possibilitam uma percepção sensorial e fenomenológica. Assim, por meio de sua textura, maleabilidade ou dureza, odores ou outras características estabelece-se uma relação lúdica que sensibiliza o receptor. Sobre este tipo de relação já nos detivemos bastante no capítulo anterior ao traçar o paralelo entre as obras neoconcretistas e as peças publicitárias não-convencionais. Embora possa haver casos em que o material empregado nas peças publicitárias gráficas não-convencionais sofra processos físico-químicos no momento da apreensão da obra (como no caso de alguns materiais que mudam de cor com o calor das mãos , por exemplo), nem sempre este tipo de transformação é muito comum. Se para alguns artistas que analisamos os processos químicos dos materiais eram objetivados por evidenciar a passagem do tempo, chegando a algumas obras até se deteriorarem ou desaparecerem, nas peças publicitárias nem sempre estes processos são desejáveis, pois esta deterioração e desaparecimento são geralmente vistos como atributos negativos para a publicidade. Embora a publicidade seja extremamente descartável e produza de certo modo obras efêmeras, que duram apenas até momento em que o espectador as dispensa, esta fugacidade é dificilmente impregnada em seu discurso pois vai contra o seu próprio anseio de permanecer junto ao imaginário do consumidor o maior tempo possível. Ao se imaginar a ocorrência de um processo físico-químico que altere o material da peça publicitária não convencional, deve-se pensar que este processo ou será um processo reversível (que não deteriore o material) ou que deteriorará apenas parcialmente a peça, e que esta deterioração deverá ocorrer dentro da proposta conceitual em que se insere a mensagem da peça publicitária. Estudando o crescimento da importância do material na história da arte, vimos que isto ocorreu na medida em que foi se eliminando a figuração mimética e representativa para procurar de certa forma uma linguagem que se constituísse dos materiais em si, explorando suas características e

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significações intrínsecas. Mais recentemente, no entanto, temos notado uma volta à figuração, não mais tão mimética, mas de qualquer maneira representativa ou alegórica. Pudemos observar isto nos trabalhos de Anselm Kiefer ou Julian Schnabel, por exemplo. Na publicidade, embora esteja havendo um aumento da valorização do material empregado, como pudemos perceber nas peças publicitárias nãoconvencionais, dificilmente se estabelecerá uma linguagem baseada puramente na exploração de materiais, sem referências figurativas ou representacionais. A publicidade é por definição essencialmente representativa, já que a mensagem publicitária sempre possui um referente (o produto ou serviço) ao qual ela deve se reportar e remeter. Assim, se para a arte é permitido falar puramente dos materiais, cores e procedimentos que emprega, tornando-a bastante metalinguística e auto-referente, para a publicidade há sempre um referente externo. Da mesma maneira, enquanto na história da arte pudemos observar que em algumas obras de arte contemporânea o material apresenta-se quase informe, como nas obras de Beuys, por exemplo, na publicidade o material é geralmente formalizado a partir de contornos figurativos. Embora possa haver exceções, é muito difícil encontrar a matéria solta e não formalizada. Fizemos uma experiência neste sentido recentemente ao criarmos uma peça publicitária não-convencional destinada a servir como convite para a exposição “Buracos” que realizamos na Capela do Morumbi. A exposição constava de uma instalação realizada com montes de terra, vidros e imagens de ‘buracos do corpo’ que estabeleciam um diálogo com as paredes de taipa da Capela do Morumbi (ver foto página seguinte). A peça criada como convite tratava-se de um folheto realizado em papel reciclado que era inserido dentro de um saco plástico com terra. A terra neste caso, não estava formalizada em uma forma fixa, mas apenas contida pelo saco plástico. A idéia era que, para visualizar o conteúdo do folheto o receptor rasgasse o saco de terra e deixasse-a cair. Embora a maioria dos receptores tenha manipulado a peça ludicamente, movimentando a terra no interior do saco, muitos não se arriscaram a rasgar o saco plástico e deixar a terra

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cair. Além da possibilidade de sujar-se, parece que os receptores ficaram intimidados com a falta de formalização do material, não sabendo até que ponto poderiam interagir com a peça e modificar suas configurações formais. De qualquer maneira, acreditamos que o objetivo de comunicação da peça se cumpriu, já que o estranhamento que ela provocou, sensibilizou de alguma forma os receptores. Além disso, a terra trouxe consigo os significados simbólicos, que aliados ao texto verbal do folheto, puderam comunicar o sentido geral da exposição. A linguagem pura dos materiais parece não ser suficiente para passar os conteúdos mais objetivos e persuasivos de que a publicidade necessita e portanto, reiteradamente, ela se apoia em conteúdos verbais e imagéticos. A conjugação destes conteúdos com a utilização do material como elemento semântico, no entanto, amplia o conteúdo de significação da mensagem e favorece sua compreensão. A introdução de materiais não usuais nas peças publicitárias, aumenta a carga expressiva e simbólica da mensagem, fornecendo-lhe uma dimensão sinestésica e atualizando uma atitude mais permeável do receptor em relação aos conteúdos expressados, imprimindo assim um caráter mais sedutor à publicidade.

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Convite para a exposiçao Buracos, de Hugo Fortes e Christiane Alvarenga na Capela do Morumbi. Realizado com a utilização de terra solta em um saco plástico, que poderia ser aberto e manipulado pelo expectador. Foram utilizados papéis reciclados variados e faca especial.

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5 - ANÁLISE DE PEÇAS PUBLICITÁRIAS NÃO-CONVENCIONAIS Ao selecionar algumas peças gráficas para análise, decidimos escolher algumas que pudessem suscitar um grande número de discussões com os conceitos até agora levantados. Nosso estudo trata-se principalmente de uma pesquisa qualitativa que busca investigar a construção do discurso nas peças publicitárias gráficas não-convencionais. Embora as análises aqui apresentadas não possam dar conta de todo o universo infinito de possibilidades existentes na criação de peças publicitárias gráficas não-convencionais acreditamos que o mecanismo de análise aqui exposto possa servir para um grande número de pesquisas envolvendo estas peças. Da mesma forma, algumas constatações a respeito do processo da enunciação publicitária nas peças não-convencionais, obtidas a partir do corpus aqui estudado poderão ser verificadas com freqüência em outras peças gráficas não-convencionais. A metodologia empregada baseou-se na aplicação de procedimentos da análise semiótica de linha européia, conjugados com a confrontação com os conceitos provenientes da história da arte, já discutidos neste trabalho. A esta metodologia somou-se o estudo das necessidades de marketing e comunicação que originaram a criação das peças publicitárias em questão. As análises que serão realizadas são de dois tipos. A primeira, procura se aprofundar na identificação do processo de construção da narrativa de uma peça publicitária gráfica não-convencional com predominância bidimensional. Através do interrelacionamento dos diferentes enunciados manifestados nas diferentes semióticas que abrange a peça (semióticas verbais, bidimensionais, tridimensionais e multidimensionais) procuramos

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chegar ao nível da semiótica profunda e identificar qual o conteúdo semântico de sua mensagem, e de que maneira ela se manifesta. Ao confrontá-la com os conceitos depreendidos do estudo das obras de arte contemporânea pudemos estabelecer diversos pontos de contato. Na segunda análise, procuramos nos deter não apenas no mecanismo de construção do discurso de uma peça isolada, mas na narrativa formada através de uma campanha que incluiu várias ações publicitárias baseadas na utilização de peças publicitárias não-convencionais. Frequentemente, o discurso publicitário não se constroe apenas através de um único enunciado narrativo. Em geral, há diferentes peças publicitárias que são veiculadas em um determinado tempo, que podem ser consideradas como programas narrativos que se complementam, constituindo uma única narrativa. A construção de uma imagem de marca, por exemplo, obedece a tal proposição, já que todas as informações veiculadas sobre esta marca em um certo espaço de tempo, contribuem para a formação de sua significação perante os consumidores/enunciatários. Devem ser considerados como atos narrativos, não apenas as mensagens atualizadas em peças publicitárias, mas também, os atos de marketing da empresa, suas relações comerciais com os consumidores e a sociedade em geral. Partindo desta premissa, pudemos realizar um estudo mais abrangente, que embora não tenha se fixado apenas em uma peça publicitária nãoconvencional, pôde incluir diversas peças e ações publicitárias. Consideramos importante incluir nesta análise também peças que possuíssem um caráter mais tridimensional e objetual, uma vez que, na primeira análise, havíamos nos concentrado em uma peça predominantemente bidimensional. Antes de iniciarmos nossas análises, no entanto, apresentaremos uma breve explanação teórica sobre as relações entre a semiótica e a publicidade em geral, que julgamos importante para a compreensão das análises que se seguem.

