Pedagogia, Controle Simbólico e Identidade. Capítulo 1 - Os Códigos pedagógicos e suas modalidades de prática - Basil Bernstein

May 29, 2017 | Autor: Ronai Rocha | Categoria: Pedagogia, Teoria Curricular
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Pedagogia, Controle Simbólico e Identidade. Teoria, Pesquisa, Crítica - Basil Bernstein Capítulo 1 Os códigos pedagógicos e suas modalidades de prática 1 •

Introdução Os modelos que desenvolvo aqui devem ser capazes de descrever as práticas organizacionais, discursivas e de transmissão em todas as agências pedagógicas e mostrar o processo mediante o qual a aquisição seletiva ocorre. Também quero deixar bem claro que o meu conceito de prática pedagógica é um pouco mais amplo do que as relações que acontecem nas escolas. As práticas pedagógicas incluiriam as relações entre médico e paciente, as relações entre o psiquiatra e os chamados doentes mentais, as relações entre os arquitetos e os urbanistas. Em outras palavras, a noção de prática pedagógica que usarei considerará a prática pedagógica como um contexto social fundamental através do qual a reprodução-produção cultural ocorre. Ao trabalhar com esse conceito mais amplo de prática pedagógica, os modelos de descrição que tentarei criar necessariamente terão uma certa generalidade, a fim de que possam dar conta da diferenciação das agências de reprodução cultural. Quero deixar claro que não vou aqui considerar em qualquer grande detalhe as regulações macro-institucionais dos sistemas de educação, nem vou me preocupar com qualquer uma das principais discussões sobre as mudanças nas orientações dos sistemas de conhecimento contemporâneo. Na verdade, eu fiz uma escolha deliberada para focalizar fortemente as regras subjacentes que condicionam a construção social do discurso pedagógico e suas várias práticas. Estou fazendo isso porque parece-me que a teoria sociológica é muito dedicada à metateoria e pouco ocupada em fornecer princípios específicos de descrição. Eu me concentrarei muito em oferecer e criar modelos, que podem gerar descrições específicas. É minha convicção que sem estas descrições específicas não há nenhuma maneira em que possamos compreender a forma como os sistemas de conhecimento tornam-se parte da consciência. Muitos dos modelos que temos, penso eu, são altamente gerais; são importantes, mas muito gerais. Eles muitas vezes não servem para fornecer as regras necessárias para o exame específico de agências específicas e processos de transmissão. E isso não é um pedido de desculpas para diminuir o nível acadêmico das discussões que terão lugar. As principais teorias da reprodução cultural que temos, em especial a versão parisiense, são limitadas por suas pressuposições e foco e por isso são incapazes de fornecer princípios fortes para a descrição das agências pedagógicas, de seus discursos, das suas práticas pedagógicas. Eu sugiro que isso é assim porque as teorias da Esta tradução de capítulos de Pedagogy, Symbolic Control and Identity. Theory, Research, Critique. (Revised •

Edition. Rowman & Littlefield Publishers. London, 2000), foi feita com apoio do programa CAPES-PIBID e destina-se apenas a usos não-comerciais, em grupos de estudo e aulas. (Ronai Rocha)





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reprodução cultural encaram a educação como um veículo (carrier) de relações de poder externos à educação. Deste ponto de vista, o discurso pedagógico torna-se um veículo para algo diferente de si mesmo. É um veículo de relações de poder externas à escola, um portador de padrões de dominação de classe, patriarcado e raça. É uma questão de grande interesse que a estrutura real que permite que o poder seja transmitido, que o poder seja realizado, ela mesma não é objeto de análise. Paradoxalmente, o que falta nas teorias da reprodução cultural é qualquer análise interna da estrutura do próprio discurso, e é a estrutura do discurso, a lógica desse discurso, que fornece os meios pelos quais as relações de poder externos podem ser realizadas por ele (Capítulo 2). Eu sugiro que as teorias da reprodução cultural essencialmente encaram a educação, e em particular a escola, como um lugar de patologia social e que a sua preocupação é diagnosticar a educação como sendo essencialmente um dispositivo patológico. Nessas análises, claramente, a classe social é necessariamente - e crucialmente – colocada em primeiro plano. Mas nesta análise a classe social não estará em primeiro plano. O que vai acontecer, espero, será uma explicação da lógica interna do discurso pedagógico e de suas práticas. Se queremos entender de que modo os processos pedagógicos formam a consciência diferenciadamente, não vejo como isso pode ser feito sem alguns meios de analisar as formas de comunicação que permitem fazer isso. Estarei mais preocupado em analisar como um texto pedagógico é formado, as regras da sua construção, circulação, contextualização, aquisição e mudança. São estas as questões que gostaria de abordar. Eu me ocuparei com três problemas interrelacionados: • Em primeiro lugar, como é que uma distribuição dominante do poder e de princípios de controle gera, distribui, reproduz e legitima os princípios dominantes e dominados de comunicação? • Em segundo lugar, como é que uma tal distribuição de princípios da comunicação regula as relações dentro de e entre os grupos sociais? • Em terceiro lugar, como é que estes princípios de comunicação produzem uma distribuição de formas de consciência pedagógica? Em resumo, como é que o poder e o controle se traduzem em princípios de comunicação, e como é que esses princípios de comunicação diferencialmente regulam as formas de consciência em relação à sua reprodução e as possibilidades de mudança?

Poder e controle Vou começar com a discussão sobre o poder e o controle. A distinção que vou fazer aqui é crucial e fundamental para toda a análise. Nesta formulação, o poder e o controle são analiticamente distintos e operam em diferentes níveis de análise. Empiricamente, veremos que eles são encaixados um no outro. As relações de poder, nessa perspectiva, criam limites, legitimam limites, reproduzem limites, entre as diferentes categorias de grupos, gênero, classe, raça, diferentes categorias de discurso, diferentes categorias de agentes. Assim, o poder sempre opera para produzir deslocamentos, para produzir pontuações no espaço social. Deste ponto de vista, então, o poder sempre opera sobre as relações entre categorias. O foco do poder a partir deste ponto de vista está sobre as relações entre e, desta forma, o poder estabelece relações legítimas de ordem. O controle, por outro lado, a partir deste ponto de vista, estabelece formas legítimas de comunicação apropriadas para as diferentes categorias. O controle veicula (carries) as relações de fronteira de poder e socializa os indivíduos em tais relações. Veremos, no entanto, que o controle tem dupla face pois ele veicula tanto o poder de reprodução quanto o potencial para a sua mudança.



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Vou resumir esta distinção entre potência e controle: brevemente, o controle estabelece comunicações legítimas, e o poder estabelece relações legítimas entre as categorias. Assim, o poder constrói as relações entre, e o controle as relações dentro de determinadas formas de interação. As formas de interação nas quais estou interessado são aquelas da prática pedagógica e as relações categoriais em que estou interessado são aquelas do discurso pedagógico, de seus agentes e seu contexto. Agora, a fim de mostrar formalmente como o poder dominante e as relações de controle são realizados como formas de comunicações pedagógicas, vou ter que desenvolver uma linguagem especial. Esta linguagem deve ser capaz de recuperar as relações macro a partir das micro interações. A linguagem deve também revelar tanto o processo de interação e o potencial para a mudança. Ela deve ser capaz de fornecer princípios gerais dos quais possam ser derivados descrições específicas das principais agências de reprodução cultural e de seus processos de transmissão e aquisição.

