\"Pedaços de personalidade(s)\", em PESSOA, Fernando: Antologia Poética: Biblioteca Ulisseia de autores portugueses, (ed.: 1996)

May 24, 2017 | Autor: Silvia Busto Caamaño | Categoria: Fernando Pessoa, Portuguese Literature
Share Embed


Descrição do Produto

Pedaços de personalidade(s)1 Silvia Busto Caamaño Literatura portuguesa 2 Ano letivo: 2016/17 Fernando Pessoa (1888-1935), autor da obra Antologia Poética, entre outras, é considerado um dos escritores mais relevantes na literatura portuguesa e também na literatura universal. É importante mencionarmos que a série poemática dele, “Chuva Oblíqua”, é um momento chave quanto à participação de Pessoa na “Geração de Orpheu”, mas também na sua produção literária, nomeadamente pela relação dessa série poemática com a criação dos heterónimos, os quais foram decisivos do autor quanto ao Modernismo em que se enquadra, pois “Chuva Oblíqua” contém traços próprios dessa corrente literária, como a representação da relação entre o espaço e o tempo. Tal e como recolhe Carlos Reis no manual Literatura portuguesa moderna e contemporânea (1989), Pessoa explica o emprego da heteronímia desde várias perspetivas: uma perspetiva psiquiátrica e orgânica, uma perspetiva lúdica e uma perspetiva estético-literária. Assim, os heterónimos criados por Pessoa baseiam-se na sua própria personalidade, e na sua Antologia podem-se visualizar, nomeadamente, três heterónimos, os quais representam uma própria identidade, um nome próprio e também um estilo próprio: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis (Reis, 1989: 187). Em primeiro lugar, pode-se mencionar “O Guardador de Rebanhos” como o poema mais destacado de Alberto Caeiro. Neste poema apresenta-se uma relação entre o homem e a natureza, mas com certa ambiguidade: “Eu nunca guardei rebanhos” quando o título é “O Guardador de Rebanhos”. Além disso, o poeta apresenta as suas perceções da própria natureza e, às vezes com um sentido figurado: “Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la e comer um fruto é saber-lhe o sentido”. Aliás, a figura de Deus está também presente neste poema, um Deus que o poeta nunca viu, mas sabe que foi o criador dessa natureza que ele pode observar: “Mas se Deus é as árvores e as flores, e os montes e o luar e o sol, para que lhe chamo eu Deus?” Então, pode-se afirmar que, tomando como referência “O Guardador de Rebanhos”, a poesia de Caeiro combina Sensacionismo (perceções que o poeta tem da natureza) e Modernismo em relação com o espaço (natureza) e com o tempo (a passagem do século XIX para o XX). Além do mais, esse Sensacionismo também pode visualizar-se na poética de Álvaro de Campos, já 1

PESSOA, Fernando: Antologia Poética: Biblioteca Ulisseia de autores portugueses, (ed.: 1996).

1

que ele mostra, como Alberto Caeiro, um interesse pela visão do mundo que o rodeia: “E afinal o que quero é fé, é calma, e não ter estas sensações confusas [...]”. Para além disso, na poesia de Campos há também aspeitos que marcam um claro Modernismo (“Ode Marítima” ou “Ode Triunfal”) representado, neste caso, pelo ruído das máquinas, dos transportes e das fábricas que o homem percebe: “Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! [...] Eu podia morrer triturado por um motor [...]” (“Ode Triunfal”). Contudo, há um excesso dessa civilização moderna: máquinas, luz eléctrica etc.: “E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso de expressão de todas as minhas sensações, com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!” (“Ode Triunfal”). Por outro lado, a poesia de Ricardo Reis caracteriza-se pela presença da vida, da morte e da passagem do tempo num contexto em que a moderação é quem de medir e mesmo controlar os desejos do poeta: “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. Sossegadamente fitemos o seu curso [...] depois pensemos, crianças adultas, que a vida passa e não fica [...]”. Aliás, a sua poética também contém numerosas referências sobre a cultura clássica e os deuses em relação com a natureza, mas distinguindo o alcançável do inatingível: “As rosas amo dos jardins de Adónis [...] a luz para elas é eterna, porque nascem nascido já o Sol, e acabam antes que Apolo deixe o seu curso visível”. Finalmente, é importante mencionarmos o fingimento que criou Pessoa para representar uma atitude contrária à moralidade, uma atitude relacionada com a estética a fim de exercer, dalguma maneira, uma crítica em contra da franqueza romântica. Os heterónimos que criou o autor devem ser tomados como um símbolo do fingimento por serem figuras fictícias, mas, ao mesmo tempo, revelam verdades mediante nomes próprios (ligados a um sujeito poético), identidades próprias (caracterizadas pelas ideologias culturais próprias) e estilos próprios (cada “heterónimo” marca a sua maneira poética). Assim, em cada heterónimo, vão pedaços de personalidade pessoana.

Referências: REIS, Carlos (coord.): Literatura portuguesa moderna e contemporânea. Lisboa: Universidade Aberta, 1989.

2

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.