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Publicidade e Semiótica A publicidade pode ser entendida como um sistema de produção de discursos que sustentam e promovem as visões de mundo da sociedade capitalista. Não só a publicidade, mas, rememorarmos as teorias propostas por Louis Althusser, os aparelhos ideológicos de estado (escola, igreja, partidos políticos, etc.) seriam os responsáveis pela formação e constante transmissão da ideologia dominante para toda a sociedade. Para a semiótica, nem só a publicidade ou os aparelhos ideológicos de estado seriam responsáveis pela sustentação das visões de mundo de uma sociedade, mas todas as narrativas e metanarrativas desenvolvidas pelos indivíduos e instituições presentes nesta sociedade, em qualquer nível, sustentariam suas visões de mundo. A construção das narrativas e metanarrativas em uma sociedade, na verdade, só seria mesmo possível através de suas visões de mundo, na medida em que são estes “pontos de vista” que possibilitam que os enunciatários possam engendrar os processos de significação a partir de seus recortes culturais. Não se pode esquecer, no entanto, que ao mesmo tempo em que os processos de significação são estruturados a partir das visões de mundo da sociedade, também eles, são construtores destas visões, estabelecendo assim um processo dialético e dinâmico. Se a publicidade e a arte fazem parte do sistema conceptual de uma mesma sociedade, poderemos dizer que em ambas as atividades encontramos visões de mundo recorrentes, baseadas em sistemas de valores correspondentes. Poderemos notar em nossa análise que alguns dos temas apresentados nas obras de arte contemporânea estudadas, reaparecerão reelaborados nas narrativas de algumas peças publicitárias Todo o discurso publicitário constrói-se geralmente através da utilização do universo de discurso do receptor/enunciatário, o que garante a compreensão de suas mensagens. É tarefa do publicitário adequar a linguagem da empresa/cliente para os níveis lingüísticos de seus consumidores.

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Quando se desloca um conceito de uma área do conhecimento para outra deve-se tomar o cuidado de adaptá-lo para o nível de linguagem utilizado pelo público-alvo ao qual a mensagem se destina. Assim, muitos dos conceitos discutidos nas artes plásticas aparecem simplificados e modificados na produção publicitária.

Em geral, o percurso gerativo de uma enunciação publicitária é um processo longo e coletivo, e tem sua atualização na concretização do enunciado contido na peça publicitária. Atuam como enunciadores neste processo: a empresa que encomenda a campanha publicitária, a agência e o publicitário responsável e até os produtores eletrônicos ou gráficos que também acrescentam traços semânticos a peça publicitária, já que são estes últimos que dão a visibilidade concreta da peça publicitária. Para Ivan Santo Barbosa, tais enunciadores estão integrados “nas redes do sistema cultural publicitário do metassistema conceptual capitalista e dos diferentes sistemas semióticos que pertencem a macrossemiótica da civilização contemporânea”24. Neste mesmo artigo, o autor nos faz ainda uma citação de Cidmar Teodoro Pais que diz “... se considerarmos que o sujeito do discurso produz tais discursos (lúdicos e publicitários), seja como enunciador, seja como enunciatário, e ele é sempre, evidentemente enunciatário do discurso que emite - seremos conduzidos a reconhecer que o sujeito produz seus discursos e, simultaneamente, que o sujeito é produzido por seus discursos...”25

24 25

BARBOSA, Ivan Santo. Propaganda e significação: do conceito à inscrição psico-cultural” (vide Bibliografia) PAIS, Cidmar Teodoro, “Processos Semióticos, Produção do Sujeito” In RECTOR, Monica, op cit, p 337. Citado por BARBOSA, Ivan Santo ( artigo acima)

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Se a persuasão é a vocação originária do discurso publicitário, cada vez mais a sedução entra como componente das mensagens publicitárias. Se no início das atividades publicitárias seu discurso focava suas atenções em um “poder-fazer-saber”(destacando as qualidades e informações objetivas do produto) para “poder-fazer-querer”, o desenvolvimento das artimanhas da comunicação publicitária trouxe na construção de suas mensagens a introdução da modalidade da sedução (poder-fazer-crer) antes mesmo do “poder-fazer-saber” , na medida em que estas mensagens privilegiam, em geral, uma abordagem mais subjetiva e emocional. Esta modalidade de sedução também pode ser encontrada muitas vezes no discurso artístico, na medida em que o saber que a arte proporciona está mais ligado a um “crer” subjetivo do que a uma verificação objetiva da informação.

Geralmente, o discurso publicitário se utiliza de um grande número de figuras de linguagens em seus processos de figurativização, tematização, temporalização, aspectualização e espacialização. Podemos dizer que o discurso publicitário é sempre metassemiótico, na medida em que se constitui de uma metanarrativa dos discursos sociais em geral, e ressemantiza objetos e atitudes já portadoras de significação. Esta ressemantização ocorre por meio da produção de significados que acrescentam aspectos inessenciais ao produto anunciado. Estes aspectos inessenciais constituem-se de atributos semânticos que qualificam o objeto, conferindo-lhe uma significação própria e contextualizando-o dentro do sistema de valores do indivíduo receptor/consumidor. Tais aspectos inessenciais cumprem assim uma função subjetiva de atender as carências psicológicas e de status do consumidor.

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Com relação à tipologia dos sistemas semióticos utilizados pela publicidade, podemos dizer que seus discursos se realizam no âmbito das semióticas sincréticas ou complexas. As resultantes semióticas complexas reunem semióticas verbais e não verbais, as quais realizam o tratamento da informação de maneira diversa. Nas semióticas verbais este tratamento é sequencial e descontínuo, e nas semióticas não verbais ele pode ser contínuo em paralelo (semióticas bidimensionais e tridimensionais) ou paralelo, contínuo, seqüencial (semióticas multidimensionais). As peças publicitárias gráficas compreendem todos estes tipos de semióticas. Embora nas peças publicitárias gráficas tradicionais sejam as semióticas verbais (escrita) e bidimensionais(pictórica) que mais se destaquem, também as semióticas tridimensionais e multidimensionais estão envolvidas, na medida em que a própria concretude do material publicitário (tipo de papel ou material empregado, peso, textura, etc.) são elementos significantes e sua manipulação pelo receptor origina uma gestualidade própria (semiótica multidimensional), que também colabora em seu processo de significação. O estudo das peças publicitárias gráficas não-convencionais mostrou-nos que nas peças não-convencionais, as semióticas tridimensionais e multidimensionais são muito relevantes, pois é através dos signos expressos nelas, que estas peças se diferenciam das peças publicitárias convencionais e podem tornar-se mais sedutoras. Para que o discurso publicitário possa ser bastante persuasivo, normalmente, busca-se uma isotopia da mensagem, isto é, transmitir através de cada semiótica envolvida, informações que venham convergir em um único sentido de conteúdo. Pode-se também utilizar uma ruptura da isotopia proposital, na medida em que a imagem apresenta uma coisa e o texto diz outra. Este recurso é muitas vezes utilizado para cumprir uma função humorística ou causar um certo estranhamento no receptor. No entanto, em geral , a narrativa publicitária preocupa-se em chegar a um significado sintético final, que direcione a interpretação do receptor para os objetivos desejados pelo anunciante.

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A percepção da mensagem de uma peça publicitária gráfica não-convencional ocorre sempre de maneira a integrar e combinar as diferentes semióticas-objetos, extraindo desta junção sinestésica um sentido de conteúdo unificado. Embora possamos separar os discursos manifestados nas diferentes semióticas-objetos de uma mesma peça publicitária para facilitar seu estudo, a compreensão e apreensão do sentido pelo receptor ocorre, geralmente ,de maneira integrada e fenomenológica.

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Análise 1: Cartão de Natal para Buffet Viko Corpus Descrevemos abaixo o corpus que será estudado em nossa análise:

Cartão de Natal para Buffet Viko: executado em papel reciclado importado com invólucro em papelão ondulado e aplicação de folhas de eucalipto. Impresso em impressora de computador. Dimensões: cartão interno 14 x 21,5 cms invólucro: 40 x 21, 5 cms aberto. Possui 2 dobras paralelas. Transcrição do texto: Tempos em Tempos Astros em Movimento Nascimentos Ressurgimentos Bons Ventos 1997 Viko Produção e Culinária Fone 275-3858

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O único desenho que apresenta é uma pequena pinha na cor dourada colocada na parte inferior esquerda do cartão. Cores: Invólucro: verde escuro internamente e marrom (cor do papelão) externamente. Papel do cartão interno: cinza esverdeado com fibras brancas Impressão do texto principal: verde escuro Impressão da data 1997 e do desenho da pinha: dourado Impressão do nome Viko e do telefone: Cinza escuro. Traços distintivos: o cartão apresenta folhas de eucalipto coladas a sua superfície que exalam um cheiro característico.

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Cartão de Natal para Buffet Viko com aplicação de folhas de eucalipto

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Análise do corpus Dividiremos nossa análise em três segmentos: - estudo das semióticas verbais: texto escrito - estudo das semióticas bidimensionais (pictóricas): imagem - estudo das semióticas tridimensionais(materialidade) relacionado ao estudo das semióticas multidimensionais (gestualidade empregada na abertura da peça e cheiros que ela apresenta) utilizadas na peça analisada.