Classificação e enquadramento Vou agora definir dois conceitos, um para a transferência (translation) do poder, das relações de poder, e outro para a transferência das relações de controle, o que eu espero que forneça os meios de compreender o processo de controle simbólico regulados por diferentes modalidades do discurso pedagógico. Talvez seja possível acrescentar uma nota aqui. Os modelos a serem criados devem ser capazes de gerar uma gama de modalidades de discurso e prática pedagógica. E os modelos também devem ser capazes de gerar discursos e práticas pedagógicas que no momento não existem. Vou começar primeiro com o poder. Dissemos que as relações dominantes de poder estabelecem limites, isto é, relações entre limites, relações entre categorias. O conceito para traduzir o poder ao nível do indivíduo tem de lidar com as relações entre fronteiras e as representações categoriais desses limites. Vou usar o conceito de classificação para examinar as relações entre categorias, se estas categorias estão entre agências, entre agentes, entre discursos, entre as práticas. Isto pode parecer um uso um tanto estranho do conceito de classificação, porque normalmente a classificação é utilizada para distinguir um atributo que define o que constitui uma categoria; mas aqui a classificação refere-se a um atributo definidor não de uma categoria, mas das relações entre categorias. Assim, se eu tomar uma série de categorias, concretamente poderíamos pensar sobre as categorias de discurso na escola secundária: física, geografia, língua, etc. Elas não precisam ser categorias discursivas dentro da escola. Elas poderiam ser as categorias que constituem a divisão do trabalho no campo da produção: não qualificados, qualificados, de escritório, tecnológico, gerencial (Bernstein, 1981, Apêndice). Considere-se uma série de categorias, os discursos de um currículo da escola secundária. Vamos chamá-los de A, B, C, D. Essas categorias podem ser consideradas como uma divisão social do trabalho do discurso. Agora, se esses discursos são diferentemente especializados, então eles devem ter um espaço no qual desenvolver a sua identidade única, uma identidade com as suas próprias regras internas e sua voz especial. Poderia ser Francês, Alemão, História, se pensamos na escola. Mas eu quero argumentar que o espaço fundamental que cria a especialização da categoria - neste caso, o discurso – não é interno a esse discurso, mas é o espaço entre esse discurso e outro. Em outras palavras, A somente pode ser A se pode insular-se de forma eficaz de B. Neste sentido, não há A se não há nenhuma relação entre A e alguma outra coisa. O significado de A somente é compreensível em relação a outras categorias no conjunto; na verdade, a todas as categorias no conjunto. Em outras palavras, é o insulamento entre as categorias de discurso que mantém os princípios de sua divisão social do trabalho. Em outras palavras, é o silêncio que transporta a mensagem do poder; é o ponto final entre uma categoria de discurso e outra; é o deslocamento no fluxo potencial do discurso que é crucial para a especialização de qualquer categoria.



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Se esse insulamento é quebrado, então uma categoria corre o risco de perder a sua identidade, porque o que ela é, é o espaço entre ela e uma outra categoria. O que quer que mantenha os pontos fortes do insulamento, mantém as relações entre as categorias e suas distintas vozes. Assim, o princípio das relações entre categorias, neste caso os discurso - ou seja, os princípios de sua divisão social do trabalho - é uma função do grau de insulamento entre as categorias do conjunto que estamos considerando. Se esse insulamento muda a sua força, então mudam os princípios da divisão social do trabalho, isto é, a sua classificação. O que preserva o insulamento? O que preserva o espaço separador? O que preserva as regiões do silêncio? O que preserva os deslocamentos? O que preserva o isolamento é poder. As tentativas de mudança nos graus de isolamento revelam as relações de poder nas quais a classificação se baseia e que reproduz. Podemos distinguir entre as classificações fortes e fracas de acordo com o grau de insulamento entre as categorias, sejam estas categorias de discurso, categorias de gênero, etc. Assim, no caso da classificação forte, temos um insulamento forte entre as categorias. No caso da classificação forte, cada categoria tem sua identidade única, a sua voz única, as suas próprias regras especializadas de relações internas. No caso da classificação fraca, temos discursos menos especializados, identidades menos especializadas, vozes menos especializadas. Mas as classificações, fortes ou fracas, sempre veiculam relações de poder. A natureza arbitrária dessas relações de poder é disfarçada, escondida pelo princípio da classificação, pois o princípio da classificação vem a ter a força da ordem natural e as identidades que ele constrói são consideradas como reais, como autênticas, como integrais, como a fonte da integridade. Assim, uma mudança no princípio de classificação aqui é uma ameaça para o princípio da integridade, de coerência do indivíduo. Podemos dizer, então, que o insulamento que cria o princípio da classificação tem duas funções: uma externa ao indivíduo, que regula as relações entre os indivíduos, e outra função que regula as relações internas ao indivíduo. Assim, o isolamento voltase para o lado de fora, para a ordem social, e para o lado de dentro, a ordem dentro do indivíduo. Assim, externamente, o princípio classificatório cria ordem, e as contradições, divisões e dilemas que necessariamente são inerentes ao princípio de uma classificação são suprimidas pelo isolamento. Dentro do indivíduo, o insulamento torna-se um sistema de defesas psíquicas contra a possibilidade do enfraquecimento do insulamento, o que revelaria as contradições reprimidas, clivagens e dilemas. Portanto, a realidade interna do insulamento é um sistema de defesas psíquicas para manter a integridade de uma categoria. No entanto, essas defesas psíquicas raramente são totalmente eficazes e a a possibilidade do outro, do impensável, daquilo que ainda não teve voz é também raramente silenciada.

Classificação: alguns exemplos Quero agora dar alguns exemplos de princípios classificatórios. Quero antes de tudo dar uma olhada muito sumária em duas organizações diferentes de conhecimento, uma na universidade medieval, a segunda no século XX, para ilustrar o significado dos princípios classificatórios. No primeiro caso há uma classificação forte, e no segundo caso, um exemplo de uma classificação fraca. Se olharmos para a organização do conhecimento no período medieval, existem duas organizações distintas de conhecimento, especializadas de modo diferente, uma para a prática mental e outra para as práticas manuais, fortemente classificadas, com um forte insulamento entre elas, entre a prática mental e a prática manual. Os dispositivos que transmitem a prática mental e a prática manual, têm suas próprias regras internas e seus veículos próprios. Alguns indivíduos veem a exclusão da prática manual como algum tipo de trama capitalista sórdida. Mas o ponto crucial é que a prática manual



