Pedagogia da Alternância, Educação do Campo e Políticas Públicas no Centro Familiar de Formação por Alternância Colégio Estadual Agrícola Rei Alberto I – Nova Friburgo/RJ: Desenvolvimentos, Desafios e Contradições

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DO CAMPO



LEONARDO DE ABREU VOIGT








PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA, EDUCAÇÃO DO CAMPO E POLÍTICAS PÚBLICAS NO CENTRO
FAMILIAR DE FORMAÇÃO POR ALTERNÂNCIA COLÉGIO ESTADUAL AGRÍCOLA REI ALBERTO
I – NOVA FRIBURGO/RJ: DESENVOLVIMENTOS, DESAFIOS E CONTRADIÇÕES.


















SÃO CARLOS

2016
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DO CAMPO



LEONARDO DE ABREU VOIGT








PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA, EDUCAÇÃO DO CAMPO E POLÍTICAS PÚBLICAS NO CENTRO
FAMILIAR DE FORMAÇÃO POR ALTERNÂNCIA COLÉGIO ESTADUAL AGRÍCOLA REI ALBERTO
I – NOVA FRIBURGO/RJ: DESENVOLVIMENTOS, DESAFIOS E CONTRADIÇÕES.





Trabalho Tempo Comunidade
apresentado como exigência
parcial para a conclusão do
Curso de Especialização em
Educação do Campo.









SÃO CARLOS

2016

RESUMO


Para contribuir na reflexão, crítica e construção de fundamentos
educacionais e pedagógicos da Educação do Campo no Brasil, o presente
trabalho visa, primeiramente, identificar os conceitos de "trabalho",
"metabolismo" (stoffwechsel) e "falha metabólica" (rift) na teoria
marxiana, destacando sua relevância na compreensão dos reflexos da cisão
histórica entre cidade e campo, produzidos pela ascensão hegemônica,
moderna e contemporânea, do sistema-mundo capitalista. Como resistência à
hegemonização da lógica urbano-industrial capitalista sobre os modelos
educacionais na França, na década de 1930, surge a Pedagogia da Alternância
(PA), intimamente ligada à promoção do mundo rural, aos movimentos sociais
rurais franceses do final do século XIX, e à movimentos cristãos. Com as
finalidades de desenvolver o meio e formar integralmente os jovens através
da PA e através de formas de associação local, esta pedagogia se tornou uma
referência internacional para o fortalecimento e valorização da agricultura
familiar e camponesa, sendo também objeto de disputa e sedução permanente
pela hegemonia capitalista do agronegócio. Todavia, com o surgimento no
Brasil dos debates em torno da "I Conferência Nacional Por uma educação
básica do campo", em meados da década de 1990, e sua evolução histórica até
tornar-se uma "categoria de análise", admitida, portanto, como "fenômeno da
realidade brasileira", a Educação do Campo se insere na disputa por
políticas públicas específicas, que visam abraçar a luta pela afirmação
camponesa, de distintos modos campesinos, eficazes e legítimos, de se
apropriar de recursos produtivos e transformá-los em serviços alimentares e
ambientais básicos. Aliando-se as filosofias da Pedagogia da Alternância e
da Educação do Campo, compreenderemos a educação para muito além do
Currículo Disciplinar Instrucionista, mas como processos sociais de
formação de pessoas como sujeitos de seu próprio destino, tendo relação com
saberes, ciências, culturas, ambientes, valores, jeitos de produzir, com
formação para o trabalho e para a participação social. (KOLLING, CERIOLI e
CALDART, 2002, p. 19 in: CALDART, 2012, p. 260). Nesse sentido,
apresentamos o Centro Familiar de Formação por Alternância Colégio Estadual
Agrícola Rei Alberto I (CEFFA CEA RAI), que desde a região de Baixada de
Salinas, situado no distrito rural de Campo do Coelho, município de Nova
Friburgo – RJ, busca promover a Pedagogia da Alternância e uma Educação do
Campo de base agroecológica. Entretanto, muitos tem sido os desafios e
contradições vividos frente à hegemonia urbana e a sedução das práticas
típicas da Revolução Agrícola Contemporânea, ou Revolução Verde, na região.
Dessa forma, apresentamos as aproximações entre Pedagogia da Alternância,
os princípios da Educação do Campo e as disputas por políticas públicas
como estratégias para a promoção da agroecologia e de uma Assistência
Técnica e Extensão Rural de base agroecológica, comunitária e popular.


Palavras-chave: Agricultura Familiar. Agricultura Familiar Camponesa.
Campesinato.

