PEDAGOGIAS DAS INFÂNCIAS, CRIANÇAS E DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

May 25, 2017 | Autor: Paulo Fochi | Categoria: Educação Infantil, Emmi Pikler, Bebes
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PEDAGOGIAS DAS INFÂNCIAS, CRIANÇAS E DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DIRETORIA DE CURRICULOS E EDUCAÇÃO INTEGRAL SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

PEDAGOGIAS DAS INFÂNCIAS, CRIANÇAS E DOCÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

PEDAGOGIAS DAS INFÂNCIAS, CRIANÇAS E DOCÊNCIASNA EDUCAÇÃO INFANTIL Realização: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DIRETORIA DE CURRICULOS E EDUCAÇÃO INTEGRAL COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO INFANTIL Organização do Livro: Viviane Ache Cancian Simone Freitas da Silva Gallina Noeli Weschenfelder Foto da capa: Alvaro Pouey Demais fotos ilustrativas entre os artigos: Arquivos da Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo - UFSM Capa e Diagramação: Joana Paula Alves Editoração e Arte Final: Felipe Toniolo Revisão Ortográfica: Fabiano Machado e Carlos Giovani Delevati Pasini Impressão e Acabamento: Editora e Gráfica Caxias Tiragem: 7.500 exemplares

Conselho Editorial: Coordenadores: Prof. Dr. Valdo Hermes de Lima Barcelos Prof. Msc. Carlos Giovani D. Pasini Membros: Prof. Dr. João B. A. Figueiredo Prof. Dr. Elenor Kunz Prof. Dr. Wenceslau Leães Filho Profa. Msc. Sandra Maders Prof. Msc. Rafael Friedrich Prof. Msc. Élvio de Carvalho Prof. Msc. Alysson do Amaral

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CONTRIBUIÇÕES DE EMMI PIKLER PARA A EDUCAÇÃO DE BEBÊS NOS CONTEXTOS BRASILEIROS Paulo Sergio Fochi Carina Cavalheiro Claudia F. Bergamo Drechsler

No Brasil, na última década, o acesso de bebês em espaços coletivos de educação tem crescido significativamente. Este fato, por um lado, significa a busca pela garantia dos direitos dos meninos e meninas a frequentarem a creche e, por outro, implica em um desafio para a formação de professores que atuarão nestes espaços. Ao mesmo tempo, ainda não temos acumulado saberes necessários para refletir o que compõem esta “didática dos bem pequenos”, ou, da “didática do fazer” como definem Bondioli e Mantovani (1998, p. 31). Sabemos, no entanto, que muitos daqueles saberes da tradição pedagógica não atendem as necessidades dos bebês e das crianças bem pequenas na creche, tampouco, dos professores. A docência na creche é uma profissão que está sendo inventada. Por isso, o intuito deste texto é destacar alguns pressupostos que consideramos importantes a serem observadas na organização de

um cotidiano que acolhe bebês em contextos de vida coletiva. Tais noções são fortemente atravessadas pelas ideias da pediatra húngara Emmi Pikler e pela suas companheiras de trabalho no Instituto Lóczy, pois acreditamos que este referencial possa contribuir significativamente com as especificidades da ação pedagógica no berçário. Dentre os diversos aspectos que poderíamos tratar a partir do referencial indicado, escolhemos três pontos que consideramos fundamentais, a saber: (i) o valor da atividade autônoma e do movimento livre, (ii) as atividades de atenção pessoal e (iii) o brincar dos bebês. Antes de entrarmos em cada um destes pontos, optamos por contextualizar brevemente a trajetória de Emmi Pikler e oferecer ao leitor alguns elementos referenciais para compreender melhor a obra desta importante estudiosa.

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Trajetória de uma pediatra que lutou pelo respeito as crianças

importantes na construção dos protocolos de trabalho da pediatra. Para ela, nestas situações, não poderia ser mecanizado o processo ou deixado o bebê em segundo plano para o simples cumprimento da tarefa. Além disto, a pediatra húngara não via a necessidade de instruir ou exercitar o bebê, no sentido de estimulá-lo diretamente, pois a pediatra não considerava que o bebê fosse passivo e pudesse se tornar uma pessoa ativa pelo impulso do adulto. Ao contrário, para a autora, o bebê é um sujeito ativo e é ele que deve atuar nos espaços, com os materiais, nas interações com os outros bebês e adultos a partir do seu desejo. Pikler não acreditava que o modelo de intervenção direta pudesse acelerar o desenvolvimento do bebê e pensava que, “caso acelerasse, não representaria nenhuma vantagem para sua vida nem para seu desenvolvimento” (Falk, 2011, p. 19). Aliás, a autora já havia confirmado de que a criança que tem liberdade para brincar, correr pelas ruas, jogar, subir em árvores, entre outras atividades, sofre menos fraturas e menos traumas do que crianças superprotegidas.

