Pedaços do conhecimento: natureza, propósito e classificação de um artigo científico na universidade

May 29, 2017 | Autor: L. Matta Ramos | Categoria: Epistemology, Metodologias de Pesquisa
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PEDAÇOS DO CONHECIMENTO: NATUREZA, PROPÓSITO E CLASSIFICAÇÃO DE UM ARTIGO CIENTÍFICO NA UNIVERSIDADE

L. F. M. RAMOS

Cursos de Educação Física, Filosofia e Teologia. Áreas da Saúde e Educação, Centro Universitário Ítalo Brasileiro, UniÍtalo, São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail [email protected] e www.luizfelippe.com

Rev. UniÍtalo em Pesquisa, São Paulo SP, v. 1, n. 1, 2011

RESUMO O artigo traz o objetivo de demostrar a natureza, o propósito e a classificação do conhecimento na vida acadêmica e na Universidade. O autor utiliza o método hermenêutico de compreensão dos termos adotados a partir das origens etimológicas, contextualizando ideias, situações e finalidades a respeito do conhecimento como assunto da vida intelectual e universitária e que é classificado quanto aos tipos de artigos possíveis em relação aos assuntos abordados.

PALAVRAS CHAVE: conhecimento, artigo, classificação, tipologia, vida intelectual.

ABSTRACT The article brings the objective to demonstrate the nature, the purpose and the classification of knowledge in academic life and at the University. The author uses the hermeneutic method of comprehension from adopted terms from etymologicalorigins, contextualizing ideas, situations and finalities about knowledge as subject from intellectual and University life that is classified according to possible kinds of articles in relation to these subjects.

Key words: knowledge, article, classification, tipology, intellectual life.

Rev. UniÍtalo em Pesquisa, São Paulo SP, v. 1, n. 1, 2011

1 PROLEGÔMENOS DO COTIDIANO. “Estude meu filho. Estude sempre. O conhecimento não ocupa espaço”. Com este discurso em muitas circunstâncias ouvimos as recomendações dos nossos pais por ocasião dos estudos básicos de nossa formação acadêmica. Com efeito, muitas são as lembranças daquela época em que estudar era uma obrigação quando muito um dever chato e sem sentido. O tempo traz consigo os benefícios da maturidade e a carreira profissional exige leitura permanente, atualização de conteúdos, busca de novos dados e adaptação às tecnologias multimídias. Novas competências somam-se às habilidades comprometidas com a eficácia no que se refere à prontidão de resultados e com a eficiência no que se diz respeito à qualidade dos mesmos. O propósito deste artigo é o de categorizar as diferentes maneiras de obtermos o conhecimento e do seu registro na vida universitária, seja entendido como ferramenta de trabalho e também seja tomado como alimento para a inteligência. Com frequência encontramos a argumentação de que vivemos em uma sociedade baseada na informação. De fato, a configuração informacional da sociedade explica o volumoso trabalho que temos diante de centenas de e-mail recebidos em nossa caixa postal e as manchetes enviadas pelos meios de comunicação social aos nossos smartphones. As redes sociais são o palco para as catarses de um universo de desconhecidos e a privacidade passa a ser interpretada como incômoda. Todos querem ter o direito de pensar tudo, dizer tudo, experimentar tudo na ilusão de vivenciar o TODO em sua natureza e destino. Rev. UniÍtalo em Pesquisa, São Paulo SP, v. 1, n. 1, 2011

Pretendemos não apenas contextualizar o conhecimento para a vida acadêmica, mas também estabelecer uma reflexão que transcenda o efêmero do cotidiano e nos permita pensar o destino de nossas próprias escolhas seja na vida pessoal, como também a acadêmica e profissional.