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nunca foi integrada em sistemas públicos formais de conhecimento e de transmissão. A prática manual era retransmitida através da família e das guildas. Quero examinar o sistema para a prática mental e quero olhar mais detidamente a organização do conhecimento. Na universidade medieval, encontramos a primeira fratura, o primeiro deslocamento, a primeira classificação de ordens de conhecimento na relação entre o trivium e o quadrivium. Foi o caso, é claro, que nem todas as universidades medievais tinham os dois sistemas de conhecimento. Alguns sistemas universitários podem ter tido apenas o trivium. Mas quer a universidade tivesse ou não um quadrivium ou não, é irrelevante para efeitos do presente argumento, porque o trivium pressupõe sempre o quadrivium. Se revisamos esta organização muito rapidamente, sabemos que o trivium está preocupado com lógica, gramática e retórica. E sabemos que o quadrivium está preocupado com a astronomia, música, geometria e aritmética. Sabemos também que o trivium é estudado em primeiro lugar e que o quadrivium vem depois. Não há quadrivium sem o trivium. Mas o trivium, deste ponto de vista, simboliza as limitações das possibilidades da palavra, e a palavra é Deus. O quadrivium está preocupado com as formulações abstratas sobre a estrutura fundamental do mundo, do mundo físico. Há um deslocamento entre duas linguagens: a linguística (trivium) e a matemática (quadrivium). Fortemente classificados, a palavra e o mundo são integrados através de Deus. Este é o princípio da integração. A classificação forte não cria deslocamento por causa de sua relação com Deus. Além disso, é a socialização na palavra que faz com que a exploração abstrata do mundo seja segura. O trivium vem em primeiro lugar. O trivium é propriamente o discurso regulador. O trivium estabelece uma forma legítima de consciência que pode, então, ser realizada em outras explorações. Eu quero dar um passo adiante. Até agora, examinamos apenas a superfície, mas poderíamos argumentar que o trivium está preocupado com a construção do interior, da consciência interior. O quadrivium está preocupado com a estrutura abstrata do exterior. Deste ponto de vista, o trivium-quadrivium significa um deslocamento entre o interior e o exterior, um deslocamento entre interior e exterior que encontra uma síntese produtiva através do conceito particular de Deus, a relação teológica específica do cristianismo (ver capítulo 4). Deste ponto de vista, o trivium-quadrivium, o interior-exterior, é simbólico de um deslocamento que o próprio cristianismo inseriu, um deslocamento entre o interior e o exterior como um meio de uma possibilidade e transformação da experiência total. Gostaria de sugerir que este é o primeiro momento da classificação pedagógica. É claro que este deslocamento entre interior e exterior torna-se uma problemática fundamental de toda a filosofia europeia e da ciência social. O que temos aqui, em outro nível, é o deslocamento entre o interior e exterior em relação ao individual, o interno e o externo com respeito à relação entre o indivíduo e à sociedade. Isto torna-se um princípio dóxico da consciência europeia, um princípio que não encontramos no Oriente. Este é um exemplo do uso da classificação, da classificação forte, no período medieval e do poder em que a Igreja se baseou e que retransmitiu. Eu quero dar outro exemplo e desta vez quero tomar o exemplo da reestruturação do conhecimento europeu no século vinte. Aqui quero fazer uma distinção entre os discursos como singularidades e discursos como regiões. Um discurso como uma singularidade é um discurso que se apropriou de um espaço para dar a ele um nome único. Assim, por exemplo a física, a química, a sociologia, a psicologia são, para mim, singularidades. E a estrutura do conhecimento no século dezenove foi, de fato, o nascimento e o desenvolvimento das singularidades. Estas singularidades produziram um discurso que era apenas acerca delas mesmas. Estes discursos tinham poucas referências externas além daquelas que eles mesmos tinham criado, e eles criaram o campo da produção de conhecimento. Mas o campo da produção de conhecimento não foi apenas sobre o conhecimento.

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No século vinte, particularmente nas últimas cinco décadas, ocorreu uma mudança. A classificação muito forte das singularidades sofreu uma mudança e o que temos agora, posso sugerir, é uma regionalização do conhecimento. Com isso quero dizer o seguinte: uma região é criada por uma recontextualização das singularidades. Assim, por exemplo, na medicina, na arquitetura, na engenharia, na ciência da informação, podemos ver o desenvolvimento da regionalização do conhecimento. Mas qualquer regionalização do conhecimento implica um princípio de recontextualização: quais singularidades devem ser selecionadas, qual conhecimento dentro da singularidade deve ser introduzido e relacionado? A regionalização do conhecimento é um bom índice da tecnificação do conhecimento, porque as regiões são diferentes das singularidades. As singularidades abordam apenas a si mesmas. As singularidades são intrínsecas à produção de conhecimento no campo intelectual. As regiões são a interface entre o campo da produção do conhecimento e qualquer campo de prática e, portanto, a regionalização do conhecimento tem muitas implicações. Esta é uma mudança na classificação do conhecimento. A classificação tornou-se mais fraca e veremos que, como a classificação torna-se mais fraca, devemos ter uma compreensão dos princípios de recontextualização que constroem os novos discursos e o viés ideológico que sustenta qualquer dessas recontextualizações. Cada vez que um discurso se move, há espaço para a ideologia jogar. Novas relações de poder desenvolvem-se entre as regiões e as singularidades, na medida em que elas competem por recursos e influência (ver capítulo 3). Discuti a classificação no nível macro. Quero passar agora para o nível das instituições; quero examinar um exemplo de classificação forte e fraca no nível de qualquer agência educacional: pode ser uma escola, pode ser uma universidade. Eu acho que é mais fácil se pensar nisso como o caso de uma escola. Se tomarmos as letras na Figura 1.1, elas representam discursos. Eles poderiam ser Francês, Física, Química, etc. Estes são os departamentos. As linhas fortes indicam classificações fortes. A primeira coisa que notamos neste diagrama é que há uma classificação muito forte entre o interior da instituição e o exterior. Se há uma classificação muito forte entre o interior e o exterior, então aqui o conhecimento tem uma qualidade especial de alteridade. Se há uma forte classificação entre o interior e o exterior, então existe uma hierarquia de conhecimento entre o assim chamado sentido comum e o assim chamado sentido incomum. Se olhamos para o diagrama, podemos ver que as equipes estão vinculadas a seus departamentos. Podemos oferecer duas razões. Em primeiro lugar, o departamento é simbólico de sua categoria e, portanto, da sua coesão interna, isto é, a razão sagrada. A principal razão, no entanto, é que a promoção decorre de atividades adequadas no departamento. O professorado está necessariamente ligado à sua categoria e sua base organizacional. Isto significa que, neste sistema, o pessoal não pode relacionar-se entre si em termos da sua função intrínseca, que é a reprodução do discurso pedagógico. Onde as linhas de comunicação entre o pessoal são estabelecidos por um sistema deste tipo, haverá relações fracas entre o professorado com respeito ao discurso pedagógico, na medida em que cada um é diferentemente especializado. Assim, os seus conteúdos não estão abertos à discussão pública e desafio.



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Figura 1.1. Estrutura organizacional ideal típica.



É também o caso que os chefes dos departamentos se relacionam entre si. Aqui temos o Diretor, e o poder será direcionado para baixo. Se olhamos agora para o lado esquerdo do diagrama, o diagrama é uma representação simbólica da origem do discurso; é um templo. Isto é uma representação do que eu chamo de um código de coleção; a representação visual mostra também a sua origem, a sua mistura de filosofia grega e da Igreja. Este é um exemplo de classificação forte. Na Figura 1.1, também temos um modelo de classificação fraca no lado direito do diagrama. Existem linhas fracas que mostram que as fronteiras são permeáveis. Um modelo como este é altamente vulnerável porque as comunicações a partir do exterior são menos controladas. Suas identidades não são estabelecidas pela estrutura organizacional por causa da classificação fraca, mas o professorado é parte de uma rede social forte (ou ela deve ser forte se a transmissão está operando), que deve se preocupar com a integração de diferença. E isso não é uma atividade fácil. Além disso, as relações entre o pessoal dentro de um sistema fracamente classificado é coerente em torno do próprio conhecimento. A nova organização do pessoal tornada possível pela classificação fraca estabelece uma base de poder alternativo, e assim as linhas de energia em uma organização deste tipo são mais complexas. Aqui, com a classificação fraca, há uma reordenação da diferenciação especializada e isso pode fornecer uma nova base social para o consenso de interesse e oposição. Estes são exemplos de classificações fortes e fracas no nível da escola. (Nota 1). Eu quero examinar a seguir a classificação da distribuição do conhecimento no interior da escola. Embora isso não seja logicamente necessário, é provável que a classificação forte do discurso ao nível da escola produza um deslocamento temporal e particular daquele conhecimento. É possível que a classificação forte do discurso conduza empiricamente a um deslocamento na transmissão de conhecimento, porque, com a classificação forte, a progressão será do conhecimento local concreto, para o domínio de operações simples, para princípios gerais mais abstratos, que estarão disponíveis apenas mais tarde durante a transmissão. Assim, existe uma classificação e distribuição interna de formas de conhecimento. Quando as crianças fracassam na escola, desistem, repetem, é possível que elas sejam posicionadas em um mundo fatual vinculadas a operações simples, onde o conhecimento é impermeável. Aquelas que são bem sucedidas tem acesso aos princípios gerais, e algumas delas, um pequeno número que irá produzir o discurso - se tornará consciente de que o mistério do discurso não é a ordem, mas a desordem, a incoerência, a possibilidade do impensável. Mas a longa