Introdução

Em meio a uma aguda crise multidimensional planetária, onde alguns
estudiosos qualificam como sistêmica e outros de civilizatória, pensar
alternativas aos modos de produção capitalista, principalmente no campo e
nos territórios de interfaces mais íntimas com ambientes naturais,
constitui tarefa não somente honrosa e desafiadora, senão, de forma mais
dramática, mas não menos realista, uma questão de sobrevivência. A
declaração do ano de 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar
pela Organização das Nações Unidas (ONU), não visava somente reafirmar a
importância da Agricultura Familiar, da agricultura familiar camponesa, do
campesinato e dos pequenos produtores familiares no mundo, como atuais
sujeitos estratégicos na busca por segurança e soberania alimentar e
hídrica, redução da pobreza, e o melhoramento do ambiente através do que se
convencionou chamar, de forma mais progressista, de desenvolvimento rural
sustentável ou alternativas sustentáveis de desenvolvimento. Mais ainda, a
pertinência global de tal declaração acabava por denunciar a falha
metabólica fundamental produzida e desenvolvida pelas transformações
capitalistas ocorridas entre a primeira e a segunda revoluções agrícolas da
modernidade, e, principalmente, na revolução agrícola contemporânea. Assim,
torna-se lugar comum a insustentabilidade do crescimento da produção
agrícola baseado nas práticas agrícolas hegemônicas, a saber, as da
Revolução Agrícola Contemporânea, conhecida na América Latina como
Revolução Verde, atestando que esta não somente fracassou na sua tarefa de
alimentar o planeta, como, além disso, está contribuindo de maneira
destacada para seu deterioramento ambiental e a reprodução da pobreza e da
desigualdade. (MIRANDA e HERNÁNDEZ, 2014, p. 7 - 8) Nesse sentido,
transformações nos manejos ambientais e agropecuários, nas formas sociais
de organização do acesso à terra, da produção, da distribuição e do
consumo, bem como nas mediações pedagógicas que possam problematizar esses
processos, se tornam ordens do dia.
Como metodologia político-pedagógica eminentemente camponesa, a
Pedagogia da Alternância (PA) se multiplica pelo globo terrestre desde seu
surgimento, no sul da França, em 1935, propondo uma estruturação dos
processos de ensino-aprendizagem equilibrada em quatro pilares
fundamentais, a saber, a própria PA, associações comunitárias,
desenvolvimento do meio e uma formação humana integral.
Já a Educação do Campo, tem como foco as questões do trabalho, da
cultura, do conhecimento, das lutas sociais camponesas e de classe. Tem
ainda a ver com embates entre projetos de campo e lógicas de agricultura
que tem implicações no projeto de país e de sociedade e nas concepções de
política pública, de educação e de formação humana. (CALDART, 2012, p. 259)
Finalmente, a disputa por políticas públicas de educação do campo no
âmbito de um estado capitalista constituirá uma questão em si, onde
refletiremos sobre os conceitos de políticas públicas, políticas e direitos
sociais, e políticas públicas/estatais, articulados aos desafios em torno
de olhar para a positividade das políticas públicas no contexto de
reestruturação da lógica de acumulação do capital.

Falha Metabólica da Relação Capitalista entre Cidade e Campo


Como apresentado por John Bellamy Foster em "A ecologia de Marx:
materialismo e natureza" (2005), Karl Marx em O Capital – crítica da
economia política (1867), consegue manejar, de maneira inovadora, a
integração da sua concepção materialista de natureza com sua concepção
materialista de história, tendo como elementos mediadores fundamentais os
conceitos de "trabalho", "metabolismo" (stoffwechsel) e "falha metabólica"
(rift). (FOSTER, 2005, p. 201)
No livro primeiro de O Capital, intitulado O processo de produção do
capital, em sua seção III nomeada A produção da mais-valia absoluta, no seu
capítulo V – Processo de trabalho e processo de valorização, Marx delimita
o que considera ser o "processo de trabalho" independentemente de qualquer
forma social determinada, ou seja, o trabalho em seu sentido ontológico, e
que estabelece, de forma nítida, a relação metabólica entre toda atividade
humana e as bases fundamentais naturais sobre as quais esse trabalho é
empregado.
Dirá Marx que:
Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a
Natureza, um processo em que o homem, por sua própria
ação, media, regula e controla seu metabolismo com a
Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como
uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais
pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça
e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma
útil para sua vida. Ao atuar, por meio desse movimento,
sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele
desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo
de suas forças a seu próprio domínio (MARX, 1996, 297).


Contudo, antes que possamos cair em qualquer tentativa de ver nos
escritos de Marx alguma relação de polaridade entre os seres humanos e a
natureza, como se houvesse alguma possibilidade de sua existência separada,
o referido autor, construindo as bases de seu projeto de conhecimento, já
explicava no Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844 que "[O] homem
vive da natureza, isto é, a natureza é o seu corpo, e ele precisa manter
com ela um diálogo continuado para não morrer. Dizer que a vida física e
mental do homem está vinculada à natureza significa simplesmente que a
natureza está vinculada a si mesma, pois o homem é parte da natureza"
(MARX, 1974, p. 328 in: FOSTER, op.cit. 223, grifos do autor).
Assim, do modo mais simples possível, o processo de trabalho envolverá
uma "atividade orientada a um fim", ou seja, a sua teleologia, os objetos
sobre os quais esse trabalho age e, finalmente, os meios através dos quais
essa operação será possível. Desse modo, Marx avançará explicando os
conceitos de matéria-prima, meio e objeto de trabalho, que serão
compreendidos em geral como meios de produção, as noções de valor de uso,
valor de troca, trabalho produtivo, de forma que, quando colocados em
perspectiva histórica e evolutiva, apontarão para um determinado modo de
produção, característico de determinada forma de gregariedade humana em
determinado momento histórico e em determinada região, em nosso caso, o
sistema-mundo capitalista e sua hegemonia globalizante.
Em última análise:
O processo de trabalho, como o apresentamos em seus
elementos simples e abstratos, é atividade orientada a um
fim para produzir valores de uso, apropriação do natural
para satisfazer as necessidades humanas, condição
universal do metabolismo entre o homem e a Natureza,
condição natural eterna da vida humana e, portanto,
independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes
igualmente comum a todas as suas formas sociais (MARX,
op.cit. p.303, grifo nosso).