1. Semióticas verbais Texto:

Tempos em Tempos Astros em Movimento Nascimentos Ressurgimentos Bons Ventos 1997 Viko Produção e Culinária Fone 275-3858

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A primeira impressão que se tem do texto é que trata-se de um texto poético. Sua narrativa não é expressa através de verbos, embora haja verbos substantivados (nascimentos, ressurgimentos). Enquanto as duas primeiras frases do texto constituem a temporalização e espacialização da narrativa, funcionando como uma espécie de introdução para criar um “clima”, a ação propriamente dita é expressa nas duas frases seguintes (nascimentos, ressurgimentos). Deve-se notar que a temporalização e a espacialização apresentam-se de maneira bastante vaga, provavelmente tendendo para uma idéia de universalização da narrativa. Assim, Tempos em tempos, não se referem a um tempo específico, delimitado, mas a uma passagem cíclica do tempo. A frase “Astros em Movimento”, além de confirmar esta idéia, espacializa a narrativa em um local que é o espaço do universo. A palavra movimento, além de servir aqui como ponto de ligação entre as idéias de tempo e espaço, tem a função de introduzir a ação que se desenrolará na narrativa nas duas frases seguintes, já que o semema movimento pode ser entendido como ação de deslocamento no espaço e no tempo. As frases seguintes (Nascimentos, Ressurgimentos) constituem-se do centro da ação, e portanto, dos programas narrativos principais. São nestas idéias que podemos encontrar a base de toda a significação do texto. Não podemos esquecer que esta peça publicitária trata-se de um cartão de natal e, portanto, as frases (nascimentos, ressurgimentos) fazem assim uma alusão a narrativa de ressurreição do cristianismo. A nível da semântica profunda, poderíamos dizer que a dialética que se apresenta na narrativa escrita desta peça publicitária pode ser expressa através do seguinte quadrado semiótico26:

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Este quadrado semiótico baseia-se no modelo proposto por Cidmar Teodoro Pais IN: Simpósio; Sociosemiótica e semiótica das culturas: das modalidades, Fortaleza, UFCE,1997.

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Vida

Não-Morte

Morte

Não-Vida

Percurso dialético

É este percurso dialético que exprimem as frases (nascimentos, ressurgimentos). Se o nascimento é o início da vida, o ressurgimento (ou ressurreição) é o percurso que vai da morte ao nascimento. Se é este o tema principal desta peça publicitária, resta-nos perguntar: Quais os atores que desempenhariam o papel actancial de protagonistas destas ações de nascimentos e ressurgimentos? Notamos que todos os sujeitos encontram-se ocultos nesta narrativa, o que lhe dá um certo grau de indeterminação. Esta indeterminação é utilizada como recurso publicitário, já que uma vez que não se explicita este sujeito, ele pode significar tanto Cristo que nasce e renasce (ressurge), como os sujeitos enunciatários/consumidores ou os sujeitos enunciadores/empresa. A ação de renascimento ganha, portanto, uma conotação mais subjetiva e universal.

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Sua universalidade é ainda mais reforçada através da utilização de todas as palavras do texto no plural. A última frase do texto (Bons Ventos) pode ser entendida como objeto de valor da narrativa, já que o que se espera de um nascimento/ressurgimento é que ele traga “bons ventos”. Utilizada num sentido conotativo, a frase contém propriamente o desejo de “Boas Festas” que o cartão de natal propõe. Enquanto que em quase todo o texto o enunciatário se oculta, nesta última frase ele praticamente se coloca, como que expressando um desejo. A colocação de sua assinatura (Viko Produção e Culinária) logo após esta última frase explicita quem faz este desejo. Assim, se o objeto de valor “Bons Ventos” é “oferecido” pelo enunciador/empresa, este aparece, de certa forma, como herói da narrativa. Por outro lado, se sua identidade procura se ocultar durante todo o texto, é para permitir que o próprio enunciatário/consumidor sinta-se no papel do herói. A colocação do ano (1997) no impresso enfatiza mais uma vez a idéia de transformação contida no texto já que o nascimento/ressurgimento é também o nascimento de um novo ano. Não podemos esquecer, no entanto, que este cartão de natal trata-se de uma peça publicitária portanto possui objetivos mercadológicos. Embora o cartão de natal possa até gerar negócios para a empresa em questão (e é por isso que o cartão apresenta também o telefone da empresa) seu objetivo principal não é este. O cartão de natal pode ser entendido como uma estratégia de comunicação que é apenas um programa narrativo que se integra dentro de uma narrativa maior, de formação da imagem de marca da empresa. Neste sentido o cartão de natal tem a função mais ampla de qualificar positivamente o enunciador/empresa, já que o coloca como indivíduo que participa do mesmo sistema de valores de seus enunciatários/consumidores e compartilha de suas visões de mundo. Ao comemorar o Natal, a empresa insere-se dentro da tradição cristã da sociedade brasileira como uma figura receptiva a seus valores, e não como interessada apenas em transações comerciais e lucrativas. De certa forma,

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o enunciatário assim substitui o valor comercial pelo valor espiritual. É interessante notar que na peça publicitária analisada, embora a idéia de renascimento esteja expressa e refira-se à tradição cristã, as palavras utilizadas não fazem parte do universo de discurso específico da religião católica(neste caso a expressão utilizada seria ressurreição), podendo-se evitar assim o descontentamento de indivíduos de outros credos não católicos.

2. Semióticas bidimensionais: imagem Embora qualquer imagem encontre-se sempre impressa em suportes tridimensionais, já que mesmo uma folha de papel possui três dimensões, enquanto objeto concreto do mundo, procuraremos aqui nos ater na análise da imagem como superfície visual do objeto. Ao analisarmos a materialidade e tridimensionalidade da peça enquanto objeto procuraremos estabelecer as relações entre a imagem e o suporte onde ela se encontra. A peça publicitária que analisamos, não possui nenhuma ilustração ou fotografia como imagem principal. Embora haja um pequeno desenho representando uma pinha estilizada no canto inferior esquerdo do impresso, este não é muito relevante na compreensão da significação da peça. À primeira vista, o que mais se destaca é a cor do impresso. Quando o cartão de natal encontra-se fechado, a cor predominante da parte externa de seu invólucro é o pardo (cor do papel kraft). Não há nenhuma impressão na parte externa deste invólucro27. Ao se abrir a peça percebe-se que além

27

Utilizamos aqui a terminologia “invólucro” ao invés de “envelope” pois não se trata de um envelope tradicional e sim de uma folha de papelão ondulado com duas dobras que envolve o cartão e se prende através de uma fita de papelão.

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do invólucro, que apresenta na parte interna a cor verde escuro, existe também o cartão propriamente dito que possui uma cor de fundo cinza esverdeado com detalhes (fibras do papel) em branco. Também o texto impresso encontra-se em verde escuro. A primeira relação que pode se extrair desta combinação cromática é uma oposição dialética cor/não-cor. A aparência externa do invólucro apresenta uma cor parda que é própria do papel, a qual não se apresenta como cor impressa, “pintada”, mas como cor natural do material. Assim, à primeira vista não se reconhece uma intencionalidade na apresentação desta cor, que aos olhos do receptor é quase “não-cor”. Quando se abre a peça e os tons verdes de seu interior se revelam, percebe-se aí realmente a introdução da cor com veemência, já que esta ocupa quase que a totalidade da superfície do cartão. Esta oposição cor/não-cor tem a função de causar uma sensação de surpresa no espectador no momento em que ele abre a peça, iniciando assim um jogo lúdico de sedução do sujeito enunciatário. A predominância do verde na imagem também nos leva a pensar na cor como uma das cores representativas do Natal, convergindo para a isotopia da mensagem expressa pela peça. As cores que complementam a peça são o cinza esverdeado do papel do cartão, o cinza-prateado das folhas de eucalipto coladas no cartão, o branco de suas fibras, o cinza escuro da assinatura (Viko Produção e Culinária) e o dourado-pardo do ano (1997) e do desenho da pinha. Todas elas tendem para tons frios o que nos remete mais uma vez a pensar na representação tradicional do Natal. Embora o Natal brasileiro seja no verão, a imagem tradicional do natal europeu faz parte do imaginário do brasileiro que assume as tradições européias como suas.

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O único elemento figurativo que se destaca na imagem deste cartão de natal são folhas de eucalipto coladas ao papel em posições variadas. A imagem destas folhas aliadas às fibras brancas que o papel possui em posições aleatórias, confere um certo movimento ao cartão e sinaliza a idéia de vento. Aqui, mais uma vez, a significação converge para a idéia “Bons Ventos” expressa no texto enunciado escrito. A diagramação do texto também contribui para esta significação, já que além de utilizar uma tipografia itálica seu alinhamento se faz na diagonal. A utilização das cores cinza-prateado e dourado-pardo no resto do texto traz-nos uma idéia de sofisticação, decorrente da associação cinzaprateado/prata e dourado-pardo/ouro. Pretende-se com isso que tal sofisticação sirva de qualificação tanto para o enunciador como para o enunciatário, elogiando-o. Por último, o desenho de pinha, que apresenta-se no canto inferior esquerdo do impresso é mais um elemento decorativo que ajuda na construção da significação de Natal . Porém pelas dimensões reduzidas, localização na página e grande estilização é apenas um elemento complementar desta narrativa.O tratamento de informação paralelo contínuo que fazem as semióticas bidimensionais, tornam sua análise mais complexa pois as relações de significação não se encontram isoladas em unidades sígnicas discretas identificáveis facilmente, mas se estruturam através de todas as relações internas da imagem. A conjugação da imagem ao texto, potencializa ainda mais as relações de significação.