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socialização no código pedagógico pode remover o perigo do impensável e das realidades alternativas. Há duas regras básicas que são suficientes para gerar de modo completo esta seção do modelo. Onde temos classificação forte, a regra é: as coisas devem ser mantidas separadas. Onde temos classificação fraca, a regra é: as coisas devem ser reunidas. Mas temos de perguntar, a quem interessa o distanciamento das coisas, e a quem interessa a nova união e a nova integração?

Enquadramento Até agora discuti a classificação e a conversão de relações de poder em princípios de classificação, e as relações entre estes princípios de classificação e a estruturação metafórica do espaço. Podemos ver que a classificação elabora a natureza do espaço social: estratificações, distribuições e localização. Nós mostramos como as relações de poder se traduzem em princípios de classificações fortes e fracas, e como estes princípios estabelecem divisões sociais do trabalho, como esses princípios estabelecem identidades, como esses princípios estabelecem vozes. Vimos como essas classificações disfarçam a natureza arbitrária das relações de poder, criam identidades imaginárias, substituem o contingente pelo necessário e constroem sistemas psíquicos de defesa interna para o indivíduo. E quando eu digo sistemas psíquicos de defesa, eu não me refiro apenas ao nível consciente. Eu quero me voltar para a prática pedagógica, para as formas de comunicação onde os princípios classificatórios – quer sejam fortes ou fracos – formam a consciência no processo de sua aquisição. Ou seja, eu vou olhar para a forma de controle que regula e legitima a comunicação nas relações pedagógicas: a natureza da fala e os tipos de espaços construídos. Vou usar o conceito de enquadramento para analisar as diferentes formas de comunicação legítima realizadas em qualquer prática pedagógica. O conceito de enquadramento deve poder ser usado em qualquer relação pedagógica. Como uma definição aproximada, o enquadramento refere-se aos controles sobre as comunicações nas relações e interações pedagógicas locais: entre pais/filhos, professor/aluno, assistente social/cliente, etc. Se o princípio de classificação nos fornece a voz e os meios de seu reconhecimento, então o princípio de enquadramento é o meio para adquirir a mensagem legítima. Assim, a classificação estabelece a voz e o enquadramento estabelece a mensagem; e eles podem variar de forma independente. Há mais do que uma mensagem para a realização de qualquer uma voz. Diferentes modalidades de comunicação podem estabelecer a mesma voz. Diferentes modalidades de enquadramento podemos retransmitir a mesma voz (identidade). O princípio da classificação nos fornece os limites de qualquer discurso, enquanto o enquadramento nos fornece a forma de realização daquele discurso; ou seja, o enquadramento regula as regras de realização para a produção do discurso. A classificação refere-se ao quê, o enquadramento está preocupado com a forma como os significados devem ser reunidos, as formas pelas quais eles devem ser tornados públicos, bem como a natureza das relações sociais que os acompanham. Deste modo, o enquadramento regula as relações, dentro de um contexto. Ao definir o controle, a nossa primeira declaração foi de que o controle regula as relações internas. Descobrimos agora que o enquadramento faz exatamente isso; ele regula as relações dentro de um contexto, ele refere-se às relações entre emissores e adquirentes, onde os adquirentes adquirem o princípio da comunicação legítima. O enquadramento diz respeito a quem controla o quê. O que se segue pode ser descrito como a lógica interna da prática pedagógica. O enquadramento refere-se à natureza do controle sobre: • a seleção da comunicação; • o seu sequenciamento (o que vem primeiro, o que vem depois); • o seu ritmo (a taxa de aquisição esperada); • o critério; e

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• o controle sobre a base social que torna essa transmissão possível. Onde o enquadramento é forte, o transmissor tem controle explícito sobre a seleção, sequência, ritmo, critérios e a base social. Onde o enquadramento é fraco, o adquirente tem controle mais aparente (quero salientar aparente) sobre a comunicação e sua base social. Note que é possível que os valores do enquadramento (forte ou fraco) possam variar em relação aos elementos da prática, de modo que, por exemplo, poderiamos ter um enquadramento fraco sobre o ritmo, mas um enquadramento forte sobre outros aspectos do discurso. Podemos distinguir analiticamente dois sistemas de regras reguladas pelo enquadramento. E essas regras podem variar independentemente uma da outra, isto é, os seus valores de enquadramento podem mudar de forma independente. Estas são as regras da ordem social e as regras da ordem discursiva. Em primeiro lugar, as regras de ordem social referem-se às formas que as relações hierárquicas tomam na relação pedagógica e às expectativas sobre a conduta, o caráter e a forma. Isto significa que um adquirente pode ser visto como o objeto possível para receber certos rótulos. Quais rótulos são selecionados é uma função do enquadramento. Quando o enquadramento é forte, os candidatos para a rotulagem serão termos como consciente, atento, trabalhador, cuidadoso, receptivo. Quando o enquadramento é aparentemente fraco, então as condições de candidatura para os rótulos irão tornar-se igualmente tentativas para o adquirente, na medida em que ele ou ela se esforça para ser criativo, para ser interativo, para tentar deixar a sua marca. A rotulagem real do adquirente varia conforme a natureza do enquadramento. Em segundo lugar, existem as regras de ordem discursiva. As regras de ordem discursiva referem-se a seleção, sequência, ritmo e critérios do conhecimento. Chamaremos as regras de ordem social de discurso regulador e as regras da ordem discursiva de discurso instrucional. E vamos em seguida, escrever isso da seguinte forma: discurso instrucional DI enquadramento = _________________________ ___ discurso regulador DR Em outras palavras, o discurso instrucional está sempre embutido no discurso regulador, e o discurso regulador é o discurso dominante (Bernstein, 1990). Sugeri que os pontos fortes do enquadramento podem variar ao longo dos elementos do discurso instrucional. Os pontos fortes do enquadramento também podem variar entre o discurso instrucional e o regulador, por exemplo, com o enquadramento fraco do discurso regulador e o enquadramento forte do discurso instrucional. É muito importante ver que estes discursos nem sempre movem-se numa relação complementar entre si. Mas onde há enquadramento fraco ao longo do discurso instrucional, deve haver enquadramento fraco ao longo do discurso regulador. Em geral, quando o enquadramento é forte, temos uma prática pedagógica visível. Aqui as regras do discurso instrucional e regulador são explícitas. Onde o enquadramento é fraco, é provável que tenhamos uma prática pedagógica invisível. Aqui as regras do discurso regulador e instrucional estão implícitas e em grande parte são desconhecidas pelo adquirente. Talvez seja por isso que esses enquadramentos são chamados de progressivos (Bernstein, 1990). Estou agora em condições de descrever códigos pedagógicos, mas primeiro tenho que tornar mais sensíveis os conceitos de classificação e de enquadramento. Códigos pedagógicos Até agora, temos o seguinte: o código pedagógico existe da seguinte forma: +/ são os pontos fortes da classificação e do enquadramento ± C/E