2 O CONHECIMENTO PODE SER CLASSIFICADO?

É atribuída a um grande intelectuale professor universitário do século XIII (Roccasecca, 1225 — Fossanova, 7 de março 1274) uma dentre várias citações que o tornaram o sistematizador da Escolástica, corrente filosófico teológica que norteou a Europa medieval e presenteou a Humanidade com o fenômeno das Universidades. Fazemos menção à citação proferida por São Tomás de Aquino (filósofo e teólogo, um dos maiores gênios da Universidade de Paris): “a ordem entre as ideias tanto quanto as próprias ideias”. Em sua interpretação literal podemos

entender que não basta apenas

possuirmos o conhecimento. Temos que sabê-lo classificado para que o seu propósito seja alcançado: propor novas perspectivas, gerar ideias, esclarecer afirmações, contextualizar uma realidade ou mesmo abrir novos horizontes epistemológicos. A palavra conhecimento possui suas raízes etimológicas no latim e também do grego. Cognoscere que dá sentido ao termo e significa 1.ser capaz de formar uma ideia, um conceito sobre; saber. 2. Ter informação sobre a existência ou valor de. 3.poder identificar algo ou alguém; reconhecer. 4. Experimentar. 5. Entrar em contato com alguém, travar conhecimento com (LAROUSSE, 1982, p. 56).

A compreensão latina ganha mais densidade se retrocedermos à Civilização Helênica, universo do qual o termo nasce. Da Cunha (1986, Rev. UniÍtalo em Pesquisa, São Paulo SP, v. 1, n. 1, 2011

p. 207) aponta o século XIII como pertinente ao termo. Se retrocedermos aos gregos, a palavra é registrada segundo Abbagnano (1988, p. 174) como gnosis (e podemos tomar esta preciosa informação ao identificarmos o termo nous (que não possui incidência direta na Língua Portuguesa, mas que muitos filósofos – dentre eles Aristóteles – associam à ideia de “mente” ou “intelecto”. O que a mente ou o intelecto conseguem contemplar, compreende-se como conhecimento. Soares (2011) interpreta que o termo pode ser entendido em seu significado como o ato de conhecer e também a própria coisa que é conhecida. Nesta linha de raciocínio, podemos classificá-lo em quatro grandes linhas:

1) A perspectiva do conhecimento senso comum oriundo da experiência de vida das pessoas e que se acumula a partir dos valores pelos quais nos norteamos e pelos quais pautamos nossas decisões. São célebres os ditos populares como: “em terra de cego, quem tem um olho é rei” e “não há bem que sempre dure e nem mal que nunca se acabe”. Ora, qual a proveniência desta riqueza singular? Certamente o fator humano contribui em muito para que a Humanidade seja contemplada. É a doxa ( = grega 2) A

perspectiva

do

conhecimento

científico

oriundo

das

mensurações laboratoriais e que requerem a utilização de tecnologia. A episteme () é o perfil de um conhecimento que contempla as ciências da natureza como as áreas de exatas e biológicas: Matemática, Biologia, Química, Física Quântica e Engenharia, dentre outras. Rev. UniÍtalo em Pesquisa, São Paulo SP, v. 1, n. 1, 2011

3) O dogma (= caracteriza o conhecimento teológico e religioso. O Decálogo, a ideia de uma perfeição do ser divino, os princípios religiosos de uma doutrina e os rituais religiosos são exemplos de um conhecimento que não se enquadra em equações, mas também não pode ser fruto de um espontaneísmo desprovido de doutrina. 4) Finalmente o conhecimento filosófico pauta-se pela produção legítima do pensar permeado pela razão. A lógica, a retórica, a oratória,

a

ferramentas

fenomenologia, que são

a

utilizadas

dialética pelo

são

exemplos

pensamento

para

de a

construção da natureza deste patrimônio. O logos (=) é capaz de transformar a doxa em conhecimento organizado.

A questão que se apresenta para o mundo acadêmico no que tangencia o conhecimento, não é mais quanto à sua classificação, mas sim às possibilidades metodológicas que temos de gerenciá-lo e utilizá-lo como ferramenta. Assim argumentado, apresenta-se outra questão que passamos ao tratamento.