Na sua versão capitalista, focada na produção e comercialização de
mercadorias, a gregariedade que é produzida pela aliança entre a
congregação de enormes contingentes populacionais, de maneira direcionada e
violentamente forçada, nos grandes centros urbanos; e a grande propriedade
fundiária redutora da população agrícola a um mínimo sempre declinante,
provoca uma "falha irreparável no processo interdependente do metabolismo
social". Esta, por sua vez, perturba "a interação metabólica entre o homem
e a terra", fazendo com que "a população urbana tenha uma preponderância
sempre crescente". (MARX, Capital, vol. 3, p. 949-50 e vol. 1, p. 637-38,
in: FOSTER, op.cit. p. 219).
Nesse sentido, a indústria de larga escala e a agricultura de larga
escala feita industrialmente concorrem para produzir o mesmo efeito.
Enquanto uma "deixa resíduos e arruína o poder do trabalho e portanto o
poder natural do homem" a outra "faz o mesmo com o poder natural do solo",
de modo que as duas se unem em seu desenvolvimento, já que "o sistema
industrial aplicado à agricultura também debilita ali os trabalhadores, ao
passo que, por seu lado, a indústria e o comércio oferecem à agricultura os
meios para exaurir o solo". (idem)
Todavia, é justamente a separação entre cidade e campo, para Marx e
Engels, que consistirá um dos principais produtos do desenvolvimento do
sistema capitalista. Nas suas próprias palavras, como apontado por Foster,
"a divisão do trabalho dentro de uma nação leva primeiro à separação entre
trabalho industrial e comercial e trabalho agrícola, e daí à separação de
cidade e campo e ao conflito dos seus interesses". Para os autores, "a mais
importante divisão entre trabalho material e mental", "a contradição entre
cidade e campo, só pode existir no âmbito da propriedade privada. Ela é a
mais crassa expressão da sujeição do indivíduo à divisão do trabalho, a uma
atividade definida à qual ele é forçado – uma sujeição que transforma um
homem num animal restrito à cidade, outro num animal restrito ao campo, e
recria diariamente o conflito entre os seus interesses". Nesse sentido, só
restaria afirmar que "a abolição da contradição entre cidade e campo" é
"uma das primeiras condições da vida comunal"(FOSTER, op.cit. p. 168)
Durante o avançar desse processo, a produção agrícola observava suas
concentrações energéticas, na forma de alimentos e outros produtos, se
deslocarem dos campos para as cidades. De lá, estas seguiam,
irracionalmente, como excrementos sólidos e líquidos, para os rios e para o
mar, mediante grandes investimentos arquitetônicos, negando a possibilidade
de se retornar ao solo, de forma orgânica, os nutrientes extraídos deste no
formato de alimentos e outros produtos. Constituía-se aí um dos pontos-
chave dessa falha metabólica, como apontou Justus von Liebig no seu Letters
on the subject of the utilization of the municipal sewage (Cartas sobre a
utilização do esgoto municipal, tradução livre do autor) de 1865.
Entretanto, em 1840, Liebig, no seu Organic chemistry in its application to
agriculture and physiology ("Química orgânica e sua aplicação para a
agricultura e a fisiologia", conhecido como Agricultural chemistry,
"Química agrícola". Traduções livres do autor), já havia provido a primeira
explicação convincente da história sobre o papel dos nutrientes do solo,
tais como nitrogênio, fósforo e potássio, no crescimento das plantas. Tal
descoberta foi fundamental para refutar as teorias anteriores, propagadas
principalmente por Malthus e Ricardo, sobre as supostas condições fixas e
imutáveis da fertilidade dos solos, servindo como base, tanto para o
próprio Liebig como para Marx, criticarem a "natureza insustentável da
agricultura capitalista". (FOSTER, op.cit, p. 212 - 213)
Finalmente, nas palavras de Marx:


"[T]odo progresso na agricultura capitalista é um
progresso da arte de roubar, não só do trabalhador,
mas do solo; todo progresso no aumento da fertilidade
do solo por um determinado tempo é um progresso em
direção à ruína das fontes mais duradouras dessa
fertilidade... A produção capitalista, portanto, só
desenvolve a técnica e o grau de combinação do
progresso social da produção solapando
simultaneamente as fontes originais de toda a riqueza
– o solo e o trabalhador." (MARX, vol. 1, p. 637-38
apud FOSTER, op.cit. p. 219 – 220)