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3. Semióticas tridimensionais e multidimensionais: materialidade da peça, cheiros, gestualidade empregada em sua manipulação. Como já dissemos anteriormente, nas peças publicitárias não-convencionais, possui grande importância o material utilizado na sua confecção, pois este se diferencia bastante dos padrões tradicionais. Se nas peças publicitárias tradicionais o material (papel branco, sem texturas) possui baixo investimento semântico, uma vez que realiza mais um papel de signo funcional que atende a uma necessidade técnica ou financeira da produção e serve apenas como um suporte neutro para a impressão das mensagens publicitárias. No caso das peças publicitárias não-convencionais, o material ( papel ou outros materiais) possui alto investimento semântico e é responsável por grande parte da significação das mensagens que veicula. No caso específico da peça publicitária que analisamos, temos 3 tipos de materiais empregados: papelão ondulado no invólucro da peça, papel japonês 50% reciclado com fibras sintéticas aparentes, utilizado no cartão interno e folhas de eucalipto secas coladas ao cartão. O papelão micro-ondulado além de cumprir a função de proteção do cartão, possui alto grau de diferenciação frente aos papéis comuns . Sua conformação oferece ao enunciatário/receptor uma nova condição tátil, que atualiza uma atividade lúdica do indivíduo com a peça. Esta atividade lúdica é também complementada pela própria operação de abrir a peça que por se diferenciar dos envelopes comuns exige que o enunciatário exerça um novo tipo de gestualidade enquanto abre e manipula a peça . Embora a gestualidade não seja um texto manifestado na própria peça publicitária, são seus dispositivos materiais e tridimensionais que regulam a gestualidade empregada. Entendemos que a decodificação do enunciado publicitário

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em peças publicitárias não-convencionais ocorre de maneira fenomenológica, integrando as diferentes áreas da percepção sensorial . Esta consideração baseia-se nos pensamentos de Merleau Ponty, na “Fenomenologia da Percepção”. A atividade tátil e lúdica oferecida pelo papelão ondulado é também estimulada pela textura das folhas de eucalipto coladas ao cartão. Tais folhas também possuem um alto grau de investimento semântico. A sugestão que fazem da idéia de vento já foi mencionada anteriormente. Além disso estas folhas trazem ainda o cheiro característico do eucalipto. Este cheiro remete-nos imediatamente ao cheiro dos pinheiros, tão típicos da época do Natal. O cheiro confere uma espécie de aspectualização do discurso que se trava nas outras semióticas em paralelo. Como se vê, aqui o material e seus cheiros também convergem para a isotopia da mensagem, construindo um discurso coerente e compatível com os sistemas de valores relacionados à época do natal. O papel 50% reciclado do interior do cartão é portador de significados bastante importantes. Afora seu aspecto visual conferir uma cor diferenciada, e sua textura estimular a atividade tátil, o papel reciclado também possui dados semânticos relacionados à própria forma de fabricação com que é feito. Sua classificação enquanto produto “ecológico” encontra eco no sistema de valores dos consumidores, que cada vez mais valorizam produtos ecológicos e naturais. A natureza, aliás é um sema recorrente em todas as semióticas-objeto desta peça publicitária, quer seja nos papéis utilizados, nas folhas de eucalipto, na cor verde, no desenho da pinha e até na palavra ventos. O papel 50% reciclado, no entanto, contém fibras sintéticas. Tais fibras, porém, aos olhos do consumidor “passam” como fibras naturais, uma vez que a idéia de natureza é potencializada no impresso. Para explicar este processo podemos formalizar o seguinte quadrado semiótico:

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Natural

Não-Artificial

Artificial

Não-Natural

Percurso dialético

Este percurso dialético mostra o caminho que faz a significação de fibras sintéticas tornarem-se aparentemente fibras naturais. Como a idéia de fibras naturais na peça publicitária não-convencional analisada é apenas uma aparência, o que se estabelece na verdade é a clássica tensão dialética entre ser e parecer. Assim, a fibras são sintéticas no modo do ser, porém, naturais no modo do parecer. Trata-se portanto de um simulacro. A idéia de reciclagem, contida no papel, também existe mais no modo do parecer do que no modo do ser, uma vez que o papel é apenas 50% reciclado. Ao enunciatário, no entanto, é omitida tal informação, o qual acaba acreditando em uma reciclagem total. A idéia de reciclagem, além de constituir um valor positivo no discurso ecológico da sociedade contemporânea, como já dissemos, também pode se ligar a tensão dialética vidamorte identificada no texto desta peça publicitária. Reciclar, de alguma maneira, está ligado a renascer, ressurgir, conforme nos diz o texto do cartão.

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Conclusões Parciais da Análise Como vimos, nesta peça constatou-se um alto grau de isotopia da mensagem, onde os sememas Renascimento e Natureza foram evidenciados nas diferentes semióticas. A associação destes conceitos à imagem de marca da empresa qualifica-a positivamente. Se pensarmos que a empresa em questão é um buffet, a idéia de natureza é particularmente interessante, pois remete ao frescor que devem ter os alimentos servidos pela empresa. Da mesma forma, o cartão de Natal para um buffet, além de socializá-lo junto ao sistema de valores de seus consumidores, pode impulsionar a própria demanda do serviço, ou seja, a organização de recepções, inclusive natalinas. A análise desta peça publicitária não-convencional evidenciou a necessidade de se interrelacionarem as diferentes semióticas-objetos

e a

potencialização de significação que isto provoca. As semióticas tridimensionais e multidimensionais presentes nesta peça aumentam o seu grau de sedução, envolvendo o enunciatário numa teia plurisígnica e sinestésica. De outro lado, a atividade lúdica que elas atualizam, exige do enunciatário uma posição mais participativa na decodificação da mensagem. O estudo desta peça publicitária não-convencional mostrou-se bastante complexo, na medida em que há um grande número de semióticas envolvidas em seu discurso. Em comparação com as peças publicitárias gráficas convencionais, o estudo das peças publicitárias gráficas nãoconvencionais tem um grau de complexidade maior, já que para analisar um folheto ou outro material tradicional geralmente basta a análise das semióticas verbais e bidimensionais, ao passo que, na análise de peças publicitárias não-convencionais, é necessário dar especial atenção às semióticas tridimensionais e multidimensionais, já que é geralmente nelas que reside o seu grau de diferenciação.

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A introdução de elementos sensoriais e lúdicos nestas peças envolve o enunciatário num discurso de sedução que facilita a persuasão. A inovação que elas apresentam por introduzirem novas semióticas na publicidade gráfica, fascina os consumidores que as manipulam. Para Ivan Santo Barbosa, “a inovação estética torna-se um componente antropológico da modernidade; através dessa linguagem são processados cada vez mais rapidamente desejos, talvez revolucionários, mas recuperados econômica e socialmente: pela linguagem, pelo inessocial, até mesmo pela reciclagem do lixo se chega ao “novo”- seria a pósmodernidade?” É a produção das aparências “aparentes” e das “pseudo-aparências” que mesmo sendo míticas (mas aproveitadas de formas tão reais em nosso cotidiano), absorvem várias de nossas pulsões - mistificando”. 28 A pergunta que faz o autor (seria a pós-modernidade?) nos leva a pensar nas obras artísticas contemporâneas que mencionamos no decorrer deste trabalho. Concluímos que esta peça publicitária não-convencional apresenta intrinsicamente todos os três aspectos principais apurados em nossa pesquisa sobre as obras artísticas. A idéia de captura do objeto e introdução dentro de um novo contexto está presente, já que a peça inclui folhas de eucalipto reais que possuem uma grande carga de significação na construção da mensagem. Sua enunciação é construída através da interrelacionamento entre este objeto capturado e os demais elementos significantes da mensagem como o texto, imagens e todos os materiais envolvidos. O conceito trazido pelas folhas de eucalipto se complementa com o restante da mensagem, criando um ambiente sinestésico que busca a isotopia. A introdução das folhas de eucalipto no impresso é feita praticamente através do mesmo processo que artistas cubistas incluiam pedaços de jornal ou outros materiais em suas pinturas-colagens, inserindo um pedaço real do mundo na obra. Lembram, também de alguma forma, os ready-

28

IN: BARBOSA, Ivan Santo. Op. cit.