Emmi Pikler nasceu em Viena, na Áustria, em 1902, formou-se em medicina e licenciou-se em pediatria no Hospital Universitário de Viena. Depois de trabalhar muitos anos como pediatra e desenvolver sua pesquisa sobre movimento livre, a pediatra foi convidada para assumir a direção do Instituto Lóczy. Lóczy, mesmo nome da rua onde se localiza o instituto, funciona desde o início da década de 40 como uma das instituições de acolhimento de crianças órfãs de Budapeste (Falk, 2011). Na ocasião em que Pikler assume a direção, o momento histórico era muito particular, pois tratava-se do fim da segunda guerra mundial. Ao chegar em Lóczy, a pediatra espantou-se com a falta de infraestrutura e com a precariedade do lugar, assim como com a postura dos adultos responsáveis por “acolher” e “cuidar” dos meninos e meninas que ali estavam naquele instituto. Emmi Pikler já havia verificado em suas pesquisas que intimidade e reciprocidade do adulto com o bebê tem um valor profundo no desenvolvimento integral da criança. Por esta razão, acreditava que o adulto devesse construir o mais alto grau de consciência sobre suas intervenções. Os momentos de aproximação mais íntima, como o da higiene, do sono e da alimentação, sempre foram pautas

Emmi Pikler estava convencida de que a criança que pode mover-se com liberdade e sem restrições é mais prudente, já que aprendeu a melhor maneira de cair; enquanto que a criança

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CONTRIBUIÇÕES DE EMMI PIKLER PARA A EDUCAÇÃO DE BEBÊS NOS CONTEXTOS BRASILEIROS superprotegida e que se move com limitações tem mais riscos de acidentes porque lhe faltam experiências e desconhece suas próprias capacidades e seus limites (Falk, 2011, p.18).

ou distante; • O encorajamento e a manutenção da saúde física da criança, fato que não só é base dos princípios precedentes como também é um resultado da aplicação adequada desses princípios.

Durante muitos anos, Pikler e uma de suas principais colaboradoras, Drª Judit Falk, constroem no Instituto Lóczy outra referência de atenção à criança. Elas desenvolveram uma filosofia que buscava oferecer às crianças que ali estavam, uma experiência de vida que preservava o seu desenvolvimento e evitava as carências que podiam criar-se por causa da ausência dos pais. A experiência de Pikler demonstra um profundo respeito pela criança pequena e as suas necessidades, revelando pistas importantes sobre o papel do outro, em especial, do adulto. A partir do trabalho da pediatra no Instituto Lóczy, construiu-se quatro princípios básicos sobre o cuidado com bebês em espaços coletivos (Falk, 2011, p.28), a saber:

Visionária, Pikler já anunciava o paradoxo da potência e da impotência dos bebês. Ou seja, por um lado ela afirmava que os meninos e meninas, mesmo os bem pequenos, são ativos e competentes para eleger as suas próprias atuações mas, ao mesmo tempo, dependem do outro, da presença presente, do adulto que cria bons contextos para que os bebês possam atuar de forma autônoma (Fochi, 2015a). Neste sentido, os saberes construídos por Emmi Pikler em Lóczy, tanto em relação ao papel do adulto quanto dos processos vividos pelas crianças bem pequenas, constituem um reportório importante para pensar a educação das crianças na coletividade. Pikler faleceu em 1984 e, a partir de 1986, o instituto passou a carregar o nome de sua fundadora, chamando-se, então, Instituto Emmi Pikler. Atualmente, este instituto não atua mais como orfanato e funciona como um importante centro de formação direcionado a professores, médicos, psicólogos e estudiosos do tema da primeiríssima infância e, também, como uma creche pública.