A Pedagogia da Alternância frente à hegemonia urbana


A evolução dramática da urbanização e da ampliação de seus domínios,
em contraposição ao campo, produziu não apenas a conquista efetiva de
territórios cada vez maiores por parte das cidades como também,
principalmente, a justificação racional e política necessária para sua
consequente supervalorização cultural. Nesse sentido, a escrita
desempenhará papel importante, e a cidade, como seu local de origem,
concentrará documentos, ordens, inventários, cobrança de taxas etc. Nas
palavras de Lefebvre, "ordem e ordenação, poder" (LEFEBVRE, 1999, p. 19).
Soma-se a isso o pensamento evolucionista mecanicista, que
compreendia a vida urbana como secretada, evoluída, a partir dos campos
cultivados, da aldeia e da civilização camponesa, num movimento único e
indiscutível rumo ao "progresso", e teremos, grosso modo, a manifestação da
ideologia da superioridade evolutiva urbana e citadina sobre o "atraso" do
mundo rural. (LEFEBVRE, 1999, p. 18)
Tal fenômeno, impondo-se de maneira tanto colonial quanto
imperialista, acabou por produzir, de forma quase universal, a
naturalização da superioridade urbana sobre as regiões rurais,
subvalorizando não só os produtos do trabalho agrícola e o trabalho manual
em geral, mas principalmente um largo conjunto de conhecimentos, costumes,
crenças e tradições.
Muito embora as zonas rurais mais bem equipadas, mais bem dimensionadas
e mais bem colocadas entre elas cheguem a atingir uma produtividade bruta
da ordem de 2.000.000 Kg de equivalente-cereal por trabalhador e por ano,
ultrapassando ganhos de produtividade da indústria e do setor de serviços,
será igualmente verdadeiro constatar que a grande maioria dos camponeses
está muito longe dessa realidade, de modo que, por mais contraditório que
seja, três quartos dos indivíduos subnutridos do mundo, no início do século
XXI, pertenciam ao mundo rural (MAZOYER e ROUDART, 2010, p. 26 – 28).
Nesse sentido, entendemos que o surgimento da Pedagogia da Alternância
(PA) na França, serviu como importante instrumento de formação e
autoformação técnica e humana camponesa para enfrentar essa situação
agravante, desenvolvendo uma estrutura curricular e didático-pedagógica que
respeita e valoriza as peculiaridades do campo e suas distintas
especificidades, bem como tende a favorecer o protagonismo e a organização
política das comunidades atendidas, apoiando, de forma endógena, o
desenvolvimento do meio onde está inserido.
Na França, em meados da década de 1930 do século passado, o processo
de industrialização avançava firmemente, do mesmo modo que as instituições
pedagógicas e as práticas aliadas desse projeto. Buscando ir contra essa
homogeneização pedagógica em torno, predominantemente, dos valores urbanos,
de um saber conceitual, não problematizado politicamente, distante da
realidade próxima, e de caráter majoritariamente instrumental, a PA tem
início como demanda de "famílias rurais em fornecer a seus filhos uma
formação profissional, geral e humana condizentes com a realidade local,
sem que os educandos precisassem abandonar o campo para continuar seus
estudos" (DÁLIA, 2011, p. 14).
De forma geral, a PA têm estreita relação com o trabalho rural local,
com a profissionalização, associando disciplinas do núcleo comum às do
núcleo técnico, assim como as formações profissional e geral, integrando,
ainda, através de seus instrumentos pedagógicos, os meios social,
profissional e familiar. Como metodologia fundamental, quatro pilares
sustentariam a PA: associações locais, que envolvem membros da escola e da
comunidade; a própria PA, adaptada a cada meio; formação integral dos
estudantes; e promoção do desenvolvimento rural, do meio e sustentável.
(DÁLIA, op.cit. p. 18; OITAVEN, 2014; FRAZÃO, 2015) Outra forma de
apresentar esse aparato pedagógico, como apresentará Jean-Claude Gimonet, é
salientar: a) A primazia da experiência sobre o programa; b) A articulação
dos tempos e dos espaços de formação; c) Um processo de alternância num
ritmo em três tempos (meio – CEFFA – meio); d) O princípio da formação
profissional e geral associadas; e) O princípio de cooperação, de ação e de
autonomia e; f) A associação dos pais e mestres de estágios profissionais
como parceiros e co-formadores. (GIMONET, 2007, p. 28 – 31, apud DÁLIA,
op.cit. p. 23).
Dialogando com Paulo Freire, a Pedagogia da Alternância
organizará seu ensino em torno de temas geradores, temáticas significativas
que funcionam como fios condutores do conteúdo programático que se propõe
investigar, promovendo a compreensão do mundo através dos aportes de cada
disciplina. Nas palavras de Freire, "Investigar o tema gerador é investigar
o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a
realidade, que é a sua práxis", estabelecendo a educação como prática da
liberdade. (FREIRE, 2005, p. 115, apud. DÁLIA, op.cit. p. 26)
Como previsto pela estrutura básica da Pedagogia da Alternância (P.A.),
temos hoje um conjunto de ferramentas e atividades aplicadas nacionalmente,
tendo a organização básica composta de: Plano de Estudo (P.E.); Folha de
Observação (F.O.); Colocação em Comum (C.C.); Atividades de Retorno;
Visitas de Estudo; Intervenções Externas; Caderno da Realidade (C.R.);
Caderno Didático (C.D.); Tutoria; Serões de Estudo; Caderno de
Acompanhamento da Alternância; Visita às famílias; Estágios; Projeto
Profissional do Jovem (P.P.J.); e Avaliação.


A Pedagogia da Alternância no CEFFA CEA Rei Alberto I


Historicamente, em 1986, após visita do então cônsul da Bélgica,
embaixador Victor Bernhard, ao Mercado Produtor (CEASA) de Nova Friburgo,
dá-se início uma relação de cooperação entre o Ministério da Cooperação
Belga (MCB) e a prefeitura de Nova Friburgo. Após chocar-se com o fato de
que não havia nenhuma escola de formação profissional para os filhos dos
agricultores e nem uma organização social de agricultores que trabalhasse
visando ao desenvolvimento da região, o cônsul provoca o MCB a incumbir uma
Organização Não Governamental (ONG) Belga, o DISOP, a contatar a Prefeitura
de Nova Friburgo a fim de criar na cidade, uma Casa Familiar Rural (CFR)
(IBELGA, 2009, p. 5 apud, FRAZÃO, 2015, p. 48).
Ao DISOP caberia negociar, junto à Solidariedade Internacional das
Casas Familiares Rurais (SIMFR), como destaca Frazão, "o fornecimento de
parte dos recursos necessários para a construção da escola, para a
orientação técnica e para o funcionamento da mesma". Para tanto,
necessitava-se de uma ONG local para a formação do convênio básico inicial,
que previa uma contrapartida do governo, por meio da doação de um terreno
para a construção da escola, da elaboração do projeto e da garantia de
continuação do mesmo (FRAZÃO, 2015, p. 48).
Dessa forma, assim que atendidas as solicitações, foi criado o
Instituto Bélgica – Nova Friburgo (IBELGA), em 17 de julho de 1990. Já em
1993, uma equipe de educadores se dirige ao MEPES, no Espírito Santo, com o
objetivo de conhecer com maiores detalhes o funcionamento da PA.
Finalmente, em 1 de março de 1994, o CEFFA Rei Alberto I inicia seu
primeiro ano letivo oferecendo o segundo segmento do Ensino Fundamental.
(id.)
Nessa época, chamou-se Escola Municipal CEFFA Rei Alberto I, conveniada
com a Secretaria de Educação de Nova Friburgo, oferecendo o segundo
segmento do Ensino Fundamental. A partir de 1998, atendendo à forte pressão
exercida pela comunidade pela possibilidade de continuidade de estudos dos
filhos, é fundado o Ensino Médio. Todavia, sua estadualização efetiva-se
somente em 2002, com a assinatura de convênio entre a Secretaria de Estado
de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC) e o IBELGA, criando definitivamente
o CEFFA Colégio Estadual Agrícola Rei Alberto I, de ensino médio técnico, e
posteriormente, ensino médio técnico integrado em Agropecuária. Mais
recentemente, é criado também o curso de Administração, ambos conveniados
com a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC), e o
IBELGA.
Dentre as possibilidades de aplicação da alternância, este busca
praticar a alternância integrativa real ou copulativa, aquela que "realiza
uma verdadeira interação entre os vários momentos e espaços de formação,
apoiando-se em atividades reflexivas sobre a experiência e colocando o
alternante como ator de sua própria formação" (GIMONET, op.cit p. 120, apud
DÁLIA, op.cit. p. 32).
Em termos físicos e estruturais, os CEFFA´s e o IBELGA contam com uma
fazenda de 27 hectares, salas de aula, salas de direções e de professores,
escritório administrativo do IBELGA, laboratório de análises ambientais,
sala de informática, biblioteca, auditório, refeitório, e área de produção
animal e vegetal (OITAVEN, 2014, p. 49).