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Esta formulação simples pode gerar uma grande variedade de modalidades, tanto do discurso e da prática. No entanto, temos de introduzir características internas e externas para aperfeiçoar esta descrição. A classificação tem sempre um valor externo porque ela está preocupada com as relações. Mas a classificação também pode ter um valor interno. Há uma classificação do vestuário, da postura, da posição. Isso faz parte da classificação interna. A classificação interna refere-se aos arranjos do espaço e dos objetos nele. Em uma sala de aula com a classificação forte, há uma especialização dos espaços. (Nota 2) Esta é a classificação interna. Da mesma forma, o enquadramento pode ter tanto um valor interno e um valor externo. O valor externo do enquadramento refere-se aos controles sobre as comunicações externas à prática pedagógica que entram na prática pedagógica. (Nota 3) Há uma grande diferença se você vai ver um médico quando você paga e quando não paga. E uma das principais diferenças entre as duas situações está no enquadramento. Se você não está pagando, não é bom contar uma longa história sobre o seu problema particular, porque o médico quase certamente não está interessado nisso. Aqui o ritmo é muito forte, há muitos pacientes para atender e é pouco provável que o médico vá considerar esta comunicação como legítima. O valor externo do enquadramento pode tirar de nós a identidade e a biografia, tirando-as desse contexto ou pode, ao contrário, incluí-las. No caso do enquadramento, portanto, a característica externa refere-se aos controles sobre a comunicação exterior ao contexto pedagógico que entram na comunicação pedagógica dentro desse contexto. Onde o enquadramento é forte, que é quando a característica externo (e) é forte, a classe social pode desempenhar um papel crucial. Quando o enquadramento externo é forte, isso muitas vezes significa que as imagens, vozes e práticas que a escola reflete tornam difícil para as crianças das classes marginalizadas reconhecer-se na escola. Agora podemos construir o código básico. Podemos escrever o código: O ______________ +_ Ci-e / +_ Ei-e Abaixo de O (orientação elaborada), temos os valores + ou - e então as funções Cie/ Eie. Desta forma, podemos mostrar como a distribuição de poder e os princípios de controle traduzem-se em termos de princípios de comunicação e arranjos espaciais que dão à orientação elaborada sua modalidade particular. Mudanças na Cs e Es irão produzir diferentes modalidades de códigos elaborados. Códigos e mudança Vou considerar brevemente a mudança. Combinamos a classificação e o enquadramento e podemos afirmar que a classificação e o enquadramento fornecem as regras do código pedagógico, ou seja, da sua prática, mas não do seu discurso. Na medida em que Cs e Es mudam de valores, de fortes para fracos, ocorrem então mudanças nas práticas organizacionais, mudanças nas práticas discursivas, mudanças nas práticas de transmissão, mudanças nas defesas psíquicas, mudanças nos conceitos do professor, mudanças nos conceitos do alunos, mudanças nos conceitos do próprio conhecimento, e mudanças nas formas da consciência pedagógica esperada. O potencial de mudança é incorporado no modelo. Embora o enquadramento transporte a mensagem a ser reproduzida, há sempre pressão para enfraquecer o enquadramento. Muito raramente ocorre uma prática pedagógica onde não há pressão para enfraquecer o enquadramento porque, nesta formulação, o discurso pedagógico e a prática pedagógica constituem sempre uma arena, uma luta sobre a natureza do controle simbólico. E, em algum momento, o enfraquecimento do enquadramento vai violar a classificação. Assim, a mudança pode vir ao nível do enquadramento.



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Muito embora a classificação traduza o poder na voz a ser reproduzida, vimos que as contradições, divisões e dilemas que são inerentes aos princípios de classificação nunca são totalmente suprimidas, quer a nível social ou individual. Finalmente, um dos problemas das teorias da reprodução cultural, entre muitos, é que qualquer teoria da reprodução cultural deve ter regras fortes que permitam as teorias dizer que isto é o mesmo, isto é uma elaboração, isto é uma mudança. O que é bastante notável nas teorias da reprodução cultural é que, na maior parte delas, elas não têm essas regras. Eu sugiro o seguinte: se um valor muda de forte para fraco, ou vice-versa, se o enquadramento muda de forte para fraco ou a classificação muda de forte para fraca, há duas questões básicas que devemos sempre perguntar: • qual é o grupo responsável por iniciar a mudança? A mudança é iniciada por um grupo dominante ou por um grupo dominado? • se os valores estão enfraquecendo, quais os valores que continuam a ser fortes? Os códigos e a consciência Até agora tentamos examinar a lógica interna por meio da qual a prática pedagógica é elaborada e discutimos a classificação e o enquadramento na forma como regulam as modalidades da prática pedagógica e, mais geralmente, as modalidades de códigos oficiais elaborados. Mas nós apenas sugerimos a relação entre estes códigos de transmissão e a formação da consciência pedagógica do adquirente. Temos um modelo que pode gerar as modalidades de transmissão, quer essas modalidades de transmissão sejam realizadas na família, na escola, no hospital, na prisão (um agente crucial de reprodução cultural). Mas não há nenhuma ligação entre o modelo da transmissão e o processo de aquisição. Quero agora voltar-me para o desenvolvimento do modelo geral, para poder mostrar o enviesamento da consciência pedagógica do adquirente e do transmissor. Nesta discussão da consciência do adquirente não é feita qualquer referência à ideologia. E a razão pela qual a ideologia não foi mencionada é que este sistema elabora a ideologia. A ideologia, aqui, é uma forma de estabelecer relações. Ela não é um conteúdo, mas um meio de estabelecer e realizar as relações. Transmissão e aquisição O modelo na Figura 1.2 não introduz novos conceitos. Ele simplesmente reúne todos os conceitos que desenvolvemos e mostra a sua dinâmica. Este modelo vai se referir ao processo de aquisição dentro de uma determinada relação de enquadramento. Ele refere-se ao modelo de aquisição dentro de qualquer contexto pedagógico. Primeiro de tudo, eu quero mostrar a relação entre o princípio da classificação, forte e fraco, e o desenvolvimento do que chamei de regras de reconhecimento. Estas regras de reconhecimento estão no nível do adquirente. Devo argumentar que as mudanças na força de classificação alteram as regras de reconhecimento por meio da quais os indivíduos são capazes de reconhecer a especialidade do contexto em que eles estão. Devemos lembrar que a classificação refere-se sempre às relações entre contextos, ou entre agentes, ou entre discursos ou entre as práticas.