3 OS “PEDAÇOS” DO CONHECIMENTO COMO FRAGMENTOS DE UMA REALIDADE DE TRANSCENDÊNCIA.

Em uma proveitosa obra aos que buscam seriedade acadêmica e que

recomendo

expressamente,

Libânio

(2001)

destaca

vários

elementos que constituem a vida intelectual e os procedimentos necessários para mantê-la ativa. Um dos capítulos é destinado à leitura e o questionamento que se pode fazer é o seguinte: o que podemos e Rev. UniÍtalo em Pesquisa, São Paulo SP, v. 1, n. 1, 2011

devemos ler diante de um universo de conhecimento e de vários conhecimentos? De fato, não é qualquer leitura que pode suprir a fome da inteligência. A leitura de uma revista científica é singularmente mais importante do que o caderno de esportes do jornal de nossa preferência, mesmo o nosso time tendo vencido a última etapa do campeonato. Uma revista científica é constituída do que se entende como artigos. Do latim articulus, o vocábulo significa pedaço, ou mais apropriadamente “divisão de um trabalho escrito” no esclarecimento em Cunha (1986, p.73). Em relação à extensão ou volume de um trabalho de pesquisa, é legítimo “fatiá-lo” de modo que uma ideia ou um argumento possam ser melhor “degustados” por um público que venha a ser beneficiado pela produção. Estes fragmentos do conhecimento é que constituem a corporeidade de uma revista científica. Uma obra que tem contribuído em muito para a formação de pesquisadores no meio acadêmico ao longo de décadas e a quem faço citação expressa, é bibliografia obrigatória para quem estuda a disciplina ou possui a agradável oportunidade de redigir algo. Neste livro, Severino (2007, p. 208) elucida a natureza dos artigos científicos: Destinados especificamente a serem publicados em revistas e periódicos científicos, esta modalidade de trabalho tem por finalidade registrar e divulgar, para público especializado, resultados de novos estudos e pesquisas sobre os aspectos ainda não devidamente explorados ou expressando novos esclarecimentos sobre questões em discussão no meio científico. O artigo tem a estrutura comum ao trabalho científico em geral, mas quando relacionado aos resultados de uma pesquisa, deve destacar os objetivos, a fundamentação e a metodologia da mesma, seguindo-se a análise dos dados envolvidos e as conclusões a que se chegou, completando-se com o registro das referências bibliográficas e documentais. Quanto à formatação técnica do texto, as revistas e periódicos costumam estabelecer normas específicas para a publicação dos artigos, cabendo ao autor se inteirar delas antes de enviar seu trabalho à editoria. Rev. UniÍtalo em Pesquisa, São Paulo SP, v. 1, n. 1, 2011

É bastante elucidativa a classificação de artigos apresentada por Sampaio (2009, p.34-35) e que a citamos para efeito de esclarecimento: a)Artigos originais: descrevem pesquisas originais, ou seja, ainda não publicadas, que são apresentadas em seções que refletem as etapas do estudo. b)Artigos de revisão: avaliações críticas da literatura sobre um determinado tema. c)Artigos de atualização: mais breves que os artigos de revisão, discutem aliteratura recente sobre o estado da arte de algum assunto. d)Relatos de experiência: trabalhos de observações originais, acompanhados de análise e discussão. Os estudos de caso se enquadram nesta categoria. e)Resenhas: textos breves, escritos por especialistas, que apresentam um resumo comentado de obras recém publicadas. f)Ensaios: estudos aprofundados sobre um tema ou um modelo teórico. g)Cartas ao editor: discutem artigos publicados recentemente, ou debatem temas de pesquisa ou achados científicos significativos. h)Debates: seção, em geral, proposta pelo editor que abre discussão para temas atuais e controversos da área. i)Notas de pesquisa: relatos mais curtos do que o artigo que apresentam hipótese, progressos ou dificuldades de pesquisas em andamento. j)Depoimentos e entrevistas: histórias de vidas ou realizações profissionais de personagens representativos e de interesse de uma área. k)Ponto de vista: trabalhos de relevância em forma de comentário, apresentando novas ideias, ou perspectivas de acordo com a visão do autor.

Percebe-se notoriamente a riqueza de oportunidades pelas quais o conhecimento pode ser expresso, absorvido, utilizado e aplicado a diversas circunstâncias de uma vida acadêmica: um seminário, uma pesquisa para a monografia de conclusão de curso, uma revisão de literatura e até mesmo uma atualização em uma determinada área do saber.