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mades de Duchamp, pois não sofrem praticamente nenhuma alteração formal ao serem introduzidas no impresso, porém ao invés de terem sua significação esvaziado, o que ocorre é que algumas de suas características são ressaltadas para simbolizar o vento e a passagem do tempo. Com relação a questão do desdobramento do plano e a introdução de características lúdicas, interativas e sinestésicas esta peça publicitária apresenta vários pontos a serem discutidos. Em primeiro lugar, há o desdobramento do plano bidimensional. Embora a maneira de utilização das dobras desta peça seja relativamente tradicional, já que se tratam de dobras paralelas,

ao se desdobrar o invólucro que envolve o impresso projeta-se

tridimensionalmente, criando um certo volume, o que é reforçado pela espessura e textura em relevo do material. Além disso, todo o jogo de texturas diferenciadas encontradas não só no invólucro, mas também no material interno do impresso e nas folhas de eucalipto, proporcionam ao espectador o estímulo de sensações táteis. A percepção do cheiro do eucalipto somada aos estímulos táteis, visuais e verbais da peça, contribuem para que a decodificação da mensagem ocorra de maneira fenomenológica e sinestésica. Quanto a questão da utilização dos materiais nesta peça publicitária não-convencional, além dos estímulos polisensoriais que eles oferecem a partir de suas características intrínsecas, podemos reafirmar a carga simbólica que eles carregam. A vinculação às questões ecológicas e aos elementos ligados à natureza podem ser vistos como valores comuns àqueles estudados na análise das obras da arte povera ou de Joseph Beuys. Depreendemos que a publicidade e a arte podem se basear em sistemas de valores comuns, e, embora possam atuar de maneira diferente, muitas vezes as visões de mundo em que se baseiam são coincidentes.

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Análise 2: Campanha interna para a entrega de novas lojas do Shopping Tamboré Corpus: Mecânica da campanha: A campanha foi desenvolvida para a entrega das obras das novas lojas aos lojistas. Ao receber a obra, cada lojista tinha cerca de dois meses para executar os serviços de acabamento e decoração da loja, para que ela fosse inaugurada ao público. Para a entrega das chaves o Shopping Tamboré preparou um café da manhã para estes lojistas. Após o término do café e dos discursos de abertura, os lojistas eram encaminhados ao local das obras, sendo que muitos estavam conhecendo o local pela primeira vez. As peças criadas para esta campanha foram realizadas em três etapas, as quais podemos considerar diferentes atos de uma mesma narrativa. Na primeira etapa foi criado um convite para o evento. Na segunda, no dia do evento, foram entregues a planta arquitetônica das obras de construção das lojas e um folheto que acompanhava a planta estabelecendo uma ligação com o tema do evento. O conceito “planta” foi muito explorado na significação da campanha, significando ao mesmo tempo planta arquitetônica e planta vegetal, como veremos com profundidade ao realizar a análise. Ao chegar em sua loja cada lojista pôde cortar uma fita de inauguração e encontrar uma pequena árvore carregada de frutos kinkan (laranjinha japonesa) juntamente com um regador. Tanto a árvore como o regador eram acompanhados de etiquetas com pequenos textos. Embora tenham tido a função de brinde para o evento, esta árvore e o regador foram criadas como peças publicitárias não-convencionais pois sua presença ligava-se simbolicamente ao conceito da campanha. A terceira etapa desta campanha constituiu-se da entrega de uma peça publicitária nãoconvencional algumas semanas depois do evento de entrega das chaves, faltando cerca de um mês para a inauguração das lojas para o público. Esta peça, que era uma pequena cesta de frutinhas kinkan acompanhada de uma etiqueta com um texto que a remetia ao conceito da campanha, foi

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criada com o intuito de lembrar aos lojistas que a inauguração das lojas se aproximava e que todos deveriam aprontar suas lojas até a data estipulada. Esta peça era acompanhada de recomendações técnicas sugeridas pelo shopping aos lojistas.

Descrição das peças publicitárias não-convencionais utilizadas: Descrevemos abaixo as peças publicitárias criadas para a campanha, de acordo com a etapa em que foram enviadas.

Etapa 1: Antes do evento Peça 1 - Convite: executado em papel reciclado industrial nacional (Marrakech), na cor laranja, formato 15x15 cms. O convite era colocado dentro de um envelope de papel kraft de alta gramatura, sem impressão.

Transcrição do texto: A Tamboré S/A convida para a cerimônia de entrega das chaves das novas lojas do Shopping Tamboré. Café da Manhã Dia 26 de agosto 9:00 horas Praça de Alimentação Favor confirmar presença com Márcia pelo fone 7295-3888 Shopping Tamboré Bonito por Natureza

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Imagem: a imagem apresentada no convite é de uma ilustração de uma árvore de kinkan com frutos, sobreposta a uma pequena planta arquitetônica em escala das obras a serem inauguradas. A imagem da árvore de kinkan é pintada nas cores verde, amarelo e laranja e a planta arquitetônica é impressa na cor marrom. Os textos, colocados à direita da imagem, também encontram-se impressos na cor marrom –a primeira parte – e na cor verde – a segunda parte. O fundo é amarelo mostarda, cor original do papel utilizado.

Etapa 2: na data do evento Esta etapa compreende três peças: uma planta arquitetônica do local acompanhada de um folheto institucional, a arvorezinha de kinkan acompanhada de uma pequena etiqueta, e o regador, também acompanhado de uma pequena etiqueta.

Peça 2 - Planta: esta peça constitui-se de duas folhas tamanho A4 (21x29,7cms) entregues dentro de um envelope em papel kraft, sem impressão. A primeira folha foi realizada em papel translúcido (Pergamenata importado) e apresenta a planta arquitetônica do local, com a relação de lojas identificadas por números. A segunda folha, realizada no mesmo papel reciclado cor mostarda do convite apresenta a mesma ilustração do convite, porém ampliada para o tamanho da folha. Transcrição do texto: Folha 1: (na parte superior) Esta é sua planta

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(na parte inferior, abaixo da ilustração da planta arquitetônica) – é apresentada a relação de lojas constantes da planta com o número correspondente. Folha 2: (na parte superior) – Esta é sua planta (na parte central, ao lado da ilustração da planta arquitetônica sobreposta pela planta da kinkan) agora é só regar e colher os frutos! (na parte inferior, abaixo da ilustração) A Tamboré S/A parabeniza por essa conquista! Vamos continuar crescendo juntos!

Peça 3 – Arvorezinha de kinkan acompanhada de etiqueta. Trata-se de uma árvore real com cerca de 1,5 metro de altura plantada em um vaso encapado com juta natural e adornado com laços de fita nas cores verde, amarelo e vermelho (cores do Shopping Tamboré). A árvore está carregada de frutos e cada árvore foi colocada no interior de cada loja sobre uma bancada de tijolos de concreto empilhados. Presa à arvore está uma etiqueta no tamanho 5,5x6cms, realizada no mesmo papel cor laranja das outras peças da campanha. Na frente, a etiqueta apresenta a mesma ilustração utilizada nas outras peças da campanha, e no verso o logotipo do Shopping Tamboré. Os textos são os seguintes:

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Frente: agora é só regar e colher os frutos! Verso: Vamos continuar crescendo juntos!

Peça 4 - Regador em lata (folha de flandres) , 16x17x11,5cms, adornado com fita vermelha, acompanhado de etiqueta igual à etiqueta presa à arvorezinha.

Etapa 3- após o evento, 1 mês antes da inauguração das lojas para o público consumidor final. Peça 5 – Mini-cesta com cerca de quatro frutinhas kinkan (laranjinha miniatura), embalada em papel celofane incolor e acompanhada de etiqueta dobrada no formato 5,5 x 6,0. A etiqueta foi realizada no mesmo papel das outras peças, porém a ilustração apresentada apresenta apenas imagem da arvorezinha de kinkan, sem a planta arquitetônica. Texto: (Parte externa) Prepare-se para a colheita (Parte interna) Faltam 30 dias para colher os frutos do trabalho que desenvolvemos nestes últimos meses.

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A inauguração das novas lojas do Shopping Tamboré é o resultado da intensa dedicação de nossos futuros lojistas, funcionários e empreendedor. Cultivando esta parceria nossa amizade poderá frutificar ainda mais!

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Convite para o Evento, Planta, Folheto Promocional e Regador (Mala Direta Objeto) para a Campanha de Inauguração das novas lojas do Shopping Tamboré.

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Arvorezinha de kinkan e regador utilizados na campanha do Shopping Tamboré.

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Análise: Nossa análise será realizada de maneira a considerar toda a campanha como uma mesma narrativa. Embora separemos o estudo das semióticas verbais, semióticas bidimensionais e semióticas tridimensionais e polidimensionais para torná-la mais didática, veremos que o conceito geral da campanha só é alcançado no interrelacionamento entre estas diferentes semióticas-objeto.