Caracterização do Território

Contextualizando o território e a agricultura em Nova Friburgo, temos
uma região formada pelo encontro das Serras dos Orgãos e do Mar,
caracterizada por densa cobertura vegetal tropical úmida. Situada num vale,
com altitudes entre 600 m e 2500 m de altitude, de clima frio e
temperaturas amenas, possui relevo montanhoso e um ambiente de Mata
Atlântica de extraordinária diversidade de espécies de flora e fauna, de
recursos florestais e hídricos (OITAVEN, 2014, p. 50).
Em termos de produção vegetal, a região vem se especializando na
produção de hortaliças, tendo como culturas principais nos últimos 70 anos
café, alho, milho, couve-flor, batata inglesa, batata baroa, batata doce,
aipim, tomate, ervilha, inhame, jiló, cenoura, nabo, cebola, cebolinha,
couve mineira, feijão, flores e fava. (id.)
Com exceção das flores e do café, de produção voltada exclusivamente
para o mercado, as culturas sempre foram comercializadas como excedentes,
fazendo parte historicamente das estratégias econômicas, de segurança e
soberania alimentar das unidades de produção familiar locais. Como
agricultura ainda não tecnificada, demandava o uso da força animal para
arar a terra e transportar a produção, utilizando como insumos aquilo que o
produtor tinha em mãos, como urina de vaca, esterco de animais e cinzas.
Contudo, com a introdução ao longo dos anos de culturas hortícolas
comerciais, muda o perfil de produção, de modo que café, milho, batatas,
feijão e aipim passam a ser cultivadas somente para subsistência. (id.)
É nessa mudança que começamos a notar a influência da revolução
agrícola contemporânea nas estratégias tradicionais da agricultura
familiar. Tal revolução chegará para nós, latino-americanos "em
desenvolvimento", a partir dos anos 1960, como a famosa Revolução Verde.
Tal revolução está, como apresenta Oitaven, "baseada na seleção de
variedades com altos rendimentos potenciais de arroz, milho, trigo, soja, e
de outras grandes culturas de exportação, bem como ampla utilização de
fertilizantes químicos, dos produtos de tratamento e, eventualmente, em um
eficaz controle da água de irrigação e da drenagem" (OITAVEN, 2014, p. 25).
Sob o discurso de evitar uma catástrofe alimentar mundial, a expansão
da revolução verde deu-se rapidamente, já que diante desse cenário,
necessitado de respostas rápidas e eficientes quanto à produção de
alimentos, justificava-se as mudanças ocorridas na agricultura e a inserção
de todas as tecnologias possíveis. Representando o auge de mais de um
século de apropriação industrial de partes da produção agropecuária, quase
sempre apoiada por órgãos governamentais, pela grande maioria da comunidade
agronômica, pelas empresas produtoras de insumos e pelo incentivo de
organizações internacionais, a revolução verde "fundamentou-se na melhoria
da produtividade agrícola, por meio da substituição das formas tradicionais
de produção por um conjunto homogêneo de práticas tecnológicas". (id.)
A reprodução deste conjunto homogêneo de práticas e a utilização
indiscriminada de insumos e agrotóxicos pode ter seu impacto positivo na
produção, como a produtividade na região da grande maioria das unidades
produtoras no entorno do CEFFA e ao longo da rodovia RJ 130, que liga os
municípios de Teresópolis e Nova Friburgo, demonstram, tendo em vista sua
produção ser a principal fonte de abastecimento de olerícolas para a região
metropolitana do Rio de Janeiro e por se destacar no cenário nacional como
a maior produtora de couve-flor do país (OITAVEN, 2014, p. 48).
Todavia, pesquisa de Pedlowski (2009) citada por Oitaven, realizada na
Microbacia do Córrego de São Lourenço, caracteriza e dimensiona, na região,
esse uso intensivo do solo. Situada também no terceiro distrito de Nova
Friburgo (Campo do Coelho) e sendo região vizinha ao CEFFA, os modelos de
uso intensivo verificados na Microbacia do Córrego de São Lourenço
constituem uma referência bastante aproximada, senão precisa, sobre os
modos e intensidades de produção preponderantes nos usos dos territórios na
região investigada. Nesse sentido, avolumam-se extraordinariamente, e em
graus distintos, os usos intensivos do solo, de sistemas de irrigação e de
agroquímicos, somados a períodos curtos de rotação de cultura, diminuição
dos períodos de pousio (quando existentes) e, inclusive, modificações nas
características topográficas do terreno, principalmente por plantio em
encostas com diferentes níveis de declividade (OITAVEN, 2014, p. 58).
De todo modo, mais um problema conhecido desse padrão produtivo
intensivo está ligado ao seu consequente favorecimento a disseminação de
pragas e doenças, o qual pressiona os agricultores a aumentarem
continuamente o uso de agroquímicos. (id.)
No que tange o consumo de agrotóxicos na região, os dados são
alarmantes. Segundo dados de Pedlowski,
Enquanto o consumo de agrotóxico na região sudeste do
Brasil está estimado em 12kg de
agrotóxico/trabalhador/ano, na região da Microbacia do
Córrego de São Lourenço, o consumo de agrotóxico foi
estimado em 56,5kg de agrotóxico/trabalhador/ano, valor
este cinco vezes superior à média da região sudeste e 18
vezes maior que a média do estado. A Empresa Estadual de
Pesquisa Agropecuária do Rio de Janeiro (PESAGRO-Rio),
através da Estação Experimental de Nova Friburgo, em
parceria com a Associação Brasileira de Agricultura
Biológica (ABIO), realizou levantamento que demonstrou que
dos 32 agrotóxicos mais usados no município, 17 sofrem
sérias restrições em outros países, sendo que oito deles
já foram, inclusive, proibidos (PEDLOWSKI, 2009, apud
OITAVEN, 2014, p. 58)
Na verdade, por trágico que seja, quando acompanhamos Oitaven nos
estudos de Pedlowski, esses dados, de fato, fazem todo o sentido. Se é
verdade, como afirma Pedlowski, que o conhecimento adquirido pelos
agricultores da região em relação ao uso de agrotóxicos vem
majoritariamente dos próprios revendedores de agrotóxicos, nos questionamos
o quanto a ausência histórica de uma educação do e no campo pode ter
contribuído para esse grau de vulnerabilidade ideológica, formativa e
tecnológica da agricultura familiar camponesa.(id.)
Atualmente, segundo a EMATER – RIO (2010), a ordem decrescente em
volume de produção do município de Nova Friburgo por culturas é: couve-
flor; tomate; salsa; inhame; repolho; vagem; beterraba; caqui; banana;
nabo; morango; aipim; jiló; alface; pimentão; abobrinha; cenoura; batata-
doce; goiaba; batata; ervilha; milho e feijão, sendo que as localidades
pertencentes ao distrito onde está inserido o CEFFA respondem pela quase
totalidade da produção municipal das hortaliças e frutas listadas, com
exceção do inhame, batata-doce, caqui, banana e goiaba. (OITAVEN, 2014, p.
54)
Quanto às relações de trabalho desenvolvidas na região, Oitaven aponta
que estas não parecem mudar substancialmente ao passar do tempo,
constituindo-se ainda de famílias que trabalham suas terras, com produtores
que trabalham de meeiros e parceiros. (CEFFA Rei Alberto I, 2010, apud,
Oitaven, 2014, p. 48)