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Figura 1.2. O contexto de transmissão



I.P. = Prática Interacional O princípio classificatório, forte ou fraco, indicará como um contexto difere de outro. O princípio classificatório fornece a chave para a característica distintiva do contexto, e assim orienta o orador para o que é esperado, para o quê legitima o quê. Um exemplo pode ajudar aqui. É frequentemente o caso que quando eu dou um seminário, ele é constituído por membros que cobrem um âmbito grande de disciplinas e práticas. No entanto, os membros partilham uma regra de reconhecimento comum que orienta-os para a especialidade deste contexto. Esta regra determina o que o contexto exige e permite a “leitura” do contexto. Os membros que não partilham esta comunicação pedagógica comum podem muito bem permanecer em silêncio ou oferecer o que outros membros considerariam uma conversa e uma conduta inapropriada. Do meu ponto de vista, responder perguntas de um grupo tão diverso é complexo, pois frequentemente não é possível inferir o contexto discursivo a partir do qual a questão surge e assim produzir uma resposta apropriada. Este contexto fracamente classificado pode criar ambiguidade no reconhecimento contextual. Deste ponto de vista, o princípio classificatório, no nível do indivíduo, cria regras de reconhecimento através das quais o sujeito pode orientar-se para os recursos especiais que distinguem o contexto. O princípio classificatório regula as regras de reconhecimento, as regras de reconhecimento referem-se a relações de poder. Determinadas distribuições de poder dão origem a diferentes distribuições sociais das regras de reconhecimento e, sem a regra de reconhecimento, a comunicação contextualmente legítima não é possível. Pode muito bem acontecer que, no nível mais concreto, algumas crianças das classes marginais fiquem em silêncio na escola por causa da distribuição desigual das regras de reconhecimento: poder, classificação e regras de reconhecimento. Em relação com a comunicação, o poder nunca é mais fundamental do que quanto atua sobre a distribuição das regras de reconhecimento. No entanto, podemos possuir a regra de reconhecimento que nos permite distinguir o caráter especial do contexto, mas ainda podemos ser incapazes de produzir comunicação legítima. Muitas crianças das classes marginais podem de fato ter uma regra de reconhecimento, isto é, eles podem reconhecer as relações de poder em que estão envolvidas, e sua posição nelas, mas elas podem não possuir a regra de realização. Se elas não possuem a regra de realização, elas não podem produzir o texto legítimo esperado. Estas crianças na escola, então, não vão adquirir o código pedagógico legítimo, mas vão adquirir o seu lugar no sistema classificatório. Para estas crianças, a experiência da escola é essencialmente uma experiência do sistema classificatório e de seu lugar nele. A regra de reconhecimento permite, essencialmente, reunir as realizações adequadas. A regra de realização determina como nós reunimos os significados e como podemos torná-los públicos. A regra de realização é necessária para produzir o texto legítimo. Assim, diferentes valores de enquadramento atuam seletivamente sobre as regras de realização e assim por diante na produção de diferentes textos. Simplesmente, as regras de reconhecimento regulam quais significados são relevantes e as regras de



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realização regulam a forma como os significados devem ser unidos para criar o texto legítimo. Agora podemos ver como a distribuição de poder e os princípios de controle se traduzem em valores de classificação e enquadramento que selecionam as regras de reconhecimento e de realização para criar um texto contextualmente apropriado. No modelo, o contexto pedagógico é essencialmente de tipo interativo. A prática interacional é definida por procedimentos de classificação e de enquadramento. Os procedimentos de classificação e de enquadramento agem seletivamente sobre as regras de reconhecimento e sobre as regras de realização. Estas regras de reconhecimento e de realização, ao nível do adquirente, permitem que o adquirente elabore o texto legítimo esperado. No entanto, o texto que é elaborado pode ser não mais do que como a gente se senta ou como a gente se move. Neste sistema, um texto é qualquer coisa que exige a avaliação. A definição de um texto é qualquer coisa que exige a avaliação, e isto pode ser não mais do que um ligeiro movimento. A avaliação condensa em si o código pedagógico e os seus procedimentos de classificação e enquadramento, assim como as relações de poder e controle que subjazem a esses procedimentos. No entanto, o texto não é algo que se reproduza mecanicamente. O texto que é produzido pode realimentar a prática interacional. Pode haver uma relação dinâmica entre o texto que é produzido e a prática interacional. O texto em si, sob certas condições, pode mudar a prática interacional. Mas o que quer dizer isso, “mudar a prática interativa”? Isso significa mudança de valores na classificação e no enquadramento. Aqui, o texto tem desafiado a prática interacional e a classificação e os valores de enquadramento sobre o qual se baseia. Códigos e pesquisas Quero voltar agora para duas pesquisas que ilustram o uso e a relevância das regras de reconhecimento e de realização como funções de classificação e de enquadramento. Darei mais exemplos na parte II. Um estudo particular (Holland, 1981), chamou minha atenção para a forma como contextos e tarefas aparentemente similares provocavam diferentes leituras por parte de crianças de diferentes origens sociais. Fiquei ainda mais interessado em saber se as leituras infantis poderiam ter mudado por meio de sua leitura tácita de uma série de tarefas apresentadas na entrevista. É muito difícil criar tarefas classificatórias com importância semelhante para crianças provenientes de diferentes origens de classe. No entanto, todas as crianças comem o almoço em sua escola primária. Construímos uma série de cartões que mostram imagens da comida que estava em oferta: batatas, sorvete, peixe, leite, ovos, etc. Fizemos um total de 24 imagens a serem classificadas em grupos de 29 crianças da classe operária e 29 crianças de classe média, de 7 anos de idade. Depois de garantir que cada criança poderia reconhecer as imagens nos cartões, dissemos “Aqui estão algumas imagens de alimentos. O que nós gostaríamos que vocês fizessem com elas é colocar junto o que vocês acham que vai junto. Vocês podem usar todas ou apenas algumas delas". As características da instrução pareciam assim: - Cie /-Eie (Você é livre para escolher qualquer imagem que você goste, você pode optar por colocá-la junto a outras de qualquer maneira que você queira e por qualquer razão). Depois de cada criança ter feito seus grupos, perguntamos a elas sobre o agrupamento, por que elas haviam escolhido aqueles cartões. Descobrimos que podíamos distinguir dois tipos muito diferentes de razões, ambas igualmente válidas. Um tipo de razão para a classificação referia os agrupamentos a algo no contexto de vida da criança, por exemplo, “Eu tenho isto no café da manhã”, “Eu cozinho isso para minha mãe”, “Eu não gosto desses”. O outro tipo de razões referia-se a algo que as figuras tinham em comum, por exemplo, “Eles vêm do mar”, “Eles são vegetais” . A diferença entre estas razões não