• A valoração positiva da atividade autônoma da criança, baseada em suas próprias iniciativas; • O valor das relações pessoais estáveis da criança – e dentre estas, o valor de sua relação com uma pessoa em especial – e da forma e do conteúdo especial dessa relação; • Uma aspiração constante ao fato de que cada criança, tendo uma imagem positiva de si mesma, e segundo seu grau de desenvolvimento, aprenda a conhecer sua situação, seu entorno social e material, os acontecimentos que a afetam, o presente e o futuro próximo

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Então, para que a criança tenha confiança em si mesma, aqueles que a acompanham precisam também confiar em suas capacidades. Confiar não é desejar que a criança chegue em algum lugar determinado pelo adulto ou que ela faça algo já previsto antecipadamente. Mas, estar disponível para que os meninos e meninas possam ir descobrindo as possibilidades do seu corpo e os mecanismos para alcançar seus desejos. Neste sentido, a construção da autonomia da criança independe da estimulação do adulto. Sabemos que existe uma preocupação dos pais e educadores sobre a necessidade de “ajudar” ou “exercitar” as crianças para que se desenvolvam integralmente. Porém, podemos afirmar a partir dos estudos da pediatra húngara que não existe essa necessidade. Emmi Pikler acreditava que o espaço, o material e o olhar da cuidadora, era o necessário para “estimular” o desenvolvimento da criança, pois não se trata apenas desenvolvimento motor, mas sim, em pensar a criança na sua inteireza.

Atividade autônoma e movimento livre Entende-se por atividade autônoma toda e qualquer atividade livre e espontânea “escolhida e realizada pela criança – atividade originada de seu próprio desejo” (Tardos; Szanto-Feder, 2011, p.52). Na experiência de Lóczy, Pikler nos direciona ao conceito de movimento livre. Através do movimento livre, a criança atinge o completo conhecimento do seu corpo e de suas capacidades, conhece seus limites e assim consegue confiar em si mesma. Nesta perspectiva, as crianças movimentam-se livremente, brincam com tranquilidade, aproveitando os espaços e os materiais, descobrindo a si mesmas e aos demais. Segundo Tardos e Szanto-Feder (2011, p.48), Para a criança, a liberdade de movimentos significa a possibilidade, nas condições materiais adequadas, de descobrir, de experimentar, de aperfeiçoar e de viver, a cada fase de seu desenvolvimento, suas posturas e movimentos.

O adulto cria as condições externas necessárias para a criança realizar suas aventuras e desventuras da vida. Dá presença, respeitando a criança com afetividade e tranquilidade, permanecendo no campo de visão dela para que ela se sinta segura, garantindo o apoio para as suas experiências e conquistas, além de encorajá-la ao movimento livre, de forma autônoma, sem intervenção direta.

As atividades de atenção pessoal Os pressupostos postulados por Emmi Pikler afirmam que a criança é um ser único, singular e que por isso precisa de cuidados e

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atenção. É preciso encará-la como uma pessoa com necessidades, expectativas, sentimentos. Um dos temas desenvolvidos pela autora é a respeito das atividades de atenção pessoal (David, Appel, 2010; Fochi, 2015a; Fochi 2015b). Estas atividades são aquelas relacionadas ao comer, ao descansar, à higiene. São, como próprio nome diz, atividades pessoais dos bebês. Portanto, momento importante e de grande aprendizagem para estes que recém estão chegando na cena humana. A partir disto, Pikler destaca sobre o cuidado, desde a forma de segurar o bebê até a maneira com que o alimento é dado a criança, chamando atenção para a necessidade dos gestos amorosos e carinhosos, da calma e da paciência com que se cuida e educa o bebê. Tardos (1992, p. 19) nos convoca para o valor educativo da forma como a educadora toca o bebê, pois “a mão do adulto é para a criança uma fonte importante de experiência”. Além de um toque cuidadoso, outro elemento a ser considerado é a participação das crianças no cuidado do seu corpo. O grau de participação é diretamente influenciado pelo tipo de relacionamento entre educador e o bebê, ou seja, os educadores devem “tratar a criança não como um objeto, mas como um ser humano vivo e aceitam como possibilida-