Para não concluir: Dilemas da Educação do Campo entre Políticas Sociais,
Políticas Públicas e Políticas Públicas/Estatais

Desde meados da década de 1990 podemos dizer que se discute no Brasil
aquilo que se convencionou chamar de Educação do Campo, prioritariamente
pelos investimentos político-pedagógicos do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), especificamente através do protagonismo do I
Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (Enera)
ocorrido em 1997, estimulados também pela Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef),
Organizações das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) e Universidade de Brasília (UnB).
Em 1998, além da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do
Campo, que demarca historicamente a primeira tentativa de sistematização da
ideia de educação do campo, surge o Programa Nacional de Educação da
Reforma Agrária (Pronera), pavimentando os debates que estariam por vir.
Torna-se efetivamente Educação do Campo a partir das discussões do
Seminário Nacional de Educação do Campo, em 2002, posição que é reafirmada
na II Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, em 2004
(CALDART, 2012, p. 260).
Como prática social, e ainda em processo de constituição histórica, a
Educação do Campo tem como características específicas, de forma resumida:
1) constituição como luta social pelo acesso dos trabalhadores do campo à
uma educação específica e popular; 2) dimensão de pressão coletiva por
políticas públicas mais abrangentes ou mesmo de embate entre diferentes
lógicas de formulação da implementação da política educacional brasileira;
3) combinação de luta pela educação com luta pela terra, pela Reforma
Agrária, pelo direito ao trabalho, à cultura, à soberania alimentar, ao
território, mantendo uma relação de origem com os movimentos sociais de
trabalhadores; 4) especificidade dessa luta e das práticas que gera,
negando qualquer caráter particularista, mas afirmando as particularidades
da classe camponesa, como classe trabalhadora, e a sua solução no terreno
das contradições sociais mais amplas que as produzem; 5) práticas que
reconhecem e buscam trabalhar com a riqueza social e humana da diversidade
de seus sujeitos; 6) esforço teórico e epistemológico que parte das
práticas concretas e cotidianas; 7) articulação entre uma pedagogia
produzida desde a realidade específica da cada território e a totalidade
onde territórios, sujeitos e pedagogias estão inseridos; 8) escolas do
campo como objeto central das lutas e reflexões pedagógicas da Educação do
Campo pelo que representa no desafio de formação dos trabalhadores, como
mediação fundamental, hoje, na apropriação e produção do conhecimento que
lhes é necessário, mas também pelas relações perversas que sua ausência no
campo reflete e sua conquista confronta; 9) conjugação da luta por educação
pública com a luta contra a tutela política e pedagógica do Estado; 10)
educadores como sujeitos fundamentais da formulação pedagógica e das
transformações da escola (CALDART, 2012, p. 263-264).
Todavia, esse debate mobiliza e implica uma gama bem maior de
sujeitos, quando entendemos que a educação do campo significa,
necessariamente, uma educação camponesa, feita no campo, para o campo, ou
seja, do campo. Apesar de ser objeto de debates e controvérsias, entendemos
que os camponeses e camponesas, e o campesinato possuem uma presença
marcante tanto no passado quanto no presente, assim como podem vir a ter um
papel preponderante no futuro por constituírem-se, em geral, de pequenas e
médias propriedades, não raro comunais, geridas familiarmente, com
potencial manejo ecológico e coletivo de recursos hídricos naturais, de
produção alimentar saudável e abundante, e prestação de serviços ambientais
para toda a sociedade. Mesmo não seguindo o modelo das formas camponesas
europeias medievais, identificamos no Brasil uma grande diversidade de
condições camponesas, incluindo formas tão diversas quanto proprietários e
posseiros de terras públicas e privadas; extrativistas que usufruem os
recursos naturais como povos das florestas, agroextrativistas, ribeirinhos,
pescadores artesanais e catadores de caranguejos que agregam atividade
agrícola, castanheiros, quebradeiras de coco babaçu, açaizeiros; os que
usufruem fundos de pasto até os pequenos arrendatários não-capitalistas, os
parceiros, os foreiros e os que usufruem a terra por cessão; quilombolas e
parcelas de povos indígenas que se integram a mercados; os serranos, os
caboclos e os colonos assim como os povos das fronteiras no sul do país; os
agricultores familiares especializados, integrados aos modernos mercados, e
os novos poliprodutores resultantes dos assentamentos de reforma agrária
(MOTTA e ZARTH, 2008, p. 6-9).
Como lembra apropriadamente o Conselho Editorial da coleção História
Social do Campesinato no Brasil, publicada pelo Ministério de
Desenvolvimento Agrário:
Os camponeses instauraram, na formação social brasileira,
em situações diversas e singulares e mediante resistências
de intensidades variadas, uma forma de acesso livre e
autônomo aos recursos da terra, da floresta e das águas,
cuja legitimidade é por eles reafirmada no tempo. Eles
investiram na legitimidade desses mecanismos de acesso e
apropriação, pela demonstração do valor dos modos de vida