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deve ser vistas como simplesmente a de abstrato/concreto. Fazer isso seria perder de vista a base social da diferença. Uma classificação refere-se a um princípio que tinha uma relação direta com uma base material específica. A razão é incorporada em um contexto local, em uma experiência local. O outro tipo de razão faz referência a uma relação indireta a uma base material específica. Em termos sociológicos, estamos olhando para uma seleção de princípios classificatórios, cada uma das quais tem uma relação diferente com uma base material. O que nós encontramos inicialmente era que as crianças de classe média eram muito mais propensas a oferecer razões que tinham uma relação indireta a uma base material específica e que as crianças da classe trabalhadora eram muito mais propensas a oferecer razões que tinham uma relação direta com uma base material especifica. No entanto, esta não é a descoberta mais interessante. Depois que as crianças haviam feito a primeira classificação das cartas, dissemos “O que nós gostaríamos que vocês fizessem agora é pegar as imagens e colocá-las junto de outra maneira". Em seguida, pedimos que elas dessem as suas razões para cada novo grupo. Desta vez, um número significativo de crianças de classe média mudou seu critério para aquele oferecido pelas crianças da classe trabalhadora, ou seja, elas referiam os seus agrupamentos a um contexto local ou uma experiência local ou a uma prática local (por exemplo, “eu como isso no café da manhã”, etc). As crianças da classe trabalhadora continuavam a dar o mesmo tipo de razão que elas tinham dado na primeira etapa. Assim, concluímos que as crianças de classe média tinham dois princípios de classificação, que estavam em uma relação hierárquica entre si. Um deles era privilegiado e vinha primeiro. As perguntas que surgiram a seguir foram: por que as crianças de classe média selecionavam um tipo de razão em primeiro lugar, e por que as crianças da classe trabalhadora ofereciam apenas um tipo de razão? No caso das crianças da classe trabalhadora, eu sugiro que o código de instrução é tomado em seu valor de face, -Cie-/Eie. As crianças, do seu ponto de vista, selecionam uma regra de reconhecimento não especializada, que, por sua vez, regula a seleção de contextos não especializados. Do ponto de vista das crianças, estes contextos são domésticos ou grupos de iguais (peer). Isto contrasta com as crianças de classe média, que reconhecem, inicialmente, o contexto como especializado. Assim, para as crianças de classe média, -Cie é transformada em + Cie, isto é, este contexto é um contexto especializado e deve ser tratado de uma forma particular. Em outras palavras, a regra de reconhecimento marca o contexto como tendo uma especialidade intrínseca, isto é, a – Eie é transformada em +Eie. Assim –Eie, que é “falar sobre o agrupamento do jeito que você quiser”, é transformada em uma regra de realização que seleciona uma orientação muito particular de significados na base da regra de reconhecimento. Assim, as crianças de classe média transformaram –Cie/-Eie em + Cie/+Eie. Mas o reconhecimento por parte das crianças de classe média com 7 anos de idade da classificação forte entre a casa e a escola, baseia-se no domínio da prática pedagógica oficial e os significados sobre a prática pedagógica local e os significados na casa da criança. Tal dominância cria uma posição de relativo poder e privilégio para a criança de classe média e outra muito menos favorável para a criança da classe trabalhadora. Quero agora voltar-me para uma investigação muito diferente. Whitty, Rowe e Aggleton (1994a) investigaram a forma como as escolas secundárias responderam às exigências do Ato da Reforma Educativa 1988, que introduz temas transversais relacionados com as oportunidades, responsabilidades e experiências da vida adulta. Os temas transversais (compreensão econômica e industrial, educação para a cidadania, a compreensão da comunidade, educação ambiental, educação para a saúde, educação para carreiras e orientação) foram em parte uma resposta às críticas do currículo baseado em disciplinas, como sendo um currículo inadequado para uma preparação para o mundo além da escola. Esperava-se que os estudantes sintetizassem o aprendizado a partir de uma variedade de temas e aplicassem isso à vida para além da escola.

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Os pesquisadores estavam interessados na forma como os estudantes falavam sobre os temas. Será que alguns alunos vão “descrever os temas de acordo com as convenções da fala sobre as disciplinas, utilizando princípios abstratos, enquanto outros os descreveriam acordo com a orientação dos tópicos, que tenderiam a ter a forma de exemplos concretos”? Um breve questionário foi elaborado e entregue a estudantes do décimo ano (71) em quatro escolas. Um esquema de codificação, que distinguiu entre as descrições dependentes do contexto e aquelas independentes do contexto dos temas foi aplicado nas respostas dos alunos (ver Tabela 1.1). Com base nas informações prévias, os alunos foram divididos em grupos não manuais e manuais. O total de respostas do grupo não-manual através dos cinco temas foi distribuído da seguinte forma: 117 dependentes do contexto e 67 independentes do contexto. A distribuição para o grupo manual, em contraste, foi de 102 dependentes de contexto e 25 independentes de contexto. No entanto, a maior diferença entre os dois grupos de classes ocorreu com os temas de educação para a saúde e compreensão econômica e industrial, onde o total para o grupo de não-manual foi de 43 dependentes do contexto e 24 independentes de contexto, enquanto que o total para o grupo manual foi de 39 dependentes do contexto e 7 independentes contexto. Tabela 1.1: As respostas dos alunos para temas



Não está claro a partir do artigo a razão pela qual o número total de respostas é diferente. No entanto, houve um efeito na escola. A maioria dos alunos de uma escola, B, que, como os autores descrevem, “se baseava em grande parte em temas de ensino através de um currículo altamente acadêmico baseado em disciplinas” descreveu o entendimento econômico e industrial em termos de conceitos derivados da economia. Os alunos em outras escolas eram mais propensos a caracterizar este tema em termos dependentes do contexto. Embora os autores não mencionem isso, pode muito bem ser que haja uma interação entre a classe social dos estudantes e “o currículo altamente baseado em disciplinas” da escola. Parece que na escola B as regras de reconhecimento e de realização, que sua forte classificação e enquadramento gerava nos alunos, definia os temas apenas em termos de uma outra matéria acadêmica, e com isso anulava a finalidade dos temas transversais como a elaboração de uma integração de disciplinas com foco no mundo para além da escola. Se os temas cumprissem a sua função, então o discurso dos alunos teria de interagir com o mundo do senso comum da prática diária. Mas, para que isso acontecesse, a classificação entre o conhecimento oficial da escola e conhecimento cotidiano teria que ser enfraquecida. Isto poderia levar a uma percepção, por parte do aluno, que os temas não faziam realmente parte do discurso pedagógico oficial, como os pesquisadores descobriram quando conversaram com os alunos sobre suas compreensões pessoais e sociais em uma entrevista focada com os alunos (Whitty, Rowe e Aggleton, 1994a, p. 175): Investigadores: Onde você discute as questões de tipo moral? Aluno I: Fazemos isso em PSE (Educação Pessoal e Social), mas é muito mais chato (que Educação Religiosa). Na PSE ninguém leva isso a sério ... a gente dorme.

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Aluno II: Depende do professor. O Sr. Y fala sem parar. Ele fala, fala, e nunca pára. Aluno III: A PSE é um caixotão. Abrange tudo. Pesquisadores: Qual é a diferença entre PSE e Inglês? Aluno X: Inglês é mais pé no chão. Aluno IV: Considerando que, na área de assunto ... como Inglês. Aluno II: Na verdade, em uma matéria a gente aprofunda mais, entra mais na matéria.” (Nota 4). É muito claro que os alunos estão conscientes de regras de reconhecimento e realização de disciplinas muito específicas. Pesquisador: Quando você fala em ciência há alguma diferença entre a maneira como você fala em ciência e a maneira como você fala em Inglês? Aluno I: Sim, porque os professores restringem a gente, ele dizem, não venha falar sobre outras coisas fora do assunto, e assim se a gente fala sobre o que eles pedem, é diferente se é sobre Inglês. Aluno II: Bom, no inglês a gente propõe coisas, tenta ter ideias criativas, e assim a gente pode falar de uma forma criativa. Em ciência a gente fala de uma forma mais lógica ... analítica. Os diferentes valores de classificação e enquadramento de Ciências e de Inglês criam uma fala especializada e diferente com base em diferentes regras de reconhecimento e de realização. Os autores concluem “No entanto, os alunos que tinham aprendido com sucesso a diferenciar assuntos de acordo com se ou não, e de que maneira o trabalho oral era legítimo foram, na verdade, impedidos de fazer ligações temáticas entre os assuntos pelo seu próprio sucesso em reconhecer as distinções entre os diferentes assuntos dos discursos.” (p. 173). Espero que estas duas ilustrações de pesquisas ofereçam uma ideia da relevância empírica dos modelos apresentados neste capítulo. Conclusão Desenvolvi um modelo para mostrar como a distribuição de poder e de princípios de controle se traduzem em códigos pedagógicos e suas modalidades. Eu também mostrei como esses códigos são adquiridos e assim moldam a consciência. Desta forma, fiz uma ligação entre macroestruturas de poder e controle e o microprocesso de formação de consciência pedagógica. É importante assinalar que o modelo mostra como tanto a ordem e sua mudança são inerentes aos códigos. Os modelos tornam possível descrições específicas do processo pedagógico e dos seus resultados. (Nota 5) O que agora é necessário é um modelo para a elaboração do discurso pedagógico e isso vamos ver no próximo capítulo. NOTAS 1. É também o caso que uma tal estrutura, integrada, pode facilitar uma maior centralização e solidariedade mais fraca. A redução do número de departamentos, cada um com sua própria cabeça, pode tornar o sistema mais gerenciável pelo centro. Os novos agrupamentos consistem em indivíduos com diferentes interesses em novas relações de concorrência. Como consequência, é provável que as solidariedades internas tendam a ser mais fracas do que no caso de uma organização de código de coleção. Por