de a ideia de cooperar com a criança” (Hevesi, 2011, p. 86). Tomando como exemplo o momento da alimentação. Ao realizar este ato com criança em um espaço de vida coletiva, o adulto precisa estar consciente de que suas ações devem ir no sentido de contribuir para que a criança tome consciência sobre o que está acontecendo, estabeleçam relações com a materialidade envolvida, de modo que ela possa ir gradativamente conseguindo executar por si própria. Para que isso ocorra, é necessário observar três elementos importantes: (i) enquanto for necessário que o adulto auxilie a criança na alimentação, deverá anunciar as suas ações de modo a antecipar para a criança o que está por acontecer. Também (ii) é importante que um adulto torne-se referência para um pequeno grupo de criança, de forma a criar códigos reconhecíveis pelos meninos e meninas dos momentos que estão por vir e, (iii) respeitar o ritmo de cada criança sem antecipar etapas. A partir destes elementos, constrói-se então uma verdadeira relação pessoal, tornando o cuidar um momento único, íntimo e pleno de comunicação.

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O brincar dos bebês na creche

noções básicas acerca de si mesmos, dos outros e do mundo, aprendendo a dominar e conhecer as partes do nosso corpo e suas funções, a nos orientarmos no espaço e no tempo, a manipularmos, construirmos e estabelecermos relações com os outros. No entanto, os adultos precisam permitir que os bebês e crianças bem pequenas possam ter momentos em que brinquem sozinhos, onde possam aprender por sua própria iniciativa. Ao adulto, compete criar as condições necessárias para que a brincadeira se concretize e tenha uma observação atenta para com o bebê. As crianças que não brincam sozinhas, muitas vezes, costumam apresentar essa dificuldade em decorrência da conduta intervencionista do adulto, onde as tornam passivas e sem iniciativas. Cabe aqui, salientar que a atividade autônoma permite à criança seguir seu próprio ritmo, sua curiosidade, explorar e experimentar a autonomia. Fabrés (2011, p.56) lembra que um dos principais objetivos da educação dos pequenos é “favorecer, facilitar a progressiva aquisição de sua autonomia, para que chegue a ser autônomo como pessoa, que possa ser, fazer e decidir por si mesmo”. Considerando esta perspectiva que reforça o dever da educação em tornar os pequenos seres autônomos, “é necessário que comecemos por respeitar a sua atividade autônoma, sua liberdade de movimentos, seu processo evolutivo, partindo claramente da ideia de uma criança competente desde o nascimento” (Fabrés, 2011, p. 56).

“O primeiro brinquedo do bebê é o corpo do adulto que cuida dele” (Goldschmied; Jackson, 2006, p.113), seja ele seu pai, sua mãe ou o cuidador. Brooker, Woodhead (2013, p.17) nos explica que “os bebês aprendem a conhecer a si mesmos e o mundo em que vivem mediante as interações lúdicas com seus primeiros cuidadores”. Ao mamar, por exemplo, o bebê através da sucção no seio de sua mãe experimenta o sugar mais forte, a pausa. Busca pegar adereços como brincos, colares, óculos, entrelaça seus dedos nos cabelos. Todas essas interações e experimentações representam maneiras iniciais de brincar. Também a mão compõe uma das primeiras descobertas da criança. Ela dedica grande parte do seu tempo a observá-la, acompanhá-la com sua cabeça e seus olhos. Chokler (2014, p. 3) descreve que “o descobrimento, primeiro, e a utilização depois, de suas próprias mãos como objeto de exploração e de brincar, constitui um rito fundamental no desenvolvimento infantil”. O brincar é uma necessidade humana. Ele ocupa o lugar central do aprendizado das crianças desde o nascimento, isto é, quando estão brincando, as crianças estão construindo as “bases” de toda a sua futura aprendizagem. O brincar é a maneira como as crianças se comunicam, indispensável e fundamental para a nossa formação em todas as etapas de nossa vida. Desde pequenos, através do brincar, vamos incorporando