decorrentes da forma de existência e coexistência sociais.
O modo de vida assim estilizado para valorizar formas de
apropriação, redistribuição e consumo de bens materiais e
sociais, se apresenta, de fato, como um valor de
referência, moralidade que se contrapõe aos modos de
exploração e de desqualificação, que também foram sendo
reproduzidos no decorrer da existência da posição
camponesa na sociedade brasileira (MOTTA e ZARTH, 2008, p.
11-12).
Para compreender adequadamente as estratégias camponesas de lutas por
políticas públicas específicas em educação, chamamos a atenção para uma
impositiva produção histórica de "amnésia social" sobre a relevância
social, política, econômica e filosófica do campesinato, "que apaga a
presença do campesinato e oculta ou minimiza os movimentos sociais dos
camponeses brasileiros, consagrando, como tradição inventada, a noção do
caráter cordato e pacífico do homem do campo", ou ainda, caricaturas
esgarçadas de pobres coitados, isolados em grande solidão e distanciamento
da cultura oficial, analfabetos, mal alimentados. Tomando esses olhares
como expressivos da condição de vida, mas não do sujeito social, estes
revelam, como apontará a supracitada equipe, "as bases da exploração e da
submissão em que viviam, seja como agentes fundamentais ou complementares
do processo produtivo da atividade agroindustrial exportadora". Muitas
vezes não tendo reconhecidas suas formas de apropriação dos recursos
produtivos, "são recorrentemente questionados e obrigados a se deslocar
para se reconstituir, sob as mesmas condições, em áreas novamente
periféricas". Em outras circunstâncias, ainda, "são submetidos a regras de
coexistência consentidas e por vezes imediatamente questionadas, dada a
exacerbação das posições hierarquizadas ou das desigualdades inerentes às
condições de coexistência" (MOTTA e ZARTH, 2008, p. 10).
Nesse sentido, lutar e disputar por políticas públicas, de fato,
significa pôr em questão os direitos sociais básicos e as políticas sociais
necessárias para que estes direitos, historicamente negados aos
trabalhadores em geral, e especialmente aos povos do campo, da floresta e
da montanha, camponeses e camponesas, possam ser garantidos e postos em
prática de forma integral e universal. Evidente está que isso é um
movimento, repleto de avanços e contradições, pois mesmo os direitos
sociais básicos garantidos, na teoria, já na Constituição Federal
brasileira de 1988, definidos no seu artigo 6º como "educação, saúde,
trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à
maternidade e à infância e assistência aos desamparados", não são capazes,
nesse Estado capitalista, de se universalizar e efetivar minimamente. Nesse
sentido, entendemos que, para a transformação qualitativa de direitos
sociais em políticas públicas concretas, é imprescindível a participação
popular ativa, desde as comunidades, suas organizações e instituições
públicas, prioritariamente, tendo em vista articulações entre estas
distintas organizações e outros atores sociais e estatais, tanto na
proposição como no acompanhamento das políticas públicas conduzidas pelos
governos. Entretanto, tanto o Estado quanto as políticas públicas pressupõe
muito mais do que a mera atuação governamental, pois são produtos diretos
das contradições clássicas entre a "sociedade política" e a "sociedade
civil", e são, portanto, fruto das disputas históricas entre as classes
sociais, por vezes expressando a preponderância da apropriação capitalista
e privada dos recursos e políticas públicas, por outras manifestando a
resistência popular, com variados graus de eficácia.
As políticas públicas significam, segundo expressões e compreensões
diversas, o "Estado em ação" (GOBERT e MULLER, 1987 apud HOFLING, 2001, p.
32 in: CALDART, 2012, p.588); "campo dentro do estudo da política que
analisa o governo à luz de grandes questões públicas"; "conjunto de ações
do governo que irão produzir efeitos específicos"; "soma das atividades dos
governos [...] que influenciam a vida dos cidadãos"; "o que o governo
escolhe fazer ou não fazer", ou ainda, na forma sucinta de Laswell: "quem
ganha o quê, por quê, e que diferenças faz" (MEAD, 1995; LYNN, 1980;
PETERS, 1986; DYE, 1984; in: COSTA e BEZERRA NETO, 2016, p. 169).
Quanto à abordagem, os estatistas ou estadocêntricos consideram o
monopólio do protagonismo de atores estatais no que tange as políticas
públicas, sob o argumento de sua personalidade jurídica. Já a abordagem
multicêntrica ou policêntrica, atribuirá, por sua vez, protagonismo
relativamente equivalente à uma série de organizações distintas, como às
organizações privadas, organizações não governamentais, organismos
multilaterais, redes de políticas públicas, em diálogo com atores estatais,
protagonistas definitivos na efetivação das políticas públicas. (id.)
Por mais que procurem se apresentar como neutros, os agentes públicos e
as políticas públicas são majoritariamente funcionais à logica dominante,
bem como legitimadores dos diferentes programas e ações implementadas pela
máquina burocrática. Frequentemente beneficiando negociações para fins
privados ou do próprio Estado com sua autonomia relativa, relegam à
preocupação efetiva com o público de fato, no melhor dos casos, um caráter
secundário, marginal ou mesmo falso (COSTA e BEZERRA NETO, 2016, p. 171).