Semióticas verbais: Ao iniciar nossa análise, percebemos que cada etapa da campanha cumpre uma função específica na narrativa. A primeira etapa, que engloba o convite tem a função de preparar o lojista/enunciatário para a compreensão do resto da narrativa que se desenvolverá. Neste convite estão expressos de maneira bastante objetiva a espacialização(local) e temporalização(data) em que se dará a ação principal. Da mesma forma é identificado claramente o enunciador(Shopping Tamboré). Embora o enunciatário(lojista) esteja oculto no discurso enunciado, sua presença é indicada, já que ele ocupa a posição de objeto do verbo “convidar”, uma vez que a mensagem se dirige a ele. É oferecido em primeira instância um objeto de valor (as novas lojas) ao enunciatário, e para conseguí-lo ele deverá comparecer ao evento. O texto apresenta-se de maneira bastante tradicional para um convite, sendo que a atenção é chamada para o impresso, mais devido à sua cor e imagem do que ao texto propriamente dito. Podemos dizer que o centro da ação da narrativa ocorre na etapa 2, na data do evento. As peças integrantes desta etapa constituem o programa narrativo principal, uma vez que é neste momento que se firma definitivamente o conceito da campanha e a compreensão da relação da imagem com o texto verbal pode ser finalizada. A primeira peça que os enunciatários recebem ao chegar ao evento, constitui-se da planta já descrita anteriormente neste trabalho. Na primeira folha está expresso o texto “Esta é sua planta” acompanhado da imagem da planta arquitetônica e da

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lista de lojistas. Ao oferecer a planta do local ao enunciatário, o enunciador (Shopping Tamboré) está de certo modo colocando-se no papel actancial de coadjuvante, já que ele ajuda ao lojista (colocado como herói da narrativa) atingir seu objeto de valor(a loja). A segunda folha integrante desta peça publicitária, repete o texto “Esta é sua planta”, porém ao estar aliada a outra imagem onde uma planta de kinkan é sobreposta à planta arquitetônica, a palavra planta adquire uma outra conotação, de planta vegetal. Continuando a leitura do texto, encontramos: “agora é só regar e colher os frutos”, colocado ao lado da ilustração. Ao introduzir esta frase, além de reforçarmos o sentido de vegetal da palavra planta, incluímos aqui, um terceiro significado, uma vez que a expressão “colher os frutos” é uma expressão metafórica que significa receber no futuro as consequências e resultados das ações efetuadas (“plantadas”) no presente. Assim, a planta passa a ser a loja que deve ser cuidada para garantir bons lucros. “Regar” é utilizado no sentido figurado de cuidar. Ao finalizar o texto, o enunciatário (Tamboré S/A) “ parabeniza por essa conquista!”, reafirmando mais uma vez que o lojista é o herói que conquistou seu objeto de valor. Ao dizer “Vamos continuar crescendo juntos”, o enunciatário mais uma vez coloca-se no papel de coadjuvante, porém prevendo que aquela ação não se encerra ali. Afinal, “os frutos” que devem ser colhidos tratam-se de um objeto de valor ainda não alcançado, o lucro. Os textos das peças 3 e 4, na etiqueta que é anexada à arvorezinha e ao regador, nada mais são do que reforço daqueles presentes na planta, que servem para conectar estes objetos a todo o conceito da campanha. Quanto a peça 5, a cestinha com frutos que os lojistas recebiam posteriormente, esta tem a função de relembrar aos lojistas a necessidade de tomar todas as providências para a inauguração. Assim, o slogan utilizado é “Prepare-se para a colheita”. O texto interno desta peça, retoma o mesmo

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conceito, utilizando palavras do mesmo conjunto lexical. Para finalizar, complementa-se que a amizade entre o Tamboré e seu lojista irá frutificar. Assim, os “frutos”, que podiam ser vistos como o lucro ou a constituição da loja, ganham mais uma possibilidade de significado, aumentando a qualificação positiva do objeto de valor que deve ser alcançado. É importante perceber que apesar de toda a campanha ter o objetivo de impor um tipo de atitude ao lojista, raramente são utilizados os imperativos, a não ser na frase “Prepare-se para a colheita”, mas, mesmo assim, este imperativo apresenta-se suavizado, pela linguagem figurada em que é inserido. O posicionamento do Tamboré no papel de coadjuvante, de certa forma, elimina a possibilidade de que ele possa ser interpretado como autoritário, qualificando-o positivamente, e favorece para que a motivação do lojista seja conseguida através de sua colocação no papel de herói da narrativa.

Semióticas bidimensionais: imagem Todas as peças da campanha utilizam um papel reciclado de cor laranja. A cor laranja também é a cor do fruto da kinkan (laranjinha miniatura), contribuindo para a isotopia da mensagem. O papel escolhido apresenta também pequenas fibras em sua superfície que conferem uma certa rusticidade à peça. Esta aparência suavemente rústica funciona como uma espécie de aspectualização das peças e poderá ser também encontrada nos outros materiais utilizados, como veremos na análise das semióticas tridimensionais.

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As outras principais cores utilizadas nas peças da campanha são o verde, o laranja e o marrom, todas elas ligadas a idéia de planta. Vale ressaltar que as cores institucionais do logotipo do Shopping Tamboré são o verde, o amarelo e o vermelho. Na escala cromática, o laranja é obtido através da intersecção do amarelo com o vermelho. A ilustração principal da campanha compõe-se de um desenho da planta da kinkan que sobrepõe-se à planta arquitetônica. A forma destas duas imagens é semelhante, já que a planta da kinkan foi desenhada com seus galhos orientados na mesma posição em que a planta arquitetônica se desenvolve. Enquanto o desenho da planta arquitetônica é técnico, rígido, objetivo e baseado em linhas retas, o desenho da planta da kinkan é manual, orgânico e subjetivo. Afinal, vimos que a conotação da árvore da kinkan é metafórica. Existe aqui uma espécie de trocadilho visual realizado com o tamanho das coisas. A planta arquitetônica, apresentada em escala, é de certa maneira a miniaturização de um grande espaço enquanto que a planta da kinkan, que é uma laranja miniaturizada, aparece na imagem de forma hiperbólica, em uma escala que nunca poderia ser a mesma da planta arquitetônica. Poderíamos dizer que o significado metafórico da planta da kinkan supera a informação objetiva da planta arquitetônica. Se na análise das semióticas verbais pudemos verificar que cada etapa da campanha possuía uma função específica, também através da imagem podemos chegar a tal conclusão. Embora a imagem da planta da kinkan sobreposta à planta arquitetônica permeie toda a campanha, ela sofre algumas alterações de significação em cada uma das etapas. No convite, esta imagem serve como uma ilustração que ajuda a dar o clima da campanha, embora ainda não fôra explicitado o seu conceito, baseado no duplo sentido da palavra “planta”. É na segunda etapa que esta imagem é acrescida de significado ao aderir ao texto verbal já analisado.

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A peça publicitária 2 é, talvez, a mais complexa em termos das semióticas bidimensionais. A primeira folha, em papel translúcido apresenta como imagem somente a planta arquitetônica com a identificação das lojas que serão entregues. Através da transparência do papel, pode-se no entanto , visualizar a folha seguinte, onde a mesma planta arquitetônica é sobreposta exatamente na mesma posição da primeira folha. Desta forma, podemos dizer que esta peça apresenta dois momentos de decodificação da narrativa, o primeiro baseado na informação objetiva exposta na planta arquitetônica e o segundo baseado na subjetividade metafórica da imagem da kinkan. É interessante notar que nesta segunda folha, o galho da kinkan se inicia exatamente acima do local onde está impresso o logotipo do Shopping Tamboré, podendo-se depreender que o Shopping Tamboré seria a raiz ou a planta central de onde partiriam os galhos ou alas do shopping. Nas etiquetas presas ao regador e à arvore da kinkan, encontra-se a mesma imagem, porém, confrontando-se a imagem representada da kinkan com a árvore real cria-se um deslocamento perceptivo que interfere na apreensão da mensagem. Detalharemos mais este processo na análise das semióticas tridimensionais e multidimensionais. Na terceira etapa da campanha, na etiqueta presa à cestinha de frutos, mais uma vez reaparece a imagem da planta da kinkan, porém agora sem a imagem da planta arquitetônica. Uma vez que os enunciatários já conheceram o local ao qual se refere a planta arquitetônica, não há mais necessidade de repeti-la. Além disso, o sentido figurado passado pela árvore da kinkan torna-se mais importante do que a função objetiva da planta arquitetônica. Neste processo, ao se metaforizar o conceito planta, acrescentaram-se atributos inessenciais que qualificam ainda mais o objeto de valor pretendido pelo enunciatário.