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isso, torna-se crucial conhecer a fonte da motivação para a mudança, seja a partir da parte superior ou inferior da instituição. 2. Em uma sala de aula, podemos estar preocupados com, por exemplo, a ausência ou presença de imagens na parede, a forma que elas tomam, os arranjos para sentar, a distribuição de tarefas entre os alunos. Esta é a classificação interna. 3. O valor externo do enquadramento (Ee), baseia-se, ele mesmo, na classificação entre o conhecimento dos outros e a alteridade do conhecimento, entre a prática pedagógica oficial e prática pedagógica local. 4. Whitty, Rowe e Aggleton mostram que a forma de comunicação pode, em si, estar sujeita a regras de reconhecimento e de realização que indexam a comunicação pedagógica como referência para a comunicação oficial pedagógica. Os alunos referemse à “discussão” quando se referem a comunicação pedagógica oficial e “fala” ou “apenas falar” quando descrevem a interação comunicativa em alguns temas. “Fala” significa comunicação extra pedagógica ou comunicação não-pedagógica e assim regula a percepção e resposta deles. 5. Gostaria de salientar que os conceitos de classificação e de enquadramento devem ser tratados como conceitualmente independentes no que diz respeito à especificação de códigos pedagógicos. Variações nos valores de classificação e enquadramento, como o texto indica, dão origem a diferentes modalidades de código. Considerar, como fazem alguns comentadores, que cada conceito só logicamente acarreta seu oposto é não compreender o trabalho conceitual que estes conceitos desempenham. Além disso, como os valores Cie/Eie mudam, não temos dicotomias, mas sim diferentes modalidades de regulação e desafio. Deste ponto de vista as pedagogias visíveis e invisíveis não são dicotômicas, mas modalidades opostas dentro do potencial do código pedagógico. Assim códigos específicos podem desenvolver características que incorporam diferentes modalidades. Precisamos conhecer os processos pelos quais determinadas modalidades de código são elaboradas, institucionalizadas, distribuídas, desafiadas e transformadas. (ver capítulo 3). Anexo: Cultura pedagógica e código pedagógico Uma crítica que tem sido feita da teoria é que a teoria do código não gera descrições organizacionais e administrativas. Ball levantou a questão de um quarto sistema de mensagem para complementar o currículo, a pedagogia e a avaliação, da formulação original de 1971 (Bernstein, 1971). Em certo sentido a ordem organizacional pode ser considerada como o recipiente e a ordem de transmissão o contido. Deste ponto de vista o recipiente torna-se a primeira condição sem a qual nenhuma transmissão pode ser estável e reproduzida. O recipiente parece referir-se à gestão da agência com relação à sua administração de pessoal e recursos, a relação de um com o outro e a gestão da agência com relação a suas responsabilidades e interesses externos. O contido remete para a transmissão e as suas relações sociais. Esta formulação nos traz a questão da relação entre o recipiente e o contido. A divisão social do trabalho dos discursos, transmissores e adquirentes (o princípio classificatório), e as relações sociais (enquadramento), realizam aquilo que poderíamos chamar a forma do recipiente. Na medida em que Cie/Eie mudam seus valores, as unidades administrativas, as relações dentro e entre estas unidades, e em particular a sua governação, também mudam, e, portanto, afetam a forma do recipiente. Mas a modalidade de código pedagógico não apenas tem efeito na forma do recipiente, mas também na sua estabilidade ou melhor, na gestão da estabilidade (reprodução). Como as formas de código mudam, também mudam os problemas de conflito e consenso, e da ordem e da reprodução. Como consequência, a forma do gerenciamento da estabilidade e de suas estratégias, e também as estratégias de resistência e de



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solidariedade, mudam. Se continuamos com a metáfora do recipiente e do contido, então a modalidade do código pedagógico tem consequências tanto para a forma quanto para a estabilidade do recipiente. No entanto, a gestão dos recursos, que é a economia do recipiente, não é por si só necessariamente relacionada à modalidade do código, embora diferentes modalidades de código possam fazer diferentes demandas de recursos: simbólico, humano, material. Mas a mesma modalidade de código pode ser associada a economias diferentes. Há ainda um regulador das realizações do código pedagógico que não é intrínseco à modalidade de código. Este regulador é extrínseco ao código, é um viés externo imposto por algum um poder (por exemplo, pelo Estado) externo à modalidade de código. Esse viés pode muito bem afetar tanto o recipiente quanto o contido. A agência tem que cumprir esse viés externo imposto pelos efeitos dos critérios. Esse viés pode muito bem afetar não só o foco do código de realizações, mas a orientação de gestão também esperada, o controle sobre o consumo e os funcionários (o viés de mercantilização). Esse viés externo pode muito bem ser diferentemente contextualizado dependendo das características obrigatórias do viés. A imagem agora tornou-se tão complexa que a metáfora do recipiente e o contido deixa de ser útil como um modo de pensamento. Enquanto a forma, a estabilidade e a economia funcionam no mesmo nível e se encaixam com a noção de recipiente, o viés opera em um nível diferente, já que medeia entre algum poder externo e a regulação interna da agência. Parece melhor, portanto, mudar a metáfora, uma vez que esgotou a sua utilidade, mas manter os parâmetros a que ela deu origem: viés, forma, estabilidade, economia. Vou trocar a metáfora por um conceito que engloba o resultado dessas características. Um primeiro passo para um tal conceito seria entender que tanto a forma e a economia são realizações de regras de distribuição; no caso anterior, discursos, transmissão e adquirentes, e, neste último caso, os recursos. Mas essas regras distributivas são características essenciais do discurso regulador, embora a economia não seja intrínseca ao código. A gestão da estabilidade (reprodução) é também uma característica básica do discurso regulador (ordem, relação, de identidade). Além disso, o viés é um discurso regulador externo, mesmo que se restrinja ao foco sobre o discurso instrucional. A forma e a estabilidade são intrínsecas à modalidade de código, o viés e a economia não, mas todos os quatro são componentes do discurso regulador da agência e de sua regulação externa. Assim, precisamos ter um conceito cujas relações sejam dependentes do código pedagógico, mas que também regule o código. Este conceito abrangeria a regulação fundamental do modo de ser da agência. Proponho o conceito de cultura pedagógica. Agora podemos também considerar as inter-relações entre a cultura pedagógica e o código pedagógico. A cultura pedagógica é o modo de ser das relações sociais da agência na medida em que elas lidam com seu viés, forma, estabilidade e economia.



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