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A autora nos mostra que temos de ter um profundo respeito pelo bebê, sendo ele um sujeito de ação, um sujeito capaz, para quem devemos proporcionar espaços e condições a fim de que ele possa contemplar a sua atividade autônoma e o seu brincar livre para ir progressivamente adquirindo autonomia, favorecendo suas aquisições e sua aprendizagem a partir de seus próprios erros e acertos. Esse brincar vai ao encontro da abordagem Pikler, baseada no respeito dos movimentos da criança e uma atitude não intervencionista do adulto, permitindo seu desenvolvimento autônomo. Além da conduta do adulto, é importante garantir um espaço adequado para que a criança possa gradualmente construir sua liberdade de movimentos e desenvolver o brincar livre, sendo necessário e essencial que haja uma “área do brincar”. Esta área deve ser um local protegido para as crianças que apenas ficam de barriga para cima, outro local para as crianças que já se deslocam ou engatinham e outra área para as que já caminham (Kálló, 2013). É imprescindível que hajam esses espaços separados para garantir que todas as crianças tenham o seu momento do brincar livre sem interferir e nem desconcentrar o brincar do outro, para centrarem-se inteiramente na exploração de seus brinquedos/objetos. O local ideal para que isso ocorra deve ter um solo rígido, sua consistência é vital para o desenvolvimento da mobilidade da criança, onde ela possa fazer suas próprias escolhas e descobertas, movimentando-se e brincando es-

pontaneamente. Será esse chão rígido que vai auxiliá-la a encontrar a posição mais confortável e segura, sem “camuflar” seus movimentos, onde os objetos agem de forma real, rolam quando são lançados, fazem barulho quando jogados contra o solo, o que não seria possível em um solo revestido com espuma ou qualquer outra superfície fofa (Kálló, 2013). Com este espaço estruturado para o brincar livre, somando a conscientização do adulto de sua postura em relação à criança, devemos proporcionar e oferecer objetos para que o brincar aconteça. Objetos que permitam a realização das experimentações por parte da criança, que façam com que ela, através da sua curiosidade, vá buscar pelo que a cerca. As autoras Éva Kálló e Györgyi Balog, companheiras de trabalho de Emmi Pikler em Lóczy, trazem em seu livro intitulado como “Los Orígenes del Juego Libre” (2013) um estudo profundo do brincar livre, desde o descobrimento inicial das mãos do bebê, a sua manipulação, a experimentação com objetos e a construção e combinação com os mesmos. A partir das reflexões de Kálló e Balog (2013), organizamos o quadro a seguir para identificar algumas características de manipulação dos objetos e, por isso, determinadas opções de materiais. Em hipótese alguma tal resumo tenha a intenção de apresentar estágios ou períodos determinantes e universais, mas consideramos que são noções importantes para refletir os bebês e suas experiências primeiras.

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A partir destas informações, acreditamos que fica evidente o quanto o bebê realiza atividades a partir de seu próprio desejo. Perceber tais aspectos nos ajuda a refletir melhor sobre e organização de espaço para o brincar das crianças, dos materiais disponibilizados e do tempo necessário para que os meninos e meninas bem pequenos possam se descobrir, descobrir seu corpo, suas mãos, o seu entorno, o mundo.

compreenderem equivocadamente a ideia de socialização e, a partir desse equívoco, os momentos do cotidiano ser organizado para que os bebês façam todos juntos o tempo todo – hora da higiene, hora da água, hora do sono, hora da alimentação – ou, por não ser reconhecido a complexa tarefa que é tornar-se eu ao mesmo tempo em que se tornam grupo. O propósito deste texto foi destacar aquilo que consideramos fundamental a ser refletido para não cairmos nesta e em tantas outras armadilhas. Considerar as atividades de atenção pessoal um aspecto importante do cotidiano, compreender o valor do movimento livre e das atividades autônomas e perceber a intensidade e riqueza das brincadeiras dos bebês estruturam não só alguns caminhos para a organização das instituições, mas, também, para a própria formação dos professores. Assim como Pikler enfrentou o desafio de propor um espaço melhor, mais cuidadoso, sensível e atento aos bebês, também nós possamos caminhar rumo a creches que consigam acolher “a complexidade da chegada dos bebês no mundo” (Fochi, 2015b, p. 53).

Utopia do cotidiano: considerações finais A chegada de bebês nos ambientes coletivos nos convoca a problematizar e refletir os modos como as instituições estão se organizando para acolher os universos daqueles que recém chegaram. Sonhar com a utopia do cotidiano é o que nos ensina Emmi Pikler e suas companheiras de trabalho em Lóczy. A atenção a cotidianeidade e as atividades que daí decorrem são o ponto chave para estas autoras, que reforçam o valor das primeiras experiências para a vida dos meninos e meninas. O fato destas crianças estarem tão precocemente na coletividade é um alerta para perseguirmos modos de funcionamento em que a ideia de “individuo” não se perca no excesso do “todos juntos”. Esta é uma armadilha perigosa e fácil de ser armada dentro das instituições. Seja por

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