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Semióticas tridimensionais e multidimensionais: materialidade, tato, paladar e gestualidade Já dissemos que o principal papel utilizado para a impressão das peças desta campanha é o papel reciclado. Verificamos também, através da outra análise realizada neste trabalho as conotações simbólicas agregadas pelo papel reciclado ao impresso, e podemos afirmar que nesta campanha, mais uma vez, a idéia de vinculação à natureza e à ecologia é importante, visto que todo o conceito baseia-se em uma árvore e seu desenvolvimento. Além do papel já mencionado, a planta arquitetônica da peça 2 encontra-se impressa em um papel translúcido. A escolha deste papel deve-se tanto a suas qualidades estruturais, que permitem que se veja a próxima folha, bem como a carga simbólica que ele apresenta, já que em geral as plantas arquitetônicas são impressas em papéis translúcidos conhecidos como papel vegetal. Todos os materiais envolvidos na criação das peças, ou são de origem natural, ou possuem uma certa rusticidade, relacionada ao conjunto de materiais ligadas ao plantio e à terra. A carga simbólica e metafórica, que trazem a arvorezinha da kinkan e seus frutos, é intensificada com a utilização dos materiais acessórios. A juta que envolve os vasos, por exemplo, remetem ao tipo de saco rústico utilizado na agricultura, além de lembrar a cor da terra e do papel kraft utilizado nos envelopes do convite e da planta arquitetônica. A cesta de palha com frutos e o alumínio utilizado nos regadores também fazem parte do mesmo universo de materiais relacionados ao contexto. As peças 1(convite) e 2(planta) são predominantemente bidimensionais, enquanto que as peças 3(arvorezinha), 4(regador) e 5(cestinha), são predominantemente tridimensionais. Se, num primeiro momento, o conceito metafórico é introduzido através das representações das semióticas

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verbais e bidimensionais presentes nas peças 1 e 2, ao entrar em contato com as peças tridimensionais, este conceito, apesar de não perder sua conotação metafórica, atualiza-se em objetos em si. Os objetos (planta, vaso, regador) utilizados na campanha são ao mesmo tempo referentes e representações. Embora seu significado final seja metafórico eles são apresentados como objetos reais. Esta dialética entre o real e a representação cria um clima de fantasia que envolve o receptor em uma atitude lúdica e sedutora. Ao poder tocar e interagir com conceitos materializados em objetos, o enunciatário diverte-se e distrai-se, facilitando a apreensão da mensagem. Vimos, na análise da obra artística de Joseph Kosuth, a convivência simultânea de signos provenientes de diferentes semióticas convergindo para um mesmo significado e explicitando-se enquanto unidades semânticas da linguagem. Aqui ocorre um processo semelhante, no entanto, ao invés de expor o mecanismo da linguagem, o que acontece é a potencialização do conceito através isotopia presente no espetáculo semiótico. Até mesmo o paladar está integrado à percepção da mensagem nesta campanha, já que o lojista pode provar os frutos da kinkan. Com relação à gestualidade empregada para a apreensão das peças, esta é mais tradicional na manipulação das peças predominantemente bidimensionais, já que estas não fogem muito ao convencional, a não ser pelo material empregado; já as peças tridimensionais sugerem ao receptor uma série de gestos específicos que atualizam uma atitude lúdica e interativa. A apreensão do sentido geral da campanha se dá no espaço e no tempo e a relação fenomenológica que o enunciatário exerce com as peças é fundamental na sua recepção. Se na análise da imagem impressa pudemos notar uma alteração da escala da representação dos objetos, podemos notar que também nos objetos em si ocorre um processo semelhante, em especial na peça 5. Esta peça, realizada com uma mini-cestinha com frutinhas da kinkan passa a idéia de um

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mundo miniaturizado, pois embora as frutinhas da kinkan estejam em seu tamanho natural, a kinkan lembra uma laranja miniaturizada e raramente se vê uma cesta de frutas tão pequena. Sobre esta questão da miniatura podemos citar o pensamento do fenomenólogo Gaston Bachelard, que como vimos influenciou alguns artistas neoconcretos brasileiros. Diz ele: “a imaginação miniaturizante é uma imaginação natural. Ela aparece em qualquer idade no devaneio dos sonhadores natos. (...) A miniatura faz sonhar. (...) o minúsculo, porta estreita por excelência, abre um mundo. O pormenor de uma coisa pode ser o signo de um mundo novo, de um mundo que, como todos os mundos, contém os atributos da grandeza. A miniatura é uma das moradas da grandeza”29 Esta dimensão do sonho e do devaneio auxilia a envolver o receptor sensorialmente, e projeta o sentido figurado dos frutos em uma grandeza poética.

Conclusões parciais da análise Na análise desta campanha pudemos confirmar alguns aspectos já notados na análise anterior. A questão da captura do objeto real e sua ressemantização foi bastante discutida nesta campanha, revelando pontos de contato com à prática artística. Talvez a diferença maior entre as duas áreas seja o fato de que, enquanto na publicidade se busca a isotopia da mensagem, tornando-a envolvente e persuasiva, na arte é mais comum a busca de um estranhamento que abre espaço para interpretações mais variadas.

29

In: BACHELARD, Gaston. Op.Cit.

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Nas peças específicas desta campanha, não foi verificada a freqüência das questões relacionadas ao desdobramento do plano bidimensional, pois as peças predominantemente bidimensionais eram muito simples, ao passo que as peças predominantemente tridimensionais apresentavam objetos reais não constituídos a partir do plano, mas que possuíam volumes e aspectos tridimensionais mais complexos. O fato de utilizar objetos reais, no entanto, favoreceu a atualização de comportamentos lúdicos e interativos que sensibilizaram diversos sentidos do receptor, principalmente a visão, o tato e o paladar. Desta maneira podemos encontrar aqui as questões relacionadas a percepção multisensorial e fenomenológica, que também apareciam na produção artística dos neoconcretos brasileiros. Quanto a materialidade das peças analisadas, observou-se que os materiais foram selecionados tanto devido a suas características estruturais como devido a seus aspectos simbólicos. Estes aspectos simbólicos foram reforçados pelo entrelaçamento dos signos verbais e visuais. Os materiais foram manipulados a partir das formas originais dos objetos capturados, e não alterados para a constituição de uma nova forma. Não foi identificada claramente uma “forma informe”, porém, nota-se uma predileção pela organicidade. A tendência à utilização de materiais vinculados à idéia de natureza, mostrou-se recorrente, visto que já havia sido notada tanto na análise do Cartão de Natal para o Buffet Viko, como nas poéticas das obras de arte povera ou de Joseph Beuys. Isto mostra que existe uma preocupação ecológica na visão de mundo da sociedade contemporânea, que se manifesta nos diferentes discursos desenvolvidos nas diversas áreas do conhecimento. O fato de se utilizar elementos vivos, nesta campanha, como a árvore da kinkan e seus frutos traz consigo a idéia de um processo que ocorre ao longo do tempo. Ao invés de se tornarem peças efêmeras que se deteriorem com a passagem do tempo, como ocorria com algumas obras de arte povera que exploravam as transformações físico-químicas dos materiais, a árvore da kinkan é um objeto que possui uma “duração” maior do que

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toda a campanha impressa, já que o lojista deveria levá-la como brinde. Tal fato aumenta a possibilidade de eficácia da mensagem publicitária, pois seus conceitos podem ficar presentes junto ao enunciatário por mais tempo. Mesmo que haja uma deterioração posterior do objeto em questão, dificilmente o lojista associará aquela deterioração ao conteúdo da mensagem, pois seu conteúdo e significado já foram bastante reforçados.

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CONCLUSÃO No decorrer deste trabalho, pudemos mapear diversas possibilidades de produção de peças publicitárias gráficas não-convencionais. Vimos quais os atributos estruturais que as diferenciavam das peças convencionais, localizando-os no uso de materiais alternativos, métodos de impressão, formatos e dobras diferenciados, acabamentos especiais e introdução de elementos tridimensionais. Notamos que estes atributos trazem novas possibilidades de apreensão das peças pelo receptor, uma vez que provocam uma percepção sinestésica, sugerindo uma relação mais lúdica e interativa. Pudemos observar também, que a construção da significação nas peças publicitárias gráficas não-convencionais ocorre de maneira integrada e fenomenológica, interrelacionando os diferentes signos verbais, visuais, táteis e multidimensionais percebidos pelos orgãos de sentido humanos. Esta teia plurisígnica, ao mesmo tempo que torna a mensagem publicitária mais eficaz devido ao aumento do espetáculo semiótico, abre a possibilidade para leituras mais poéticas e metafóricas, portanto, mais sedutoras. A comparação dos aspectos formais e conceituais das obras artísticas contemporâneas com as peças publicitárias gráficas não-convencionais, mostrou-se bastante enriquecedora, visto que ao confrontar pensamentos e procedimentos da arte e da publicidade, acreditamos ter levantado uma série de questionamentos relevantes para ambas as áreas. Notou-se que, apesar dos conceitos ligados a arte e a publicidade apresentarem diferentes níveis de profundidade e diferentes intenções em sua aplicação, são encontrados pontos em comum, presentes nos sistemas de valores da sociedade contemporânea.