Nesse sentido, não poderíamos nomeá-las propriamente políticas
públicas, pois, embora "designada e revestida de aparência de ação dirigida
ao bem de todos", "tende ao favorecimento do interesse privado", sendo
assim uma política pública/estatal, ou seja, já que não dialoga com as
necessidades universais da sociedade, mas dá conta de negociações pontuais
com certos setores da sociedade. Dessa forma, trataria-se não de políticas
efetivamente direcionadas aos interesses públicos gerais, como políticas
sociais e direitos sociais, mas benesses que são negociadas pelos governos
em exercício de modo a garantir sua governabilidade. (id.)
Todavia, quando falamos no campo dos direitos, e dos direitos sociais
especificamente, as políticas públicas, vistas ainda como políticas
sociais, na forma que compreendemos, positivam-se, pois, como explica
Chauí, "um direito, ao contrário de necessidades, carências e interesses,
não é particular e específico, mas geral e universal, válido, para todos os
indivíduos, grupos e classes sociais", bem como produto de lutas históricas
que os configuram nos embates de classes (CALDART, op.cit.).
Assim, é necessário situar o debate por direitos sociais básicos na
conjuntura das novas reconfigurações da lógica de acumulação do capital,
que demanda ao Estado, na sua tarefa de representar os interesses da classe
dominante, uma postura que Carvalho chamará de "Estado ajustador". O ajuste
a nova ordem do capital, via desregulamentação, desnacionalização e
privatização, acaba por apontar para uma progressiva isenção do Estado de
seu papel garantidor de direitos, aviltando todos que dependem dos serviços
públicos básicos, caracterizando a quebra deliberada e intencional do
Estado com suas responsabilidades sociais básicas (CALDART, 2012, p. 590).
Tendo em vista o agravamento da questão social para a classe
trabalhadora como traço estrutural predominante do capitalismo na sua fase
atual, busca materializar-se, no "estado mínimo", um perverso processo de
"destituição e desconstrução de direitos econômicos e sociais: direito ao
trabalho, e mais especificamente, a um emprego; direito ao acesso à terra;
direito à moradia, à educação, à saúde, ao lazer", de modo que não nos
parece menor, frente ao avanço capitalista, a defesa de direitos humanos
historicamente conquistados e defendidos, não raro ao custo de muito
sangue, suor e lágrimas de tantos trabalhadores e trabalhadoras.
Assim, apesar dos limites inerentes às disputas por políticas públicas
no contexto de um Estado capitalista, pensamos, com Carvalho que, no
Brasil:
[...] as políticas sociais constituem um espaço
privilegiado de atuação política no (re)desenho do Estado,
estabelecendo o vínculo necessário entre
conflitos/demandas por direitos e busca de alternativas de
emancipação. Sob esse prisma, os movimentos sociais pela
definição e implementação de políticas públicas, com suas
múltiplas expressões, articulando novas e tradicionais
estratégias, constituem-se vias abertas, no confronto com
a lógica do capital mundializado. (CARVALHO, 2008, p. 25
in: CALDART, 2012, p. 591)
Nesse sentido, apesar de evidentemente limitadas, políticas públicas
como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária (Pronera), a Política Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma
Agrária (PNATER) e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PRONATER), a Política
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), entre outros,
indicaram avanços, mesmo que modestos, nas disputas por políticas públicas
e direitos sociais.
Todavia, o acirramento das contradições capitalistas no Estado
brasileiro contemporâneo manifestam-se a nível nacional, e com particular
intensidade no Estado do Rio de Janeiro. Se a nível nacional temos a
extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), entre tantas
outras medidas anti-populares, e um sinal claro de retrocesso nas políticas
públicas de fortalecimento da agricultura familiar camponesa, no Rio de
Janeiro, por sua vez, o mesmo Estado que concede centenas de bilhões de
reais em isenções fiscais e sedia um megaevento olímpico sob investimentos
massivos de recursos públicos, viola direitos básicos da população e de
seus servidores públicos garantidos pela Constituição Federal. Ao decretar
Estado de Calamidade Pública, penaliza ainda mais a população com o
agravamento da precariedade dos serviços públicos, intencionando com esse
recurso jurídico-legal desonerar-se provisoriamente de custos com serviços
públicos, seus servidores e custos com as estruturas e expedientes para a
prestação dos serviços básicos à população, para investir ainda mais no
"cumprimento das obrigações estaduais com a realização dos jogos
Olímpicos", segundo texto publicado no Diário Oficial do Rio de Janeiro no
dia 17/06/2016.
Finalmente, porém, nos dando o direito a não concluir, nos sentimos
contemplados até aqui com a síntese de Caldart, que afirma "com base na
ideia da historicidade dos direitos humanos, dos processos de luta para sua
instituição e das possibilidades de sua reversão e desconstrução, é que se
faz necessária a luta por políticas públicas no âmbito da educação do campo
neste momento histórico". (CALDART, 2012, p. 589)


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