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4 DE UMA SOCIEDADE FUNDAMENTADA PELA INFORMAÇÃO PARA UM MUNDO PAUTADO PELO CONHECIMENTO.

Em meio ao dinamismo universitário que permeia as aulas, palestras, seminários, bancas e conferências, notamos um modo de agir na cultura acadêmica que requer um prudente discernimento. Com efeito, vivemos em uma sociedade que é definida por muitos teóricos como a sociedade da informação e tal postulado é legítimo. Das compras em um supermercado a uma encomenda pelo site divulgado pela televisão, do pagamento das nossas contas pela internet a uma visita ao blog de um conhecido, tudo gira em torno do eixo informacional. É necessário esclarecermos que informação distingue-se do conhecimento em natureza, profundidade e propósito. A informação corresponde a um conjunto de dados organizados em torno de um assunto, tema ou questão apresenta. Se eu ingresso em algum buscador como os já conhecidos Google ou Alta Vista e digito a expressão “otimização de recursos” ou “motivação de funcionários”, as centenas de milhares de páginas que me são oferecidas constituem-se tão somente informação. Termos, conceitos e dados sobre o que foi “buscado” são entregues em questão de frações de segundos pelo oráculo virtual. Se utilizo este material tal como se apresenta e o reproduzo na íntegra, não apenas cometo crime de plágio como também deixo de cumprir o que a mim foi solicitado pelo docente da disciplina, embora esta prática careça de maior empenho de esclarecimento por parte docente. O conhecimento reside no âmbito da solução de um problema apresentado em uma determinada área do saber. Eu posso utilizar as informações obtidas na Internet respeitando as diretrizes da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT – em referência às produções Rev. UniÍtalo em Pesquisa, São Paulo SP, v. 1, n. 1, 2011

acadêmicas e incluir belíssimas citações diretas ou indiretas. Isso enriquece o trabalho e configura maturidade por parte do seu produtor. Ora, a alquimia da transmutação do chumbo da informação em ouro do conhecimento processa-se no laboratório do espírito. Quando a inteligência é capaz de combinar uma das seguintes operações do intelecto com eficácia e eficiência, temos um belo produto e é isso que cada professor busca realizar em sala de aula com os seus alunos. Este é o propósito de um pesquisador que mereça este vocativo. Dentre inúmeros procedimentos, poderíamos citar alguns: Problematizar Generalizar Especificar Interpretar Comparar Contrastar Justificar Analisar Induzir Definir Ilustrar Inferir Prever Propor Criar Encerro o artigo e prossigo no assunto ao resgatar um ensinamento dos clássicos latinos que nos ensinam e que é o lema da Escola Preparatória de Cadetes do Ar da Força Aérea Brasileira: “non multa, sed multum”: não (fazer) muitas coisas (no predicado quantidade),mas fazê-las com profundidade (qualidade). Que a Rev. UniÍtalo em Pesquisa, São Paulo SP, v. 1, n. 1, 2011

dedicação deva ser plena para se alcançar um fim. Não muitas coisas, mas que elas sejam plenas. Talvez esta seja a armadilha da contemporaneidade: ao corrermos como loucos gritando como o coelho no País das Maravilhas, acabamos por chafurdar na mesmice e na falta de densidade de ideias. De pedaços de conhecimento, alimentamo-nos de farelos da informação. Pensemos nisto.

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REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 2. edição. São Paulo: Martins Fontes, 1988. DA CUNHA, A. G. Dicionário etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa. 2. edição revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. LAROUSSE CULTURAL. Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1992. LIBÂNIO, J. B. Introdução à vida intelectual. São Paulo: Loyola, 2001. SAMPAIO, M. I. C. Normatização, instrução aos autores e tipos de artigos científicos. São Paulo: BIREME, OPAS, OMS e Secretaria de Saúde de São Paulo, 2009. Disponível em: . Acesso em 2 mar. 2011. SEVERINO, A. J. Metodologia do Trabalho Científico. 23. ed. revista e atualizada. São Paulo: Cortez, 2007. SOARES, F. F. O conhecimento. Disponível em: . Acesso em 20 mar. 2011.

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