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Foram discutidas reiteradas vezes, ao longo do texto, as relações entre o objeto e sua representação tendo se concluído que uma das qualidades que apresentam as peças publicitárias não-convencionais é justamente a tensão entre o real e sua representação. Através desta tensão cria-se um estranhamento que envolve o receptor em um clima de fantasia, que contribui para a apreensão da mensagem. Ao resgatarmos conceitos provenientes das artes relacionados à materialidade e à percepção sensorial das obras plásticas, pudemos trazer para a publicidade novas possibilidades de criação de mensagens e novas possibilidades de análise do discurso publicitário, uma vez que, em geral, ainda é privilegiada apenas a análise verbal das peças, quando muito relacionando-a à análise visual, porém raramente pratica-se uma análise verificatória do material e sua percepção fenomenológica. Ao selecionarmos obras e artistas para nossa análise, dada a impossibilidade de realizar um amplo panorama da produção artística contemporânea, procuramos escolher alguns exemplos representativos que possibilitassem o esclarecimento de alguns conceitos, que pudessem ser discutidos no confrontamento com a publicidade. A pesquisa observou que grande parte das inovações estéticas e processuais incorporadas às peças publicitárias gráficas não-convencionais apresentaram semelhanças principalmente com as obras artísticas ditas pós-modernas. Mesmo que alguns dos procedimentos e conceitos tenham sido originados na modernidade - como as operações conceituais já desenvolvidas por Duchamp nos readymades, por exemplo – é principalmente a partir da pós-modernidade que estes conceitos são retomados com bastante freqüência e desenvolvidos. Ao analisar teorias que envolvem a arte pós-moderna, notamos que é muito comum a existência da negação em suas narrativas. Quando descreve os objetos da artista plástica Lygia Clark, por exemplo, Ferreira Gullar cria a Teoria do Não-Objeto.

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Para muitos autores, enquanto o modernismo representou uma negação da arte tradicional para a afirmação de uma nova arte, a arte pós-moderna constitui-se quase de uma negação que nega a si mesma, e não busca uma nova verdade afirmativa, mas permanece perdida incorporando a negação como um processo cotidiano e contido em si mesmo. Jair Ferreira dos Santos, em “O que é Pós Moderno”,30 escreve um capítulo chamado “O pós contem um des” em que reúne várias teorias que falam desta vocação nihilista da sociedade pós-moderna. Lyotard nos fala da crise das grandes narrativas, o que também pode se relacionar com este assunto. Existem também as recentes teorias da desconstrução nas artes plásticas. Ao tratar deste processo pós-moderno, Omar Calabrese, apesar de preferir o termo “neobarroco” também utiliza termos negativos quando fala por exemplo em “forma informe”, conceito este que já citamos ao analisar algumas obras neste trabalho. Dentro deste panorama, podemos pensar que também as peças publicitárias não-convencionais podem ser inscritas dentro desta narrativa de negação. Também elas, muitas vezes, negam as próprias convenções da propaganda, embora continuem a ser objetos publicitários. Se considerarmos a concepção que Omar Calabrese tem da pós-modernidade, nomeando-a de “Idade Neo-barroca” em vista da proximidade que as manifestações estéticas contemporâneas têm com os procedimentos do barroco, podemos mais uma vez encontrar pontos de contato entre as peças publicitárias não-convencionais e esta concepção de pós-modernidade. Se a sinestesia era uma das características marcantes da produção artística barroca, na pósmodernidade ela reaparece nas atitudes lúdicas atualizadas pelas peças publicitárias não-convencionais e pela obras artísticas interativas contemporâneas.

30

In: Santos, Jair Ferreira dos. Op.Cit.

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Seguindo este raciocínio podemos concluir que o aparecimento das peças publicitárias não-convencionais pode ser considerado como um programa narrativo integrante de uma ampla metanarrativa que atinge os mais diversos campos da estética contemporânea. Como a estética também pode ser integrada a macrosemiótica da cultura contemporânea, as peças publicitárias não-convencionais, mais do que simples instrumentos de comunicação publicitária, podem ser consideradas como pequenas narrativas de construção da visão de mundo da cultura social da atualidade. Percebemos que, no caso específico das peças publicitárias gráficas não-convencionais, esta visão de mundo expressa-se por meio de uma dimensão poética e metafórica que é potencializada pelo orquestramento dos signos das diferentes linguagens utilizadas por elas. Acreditamos que esta dimensão poética possa abrir brechas no discurso publicitário, não apenas impondo uma visão unidirecionada objetivada pelo anunciante, mas possibilitando a interpretação da mensagem através do próprio referencial do indivíduo. Se considerarmos que a percepção do mundo se dá através da relação fenomenólogica que o indivíduo estabelece com o ambiente que o cerca, e não puramente através de definições concebidas a priori, asseveramos que embora possa ser influenciado e seduzido pela propaganda, sua apreensão da mensagem só se verifica através de sua própria experiência vivida enquanto ser que pensa, sente e delibera. A conclusão de que através de peças publicitárias não-convencionais, uma campanha publicitária pode ter uma narrativa desenvolvida no tempo e no espaço, baseando-se numa construção conceitual que se exprime através dos mais diferentes materiais e procedimentos e atinge a percepção humana de maneira sinestésica e fenomenológica, faz- nos lembrar do ‘Conceito ampliado de arte”, exposto pelo artista alemão Joseph Beuys. Para Beuys, todos os procedimentos e materiais são válidos para a arte , e a significação vai além de cada obra realizada e é decorrente do conceito que origina a criação. Assim, todos os atos humanos podem ser transformados em atos artísticos. Embora o nível de profundidade de Beuys seja maior e

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sua concepção esteja ligada à espiritualização, política e libertação do indivíduo, podemos nos perguntar: não estaríamos ampliando o conceito de publicidade ao oferecer a nosso receptor possibilidades mais poéticas, lúdicas e interativas na decodificação da mensagem? E será que através deste novo tipo de percepção não poderíamos de alguma maneira aumentar o bem-estar do indivíduo, mesmo que de forma passageira, possibilitando-lhe devaneios prazeirosos? E não poderiam as empresas tomar para si esta possibilidade como uma responsabilidade social? Se todo homem é um artista, não poderíamos trazer um pouco desta arte para nossa atividade publicitária? Talvez todos estes pensamentos sejam devaneios e estas idéias utópicas demais.... Mas Beuys também era...

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ÍNDICE DAS ILUSTRAÇÕES 7.................................Obra da artista BARBARA KRUGER, (Untitled (God sends the meat...), 1988, photographic silkscreen/vinyl, 282x334cm. Reprodução do livro New Art, de Andreas Papadakis, Op. Cit. Obra da artista JENNY HOLZER, Fotografia de um de seus painéis luminosos no Times Square, New York, 1983-1985 Reprodução do livro New Art, de Andreas Papadakis, Op. Cit. 20..............................Mala-direta em plástico polionda, da Griffe George Henri. Designer: não identificado. Foto: Hugo Fortes 21..............................Pasta de Apresentação da Consultoria Elvitec Galileo. Designer: Hugo Fortes Foto: André Fortes 23...............................Mala-direta de lançamento de coleção da Loja Tendência. Designer: Hugo Fortes Foto: André Fortes

24...............................Estojo com 6 cartões pintados à mão e cartão de Natal para a Consultoria Elvitec Galileo. O estojo serviu como brinde. Designer: Hugo Fortes Foto: André Fortes 25...............................Cartão de Natal realizado em papel artesanal com fibras de cana, casca de alho e aplicação de uma casca de árvore. Designer: Hugo Fortes Foto: André Fortes 26...............................Cartão de Natal para Shopping Morumbi. Designer: Hugo Fortes. Foto: André Fortes 29................................Mini-baú do Tesouro com a mensagem “Pequenos investimentos, grandes idéias trazem preciosos tesouros”. Design e Foto: Hugo Fortes 30................................Cartão de Natal/Brinde para Elvitec Galileo, contendo um cristal de quartzo

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verdadeiro. Designer: Hugo Fortes Foto: André Fortes

31................................Protótipo (Layout) de Mala Direta Objeto criada para a Consultoria Marché. Designer: Hugo Fortes. Foto: André Fortes 32................................Mala Direta Objeto criada para o Aniversário de 7 anos do Shopping Tamboré. Designer: Hugo Fortes Foto: André Fortes 43................................Ready-Made de MARCEL DUCHAMP, “Fonte”, Coleção Arturo Schwarz. Reproduzido do livro “Duchamp”, de Janis Mink, Op.Cit. 55................................Mala Direta Objeto criada para os 6 anos do Shopping Tamboré. Designer: Hugo Fortes. Foto: André Fortes 74...............................Cartão de Natal para Buffet Viko,1998. Designer: Hugo Fortes. Foto: André Fortes Obra de LYGIA CLARK, “Bicho”, chapas de alumínio manipuláveis unidas por

dobradiças. Reproduzida do livro “O espaço de Lygia Clark” de Ricardo Nascimento Fabrini, Op.Cit.

79................................Manual de Integração do Funcionário do Markro. Designer: Hugo Fortes. Foto: André Fortes 89...............................Obra de JOSEPH BEUYS, Cadeira com gordura, Instalação no Hessischen Landesmuseum Darmtstadt. Reprodução do livro “New Art”, de Andreas Papadakis, Op. Cit. 106.............................Convite para a exposição “Buracos”, de Hugo Fortes e Christianne Alvarenga. Designer: Hugo Fortes. Foto: André Fortes 116.............................Cartão de Natal para Buffet Viko. Design e Foto: Hugo Fortes.

136 e 137.....................Peças da Campanha para Entrega de novas lojas aos lojistas do Shopping Tamboré, 1999. Designer: Hugo Fortes Foto: André Fortes

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